ação direta de inconstitucionalidade 4.854/rs relator
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No 40.814/2015-AsJConst/SAJ/PGR
Ação direta de inconstitucionalidade 4.854/RSRelator: Ministro Celso de MelloRequerente: Partido Social Liberal (PSL)Interessados: Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Assembleia Legislativa do Estado doRio Grande do Sul
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DEINCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 2o E 3o DA LEI13.711/2011, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.REGIME ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. DEVEDORCONTUMAZ. DEFINIÇÃO. ARTS. 1o A 4o DO DECRETO48.494/2011, DO MESMO ESTADO. OBRIGAÇÕESTRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS. ALEGAÇÃO DEVIOLAÇÃO AOS ARTS. 2o, 5o, CAPUT, II E XIII; 37, CAPUT,146, III, B; 150, II; 155, § 2o, I, E 170, CAPUT EPARAGRÁFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA. PRELIMINARES. NÃO CONHECIMENTODA AÇÃO QUANTO AO DECRETO. ATO NORMATIVOSECUNDÁRIO. ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DO ART.2o DA LEI. AUSÊNCIA DE ADITAMENTO DA INICIAL.MÉRITO, OFENSA AO PRINCÍPIO DAPROPORCIONALIDADE. EXPOSIÇÃO DA IMAGEM DOCONTRIBUINTE SUBMETIDO AO REGIME ESPECIAL.MEDIDA DESARRAZOADA. OFENSA AO ART. 155, § 2o, I,DA CR. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.
1. Não cabe, em regra, ação direta de inconstitucionalidade contradecreto regulamentar, por consubstanciar ato normativo secundá-rio, sujeito a contencioso de legalidade, consoante jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal.
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2. Não se deve conhecer ação direta contra preceito cuja reda-ção foi alterada e não houve aditamento da petição inicial. Pre-cedentes.
3. Inexiste violação aos arts. 5o, caput e XIII, e 170, caput e pará-grafo único, da CR, na imposição de regime especial de fiscali-zação (REF) do imposto sobre operações relativas à circulaçãode mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte inte-restadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS). Instituiçãodesse gênero de regime, por si só, não contraria dispositivos daConstituição da República nem consubstancia sanção política.
4. Não ocorre afronta aos arts. 2o , 5o , II, e 37, caput, da CR, nadefinição de “devedor contumaz” e no estabelecimento do re-gime de fiscalização tributária, se isso se fez por lei em sentidoestrito.
5. Não ocorre transgressão ao art. 146, III, b, da CR, na criaçãodo regime especial, pois obrigações tributárias acessórias decor-rem da legislação tributária, a qual é composta por tratados econvenções internacionais, decretos e normas complementares.
6. São legítimas medidas fiscalizatórias que tenham por fim in-duzir comportamentos do contribuinte, no interesse da arreca-dação e da fiscalização tributária.
7. Não se configura ofensa ao art. 150, II, da CR, na previsão deprocedimentos do fisco destinados a contribuintes devedorescontumazes, pois os incluídos e os não incluídos nesse conceitonão se encontram em situação equivalente.
8. Há violação do art. 155, § 2o , I, da CR, na norma do art. 4o
do Decreto 48.494/2011 que condiciona recebimento de cré-dito fiscal de ICMS a comprovante de pagamento realizado peloestabelecimento que esteja no regime especial de fiscalização. Anorma restringe a recuperação de crédito referente a ICMS edesrespeita a técnica de não cumulatividade do tributo.
9. Ocorre afronta ao art. 155, § 2o , I, da CR, em medida legisla-tiva que determina publicizar a submissão de contribuintes aoregime especial de fiscalização. O potencial prejuízo às empresaé imoderado, se comparado a potencial vantagem a ser alcançadapela fazenda pública estadual.
10. Parecer pelo não conhecimento da ação direta, por se dirigircontra ato regulamentar (Decreto 48.494/2011) e por alteração
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superveniente do ato atacado (art. 2o, § 1o, da Lei 13.711/2011),sem aditamento à petição inicial; no mérito, pela procedência par-cial do pedido.
I RELATÓRIO
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido
de medida cautelar, proposta pelo PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL),
contra os arts. 2o e 3o da Lei 13.711, de 6 de abril de 2011, e con-
tra os arts. 4o a 8o do Decreto 48.494, de 31 de outubro de 2011,
ambos do Estado do Rio Grande do Sul, que versam sobre regime
fiscal de fiscalização destinado a devedores contumazes do im-
posto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal
e de comunicação (ICMS).
Este é o teor dos atos normativos questionados:
Lei 13.711, de 6 de abril de 2011
[...]Art. 2o. O contribuinte será considerado como devedorcontumaz e ficará submetido a Regime Especial de Fiscali-zação, conforme disposto em regulamento, quando qualquerde seus estabelecimentos situados no Estado, sistematica-mente, deixar de recolher o ICMS devido nos prazos pre-vistos no Regulamento do Imposto sobre OperaçõesRelativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações deServiços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e deComunicação − RICMS.§ 1o. Para efeitos deste artigo, considera-se como devedorcontumaz o contribuinte que:I – deixar de recolher o ICMS declarado em Guia de Infor-mação e Apuração do ICMS − GIA −, em oito meses de
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apuração do imposto nos últimos doze meses anteriores aocorrente; (Redação dada pela Lei 14.180/2012)1
II – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativaem valor superior a 38.500 UPFs-RS, decorrente de im-posto não declarado em GIA, em oito meses de apuração doimposto nos últimos doze meses anteriores ao corrente; ou(Redação dada pela Lei 14.180/2012)2
III – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativaem valor que ultrapasse: (Incluído pela Lei 14.180/2012)a) 30% [...] do seu patrimônio conhecido; ou(Incluído pela Lei 14.180/2012)b) 25% [...] do faturamento anual declarado em GIA ou emGuia Informativa − GI −. (Incluído pela Lei 14.180/2012). [...]§ 2o. Não serão considerados devedores contumazes, para ostermos a que se refere o caput do art. 2o, as pessoas físicas oujurídicas, titulares originários de créditos oriundos de preca-tórios inadimplidos pelo Estado e suas autarquias, até o li-mite do respectivo débito tributário constante de DívidaAtiva.§ 3o. Não serão computados para os efeitos deste artigo osdébitos cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos doCódigo Tributário Nacional.Art. 3o. O contribuinte deixará de ser considerado comodevedor contumaz se os débitos que motivaram essa condi-ção forem extintos ou tiverem sua exigibilidade suspensa.
Decreto 48.494, de 31 de outubro de 2011Regulamenta o art. 2o da Lei no 13.711, de 6 de abrilde 2011, que define contribuinte devedor contumaz etrata do Regime Especial de Fiscalização, e modifica o
1 Texto originário da Lei 13.711/2011:“I – deixar de recolher o ICMS declarado em Guia de Informação e Apu-ração do ICMS – GIA –, sucessiva ou alternadamente, de débitos referen-tes a 8 (oito) meses de apuração do imposto, considerados os últimos 12(doze) meses; ou”.
2 Texto originário da Lei 13.711/2011:“II – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativa que ultrapas-sem limite de valor definido em instruções baixadas pela Receita Esta-dual”.
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Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas àCirculação de Mercadorias e sobre Prestações de Ser-viços de Transporte Interestadual e Intermunicipal ede Comunicação (RICMS).
Art. 1o. Com fundamento no art. 2o da Lei nº 13.711, de 6de abril de 2011, considera-se devedor contumaz o contri-buinte que:I – deixar de recolher débitos declarados em Guia de Infor-mação e Apuração do ICMS-GIA, em 8 [...] meses de apu-ração do imposto nos últimos 12 [...] meses anteriores aocorrente, considerados todos os estabelecimentos da em-presa; ouII – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativa,em valor superior a R$ 500.000,00 [...], decorrente de im-posto não declarado em GIA, em 8 [...] meses de apuraçãodo imposto nos últimos 12 [...] meses anteriores ao cor-rente, considerados todos os estabelecimentos da empresa;ouIII – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativaem valor que ultrapasse:a) 30% do seu patrimônio conhecido; oub) 25% do faturamento anual declarado em GIA ou emGuia Informativa – GI previstas nos arts. 174 e 175 do LivroII do Regulamento do ICMS – RICMS.§ 1o. Não serão considerados devedores contumazes as pes-soas físicas ou jurídicas, titulares originários de créditosoriundos de precatórios inadimplidos pelo Estado e suas au-tarquias, até o limite do respectivo débito tributário cons-tante como Dívida Ativa.§ 2o. Não serão computados para os efeitos deste artigo osdébitos cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos doCódigo Tributário Nacional.§ 3o. O contribuinte deixará de ser considerado devedorcontumaz quando os motivos que o levaram a essa condiçãoestiverem extintos.Art. 2o. O Regime Especial de Fiscalização – REF, a que serefere o art. 2o da Lei nº 13.711/11, será aplicado a contri-buinte considerado devedor contumaz nos termos do artigoanterior, com regras específicas para o cumprimento dasobrigações tributárias.
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§ 1o. Compete à Subsecretaria da Receita Estadual a inclu-são e exclusão dos contribuintes considerados devedorescontumazes no REF.§ 2o. O contribuinte será notificado do seu enquadramentocomo devedor contumaz e de que estará sujeito a inclusãono REF se, em até 15 [...] dias da ciência, não sanar as cau-sas que originaram o enquadramento.Art. 3o. O contribuinte que não sanar as causas que origina-ram o seu enquadramento como devedor contumaz serásubmetido ao REF mediante Ato Declaratório do Subsecre-tário da Receita Estadual.§ 1o. O Ato Declaratório conterá a motivação, os termos eas obrigações do contribuinte submetido ao REF.§ 2o. A inclusão do contribuinte no REF será formalizadaem processo administrativo contendo a notificação previstano § 2o do art. 2o, a relação dos débitos e demais elementosnecessários à caracterização do contribuinte como devedorcontumaz.§ 3o. O REF terá início com a ciência, pelo contribuinte, doAto Declaratório de que trata este artigo, nos termos do art.21 da Lei no 6.537, de 27 de fevereiro de 1973.§ 4o. Após a notificação nos termos do parágrafo anterior, oAto Declaratório será publicado no Diário Oficial do Estado.§ 5o. A lista dos contribuintes submetidos ao REF estarádisponível no site da Secretaria da Fazenda http://www.se-faz.rs.gov.br.§ 6o. A qualquer tempo, o Subsecretário da Receita Estadualpoderá determinar medidas adicionais ou a suspensão demedidas consideradas desnecessárias, inclusive a exclusão doREF, notificando o contribuinte nos termos do art. 21 daLei 6.537/73. Art. 4o. O contribuinte submetido ao REF ficará sujeito àsseguintes medidas:I – perda dos sistemas especiais de pagamento do ICMSprevistos no RICMS, Livro I, art. 50;II – pagamento na ocorrência do fato gerador, exceto nassaídas de estabelecimento varejista, do débito próprio e,quando for o caso, de responsabilidade por substituição tri-butária, conforme previsto no RICMS, Livro I, art. 46, I, f;
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NOTA 01 – As Notas Fiscais emitidas com destaque do im-posto deverão conter a informação: “Contribuinte subme-tido a REF com vencimento do ICMS no fato gerador; ocrédito fiscal somente é permitido mediante comprovantede arrecadação”.NOTA 02 – A guia de recolhimento ou o comprovante dopagamento do ICMS próprio e do de substituição tributáriadeverá acompanhar as mercadorias, juntamente com o do-cumento fiscal próprio, para fins de trânsito e, quando for ocaso, de aproveitamento de crédito fiscal pelo destinatário. NOTA 03 – O contribuinte com saldo credor apurado nomês anterior poderá compensá-lo com o imposto destacadono documento fiscal.III – suspensão do diferimento do pagamento do imposto,conforme previsto no RICMS, Livro III, art. 1o, § 4o;IV – obrigatoriedade de pagamento centralizado em umúnico estabelecimento, conforme previsto no RICMS, Li-vro I, art. 40, § 3o, no caso de empresa com várias filiais;V – fiscalização ininterrupta no estabelecimento do sujeitopassivo; VI – exigência de apresentação periódica de informaçõeseconômicas, patrimoniais e financeiras.
Alega o requerente que os preceitos afrontariam os arts. 2o;
5o, caput, II e XIII; 37, caput; 146, III, b; 150, II; 155, § 2o, I, e 170,
caput e parágrafo único, todos da Constituição da República. Sus-
tenta que o regime especial de fiscalização consubstanciaria forma
oblíqua de cobrança de tributos, que prejudicaria a atividade das
empresas. Afirma, quanto ao decreto, que “o impugnado regime
especial de fiscalização foi instituído pela Lei Estadual 13.711/11,
mas o Decreto Estadual 48.494/11, ao regulamentá-lo, criou me-
didas que, embora autorizadas por aquela lei, têm natureza do
‘algo novo’, nascidos do próprio decreto, não da lei. Ou seja, em
que pese não exista conflito entre a Lei Estadual 13.711/11 e o
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Decreto 48.494/11 – pois a vontade do Poder Legislativo Esta-
dual, no caso, é justamente punir o devedor tributário, o que é
feito pelo Poder Executivo mediante decreto – este, mesmo com-
plementar, apresenta caráter nitidamente normativo, instituindo
regras específicas para o contribuinte considerado devedor”.
Salienta que medidas como a que obriga os devedores sub-
metidos ao regime especial a colocar em notas fiscais os registros
da Nota 1 do decreto expõem os contribuintes perante seus clien-
tes e fornecedores. Sustenta que “a inclusão no malfadado regime
prevê 5 [...] formas diferentes de exposição pública negativa do
nome da empresa: 1) destaque na nota fiscal, 2) Diário Oficial do
Estado, 3) CADIN, 4) órgãos de restrição ao crédito e 5) lista de
contribuintes submetidos ao Regime Especial disponível no site
da Secretaria da Fazenda do Estado do RS”. Assevera haver enten-
dimento do Supremo Tribunal Federal de que qualquer regime
especial de cobrança do ICMS seria inconstitucional, pois caracte-
rizaria forma oblíqua de cobrança de tributo e contrariaria os
princípios da livre concorrência e da liberdade de trabalho e co-
mércio. Entende que as súmulas 70,3 3234 e 5475 do STF respalda-
riam suas alegações e que o REF seria espécie de sanção política
(peça eletrônica 2).
3 Supremo Tribunal Federal, súmula 70: “É inadmissível a interdição de esta-belecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”.
4 STF, súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meiocoercitivo para pagamento de tributos”.
5 STF, súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinteem débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas eexerça suas atividades profissionais”.
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A petição inicial foi aditada. Argui o requerente que o art. 2o,
caput e § 1o, II, da lei riograndense, ao atribuir ao decreto concei-
tuar “devedor contumaz”, violaria os princípios da legalidade (arts.
5o, II, e 37, da Constituição da República) e da independência e
harmonia entre os poderes e afrontaria o art. 146, III, b, da CR.
Haveria também ofensa aos princípios da não cumulatividade, da
igualdade e da proporcionalidade (peça 3).
O relator, Ministro CELSO DE MELLO, adotou o rito do art. 12
da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, e solicitou informa-
ções à ASSEMBLEIA LEGISLATIVA e ao GOVERNADOR DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL (peça 12).
A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
afirmou que as normas atacadas não violam a Constituição do
Brasil e mesmo indiretamente não ofendem a liberdade de traba-
lho e de comércio, os princípios da legalidade, da independência e
harmonia entre poderes, da não cumulatividade e da igualdade.
Ressaltou que o Tribunal de Justiça gaúcho julgou improcedente
incidente de inconstitucionalidade cujo objeto eram a Lei Esta-
dual 13.711/2011 e o Decreto 48.494/2011 (arguição de incons-
titucionalidade 700048229124). Acrescentou que os artigos do
decreto são apenas desdobramentos do art. 2o, § 1o, II, da Lei
13.711/2011 (peça 20).
O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL susten-
tou que: (I) o objetivo do regime especial de fiscalização seria
evitar que devedores contumazes acumulem mais dívidas e não
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cobrar os créditos do Estado, protegendo o livre mercado; (II) se-
riam considerados contumazes, de acordo com a lei e o decreto,
devedores que evidentemente se recusem a cumprir obrigações
tributárias; (III) o montante devido pelos contribuintes que po-
dem ser considerados devedores contumazes ultrapassaria
R$ 1 bilhão; (IV) a divulgação da relação de devedores seria dever
para com a sociedade, de acordo com a Lei 12.527, de 18 de no-
vembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), e o mesmo
quanto à necessidade de fazer constar das notas fiscais que se trata
de empresa submetida ao regime especial; (V) o princípio da le-
galidade não foi maculado, considerando que os atos normativos
não instituíram nem aumentaram tributo ou dispuseram sobre
crédito tributário; (VI) os atos impugnados seriam apenas medidas
de fiscalização, nos termos dos arts. 113, § 2o; 183 e 194, do Có-
digo Tributário Nacional; (VII) inexistiria ofensa ao princípio da
não cumulatividade, pois o aproveitamento dos créditos de
ICMS permaneceu incólume, e haveria apenas modificação na
sistemática de débitos por saídas que gerem créditos fiscais a cli-
entes (peça 29).
Ainda segundo o art. 12 da Lei 9.868/1999, o relator solici-
tou manifestação da ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO e da
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA (peça 38).
A ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO suscitou, preliminarmente,
não conhecimento da ação direta no que toca ao decreto, dada
sua natureza meramente regulamentar. Apontou precedentes do
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Supremo Tribunal Federal no sentido da inviabilidade de ação
direta contra ato normativo secundário. Arguiu não cabimento
da ação quanto ao art. 2o, § 1o, I e II, da Lei 13.711/2014, pois o
texto atacado não permanece em vigor, em virtude de alteração
legislativa da Lei 14.180, de 28 de dezembro de 2012. No mé-
rito, manifestou-se por improcedência do pedido e afirmou que
o autor pretende demonstrar inconstitucionalidade dos artigos 2o
e 3o da Lei no 13.711/2011 a partir de análise do decreto e esten-
der às normas legais argumentação referente às medidas fiscaliza-
tórias previstas pelo artigo 4o do Decreto 48.494/2011.
Acrescentou que segundo o dispositivo, as medidas impostas a
devedores submetidos ao Regime Especial de Fiscalização têm
por objetivo induzir comportamentos do contribuinte, no inte-
resse da arrecadação e da fiscalização tributária. Sendo assim,
trata-se de obrigações tributárias acessórias, consoante o art. 113,
§ 2o, do Código Tributário Nacional (peça 43).
É o relatório.
II PRELIMINARES
II.1 PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO DIRETA
POR ALTERAÇÃO DO DISPOSITIVO IMPUGNADO
A petição inicial, recebida pelo Supremo Tribunal Federal
em 22 de outubro de 2012, questiona a constitucionalidade dos
arts. 2o e 3o da Lei 13.711, de 6 de abril de 2011, do Estado do
Rio Grande do Sul (peça eletrônica 1). O art. 2o, todavia, sofreu
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modificações pela Lei 14.180, de 28 de dezembro de 2012, que
não só lhe alterou os incisos I e II como acrescentou o inc. III ao
§ 1o do artigo.6 Embora o requerente tenha aditado a inicial
(peça eletrônica 3), não impugnou o art. 2o na redação conferida
pela Lei 14.180/2012.
Na petição inicial, ao reproduzir os dispositivos atacados, o
requerente transcreveu o § 1o do art. 2o na redação originária, ou
seja, sem as modificações decorrentes da Lei 14.180/2012. Poste-
riormente, não houve emenda à inicial nesse ponto.
Como acertadamente alertou a ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO,
ainda que essa Corte entenda serem meramente formais essas al-
terações, o conhecimento da ação relativamente a eles está invia-
bilizado por ausência de aditamento à petição inicial para incluir
as modificações em seu objeto (página 14 da peça 43).
6 Lei 14.180, de 28 de dezembro de 2012:“Art. 2o. Na Lei no 13.711, de 6 de abril de 2011, e dada nova redação aosincisos I e II e fica acrescentado o inciso III ao § 1o do art. 2o, conformesegue:‘Art. 2o. [...]§ 1o. [...]I – deixa de recolher o ICMS declarado em Guia de Informação de Apu-ração do ICMS – GIA – , em oito meses de apuração dos impostos dosúltimos doze meses anteriores ao corrente:II – tiver créditos tributários inscritos como Divida Ativa em valor supe-rior a 38.500 UPFs-RS, decorrente de imposto não declarado em GIA,em oito meses de apuração do imposto nos últimos doze meses anterioresao corrente; ouIII – tiver créditos tributários inscritos como Divida ativa em valor queultrapasse:a) 30% ([...]) do seu patrimônio conhecido; oub) 25% ([...]) do faturamento anual declarado em GIA ou em Guia Infor-mática – GI’”.
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A inviabilidade de ação direta que veicule impugnação a
texto normativo modificado e em relação ao qual não tenha ha-
vido aditamento à da inicial foi reconhecida pelo Supremo Tri-
bunal Federal. Eis trechos de julgados que abordam o assunto:
Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de regiãometropolitana e competência para saneamento básico. Açãodireta de inconstitucionalidade contra Lei Complementar n.87/1997, Lei n. 2.869/1997 e Decreto n. 24.631/1998, to-dos do Estado do Rio de Janeiro, que instituem a RegiãoMetropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos La-gos e transferem a titularidade do poder concedente paraprestação de serviços públicos de interesse metropolitano aoEstado do Rio de Janeiro. 2. Preliminares de inépcia dainicial e prejuízo. Rejeitada a preliminar de inépciada inicial e acolhido parcialmente o prejuízo em re-lação aos arts. 1o, caput e § 1o; 2o, caput; 4o, caput e in-cisos I a VII; 11, caput e incisos I a VI; e 12 da LC87/1997/RJ, porquanto alterados substancialmente.[...]7
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.ART. 368 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIODE JANEIRO. RENUMERAÇÃO DO PRECEITO,MANTIDO O TEXTO ORIGINAL. ADITAMENTOPROMOVIDO PELO AUTOR. PRELIMINAR DEPREJUDICIALIDADE REJEITADA. NORMA CONS-TITUCIONAL ESTADUAL QUE DISPÕE SOBREAPLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃODE TEXTOS NORMATIVOS ESTADUAIS. CONSTI-TUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE COMPE-TÊNCIA CONSTITUCIONAL EXCLUSIVA DAUNIÃO. QUEBRA DO PRINCÍPIO FEDERATIVO EDA INTERDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTREOS PODERES. INOCORRÊNCIA. 1. A renumeração
7 Supremo Tribunal Federal. Plenário. Ação direta de inconstitucionalidade1.842/RJ. Relator: Ministro LUIZ FUX. Redator para acórdão: MinistroGILMAR MENDES. 6/3/2013, maioria. Diário da Justiça eletrônico 181, 16 set.2013.
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do preceito constitucional estadual impugnado,mantido na íntegra o texto original, não implica aprejudicialidade da ação direta, desde que promo-vido o aditamento à petição inicial. Precedente [ADI1.874, Relator o Ministro MAURÍCIO CORREA, DJ07.02.2003]. [...]. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidadejulgada improcedente.8
O Ministro GILMAR MENDES, ao tratar de pedidos de decla-
ração de inconstitucionalidade contra leis de conversão de me-
didas provisórias, faz esclarecimentos pertinentes ao aditamento
de petições iniciais e a alterações legislativas do objeto de ação
direta:
Embora o Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe-deral não contemple, expressamente, a possibilidade de al-teração na petição inicial, reconheceu a jurisprudência doTribunal a possibilidade de aditamentos ou emendas à ini-cial.[...]De qualquer forma, afigura-se recomendável que o adita-mento da inicial somente seja exigido para aqueles casosem que se operou uma alteração substancial de conteúdonormativo no contexto da sua conversão em lei.9
Desse modo, a declaração de inconstitucionalidade, nos ter-
mos pleiteados pelo requerente, é inócua. As normas contidas no
art. 2o, § 1o, da Lei 13.711/2011 não subsistem no ordenamento
jurídico com a redação atacada. Portanto, está prejudicado o
8 STF. Plenário. ADI 246/RJ. Rel.: Min. EROS GRAU. 16/12/2004, maioria.DJ, 29 abr. 2005, p. 07.
9 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI,ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012, pp.174-175.
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exame da ação direta quanto ao dispositivo, ante a inexistência de
aditamento da inicial.
A prejudicialidade no que se refere ao art. 2o, § 1o, configura
prejuízo de toda a ação direta. Inegavelmente, esse § 1o é essencial
para a análise dos demais preceitos impugnados. Nele estão as cir-
cunstâncias que caracterizam, para efeito do próprio regime espe-
cial de fiscalização, o devedor contumaz.
II.2 IMPUGNAÇÃO A ATO NORMATIVO SECUNDÁRIO
Ataca o requerente os arts. 4o a 8o do Decreto 48.494, de 31
de outubro de 2011, do Rio Grande do Sul. O decreto, como in-
dica sua epígrafe, regulamenta o art. 2o da Lei no 13.711, de 6 de
abril de 2011, que define contribuinte devedor contumaz e trata
do Regime Especial de Fiscalização, e modifica o regulamento do
imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e
sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermu-
nicipal e de comunicação (RICMS). Trata-se de ato normativo de
índole regulamentar.
O pedido de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4o
a 8o do decreto não é compatível com a sistemática de controle
concentrado de constitucionalidade. Não cabe impugnar ato nor-
mativo regulamentar por meio de ação direta.
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Decreto regulamentar é ato normativo secundário, que, se-
gundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,10
não possui aptidão jurídica para ser atacado por ações de controle
concentrado, exceto no que diz respeito à inobservância do prin-
cípio da reserva legal,11 caso em que o decreto pode perder, nesse
ponto, a natureza de regulamentar.
Compatibilidade jurídica entre decreto e a lei que lhe con-
fere fundamento de validade e eventuais superações de conteúdo
consubstanciam exame de legalidade, não de constitucionalidade.
É o que se colhe, por exemplo, do seguinte precedente, entre mui-
tos outros:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.ATO REGULAMENTAR. CONTENCIOSO CONSTITUCIONAL:INOCORRÊNCIA.I. – O regulamento não está, de regra, sujeito ao controle deconstitucionalidade. É que, se o ato regulamentar vai alémdo conteúdo da lei, ou nega algo que a lei concedera, pra-tica ilegalidade. A questão, em tal hipótese, comporta-se nocontencioso de direito comum. Não cabimento de ação di-reta de inconstitucionalidade.II. – Precedentes do STF.III. – Agravo não provido.12
10 Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 205, p. 1.125; v. 204, p. 139; v. 140, p.36; v. 137, p. 1.100.
11 Em voto na medida cautelar na ADI 589/DF, o Ministro CARLOS VELLOSO
lembrou que “em certos casos, o regulamento pode ser acoimado de in-constitucional: no caso, por exemplo, de não existir lei que o preceda, ouno caso de o Chefe do Poder Executivo pretender regulamentar lei nãoregulamentável”. STF. Plenário. MC/ADI 589/DF. Rel.: Min. CARLOS
VELLOSO. 20/9/1991, un. DJ, 18 out. 1991.12 STF. Plenário. ADI 2.489-AgR/MA. Rel.: Min. CARLOS VELLOSO.
10/9/2003, un. DJ, 10 out. 2003, p. 21.
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O Ministro GILMAR MENDES, sobre o tema, ressalta:
Há algum tempo vem o Supremo Tribunal Federal recu-sando-se a examinar a constitucionalidade dos atos regula-mentares editados para execução das leis, no juízo abstratode constitucionalidade. Sustenta-se que, nesse caso, há umacolisão entre a lei e o regulamento, cuidando-se, pois, dequestão de legalidade a ser aferida no controle incidental ouconcreto. Segundo esse entendimento, a aferição da consti-tucionalidade de ato normativo pressupõe colisão diretacom a Constituição, conflito esse que não se configura narelação lei–regulamento. O Tribunal admite a aferição deconstitucionalidade do regulamento apenas na hipótese demanifesta ausência de fundamento legal para expedição doato (Constituição, art. 84, IV).13
Aferição abstrata de constitucionalidade de ato normativo
pressupõe confronto direto com a Constituição, conflito que não
ocorre no caso, visto que o Decreto 48.494/2011 foi previsto pela
Lei 13.711/2011 (art. 2o): “[o] contribuinte será considerado
como devedor contumaz e ficará submetido a Regime Especial de
Fiscalização, conforme disposto em regulamento”. O decreto
traça minúcias e cuida detalhadamente dos procedimentos admi-
nistrativos e medidas fiscalizatórias que darão forma ao regime es-
pecial de fiscalização, determinado na lei existente.
Desse modo, a ação direta não deve ser conhecida no tocante
ao pedido de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4o a 8o
do Decreto 48.494/2011.
13 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI,ADC e ADO: Obra citada na nota 9, pp. 181-182.
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III MÉRITO
Ultrapassadas as preliminares acima, procede em parte o pe-
dido da ação direta de inconstitucionalidade.
O PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL) objetiva declaração de in-
constitucionalidade dos arts. 2o e 3o da Lei 13.711, de 6 de abril
de 2011, e dos arts. 4o a 8o do Decreto 48.494, de 31 de outubro
de 2011, ambos do Estado do Rio Grande do Sul. Postula a in-
constitucionalidade do Regime Especial de Fiscalização (REF)
imposto às empresas reconhecidas como devedoras contumazes
do fisco gaúcho.
Alega que a caracterização das empresas como devedoras
contumazes e a submissão delas ao REF seriam meios oblíquos
de cobrança de crédito tributário, o que violaria os arts. 2o; 5o, ca-
put, II e XIII; 37, caput; 146, III, b; 150, II; 155, § 2o, I, e 170, caput
e parágrafo único, todos da Constituição da República.
É o que se passa a examinar.
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III.1 VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5o, CAPUT E XIII,
E 170, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO
Em sua argumentação, restringiu-se o requerente a atacar
dispositivos do Decreto 48.494/2011. Fê-lo porque a Lei
13.711/2011 define quais circunstâncias caracterizam o devedor
contumaz e prevê que o decreto detalhará procedimentos admi-
nistrativos e medidas fiscalizatórias para dar corpo ao Regime
Especial de Fiscalização (REF).
No tocante aos arts. 5o, caput e XIII,14 e 170, caput e parágrafo
único,15 da CR, afirma que qualquer regime lesivo à atividade la-
boral e econômica seria inconstitucional. Parece evidente que a
afirmação não pode ser aceita com essa amplitude.
Não há, nos preceitos impugnados, óbice ao funcionamento
de empresas submetidas ao REF. O pagamento centralizado do
ICMS em único estabelecimento,16 no caso de empresas com vá-
14 “Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviola-bilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-dade, nos termos seguintes: [...]XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendi-das as qualificações profissionais que a lei estabelecer; [...]”.
15“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer ativi-dade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos,alvo nos casos previstos em lei”.
16 “Art. 4o. O contribuinte submetido ao REF ficará sujeito às seguintes me-didas: [...]IV – obrigatoriedade de pagamento centralizado em um único estabeleci-mento, conforme previsto no RICMS, Livro I, art. 40, § 3o, no caso de
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rias filiais, não lhes compromete a atividade econômica, como as-
severa o requerente.
Aponta o PARTIDO SOCIAL LIBERAL (PSL) que o Supremo Tri-
bunal Federal teria pacificado jurisprudência de que qualquer re-
gime especial de cobrança de ICMS seria inconstitucional. A
argumentação não procede. O tribunal não possui entendimento
firmado no tema. Há decisões que tangenciam a questão, sem a
definir. Vejam-se julgados que tocaram na submissão de devedo-
res a regimes especial de fiscalização de ICMS:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRA-ORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IM-POSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIASE SERVIÇOS – ICMS. REGIME ESPECIAL DE FISCA-LIZAÇÃO DE DEVEDOR CONTUMAZ. IMPOSSIBI-LIDADE DA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO LOCAL EDO REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DAS SÚ-MULAS 279 E 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDE-RAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGAPROVIMENTO.17
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRA-ORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRECIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVI-ÇOS – ICMS. REGIME ESPECIAL DE FISCALIZA-ÇÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADEDE TRABALHO E DE COMÉRCIO E DA LIVRECONCORRÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO RE-GIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.18
empresa com várias filiais; [...]”.17 STF. Segunda Turma. Agravo regimental no recurso extraordinário com
agravo 805.558/RS AgR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 3/6/2014, unânime.DJe 114, 12 jun. 2014.
18 STF. Primeira Turma. RE 567.871/SE AgR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA,23/3/2011, unânime. DJe 66, 6 abr. 2011.
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1. Recurso extraordinário: descabimento: acórdão recorridoque se limitou a aplicar legislação que regulamenta o reco-lhimento do ICMS sob o regime de substituição tributária(RICMS), de natureza infraconstitucional: a alegada viola-ção aos dispositivos constitucionais invocados seria, se ocor-resse, reflexa ou indireta: incidência, mutatis mutandis, daSúmula 636. 2. ICMS: regime especial de fiscalização: ausên-cia de ofensa ao princípio da isonomia (CF, art. 5o, II) e àgarantia constitucional da liberdade de trabalho (CF, art. 5o,XIII): não incidência, no caso, das Súmulas 70, 323 e 547,que versam sobre a proibição de restrições à atividade eco-nômica como meio coercitivo de pagamento de tributos.19
Não há precedentes do Plenário sobre a matéria específica
discutida nesta ação direta e não se pode afirmar que o STF já a
tenha examinado para alicerçar seu entendimento. Inexiste juris-
prudência da Suprema Corte que respalde as alegações do reque-
rente quanto à inconstitucionalidade de regime especial de
fiscalização concernente ao ICMS.
Assevera a inicial, de modo genérico, que o regime especial
“contraria os objetivos da Constituição Federal de 1988”, sem se
esclarecer bem por quê. A imposição de regime especial de fisca-
lização, por si, não parece contrariar dispositivo algum da Consti-
tuição da República. Ao contrário, por permitir arrecadação mais
justa, evita competição desleal entre agentes econômicos, fruto
de sonegação tributária. O requerente traça linha de argumenta-
ção de que tal regime atrairia incidência das súmulas 70, 323 e
547 do Supremo Tribunal, que assentam o seguinte:
19 STF. Primeira Turma. RE 474.241/MG AgR, Rel.: Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, 15/8/2006, unânime. DJ, 8 set. 2006.
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Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimentocomo meio coercitivo para cobrança de tributo.”
Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadoriascomo meio coercitivo para pagamento de tributos. “
Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o con-tribuinte em débito adquira estampilhas, despache merca-dorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”
Essa Corte já definiu que conduta administrativa
impediente do desenvolvimento de atividade econômica
evidencia sanção política nas seguintes hipóteses: interdição de
estabelecimento (súmula 70); apreensão de mercadorias como
forma de cobrar tributo (súmula 323); impedimento à aquisição
de estampilhas ou à emissão de notas fiscais (procedimento que
atualmente corresponderia à aquisição de estampilhas – súmula
547); restrição à impressão de tais notas (recurso extraordinário
413.782/SC).20 Esses meios afetam de maneira severa a livre
iniciativa do contribuinte, motivo pelo qual devem ser
repudiados, em princípio.
Os verbetes 70 e 323 da súmula do STF foram aprovados na
sessão plenária de 13 de dezembro de 1963 e o 547, em 3 de
dezembro de 1969. Para as situações específicas enfrentadas na
ocasião, eram em tudo adequados.
Do exame dos arts. 2o e 3o da Lei 13.711/2011 e dos pre-
ceitos do Decreto 48.494/2011, não é possível inferir que o re-
gime especial de fiscalização consubstancie sanção política: não
20 STF. Plenário. RE 413.782/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, 17/3/2005,unânime. DJ, 3 jun. 2005.
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leva a interditar estabelecimentos, não promove apreensão de
mercadorias, não impede emissão de notas fiscais, não veda a ati-
vidade lícita do contribuinte. O argumento de sanção política é
meramente retórico, pois não se pode impedir a administração
tributária – que tem o dever jurídico de agir com eficiência
(Constituição, art. 37, caput) – de adotar medidas para velar pela
arrecadação devida, diante da conduta de contribuintes que le-
vem a concluir por comportamento deliberado de furtar-se aos
ônus tributários que a lei lhes impõe.
Por essas razões, não prosperam as alegações do requerente
de possível violação aos arts. 5o, caput e XIII, e 170, caput e para-
grafo único, da CR.
III.2 VIOLAÇÃO AOS ARTS. 2o, 5o, II, E 37, CAPUT, DA CR
Em aditamento à inicial, suscita o requerente que o art. 2o,
caput e § 1o, II, da lei estadual violaria os princípios da legalidade
e da separação dos poderes,21 ao permitir que o Executivo esta-
21 Seria preferível denominá-lo de princípio da divisão funcional do poder,em lugar de “separação”, pois esta na realidade não há. Como disse oMinistro EROS GRAU em julgamento dessa Corte, “a separação dos poderesconstitui um dos mitos mais eficazes do Estado liberal” (STF. Plenário.ADI 3.367/DF. Rel.: Min. CEZAR PELUSO. 13/4/2005, maioria quanto aomérito. DJ, 17 mar. 2006, p. 4; republ. DJ, 22 set. 2006, p. 29; v. voto na fl.269 dos autos). Em outro ponto, cita feliz consideração de CarlosMaximiliano em seus Comentários à Constituição brasileira: “Como no corpodo homem, não há no Estado isolamento de órgãos, e, sim, especializaçãode funções” (3. ed. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1929, p. 304, citado nafl. 278 dos autos).
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beleça conceito legal de devedor contumaz. Argui, portanto, vio-
lação aos arts. 2o;22 5o II;23 37, caput,24 e 146, III, b,25 da CR.
Indica que o art. 2o, caput e § 1o, da Lei 13.711/2011, ao de-
legarem ao regulamento e instruções baixadas pela Receita Esta-
dual competência para conceituar o que seja “devedor
contumaz”, violou o princípio da reserva legal previsto no art. 37
da Constituição. Ainda nessa linha de raciocínio, o Poder Execu-
tivo teria transferido ao Executivo a tarefa de conceituar “deve-
dor contumaz” e definido quais contribuintes estariam
submetidos ao REF, transgredindo o princípio da divisão funcio-
nal do poder. A argumentação é infundada. As circunstâncias que
qualificam o contribuinte como devedor contumaz, para os efei-
tos da lei, estão descritas nela própria, no art. 2o, § 1o, que precei-
tua:
22 “Art. 2o. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, oLegislativo, o Executivo e o Judiciário”.
23 “Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a in-violabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade, nos termos seguintes: [...]II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senãoem virtude de lei; [...]”.
24 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Pode-res da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeceráaos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi-ciência e, também, ao seguinte: [...]”.
25 “Art. 146. Cabe à lei complementar: [...]III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especi-almente sobre: [...]b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;[...]”.
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Art. 2o O contribuinte será considerado como devedor con-tumaz e ficará submetido a Regime Especial de Fiscalização,conforme disposto em regulamento, quando qualquer deseus estabelecimentos situados no Estado, sistematicamente,deixar de recolher o ICMS devido nos prazos previstos noRegulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Cir-culação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços deTransporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunica-ção − RICMS.§ 1o. Para efeitos deste artigo, considera-se como devedorcontumaz o contribuinte que:I – deixar de recolher o ICMS declarado em Guia de Infor-mação e Apuração do ICMS − GIA −, em oito meses deapuração do imposto nos últimos doze meses anteriores aocorrente; (Redação dada pela Lei 14.180/2012)II – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativaem valor superior a 38.500 UPFs-RS, decorrente de im-posto não declarado em GIA, em oito meses de apuração doimposto nos últimos doze meses anteriores ao corrente; ou(Redação dada pela Lei 14.180/2012)III – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativaem valor que ultrapasse: (Incluído pela Lei 14.180/2012)a) 30% [...] do seu patrimônio conhecido; ou(Incluído pela Lei 14.180/2012)b) 25% [...] do faturamento anual declarado em GIA ou emGuia Informativa − GI −. (Incluído pela Lei 14.180/2012).
[...]
Os princípios da legalidade e da harmonia entre os poderes
não foram afrontados, pois o Poder Legislativo estadual, por meio
de lei, definiu os contornos do devedor contumaz, para efeito da
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Lei 13.711/2011. O Decreto 48.494/2011, no art. 1o,26 reproduz
o contido no art. 2o, § 1o, da lei.
III.3 VIOLAÇÃO AO ART. 146, III, b, DA CR
Tampouco existe violação ao 146, III, b, da Constituição da
República, segundo o qual lei complementar deve estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente
sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tri-
butários. É fora de dúvida que a lei gaúcha disciplina sistemática
de fiscalização tributária pertinente ao ICMS e não trata de cons-
tituição de crédito tributário ou de qualquer outro instituto pre-
visto no art. 146, III, b.
Acertadamente destaca a ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO que os
dispositivos guerreados versam sobre medidas fiscalizatórias, ou
seja, obrigações tributárias acessórias:
26 “Art. 1o. Com fundamento no art. 2o da Lei no 13.711, de 6 de abril de2011, considera-se devedor contumaz o contribuinte que:I – deixar de recolher débitos declarados em Guia de Informação e Apu-ração do ICMS – GIA, em 8 [...] meses de apuração do imposto nos últi-mos 12 [...] meses anteriores ao corrente, considerados todos osestabelecimentos da empresa; ouII – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativa, em valor supe-rior a R$ 500.000,00 ([...]), decorrente de imposto não declarado emGIA, em 8 ([...]) meses de apuração do imposto nos últimos 12 [...] mesesanteriores ao corrente, considerados todos os estabelecimentos da empresa;ouIII – tiver créditos tributários inscritos como Dívida Ativa em valor queultrapasse:a) 30% do seu patrimônio conhecido; oub) 25% do faturamento anual declarado em GIA ou em Guia Informa-tiva – GI previstas nos arts. 174 e 175 do Livro II do Regulamento doICMS – RICMS”.
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A partir da literalidade do dispositivo transcrito, constata-seque as medidas impostas aos devedores submetidos ao "Re-gime Especial de Fiscalização" têm por objetivo induzircomportamentos do contribuinte, no interesse da arrecada-ção e da fiscalização tributária. Sendo assim, trata-se deobrigações tributárias acessórias, nos termos do artigo 113,§ 2°, do Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172/66) [...].
Obrigações tributárias acessórias decorrem da legislação tri-
butária e esta é composta por tratados e convenções internacio-
nais, decretos e normas complementares. Veja-se o teor dos arts.
113 e 96 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de
outubro de 1966 – sem destaque no original):
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.§ 1o. A obrigação principal surge com a ocorrência do fatogerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penali-dade pecuniária e extingue-se juntamente com o créditodela decorrente.§ 2o. A obrigação acessória decorre da legislação tri-butária e tem por objeto as prestações, positivas ounegativas, nela previstas no interesse da arrecadaçãoou da fiscalização dos tributos.§ 3o. A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inob-servância, converte-se em obrigação principal relativamenteà penalidade pecuniária. (sem grifo no original)Art. 96. A expressão “legislação tributária” com-preende as leis, os tratados e as convenções interna-cionais, os decretos e as normas complementares queversem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurí-dicas a eles pertinentes.
Como tem reiteradamente reconhecido o Superior Tribunal
de Justiça, obrigações acessórias podem ser instituídas e disciplina-
das por atos infralegais. Não se lhes aplica na mesma extensão
qualquer à obrigação principal o princípio da legalidade. Vejam-se
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a esse propósito alguns exemplos de ementas que corretamente
revelam esse entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EMMANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ICMS.OPERAÇÕES DE EXPORTAÇÃO. REGRAS DODECRETO 11.803/2005 DO ESTADO DE MATOGROSSO DO SUL. INEXISTÊNCIA DEILEGALIDADE.1. As Turmas que integram a Primeira Seção/STJ firmaramentendimento no sentido de que as regras contidas no De-creto Estadual 11.803/2005 (do Estado do Mato Grosso doSul) – no qual é prevista a necessidade de cumprimento deobrigações acessórias, para fins de obtenção de regime espe-cial em operações de exportação, sendo que a falta do re-gime especial sujeita o estabelecimento remetente aorecolhimento do ICMS, garantida a devolução do tributo, secomprovada posteriormente a exportação – não ofendem aLC 87/96 nem a Constituição Federal, pois a existência deimunidade ou de isenção não impede que a legislação tribu-tária (em sentido amplo) estabeleça operações acessóriasdestinadas a auxiliar a fiscalização.2. Recurso ordinário não provido.27
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSOESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA.INDEFERIMENTO DA LIMINAR. AGRAVO DEINSTRUMENTO. ORDEM DENEGADA. APELAÇÃO.PRECEDÊNCIA DE JULGAMENTO. OFENSA AOART. 559 DO CPC. INOCORRÊNCIA. OBJETO DAAPELAÇÃO QUE CONTEMPLA AMBOSRECURSOS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.LC 84/96. DECRETO 1.826/96. ILEGALIDADE. NÃOEVIDENCIADA. DECRETO QUE REGULAMENTAA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA DE MANUTENÇÃODOS DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DO
27 Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Recurso ordinário em man-dado de segurança 27.243/MS, Rel.: Min. MAURO CAMPBELL, 7/4/2011,unânime. DJe 15 abr. 2011.
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ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA.CONSONÂNCIA COM OS ARTS. 113 E 115 DOCTN. LEI 8.212/91, ART. 31, § 11. MANUTENÇÃO DECOMPROVANTES FISCAIS. APLICAÇÃOSUBSIDIÁRIA. ART. 5O DA LC 84/96. VIOLAÇÃO DOART. 535, I E II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.1. O interesse público na arrecadação e na fiscalização tri-butária legitima o ente federado a instituir obrigações, aoscontribuintes, que tenham por objeto prestações, positivasou negativas, que visem guarnecer o fisco do maior nú-mero de informações possíveis acerca do universo das ati-vidades desenvolvidas pelos sujeitos passivos (artigos 113,§ 2o e 115 do CTN).[...]3. A relação jurídica tributária refere-se não só à obrigaçãotributária stricto sensu (obrigação tributária principal), comoao conjunto de deveres instrumentais (positivos ou negati-vos) que a viabilizam.4. O Decreto no 1.826/96, que em seu art. 5o dispôs sobrea obrigatoriedade da manutenção de cópia autenticada doscomprovantes de recolhimentos efetuados para o InstitutoNacional do Seguro Social – INSS, da contribuição pre-vista na Lei Complementar no 84/96, tem respaldo nosarts. 113 e 115 do CTN e no princípio da legalidade, namedida em que apenas regulamentou obrigação acessóriada guarda de documentos fiscais comprobatórios do adim-plemento da obrigação tributária, dever legal de todo con-tribuinte.
[...]10. Recurso especial desprovido.28
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS.MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO.DECRETO ESTADUAL N. 11.803/2005.OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS AO PROCEDIMENTODE ISENÇÃO DO ICMS. INEXISTÊNCIA DE
28 STJ. Primeira Turma. REsp 900.696/SP, Rel.: Min. LUIZ FUX, 19/3/2009,un. DJe 20 abr. 2009.
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OFENSA À LC NO 87/96. LEGALIDADERECONHECIDA.I – “O Decreto 11.803/2005, emitido pelo Estado doMato Grosso do Sul, instituiu uma série de obrigações tri-butárias acessórias, com o objetivo de tornar eficaz o pro-cedimento de fiscalização da efetiva exportação ou nãoexportação das mercadorias destinadas ao exterior, com oobjetivo de assegurar que a imunidade tributária constitu-cional seja aplicada com absoluta segurança e legalidade.Não se identifica a apontada ilegalidade nesse ato legisla-tivo. Ao contrário, é a própria Constituição Federal que es-tabelece a competência do Estado para instituir o ICMS(art. 155, II), sendo conseqüência legal de direito que essemesmo Estado seja responsável pela emissão de regras legaisque se aplicam ao tributo, nos termos do prescrito no art.113, § 2o , do Código Tributário Nacional.[...]II – Recurso ordinário improvido.29
Nessa perspectiva, são plenamente legítimas medidas fiscali-
zatórias instituídas em decreto, que tenham por fim induzir com-
portamentos do contribuinte, no interesse da arrecadação e da
fiscalização tributária. Improcede falar na instituiçao de normas
gerais em matéria de legislação tributária. Não se configura
afronta ao 146, III, b, da Constituição da República.
III.4 VIOLAÇÃO AO ART. 150, II, DA CR
Argumenta o requerente que a Lei 13.711/2011 e o Decreto
48.494/2011 ofenderiam o princípio da igualdade, ao instituírem
tratamento tributário distinto entre contribuintes. Dispõe o art.
150, II, da Constituição da República:
29 STJ. Primeira Turma. RMS 27.476/MS, Rel.: Min. FRANCISCO FALCÃO,11/11/2008, un. DJe 17 nov. 2008.
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Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas aocontribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Fe-deral e aos Municípios: [...]II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que seencontrem em situação equivalente, proibida qualquer dis-tinção em razão de ocupação profissional ou função por elesexercida, independentemente da denominação jurídica dosrendimentos, títulos ou direitos; [...].
O tratamento específico de contribuintes contido na lei e no
decreto destina-se à recuperação de créditos fiscais – o que é de-
ver constitucional da administração tributária, por se tratar de pa-
trimônio público. Não há transgressão à regra constitucional (art.
150, II, da CR), nas determinações previstas no art. 2o, § 1o, da Lei
13.711/2011, porquanto os contribuintes, incluídos e não incluí-
dos no conceito de devedor contumaz, obviamente não se encon-
tram em “situação equivalente”, exigida pelo texto constitucional.
Exigir tratamento tributário análogo a todos os contribuin-
tes – ou seja, exigir que não se faça distinção entre aqueles que se
enquadram na concepção de devedores contumazes e os adim-
plentes – permitiria que importante parcela de devedores se apro-
priasse de valores legal e legitimamente devidos à sociedade e a
privilegiaria, ofendendo pelo menos os princípios da igualdade
tributária, da finalidade e da eficiência administrativa e deflagraria
violação à livre concorrência, porquanto concederia a devedores
contumazes considerável e indevida vantagem econômica em re-
lação àqueles que cumprem com seus deveres fiscais. Estar-se-ia a
proteger aquele que descumpre a lei em detrimento dos que a
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cumprem, mesmo com certo sacrifício – o que é rematado con-
trassenso.
A Constituição do país permite distinção de tratamento em
face dos que se encontrem em situações jurídicas distintas. Desse
modo, guarda harmonia com a ordem constitucional lei que im-
ponha tratamentos tributários diferentes a contribuintes em con-
dições e comportamentos distintos.
Assevera o requerente que o art. 2o, caput, da Lei
13.711/2011 e o art. 1o, caput, do Decreto 48.494/2011 não pode-
riam distinguir contribuintes para conceituar devedores contuma-
zes e o teriam feito ao estabelecer que estariam excluídos desse
grupo “titulares originários de precatórios inadimplidos pelo Es-
tado”. É este o teor dos dispositivos:
Lei 13.711, de 6 de abril de 2011
Art. 2o. [...]
§ 2o. Não serão considerados devedores contumazes, paraos termos a que se refere o caput do art. 2o, as pessoas físi-cas ou jurídicas, titulares originários de créditos oriundosde precatórios inadimplidos pelo Estado e suas autar-quias, até o limite do respectivo débito tributário cons-tante de Dívida Ativa.
Decreto 48.494, de 31 de outubro de 2011
Art. 1o. [...]§ 1o. Não serão considerados devedores contumazes aspessoas físicas ou jurídicas, titulares originários de crédi-tos oriundos de precatórios inadimplidos pelo Estado esuas autarquias, até o limite do respectivo débito tributá-rio constante como Dívida Ativa.
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[...]
Não procede a alegação de ofensa aos arts. 5o , caput, e 150,
II, da CR. A ordem constitucional proíbe tratamento imoderado
entre contribuintes que se encontrem na mesma situação econô-
mica. Credores originários de valores inadimplidos pelo Estado
não se encontram na mesma situação que os titulares de crédito
por cessão.
Sabe-se que há importante mercado secundário de créditos
de precatórios, nos quais ocorrem transações múltiplas, às vezes
em camadas sucessivas, algumas de duvidosa legitimidade. Em-
bora a previsão normativa não afaste a priori a legalidade desses
negócios jurídicos, pois isso depende de averiguação a cada caso,
adota cautela ao reconhecer-lhes poder liberatório imediato e ao
afastar a atenção especial que está no núcleo do regime fiscal de
fiscalização, a fim de, em última análise, proteger o erário.
O propósito da lei e do decreto está na direção da simplifi-
cação da sistemática de fiscalizar e arrecadar tributos legítimos.
Aqueles cujos títulos foram reconhecidos juridicamente de
forma segura – os credores originários – não serão incluídos no
rol de devedores contumazes, até o limite do débito tributário
constante da dívida ativa – porque são credores do poder público,
não devedores. Quanto aos titulares originários de precatórios
inadimplidos, não sobeja dúvida referente aos créditos tributários.
No mercado de precatórios, negociações desses documentos
públicos ocorrem das mais variadas e, às vezes, escamoteadas for-
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mas, as quais, não raras vezes, impedem pronto reconhecimento
do crédito devido pela fazenda pública. Isso enseja, até, judiciali-
zação de demandas para reconhecer a autenticidade do docu-
mento e do crédito por ele representado.
A legislação do Rio Grande do Sul não busca, como insiste
o requerente, alterar alcance do instituto da cessão de direitos.
Objetiva tão somente não incluir em rol de devedores aqueles
que sejam incontestavelmente credores do Estado, sob pena de
inviabilizar o próprio conjunto de medidas fiscalizatórias cujo
fim é identificar devedores contumazes e submetê-los a regras
distintas de acompanhamento.
Não prospera, dessa forma, a alegação do requerente de vio-
lação do princípio da isonomia e, por consequência, dos arts. 5o ,
caput, e 150, II, da CR.
III.5 VIOLAÇÃO AO ART. 155, § 2O , I, DA CR
Merece acolhida, todavia, a alegação de malferimento do
princípio da não cumulatividade (art. 155, § 2o, I, da CR). Afirma
o requerente que o art. 4o do Decreto 48.494/2011 condiciona
recebimento de crédito fiscal de ICMS a comprovante de paga-
mento realizado pelo estabelecimento que esteja no regime espe-
cial de fiscalização:
Art. 4o. O contribuinte submetido ao REF ficará sujeito àsseguintes medidas:[...]
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II – pagamento na ocorrência do fato gerador, exceto nassaídas de estabelecimento varejista, do débito próprio e,quando for o caso, de responsabilidade por substituição tri-butária, conforme previsto no RICMS, Livro I, art. 46, I, f;NOTA 01 – As Notas Fiscais emitidas com destaque do im-posto deverão conter a informação: “Contribuinte subme-tido a REF com vencimento do ICMS no fato gerador; ocrédito fiscal somente é permitido mediante comprovante de arrecadação. [...]
Restringir recebimento de crédito fiscal a comprovação de
pagamento do imposto na cadeia anterior, como faz o art. 4o, II,
parte final da Nota 1 do decreto – “o crédito fiscal somente é
permitido mediante comprovante de arrecadação” – afeta a es-
fera patrimonial do adquirente de mercadoria e onera indevida-
mente o consumidor final. O legislador infralegal não pode
limitar a recuperação de crédito de ICMS. JOSÉ EDUARDO SOARES
DE MELO esclarece bem a questão:
Na análise do direito de abater, há de se ter em conta o sen-tido da expressão ‘montante cobrado’, que não deve ser in-terpretado literalmente, porque a efetiva cobrança(arrecadação) escapa ao conhecimento do adquirente dasmercadorias ou do tomador dos serviços.Considerando os diversos motivos pelos quais um contribu-inte deixa de recolher o ICMS (esquecimento, falta de su-porte financeiro, questionamento), ou o Fisco de lançá-lo(no prazo decadencial de cinco anos), entende-se que a pré-via ‘cobrança’ (ou a liquidação do tributo) não constituipressuposto essencial do direito de crédito.A compressão da norma pauta-se no sentido da existênciade uma anterior operação, ou prestação, sendo de todo irre-levante exigir-se ato de cobrança, prova da extinção daobrigação, mesmo porque o prazo legal para a realização de
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tais atos pode ser maior do que o período para fruição nor -mal de crédito fiscal.30
O recebimento de crédito de ICMS pelo adquirente não
pode, por conseguinte, ser restringido dessa maneira. Basta que
exista operação anterior, sem exigir-se comprovação do recolhi-
mento devido pelo vendedor.
Reconhece o Supremo Tribunal Federal que a técnica da
não cumulatividade visa a estimular a atividade econômica. De
acordo com observações da Ministra ROSA WEBER no RE
606.107/RS, “a apropriação de créditos de ICMS na aquisição de
mercadorias tem suporte na técnica da não cumulatividade, im-
posta para tal tributo pelo art. 155, § 2o, I, da Lei Maior, a fim de
evitar que a sua incidência em cascata onere demasiadamente a
atividade econômica e gere distorções concorrenciais”.31
Consequentemente, não se compatibiliza com o texto cons-
titucional o art. 4o, II, Nota 1, que deve ser declarado inconstituci-
onal.
III.6 VIOLAÇÃO À PROPORCIONALIDADE NA PUBLICIDADE
DA CONDIÇÃO DE DEVEDOR CONTUMAZ E DO REF
Para o requerente, seriam inconstitucionais os arts. 3o, §§ 4o
e 5o,, e 4o, II, Nota 1, do Decreto 48.494/2011. Os preceitos do
30 MELO, José Eduardo Soares. ICMS: teoria e prática. 9. ed. São Paulo: Dialé-tica, 2006, p. 237.
31 STF. Plenário. RE 606.107/RS, com repercussão geral. Rel.: Min. ROSA
WEBER, 22/5/2013, maioria. DJe, 25 nov. 2013.
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art. 3o importam na divulgação na internet e no Diário Oficial do
Estado de rol contendo nome das empresas submetidas ao regime
especial de fiscalização:
Art. 3o . O contribuinte que não sanar as causas que origi-naram o seu enquadramento como devedor contumaz serásubmetido ao REF mediante Ato Declaratório do Subsecre-tário da Receita Estadual.[...]§ 4o . Após a notificação nos termos do parágrafo anterior,o Ato Declaratório será publicado no Diário Oficial do Es-tado.§ 5o. A lista dos contribuintes submetidos ao REF estarádisponível no site da Secretaria da Fazenda http://www.se-faz.rs.gov.br.
Divulgação da submissão de contribuinte ao regime especial
de fiscalização, via publicação oficial do ato ou de rol na internet,
em nada contribui com a arrecadação do tributo ou com a fisca-
lização ao contribuinte imposta. Ao contrário, propagar sua situa-
ção – que, como também prevê a lei gaúcha, é temporária e
excepcional – tende a prejudicar a imagem da empresa e pode,
até, comprometer suas relações comerciais e contratuais. Ao afetar
seu desempenho econômico, pode ser contraproducente para a
própria finalidade arrecadatória do fisco estadual.
Em rico estudo Sobre o princípio da proporcionalidade no
controle de constitucionalidade de leis restritivas de direitos fun-
damentais, SUZANA DE TOLEDO BARROS esclarece:
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(i) a adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exi-gência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea àconsecução da finalidade perseguida; (ii) o pressuposto da necessidade é o de que a medida restri-tiva seja indispensável para a conservação do próprio ou deoutro direito fundamental e que não possa ser substituídapor outra igualmente eficaz, mas menos gravosa;(iii) o princípio da proporcionalidade strictu sensu, comple-mentando os princípios da adequação e da necessidade, é desuma importância para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido.32
Não há proporcionalidade nem eficiência que justifique a
medida. Potencial prejuízo à empresa é desigual, se comparado a
potencial vantagem a ser alcançada pela fazenda pública estadual,
motivo pelo qual se mostra desproporcional a medida de publici-
zar a submissão de contribuintes ao REF.
Com fundamento nessas mesmas razões, dada sua inocuidade
para a arrecadação tributária e seu potencial nocivo, do ponto de
vista empresarial, deve ainda ser declarado inconstitucional o pre-
ceito do art. 4o, II, Nota 1, do Decreto 48.494/2011, considerando
que torna obrigatório emissão de nota fiscal, pelo devedor subme-
tido ao regime especial de fiscalização, com a seguinte informação:
“contribuinte submetido a REF com vencimento do ICMS no
fato gerador; o crédito fiscal somente é permitido mediante com-
provante de arrecadação”:
Art. 4o. O contribuinte submetido ao REF ficará sujeito àsseguintes medidas:
32 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle deconstitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3 ed. Brasília: Bra-sília Jurídica, 2003, p. 76-89.
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I – perda dos sistemas especiais de pagamento do ICMSprevistos no RICMS, Livro I, art. 50;II – pagamento na ocorrência do fato gerador, exceto nassaídas de estabelecimento varejista, do débito próprio e,quando for o caso, de responsabilidade por substituição tri-butária, conforme previsto no RICMS, Livro I, art. 46, I, f;NOTA 01 – As Notas Fiscais emitidas com destaque doimposto deverão conter a informação: “Contribuinte sub-metido a REF com vencimento do ICMS no fato gerador;o crédito fiscal somente é permitido mediante comprovante de arrecadação”.
Obrigar contribuinte a apontar, em todas as notas fiscais que
emitir, situação excepcional de submissão a regime especial de fis-
calização é medida, em tudo, prejudicial apenas ao empresário,
sem resultar em vantagem ou benefício para a fazenda pública es-
tadual ou para a sociedade.
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a des-
peito de não estarem previstos explicitamente no texto constituci-
onal, são considerados, por parte da doutrina e pelo Supremo
Tribunal Federal, como consectários do princípio do devido pro-
cesso legal, inscrito no art. 5o, LIV, da Constituição da República.
A jurisdição constitucional norte-americana consolidou a
cláusula do devido processo legal como fundamento da judicial re-
view, de maneira a garantir possibilidade de controle substantivo de
atos estatais, normativos sob o nome de substantive due process re-
view of legislation.33
33 MENDES, Gilmar. Comentário ao artigo 103. In: CANOTILHO, J. J.Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; _______; STRECK, Lenio L. (coords.).Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p.430.
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Inspirado pela Suprema Corte norte-americana, o STF rea-
liza controle de constitucionalidade da legislação brasileira, aplica
como parâmetro a dimensão substantiva do devido processo legal
e avalia proporcionalidade e razoabilidade do ato normativo.
No julgamento de medida cautelar na ADI 1.407/DF (que
firmou constitucionalidade do art. 6o da Lei 9.100, de 29 de se-
tembro de 1995, o qual estabeleceu restrições para admissão de
coligações partidárias), o STF verificou a compatibilidade da
norma com o princípio da proporcionalidade. O Ministro CELSO
DE MELLO destacou aspectos relevantes:
[...] Como precedentemente enfatizado, o princípio da pro-porcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do PoderPúblico no exercício das funções que lhe são inerentes, no-tadamente no desempenho da atividade de caráter legisla-tivo e regulamentar. Dentro dessa perspectiva, o postuladoem questão, enquanto categoria fundamental de limitaçãodos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiroparâmetro de aferição da própria constitucionalidade mate-rial dos atos estatais.[...] Cumpre enfatizar, neste ponto, que a cláusula do devidoprocesso legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5o,LIV, da Constituição, e que traduz um dos fundamentosdogmáticos do princípio da proporcionalidade – deve serentendida, na abrangência de sua noção conceitual, não sósob o aspecto meramente formal, que impõe restrições decaráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo,em sua dimensão material, que atua como decisivo obstá-culo à edição de atos legislativos revestidos de conteúdo ar-bitrário ou irrazoável.A essência do substantive due process of law reside na necessi-dade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas con-tra qualquer modalidade de legislação que se reveleopressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabi-lidade.
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Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria dodesvio de poder ao plano das atividades legislativas do Es-tado, que este não dispõe de competência para legislar ilimi-tadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando,com o seu comportamento institucional, situações normati-vas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos finsque regem o desempenho da função estatal. [...] A jurisprudência constitucional do Supremo TribunalFederal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica deatos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidemsobre o poder normativo do Estado, veiculam prescriçõesque ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelamdestituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitá-veis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direi-tos das pessoas (ADIn 1.158-AM, Rel. Min. CELSO DE
MELLO).34
Deixar marcada em documentos que representam a imagem
da empresa ou divulgar na internet condição de devedor contu-
maz em nada conduzirá à recuperação de créditos fiscais ou à fis-
calização de devedores. A medida pode afetar de modo produdo
atividades e o faturamento da pessoa jurídica, causando-lhe pre-
juízos, o que tenderá a agravar a inadimplência tributária.
Violam, portanto, o princípio da proporcionalidade os arts.
3o, §§ 4o e 5o, e 4o, II, Nota 1, do Decreto 48.494/2011, do Es-
tado do Rio Grande do Sul.
IV CONCLUSÃO
Ante o exposto, opina o Procurador-Geral da República
pelo não conhecimento da ação direta e, no mérito, pela procedên-
34 STF. Plenário. ADI 1.407 (medida cautelar). Rel.: Min. CELSO DE MELLO.7/3/1996, maioria. DJ, 24 nov. 2000.
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cia parcial do pedido, para que sejam declarados inconstitucionais o
art. 3o, §§ 4o, e 5o, e o art. 4o, II, Nota 1, do Decreto 48.494, de 31
de outubro de 2011, ambos do Estado do Rio Grande do Sul.
Brasília (DF), 17 de março 2015.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
RJMB/WS/ALB-Par.PGR/WS/1.973/2015
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