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ANTÔNIO ROBERTO OTONI GOMIDE Prefeito Municipal

AUGUSTO CÉSAR DE ALMEIDA Diretor de Cultura

TIZIANO MAMEDE CHIAROTTI Diretor do Museu Histórico de Anápolis

“Alderico Borges de Carvalho”

HERMOGÊNIA ELEUTÉRIO Revisão de Texto

GÉDSON CRISÓSTOMO

Arte & Capa

3

Caderno de Pesquisas – Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho”,

Ano 1, nº. 1. Anápolis, Go, 2009.

Periodicidade Semestral

1. História – Periódicos.

Fotografia da capa: museu histórico na década de 1960

Acervo iconográfico do Museu Histórico “Alderico Borges de Carvalho”

4

APRESENTAÇÃO

publicação dos cadernos de pesquisas do “Museu Histórico

Alderico Borges de Carvalho”, vem dar uma nova dimensão ao

trabalho do Museu Histórico de Anápolis. O Museu não pode

ser apenas um esforço de exposição de relíquias históricas, objetos e

documentos. Ele assume o papel de resgate da história, de construção do

conhecimento.

O objetivo desse projeto é garantir um espaço de publicação de artigos e

relatórios de pesquisas sobre o nosso patrimônio material e imaterial. Dessa

forma direcionamos nossa ação, não só para a defesa, mas para a promoção

da educação e consciência patrimonial. Muitos são os trabalhos já realizados

sobre o assunto, mas a escassez de espaços de publicação dificulta a

veiculação das informações. Por outro lado, as possibilidades de divulgação de

idéias motivam novas pesquisas.

A Prefeitura Municipal de Anápolis, através da Diretoria de Cultura da

Secretaria de Educação, investe nesse projeto, entendendo ser ele vetor de

desenvolvimento social. A construção da identidade cultural é, sem dúvida, um

ingrediente muito importante para despertar o sentimento de cidadania, ou

motivação para o envolvimento de cada individuo num projeto coletivo de

cidade.

É dentro dessa concepção que surge o Caderno de Pesquisa do Museu

Histórico “Alderico Borges de Carvalho”, como mais um instrumento de

preservação e promoção do nosso patrimônio histórico e cultural, pois

entendemos que, quanto mais público ele for, mais vivo, menos diferenciado e

mais integrado ele será.

AUGUSTO CÉSAR DE ALMEIDA

Diretor de Cultura da Prefeitura Municipal de Anápolis

A

5

SUMÁRIO

EDITORIAL

05

Museu histórico: breve contextualização e função social Tiziano Mamede Chiarotti

07

Uma visão histórica da loucura e o papel do Sanatório Espírita de Anápolis Elizete Cristina França

12

Caminhos da fé na cidade de Anápolis: a Folia de Reis do bairro Vila São Vicente Jaqueline Braga Rodrigues

17

Perfis e memórias: A Vila Operária Fabril de Anápolis (1950-1970) Genilda D’Arc Bernardes Giovana Galvão Tavares Janaina Alves Ferreira Odair Firmino de Sousa

22

Anápolis e sua Geografia: as múltiplas “centralidades” do município Arlete Mendes da Silva

30

“Tecido poético”: uma experiência estética com as fiandeiras de Anápolis Ludmila Machado de Melo

37

Estudo sobre a legislação do patrimônio histórico e cultural do município de Anápolis-Goiás Edilberto Sebastião Dias Campos

42

Informações gerais sobre as atividades do Museu Histórico de Anápolis

48

6

EDITORIAL

Museu Histórico local tem como uma de suas responsabilidades

divulgar as pesquisas que são feitas sobre a história de uma

determinada cidade, levando aos munícipes conhecimentos sobre o

seu passado que, por sua vez, fornecem elementos para as pessoas

entenderem o seu presente e apontar caminhos para o seu futuro. A tarefa

primordial é fazer com que os cidadãos do município conheçam a sua história

e, conseqüentemente, aprendam a amá-la.

A missão apontada no parágrafo anterior foi parcialmente cumprida ao

tempo da abertura do Museu Histórico de Anápolis para a comunidade, nos

idos de 1975, quando se publicaram alguns números de jornais desta

instituição. Entretanto, de lá para cá, perdeu-se pelo caminho essa iniciativa,

fato que agora tentamos encontrar com o presente “Caderno de Pesquisas”,

um veículo de comunicação com periodicidade semestral.

Os artigos que compõem o caderno é o resultado de algumas pesquisas

feitas no museu por historiadores e outros profissionais de diversos ramos do

conhecimento que evidenciam o caráter multidisciplinar para a explicação da

realidade multifacetada da história de Anápolis, daí que os textos são

organizados levando-se em consideração três grupos descritos abaixo.

O primeiro grupo, composto por um artigo de minha autoria, mostra a

função da “instituição museu” perante a sociedade. Esse texto demonstra as

variadas atividades do museu, sinalizando para a sua importância dentro do

contexto da chamada museologia social.

O segundo grupo, por seu turno, é um apanhado geral sobre diversos

aspectos de nossa cidade. Tais aspectos perpassam por artigos que relatam

acerca do Hospital Espírita de Anápolis, da historiadora Elizete Cristina França,

da Folia de Reis, da historiadora Jaqueline Braga Rodrigues, da Vila Fabril de

Anápolis, das professoras Genilda D’Arc Bernardes e Giovana Galvão Tavares

juntamente com os estudantes-pesquisadores Odair Firmino de Sousa e

Janaina Alves Ferreira, do conceito de “centralidade” no município, da geógrafa

Arlete Mendes da Silva e, finalmente, do trabalho das fiandeiras, da Mestra em

Artes Ludmila Machado de Melo. Este último texto possui elementos que vão

O

7

além dos aspectos históricos, pois, em minha opinião, este está mais para uma

composição literária de extrema beleza não menos importante, por sinal, do

que os textos históricos eruditos dos primeiros artigos dessa parte.

O terceiro grupo, por fim, representado pelo artigo esclarecedor do

historiador Edilberto Sebastião Dias Campos, faz uma interessante análise dos

instrumentos legislativos na área de cultura, que apontam, especificamente,

sobre as possibilidades que o poder público local pode aproveitar para a gestão

do patrimônio histórico e cultural a partir destes dispositivos legais.

O fechamento do caderno, por assim dizer, é feito com um relatório das

ações desenvolvidas pela “instituição museu”. Nesta parte é demonstrado o

que realizamos no ano de 2009 entre saraus, exposições e palestras, numa

espécie de prestação de contas.

O Caderno de Pesquisas do Museu Histórico de Anápolis “Alderico

Borges de Carvalho”, enfim, é um importante instrumento que resgata a função

social dessa instituição que é ser, em linhas gerais, o guardião da memória

histórica da cidade.

Desse modo, desejamos a todos e a todas, apaixonados (as) e / ou

interessados (as) pela história do município de Anápolis, uma boa leitura!

Tiziano Mamede Chiarotti

Diretor do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho”

8

MUSEU HISTÓRICO: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO E

FUNÇÃO SOCIAL

TIZIANO MAMEDE CHIAROTTI∗

Resumo : O texto tem por objetivo relatar brevemente a trajetória da Instituição Museu e a sua função social. Nesse contexto, para cumprir este empreendimento, lança-se mão de importantes fontes textuais que, em suas linhas mais gerais, mostram o que significam aqueles tópicos. Palavras-chave : museu histórico, função social.

Introdução

artigo tem o objetivo de descrever a trajetória da Instituição

Museu em nosso país e na cidade de Anápolis como também

a de realizar uma pequena discussão sobre a sua função

social. Porém, antes de começar essa tarefa, devemos entender que o sentido

de museu vem da mitologia grega, cuja acepção é “a casa das musas”

(Calíope, Clio, Erato, Euterpe, Melpômene, Polímnia, Tália, Terpsícore e

Urânia) que enalteciam os feitos dos deuses do Olímpo após a guerra contra

os Titãs. A idéia implícita era a de ser este espaço uma casa que glorificava os

tempos pretéritos.

Com o passar do tempo, então, além do significado descrito acima,

aquela instituição começa a ganhar outros mais amplos, em virtude do próprio

desenvolvimento da ciência e, particularmente, da museologia1.

Assim, com o propósito de explicitar um pouco do museu, sua

historicidade e importância, subdividimos as linhas transcritas abaixo em duas

partes: “Breve contextualização” e “Função social”, seções estas que veremos

com mais detalhes, adiante.

∗ Historiador (UFG), Mestre em Gestão do Patrimônio Cultural (PUCGoiás) e Diretor do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho” – MHABC da Diretoria de Cultura / Prefeitura Municipal de Anápolis. 1 Segundo França (2009), museologia é a ciência que estuda o museu e tem um caráter multidisciplinar, pois agrega o conhecimento de várias ciências, tais como a história, a arqueologia, a antropologia, entre outras e que tem atualmente o enfoque centrado nas questões sociais na chamada museologia social.

O

9

Breve contextualização

O museu histórico, conforme nos apontam os artigos contidos na Revista

Brasileira de Museus e Museologia – MUSAS (Ano 3, 2007, nº. 3), é um

espaço que necessita dos pilares técnicos da museologia. Estes critérios

técnicos são tratados através de normas e conceitos teórico-metodológicos que

levam a sua otimização frente às demandas da sociedade.

Nesse sentido, segundo o Conselho Internacional de Museus (ICOM), o

atual conceito de museu é definido da seguinte maneira:

O museu é uma instituição permanente, aberta ao público, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, que adquire, conserva, pesquisa, expõe e divulga as evidências materiais e os bens representativos do homem e da natureza, com a finalidade de promover o conhecimento, a educação e o lazer. (IPHAN / ICOM, 2005, apud França, 2009)

Com este sentido, a Instituição Museu passa a ser uma grande

promotora do desenvolvimento do homem, pois retrata a sua diversidade e a

variada gama de possibilidades da civilização representada pela cultura

material depositada no seu acervo.

No Brasil, de acordo com o Caderno de Propostas da 1ª Conferência

Nacional de Cultura, aquela temática descrita no parágrafo anterior começa a

tomar corpo institucional, quando os primeiros ensaios para estabelecer uma

política pública para o patrimônio cultural brasileiro foram iniciados com a

criação do Museu Histórico Nacional (MHN), por Gustavo Barroso, em 1922.

Tal museu foi regulamentado pelo Decreto nº. 24.735/1934 e tinha como

motivo principal a urgente necessidade de se proteger as obras e monumentos

artísticos e históricos nacionais ameaçados de destruição.

Na cidade de Anápolis, conforme relata Leite (2007), o museu histórico2

só foi instalado a partir da Portaria nº 261 de 24 de setembro de 1971, na

gestão do ex-prefeito Henrique Santillo (1969-1973). Este autor mostra que,

2 De acordo com este autor, desde a fundação até 1985 o museu da cidade de Anápolis chamava-se Museu Histórico de Anápolis, mas, durante a última gestão do ex-prefeito Adhemar Santillo (1997-2000), o museu teve seu nome alterado, passando a denominar-se Museu Histórico “Alderico Borges de Carvalho”.

10

nesse mesmo ano, foi criada uma comissão organizadora presidida pelo

professor Jan Magalinski, participando Tauny Mendes, James Fanstone, dentre

outros e que tinha por missão a constituição de acervo, organização de

exposições, realização de cursos além de promoção de reuniões culturais e

publicação de alguns números de jornais do museu.

Mais tarde, através da Lei nº 390 de 27 de junho de 1973, o museu

passa a ser considerado de utilidade pública, pois se constitui num espaço que

contribui com o resgate da memória, um lugar de investigação, interpretação,

mapeamento da documentação e preservação cultural de Anápolis. Em vista

disso, no dia 26 de julho de 1975, o museu histórico é definitivamente aberto à

comunidade, na gestão do ex-prefeito Jamel Cecílio (1975-1978), tendo como

primeiro diretor o Professor Jan Magalinski.

Por causa desta importância cultural, o museu abriga uma função toda

especial, tópico que discutiremos aprofundadamente a seguir.

Função social

A função que o museu exerce na vida de um povo é muito relevante,

haja vista que, conforme observa França (2009), este apresenta à coletividade

sua história e sua cultura. Esta instituição deve promover ações para que a

comunidade valorize sua identidade e preserve seu patrimônio cultural, pois:

A função do museu deve centrar-se em poder colocar a população local em contato com sua própria história, suas tradições e valores. Por meio destas atividades o museu contribui para que a comunidade tome consciência de sua própria identidade que geralmente tenha sido escamoteada por razões de ordem histórica, social e racial. (Documento do ICOM – Conselho Internacional de Museus, 1986, apud França, 2009)

Portanto, o desempenho dessa função social do museu envolve

técnicas, recursos e ações socioeducativas, tais como:

• Projetos para jovens, crianças e adultos mediante exposições

temporárias ou itinerantes com o acervo do museu, realização de ciclos

de filmes, seminários, conferências e palestras;

11

• Visita guiada, que é um dos meios utilizados para facilitar a relação entre

o visitante e o conteúdo da exposição;

• Oficinas, que são formas de apoio para as atividades socioeducativas na

formação e capacitação;

• Publicações do museu, cujo objetivo é permitir que a população conheça

o museu, as pesquisas e projetos que realiza.

Todas essas ações, enfim, são formas de o museu contribuir para o

desenvolvimento da capacidade individual e coletiva do cidadão, permitindo a

eles informar-se e aprender sobre seu passado, por meio da valorização e

preservação do seu patrimônio cultural. Em outras palavras, permitem que as

pessoas conheçam suas origens tornando-as, consequentemente, habitantes

de um mesmo lugar com valores e tradições semelhantes.

Considerações finais

As atividades desenvolvidas nos museus (exposições, cursos, palestras,

seminários, oficinas e outras) devem estar fortemente identificadas com as

expectativas da comunidade, demonstrando que é uma organização a serviço

do público. Isso simboliza o ideal da museologia social, pois cumpre com o

dever de preservar e valorizar a história, a memória e as tradições locais.

Como percebemos nos parágrafos supracitados, o museu é um local

com várias funções que vão desde a realização de projetos para jovens,

crianças e adultos até as publicações de suas pesquisas. Assim sendo, com o

intuito de divulgar estas pesquisas, este texto cumpre o seu papel informativo,

divulgando a função da Instituição Museu para a comunidade Anapolina.

Referências:

CADERNO DE PROPOSTAS. 1ª. Conferência Nacional de Cultura . Estado e sociedade construindo políticas públicas de cultura. Brasília-DF, 13 de dezembro de 2005.

12

FRANÇA, L. Módulo II – Função Social do Museu . In: Curso de Museologia Social – Conceitos, Técnicas e Práticas. Campo Grande: Portal Educação e Sites Associados, 2009. LEITE, J. A. Breve História do Museu . In: Jornal O Centenário: iniciação à história de Anápolis. Anápolis: UniEVANGÉLICA, 2007. MUSAS – Revista Brasileira de Museus e Museologia , nº. 3, Rio de Janeiro: 2007.

13

UMA VISÃO HISTÓRICA DA LOUCURA E O PAPEL DO

SANATÓRIO ESPÍRITA DE ANÁPOLIS

ELIZETE CRISTINA FRANÇA∗

Resumo : O texto mostra o conceito de loucura e uma contextualização do Sanatório Espírita de Anápolis, criado neste município, especificamente para tratar daquele tema. Palavras-chave : loucura, sanatório espírita.

Introdução

presente artigo propõe mostrar, em poucas palavras, o

conceito de loucura através dos tempos e, nesse sentido,

apresentar a importância do Sanatório Espírita em Anápolis

criado para tratar desta temática, relatando a sua contextualização histórica.

Para realizar esta tarefa, o artigo se divide em dois tópicos: Conceito de

loucura e Sanatório Espírita de Anápolis.

Conceito de loucura

Desde os tempos antigos se tem notícias de pessoas com distúrbios

mentais. A antiguidade apresentou, enfim, três perspectivas de loucura. Numa,

ela aparece como obra de interseção dos deuses, noutra, afigura-se como um

produto dos conflitos passionais do homem, na última, a loucura é explicada

como o efeito de disfunções somáticas, causadas, lamentavelmente, por

eventos afetivos.

Na Idade Média, porém, os distúrbios mentais na sua maioria foram

tratados como feitiçaria, bruxaria e os seus portadores considerados

endemoniados. Percebe-se esta concepção na visão de Santo Agostinho:

∗ Historiadora (UFUMG), Especialista em Metodologia do Ensino de História (IBPEX-PR) e Assistente Técnica do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho” – MHABC da Diretoria de Cultura / Prefeitura Municipal de Anápolis.

O

14

O mal não tem existência própria; Deus permite a existência do demônio para tornar possível o aperfeiçoamento do homem pela busca de Deus. (AGOSTINHO, 2000)

Após a Idade Média, na chamada Idade Moderna, houve uma

transformação e a nova mentalidade desse período passou a ter uma visão

diferente sobre os transtornos mentais, como ressalta Arnold (1981), “o

substrato da loucura é a alteração das faculdades mentais, não

necessariamente das funções cerebrais”.

No século XIX, vários estudiosos se dedicaram a pesquisar os

transtornos da mente, pois para Pessotti:

O enfoque psicodinâmico, principalmente a especulação sobre o corpo do homem, descumpre uma teoria psicopatológica de repressão do desejo, agindo sobre a mente, mas recusando a estudar a alma e o espírito. (PESSOTTI, 2006)

A partir do século XX, várias instituições se especializaram em tratar de

pessoas acometidas de algum distúrbio e profissionais de saúde começaram a

ver com outros olhos esse tipo de deficiência. Assim, notamos esta mudança

de mentalidade com a criação de um sanatório numa realidade local, assunto

que veremos com maiores detalhes no próximo tópico.

Sanatório Espírita de Anápolis

Com as novas tecnologias e a globalização, em um mundo cada vez

mais competitivo, mulheres disputando o mercado de trabalho e a carreira dos

grandes centros, as doenças mentais deixaram de ser casos raros e se

tornaram quase comuns entre a maioria das pessoas e, assim, mais

profissionais da área de saúde são requisitados e também mais casas

especializadas em tratamento psiquiátrico são necessárias em todo o mundo.

Dessa forma, com um pensamento visionário já na década de 1940, um

grupo de amigos espíritas se preocupou com essas pessoas e decidiram criar o

Sanatório Espírita de Anápolis e, a partir de então, começaram a luta para se

concretizar o projeto.

15

De acordo com pesquisa realizada no arquivo do Museu Histórico

“Alderico Borges de Carvalho”, particularmente na revista “A Cinqüentenária”

de 1957, constata-se que:

Um mineiro dinâmico – Augusto Pinto Pereira – teve um dia, um sonho magnífico: dotar a cidade de uma casa de caridade que pudesse receber pessoas atacadas de doenças mentais. (Revista A Cinqüentenária, 1957)

Nesse contexto, idealizada a construção do Sanatório restava agora

uma forma de executar o empreendimento, uma maneira de conseguir ajuda e

realizar o objetivo e isto fica evidente na seguinte passagem da Revista A

Cinqüentenária:

Para a execução de obra de tal vulto, era preciso dinheiro, muito dinheiro. Com exceção do terreno que fora em parte doado pelo Sr. Antônio Fernandes tudo o mais estava a depender do esforço e da boa vontade de Augusto Pinto Pereira, que não se intimidou com os percalços e vicissitudes. (Revista A Cinqüentenária, 1957)

Portanto, através de doações e a luta dos seus idealizadores, o

sanatório foi fundado em 23 de abril de 1950 com o nome “Sanatório Espírita

de Anápolis”.

No dia 06 de janeiro de 1952, cinco pessoas foram internadas no

sanatório que ainda estava em construção e os internos foram instalados em

um simples pavilhão. Até a década de 1960, as atividades do sanatório foram

realizadas exclusivamente com a ajuda de colaborações, só a partir de 1961 é

que foi feito um convênio com o governo federal e, assim, o que antes era uma

casa de caridade experimentou um crescimento e ganhou uma estrutura

hospitalar.

Considerado como instituição de utilidade pública federal, estadual e

municipal, o sanatório é uma entidade filantrópica e encontra-se registrada no

Conselho Nacional de Assistência Social. Essa instituição atende através do

SUS e mais 12 convênios, pacientes de Anápolis e de municípios vizinhos,

como também de pessoas vindas, além da região centro-oeste, principalmente

do Tocantins e Minas Gerais.

16

O sanatório passa por avaliações periodicamente pelo Ministério da

Saúde, sendo com frequência avaliado positivamente por diferentes órgãos

governamentais e não governamentais.

Através de doações o prédio do sanatório foi aos poucos se tornando

uma grande edificação para chegar ao que é atualmente, ocupando uma área

de 19 mil m², sendo 12 mil m² de área construída.

As dependências compõem-se de salas destinadas a vários tipos de

atividades como, por exemplo: terapia ocupacional, sala de ginástica,

biblioteca, sala de música, auditório, quadra poliesportiva, campo de futebol,

piscina aquecida, além das alas femininas, masculinas e toda a parte

administrativa.

Por se tratar de uma instituição espírita, quinze grupos atuam na área de

evangelização em diferentes horários durante a semana, dando assistência aos

internos, aos funcionários e ao público interessado.

O sanatório se encontra com uma estrutura pronta para receber internos

portadores de depressão, usuários de drogas e vários outros transtornos

mentais.

Considerações finais

Apesar de todo o reconhecimento pelo Ministério da Saúde, o sanatório

vem sofrendo com a campanha do governo, que atualmente visa a diminuir o

número de internos e desativar os leitos psiquiátricos, restringindo as

internações somente aos casos absolutamente necessários.

Com a criação de um serviço alternativo, o Centro de Atenção

Psicossocial – CAPS3, pessoas portadoras de transtornos mentais são

encaminhadas a esta instituição, que são instalados nos Postos de Saúde, mas

nem sempre o número de profissionais é o bastante para atender os pacientes

ou acompanhá-los em todo o tratamento.

Conclui-se, portanto, que os pacientes do Sanatório Espírita de Anápolis

esperam por uma política pública mais justa, capaz de atendê-los da melhor

3 O primeiro CAPS do país surge em março de 1987, com a inauguração do CAPS Luis da Rocha Cerqueira, na Cidade de São Paulo, e representa a efetiva implementação de um novo modelo de atenção em saúde mental para expressiva fração dos doentes mentais (psicóticos e neuróticos graves) atendidos na rede pública.

17

forma e, assim, inseri-los novamente na sociedade, já que fazem parte de

todos os segmentos desta os portadores de transtornos mentais, homens e

mulheres, que buscam por uma vida melhor, que procuram um sentido para

viver.

Referências:

AGOSTINHO, Santo (Os Pensadores). Vida e Obra . São Paulo. Ed. Nova Cultura, 2000. ARNOLD, W. Dicionário de Psicologia – 2 Fábula – Oxitocina . São Paulo: Loyola, 1981. PESSOTTI, I. Sobre a teoria da loucura no século XX . In: Temas em Psicologia – Vol. 14, nº 2, 2006. REVISTA “A CINQUENTENÁRIA ”, Edição Única, comemorativa do jubileu da cidade de Anápolis (1907-1957). Anápolis, 31 de julho de 1957. www.sea.org.br. Acesso em 21/09/09.

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CAMINHOS DA FÉ NA CIDADE DE ANÁPOLIS: A FOLIA

DE REIS DO BAIRRO VILA SÃO VICENTE

JAQUELINE BRAGA RODRIGUES∗

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a Folia de Reis, especificamente a Folia de Reis da Vila São Vicente do município de Anápolis – GO, buscando entender a estrutura dessa manifestação religiosa que nasceu no mundo rural e sobrevive na vida urbana. Palavras-chave: folia de reis, tradição, Vila São Vicente.

Introdução

artigo tem o objetivo de analisar os aspectos culturais da Folia

de Reis, tradição religiosa e cultural do Bairro Vila São Vicente

da cidade de Anápolis. A Folia de Reis constitui o patrimônio

vivo da sociedade brasileira possibilitando, em seu processo dinâmico de

socialização, a construção de significados e, consequentemente, de

identidades individuais e coletivas. Dessa forma, o presente artigo relata a Folia

de Reis do referido bairro, que percorre os “caminhos da fé” há mais de 60

anos, tecendo significados e representações através da rede de relações

sociais que produz. Assim, para uma melhor explanação do proposto,

subdivide-se o texto em dois tópicos: Breve Histórico da Folia de Reis e a Folia

de Reis do Bairro Vila São Vicente, desenvolvidos a seguir.

Breve Histórico da Folia de Reis

A Folia de Reis é um testemunho vivo da tradição que é passada de pais para filhos e assim, sucessivamente. No entanto, como a cultura não pode ser congelada, a própria tradição a faz-se dinâmica, porque as pessoas não se limitam apenas a reproduzir, mas a construir, através de sua subjetividade, de sua interpretação e ressignificação uma realidade simbólica. (PEREIRA, 2006, p. 26)

∗ Historiadora (UEG), Especializanda em História Cultural (UFG) e Professora de História na rede estadual de ensino.

O

19

Carlos Rodrigues Brandão (1985) ressalta que a Folia de Reis é uma

festa popular, organizada por leigos, e que foi trazida ao Brasil pelos Jesuítas

no século XVI, no período da colonização. É interessante ressaltar que, nesse

período, a Folia de Reis já era amplamente realizada por toda a Península

Ibérica. No lugar onde hoje é o Brasil, ela foi introduzida pela Igreja Católica

como parte da liturgia, sendo utilizada para a catequização indígena e africana

auxiliando, dessa forma, no controle simbólico da ordem social. Deste modo,

podemos enfatizar que a Folia de Reis brasileira passou a ser composta pelas

manifestações culturais de diversas etnias e povos variando regionalmente,

contudo, mantendo a mesma crença e devoção ao Menino Jesus, aos Três

Reis Magos, a São José e à Virgem Maria.

A Folia de Reis, de acordo com Brandão (1985), é caracterizada pela

autonomia litúrgico-organizativa, uma vez que é produzida e organizada por

leigos. Seu principal objetivo é louvar os Santos Reis, em agradecimento às

graças concedidas, e glorificar a proteção do Menino-Jesus. Ela ocorre na

estação denominada Epifania – que é a manifestação de Jesus aos povos –

correspondendo ao período entre o Natal e o Dia de Reis (06/01), onde os

foliões representam a peregrinação dos Três Reis Magos: Baltazar, Melchior e

Gaspar, até o local em que Jesus se encontrava, guiados, para tanto, pela

estrela. Podemos destacar como personagens principais da folia o Festeiro,

que prepara a festa de encerramento da folia; os Foliões, que são os

integrantes das músicas e danças; o Embaixador, que é responsável pela

instrução dos foliões sobre as normas a serem seguidas; o Alferes, que conduz

a bandeira e recebe as doações e os Palhaços ou Bonecos, representando

geralmente os soldados do Rei Herodes. Os instrumentos utilizados na Folia

são: viola, violão, sanfona, reco-reco, chocalho, cavaquinho, triângulo, pandeiro

entre outros. É importante ressaltar também que as funções dos participantes

variam conforme a realidade local de cada Folia.

A Folia de Reis do Bairro Vila São Vicente

Partindo dessa abordagem geral, a Folia de Reis do Bairro Vila São

Vicente está localizada em Anápolis, Goiás, e vem sendo realizada desde

meados de 1940. O Bairro Vila São Vicente surgiu de uma iniciativa altruísta do

20

fazendeiro João Batista Ferreira de Mendonça, que deixando Minas Gerais no

final da década de 1930, estabeleceu-se em Anápolis, mais especificamente na

Fazenda Retiro. Posteriormente, junto com os moradores, decidiu fundar a

Conferência Rural de Nossa Senhora da Conceição, pertencente à Sociedade

de São Vicente de Paulo. Essa Conferência foi fundada no dia 13 de junho de

1945, objetivando principalmente auxiliar a população carente dos arredores.

Com a expansão da Conferência houve a necessidade de um local próprio para

a instalação e o funcionamento dessa instituição. Diante dessa necessidade,

João Batista doou à Conferência um terreno de relevante extensão, no ano de

1948. Entretanto, devido à amplitude do terreno os vicentinos decidiram loteá-lo

e vendê-lo.

A venda dos lotes propiciou a formação de um pequeno aglomerado de

casas, culminando na formação do bairro, que viria a se denominar

oficialmente, Vila São Vicente, em 12 de maio de 1952. Além da venda dos

lotes, podemos evidenciar também a construção da Igreja de São Vicente

como fator de expansão do bairro, inaugurada em 17 de maio de 1953. Com a

construção da Igreja, festividades religiosas surgiram, modificando

profundamente o panorama local. Dentre as festividades religiosas, podemos

destacar a Folia de Reis que vem atraindo cada vez mais adeptos.

No referido bairro, a Folia de Reis é coordenada atualmente por Haroldo

de Souza, que iniciou sua trajetória nesta manifestação cultural com apenas 12

anos de idade. Segundo relatos do mesmo, inicialmente a Folia percorria as

fazendas locais, sendo, no decorrer dos anos e com o desenvolvimento do

bairro, centrada quase que exclusivamente na Vila. Nos dias atuais a Folia

conta com a participação de aproximadamente quinze foliões, englobando

músicos e instrumentalistas. Como a festividade é realizada no local há mais

de 60 anos, ela tem grande significado para os moradores locais. Um dos

pontos mais perceptíveis desse significado é o sentimento de que pertença ao

grupo, caracterizado pela solidariedade, conforme nos aponta Pereira:

A vivência da solidariedade que se dá através da doação de alimentos, dos grandes mutirões que prepararam a comida e a torna acessível a todas as pessoas e o sentimento de presença a um grupo que caminha de forma autônoma com suas crenças e verdades é a grande tônica da Folia de Reis. (PEREIRA, 2005)

21

Com isso, percebemos que o entusiasmo e a dedicação contagiam

todos os adeptos, que se envolvem nos preparativos, na execução e na

organização da festa. Contudo, não são apenas os moradores locais que

participam desta, pessoas que se identificam com a cultura marcam presença

no evento, ano após ano. E esse sentimento de solidariedade e de pertença

não se restringe apenas aos adultos que a organizam; no bairro também é

realizado atualmente a “Folia de Reis das Crianças”, constituída por crianças

que aprendem as músicas e o manuseio dos instrumentos, sendo realizada

após a tradicional Folia de Reis. Essa é uma forma de manter a festividade viva

e preservar a tradição local, como pontua Hall apud Giddens:

Em sociedades tradicionais, o passado é honrado e os símbolos são valorizados porque eles contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de manejar tempo e espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, do presente e do futuro, estes sendo, por sua vez, estruturados por práticas sociais recorrentes. (HALL, 1997).

Considerações Finais Podemos afirmar, portanto, que a Folia de Reis é uma tradição religiosa

e cultural que se originou com os portugueses. Apesar dos desafios da

globalização e da modernidade, das constantes transformações sócio-

econômico-religiosas, ela continua ativa e atuante no bairro, mantendo sua

“saída” e “chegada” durante estes últimos 60 anos.

A Folia de Reis da Vila São Vicente representa, enfim, um fragmento da

religiosidade local, através de sua história, constatamos as manifestações

festivas de um povo que prima por suas tradições religiosas. Registrar, pois, a

história, a simbologia, a tradição e a religiosidade que é trazida em cada parte

da Folia de Reis, é perceber a identidade de cada morador e preservar essa

manifestação tão significativa para nossa cultura.

Referências: Ata Conferência Nossa Senhora da Conceição. De 1945 a 1947. Anápolis - Go.

22

________. De 1947 a 1952. Anápolis - Go. ________. De 1953 a 1968. Anápolis - Go. ________. De 1968 a 1970. Anápolis - Go. ________. De 1978 a 1982. Anápolis - Go. BORGES, Humberto Crispim. História de Anápolis. Anápolis: Cerne, 1975. BRANDÃO, C. R. Memória do sagrado: estudos de religião e ritual. São Paulo: Paulinas, 1985. BURKE, P. Variedades de História Cultural . Tradução: Alda Porto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. ________. A escrita da História, Novas Perspectivas. Tradução: Magda Lopes. São Paulo: Ed. UNESP, 1992. FREITAS, R. A. Anápolis Passado e Presente . Anápolis: VOGA, 1995. HALL. S. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade . Rio de Janeiro: DP&A, 1997, 39 – 61. PEREIRA, I. A. Em Nome dos Santos Reis: Uma História de Protagonismo e Mediações em Santo Antonio de Goiás. Goiânia: UCG, 2005. RICHARDSON, R.J. Pesquisa Social: práticas e técnicas. São Paulo: Atlas, 1985. THOMPSON, P. A Voz do Passado – História Oral . Tradução: Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

23

PERFIS E MEMÓRIAS: A VILA OPERÁRIA FABRIL DE

ANÁPOLIS (1950-1970)

GENILDA D’ARC BERNARDES∗ GIOVANA GALVÃO TAVARES∗ JANAINA ALVES FERREIRA∗ ODAIR FIRMINO DE SOUSA∗ Resumo: Este artigo é um relatório parcial do nosso projeto que tem por finalidade pesquisar a formação e as transformações da Vila Fabril no período de 1950 a 1970 e buscará, especialmente por meio de fotografias e relatos orais, compreender a história da mencionada vila operária, suas principais razões de criação, as personagens que compuseram sua classe operária e analisar a organização do cotidiano dos moradores da vila nos anos em que a pesquisa se propõe. Palavras-Chave : Memória, cotidiano, lugar, Vila Fabril. Introdução

presente artigo busca reconstruir a história da Vila Fabril, de

Anápolis/Goiás, no período compreendido entre a década de 1950

a 1970. A idéia da pesquisa surgiu do interesse de compreender a

formação de espaços urbanos relacionados às chamadas “Vilas Fabris”

oriundas do processo de industrialização no Brasil.

As experiências industriais de uma das primeiras Vilas fabris da

cidade de Anápolis nos inquieta e fazem-nos refletir acerca das relações

trabalhistas, de classe, e do cotidiano daqueles que habitavam o bairro.

Embora, a abordagem se circunscreva no contexto da micro-história, ela nos

remetem às experiências regionais e do Brasil (SANTOS, 2008;

MAGALHÃES, 2008; ROSSI,1994; CARPINTERO,1994), bem como do

mundo ocidental no âmbito da eclosão da industrialização, da organização

sindical, e do processo de urbanização e industrialização do interior do País.

∗ Socióloga, Prof.ª Dra. (UniEvangélica) e Coordenadora do Mestrado em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente desta instituição. ∗ Geógrafa, Prof.ª (UniEvangélica), doutoranda na Unicamp e pesquisadora desta instituição. ∗ Graduanda de Pedagogia da UniEvangélica e bolsista PBIC da Funadesp. ∗ Graduando de História da UniEvangélica e bolsita PBIC da Funadesp.

O

24

A experiência da Vila Fabril inicia-se nos anos 1950 com a instalação

do frigorífico Bordon e em seguida foi receptora das fábricas de cerâmicas e

olarias produtoras de telhas, tijolos, lajotas e manilhas (São Vicente, 1950;

Induspina, 1950; Santa Maria, 1950), que nos anos de 1950 e 1960 tiveram

um representativo volume de produção para atender as necessidades de

construção civil em Goiânia e no Distrito Federal.

Mas, nos anos 1970 a Vila Fabril perdeu força política e econômica

enquanto locus produtivo, pois em 1976 foi construído o Distrito

Agroindustrial (DAIA), no qual ficariam instaladas todas as indústrias de

Anápolis, conforme sugeria o plano diretor da cidade. Ainda no final dos

anos de 1970 foi desativado o frigorífico e nos anos de 1980 as olarias e

cerâmicas, fato que ocasionou certo abandono da Vila. Segundo Tavares &

Moraes (2005) esse esvaziamento proporcionou a emigração,

especialmente, para a Irlanda, dos filhos dos antigos funcionários das

fábricas ali localizadas. O depoimento a seguir, de tantos outros levantados

na pesquisa de campo, é um testemunho da dinâmica do local e,

posteriormente, com a desativação das indústrias na Vila Fabril, o processo

de migração para a Irlanda.

[...] É, trabalhei mais uns tempo aqui, depois fui pro frigorífico, trabalhei mais uns tempo aí, tempo parou, aí já era do Bordon e da Swift, aí vim voltei pra cerâmica, mas uma lá do outro lado (a Cerâmica Lagoinha), trabalhei 2 anos, depois voltei pro frigorífico de novo [...] foi mais 2 anos, depois aí fechou, vortei pra cerâmica lá, é aí abriu de novo, cas a gente morava aqui nas casa, né? [...] Depois ela fechou. [...] Na Irlanda, minha família tá tudo, tenho lá dois filhos, tem um genro, uma neta, tem nora, sobrinho. Respondeu a esposa. Duas noras, cunhado, sobrinho e uma neta. Disse Sr. Francisco. [...] porque fechou as indústrias, foi pra lá, aí tem aquele negócio de estudo. Os filhos da gente não teve estudo. (Sr Francisco, junho de 2009)

Trabalho e estudo, para os antigos moradores da Vila, constituem os

vetores de qualidade de vida, a qual era precária na época dinâmica das

indústrias de cerâmica e do frigorífico.

25

A Vila Operária Fabril de Anápolis (1950-1970): memória e cotidiano

Falar sobre a Vila Fabril é reconstituir um pouco da história da

industrialização no Brasil e recompor, nos dias atuais (BOSI, 1994), a história

dos bairros de Anápolis. As informações foram obtidas por meio de pesquisa

oral, com moradores da Vila e documental, no Museu da cidade de Anápolis

Fundada na década de 1950, a Vila Operária Fabril iniciou-se com o

loteamento de um terreno (lançado em 10 de outubro de 1951), da Fazenda

Mata Amarela, propriedade de Vicente Carrijo Mendonça (também dono da

Cerâmica São Vicente). Este local, na época, situava-se na zona rural do

município, com distancia de 3 km do centro da cidade.

A exemplo do surgimento de outras vilas operárias do Brasil, momento

específico de sua inserção na modernidade, no centro da região Centro-Oeste,

marcada pela produção agro-pecuária, é criada a “Vila Fabril”. Neste contexto,

a Vila Operária Fabril de Anápolis, surge para atender as demandas da região

de Goiás, fornecendo por meio de cerâmicas materiais de construção como

tijolos, telhas pisos ladrilhos, etc. E alimentos como a carne bovina (charque)

vendida pelo Frigorífico.

A Vila Operária Fabril se desenvolveu com a instalação do Frigorífico de

Goiás (conforme, inicialmente, nomeado pelos moradores), das olarias e das

indústrias de Cerâmicas, sendo as pioneiras: Cerâmica São Vicente e

Cerâmica Induspina (essa última de propriedade de Agostinho de Pina),

também segundo moradores a Cerâmica Mioto (de Guarino Mioto).

Denominam-se Vila Operária os conjuntos de casas construídas pelos

empresários para moradia de trabalhadores na indústria (CORREIA apud

SANTOS, 2008). Nestes termos, a experiência de industrialização da vila em

foco, com um “núcleo fabril”, enquadra-se nesse conceito. Segundo Santos, as

vilas operárias se apresentaram como uma estratégia construída com um

propósito de manter o operariado próximo à unidade produtiva. Assim,

elementos atrativos foram empregados para que os trabalhadores se

dispusessem a permanecer junto ao local de produção.

Conforme os relatos dos moradores e ex-trabalhadores das empresas

do local, as suas moradias não foram todas construídas pelos proprietários das

indústrias da Vila Fabril. Os lotes das casas da vila eram vendidos para os

26

operários. Contudo, diz João Vaz (ex-funcionário do frigorífico) “[...] era mais

fácil para eles construírem suas casas ali porque tinham perto deles todos os

materiais para construção de suas casas [...]”. Entretanto, constatamos que

proprietários de indústrias viram a necessidade de construírem casas para

alguns funcionários específicos. Com isso nasceu o Conjunto Frigoiás e as

Colônias das Cerâmicas e olarias.

Ilustra a realidade do trabalho coletivo dos moradores da Vila Fabril a

construção conjunta da Sede do Clube do Mago (time de futebol da vila), a qual

foi erguida por uma ação dos trabalhadores e do proprietário do frigorífico.

Neste local, nas noites organizavam-se atrações diversas para os moradores

da Vila (comemorações, festas, instalação de televisão). Segundo o morador

Manuel Miguel do Nascimento, a sede foi construída em 1963, e os encontros

eram muito bons.

No mapa da memória dos habitantes, no projeto de loteamento da Vila

havia três (3) ruas que atravessavam e seis (6) ruas que desciam. A rua de

baixo do setor que era logo acima da cerâmica São Vicente passou a ser

chamada de Rua Cerâmica. As ruas, na época, eram cheias de buracos, sem

asfalto e com pouca estrutura para os moradores. As casas eram simples com

pouca arquitetura, de alvenaria e, em sua maioria, os operários, com o passar

do tempo, tinham que aumentá-las para abrigar com mais conforto a sua

família. Os pequenos armazéns foram sendo construídos para atenderem a

necessidade dos moradores. A fé os levou a construir a pequena igreja, que

ainda existe no bairro.

No período (1950-1970), a infra-estrutura da vila era precária, pois as

ruas não eram asfaltadas não havia esgoto, posto de saúde, água tratada, com

pouco espaço para o lazer. Além das poucas casas, havia uma igreja pequena

(cujo lote foi doado por Vicente Carrijo de Mendonça) o Clube do Mago, escola

e poucos comércios.

O entrevistado José Luiz, que chegou em 1951, relata que, além das

indústrias, havia apenas 14 casas, muito mato e pouca estrutura educacional,

sendo uma pequena escola com quatro salas. O setor era cercado por

indústrias de cerâmicas e pelo frigorífico. As casas do conjunto Friboi e da

Colônia das Cerâmicas eram habitadas pelos trabalhadores das indústrias, cuja

construção era padronizada. Essas casas tinham áreas de 38m².

27

Em relação ao cotidiano dos moradores/trabalhadores dessas indústrias

constam que desempenhavam nelas funções diversas, como: 1) carregar barro

nas cerâmicas, com carroça de animal, do quintal da empresa; descarregar

caminhão de lenha; 2) Operador de máquinas de fazer piso, etc. No frigorífico,

na câmera, tirava-se o boi da carretilha, etc. Neste período, os trabalhadores

tinham longas jornadas de trabalho, exercendo serviços pesados e cansativos

(além de 8 horas previstas, trabalhavam, às vezes, mais de 8 ou 9 horas),

acordavam de madrugada para trabalhar, de acordo com ex-trabalhador em

entrevista.

No fim da década de 70, segundo José Luiz, ex-presidente do Sindicato

dos Trabalhadores do Frigorífico, os funcionários das indústrias começaram a

se organizar, a lutar para a conscientização da categoria, passando, então, a

exigir os seus direitos. Até o término dessa década, não há registro de

qualquer movimento de paralisação por parte dos trabalhadores. Para o Sr.

João Vaz, que trabalhou no Frigorífico, os funcionários estavam satisfeitos com

os salários. José Luiz afirma que ganhavam em média dois salários e meio no

frigorífico. Nas cerâmicas eles recebiam por produção. Entretanto, essa não

era a visão de todos os trabalhadores:

[...] na década de 1970, no Frigorífico tinha [manifestações], mas na cerâmica não. Respondeu a mulher. – É uma vez eles me chamou, uma turma, tava uns oito. Aí eles falou: vamos lá embaixo pedir aumento! Disse indicando com a mão a direção do frigorífico. – Vamo lá! Continuou ele – Eu falei: vocês vai, despois eu vou que se for nós tudo (aí que pra mim é parte de ignorância , né?). Aí num foi ninguém, aí ficou todo mundo me acusando... Falei: ces é o bam, ces vai, despois eu vou ... Vai de um e um. Ces pede pra voces despois eu deço, vou peço pra mim.

Muitos funcionários vieram de outros estados, de diferentes cidades. Os

estados mais citados foram Pernambuco e Minas Gerais. No período inicial,

segundo depoimentos dos moradores da Vila, o governo municipal dava

incentivos à vila.

Na visão do Sr João Vaz (morador da Vila), as cerâmicas,

principalmente as mais tradicionais e pioneiras – São Vicente e Induspina –

constituíam grandes empresas, devido à grande movimentação de pessoas,

28

caminhões no processo produtivo. De 10 a 15 caminhões saiam por dia das

cerâmicas que produziam de 20 a 30 mil tijolos/telhas por dia.

No que diz respeito ao Frigorífico que ali se instalou, ao longo do tempo

passou por diversos proprietários. Os fundadores foram: Jonas Ferreira Duarte,

Plácido de Campos, Vaporier, Mister Léo, Moisés Roriz. No começo se

denominava Frigoiás (Frigorífico de Goiás). João Batista Sobrinho (Zé Mineiro),

em 1953, adquiriu a empresa, que no final da década de 1950 foi passado a

Waldyr O’Dwyer (popular capitão Valdir), que, juntamente com outras pessoas,

passaram a administrar a indústria. Em seguida, no ano de 1966, segundo

João Vaz, João de Deus Guerra (o João Teimoso) arrendou o Frigorífico para o

SUNAB, ficando sob seu domínio por 4 anos. Geraldo Moacir Bordon (paulista,

dono do frigorífico Bordon), em aproximadamente 1970, veio a Anápolis e

comprou o Frigoiás. Depois de anos de atividades, o agora frigorífico Bordon,

em 1993 é comprado pelo Friboi. Durante alguns anos o Friboi fecha as portas,

para em agosto desse ano (2009) reabri-la acalentando alguns moradores da

vila.

Considerações finais

Em termos conclusivos, hoje a Vila Operária Fabril conta com

assistência dos serviços públicos de água tratada, energia, pavimentação da

maioria das ruas, rede de esgoto, tem uma escola com ensino fundamental e

médio, tem posto de saúde; o setor dispõe de produtos de necessidades

básicas: farmácia e mercado. Possui diversas igrejas evangélicas e uma capela

da igreja católica. José Luiz, que foi presidente do Sindicato e também da

Associação dos Moradores da Vila, relata que eles demoram muito para

conseguir os serviços públicos para a Vila.

Muitos, dos antigos trabalhadores, ainda moram na Vila, e quando

perguntados sobre qual a avaliação que fazem do lugar (TUAN, 1983), em sua

maioria falam positivamente, referindo-se às melhorias obtidas com o passar

dos anos. Gostam do tipo de solidariedade, e de estarem em comunidade e,

ainda, juntos com alguns dos antigos moradores.

29

[...] Ah, que eu acho bom aqui é a vizinhança, tudo boa né? Esposa: tem uma comunidade boas né? Quando a gente mudou pra cá, isso aqui era tudo, todo ruim de chão, né? Não tinha asfalto, né? Agora, graças a Deus já é uma Vila asfaltada, uma Vila limpa. – Água encanada. Interrompeu o marido. Muita coisa já tem, mas tá precisando de muita coisa.[...] Que é o caminho nosso (apontou a direção) que não tem esse asfalto. Interrompeu o marido: É, com essa cadeira aí é difícil (mostrou sua cadeira de roda) uma buraqueira. – Então fica prejudicando nós, não temo como! [...] Sr Valdivino José da Silva no Tempo do Bordon foi muito bom, época melhor que a gente trabalhou foi a época do Bordon. O povo... Só aqueles que não via que eles fazia pra gente é que num agradece. Eu da minha parte tenho muito agradecer! Inclusive o dono do Bordon, seu Geraldo que já faleceu, o filho dele que já faleceu, mas agora é o Friboi, as coisas tão modernizando, né? Então as coisas tão muito diferente daquela que trabalhei.

Ao se trabalhar com memória estamos caracterizando um tempo e um

espaço. O período de vinte anos, de 1950 a 1970, foi pensado por

acreditarmos que diversas são as transformações ocorridas que configuram

novas paisagens em substituição das velhas paisagens urbanas, mas que

algumas velhas paisagens são mantidas como refratários da memória de uma

sociedade. Aqui estamos falando de uma sociedade que se organizou em um

espaço urbano que constantemente sofre alterações materiais e simbólicas,

marcados ora por fatores econômicos, ora por fatores políticos, ora por fatores

sociais e/ou culturais.

Referências:

BOSI, E. Memória e Sociedade – lembranças de velhos. São Paulo Companhia das Letras, 1994. LAVILLE, C. & DIONNE, J. A construção do saber - manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. LOBO, L. L. BRANDÃO, A. M. L. LISSOVSKY, M. A fotografia como fonte histórica – a experiência do Cpdoc. Acervo – Revista do Arquivo Nacional, v. 02 n. 1 jan/jun, 1987, p. 39-52. SANTOS, M. O. As vilas operárias “ensinaram” a morar e a conviver : o caso da Vila operária da Boa Viagem na cidade de Salvador. In: Campo e cidade na

30

modernidade brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2008. ROSSI, A. Z. O quintal da fábrica : um estudo de caso. In: As imagens da cidade – séculos XIX e XX. São Paulo: Marco Zero, 1994. CARPINTERO, M. V. T. Imagens do conforto : a casa operária nas primeiras décadas do século XX em são metodologia. In: As imagens da cidade – séculos XIX e XX. São Paulo: Marco Zero, 1994. MAGALHÃES, C. M. A paisagem fabril-têxtil no município de Itabira :uma experiência industrial no espaço rural. In: Campo e cidade na modernidade brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2008. TUAN, Yi-fu. Espaço e Lugar . São Paulo – Difel, 1983

31

ANÁPOLIS E SUA GEOGRAFIA: AS MÚLTIPLAS

“CENTRALIDADES” DO MUNICÍPIO

ARLETE MENDES DA SILVA∗

Resumo: Analisar a espacialidade do município de Anápolis é buscar entender seu processo de ocupação e evolução histórica. As transformações sociais, o desenvolvimento das práticas comerciais, a industrialização e a elevação do nível de consumo da sociedade são ‘marcas’ que identificam a função urbana e a estrutura socioeconômica de uma cidade. A localização privilegiada entre duas capitais e o grande progresso experimentado nas últimas décadas coloca o município como destaque no cenário regional e nacional em função de suas peculiaridades e ‘feições’ socioespaciais. Palavras–chave : centralidade urbana, desenvolvimento socioeconômico.

Introdução

cidade de Anápolis iniciou-se como um núcleo central nos

arredores onde atualmente é a Praça Sant’Ana, local em que foi

erguida a primeira capela, décadas mais tarde demolida para

dar lugar à atual Igreja Sant’Ana. Em 1907 ocorre a elevação do município à

categoria de cidade com o nome de Anápolis. Desde então, foram grandes as

mudanças ocorridas no espaço anapolino para a efetivação de sua economia,

correspondendo ao período de consolidação da cidade como entreposto

comercial.

Para descrever estas mudanças espaciais dividimos o texto em dois

momentos: A “centralidade” geográfica de Anápolis no contexto regional e As

“novas geografias” e a re-definição da função urbana de Anápolis.

A “centralidade” geográfica de Anápolis no contexto regional

No Brasil, a ampliação de formas capitalistas de produção tem

provocado mudanças significativas nos processos de (re) definição dos papéis

urbanos, sobretudo a partir dos anos 1970, visto que as cidades passaram a

∗ Geógrafa (UEG), Mestre em Geografia Humana e Cultural (UFG), Professora da UEG e Assessora Pedagógica da Diretoria de Cultura / Prefeitura Municipal de Anápolis.

A

32

desempenhar um papel regional diferente daquele que haviam desempenhado

anteriormente.

Analisar e interpretar as cidades requer compreender as transformações

da dinâmica de produção e de seu crescimento, também, compreende a

própria transformação do cotidiano relacionado, ainda, às mudanças nos

processos de urbanização nesse novo século. O espaço urbano é o locus da

produção e reprodução das relações socioespaciais diante das formas de

expressão da centralidade urbana, o que caracteriza uma leitura multifuncional

do centro através dos fluxos estabelecidos. Assim, a dinâmica da (re) produção

dos espaços e as relações sociais imbricadas pela lógica capitalista assumem

o papel que desencadeiam novas / velhas formas espaciais com novos / velhos

usos, o que significam novas / velhas formas comerciais.

Após a década de 1920 a cidade de Anápolis experimenta um período

com o maior crescimento de sua população rural que cresceu 298,19%,

enquanto a urbana teve um aumento de seu contingente em 279,00%. A

elevação do quantitativo populacional rural deveu-se à migração para o

município, de italianos e de japoneses para trabalhar nas lavouras de café e na

rizicultura. Para o setor urbano migravam, principalmente, sírios para trabalhar

no setor terciário (comércio). Após a década de 30, a população urbana cresce

mais do que a rural, até superá-la na década de cinqüenta, quando mais de

63,55% dos anapolinos já estavam morando na cidade, e pouco mais de

30,00% permaneciam nos distritos e nas propriedades rurais. Dois fatores

nortearam o processo de urbanização: a chegada da ferrovia e a emancipação

política de vários distritos. Tais fatores combinados determinaram a inserção da

economia Anapolina no mercado regional / nacional, culminando com a

chegada da primeira composição da Estrada de Ferro Goiás à estação de

Anápolis.

Dessa forma, as construções espaciais estão associadas à produção e

reprodução do espaço urbano, que por sua vez podem ser interpretadas a

partir das formas comerciais criadas para satisfazer as necessidades do

consumo, cujo centro tradicional e, muitas vezes, principal das cidades

brasileiras abriga formas e funções que se renovam para atender os anseios e

necessidades humanas. Nessa perspectiva, a mercadoria desencadeia uma

função que faz parte de um processo histórico e que está inserido no contexto

33

da sociedade urbana que é a prática do consumo que, por sua vez, expressa a

relação com o espaço.

Não obstante a relação espaço – comércio – consumo impor novas

formas de re-produção do espaço e da centralidade urbana, no caso em

questão, Anápolis, na década de 50 e depois desta, perde sua hegemonia no

comércio regional. Isso se deveu à crise energética, à concorrência econômica

com a nova capital estadual e, nos anos 60, com a capital federal e, por fim,

com advento da era rodoviária. Contudo, a infra-estrutura deixada pelas

ferrovias foi capaz de garantir a base econômica que proporcionou o acúmulo

de capital para viabilizar projetos econômicos nas décadas seguintes, inclusive

o DAIA (1976), contribuindo para um novo status em sua “centralidade urbana”,

deixando de ser celeiro regional para constituir-se em distrito agro-industrial.

As “novas geografias” e a “re-definição” da função urbana de Anápolis

Vários eventos marcaram a História e a Geografia da cidade: com a

instalação da Base Aérea de Anápolis (1972) e a fixação no município de uma

leva de migrantes de outras regiões brasileiras, além da implantação da

Estação Aduaneira do Interior (EADI) em 2002. Outra referência no contexto

estadual é a de se tornar um polo universitário devido ao elevado número de

Instituições de Ensino Superior (IES), incluindo a sede da Universidade

Estadual de Goiás – UEG (1999).

Em seu contexto geográfico o município de Anápolis situa-se na região

Centro–Oeste que possui características semelhantes aos estados que a

compõem. Ocupa 18,80% do território brasileiro e abriga 6,7% da população do

país (IBGE, 1996). Esta região consolida-se como moderna área de produção

agroindustrial, após as alterações promovidas na sua base econômica, a partir

dos anos 70, com espetacular modernização da produção agropecuária. Com

o desenvolvimento de novas técnicas, o processo de agro-industrialização

regional se estabelece, transformando sua base econômica primária e

induzindo o crescimento dos setores secundário e terciário regionais. Já o

Estado de Goiás, desde sua descoberta, por volta do ano de 1726, percorrendo

o ciclo da mineração e seu declínio, passando pelo investimento econômico no

34

setor agropecuário e pela construção da moderna capital Goiânia, é hoje um

estado em pleno desenvolvimento, com uma agropecuária sólida, indústria

tecnologicamente avançada e futuro promissor no aspecto socioprodutivo.

Anápolis compõe a mesorregião do Centro Goiano e é uma das

microrregiões do estado. Localiza-se na área central de Goiás e ocupa uma

área de 12% do território goiano, além de deter 40% de todo volume de

negócios do Estado de Goiás nos setores de comércio e serviços, sendo a

mesorregião goiana mais desenvolvida com expressivo crescimento

socioeconômico nas últimas décadas.

De forma sintética, analisa-se a função urbana e a centralidade de

Anápolis dentro da morfologia urbana de acordo com a lógica do capital, uma

vez que diversos autores têm realizado pesquisas numa tentativa de entender

o processo de sua consolidação, pois há várias concepções acerca dessa

categoria de análise inseridas na produção e apropriação dos espaços

urbanos.

O surgimento e a constituição do centro das cidades levantam algumas

considerações sobre os primeiros indícios do desenvolvimento político,

econômico, social e cultural sobre as cidades, pois se a urbanização é

percebida enquanto um processo e a cidade como forma, destacamos que

ambos são os resultados históricos dos vários tipos de cidades que ao longo

dos anos foram se transformando de acordo com as relações estabelecidas no

tempo e no espaço. Contudo, foi necessário que o homem buscasse uma

identidade com o lugar, através da fixação em algum ponto do território,

deixando de ser nômade para que todas essas mudanças pudessem se

concretizar, o que de fato possibilitou uma organização social dos vários

grupos que foram se formando no decorrer dos tempos.

Com relação ao centro propriamente dito das cidades, podemos considerar que este tem sua origem a partir do desenvolvimento de um conjunto de formas e funções que caracterizam sua própria existência, “será um conjunto vivo de instituições sociais e de cruzamento de fluxos de uma cidade real.” (VILLAÇA, 2001, p. 238).

35

De acordo com o referido autor, o centro faz surgir uma aglomeração e a

disputa pelo espaço a partir das localizações que impulsionam o

desenvolvimento das atividades terciárias. Surge então, o que chamamos de

“centro”, embora haja controvérsias quando se afirma que: “o centro é centro

porque ali estão o grande comércio e as sedes das grandes instituições”

(VILLAÇA, 2001, p. 237). A centralidade urbana de Anápolis se desenvolveu no

aspecto socioeconômico com as atividades relacionadas ao comércio de

mercadorias com destaque para o setor atacadista. Na década de 1975 torna-

se um importante pólo industrial da região com a implantação do DAIA (Distrito

Agro Industrial de Anápolis) que atraiu para o município empresas

processadoras e industriais. Existem, atualmente, nesse Distrito, cerca de 70

indústrias de diversos segmentos. Conta, também, com o Porto Seco de

Anápolis - Estação Aduaneira Interior (EADI) - situada no município a 52 km de

Goiânia e 172 de Brasília. Tal função urbana de sua centralidade mostra a

eficácia da cidade como ponto estratégico para o desenvolvimento local e

regional.

A partir dessa perspectiva, podemos considerar que as transformações

do comércio e a necessidade de consumir os produtos associados às imagens

impulsionaram as mudanças no comércio, além da “globalização da economia

que contribuiu para acelerar as mudanças dos lugares, através da 'expansão

urbana e da explosão do consumo'” (SANTOS, 2000, p. 15-6). Contudo, a

própria aceleração do tempo permitiu a circulação das mercadorias em nível

global, além dos avanços tecnológicos, já que o “território regional pode ser

caracterizado, em primeiro lugar, como um espaço de comunicações para a

integração de know-how e produção cultural.” (BENKO, 1996, p. 79).

É preciso salientar que não se verifica mais na maioria das cidades a

constituição de um centro único, que monopoliza as estratégias do capital, ou

seja, as mudanças na estrutura interna urbana assinalam o processo de

expansão das áreas centrais e, por conseguinte, a multiplicação da

centralidade, que se manifesta nos novos eixos que vão se formando, em

virtude principalmente, do seu crescimento. O afastamento das pessoas que

residiam nas áreas consideradas centrais favoreceu o que chamamos de

36

expansão urbana, pois houve a absorção de novas áreas ao tecido urbano e,

próximas ao centro, que por sua vez, passou a ser ocupado pelas atividades do

setor terciário (comércio e serviços), enquanto que a população buscou se

realocar em outras áreas consideradas suburbanas. Assim, o centro passou

por um processo de reestruturação de suas funções, com muitas sendo

instaladas em locais onde havia residências, podendo ser caracterizado como

Santos (1996) destacou de “espaço herdado”, cujas velhas formas estavam

sendo adaptadas por novas funções e outras sendo construídas para abrigar

as novas atividades num processo que revela o “novo” e o “velho” como parte

integrante da (re) estruturação dos espaços intra-urbanos num movimento em

que as temporalidades e as espacialidades refletem a dinâmica da sociedade.

Verificamos que esta análise é possível, pois há muito cresce a teia de

relações entre Anápolis e outras cidades do Estado, principalmente com a

capital, Goiânia, como também com outras cidades do país desempenhando

novos papéis urbanos, cuja dinâmica se insere na discussão das cidades

médias, uma vez que estas também desempenham novos papéis na rede,

colocando em discussão o conceito de hierarquia urbana, através de novas

estratégias de desenvolvimento.

Considerações finais

Nessa ótica de entendimento da cidade mediante os avanços

tecnológicos na produção, nos transportes e nas comunicações, em Anápolis,

destaca-se um período que marca o seu processo evolutivo, assim como as

características que a apontam como uma cidade de porte médio, expressiva no

Estado de Goiás. No entanto, a constituição de Anápolis como cidade média

em relação ao eixo de desenvolvimento que contempla Brasília-Anápolis-

Goiânia, visualiza que a organização das atividades econômicas também

reflete a estruturação interna dos espaços com destaque para a própria

organização do setor terciário, abrangendo as estratégias dos atacadistas e

varejistas, como também a relação do centro, centralidade e consumo. A

posição geográfica privilegiada do município com distância média dos grandes

37

pólos socioeconômicos regionais e nacionais lhe confere uma logístico

vantajosa para produção, circulação e distribuição de mercadorias, bem como

para a mobilidade social. O movimento de pessoas, mercadorias e informações

ocorre de forma instantânea por meio dos mecanismos de comunicações e

também pelos fluxos viários favorecidas por uma malha rodoviária fluida e em

bom estado de conservação.

Referências:

BENKO, Georges. Economia, Espaço e Globalização na Aurora do Sécul o XXI. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: HUCITEC, 1996.

FERREIRA, H. J. Anápolis: sua vida, seu povo . Brasília, Senado Federal, 1979.

FREITAS, R. A. Anápolis: passado e presente . Voga, Anápolis, 1995.

POLONIAL, J. Anápolis nos tempos da ferrovia. Anápolis : AEE, 1995.

SANTOS, M. Por uma Outra Globalização: do pensamento único a consciência universal. Rio de Janeiro: RECORD, 2000.

_____. Metamorfoses do Espaço Habitado: fundamentos teóricos metodológicos da geografia. São Paulo: HUCITEC, 1996.

VILLAÇA, F. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: STUDIO NOBEL/FAPESP, 1998.

38

“TECIDO POÉTICO”: UMA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

COM AS FIANDEIRAS DE ANÁPOLIS

LUDMILA MACHADO DE MELO∗

Resumo : O presente texto tece reflexões acerca da pesquisa artística realizada com as fiandeiras de Anápolis, Goiás. A contemplação dos gestos das fiandeiras, em seus aspectos físicos e simbólicos determinou o estudo de caso que aqui se apresenta, sucintamente. Palavras-chave: fiandeiras, tecnologias, arte, criação.

Introdução

principal interesse deste artigo é refletir a respeito da

experiência estética alcançada com o trabalho das fiandeiras

de Anápolis. Para tanto, cumpre saber que as fiandeiras são

artesãs que trabalham com uma tradição de origem milenar: a fiação manual,

cuja importância atual apresenta-se na perpetuação de uma memória coletiva

tão rara para os dias de hoje.

No intuito de esclarecer um pouco mais sobre o trabalho das fiandeiras,

a seguir encontra-se uma breve explicação dividida em duas partes:

Descaroçando o algodão e Do fio de algodão ao “tecido poético”

Descaroçando o algodão

.

A fiação manual é uma etapa que precede à tecelagem manual. Trata-se

do processo de transformação das fibras têxteis (algodão, lã, linho, cânhamo,

juta, seda) em fios variados conforme a qualidade do tecido que se deseja

obter. Este estiramento da matéria-prima têxtil é realizado pela torção

provocada por um instrumento giratório (fuso) acionado por pedal na roda de

fiar. As fiandeiras detêm todo o conhecimento processual da fiação, desde a

colheita do algodão até a transformação dos fios em novelos, e em alguns

casos, até mesmo da tecelagem de artigos, como: colchas, tapetes, xales,

∗ Graduada em Dança (UNICAMP), Mestre em Arte (UnB) e Coordenadora do Pontão de Cultura Tenda Jovem da Diretoria de Cultura / Prefeitura Municipal de Anápolis.

O

39

cobertas, entre outros. Já a tecelagem é o ato de tecer, entrelaçar os fios

longitudinais e transversais, o urdume e a trama, na manufatura do tecido. As

tecelãs detêm o conhecimento envolvido na tecnologia do tear: a urdidura e o

sistema de colocação dos fios no tear, a passagem dos fios no liço, de acordo

com o repasso, e a própria trama do tecido que se forma a partir de

determinada pisada no pedal, em coordenação ao vai e vem da lançadeira

entre as camadas de fios. Há ainda a compreensão do funcionamento e

manutenção de máquinas e ferramentas, como a roda de fiar, o descaroçador,

o arco, a carda, a dobadeira, a urdideira, o tear, e a própria fabricação da

tintura.

Em contraponto ao trabalho “mecânico” dessas mulheres, observa-se a

existência de um aspecto absorvente na fiação e na tecelagem que atrai a

atenção tanto das envolvidas nos processos quanto dos observadores externos

que se “hipnotizam” ao olhar a repetição prazerosa dos gestos das fiandeiras.

Além disso, o trabalho das fiandeiras está intimamente associado ao patrimônio

imaterial do fiar, nos saberes inerentes ao ofício, como: as cantorias de

trabalho, as vivências na roça, a prática dos mutirões e festas ao final do

trabalho. De modo que, a contemplação desse saber artesanal revelou uma

riqueza estética interessante para a criação poética, ou seja, as fiandeiras de

Anápolis tornaram-se fonte de inspiração para a construção de um processo

criativo em dança, defendido através de uma dissertação de Mestrado4. Dessa

forma, a dança teceu o gesto em contato com a vida, despojado de códigos já

cristalizados, trazendo um sentido profundo e aproximado às raízes culturais da

cidade de Anápolis.

Do fio de algodão ao “tecido poético”

Desenrolando a história dos novelos das fiandeiras, tem-se na

tecelagem de fibras têxteis uma herança tecnológica que remonta aos tempos

mais longínquos. Desde as aldeias neolíticas as mulheres já fabricavam os

primeiros tecidos de linho e lã que substituiriam a vestidura com peles animais,

inaugurando as primeiras indústrias domésticas, levando a tecelagem até o

4 MELO, Ludmila Machado de. Dançar Sem Fronteiras: uma urdidura cênica das fian deiras . 2008. 139 f. Dissertação de Mestrado em Artes, Brasília, Universidade de Brasília.

40

século XVIII na Revolução Industrial, em que os têxteis lideraram nas

invenções mecânicas. Fusos, rodas de fiar e teares manuais, na indústria,

foram substituídos pelas máquinas, a princípio a vapor, e depois mecânicas.

Como bem colocou Sadie Plant (1999), o fio de algodão ou barbante

contém em si a matéria que forneceu, literalmente, as bases fundamentais para

o surgimento das tecnologias, desde as mais rudimentares até as

computacionais5. Não somente por ser usado desde os tempos mais remotos

com a finalidade de sustentar, girar, amarrar, prender e transportar coisas, mas

pela sua engenhosidade original aliada às muitas utilidades às quais serve.

As inovações introduzidas na indústria têxtil, na Inglaterra, alcançaram

dimensões inimagináveis a partir do século XIX, com a implementação do Tear

de Jacquard, a primeira peça de tecnologia automatizada. O Tear de Jacquard

desenvolvido pelo francês Joseph-Marie Jacquard, em 1801, funcionava com

cartões perfurados que permitiam ao tear selecionar os fios automaticamente,

controlando a partir daí, o desenho das estampas dos tecidos. Assim Jacquard

concebeu a primeira máquina programável de todos os tempos, a pioneira dos

dispositivos de entrada e armazenamento de programas em toda a história da

humanidade. Tal máquina influenciou, sobretudo, a história da informática,

inspirando o matemático inglês Charles Babbage na criação do Engenho

Analítico6, capaz de aplicar todas as operações aritméticas. Este sim, o invento

mais próximo dos computadores modernos.

Mesmo com a chegada da era mecanizada da produção têxtil, em que

as mulheres dispõem de tecidos e roupas em abundância nas lojas, a fiação e

a tecelagem manuais continuam a absorver o tempo de algumas mulheres

anapolinas, confirmando o apego às práticas tradicionais. Contudo, os motivos

5 Conforme Plant, “O barbante cujas origens foram identificadas no ano 20.000 a.C., é considerado o fio manufaturado mais antigo e crucial para subjugar o mundo à vontade e engenhosidade do homem. (...) Chegou a ser descrito como a arma invisível que permitiu à raça humana conquistar a terra”. Para maiores esclarecimentos consulte PLANT, Sadie. Mulher Digital: o feminino e as novas tecnologias . (Trad.) Ruy Jungmann. Rio de Janeiro. Ed: Rosa dos Tempos, 1999, p.61-62. 6Charles Babbage (1792-1871) comparou as duas principais funções do invento com os compartimentos básicos de uma fábrica têxtil: “O Engenho Analítico consiste de duas partes: a primeira, o armazém, em que todas as variáveis que serão objeto de operação, bem como todas as quantidades que surgirem como resultado de outras operações, serão guardadas e, a segunda, a fábrica que receberá as quantidades que serão objeto da operação”. Tal como os computadores modernos, o armazém é a memória e a fábrica, a capacidade de processamento. BABBAGE apud PLANT. Op. cit., p. 22.

41

que as levam a fiar não são de ordem econômica, e sim pela paixão à técnica

herdada, pelo valor simbólico que o universo artesanal representa. Nessa

dinâmica tudo é tecnologia artesanal mediada pelos gestos e transformada em

ritual, deflagrando uma tradição milenar que resiste à medida que se

transforma através de suas atualizações no tempo e no espaço.

Mulheres de todo o mundo fiaram, cardaram, teceram. Fiandeiras,

tecelãs e suas habilidades com os fios e tecidos foram excluídas da história

oficial, que só as mencionou em curtos parágrafos ou notas de rodapé. Para a

Arte, porém, a tarefa presumida na escrita desta tecnologia artesanal é de re-

apropriar-se de um passado histórico, operando na ordem do imaginário e do

simbólico, o que a distingue claramente das disciplinas História e Antropologia7.

Nessa direção, para demarcar o contexto da experiência estética com as

fiandeiras de Anápolis o ouvir revelou-se uma etapa paralela à do olhar. As

percepções dos sentidos alcançadas durante o estudo de caso desenvolveram-

se também através de um aprendizado prático dos processos de fiação e

tecelagem manual.

Ao olhar o desempenho corporal das fiandeiras em sua atuação,

desenvolveu-se também uma escuta. As formas peculiares como seus corpos

se envolvem na lida de cada uma das etapas do processo de fiação revela uma

gestualidade expressiva. Cada objeto de trabalho produz um som que lhe é

singular, propagando no ambiente, ritmos e pausas conforme a dinâmica de

sua movimentação. Há ainda cantigas de trabalho que falam da vida, da

natureza e dos costumes que cercam as fiandeiras. Dependendo do dia, elas

cantam seus temas. “Se estiver frio ou chuvoso, a música poderá ser triste e

apaixonada, mas se o tempo está para sol, a música pode ser alegre (...) e se o

grupo que canta for grande, aí a animação está completa”, diz Dona Cecília8.

7 Segundo Sylvain Maresca, numa abordagem criativa, o passado não é reconstituído em toda a sua dimensão histórica, arqueológica ou antropológica, ele é “re-interpretado”, trazendo uma nova forma de “re-atualização” do passado, descrita inclusive sob o ponto de vista dos pesquisados. Para maiores informações consulte MARESCA, Sylvain. Olhares cruzados. Ensaio comparativo entre a abordagem fotográfica e etnográfica. In: SAMAIN, Etienne Ghislain (org.). O Fotográfico , São Paulo: Ed. Hucitec - CNPq, 1999. 8 Cecília de Souza Dias (1931), fiandeira e tecelã natural de Orizona, pequena cidade do interior de Goiás, lá aprendeu com a mãe e as três irmãs a fiar e tecer todo o tecido de casa. Com dezoito anos mudou-se com os pais para Anápolis, onde reside atualmente. Dentro das tradições que assinalaram a educação e os deveres femininos até o início do século XX, em cidades do interior e em zonas rurais espalhadas pelo Brasil e o mundo, a história de Dona

42

A gestualidade das fiandeiras revela aspectos físicos, mas também

simbólicos. O ofício de fiar é uma reflexão. A fiandeira, no seu fazer concreto,

transmite o seu pensamento. Simbolicamente ela imprime em cada novelo sua

visão sobre o mundo através das cores que usa, da espessura das linhas, das

meadas que escolhe. No inter-jogo olhar-ouvir / texto-têxtil, pode-se dizer que

olhar o corpo da fiandeira nos seus movimentos com os fios é escutar uma

história não-verbal, onde o trabalho vai sendo tecido aos poucos, desfiado por

um pensamento movido pelos olhos da intuição e ouvidos da sensibilidade.

Considerações finais

Retoma-se aqui, nessas considerações finais, a importância cultural e

histórica do trabalho das fiandeiras como uma memória viva das tecnologias

primícias da humanidade desdobradas ao longo dos tempos em novas

tecnologias. Soma-se ainda à riqueza estética das ações das fiandeiras, a

experiência criativa guiada pela poética da dança. Dentre os resultados

alcançados reconhece-se como a maior experiência obtida, a experiência

humana, encontrada nas relações que se estabeleceram entre as fiandeiras

Anapolinas e a bailarina-pesquisadora.

Referências:

CHEVALIER, J. & GHEERBRANT, A. Dicionário de Símbolos . Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1999. MARESCA, S. Olhares cruzados. Ensaio comparativo entre as abordagens fotográfica e etnográfica. In: SAMAIN, E. G. (org.). O Fotográfico , São Paulo: Ed. Hucitec - CNPq, 1999. MELO, L. M. Dançar Sem Fronteiras: uma urdidura cênica das fian deiras . 2008. 139 f. Dissertação de Mestrado em Artes, Brasília, Universidade de Brasília. PLANT, S. Mulher Digital: o feminino e as novas tecnologias . (Trad.) Ruy Jungmann. Rio de Janeiro. Ed: Rosa dos Tempos, 1999, p.61-62.

Cecília se repete. A indústria doméstica de fiação e tecelagem sempre foi um hábito comum às famílias agrárias do entorno de Anápolis.

43

ESTUDO SOBRE A LEGISLAÇÃO DO PATRIMÔNIO

HISTÓRICO E CULTURAL DO MUNICÍPIO DE

ANÁPOLIS - GOIÁS

EDILBERTO SEBASTIÃO DIAS CAMPOS∗

Resumo: Com o intuito de oferecer subsídios ao planejamento e elaboração de projetos para a gestão do patrimônio histórico de Anápolis, foi realizada uma análise das 12 leis municipais aprovadas no período de 1970 a 2005, notando duas fases marcantes nessa produção legislativa e os principais temas contemplados. Dentre esses, destacam-se o tombamento de edificações, a criação de órgãos gestores do patrimônio histórico e cultural anapolino, o incentivo fiscal e o Fundo Especial de Promoção de Atividades Culturais. Palavras-chave: legislação patrimonial, gestão patrimonial, memória. Introdução

legislação anapolina sobre o patrimônio histórico oferece

condições adequadas para a gestão municipal nessa área?

Essa questão foi levantada no contexto da elaboração de

projetos para a Diretoria de Cultura da Prefeitura, visando à gestão no período

de 2009 a 2012. A fim de respondê-la, foi realizado um estudo documental

preliminar, atendendo a uma necessidade imediata de visão geral sobre o

tema. Contudo, várias outras questões poderão ser trabalhadas

posteriormente, num estudo de aprofundamento, por exemplo, para observar

as lacunas e o grau de atualização destas leis, em relação ao quadro estadual

e nacional.

Nesse estudo foi elaborada uma análise descritiva de 12 (doze)

instrumentos normativos9, abrangendo as últimas décadas do século XX e os

primeiros anos do século atual. O objetivo geral desse estudo foi evidenciar os

principais aspectos desses instrumentos, oferecendo subsídios informativos

para a gestão do patrimônio histórico e cultural da cidade, sob a coordenação

∗ Historiador (UnB), Mestre em Biblioteconomia e Documentação (UnB) e Assessor de Memória e História do Deputado Federal Rubens Otoni. 9 Apesar de ter constatado a existência da Lei nº. 2.732/2001, ela não foi incluída nesse estudo.

A

44

do Partido dos Trabalhadores e que se divide em Legislação cultural do fim do

século XX e Legislação cultural do século XXI.

Legislação cultural do fim do século XX

A análise dos textos legislativos permitiu, inicialmente, a identificação de

duas fases marcantes no seu processo de elaboração. Na primeira fase,

abrangendo o regime de ditadura e o processo de redemocratização do país,

incluindo a reconquista da autonomia política da cidade, apenas cinco leis

foram elaboradas em 30 anos. E, na fase seguinte, quando da consolidação da

democracia, foram aprovadas sete leis no período de 2001 a 2005. Assim, em

apenas cinco anos a produção legislativa ultrapassou o que havia sido feito em

três décadas.

ELABORAÇÃO LEGISLATIVA SOBRE PATRIMÔNIO HISTÓRICO DE ANÁPOLIS-GO

Quantidade 8 7 Lei 3.171/05 6 Lei 8.091/04 5 Lei 331/04 4 Lei 2.952/03 3 Lei 2.511/97 Lei 2.936/02 2 Lei 2.058/92 Lei 281/02 1 Lei 513/75 Lei 025/84 Lei 1.824/91 Lei 2.736/01 1970 1980 1990 2000 Década

Fase I - Fim do século: ditadura e redemocratização Fase II - Novo século:

consolidação da democracia

Quanto aos temas relativos à gestão do patrimônio histórico, destacam-

se os seguintes: 1) tombamento de edificações; 2) localidades contempladas;

3) órgãos gestores do patrimônio; 4) especialidades de memória; 5)

financiamento de projetos; 6) homenageados; e 7) autoridades signatárias.

Na análise realizada, fica evidenciada, primeiramente, a ênfase dada ao

tombamento de edificações de modo isolado, sem abordar sua localização e o

seu entorno. E, em segundo lugar, destaca-se a criação do órgão gestor do

patrimônio histórico e cultural anapolino, o qual está presente em diversas leis.

Também, mereceu especial atenção, a aprovação da lei de incentivo fiscal e do

Fundo Especial de Promoção das Atividades Culturais (Fecap), tendo em vista

45

o fortalecimento de uma política de preservação do patrimônio histórico e

cultural na cidade, com perspectiva de sustentabilidade econômica e social. É

interessante observar que, em termos de especialidade de memória,

predomina na legislação anapolina a perspectiva Museológica, contudo não

contempla a criação do Museu Histórico de Anápolis. Encontram-se ausentes

dela a criação do Arquivo Municipal e da Biblioteca Pública (Há alguma

legislação para essas especialidades de memória em Anápolis?). Quanto aos

acervos, há um destaque especial para os documentos sonoros e visuais e ao

patrimônio natural. Enfim, cabe observar que esse estudo não abrange

instrumentos legislativos anteriores à década de 1970.

O primeiro instrumento legislativo estudado foi a Lei nº 513/75,

sancionada pelo Prefeito Eurípedes B. Junqueira, que denomina como Dr. José

Fernandes Valente o edifício do Fórum, localizado na Praça Bom Jesus, que já

foi sede da Prefeitura e abriga, atualmente, o Centro Cultural da Cidade.

A segunda lei do patrimônio histórico e cultural anapolino surgiu dez

anos depois, em 10/07/1984. Trata-se da Lei 025/84, que determina o

tombamento do Mercado Municipal Carlos de Pina, na Avenida 14 de julho,

como patrimônio histórico. Nesta lei, consta, também, a autorização para a

prefeitura criar órgão10 para registrar e fiscalizar o patrimônio histórico

anapolino, fazendo referência ao Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de

1937. Conseqüentemente, cabe perguntar o que foi realizado nesse sentido,

qual resultado foi alcançado e quais os obstáculos foram enfrentados?

Três novos instrumentos legislativos do patrimônio histórico de Anápolis

surgiram na década seguinte. A Lei nº 1.824/91, de 03 de janeiro de 1991, a

terceira aprovada no município, determina o tombamento dos seguintes prédios

como integrantes do patrimônio histórico, autorizando a prefeitura a criar

órgão11 municipal para registrar e fiscalizar esse tombamento: Cadeia Pública e

Polícia Técnica, na Rua 14 de Julho; Estação Ferroviária, na Praça Americano

do Brasil; Fórum, na Praça Bom Jesus; Museu, na Rua Coronel Batista.

Em 04 de dezembro de 1992, foi aprovada a quarta lei patrimonial

anapolina, Lei 2.058/92, sancionada, também, pelo Prefeito Anapolino de Faria,

autorizando a Fundação de Esportes e Cultura - Fumec a instalar na antiga

10 Primeira iniciativa no sentido de criar o órgão gestor do patrimônio histórico de Anápolis. 11 Segunda iniciativa para criação de órgão gestor do patrimônio histórico da cidade.

46

sede da Prefeitura e do Fórum, localizada na Praça Bom Jesus, os diversos

órgãos culturais sob a sua competência, criando o Centro Cultural de Anápolis

"Ulisses Guimarães".

A quinta lei encerra o Século XX e inicia o tombamento de patrimônio

natural em Anápolis. Essa é a Lei nº 2.511/97, aprovada em 25 de agosto de

1997, que reconhece o Morro da Capuava, ao final da Rua Leopoldo de

Bulhões, Setor Norte de Anápolis, como Patrimônio Histórico Municipal. Essa

lei foi sancionada pelo Prefeito Adhemar Santillo.

Legislação cultural do século XXI

No início do século XXI, a produção legislativa sobre o patrimônio

histórico e cultural de Anápolis ganha grande impulso e, em apenas cinco anos,

são aprovados oito instrumentos para essa área.

Cabe observar que a cidade de Anápolis já realizou importantes

iniciativas para preservação de oito edificações que possuem grande

significado na história e na cultura do município, quais sejam: 1) a antiga sede

da Prefeitura e do Fórum; 2) a Cadeia Pública; 3) a Casa sede do Museu de

Anápolis; 4) o Colégio Couto Magalhães; 5) o Colégio Estadual Antesina

Santana; 6) a Estação Ferroviária; 7) o Mercado Municipal; e 8) a Sede do

Museu JK.

Contudo seis edificações tombadas situam-se quase todas em

localidades da região central da cidade: Avenida 14 de Julho; Praça Americano

do Brasil; Praça Bom Jesus; Praça da Igreja Santana; Rua General Joaquim

Inácio e Rua Coronel Batista. A exceção aparece de dois modos: 1) no

Aeroporto Civil; 2) no Colégio Couto Magalhães; e 3) no Morro da Capuava,

que foi tombado como o primeiro monumento natural e está localizado no Setor

Norte da cidade.

Para a gestão do patrimônio histórico e cultural de Anápolis, foram

designados sete órgãos, com diferentes níveis de responsabilidade, alguns já

existentes, como a Secretaria de Cultura e o Museu Histórico12 de Anápolis e

outros a serem instituídos.

12 Notamos a falta, nesse estudo, da lei de criação do Museu Histórico de Anápolis.

47

ORGÃOS GESTORES DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DE

ANÁPOLIS

É importante destacar que, para assegurar os recursos necessários ao

desenvolvimento das atividades da gestão do patrimônio histórico e cultural de

Anápolis, foi aprovada a lei municipal de incentivo fiscal e, também, foi criado o

Fundo Especial de Promoção das Atividades Culturais (Fecap).

Encerrando a análise do conteúdo das leis estudadas, destacamos as

seguintes personalidades homenageadas: Juscelino Kubitschek; Maestro

Sisenando Gonzaga Jaime; e Deputado Federal Ulisses Guimarães.

Considerações finais

Em síntese, este estudo permite ver que, na transição da ditadura para a

democracia, ocorre um movimento de valorização do patrimônio histórico

anapolino, envolvendo o aumento significativo da produção legislativa para a

intervenção do poder público e da iniciativa privada nessa área, especialmente

nos anos que antecederam a emancipação política na categoria de cidade.

Assim, o novo desafio que se apresenta, nessa nova conjuntura de

governo democrático e popular, é o de fazer cumprir as determinações desses

instrumentos normativos, realizando projetos visando à conservação,

preservação e uso do patrimônio já tombado. Bem como, ampliando as ações

dessa natureza, com uma concepção patrimonial mais ousada, abarcando a

proteção dos acervos documentais e dotada de recursos financeiros, materiais

e pessoal qualificado para a sua efetivação, incluindo o apoio às iniciativas de

natureza não-governamental.

Secretaria Municipal de Cultura

Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges de Carvalho”

Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural Conselho Municipal de Cultura

Centro Cultural de Anápolis "Ulisses Guimarães"

Centro Cultural de Preservação da Memória (audio visual) de Anápolis "Maestro Sisenando Gonzaga Jaime"

48

Referências:

LEI MUNICIPAL nº 513 de 13 de março de1975.

________ nº 025 de 10 de julho de1984.

________ nº 1.824 de 03 de janeiro de1991.

________ nº 2.058 de 04 de dezembro de1992.

________ nº 2.511 de 25 de agosto de 1997.

________ nº 2.736 de 21 de junho de 2001.

________ nº 281 de10 de maio de 2002.

________ nº 2.936 de 23 de dezembro de 2002. ________ nº 2.952 de 28 de abril de 2003.

________ nº 8.091 de 14 de setembro de 2004.

________ nº 3.171 de 07 de dezembro de 2005.

49

INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE AS ATIVIDADES

DO MUSEU HISTÓRICO DE ANÁPOLIS

esta última parte do Caderno de Pesquisa são colocadas

informações sobre as ações desenvolvidas pelo museu no ano

de 2009, tendo como parâmetro atender à comunidade, como

também, de cumprir o seu papel como gestor do patrimônio histórico e cultural

do município.

A forma expositiva leva em conta as funções dessa instituição de

acordo com a museologia social, que são elas: projetos, visitas guiadas e

publicações.

I. Projetos:

• Pouso de Folia, nos dias 10 a 16 de janeiro de 2009 com respectiva

programação:

10/01 – pouso de folia na Praça Bom Jesus, apresentações artísticas e

encerramento com um jantar típico de folia;

12/01 a 16/01 – exposição das bandeiras de folia no hall da Diretoria de

Cultura.

• Exposição “Trilhos da Memória – estação cultural”, nos dias 27/04 a

07/05 com a programação:

27/04 – Abertura da exposição com Doação do acervo documental do

historiador Juscelino Martins Polonial;

30/04 – Sarau em comemoração ao Dia do Ferroviário;

07/05 – Mesa Redonda de discussão da obra do escritor Paulo Bertran

07/05 – Lançamento póstumo do livro “Sertão do Campo Aberto” de

Paulo Bertran.

N

50

• Comemorações do 102º Aniversário de Anápolis, com a participação nos

seguintes eventos:

30/06 – Participação no Projeto “Parabéns Anápolis”, através da

apresentação “Curiosidades da História de Anápolis”;

15/07 – Participação no Projeto “Resgate histórico fotográfico”, dos

fotógrafos-historiólogos Claudiomir e Marney (cessão de parte do acervo

iconográfico do museu);

18/07 – Lançamento do livro do jornalista Dilmar Ferreira “uma

reportagem da história de Anápolis: Intendentes & Prefeitos – de Zeca

Batista a Antônio Gomide” e Sarau.

• Exposição “Semana do Rádio e do Radialista”, nos dias 21/09 a 28/09,

com a seguinte programação:

21/09 – Abertura da exposição “Semana do Rádio e do Radialista”;

21/09 a 25/09 – Exposição de aparelhos de rádio e fotografias de

radialistas da cidade;

28/09 – Festa de encerramento da exposição no Teatro Municipal com

homenagens aos radialistas inativos.

• Palestra dia 29/05 sobre o Museu Histórico, no Colégio São Francisco

de Assis;

• Palestra no dia 11/06 sobre a história do Colégio Estadual Padre

Cônego Trindade, no próprio Colégio Padre Trindade;

• Palestra no dia 30/08 sobre a História de Anápolis, no salão paroquial da

Igreja São Sebastião;

• Palestra no dia 12/11 sobre o Patrimônio Histórico e Cultural de

Anápolis, no Colégio Órion.

51

II. Visitas Guiadas (de estudantes da rede municipal, estadual e particular

de ensino, bem como, de visitantes):

MÊS NÚMERO DE VISITANTES

Janeiro 500

Fevereiro 419

Março 436

Abril 595

Maio 661

Junho 462

Julho 492

Agosto 532

Setembro 359

Outubro 387

Total 4.843

Observação: o museu também contou com a visita de 13 pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior – IES como a UniEvangélica, UEG e UFG.

III. Publicações:

• Caderno de Pesquisas do Museu Histórico de Anápolis “Alderico Borges

de Carvalho”.

Todas essas ações foram possíveis graças aos esforços conjuntos de

vários colaboradores, como a própria Diretoria de Cultura, instituições privadas

da cidade entre outros. Mas encerramos o texto com um agradecimento todo

especial para a equipe do Museu Histórico, nas pessoas de Elizete Cristina

França, Irene Rodrigues de Oliveira, Maria de Fátima Lucena, Marizete de

Jesus Soares, Carlos Roberto Neres, Edvaldo Antônio Neres, José Iverlando

Costa e Joaquim Neres, pois sem o trabalho cotidiano destas pessoas o Museu

não lograria êxito no seu papel como gestor do patrimônio histórico e cultural

de Anápolis.

52