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UNIMONTES

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  • Montes Claros/MG - 2014

    Carlos Caixeta de QueirozLeonardo Turchi Pacheco

    2 edio atualizada por Carlos Caixeta de Queiroz

    Antropologia iii

    2 EDIO

  • 2014Proibida a reproduo total ou parcial.

    Os infratores sero processados na forma da lei.

    EDITORA UNIMONTESCampus Universitrio Professor Darcy Ribeiro

    s/n - Vila Mauricia - Montes Claros (MG)Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089

    Correio eletrnico: [email protected] - Telefone: (38) 3229-8214

    Catalogao: Biblioteca Central Professor Antnio Jorge - UnimontesFicha Catalogrfica:

    Copyright : Universidade Estadual de Montes Claros

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES

    REITORJoo dos Reis Canela

    VICE-REITORAMaria Ivete Soares de Almeida

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    CONSELHO EDITORIALngela Cristina BorgesArlete Ribeiro NepomucenoBetnia Maria Arajo PassosCarmen Alberta Katayama de GasperazzoCsar Henrique de Queiroz PortoCludia Regina Santos de AlmeidaFernando Guilherme Veloso QueirozJnio Marques DiasLuciana Mendes OliveiraMaria ngela Lopes Dumont MacedoMaria Aparecida Pereira QueirozMaria Nadurce da SilvaMarilia de SouzaPriscila Caires Santana AfonsoZilmar Santos Cardoso

    REVISO DE LNGUA PORTUGUESACarla Roselma Athayde MoraesWaneuza Soares Eullio

    REVISO TCNICAKaren Torres C. Lafet de Almeida Kthia Silva GomesViviane Margareth Chaves Pereira Reis

    DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUO DE CONTEDOAndria Santos DiasCamila Pereira GuimaresCamilla Maria Silva RodriguesFernando Guilherme Veloso QueirozMagda Lima de OliveiraSanzio Mendona HenriiquesWendell Brito MineiroZilmar Santos Cardoso

  • Diretora do Centro de Cincias Biolgicas da Sade - CCBS/UnimontesMaria das Mercs Borem Correa Machado

    Diretor do Centro de Cincias Humanas - CCH/UnimontesAntnio Wagner Veloso Rocha

    Diretor do Centro de Cincias Sociais Aplicadas - CCSA/UnimontesPaulo Cesar Mendes Barbosa

    Chefe do Departamento de Comunicao e Letras/UnimontesMarilia de Souza

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    Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontesngela Cristina Borges

    Chefe do Departamento de Geocincias/UnimontesAnete Marlia Pereira

    Chefe do Departamento de Histria/UnimontesFrancisco Oliveira SilvaJnio Marques dias

    Chefe do Departamento de Estgios e Prticas EscolaresCla Mrcia Pereira Cmara

    Chefe do Departamento de Mtodos e Tcnicas EducacionaisHelena Murta Moraes Souto

    Chefe do Departamento de Poltica e Cincias Sociais/UnimontesCarlos Caixeta de Queiroz

    Ministro da EducaoJos Henrique Paim Fernandes

    Presidente Geral da CAPESJorge Almeida Guimares

    Diretor de Educao a Distncia da CAPESJoo Carlos Teatini de Souza Clmaco

    Governador do Estado de Minas GeraisAlberto Pinto Coelho Jnior

    Secretrio de Estado de Cincia, Tecnologia e Ensino Superiornarcio Rodrigues da Silveira

    Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - UnimontesJoo dos Reis Canela

    Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros - UnimontesMaria ivete Soares de Almeida

    Pr-Reitor de Ensino/UnimontesJoo Felcio Rodrigues neto

    Diretor do Centro de Educao a Distncia/UnimontesJnio Marques dias

    Coordenadora da UAB/UnimontesMaria ngela Lopes dumont Macedo

    Coordenadora Adjunta da UAB/UnimontesBetnia Maria Arajo Passos

  • Autores

    Carlos Caixeta de QueirozBacharel em Cincias Sociais Antropologia. Mestre em Sociologia e Antropologia pela

    Universidade Federal de Minas Gerais UFMG.

    Leonardo Turchi PachecoBacharel em Cincias Sociais.Doutor em Histria pela Universidade Federal de Minas Gerais

    UFMG.

  • Sumrio

    Apresentao. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9

    Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11A antropologia social inglesa: Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

    1.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

    1.2 O movimento terico-metodolgico na Antropologia: um sobrevoo ao debate crtico entre as escolas do pensamento antropolgico para contextualizarmos a perspectiva estrutural-funcionalista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11

    1.3 Alguns pontos centrais constituintes da abordagem funcionalista . . . . . . . . . . . . . . . .13

    1.4 Funo e estrutura social em Radcliffe-Brown . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16

    1.5 Evans-Pritchard: estrutura social, ordem, conflito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18

    Referncias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23O estruturalismo de Lvi-Strauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    2.1 Introduo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    2.2 Lvi-Strauss: o homem e suas ideias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    2.3 A noo de estrutura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26

    2.4 Trocas simblicas, alianas e proibies: de colares a mulheres . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29

    2.5 Totemismo e a lgica do concreto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32

    Referncias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

    Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37

    Referncias bsicas, complementares e suplementares . . . . .39

    Atividades de Aprendizagem AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41

  • 9Cincias Sociais - Antropologia III

    ApresentaoA disciplina Antropologia III parte constituinte da estrutura do Curso de Cincias Sociais

    Licenciatura da Universidade Aberta do Brasil UAB , da Universidade Estadual de Montes Cla-ros Unimontes.

    Nesta disciplina abordaremos duas tradies ou perspectivas da Antropologia: o estrutu-ral-funcionalismo, a partir de dois fundadores, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard; e o estrutura-lismo francs a partir de Lvi-Strauss. Privilegiaremos os mtodos, alguns conceitos e categorias cunhados pela tradio britnica e pela tradio francesa para a investigao dos processos so-cioculturais. Procuraremos, assim, situar as discusses e as temticas dessas duas escolas do pen-samento antropolgico.

    A disciplina tem como objetivos: Aprofundar o conhecimento sobre as principais vertentes da teoria antropolgica; Propiciar a reflexo terica e metodolgica sobre conceitos fundamentais da Antropologia

    clssica, especificamente da Antropologia social inglesa e do estruturalismo de Lvi-Strauss; Possibilitar o estudo de temas e conceitos das perspectivas estrutural-funcional e estrutura-

    lista da Antropologia; Possibilitar ao aluno uma incurso na constituio histrico-terica da Antropologia.

    A disciplina estar organizada a partir de duas Unidades temticas:Unidade 1 A Antropologia social inglesa: Radcliffe-Brown, Evans-Pritchard Abordaremos a perspectiva estrutural-funcionalista na Antropologia a partir de temas e dos

    conceitos de funo e estrutura que fundaram essa tradio antropolgica. Pontuaremos, tam-bm, a crtica ao evolucionismo e a nfase no trabalho de campo e na abordagem sincrnica dos processos sociais.

    Unidade 2 O estruturalismo de Claude Lvi-Strauss Ser dedicada primeiramente uma centralidade aos aspectos biogrficos de Lvi-Strauss,

    cruzando com o contexto para se entender o estruturalismo. Em seguida, discutiremos a anli-se estrutural em Lingustica e Antropologia, focalizando a noo de estrutura. Enfim, apresenta-remos de maneira esquemtica o mtodo estruturalista, os estudos sobre parentesco, as trocas simblicas, o totemismo e a lgica do concreto.

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    Cincias Sociais - Antropologia III

    UnidAdE 1 A antropologia social inglesa: Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard

    Carlos Caixeta de Queiroz

    1.1 IntroduoApresentaremos nesta unidade a tradio britnica ou a escola estrutural-funcionlista, na

    Antropologia, a partir de dois autores: Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard. Ser dedicada uma centralidade no mtodo e conceitos cunhados por esses autores para a investigao de pro-cessos socioculturais. Portanto, no se pretende abarcar a totalidade da tradio britnica na Antropologia.

    Vale ressaltar que outros autores, que no estaremos tratando aqui, fazem parte da chama-da Antropologia inglesa, ou do estrutural-funcionalismo, e que tiveram uma importncia crucial na formao do pensamento antropolgico, sendo, portanto, centrais para se entender a consti-tuio histrica da Antropologia. Podemos mencionar, por exemplo, Mary Douglas, Victor Turner, Max Gluckman, Raymond Firth, Edmund Leach, entre outros.

    1.2 O movimento terico-metodolgico na Antropologia: um sobrevoo ao debate crtico entre as escolas do pensamento antropolgico para contextualizarmos a perspectiva estrutural-funcionalista

    Vamos retomar inicialmente algumas questes j apontadas no Caderno Didtico da disci-plina Antropologia II para contextualizarmos o surgimento da perspectiva estrutural-funcionalis-ta na Antropologia.

    Como vocs puderam observar, a partir das discusses que fizemos no Caderno Didtico da disciplina Antropologia I, a perspectiva evolucionista foi a primeira grande sntese terica na Antropologia. A tradio evolucionista foi dominante durante quase toda a segunda metade do sculo XIX.

    Como vimos, os principais autores fundadores da escola evolucionista, Morgan, Frazer, Tylor, cada qual a sua maneira, procuraram mostrar que a humanidade era percebida como um todo, mas com estgios evolutivos diferentes. Toda sociedade deveria passar pela mesma sucesso de

    diCAA histria da Antropo-logia para o antrop-logo no apenas um passado, mas fonte de inspirao para solucio-nar as novas questes que se colocam no pre-sente (PEIRANO,1995, p. 48).

  • 12

    UAB/Unimontes - 3 Perodo

    fases de desenvolvimento na sua marcha evolutiva. Nesse esquema, a Antropologia evolucionis-ta procurou abordar a histria da humanidade como nica, mas dividida em estgios evolutivos, que iam do primitivo ao civilizado.

    Os autores evolucionistas procuraram reconstruir historicamente os estgios evolutivos da evoluo social. Entendiam que todas as sociedades passariam pelos mesmos estgios evoluti-vos, numa sequncia contnua e necessria. Postulavam, assim, uma Histria linear ou unilinear, ou seja, a evoluo seguia em uma nica direo: do simples ao complexo, da magia cincia, por exemplo. Para justificar essa teoria, os evolucionistas postularam a existncia de leis unifor-mes que regeriam o comportamento humano. Assim, as semelhanas entre fenmenos sociais encontrados em vrias sociedades e situados em espaos diferentes foram interpretadas como resultado da uniformidade da experincia humana.

    Para os evolucionistas, o progresso tecnolgico representaria uma prova contundente do desenvolvimento e, portanto, da melhoria das sociedades humanas.

    Mas importante ressaltar que os evolucionistas, como Morgan, centraram suas anlises no apenas no desenvolvimento tecnolgico para explicar a evoluo social. Morgam, importan-te autor para o pensamento antropolgico, dedicou uma centralidade anlise das instituies sociais. O parentesco para Morgan, por exemplo, era principalmente uma porta de entrada para o estudo da evoluo social. Morgan sustentava que as sociedades primitivas organizavam-se sobre a base do parentesco. As variaes terminolgicas entre sistemas de parentesco tinham correlao com variaes na estrutura social. Mas ele tambm supunha que a terminologia do parentesco mudava lentamente e que, portanto, continha indicaes para uma compreenso de estgios anteriores da evoluo social (ERIKSEN, 2007, p. 30).

    necessrio lembrar que essas questes so importantes princpios elaborados pelos evo-lucionistas na Antropologia, como j discutimos na disciplina Antropologia II, pois as abordagens que se seguiram na Antropologia se consolidaram e se posicionaram de forma crtica ao evolu-cionismo.

    Assim, a perspectiva difusionista se ops ao evolucionismo, elaborando uma nova com-preenso dos processos socioculturais. O chamado difusionismo na Antropologia centralizou-se no no estudo linear da evoluo das sociedades, mas nos processos de difuso cultural, de tro-cas entre as sociedades. Os difusionistas procuraram estudar a distribuio geogrfica e a migra-o de traos culturais e postulavam que culturas eram mosaicos de traos com vrias origens e histrias (ERIKSEN, 2007, p. 39).

    No entanto, o primeiro a formular uma crtica mais radical aos evolucionistas foi Franz Boas, como j vimos na disciplina Antropologia II. Boas, que ocupou um lugar central no desenvol-vimento da Antropologia, criticou as noes de origem e de reconstruo de estgios propos-tas pelos autores evolucionistas, e mostrou que um costume s tem significado se for relacio-nado ao contexto particular no qual se inscreve (LAPLANTINE, 2000, p. 77-78). Em substituio reconstruo de uma histria linear universal, formulada pelos evolucionistas, Boas props o princpio do particularismo histrico. Para esse autor, cada cultura continha em si seus prprios valores e sua prpria histria. Defendeu que a tarefa da Antropologia seria primeiramente a com-preenso das culturas em suas particularidades. Assim, Boas procurou estabelecer que em vez de ir diretamente a concluses gerais, como fizeram os evolucionistas, seria necessrio identificar as circunstncias nicas que haviam gerado culturais particulares.

    Pelo exposto acima, como vocs j devem ter percebido, podemos identificar o evolucionis-mo como a primeira sntese terica metodolgica na Antropologia e o particularismo histrico de Franz Boas como uma segunda grande perspectiva. Outra perspectiva que dominou as dis-cusses na Antropologia foi conhecida como estrutural-funcionalismo, a qual abordaremos da-qui em diante.

  • 13

    Cincias Sociais - Antropologia III

    1.3 Alguns pontos centrais constituintes da abordagem funcionalista

    Vamos situar minimante algumas questes constituintes da abordagem estrutural-funcional na Antropologia antes de comentarmos a centralidade do pensamento de Radcliffe-Brown na histria terica da Antropologia.

    O termo funcionalismo tem sido associado obra de Malinowski e Radcliffe-Brown e seu sentido pode ser entendido como uma reao s teorias evolucionistas (DA MATTA, 1990, p. 101). Como j discutimos a perspectiva apresentada por Malinowski na disciplina Antropologia I, va-mos retomar rapidamente algumas proposies formuladas por esse autor para percebermos como o funcionalismo reagiu ao evolucionismo. Em seguida, trataremos mais detalhadamente algumas questes tericas formuladas por Radcliffe-Brown.

    Primeiramente, importante destacar a importncia atribuda ao trabalho de campo. Como comenta:

    A observao participante de Malinowski estabeleceu um novo padro para a pesquisa etnogrfica. Todo fato, mesmo o mais insignificante, devia ser regis-trado. Na medida em que fosse praticamente possvel, o etngrafo devia par-ticipar do fluxo contnuo da vida do dia-a-dia, evitando questes especficas que pudessem desviar o curso dos eventos e sem restringir a ateno a partes especficas da cena. (ERIKSEN, 2007, p. 57)

    Percebemos, assim, que Malinowski chamava a ateno para o fato de que seria extrema-mente importante que os antroplogos colhessem seus prprios dados. Seria, portanto, cienti-ficamente necessrio a pesquisa de campo como requisito para se contextualizar os processos socioculturais tomados para investigao antropolgica. Trata-se, ainda, de formular um conhe-cimento das culturas vivas, em sua realidade emprica.

    Figura 1: Malinowski em trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, pacfico sul.Fonte: Disponvel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Bronis%C5%82aw_Malinowski. Acesso em 20 mai. 2014.

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    UAB/Unimontes - 3 Perodo

    As figuras 1, 2 e 3 tm um significado importante, que o prprio Malinowski procurou transmitir: o realismo etnogrfico que marcou a Antropologia estrutural-funcionalista. Malino-wski sempre procurou penetrar na mentalidade dos outros, em compreender o que sentem os homens e mulheres que pertencem a uma cultura que no nossa (LAPLANTINE, 2000, p. 80). Como afirma Kuper (1978, p. 51), Malinowski trouxe um novo realismo para a Antropologia So-cial, com sua percepo aguda dos interesses reais subentendidos no costume e suas tcnicas radicalmente novas de observao.

    Em segundo lugar, com o funcionalismo h um deslocamento da preocupao em recons-truir uma histria linear universal da evoluo das sociedades, para focalizar a estrutura e o fun-cionamento da cultura. Tratava-se de interpretar como as culturas funcionam.

    Assim, pode-se dizer que o funcionalismo instaura uma preocupao terica de explicar as formas pelas quais as instituies e estruturas de uma sociedade se interligam, para formar um todo complexo. Desloca-se sua nfase para o funcionamento da cultura, numa perspectiva sin-crnica de estudo e pesquisa.

    As culturas, e observem-se culturas e no cultura como no evolucionismo, passam a ser pen-sadas como um sistema composto de elementos ou unidades que se interagem uns com os ou-tros, formando snteses. A preocupao central dos funcionalistas passa a ser como interpretar o funcionamento dos sistemas culturais.

    J temos condies de perceber algumas caractersticas da abordagem funcionalista. Pri-meiro, podemos dizer que as sociedades humanas e suas respectivas culturas existem como to-dos orgnicos, constitudos de partes interdependentes. Em segundo lugar, as partes no podem ser plenamente compreendidas separadamente do todo, e o todo deve ser compreendido em termos de suas partes, suas relaes uma com as outras e com o sistema sociocultural em con-junto (WHITE, 1948).

    Figura 2: Malinowski em trabalho de campo

    nas Ilhas Trabriand, Pacfico Sul.

    Fonte: Disponvel em http://pt.wikipedia.org/

    wiki/Bronis%C5%82aw_Malinowski. Acesso em 20

    mai. 2014.

    Figura 3: Malinowski em trabalho de campo

    nas Ilhas Trabriand, Pacfico Sul.

    Fonte: Disponvel em http://pt.wikipedia.org/

    wiki/Bronis%C5%82aw_Malinowski. Acesso em 20

    mai. 2014.

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    Cincias Sociais - Antropologia III

    Na abordagem funcionalista, a cultura passa a ser concebida como um todo cujos traos es-to funcionalmente relacionados. Assim, a cultura no pode ser entendida mais como um aglo-merado de partes ou traos desconectados. Cada elemento da cultura entendido como tendo uma funo especfica no esquema integral.

    Procurando entender como funcionam os sistemas culturais, Malinowski elabora a teoria funcionalista da cultura. Para esse autor, os indivduos em qualquer tempo e lugar sentem de-terminadas necessidades. Ento, coletivamente, elaboram suas respostas a essas necessidades. Cada cultura tem como funo satisfazer as necessidades biolgicas individuais. Segundo Mali-nowski, a certas necessidades biolgicas correspondem certas respostas culturais.

    Assim, Malinowski desenvolve o conceito de cultura numa tentativa de desvendar o funcio-namento das culturas. Esse autor argumenta que cada sociedade desenvolve suas prprias res-postas culturais, e esse fato que torna as sociedades diferenciadas.

    Vale lembrar que para Malinowski:

    Todas as prticas e instituies sociais eram funcionais no sentido de que se ajustavam num todo operante, ajudando a mant-lo [...] o objetivo ltimo do sistema eram os indivduos, no a sociedade. As instituies existiam para as pessoas [...] e eram as necessidades das pessoas, em ltima anlise suas neces-sidades biolgicas, que constituam o motor primeiro da estabilidade social e da mudana (ERIKSEN, 2007, p. 59).

    Podemos perceber, ento, que o programa funcionalista de Malinowski se ops ao projeto de reconstruo de estgios evolutivos. Esse autor argumenta e defende que a explicao antro-polgica deveria estar centrada no contexto e nas inter-relaes, pois as sociedades so sistemas coerentemente integrados de relaes sociais. Rompendo com a histria conjetural dos evolu-cionistas, Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada como uma totalidade, tal como funciona no momento mesmo em que a observamos (LAPLANTINE, 2000, p. 80).

    Laplantine (2000, p. 98) situa a perspectiva estrutural-funcional, da qual Malinowski um expoente mximo, bem como Radcliffe-Brown, do qual falaremos mais adiante:

    uma Antropologia antievolucionista, que se constitui desde Malinowski em oposio a uma compreenso histrica do social [...]; dedica-se prefe-rencialmente investigao do presente a partir de mtodos funcionais (Malinowski) e, em seguida, estruturais (Radcliffe-Brown);

    uma Antropologia antidifusionista, o que a ope Antropologia ameri-cana, a qual se preocupa em compreender o processo de transmisso dos elementos de uma cultura para outra;

    uma Antropologia de campo, que se desenvolve muito rapidamente, a partir do incio do sculo, com Malinowski e, antes, com Radcliffe-Brown, o qual , mais ainda que Malinowski, um dos pais fundadores, de quem a maioria dos antroplogos britnicos contemporneos se considera suces-sora;

    uma Antropologia social que, ao contrrio da Antropologia americana, privilegia o estudo da organizao dos sistemas sociais em detrimento do estudo dos comportamentos culturais dos indivduos.

    Recapitulamos algumas questes elaboradas por Malinowski, por ser esse um autor impor-tante na histria do desenvolvimento da Antropologia, constituindo um dos principais expoen-tes da Antropologia funcionalista britnica. A seguir, passaremos a enfocar a perspectiva de outro autor, que junto com Malinowski, tem sido considerado um dos pais fundadores do estru-tural-funcionalismo: Radcliffe-Brown. No tencionamos comentar a totalidade do pensamento de Radcliffe-Brown e de sua contribuio para o pensamento antropolgico e para a prpria his-tria terica da Antropologia. Vamos apenas tecer alguns comentrios sobre a concepo desse autor a respeito do que deveria ser a Antropologia Social e suas elaboraes conceituais sobre funo e estrutura social e sua preocupao sobre ordem social.

    ATiVidAdEReflita criticamente sobre a ideia de que a cultura uma respos-ta s necessidades biolgicas proposta por Malinowski, e procure pensar nas limitaes da perspectiva terica funcionalista. Discutire-mos sobre o assunto no frum.

    diCAReflita sobre a principal crtica que os funciona-listas elaboraram sobre o evolucionismo.

  • 16

    UAB/Unimontes - 3 Perodo

    1.4 Funo e estrutura social em Radcliffe-Brown

    Alfred Reginald Radcliffe-Brown nasceu em Sparkbrook, Birminghan, em 1881. Pertencia gerao de Malinowski, mas seu contexto familiar era da classe operria inglesa. Trs anos mais velho que Malinowski, sobreviveu-lhe onze anos e dele tomou a liderana da Antropologia Social britnica no final da dcada de 1930 (KUPER, 1978, p. 51).

    Radcliffe-Brown iniciou seus estudos em medicina em Oxford, mas foi orientado por incentivo, principalmente de Rivers, a mudar-se para os estudos antropolgicos em Cambridge. Rivers foi pro-fessor de Cambridge, psiclogo-mdico que participou da expedio aos Estreitos de Torres, o em-preendimento pioneiro de Cambridge na rea da pesquisa antropolgica de campo (ibidem, p. 53).

    Malinowski e Radcliffe-Brown so considerados importantes expoentes da An-tropologia britnica ou da perspectiva estrutural-funcionalista na Antropolo-gia. No entanto, esses antroplogos fundaram duas linhagens na Antropologia social britnica. Malinowski trouxe um novo realismo para a Antropologia So-cial, com sua percepo aguda dos interesses reais subentendidos no costume e suas tcnicas radicalmente novas de observao. Radcliffe-Brown, por sua vez, introduziu a disciplina terica da Sociologia Francesa e veio em ajuda dos novos pesquisadores de campo com uma bateria mais rigorosa de conceitos. (KUPER, 1978, p. 51).

    Pode-se, ento, dizer que Malinowski estabeleceu um mtodo de trabalho de campo espe-cfico, que ficou conhecido como observao participante. Radcliffe-Brown se empenhou por estabelecer categorias e conceitos numa preocupao em transformar a Antropologia em uma verdadeira cincia. No entanto, as divergncias entre esses autores podem ser entendidas em outro ponto crucial: Malinowski interessava-se pelos indivduos, buscava compreender as moti-vaes humanas e a lgica da ao. Radcliffe-Brown buscou compreender e explicar princpios estruturais abstratos e mecanismos de integrao social (ERIKSEN, 2007, p. 59). A obra de Rad-cliffe-Brown refletia a sua preocupao com a situao formal, as regras e os rituais. Faltava-lhe completamente a simpatia de Malinowski pelos indivduos... (KUPER, 1978, p. 56).

    Radcliffe-Brown foi responsvel pelo desenvolvimento e aperfeioamento de centros antropolgicos impor-tantes na Cidade do Cabo, Sydney e Chicago. Diferente-mente de Malinowski, foi seguidor de Durkeim, por considerar o indivduo como produto da sociedade, e, principalmente, por se voltar para o estudo de mecanis-mos de integrao social, de coeso social nas socieda-des ditas primitivas. Seu primeiro trabalho de campo, em que procurou interpretar os dados etnogrficos a partir da teoria durkheimina, foi nas Ilhas Andaman, a leste da ndia. Publicou sua monografia Andaman Islan-ders em 1922.

    Pois bem, vamos a partir de agora procurar enten-der a concepo de Antropologia de Radcliffe-Brown e os conceitos de funo e estrutura social, conceitos cen-trais forjados por esse autor e que refletem sua conver-gncia sociologia durkheimiana.

    A posio terica de Radcliffe-Brown aparece, em-bora de forma tmida, em seu ltimo livro A Natural

    Science of Society (baseado numa srie de palestras proferidas pelo autor em Chicago em 1937 e publicado postumamente em 1957) e nos ensaios intitulados sobre o conceito de funo nas Cincias Sociais (1935) e Sobre a Estrutura Social (1940). Esses dois ensaios foram publicados no livro Structure and Function in Primitive Society de 1952. Esse livro foi traduzido no Brasil pela Edi-tora Vozes Ltda, em 1973, sob o ttulo Estrutura e Funo na Sociedade Primitiva.

    Nos ensaios de 1935 e 1952, Radcliffi-Brown expressa de forma categrica sua posio sobre o que ou o que deveria ser a Antropologia. A Antropologia social foi encarada por ele como

    ATiVidAdEProcure elaborar um pequeno texto argu-

    mentando sobre a re-lao entre indivduo e sociedade, tendo como

    referncia Malinowski e Radcfliffe-Brown.

    Ressalte as divergn-cias entre esses dois

    autores. Haver no Ambiente Virtual de

    Aprendizagem um link para a sua postagem.

    Figura 4: Foto de Radcliffe-Brown

    Fonte: Disponvel em Antropologia.forumcom-munity.net/?t=12849910.

    Acesso em 20 mai. 2014.

  • 17

    Cincias Sociais - Antropologia III

    uma cincia natural da sociedade. Como o prprio autor afirma: concebo a Antropologia social como a cincia terico-natural da sociedade humana, isto , a investigao dos fenmenos so-ciais por mtodos essencialmente semelhantes aos empregados nas cincias fsicas e biolgicas (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 233).

    Pode-se dizer que essa ideia de encarar a Antropologia social como uma cincia natural da sociedade reflete a preocupao de Radcliffe-Brown em transformar a Antropologia em uma cincia real. Ou seja, uma preocupao em dar um status de cincia Antropologia atravs de mtodos anlogos aos das cincias naturais. Para esse autor, ento, a Antropologia no estuda a cultura, mas a sociedade. O objeto de estudo que Radcliffe-Brown reivindicava para a Antropolo-gia era o sistema social ou processo social. Eram as relaes de associao entre os organismos individuais. Radcliffe-Brown (1973, p. 234) afirma que, em Antropologia interessamo-nos apenas por seres humanos, e na Antropologia social, conforme a defini, o que temos de investigar so as formas de associao que se encontram entre os seres humanos.

    O objeto de estudo eram as estruturas sociais, ou mais precisamente as formas de estruturas sociais. Antes, no entanto, de entendermos mais precisamente a noo de estrutura social em Radcliffe-Brown, vamos discutir sobre o conceito de funo para esse autor.

    1.4.1 Sobre o conceito de funo

    Radcliffe-Brown elabora a noo de funo recorrendo analogia entre vida social e vida orgnica. Segundo esse autor, a analogia entre sistemas biolgicos e organismos sociais foi re-corrente entre socilogos como Spencer e Durkheim. Assim, esse autor diz que, para Durkheim, a funo de uma determinada instituio a correspondncia entre ela e as necessidades da or-ganizao social. Mas Radcliffe-Brown adverte que ele no usa o termo necessidades, mas con-dies necessrias de existncia. Assim, na vida orgnica, a funo de um processo fisiolgico uma correspondncia entre ele e as condies necessrias de existncia do organismo. A vida do organismo concebida como o funcionamento de sua estrutura. mediante a continuida-de do funcionamento que a continuidade da estrutura se mantm (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 221). Esse autor conclui que, na vida social, funo a contribuio que determinada ativi-dade proporciona atividade total da qual parte. A funo de determinado costume social a contribuio que este oferece vida social total como o funcionamento do sistema social total (Idem, p. 224).

    Assim, Radcliffe-Brown afirma que a funo de qualquer atividade peridica, tal como a punio de um crime, ou uma cerimnia fnebre, a parte que ela desempenha na vida social como um todo, e, portanto, a contribuio que faz para a manuteno da continuidade estru-tural (Idem, p. 223). Tal como na vida do organismo, uma clula ou rgo tem atividade e essa atividade tem uma funo para que o organismo continue funcionando em sua totalidade.

    Ao elaborar a definio de funo, Radcliffe-Brown tencionava estabelecer o objeto de es-tudo da Antropologia, que eram os sistemas sociais ou as formas de estruturas sociais. Passemos ento a comentar sobre a noo de estrutura para esse autor.

    1.4.2 Sobre estrutura social

    Como j notamos, Radcliffe-Brown concebe a Antropologia como uma cincia que estuda os sistemas sociais ou processos sociais. Para esse autor, o que a Antropologia investiga so as formas de associaes que se encontram entre os seres humanos (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 234). Ento, o objeto de estudo da Antropologia eram sistemas de relaes reais de encadea-mento entre indivduos ou entre indivduos que ocupam papis sociais. Isso constitui a estrutura social (KUPER, 1978, p. 68). Segundo Radcliffe-Brown, o termo estrutura social designa uma rede de relaes sociais. A estrutura social uma realidade concreta, pois uma srie de relaes real-mente existente que agrupa seres humanos, que podem ser observadas diretamente.

    Percebemos, portanto, que Radcliffe-Brown encara a estrutura social como uma rede de re-laes entre os indivduos, so relaes constituintes de uma determinada estrutura real. So as relaes entre uma associao de indivduos. No obstante, essas relaes so circunscritas ou prescritas por fora de uma estrutura de regras jurdicas e normas morais que regulam o com-portamento. Ou seja, possvel dizer que Radcliffe-Brown concebe uma estrutura real, a relao

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    entre indivduos que ocupam papis sociais, e uma estrutura formal, ou seja, uma forma estru-tural, que est explcita em usos sociais, ou normas sociais, as quais se reconhecem geralmente como obrigatrias e so largamente observadas (KUPER, 1978, p. 68). A forma estrutural existe independentemente dos atores individuais que a reproduzem (ERIKSEN, 2007, p. 60).

    Enquanto a estrutura real muda, indivduos morrem, outros nascem, o velho chefe morre e substitudo, pessoas se divorciam e voltam a se casar, as formas sociais continuam estveis, pois persistem os usos sociais.

    importante observar que, para Radcliffe-Brown (1973), as sociedades so vistas como sis-temas, cujos elementos internos esto funcionalmente integrados. Assim, o papel das institui-es garantir o funcionamento do sistema social. Temos assim uma preocupao com a ordem dos sistemas sociais sem levar em conta os conflitos inerentes aos prprios sistemas sociais. O suporte bsico para se compreender ou explicar os sistemas sociais est no conceito de estrutura social.

    Assim, os fundamentos estruturantes das sociedades so buscados no sistema de relaes sociais. Radcliffe-Brown prope estudar a estrutura e a funo das instituies sociais com o objetivo de desvendar as normas e valores que as regem para estabelecer leis de integrao social. Para esse autor, as sociedades contam com normas que regulam as relaes sociais. Es-sas normas se expressam como sistemas de deveres e direitos entre os indivduos, necessrios para criar certa harmonia e manter a integrao social. A estrutura, em ltima instncia, refere-se s relaes reais que se produzem dentro dos grupos sociais. A estrutura vista como uma regularidade.

    Podemos dizer que Radcliffe-Brown, ao situar a noo de estrutura, ressalta a importncia da coeso social para a estabilidade dos sistemas sociais desconsiderando o conflito inerente s relaes sociais. Subjacente s explicaes ou ao conhecimento sobre os sistemas sociais, encon-tra-se uma preocupao com o problema da ordem. Os sistemas sociais esto em equilbrio e tendem ao equilbrio na medida em que as instituies cumprem suas funes. Pode-se dizer que o problema fundamental reside na tentativa de se explicar as sociedades como se fossem uma totalidade articulada e integrada, o que acabou levando a uma negligncia das mudanas dos sistemas sociais.

    1.5 Evans-Pritchard: estrutura social, ordem, conflito

    Edward Evans-Pritchard foi um importante antroplogo da Antropologia britnica. Estudou com Malinowski na London School of Economics em Londres. Realizou suas pesquisas de campo no Sudo durante os anos de 1930, principal-mente entre o povo azande o os nuer. Seu primeiro livro, publicado em 1937, foi Witchcraft, Oracles and Magic among the Azande. Sua se-gunda obra importante foi The Nuer, de 1940. O primeiro livro foi publi-cado no Brasil com o ttulo Bruxaria, Orculos e Magia entre os Azande; e o segundo, com o ttulo Os Nuer. Em Os Nuer, Evans-Pritchard faz um es-tudo da organizao poltica de um povo pastoril patrilinear que vivia ao norte dos Azandes, prximo ao rio Nilo, hoje Sudo.

    Adam Kuper escreve:

    diCAPara aprofundar o

    entendimento sobre os conceitos de funo e estrutura social, leiam

    os captulo IX (Sobre o Conceito de Funo nas

    Cincias Sociais) e o X (Sobre a Estrutura So-

    cial) do livro: RADCLIF-FE-BROWN, Alfred R.

    Estrutura e Funo na Sociedade Primitiva. Rio de Janeiro: Editora

    Vozes, 1973.

    Figura 5: E. E. Evans-Pritchard with Zande

    boys in Southern Sudan, Unknown

    photographer, 1927-1930.

    Fonte: Disponvel em http://southernsudan.

    prm.ox.ac.uk/de-tails/1998.341.576/. Aces-

    so em 20 mai. 2014.

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    Quando Evans-Pritchard estudou os Nuer, numa srie de visitas relativamente breves ao campo na dcada de 1930, o seu nmero totalizava umas 200.000 pessoas espalhadas numa rea de 78.000 Km2 no Sudo Meridional. Os Nuer estavam justamente se recuperando de um brutal programa de pacificao, o qual inclura o bombardeio de seus rebanhos e o enforcamento dos seus profetas e no estavam por isso no melhor dos nimos para propiciar uma acolhida hospitaleira a visitantes brancos. Nessas circunstncias nada auspicio-sas, Evans-Pritchard descobriu e demonstrou pela primeira vez como um siste-ma poltico pode existir sem governantes num estado que ele denominou de anarquia ordeira, sendo as relaes entre grupos territoriais conceptualiza-das num idioma de relaes lineares e regidas por processos de fisso e fuso. (ADAM KUPER, 1978, p. 107)

    Passemos a comentar, sumariamen-te, a obra de Evans-Pritchard, focalizando o tema ordem e conflito e a noo de es-trutura social.

    Os Nuer marcaram uma forma es-pecfica de produo do conhecimento antropolgico, tanto do ponto de vista terico quanto metodolgico. Terico na medida em que se prope um conheci-mento da sociedade a partir da noo de estrutura social, buscando um refina-mento dessa noo; portanto, indo alm do realismo simplista de Radcliffe-Brown, para quem a noo de estrutura social se confunde com as realidades empricas, observveis a partir das relaes sociais. Metodolgico, pois um experimento de anlise sincrnica, significativo para a his-tria da Antropologia na medida em que Evans-Pritchard produziu uma descrio etnogrfica mais consistente e rigorosa e, nesse sentido, o autor refora uma preo-cupao central relacionada forma de se produzir o conhecimento na Antropo-logia: o trabalho de campo, que requer o contato ntimo com os povos que se quer estudar, uma preocupao recorrente desde Boas, que se intensificou a partir de Malinowski.

    No entanto, o mais fascinante na pesquisa de Evans-Pritchard sobre os Nuer est na descri-o da ordem social de uma sociedade a partir de uma relao primeira vista quase enigmtica: ordem e conflito, fisso e fuso. Como o autor mostra, a ordem social entre os Nuer resulta de um jogo envolvente entre fuso e oposio de acordo com as relaes entre os vrios segmentos grupais dessa sociedade. Assim, possvel dizer que Evans-Pritchard ultrapassa os modelos de sociedade que pressupunham equilbrio entre as partes, em que os indivduos consensualmente obedecem involuntariamente normas e regras impostas pela sociedade, vigentes na perspectiva funcionalista na Antropologia.

    Os Nuer constituem em uma descrio de um povo que vivia ao longo do rio Nilo, que no contavam com uma autoridade poltica centralizada e que se ordenavam socialmente a partir de valores comunitrios e pelo sistema de linhagem e segmentao tribal. Segundo Evans-Prit-chard, os Nuers no tinham governo e seu estado pode ser descrito como uma anarquia ordena-da. O ordenamento poltico Nuer era garantido atravs das relaes de fuso e oposio entre os sistemas de linhagens e por relaes de parentesco.

    Segundo Evans-Pritchard (1993, p. 7), os Nuer, que chamam a si mesmos de Nath, so apro-ximadamente duzentas mil almas e vivem nos pntanos e savanas planas que se estendem em ambos os lados do Nilo. Eles formavam, juntamente com os Dinka, uma subdiviso de um gru-po nilota que ocupava parte da frica oriental. Os Nuer se dividem em tribos, maior segmen-to poltico, que por sua vez dividem-se em uma srie de segmentos territoriais, e estes consti-tuem mais do que meras divises geogrficas, pois os membros de cada um consideram-se a si mesmos como comunidades distintas e algumas vezes agem como tais, que se segmentam em

    Figura 6: Garota nuer. Foto de Evans-Pritchard.Fonte: Disponvel em fa-culty.dwc.edu/wellman/cattle.htm. Acesso em 02 abr. 2014.

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    outras sees: secundria e terciria. A seo terciria consiste de uma srie de aldeias, as quais constituem as menores unidades polticas da terra Nuer (Idem, 1993, p. 10).

    Evans-Pritchard mostrou, ento, como um sistema poltico pode existir sem governantes, sendo as relaes entre os grupos territoriais conceitualizadas num idioma de relaes lineares e regidas por processos de fisso e fuso (KUPER, 1978, p. 107).

    Dois objetivos centrais marcam o livro Os Nuer. Por um lado, nos primeiros captulos, Evans-Pritchard descreve o meio ambiente e o valor supremo que os Nuer atribuem ao gado e os limi-tes que o meio ambiente impe organizao social Nuer. Por outro lado, o autor apresenta, nos ltimos captulos do livro, uma organizao Nuer calcada no sistema poltico e que no depende simplesmente da ecologia.

    Os Nuer suprem suas necessidades a partir da criao de gado e da agricultura, principal-mente de milho e sorgo. Assim, tm que ajustar suas vidas s necessidades de seus rebanhos e s estaes do ano, divididas em chuvosa e estiagem. Na estao chuvosa, os Nuer se concentram nas aldeias e, na poca da estiagem, em acampamentos construdos prximos a ribeires devido escassez de gua. Assim, Evans-Pritchard atribuiu uma importncia fundamental s limitaes que o meio ambiente cria para a organizao social Nuer.

    Mas, por outro lado, como o autor observou, essas limitaes ecolgicas no podem expli-car as relaes estruturais entre grupos Nuer. Assim, o autor oscila entre a importncia da ecolo-gia e das relaes humanas para explicar a organizao Nuer.

    De fato, Evans-Pritchard atribui uma importncia fundamental do meio ambiente fsico para entender a vida Nuer. Mas, se Evans-Pritchard d nfase ao meio ambiente fsico e ao gado, ele o faz em respeito importncia que o gado tem para os Nuer. Nesse sentido, observa-se que o autor no fala de uma determinao ecolgica sobre a sociedade. O meio ambiente apenas d condies para a vida social, pois as relaes estruturais entre os grupos Nuer no podem ser en-tendidas simplesmente a partir das limitaes que o meio ambiente impe aos Nuer.

    Dessa forma, as explicaes estruturais entre grupos nuer so formuladas em funo de princpios estruturais. O argumento de Evans-Pritchard se desloca da importncia das condi-es materiais de existncia para o plano dos valores sociais. A partir da, o autor observa que a ordem social Nuer mantida por valores comunitrios e pelo sistema de linhagem e segmenta-o tribal. O ordenamento poltico garantido atravs das relaes de fuso e oposio entre os sistemas de linhagens e por relaes de parentesco.

    No captulo trs, Evans-Pritchard explorou as noes de tempo e espao argumentando que, entre os Nuer, essas noes no so abstratas. O autor introduz a a ideia de relatividade

    Foto 7: Garotas nuers. Foto recente.

    Fonte: Disponvel em http://www.dhushara.

    com/paradoxhtm/culture.htm.Acesso em 02 mai.

    2014.

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    Cincias Sociais - Antropologia III

    social. As categorias tempo e espao so construes sociais. Evans-Pritchard mostra que as no-es de tempo e espao Nuer so construdas de acordo com a ecologia, mas principalmente de acordo com a estrutura social. Os tempos mais longos so estruturais e os tempos mais breves so ecolgicos.

    Assim, Evans-Pritchard mostra que o ano Nuer dividido em duas estaes tot e mai sendo que a primeira corresponde ao perodo das chuvas e a segunda ao perodo da estiagem. Mas, a noo de tempo no deriva simplesmente das mudanas climticas, mas das atividades a elas relacionadas. Para o Nuer, o tempo se divide em perodos de residncia na aldeia e outros no acampamento. Portanto, o tempo percebido pelos Nuer em termos de mudanas fsicas e das relaes sociais.

    Evans-Pritchard (1993) cunhou a noo de tempo estrutural devido ao fato de que mais fcil pensar o modelo Nuer em funo das atividades da estrutura social, pois entre os Nuer no existe um termo ou um vocbulo equivalente a tempo.

    Evans-Pritchard (1993, p.123) procura mostrar tambm, que entre os Nuer, a noo de espa-o no est apenas relacionada ecologia, mas tambm estrutura social. O autor fala, ento, de distncia estrutural, que seria o espao estabelecido entre grupos de pessoas dentro de um siste-ma social, expressos em termos de valores. Assim:

    Uma tribo Nuer que est separada de outra tribo Nuer por quarenta quilme-tros est, estruturalmente, mais prxima desta do que de uma tribo dinka da qual est separada por apenas vinte quilmetros. Quando abandonamos os valores territoriais e falamos de linhagens e conjuntos etrios, o espao me-nos determinado pelas condies do meio ambiente (Idem, p. 123).

    A discusso que Evans-Pritchard fez sobre o tempo e espao Nuer serviu como uma liga-o entre os captulos iniciais do livro e os finais. Nas ltimas partes do livro, captulos 4 (O sis-tema poltico), 5 (O sistema de linhagens) e 6 (O sistema de conjuntos etrios), Evans-Pritchard demonstra o modo como as relaes de grupo eram conceituadas em termos territoriais e em termos de relaes de linhagens, construdas na genealogia que se estendia pelo menos a trs geraes passadas.

    Evans-Pritchard observa, ainda, que as relaes polticas na terra Nuer so relaes territo-riais. A estrutura poltica dos Nuer consiste em um ordenamento e reordenamento dos sistemas de linhagens, articulados num processo de fuso e oposio. Ou seja, as tribos Nuers se segmen-tam em sees que se estruturam a partir do parentesco e das oposies ocupadas no territrio. Os vrios segmentos da tribo Nuer ora se fundem ora se opem de acordo com relacionamentos para estabelecerem a guerra ou disputas. As tribos Nuer dividem-se em segmentos primrio, se-cundrio e tercirio. As sees tribais primrias constituem os maiores segmentos da tribo Nuer que, por sua vez, dividem-se em sees secundrias e tercirias (Evans-Pritchard,1993, p. 152). A menor seo tribal, denominada terciria, compreende vrias comunidades de aldeias, que so compostas por grupos domsticos e de parentesco (Idem, p. 152). Evans-Pritchard mostra que os segmentos operam a partir da fuso e da oposio a outros segmentos.

    Dessa forma, o sistema poltico Nuer explicado a partir das relaes territoriais e polticas que se expressam em termos de linhagens. Assim, uma tribo Nuer tinha um cl dominante que se segmentava em unidades menores: linhagens mximas, linhagens menores e linhagens mni-mas. Essas linhagens mantinham relaes de fuso e oposio umas com as outras.

    Evans-Pritchard (1993, p. 224) mostra, ento, que a estrutura tribal era dividida em vrias se-es, e os sistemas de linhagens, com suas tendncias para a fuso e oposio, mantm o equil-brio estrutural da sociedade Nuer, garantindo assim uma ordem em que no existe nenhum tipo de poder centralizado. Especificamente, com relao ao sistema de linhagens, ele seria o princ-pio organizador da estrutura.

    Pode-se dizer que em Os Nuer, Evans-Pritchard est preocupado com o problema da ordem social, um problema recorrente na Antropologia social britnica. Porm, no est interessado simplesmente em mostrar como as sociedades atingem a integrao social. Um ponto central que o autor procura desvendar como se mantm um equilbrio estrutural. Assim, observa que, entre os Nuer, a ordem resultado do princpio estrutural, das relaes entre grupos que man-tm relaes de fisso e fuso, cunhados a partir da ideia que Evans-Pritchard denominou de re-latividade social. Assim, pode-se dizer que o conflito, expressos nas relaes de oposio entre grupos nuer, torna-se importante para o equilbrio estrutural dessa sociedade. O conflito assume um ponto estratgico na anlise que Evans-Pritchard fez sobre os nuer, pois ele promove a or-dem social, e consequentemente, a estrutura social.

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    nesse sentido que se pode entender a importncia que as vendetas tm para os Nuer. As vendetas, uma instituio tribal, que ocorre quanto houver uma infrao lei, e como um modo aprovado e regulado de comportamento entre comunidades dentro de uma tribo, mantm a oposio equilibrada entre segmentos tribais e suas tendncias complementares de fundir-se e dividir-se, princpio bsico da estrutura poltica nuer.

    O livro de Evans-Pritchard, embora tenha sido considerado um produto da estrutura colo-nial, o que provocou reaes contra o conhecimento antropolgico por ser conveniente com o colonialismo, contribuiu para o conhecimento dos povos situados na frica. Evans-Pritchard, a partir de intenso trabalho de campo, pode mostrar como um grande grupo se estrutura sem um poder centralizado, sem uma autoridade poltica. O trabalho de campo comea assim a ter um novo status ou um novo reconhecimento. Assim, a Antropologia passa a se preocupar no com a busca do extico em outras sociedades. O trabalho de campo possibilitou tambm novas mu-danas tericas na Antropologia. Em Os Nuer, pode-se apreender que a estrutura social no se confunde com a estrutura concreta. O autor desloca-se da estrutura social como uma realidade emprica para entend-la como relaes conceitualizadas pelo antroplogo. Assim, o autor con-cebe a estrutura social como um modelo que no se confunde com a realidade, aproximando-se da noo de estrutura que Lvi-Strausss desenvolveria posteriormente.

    Vimos, ento, nesta Unidade, que a perspectiva estrutural-funcionalista na Antropologia pode ser entendida como uma reao ao evolucionismo. Como ressalta Da Matta (1990, p. 101), os funcionalistas reagiram, sobretudo, ao conceito de sobrevivncia dos evolucionistas. Pu-demos ver que Malinowski foi o fundador do programa funcionalista. Da perspectiva fundada por Malinowski, as sociedades eram consideradas como sistemas integralmente funcionais. Para entender como as sociedades funcionam, Malinowski desenvolveu o conceito de cultura como uma resposta s necessidades biolgicas. Para esse autor, as instituies existem para os indiv-duos. Por outro lado, vimos como Radcliffe-Brown, outro importante antroplogo da Antropo-logia britnica, assimilou a perspectiva terica durkheimiana ao incorporar em sua anlise o en-tendimento dos princpios abstratos e mecanismos de integrao social. Esse autor, ao elaborar a ideia de funo e estrutura social, interessou-se em compreender como as sociedades se man-tm coesas. Finalmente, analisamos a etnografia de Evans-Pritchard, buscando entender como relaciona ordem e conflito como um momento emprico, mas, sobretudo, como um problema da teoria antropolgica.

    RefernciasDA MATTA, Roberto. Relativizando: uma introduo Antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1990.

    ERIKSEN, Thomas Hylland. Histria da Antropologia. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007.

    EVANS-PRITCHARD, Edward Evans. Os nuer. So Paulo: Perspectiva, 1993.

    LAPLANTINE, Franois. Aprender Antropologia. So Paulo: Brasiliense, 2000.

    KUPER, Adam. Antroplogos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.

    MALINOWSKI, Bronislaw. Uma Teoria Cientfica da Cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

    PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1995.

    RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. Estrutura e Funo na Sociedade Primitiva. Rio de Janeiro: Vo-zes, 1973.

    WHITE, Lesly. Evolucionismo e Anti-Evolucionismo na Teoria Etnolgica Americana. In: Sociolo-gia, So Paulo, vol. 10, n 1, 1948.

    ATiVidAdEFaa uma reflexo

    sobre a relao entre ordem e conflito, to-

    mando como refern-cia Radcliffe-Brown e

    Evans-Pritchard.

    diCAPara uma melhor com-

    preenso da etnografia de Evans-Pritchard, e

    para um entendimen-to mais aprofundado

    de como possvel a manuteno dos

    sistemas polticos em sociedades sem Estado,

    leia os captulos 3 (Tempo e Espao) e

    4 (O Sistema Poltico) do livro Os Nuer de

    Evans-Pritchard.

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    UnidAdE 2 O estruturalismo de Lvi-Strauss

    Leonardo Turchi PachecoCarlos Caixeta de Queiroz

    2.1 IntroduoO pensamento de Claude Lvi-Strauss complexo. No possvel abarc-lo em poucas p-

    ginas. Nesse sentido, esta Unidade tem como proposta introduzir as ideias bsicas da teoria des-se grande pensador. As subsees seguintes podem ser entendidas a partir de uma imagem: as ideias expostas so gotculas na imensido ocenica do pensamento lvi-straussiano.

    Tendo essa imagem em mente, escolhemos, no primeiro momento, apresentar a trajetria do homem Lvi-Strauss, suas influncias intelectuais. Em seguida, apresentaremos de maneira esquemtica e sinttica o mtodo estruturalista, os estudos sobre parentesco, as trocas simbli-cas, o totemismo e a lgica do concreto.

    Ser uma grande vitria se vocs, acadmicos, ao conhecerem as ideias de Lvi-Strauss, sen-tirem-se estimulados a submergirem nos meandros mais complexos de sua lgica e de sua teo-ria. E se vocs, por acaso, tomarem essa deciso, ser imprescindvel a leitura dos livros desse autor.

    2.2 Lvi-Strauss: o homem e suas ideias

    Claude Lvi-Strauss nasceu em Bruxelas, na Blgica, em 1908. Pouco depois, sua famlia se mudou para a Frana, onde ele foi criado. bem possvel que o pequeno Lvi-Strauss, atravs da presena de seu pai, que era pintor, e da lembrana de seu bisav, que era violinista e maestro, tenha tido seu primeiro contato com as artes. Como morava no distrito XVI regio bomia da cidade das luzes, Paris, tambm bem provvel que tenha tido contato desde muito cedo com a poesia e os artifcios da linguagem.

    Pois bem, pintura, msica, poesia e linguagem, alm de um galinheiro no fundo da casa, faziam parte da vivncia da infncia de Lvi-Strauss. Como veremos, exceto pelo galinheiro, o contato com as artes foram pri-mordiais para a construo de suas ideias e da Antropologia es-truturalista.

    Quando eclodiu a I Guerra Mundial, seu pai foi recrutado e ento o pequeno Lvi-Strauss, de sete anos, foi morar com sua me e suas irms na casa de seu av materno, que era um rabino em Versailles. Essa associao com o judasmo faria Lvi-Strauss fugir para Martinica e refugiar-se em Nova York, devido invaso a Paris na II Guerra Mundial.

    diCAPara se familiarizar com o homem Lvi-Strauss, leia uma entrevista realizada com ele pela professora Beatriz Perrone Moises, da universidade de So Paulo. Essa entrevista se encontra na revista de antropologia da USP no stio: http://www.scielo.br/scielo.php?pi-d=s0034-77011999000100002&script=sci_arttext

    diCALeiam Tristes Trpicos, e preste ateno aos captulos 6, 28 e 38 que so intitulados Como se faz um etngrafo, Lio de escrita e Um copinho de rum, respectivamente. Se preferirem, leiam esses trs captulos e depois se aventurem pelo resto do livro.

    Figura 8: foto de Lvi-Strauss no Brasil em 1934.Fonte: Disponvel em http://i.telegraph.co.uk/multimedia/archive/01515/levi_strauss1_1515787c.jpg. Acesso em 02 jun. 2014.

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    Mas antes da II Guerra Mundial e antes de reinventar a Antropologia moderna e ter seu nome associado ao movimento estruturalista, Lvi-Strauss estudou Direito, Filosofia em Sorbon-ne e veio duas vezes ao Brasil.

    Em Tristes Trpicos (1996), seu livro mais acessvel, mas ainda assim um tratado etnolgi-co disfarado de biografia, Lvi-Strauss conta como, desiludido com o Direito e a Filosofia, tor-nou-se um etngrafo. No captulo intitulado Como se faz um Etngrafo, o autor compartilha suas percepes sobre o Direito e a Filosofia com os leitores e, de maneira mgica, descreve sua vocao antropolgica.

    Lvi-Strauss conta:

    Sem dvida, desde a tenra infncia eu me dedicara a uma coleo de curiosi-dades exticas. Mas era uma atividade de antiqurio, voltada para as reas em que nem tudo era inacessvel s minhas posses. Na adolescncia, minha orien-tao ainda continuava to indecisa, que o primeiro que tentou formular um diagnstico, meu professor de Filosofia do ltimo ano, chamado Andr Cres-son, indicou-me os estudos jurdicos como os que melhor correspondiam a meu temperamento; conservo profunda gratido por sua memria devido semiverdade que esse erro encobria. Desisti, portanto, da Escola Normal e ins-crevi-me em Direito ao mesmo tempo em que fiz o curso de Filosofia; simples-mente porque era muito fcil. Uma curiosa fatalidade pesa sobre o ensino de Direito. Preso entre a teologia da qual, nessa poca, seu esprito o aproximava, e o jornalismo, para o qual a recente reforma est fazendo pender, parece que lhe impossvel situar-se num plano a um s tempo slido e objetivo: perde uma das virtudes quando tenta conquistar ou conservar a outra. Objeto de es-tudo para o homem de cincia, o jurista fazia-me pensar num animal que pre-tendesse mostrar a lanterna mgica ao zologo. [...] Mais ainda do que sua es-terilidade repelia-me a clientela do Direito (LEVI-STRAUSS, 1996, p. 51-52).

    Se o Direito se distanciava do autor, a Filosofia, por sua parte, tambm no contribua para torn-lo empolgado pelas experincias cientficas. O modo como era ensinado o ofcio filosfico na Sorbonne de ento fazia Lvi-Strauss um constante indignado. E, para piorar a situao, quan-do deu aula no Liceu, uma espcie de ensino mdio para os franceses, descobriu que sua vida seria uma eterna repetio dos contedos apreendidos na escola de Sorbonne.

    Lvi-Strauss lembra que:

    Ali comecei a aprender que todo problema, grave ou ftil, pode ser liquidado pela aplicao de um mtodo, sempre idntico, que consiste em contrapor duas vises tradicionais da questo; em introduzir a primeira pelas justifica-

    Figura 9: Foto de Claude Lvi-Strauss.

    Fonte: Disponvel em http://www.ugr.

    es/~pwlac/G26_01Pedro_Gomez_Garcia.html.

    Acesso em 02 jun. 2014.

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    Cincias Sociais - Antropologia III

    es do sentido comum, depois em destru-las por meio da segunda; por l-timo, op-las mutuamente graas a uma terceira que revela o carter tambm parcial das outras duas, reduzidas pelos artifcios do vocabulrio aos aspectos complementares de uma mesma realidade: forma e fundo, continente e con-tedo, ser e parecer, contnuo e descontnuo, essncia e existncia etc. Tais exerccios logo se tornam verbais baseados numa arte de trocadilho que ocupa o lugar da reflexo; as assonncias entre os termos, as homofonias e as ambi-guidades fornecem progressivamente a matria dessas piruetas especulativas por cuja engenhosidade se reconhecem os bons trabalhos filosficos. [...] A Fi-losofia no era ancilla scientiarum, a serva e a auxiliar da explorao cientfica, mas uma espcie de contemplao esttica da conscincia em si mesma. Viam-na, atravs dos sculos, elaborando construes cada vez mais leves e audacio-sas, resolvendo problemas de equilbrio ou de alcance, inventando requintes lgicos, e tudo isso era tanto mais meritrio quanto maior fosse a perfeio tcnica e a coerncia interna; o ensino filosfico tornava-se comparvel ao de uma histria da arte que proclamaria o gtico como necessariamente superior ao romnico, e no mbito do primeiro, o flamboyante mais perfeito que o pri-mitivo, mas em que ningum indagaria o que belo e o que no o . O signifi-cante no se reportava a nenhum significado, j no havia referente. O savoir-faire substitua o gosto pela verdade (LEVI-STRAUSS, 1996, p. 49-50).

    Essas inquietaes apontam para o desapontamento com as ferramentas para atingir o co-nhecimento proporcionado pela Filosofia. Se Levi-Strauss percebeu o Direito como algo estril, a Filosofia foi entendida como uma repetio esquemtica para os problemas cientficos. Ao que parece, segundo o relato do autor, o caminho para o encontro com a etnografia era uma questo de tempo, uma atrao inevitvel e uma vocao sempre presente no inconsciente.

    E, assim, mais do que de repente um grito: Eureka! Como exclamariam os filsofos gregos ao descobrirem e se encantarem com uma nova ideia. A Antropologia foi o grito vocacional Levi-s-traussiano, a descoberta de seu lugar no mundo das ideias, a descoberta de seu lugar no mundo concreto.

    assim que, de maneira potica, com uma sensibilidade mpar, daquelas que o leitor menos atento derrama lgrimas de emoo e o mais compenetrado decide mudar de vida, ele descreve sua descoberta. E como se no bastasse mostrar ao leitor a sua descoberta, ele ainda descreve os meandros de sua vocao no esprito do pesquisador, do etngrafo, aquela profisso-vocao-refgio-misso que ele inconscientemente se viu atrado:

    Nessa antinomia que ope, de um lado, a profisso, e de outro, um projeto ambguo que oscila entre a misso e o refgio, e que sempre participa de uma ou de outro, sendo ora um ora outro, a etnografia ocupa decerto um lugar pri-vilegiado. a forma mais extrema que se possa conceber do segundo termo. Sempre se considerando o humano, o etngrafo procura conhecer e julgar o homem de um ponto de vista elevado e distante o suficiente para abstra-lo das contingncias prprias a esta sociedade ou quela civilizao. Suas condi-es de vida e de trabalho o isolam fisicamente de seu grupo por longos pero-dos; pela brutalidade das mudanas a que se expe, ele adquire uma espcie de desarraigamento crnico: nunca mais se sentir em casa, em nenhum lugar, permanecer psicologicamente mutilado. Como a matemtica ou a msica, a etnografia uma das raras vocaes autnticas. Podemos descobri-la em ns, ainda que no tenha sido ensinada por ningum (LEVI-STRAUSS, 1996, p. 53).

    Descoberta a vocao, Lvi-Strauss em-barcou para o Brasil em uma expedio onde viveu vrios meses entre os ndios Nambikwa-ra. Voltaria ao Brasil em outra expedio para estudar a organizao social e a expresso ar-tstica dos ndios Bororo e Cadiweu. Todos es-ses encontros foram relatados em Tristes Tr-picos.

    Entre uma e outra viagem ao Brasil, Lvi-S-trauss se refugiou nos Estados Unidos, escre-veu sua obra mais famosa, que revolucionou o conhecimento antropolgico sobre os sistemas de parentesco, e o tornou uma referncia entre os antroplogos, intitulada As estruturas ele-mentares do parentesco, colecionou obras de arte primitiva e conheceu Roman Jakobson.

    Roman Jakobson era professor de Lingustica na Escola de Praga. Foi atravs dos ensina-

    diCAPara entenderem e ou-virem uma aula sobre Lvi-Strauss, consulte o site do estado de So Paulo e oua os comen-trios de Luiz Zanir.Fonte: http://www.estadao.com.br/espe-ciais/100-anos-de-levi-strauss,38179.htm

    Figura 10: Desenhos minuciosos e simtricos, traados com tinta obtida da mistura do suco do jenipapo com p de carvo, marcam, at hoje, a pintura corporal dos Kadiwu. Foto: Claude Lvi-Strauss, 1935. Fonte: Disponvel em http://img.socioambien-tal.org/v/publico/institu-cional/. Acesso em 02 jun. 2014.

    ATiVidAdEFaam uma pesquisa na internet sobre a vida de Lvi-Strauss. Identi-fiquem a correlao entre matemtica, lingustica, msica e pintura para o seu pensamento.

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    mentos de Jakobson que Lvi-Strauss entrou em con-tato com os mtodos, os princpios e a ideias que o ajudaram a formular suas prprias ideias sobre o estru-turalismo. Essas ideias resultaram no nascimento da An-tropologia estrutural.

    Vocs perceberam a trajetria de Lvi-Strauss? No-taram com as expresses artsticas, como a msica e a pintura so importantes para pensar a Antropologia? Notaram que a Filosofia, Lingustica e a Matemtica so elementos fundamentais de sua formao?

    Pois bem, agora ns iremos tratar nas prximas subsees das ideias, categorias e conceitos formulados por Lvi-Strauss sobre o mtodo estruturalista, o paren-

    tesco, o simblico, a linguagem, o totemismo e a lgica do concreto.Peguem um caderno, uma caneta ou lpis e prestem muita ateno. O pensamento de Lvi

    -Strauss complexo e cheio de nuances. No possvel entend-lo sem estrutur-lo e sistemati-z-lo em uma folha de papel.

    Ordem, aqui, tudo!

    2.3 A noo de estruturaAo construir a noo de estrutura em Antropo-

    logia, a abordagem de Lvi-Strauss privilegiou os modelos constitudos a partir da realidade. Modelos, criados a partir do mtodo de lingustica fonolgi-ca, que tm um carter de sistema que, por sua vez, formam estruturas inconscientes aos seres humanos, mas presentes no modo como esses comunicam suas aes.

    Confuso? Ento vamos por partes.Em 1952, numa comunicao proferida em Nova

    York, Lvi-Strauss se prope a definir o que estrutu-ra. A sua noo de estrutura se distancia da noo de estrutura da escola britnica que tinha como princi-pal figura Radcliffe Brown. O problema da escola bri-tnica residia no fato dela confundir a estrutura social com as relaes sociais. Ora, para Lvi-Strauss, Rad-cliffe Brown reduzia a estrutura social s relaes ob-servveis na sociedade. A realidade era revelada pela simples observao do sensvel, perceptvel esponta-neamente atravs de fatos sociais, isolados, dos quais os homens tm plena conscincia.

    Lvi-Strauss discorda de Radcliffe Brown na me-dida em que entende que: O princpio fundamental que a noo de estrutura social no diz respeito realidade emprica, mas aos modelos construdos em conformidade com esta (LVI-STRAUSS, 1967, p. 315).

    Assim, para Lvi-Strauss, as observaes do sen-svel e das percepes espontneas no do conta de

    explicar as relaes sociais. preciso mergulhar no nvel do sistema inconsciente. preciso des-cortinar as categorias que os homens utilizam sem saber Direito o porqu. preciso fazer isso atravs de modelos das percepes inconscientes dos seres humanos. Dessa forma, as relaes sociais se constituiriam em material para se alcanar as estruturas das lgicas de pensamento e aes.

    Em relao aos modelos e sua natureza, o autor aponta que,

    Figura 11: Foto de Lvi-Strauss jovem no Brasil.

    Fonte: Disponvel em http://www.ugr.

    es/~pwlac/G26_01Pedro_Gomez_Garcia.html

    Acesso em 02 jun. 2014.

    Figura 12: Estrutura de cano e ao vista de cima.

    Fonte: Disponvel em www.fotosearch.com.br.

    Acesso em 02 jun. 2014.

    Figura 13: Estrutura de uma folha.

    Fonte: Disponvel em www.fotosearch.com.br.

    Acesso em 02 jun. 2014.

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    Cincias Sociais - Antropologia III

    Um modelo qualquer pode ser consciente ou inconsciente, esta condio no afeta sua natureza. Pode-se apenas dizer que uma estrutura superficialmente enterrada no inconsciente torna mais provvel a existncia de um modelo que a mascare, com um cran, para a conscincia coletiva. Com efeito, os modelos conscientes que chamamos comumente de normas contam-se entre os mais pobres que h, em virtude de sua funo que perpetuar as crenas e usos. Mais do que revelar-lhes a fora motora. Assim a anlise estrutural se de-para com a situao paradoxal, bem conhecida do linguista: quanto mais nti-da a estrutura aparente, mas difcil se torna aprender a estrutura profunda, por causa de modelos conscientes e deformados que se interpem entre o obser-vador e seu objeto. O etnlogo dever, portanto, distinguir entre as duas situa-es em que est sujeito a ser colocado. Ele pode ter de construir um modelo correspondente a fenmenos cujo sistema no foi percebido pela sociedade. [...] Em outros casos, entretanto, o etnlogo tem de se haver, no somente com materiais brutos, mas tambm com modelos j construdos pela cultura consi-derada, sob a forma de interpretaes (LVI-STRAUSS, 1980, p. 9).

    Mas como so construdos esses modelos que so o objeto da anlise estrutural? Quais so as condies necessrias para que um modelo possa ser entendido como uma estrutura?

    Para o modelo se tornar uma estrutura necessrio que ele satisfaa quatro condies (LEVI-STRAUSS, 1967, p. 316 e 1980, p. 7):

    a. O modelo deve oferecer um carter de sistema. Isso implica que a modifica-o de um elemento dentro do sistema acarreta a transformao de todos os outros.b. Todo modelo deve pertencer a um grupo de transformaes. Cada transfor-mao corresponder a um modelo da mesma famlia. Por sua vez, o conjunto das transformaes deve resultar num grupo de modelos.c. Previsibilidade da reao do modelo se os elementos forem modificados.d. O modelo deve ser construdo de forma que seu funcionamento explique to-dos os fatos observados.

    Esses modelos se constituem como regras, leis univer-sais das ordenaes possveis das relaes sociais observ-veis. Ou seja, os modelos analisados pelo vis estruturalista, devido s regras e leis, so de nmero limitado, assim como suas variaes.

    Alm disso, os modelos possuem uma lgica binria de classificao e seus elementos no podem ser entendi-dos de forma isolada, mas sim em relao um com o outro. Portanto, os modelos so sistemas de relaes que dotam a realidade de significado.

    Vejamos dois exemplos desses sistemas: o primeiro se refere alimentao e o segundo ao jogo de cartas. Para Lvi-Strauss, os alimentos so bons tanto para comer como para pensar as lgicas de significados de cada sociedade.

    Os vocbulos queijo, cheese, frommage, isoladamente e fora do contexto estrutural em que cada um est inserido, podem dar a impresso de que se trata do mesmo alimen-to. No entanto, se pensados dentro de um esquema cultural das sociedades brasileira, americana e francesa, esses ali-mentos adquirem conotaes completamente diferentes.

    Para os brasileiros, o queijo um alimento de gosto salgado. O queijo associado a outros alimentos de sabo-res salgados como o po e pode ser consumido com uma boa xcara de caf. Tambm pode ser consumido com do-ces como a goiabada, a banana, o doce de figo, o que o torna saboroso devido ao contraste entre doce e salgado.

    Para os americanos, o cheese um alimento de gosto insosso. No tem sabor. No nem salgado, nem amargo, nem cido. um completo sem sabor para ser consumido nos sanduches e demais fast food.

    Para os franceses o frommage um alimento de gosto picante. Ao contrrio da culinria bra-sileira, o frommage na culinria francesa no consumido com doces, mas sim com vinhos e po.

    Figura 14: A estrutura cromtica do caleidoscpio pode tomar diversas formas, dentro de um limite pr-estabelecido. O mesmo acontece com a estrutura dos fenmenos sociais dentro de uma determinada cultura.Fonte: Disponvel em www.fotosearch.com.br. Acesso em 02 jun. 2014.

    diCAAteno! Quando Lvi-Strauss se refere lgica binria, devemos entender que as clas-sificaes da realidade so feitas a partir de oposies de pares de opostos. A realidade, para adquirir sentido, geralmente, ordenada e classificada tomando pares de coisas seme-lhantes e diferentes. Assim temos: dia/noite, casa/rua, cru/cozido, masculino/feminino, pblico/privado, sagra-do/profano e assim por diante.

    Figura 15: Queijo, cheese, frommage.Fonte: Disponvel em www.fotosearch.com.br. Acesso em 02 jun. 2014.

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    Queijo = Brasil = SalgadoFrommage = Frana = PicanteCheese = Estados Unidos = Insosso (sem gosto/bor-

    rachudo)

    Temos aqui um sistema que opera por contrastes, no podendo ser pensado isoladamente. O queijo to-mado em relao com a culinria de cada pas adquire sentidos mltiplos. O objeto que parecia o mesmo em todos os lugares ganha sua peculiaridade quando pen-sado numa estrutura relacional.

    O baralho tambm pode ser pensado como uma estrutura pr-determinada e com variaes limitadas dentro do jogo que os participantes escolheram jogar. Os baralhos de lngua portuguesa possuem 52 cartas

    distribudas em 4 naipes, com 13 cartas cada de valores diferentes. Pode-se perceber que a estrutura das cartas permite uma srie de combinaes, dependen-

    do do jogo. O truco, por exemplo, uma disputa em trs rodadas onde os indivduos se organi-zam em duplas. Cada indivduo deve possuir trs cartas nas mos. Os valores dessas cartas vo desde a mais alta o 4 de paus, 7 de copas, s de espada (espadilha), 7 de ouro, todos os 3, todos os 2, todos os ases, at a mais baixa de todas: os reis, valetes e damas. No poker, o jogo indivi-dual, a sequncia e os valores das cartas se modificam. A maior sequncia chamada Straight Flush, so cinco cartas em sequncia do mesmo naipe. Logo aps, a quadra four of a kind que so quatro cartas do mesmo valor de naipes diferentes. A seguinte a full house, ou seja, uma sequncia de trs cartas de mesmo valor de naipes diferentes e duas cartas de mesmo valor e naipes diferentes. E assim por diante at chegar combinao menos valiosa, o par.

    Vejamos as semelhanas entre o jogo e o matrimnio. Ambos os fenmenos esto pr-es-tabelecidos pelos sistemas em que se inserem. O casamento, se visto como um baralho, pode tomar vrias formas; se nas cartas temos o jogo de truco, no casamento temos a monogamia; se nas cartas temos o jogo de poker, no casamento temos a poligamia. Os jogos e os matrimnios so pouco variveis e universais. Em outras palavras, existe em cada cultura um nmero limitado de jogos possveis de se jogar dentro de um sistema organizado. O mesmo ocorre com as formas de matrimnio.

    Ao construir a noo de estrutura na Antropologia, Lvi-Strauss precisou romper com uma srie de preceitos filosficos, histricos, atomsticos e empricos (LAPLANTINE, 1996, p. 134-139).

    O autor rompeu, no primeiro momento, com a Filosofia. O rompimento se deu na medida em que ele inverteu as ordens dos termos para se pensar o sujeito do conhecimento. A racionali-dade consciente inserida na famosa frase de Descartes, penso, logo, existo rejeitada. O incons-ciente toma seu lugar como uma forma de se conhecer os sujeitos e a realidade mais profunda de suas relaes.

    Rompeu com o historicismo e com o evolucionismo na medida em que entendeu que a his-tria linear e preocupada com o progresso e com as mudanas um modelo ocidental. Existem outras formas de se conceber a histria que no implica em uma cultura ser superior a outra. As lgicas de pensamento histrico so alinhadas a percepo do tempo e espao de cada cultura.

    Rompeu com o atomismo e com o empirismo. Como o modelo estruturalista provm da Lingustica, ele s pode ser entendido a partir da relao entre seus elementos e nunca a partir de um fato isolado. Alm do mais, os sistemas no so fatos observveis pela impresso espon-tnea. Os sistemas no so conscientes, mas sim inconsciente. Assim, como a lngua tem uma gramtica que no pensamos para utilizar suas regras, nas relaes culturais acontece o mesmo. No preciso se perguntar os motivos de todos ns em um momento ou em outros contrairmos casamento para casarmos e entender que as pessoas simplesmente casam. Na nossa cultura, diz-se que uma pessoa se casa porque est intimamente envolvida, afetiva e sexualmente com outra, porque est amando, porque encontrou sua outra metade, sua parte que faltava. Mas, por detrs dessas afirmaes e categorias como amor, completude e envolvimento se escondem outras as quais os indivduos no tm plena conscincia. Existem regras, normas e leis um sistema estru-turado que regem todo esse processo chamado casamento.

    Enfim, o programa estruturalista se baseia nas seguintes abordagens:

    diCAA regra de ouro do

    estruturalismo a se-guinte: as inter-relaes dos elementos so mais

    importantes do que os elementos sozinhos.

    Figura 16: As cartas e suas estruturas

    Fonte: Disponvel em www.fotosearch.com.br.

    Acesso em 02 jun. 2014.

    ATiVidAdEPesquisar o que Lvi-Strauss entende por

    sociedades quentes e frias. Pesquisar o que Lvi-Strauss entende

    por histria.

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    Cincias Sociais - Antropologia III

    a. Existe certo nmero de materiais culturais sempre idnticos e invariveis.b. As diferentes estruturaes so limitadas: leis universais que regem as ativi-dades inconscientes universais do esprito.c. Leis culturais semelhantes s leis gramaticais. (LAPLANTINE, 1996, p. 139):

    2.4 Trocas simblicas, alianas e proibies: de colares a mulheres

    A teoria do parentesco proposta por Lvi-Strauss influenciada pelos estudos sobre o pa-rentesco de dois antroplogos clssicos: Bronislaw Malinowski e Marcel Mauss.

    Malinowski, apesar de pertencer escola britnica de tradio empirista, a mesma que Rad-cliffe Brown, foi fundamental para as ideias de Lvi-Strauss na medida em que mostrou como as alianas so forjadas por bens simblicos. Em seu tratado etnogrfico intitulado Os argonautas do pacfico ocidental, Malinowski estudou uma cerimnia chamada Kula. O Kula era um sistema cerimonial baseado na troca de presentes entre as tribos do Pacfico ocidental. Essa troca era es-tabelecida por regras muito bem estruturadas. Os presentes, ora conchas, ora colares, eram tro-cados em direes opostas de forma a circularem entre uma quantidade X de ilhas. Ento, como um ponteiro de relgio, os colares e outros adornos circulam para um lado e as conchas para o outro.

    Essa circulao possua regras definidas de modo que determinados grupos recebiam co-lares e determinadas famlias recebiam colares mais elaborados, dependendo da aliana que o grupo visitante almejasse estabelecer. Ao receber o presente, o sujeito deveria retribuir com uma concha ou um colar de forma que um grupo nunca permanecesse definitivamente com o objeto recebido. O interessante que esses objetos conchas e colares no possuam valor econmi-co, de mercado. No entanto, possuam valores simblicos, pois permitiam que os grupos pudes-sem se aliar e prestar favores. Alm disso, essas trocas estabeleciam uma memria coletiva. Era possvel, atravs das trocas, contar a histria dos grupos e de seus antepassados envolvidos na cerimnia.

    Marcel Mauss, impressionado com os relatos de Malinowski, elaborou uma teoria para en-tender o papel das trocas de presentes nas sociedades humanas. Essa teoria foi explicada em seu estudo clssico intitulado O ensaio sobre a Ddiva. Nesse ensaio, Mauss dialoga com a eco-nomia, assim como havia feito Malinowski, para mostrar que existem objetos que tm um valor

    Figura 17: Malinowski e os TrobriandesesFonte: Disponvel em http://ant1mcc.blogspot.com.br/2010/09/o-kula--no-argonautas-do-pa-cifico.html Acesso em 02 jun. 2014.

    ATiVidAdEPesquisem objetos na sua localidade; objetos que, apesar de no possurem valor eco-nmico, so valiosos simbolicamente.

    diCAPara entender a lgica das trocas e alianas e a teoria da reciprocida-de, leiam os captulos iniciais dos Argonautas do Pacfico ocidental e, em sequncia, o ensaio sobre a ddiva. Depois, leiam os primeiros captulos das Estruturas elementares do paren-tesco.

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    simblico maior que o valor econmico do que ele pressupe. Ainda, existem objetos/ddivas/presentes que se obrigam a estabelecer relaes de trocas e movimentam vrios elementos da sociedade.

    A teoria da reciprocidade se relacionada com a ddiva em uma obrigao tripla: dar, receber e retribuir. Assim como o Kula, diversas outras cerimnias implicam que os indivduos engaja-dos devem dar e esperam receber mais do que deram, para depois retribuir ainda mais. assim que se constituem as alianas, se demonstram os afetos, e fazem das pessoas amigas umas das outras, de maneira a estabelecer uma rede social. O nascimento da cultura pode ser pensado a partir desse modelo social total.

    E preste ateno, esse modelo regula as relaes humanas de maneira universal. Na cerim-nia ocidental conhecida como Natal, ou mesmo em outra cerimnia conhecida como Pscoa, so celebradas nossas crenas religiosas e reforados nossos mitos atravs de troca de ddivas. No Natal so presentes que se trocam e na Pscoa so os ovos de Pscoa. uma obrigao dar esses presentes e se espera receber, para que numa prxima data se d outro presente.

    Quem nunca ficou constrangido em receber um presente e no poder retribuir a gentileza? Quem nunca ficou encabulado ao receber um presente de grande valor que impossibilita a sua retribuio?

    E importante ressaltar que a troca de presentes movimenta a esfera econmica, mas tam-bm movimenta a esfera simblica, de parentesco, religiosa e poltica da nossa cultura.

    Pois bem, Lvi-Strauss ao ler o ensaio sobre a ddiva encontrou a soluo para pensar o sis-tema de parentesco. As alianas matrimonias, assim como os presentes, se estabeleciam a partir de regras de troca. Mas, no sistema de parentesco, os grupos no trocam braceletes e nem cola-res, muito menos presentes de Natal e ovos de Pscoa. Aqui, o que trocado para estabelecer as alianas so as mulheres. a troca de mulheres que assegura a continuidade das relaes entre os grupos. Trocam-se mulheres porque assim que se estabelece a continuidade biolgica do grupo social. E, ademais, se trocam as mulheres de um grupo pelas de um outro grupo pelo sim-ples fato de que homens e mulheres do mesmo grupo so proibidos de se relacionarem sexual-mente sem que se estabelea uma relao incestuosa.

    O tabu do incesto fora um grupo a estabelecer relaes com um grupo estranho e, con-sequentemente, estabelecer laos sociais. A proibio do incesto um fenmeno que permite entender como o homem um ser ao mesmo tempo biolgico e social. um fenmeno que faz a oposio binria cultura e natureza se misturar. Isso porque o ser humano, como ser biolgico, apresenta a universalidade dos instintos: todos os seres humanos se alimentam, dormem, eva-cuam, sorriem, choram. Mas, ao mesmo tempo, esses seres humanos no satisfazem seus instin-tos de forma indiscriminada. Existem normas coercitivas que regulam essas funes fisiolgicas, regras que so criadas pelas culturas, regras particulares a cada uma delas. Em um lugar no se pode misturar alimentos e nem comer animais domsticos, em outros lugares essas normas po-dem ser subvertidas e outras existem.

    Na sociedade brasileira, o cachorro um animal no comestvel, um animal considerado da famlia. No existe uma regra escrita que no se pode comer o cachorro, no entanto um tabu na cultura brasileira a ingesto desse animal. Os brasileiros preferem comer vaca, em luga-res e ocasies especficas. Assim, vo churrascaria para se alimentar desse animal ou agrupam seus amigos para fazer um churrasco. Na ndia, as vacas so consideradas animais sagrados e existe uma proibio de com-las. L, a sopa de cobra que faz sucesso. Os cachorros so igua-rias na China e na Indonsia, mas ns, brasileiros, ficaramos chocados se o churrasco do domin-go fosse feito a base de carne de cachorro, da mesma forma que os judeus ficam horrorizados com o nosso hbito de comer carne de porco. Na Tailndia, so as baratas fritas que nos causa-riam asco. Veja bem, no falei batata frita e sim BARATA!

    O ser humano um ser universal marcado por regras coercitivas particulares. Mas, a proibi-o do incesto possui ao mesmo tempo essas duas qualidades. uma proibio universal que se estabelece atravs de regras particulares entre as culturas. Nesse sentido, a proibio do incesto faz parte da natureza e instaura a prpria cultura.

    Dessa forma, o autor explica a relao entre universal/particular e natureza/cultura estabele-cida na proibio do incesto:

    O problema da proibio do incesto no consiste tanto em procurar que con-figuraes histricas, diferentes segundo os grupos, explicam as modalidades da instituio em tal ou qual sociedade particular, mas em procurar que cau-sas profundas e onipresentes fazem com que, em todas as sociedades e em todas as pocas, exista uma regulamentao entre os sexos (LVI-STRAUSS, 1982, p. 61).

    Figura 18: Foto de Marcel Mauss, o

    homem da ddiva.Fonte: Disponvel em:

    http://editora.cosacnaify.com.br/Autor/283/Marcel--Mauss.aspx Acesso em 02

    jun. 2014.

    GLOSSRiOProibio do incesto:

    regra que determina que em todas as socie-dades proibido o ca-samento, e as relaes

    sexuais de parentes consanguneos mais ou menos prximos. Ento, pai e filha, irmo e irm,

    me e filho, primos de primeiro grau no

    podem se envolver em relaes ntimas e de

    cunho sexual. E, segun-do Lvi-Strauss, essa

    proibio no visa so-mente continuidade

    biolgica, manuteno de filhos saudveis, mas

    tambm a continuida-de da comunicao de alianas entre famlias

    distintas.

    GLOSSRiOExogamia: casamen-

    to entre pessoas de fora do seu crculo de

    parentesco. Endogamia: casa-

    mento entre pessoas do mesmo crculo de

    parentesco.

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    Cincias Sociais - Antropologia III

    E complementa:

    verdade que, pelo carter de universalidade, a proibio do inces-to toca a natureza, isto a biologia ou a psicologia, ou ainda uma e outra, mas no menos certo que, enquanto regra, constitui um fenmeno social e pertence ao universo das regras, isto da cultu-ra, e, por conseguinte sociologia que tem por objeto o estudo da cultura (LVI-STRAUSS, 1982, p. 62).

    Na teoria Lvi-straussiana, a regra da proibio do incesto est intimamente co-nectada com a disseminao do matrimnio exogmico. Para se entender o matrim-nio exogmico preciso retomar a ideia das trocas de mulheres e distinguir as rela-es matrimoniais entre primos paralelos e primos cruzados.

    Como vimos, as mulheres so bens valiosos que devem circular entre os grupos que se propem estabelecer aliana. Essa circulao para no ser inserida na proibio do incesto tem que seguir regras. Regras que promovem a exogmia e evitam a endogamia.

    aqui que entra a proibio do casamento entre primos paralelos, que so filhos de irmos do mesmo sexo, e a permisso do casamento de primos cruzados, que so filhos de irmos de sexo diferente. Isso porque a relao entre primos paralelos resulta na endogamia, que contraria a regra de troca/aliana entre grupos e no traz nenhum benefcio social; ao passo que a relao entre primos cruzados estabelece a troca e as alianas entre grupos distintos, o que traz benef-cios para a vida coletiva.

    O esquema a seguir, representando uma relao matrimonial patrilinear, servir de exemplo para demonstrar a relao entre proibio do incesto e exogamia:

    Na figura 20 temos que o homem A que pertence ao grupo A teve um filho com uma mu-lher do grupo B. Como as relaes matrimoniais so do tipo patrilinear, o filho de Pai A e Me B pertencer ao grupo A. O irmo do Pai A tambm pertence ao grupo A. Sua filha com uma me de um grupo qualquer tambm vai pertencer ao grupo A. Isso porque as relaes matrimoniais so patrilineares e o/a filho/a vai sempre pertencer ao grupo de origem do pai. Nesse sentido, o modelo, chamado de primos paralelos, vai se constituir em um problema. Afinal, tanto o filho de Pai A quanto a filha de irmo de Pai A pertencem ao mesmo grupo social, ficando assim proibi-dos de contrarem matrimnio. A relao nesse exemplo seria incestuosa, o casamento endog-mico e no desejado pela sociedade.

    Figura 19: Foto de Lvi-Strauss nos seus 101 anosFonte: Disponvel em www.picsearch.com. Aces-so em 02 jun. 2014.

    diCANa relao matrimonial patrilinear, a filiao est alocada no lado paterno. O filho/a quando nasce per-tence ao grupo a que pertence seu pai. Na relao matrilinear, a filiao est alocada no lado materno. O filho/a quando nasce pertence ao grupo que pertence a sua me.

    Figura 20: Relao matrimonial patrilinearFonte: Elaborao prpria.

    Figura 21: Relao matrimonial patrilinearFonte: Elaborao prpria.

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    UAB/Unimontes - 3 Perodo

    Na figura 21 temos que o Pai que pertence ao grupo A teve um filho com mulher do grupo B. Como as relaes matrimoniais so do tipo patrilinear, o filho de Pai A e Me B pertencer ao grupo A. Mas, temos tambm que a irm A de pai A casou com um homem do grupo B. A filha dessa unio pertence ao grupo do homem B. Portanto, temos primos cruzados, em que o filho de Pai A pertencente ao grupo A e a filha de irm A de pai A pertencente ao grupo B. O casa-mento entre A e B permitido e desejvel. Portanto, nesse caso no h problema, pois a relao no incestuosa e o casamento exogmico, reforando as alianas e as trocas entre dois gru-pos diferentes.

    Nesse modelo de casamento patrilinear possvel perceber um modelo de troca restrita en-tre um grupo e outro. E tambm possvel perceber que a clula elementar das relaes de pa-rentesco no so famlias isoladas, mas sim as relaes entre as diversas alianas matrimoniais.

    Lvi-Strauss, ao pensar o parentesco, aplicou um dos pontos fundamentais da Lingustica de Ferdinand de Saussure: a relao entre os sons que comunicam e dotam as frases de sentido. possvel fazer uma analogia entre parentesco e linguagem: o parentesco uma linguagem.

    Lvi-Strauss aponta que[...]

    considerar as regras do casamento e os sistemas de parentesco como uma es-pcie de linguagem, isto , um conjunto de operaes destinadas a assegurar, entre os indivduos e os grupos, um certo tipo de comunicao. Que a mensa-gem seja aqui constituda pelas mulheres do grupo que circulam entre os cls, linhagens ou famlias (e no, como na prpria linguagem, pelas palavras do grupo que circulam os indivduos), em nada altera a identidade do fenmeno considerado nos dois casos (LVI-STRAUSS, 1967, p. 77).

    Assim como a lngua falada e a economia, o parentesco comunica algo. Essa forma de co-municao que faz a cultura emergir da natureza, pois, ao comunicar algo atravs de trocas de bens, da linguagem e de mulheres, a ordem transforma a natureza em cultura. A cultura feita de sons e smbolos.

    2.5 Totemismo e a lgica do concreto

    O totemismo uma prtica que consiste em associar um cl ou uma linhagem a uma forma simblica, geralmente, um animal ou uma planta.

    Os antroplogos sempre foram fascinados e ficaram intrigados por essas formas associa-tivas. No totemismo era como se os indivduos e seus respectivos grupos ficassem conectados com os animais e plantas totmicas. Os animais e as plantas se assemelhavam a um membro da famlia desse grupo. Eram ancestrais irmos para os cls que os escolhiam como represent