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Versão Definitiva FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DO PORTO Maria João Galhardo Frazão 2º Ciclo de Estudos em História da Arte Portuguesa António Palolo Roteiro Artístico-Biográfico 2012 Orientador: Professora Doutora Maria Leonor Barbosa Soares Classificação: Ciclo de Estudos: 13 (treze) valores Dissertação: 17 (dezassete) valores

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Verso Definitiva

FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DO P ORTO

Maria Joo Galhardo Frazo

2 Ciclo de Estudos em Histria da Arte Portuguesa

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

2012

Orientador: Professora Doutora Maria Leonor Barbosa Soares

Classificao: Ciclo de Estudos: 13 (treze) valores

Dissertao: 17 (dezassete) valores

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

1

RESUMO

Esta dissertao aborda a vida e a obra do artista Antnio Palolo e o seu percurso

e afirmao na arte contempornea nacional.

O artista em estudo autor de uma obra vasta e variada, conotada com as mais

diversas linguagens estticas e modalidades de expresso artstica. Alm de pinturas e

desenhos, realizou filmes experimentais, performances, instalaes, capas de discos e de

livros, cenrios e figurinos.

O corpo da presente dissertao dividido em duas partes. A primeira parte

corresponde ao texto, onde fazemos, inicialmente, um enquadramento histrico, cultural

e artstico da poca, incidindo nas dcadas de 60 e 70, seguido do retrato biogrfico de

Palolo e da anlise da obra que produziu, privilegiando aquela que realizou entre os

anos 60 e 70. Ainda dedicamos um captulo s exposies que realizou em vida, onde

analisamos o que foi escrito pela crtica. Por sua vez a segunda parte desta dissertao

composta por uma seleo de imagens, que completam e ilustram o que foi dito ao

longo do corpo do texto.

Antnio Palolo merece ser colocado num lugar justo no panorama da arte

nacional e isso que pretendemos demonstrar com este trabalho de investigao, que se

baseia num levantamento exaustivo da informao disponvel sobre o artista, que at

agora se encontrava dispersa, sobretudo em catlogos e publicaes peridicas.

Palavras-Chave: Arte Contempornea Portuguesa; Antnio Palolo; Experimentalismo;

Arte Figurativa; Abstrao Geomtrica.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

2

ABSTRACT

This dissertation discusses the life and work of the artist Antnio Palolo and his

route and claim in the national contemporary art.

The artist in question is the author of a wide and varied work connoted with the

most varied aesthetic languages and forms of artistic expression. In addition to paintings

and drawings he made experimental films, performances, installations, album and book

covers, sets and costumes.

The body of this dissertation is divided into two parts. The first part corresponds

to the text, where we initially set an historical, cultural and artistic background, focusing

on the 60s and 70s, followed by a biographical portrait of Palolo and an analysis of the

work he produced, favoring what he realized between the years 60 and 70. We still

devote a chapter to exhibitions held in life, where we analyze what has been written by

critics. In turn, the second part of this dissertation consists of a selection of images and

documents, which supplement and illustrate what was said along the body of the text.

Antnio Palolo deserves to be put in a rightful place in the national art scene and

this is what we intend to demonstrate with this research work, which is based on an

exhaustive survey of the available information about the artist, which until now was

scattered in catalogs and periodicals.

Keywords: Portuguese Contemporary Art; Antnio Palolo; Experimentalism;

Figurative Art; Geometric Abstraction.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

3

AGRADECIMENTOS

Esta dissertao no teria sido possvel realizar sem o apoio e cooperao de

todos aqueles que me acompanharam ao longo do ltimo ano e que de alguma forma

foram importantes durante este percurso. Deixo, por isso, aqui o meu profundo

reconhecimento e agradecimento:

Professora Doutora Maria Leonor Barbosa Soares, por ter aceite a orientao

deste trabalho e tambm pelas sugestes, incentivo, disponibilidade, e simpatia com que

sempre me recebeu;

s vrias instituies e aos seus vrios funcionrios e tcnicos que foram

fundamentais na pesquisa realizada, em especial Biblioteca de Arte da Fundao

Calouste Gulbenkian e a Diviso de Recursos Humanos da Cmara Municipal de vora;

A toda a minha famlia e amigos, pela constante disponibilidade e fora

transmitida, em especial ao meu pai e ao meu tio Pedro por me darem a conhecer a obra

de Palolo e pelo conhecimento transmitido;

Joana, irm e colega de mestrado, por toda a ajuda e pelos desabafos e dvidas

partilhadas;

Ao Tiago, pela pacincia, compreenso e incentivo;

Por ltimo, o mais profundo agradecimento minha me pelo seu apoio

incondicional.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

4

NDICE

RESUMO ...................................................................................................................................... 1

ABSTRACT .................................................................................................................................. 2

AGRADECIMENTOS .................................................................................................................. 3

NDICE ......................................................................................................................................... 4

INTRODUO ............................................................................................................................ 5

CONTEXTO SOCIO-CULTURAL .............................................................................................. 8

Anos 60 ......................................................................................................................... 8

Anos 70 ....................................................................................................................... 17

DADOS BIOGRFICOS ........................................................................................................... 26

A OBRA PICTRICA ................................................................................................................ 33

As Primeiras Obras ..................................................................................................... 33

Fase Figurativa (cerca de 1966 a 1972) ...................................................................... 36

As Riscas (de 1972 a 1980) ........................................................................................ 41

Breves apontamentos sobre a obra pictrica do artista a partir dos anos 80............... 45

A OBRA FLMICA .................................................................................................................... 48

A DIFUSO DA OBRA: AS EXPOSIES E A IMPRENSA ................................................ 56

CONCLUSO ............................................................................................................................ 65

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 67

ANEXOS..................................................................................................................................... 91

PARTE I Contexto ................................................................................................... 92

PARTE II Vida ...................................................................................................... 102

PARTE III Obra ..................................................................................................... 105

PARTE IV Outros Artistas .................................................................................... 168

PARTE V Apresentao Pblica da Obra ............................................................. 175

PARTE VI Anexo Documental ............................................................................. 182

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

5

INTRODUO

A dissertao que nos propomos desenvolver no mbito do Mestrado em

Histria da Arte Portuguesa, ambiciona estudar a vida e obra do pintor portugus,

natural de vora, Antnio Palolo. Um artista a quem tm sido dirigidas apenas breves

referncias na historiografia de arte nacional e por isso a sua obra encontra-se

insuficientemente estudada e pouco difundida, passando despercebida do grande

pblico. Pretendemos com o presente estudo contribuir para o enriquecimento da nossa

histria ao trazer a lume a memria do pintor Antnio Palolo e a sua contribuio para a

pintura contempornea Portuguesa.

Antnio Palolo morreu com 54 anos e deixou atrs de si uma obra desigual que

reflete o seu carter insacivel. A sua produo artstica foi relativamente discreta,

contudo a importncia esttica da sua obra indiscutvel, apesar de ter suscitado uma

produo critica circunscrita a alguns textos de imprensa e a alguns pequenos catlogos.

A nossa proposta passa ento por proceder a um levantamento o mais exaustivo possvel

da informao disponvel sobre o artista, que se encontra dispersa em imprensa,

catlogos de exposies coletivas e individuais, monografias generalistas, sendo que

apenas existe uma monografia sobre o artista em questo, da autoria de Eduardo Paz

Barroso, intitulada Antnio Palolo: Nmada por dentro e editada pela Caminho.

Para alm desse levantamento, tentaremos ainda perceber porque que o artista

conotado com tantos estilos diferentes, como por exemplo o informalismo, o

neofigurativismo, a arte pop, o abstracionismo geomtrico e a transvanguarda e

averiguar se uma obra primeira vista to dspar apresenta alguma unidade estilstica.

Para a realizao da nossa dissertao foi importante definir o percurso a seguir.

Optamos assim por comear por fazer uma recolha bibliogrfica de carter geral sobre

as dcadas de 60 e 70, pesquisa esta essencial para o enquadramento do tema principal,

ou seja a obra de Antnio Palolo realizada ao longo destas dcadas. Seguidamente

debrumo-nos na bibliogrfica disponvel sobre o artista, fazendo uma recolha o mais

completa possvel sobre a vida e obra do mesmo. Para isso consultamos catlogos,

artigos de peridicos, volumes e assistimos a um filme. No podemos esquecer de

referir as fontes primrias, ou seja as obras de arte produzidas pelo artista, com as quais

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

6

privilegiamos o contacto direto. Nos casos em que isso no foi possvel contactamos

com as obras atravs de catlogos. Depois de concluda a recolha de informao, foi

necessrio dispensar algum tempo para a organizao de ideias. Foi nesta etapa que

optamos sobre o que incluir no nosso trabalho, quais os temas que seriam abordados e

definimos balizas cronolgicas. Contudo com o avanar do trabalho foram surgindo

novas ideias e o que inicialmente iria ser uma dissertao sobre a obra pictrica de

Palolo, alargou-se tambm ao estudo da obra flmica. Esta etapa foi de extrema

importncia, uma vez que nos deu as bases para a redao da dissertao.

Relativamente redao, decidimos organizar este trabalho de acordo com o

percurso que seguimos ao longo desta investigao e que nos permitiu alcanar um bom

entendimento do tema. Dividimos ento a nossa dissertao em duas partes: o corpo do

texto propriamente dito e os anexos. O texto est organizado em cinco partes distintas.

O primeiro captulo, de carter mais histrico, dedica-se ao enquadramento e pretende

dar a conhecer o contexto social, artstico e cultural em que Palolo se encontrava

inserido, assim como fazer uma sntese relativamente ao desenvolvimento da arte nos

anos 60 e 70 do sculo passado com o objetivo de situar os leitores no desenvolvimento

da arte nestas dcadas. O segundo captulo debrua-se sobre a biografia do artista e aqui

temos como propsito traar o retrato biogrfico de Palolo, a sua aprendizagem e o seu

percurso artstico. Os restantes captulos dedicam-se anlise da obra do artista, sua

divulgao e crtica, sendo que o captulo dedicado difuso da obra incide sobre as

exposies que Palolo realizou em vida, e tem como objetivo perceber a capacidade

interventiva do artista na dinmica expositiva de ento, assim como conhecer a crtica

que as suas obras mereceram. Optamos por fazer esta abordagem, uma vez que

consideramos ser imprescindvel para o aprofundamento do conhecimento sobre o

artista, a sua carreira e a notabilidade que alcanou no seu tempo. Para isso, realizmos

um levantamento exaustivo sobre as exposies e sobre a imprensa da poca,

privilegiando as publicaes dedicadas s artes plsticas.

Relativamente anlise da obra pictrica importante referir que optamos por

incidir, essencialmente, nos trabalhos produzidos entre os anos 60 e 70, contudo no

deixamos de fazer uma pequena referncia ao trabalho posterior do artista.

Consideramos tambm importante dedicar um captulo obra flmica de Palolo uma vez

que pouco se conhece sobre estes trabalhos e julgamos serem de grande importncia no

s dentro da obra do artista, como tambm a nvel do contexto da produo artstica

portuguesa.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

7

Dos anexos, por sua vez, fazem parte, para alm de uma seleo das obras

pictricas e flmicas do artista, algumas imagens que marcaram as dcadas de 60 e 70,

assim como obras de outras artistas que de alguma maneira marcaram o percurso

artstico de Palolo. Colocamos tambm em anexo duas tabelas relativas s exposies

individuais e coletivas nas quais o artista participou, assim como uma seleo de alguns

artigos publicados na imprensa. Importa referir que Palolo tem uma obra muito vasta e,

como tal, recolhemos uma imensa quantidade de trabalhos, recorrendo fotografia e a

fotocpias diretamente de livros e catlogos, que depois tivemos que selecionar, tendo

privilegiado aquelas mais representativas do seu percurso.

Relativamente organizao das imagens das obras pictricas optamos por

dividi-las em desenho e pintura. Essa diviso foi feita tento por base o catlogo da

exposio retrospetiva de 1995.

Em concluso, tentaremos demonstrar que a obra de Palolo merece ser colocada

num lugar justo no panorama da arte nacional, uma vez que consideramos Palolo um

dos grandes pintores portugueses do sculo passado e por isso, a nosso ver, dever ser

descoberto pelo olhar de cada um de ns.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

8

CONTEXTO SOCIO-CULTURAL

Anos 60

Os anos 60 foram marcados pela afirmao de uma gerao de jovens artistas e

de novas tendncias que aproximaram a arte que se fazia em Portugal de uma realidade

artstica internacional. Note-se que nesta dcada Portugal vivia sob a influncia do

salazarismo e a divulgao de novas expresses de cultura era censurada, e por isso, s

muito custosamente que os artistas conseguiam impor novas ideias.

No incio desta dcada, a sociedade portuguesa mantinha-se afastada dos

circuitos internacionais de produo e circulao artstica, privada do acesso a

exposies e iniciativas susceptveis de dar opinio pblica uma formao artstica

bsica e de fornecer ao pblico especializado uma informao actualizada e uma

experincia directa da contemporaneidade1. A nvel poltico a desiluso crescia face

continuidade do regime ditatorial, que havia sido prolongado pelo Governo de Marcelo

Caetano (1968-1974), e crescia tambm a revolta perante a guerra colonial que se

arrastava desde 1961. Nos meios estudantis e entre os mais jovens aumentava a

frustrao e contestao face situao de alheamento que o Estado mantinha

relativamente ao que se passava a nvel internacional2. importante lembrar que por

esta altura ocorreram, internacionalmente, diversas e importantes mudanas a nvel

social e cultural. A ascenso e morte de Kennedy, as batalhas polticas e ideolgicas do

Vietname, a invaso da Checoslovquia pelas tropas soviticas, os hippies, a revoluo

pop ou o Maio de 68 chegam a Portugal atravs de ecos censurados e distorcidos s

entendidos por minsculas elites culturais urbanas"3.

A censura e as perseguies polticas mantinham-se e eram sintomas graves

do vazio de um regime cada vez mais decadente4, no entanto, no podemos deixar de

1 MELO, Alexandre Arte e Artistas em Portugal, Lisboa: Bertrand Editora, Instituto Cames Portugal,

2007, p.13. 2 Idem, Ibidem, p.14.

3 Idem, Ibidem, p.14.

4 RODRIGUES, Antnio Anos 60, Anos de Ruptura Uma perspectiva na Arte Portuguesa nos Anos

Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte, 1994.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

9

referir as mudanas positivas que ocorreram na vida artstica da dcada. Relativamente

comunicao social, a publicao do semanrio cultural Jornal de Letras e Artes

(1961-1968), teve uma enorme importncia na vida cultural da dcada, uma vez que

para alm de divulgar o que de mais interessante acontecia nos vrios domnios da

atividade cultural portuguesa, tambm dava notcia dos acontecimentos vanguardistas

da cultura internacional, assim como publicava artigos informativos relativos a

movimentos artsticos, no s histricos como tambm da atualidade. Foi a primeira vez

que esta ateno atualidade artstica mundial acontecia em rgos de comunicao

portuguesa, desempenhando uma ao informativa e formativa5.

As galerias comerciais tiveram um aumento significativo. Durante a primeira

metade da dcada apenas a Galeria do Dirio de Notcias (Lisboa, 1957), a Divulgao

(Porto, 1958), a Alvarez (Porto, 1954) e a Cooperativa rvore (Porto), tinham dado os

primeiros passos no comrcio de artes plsticas6. Mas em 1964, com as galerias-

livrarias, como a Buchholz (imagens 1 e 2) e a Galeria 111, e depois com o surgimento de

novas galerias7 j na viragem da dcada, o novo mercado da arte viria dar um incentivo

prtica artstica8. Vivia-se num clima de amadorismo, o catlogo era executado em

duplicador e imprenso em papel de embrulho, a divulgao das exposies era feita

atravs de cartazes expostos na montra das galerias, realizados pelos prprios artistas9

(imagem 3), os quadros no se vendiam, uma vez que os colecionadores da poca eram

poucos e s compravam artistas de nome feito, no estando interessados nos jovens

talentos. Contudo, foi-se construindo um mercado tendo em conta a cumplicidade entre

os artistas e as galerias e em final de 1967 contavam-se pelo menos treze galerias

5 Idem, Ibidem.

6 PENA, Gonalo Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.) Anos 60,

Anos de Ruptura: Uma perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte,

1994. 7 A ttulo de exemplo podemos referir a Galeria Quadrante (1966), a Galeria So Mamede (1968), a

Galeria Dinastia (1968) e a Galeria Ogiva (1970). (NOGUEIRA, Isabel Margarida Ribeiro Artes

Plsticas e Pensamento Crtico em Portugal nos Anos Setenta e Oitenta: Problemticas da

Operacionalidade dos Conceitos de Vanguarda e de Ps-Modernismo. Lisboa: 2009, p.23. Tese de

Doutoramento em Cincias da Arte apresentada Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

Disponvel em WWW: URL:

). 8 MELO, Alexandre Arte e Artistas em Portugal, Lisboa: Bertrand Editora, Instituto Cames Portugal,

2007, p.18. 9 Antnio Palolo Ver o Pensamento a Correr, Jorge Silva Melo. Lisboa: Fundao Calouste

Gulbenkian, 1995 (Vdeo).

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

10

comerciais10

e trs institucionais11

, localizadas maioritariamente em Lisboa e no Porto, e

em 1973 o nmero aumenta para quinze galerias em Lisboa, onze no Porto e cerca de

cinco noutras regies do pas12

. Como podemos verificar, num curto espao de tempo

foram inauguradas diversas galerias o que nos vem mostrar como era real a procura da

arte contempornea, procura esta decorrente de um fenmeno de especulao financeira

incentivado por uma certa abertura durante o perodo marcelista13

. Segundo Gonalo

Pena os anos de regime, sob Marcelo Caetano, correspondem novssima situao do

mercado de arte em Portugal onde se assiste ao florescimento de galerias comerciais por

todo o lado, e a uma consequente modificao na vida artstica do pas, em todos os

aspectos, mas cuja fragilidade se revelaria aps a revoluo de 1974, verificando-se

ento uma brusca quebra de confiana provocada pela imediata crise econmica,

provocando a falncia de muitas das galerias dos finais de 6014

. Sendo assim, podemos

afirmar que a partir de 1967 o mercado da arte iniciou a sua fase de maior crescimento,

o que em grande parte se deve aos preos que as obras de alguns modernistas atingiram,

entre eles Eduardo Viana e Almada Negreiros, o que funcionou como incentivo ao

investimento nos artistas mais novos15

. Surgem colecionadores, sobretudo grandes

10

Galeria Alvarez (1957, Porto); Galeria Divulgao (1958-1968, Porto); Galeria Dirio de Notcias

(1957, Lisboa); Galeria da Cooperativa Gravura (1956, Lisboa); Galeria Divulgao (1963-1968, Lisboa);

Galeria 111 (1964, Lisboa); Galeria Interior (1964, Lisboa); Galeria Buchholz (1965-1975, Lisboa);

Galeria de Arte Moderna da SNBA (1965, Lisboa); Galeria Quadrante (1966-1974, Lisboa); Galeria

Divulgao (1964, Viana do Castelo); entre outras. (PELAYO, Maria Raquel Nunes de Almeida e Casal

Artes Plsticas e Vanguarda: Portugal, 1968 Abril 1974, Volume I, Porto: 1999 p.37. Tese de

Mestrado em Histria da Arte apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto.) 11

O Palcio Foz do SEIT, a SNBA e o Ateneu Comercial do Porto. (PELAYO, Maria Raquel Nunes de

Almeida e Casal Artes Plsticas e Vanguarda: Portugal, 1968 Abril 1974, Volume I, Porto: 1999

p.37. Tese de Mestrado em Histria da Arte apresentada Faculdade de Letras da Universidade do Porto.) 12

PENA, Gonalo Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.) Anos

60, Anos de Ruptura: Uma perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte,

1994. 13

ESQUVEL, Patrcia Anos 60, Anos de Viragem: O Novo Poder da Crtica. [on-line] [consult. 30-02-

2012]. Disponvel em WWW: URL: 14

PENA, Gonalo Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.) Anos

60, Anos de Ruptura: Uma perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte,

1994. 15

A morte em 1967 de Eduardo Viana, um homem pioneiro, isolado do mundo na sua velhice e pintando

pouco, fez ver a grandes coleccionadores, e aos futuros marchands nacionais a vantagem em adquirir por

uma bagatela o maior nmero de obras que conseguissem. Em um abrir e fechar de olhos, os preos

subiriam vertiginosamente, tendo arrastado nessa subida o volume de negcios de algumas galerias com

uma gesto mais habilidosa. As vtimas seguintes seriam Almada Negreiros, Vieira da Silva, e outros

histricos. Mais cedo seriam os novos artistas, surgidos nesta dcada a verem as suas obras atingirem

altssimas cotaes, manobradas e protegidas pelos seus empresrios () (PENA, Gonalo

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

11

industriais, empresrios e banqueiros, como Jorge de Brito, que procuram uma

legitimao social atravs da arte e surge tambm uma nova classe liberal, composta por

mdicos, advogados, engenheiros e gestores com dinheiro, que comea a olhar a arte

moderna como uma boa oportunidade de investimento.

Perante a ausncia de espaos de exposies institucionais, as galerias tornaram-

se responsveis pelas apresentaes pblicas dos artistas, recaindo sobre elas o dever de

divulgar e dar a conhecer ao pblico os novos comportamentos artsticos. Segundo

Mara Jess vila notrio o importante papel das galerias neste perodo, que para

alm de oferecerem aos artistas a possibilidade de divulgao e por conseguinte a

oportunidade dos seus trabalhos terem uma leitura crtica, tambm lhes asseguravam

condies econmicas para viverem da arte16

.

Tambm no domnio da crtica da arte assiste-se ao surgimento de uma srie de

jovens crticos como Rui Mrio Gonalves, Fernando Pernes, Fernando Guedes, Nuno

Portas, Salette Tavares, que vm decididos em acabar com a perspectiva conservadora

e dinamizar a vida artstica portuguesa, quer atravs de textos publicados na imprensa,

quer na organizao de exposies17

. O meio artstico portugus torna-se muito mais

diversificado, complexo e atualizado. A crtica passa a ser mais exigente e informada,

tomando progressivamente conscincia de que tem uma funo e um poder inditos at

ento, com um alcance no somente cultural, mas tambm econmico, uma vez que o

crtico tender a ser o profissional que medeia, que regula e que condiciona a circulao

de obras de arte18

. Neste domnio importa destacar Rui Mrio Gonalves que foi sem

dvida o crtico da dcada19

, o que podemos confirmar a partir das palavras de Antnio

Rodrigues: Com interveno escrita regular na imprensa, apenas interrompida durante

o seu estgio parisiense, e direco artstica da Galeria Buchholz, Rui Mrio foi o

Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.) Anos 60, Anos de Ruptura: Uma

perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte, 1994). 16

VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do Museu do

Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, 2003, p. 33. 17

ALMEIDA, Bernardo Pinto de Pintura Portuguesa no sculo XX, coleco Biblioteca Lello Artes

& Letras, 2 Edio, Porto: Lello Editores, 1996, p. 129. 18

ESQUVEL, Patrcia Anos 60, Anos de Viragem: O Novo Poder da Crtica. [on-line] [consult. 30-02-

2012]. Disponvel em WWW: URL: 19

RODRIGUES, Antnio Anos 60, Anos de Ruptura Uma perspectiva na Arte Portuguesa nos Anos

Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte, 1994.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

12

companheiro generoso e atento aos artistas da sua gerao, disponvel, como ningum,

para apoiar todas as propostas vanguardistas, incluindo as mais radicais ()20

.

nesta altura que a crtica da arte profissionalizada se impe no panorama

artstico portugus e o primeiro passo neste sentido dado em maro de 1967 com a

organizao do I Encontro de Crticos de Arte Portuguesa. Apesar da seco portuguesa

da AICA (Association Internationale des Critiques dArt) existir desde meados dos

anos 50, este encontro feito sem o seu contributo, uma vez que s a partir da sua

reestruturao em 1968 que comea a manifestar verdadeiro interesse na realizao de

iniciativas relacionadas com o estudo ou a organizao da crtica de arte em Portugal21

.

Uma das suas primeiras iniciativas foi o lanamento da revista Pintura & No22

, que

saa como suplemento da revista Arquitectura e onde foram publicados artigos sobre as

artes visuais em Portugal: de pintura e do que pintura no seja no por ser escultura,

gravura ou qualquer outra disciplina de tradio acadmica, mas por entrar no domnio

das novas actividades criativas substantivas, contestatrias da mesma tradio.23

Segundo Rita Macedo, nesta publicao divulgaram-se exposies, criaram-se debates,

analisaram-se situaes, levando a cabo um esforo de reflexo sem precedentes sobre a

actualidade da arte portuguesa24

.

Podemos constatar que a vida artstica em Portugal sofreu uma evoluo

bastante favorvel neste perodo. A dcada de 50 em Portugal tinha sido um perodo de

poucas novidades relativamente ao contexto artstico, uma vez que se haviam mantido

as solues estticas dos anos anteriores e de um modo geral os artistas dividiam-se

entre neo-realistas, surrealistas e defensores do abstracionismo25

. Contudo, nos anos 60

vamos assistir formao de uma nova conjuntura artstica, uma vez que surge uma

20

Idem, Ibidem. 21

MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita Lopes

(Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro de Arte

Moderna, 2009, p.19. 22

A publicao desta revista durou de Abril de 1969 a Agosto de 1970, ou seja durou apenas dezasseis

meses. (MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita

Lopes (Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro de

Arte Moderna, 2009, p.20). 23

Notas e Comentrios (no assinado) in Pintura & No, n 1, in Arquitectura, n 108 (Maro-Abril

1969). 24

MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita Lopes

(Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro de Arte

Moderna, 2009, p.20. 25

MELO, Alexandre Arte e Artistas em Portugal, Lisboa: Bertrand Editora, Instituto Cames Portugal,

2007, p.14.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

13

nova gerao de artistas e agentes culturais, o que permitiu a afirmao de novas

tendncias na produo artstica nacional que reflectem a necessidade de sintonizao

com as linguagens internacionais26

. Esta necessidade de sintonizao deve-se em

grande parte emigrao de vrios artistas que tomaram esta opo no s por razes

polticas mas tambm com o intuito de contactarem com novas tendncias artsticas27

.

Segundo Antnio Rodrigues o facto da maioria destes artistas ter ento procurado

formao ou ter realizado parte ou a totalidade da sua obra fora de Portugal, muito teria

contribudo para um entendimento da actividade artstica de um ponto de vista mundial

e j no to s nacional como nas quatro dcadas anteriores28

. Para isso muito

contribuiu o programa de bolsas da recm-criada Fundao Calouste Gulbenkian29

, que

originou uma lufada de ar fresco na pequena comunidade artstica portuguesa30

. O

novo modo de encarar o fenmeno artstico, as grandes exposies coletivas e a

abertura de novas galerias que permitiram a dinamizao do mercado nacional tambm

foram seguramente muito importantes para essa sintonizao com as linguagens

internacionais31

.

A Fundao Calouste Gulbenkian teve um papel bastante interventivo no

domnio das artes plsticas, enquanto que a SNI estava cada vez mais decadente, sem

programao nem critrios slidos desde que Antnio Ferro se afastou em 1950, e a

SNBA continuava com dificuldades em combater o domnio acadmico nos sales32

e

26

Idem, Ibidem, p.17. 27

Idem, Ibidem, p.17. 28

RODRIGUES, Antnio Anos 60, Anos de Ruptura Uma perspectiva na Arte Portuguesa nos Anos

Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte, 1994. 29

Durante a dcada de 60 e mais concretamente a partir de 1958, a Fundao Gulbenkian atribuiu bolsas

a cinquenta e trs artistas permitindo-lhes contactar directamente com o meio cultural europeu. Desses

cinquenta e trs artistas quarenta e cinco eram pintores, quatro eram escultores, dois gravadores, dois

ceramistas e um vidreiro. A grande parte destes artistas (quarenta e dois) tiveram como destino Paris,

sendo que apenas trs foram para Londres (PELAYO, Maria Raquel Nunes de Almeida e Casal Artes

Plsticas e Vanguarda: Portugal, 1968 Abril 1974, Volume I, Tese de Mestrado em Histria da Arte,

Faculdade de Letras da Universidade do Porto 1999, pp. 32-33). 30

MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita Lopes

(Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro de Arte

Moderna, 2009, p.19. 31

MELO, Alexandre Arte e Artistas em Portugal, Lisboa: Bertrand Editora, Instituto Cames Portugal,

2007, p.18. 32

RODRIGUES, Antnio Anos 60, Anos de Ruptura Uma perspectiva na Arte Portuguesa nos Anos

Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte, 1994.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

14

s em 1964, sob a direo de Conceio Silva, que conseguiu tornar-se a instituio

ligada s artes plsticas mais explosiva do pas33

Os anos 60 so, sem dvida, anos de viragem da arte portuguesa. Logo em 1960,

o grupo KWY (imagem 4) realiza uma exposio na Sociedade Nacional de Belas Artes que

causa choque pela novidade que traziam de fora os portugueses, essa exposio revela-

se como uma reaco cultura nacional e marca o incio de uma plurivocidade

artstica34

. Este grupo, constitudo por Ren Bertholo, Lourdes Castro, Joo Vieira,

Costa Pinheiro, Jos Escada e Gonalo Duarte, foi o primeiro a manifestar sinais claros

de uma nova conscincia do processo artstico. A arte portuguesa deixa ento de estar

presa a determinadas convenes, os artistas deixam de se enquadrar em movimentos

organizados coletivamente, passando a existir uma maior liberdade de expresso e um

maior individualismo na criao artstica. Quando os artistas se agrupavam j no o

faziam em funo de programas estticos ou ideolgicos, mas sim como resposta

logstica s circunstncias do momento, salvaguardando a maneira de ser e de estar de

cada artista e a sua participao individual na trama da histria35

. Esse individualismo

tambm bem notrio no grupo Os Quatro Vintes (imagem 5), composto por ngelo de

Sousa, Jorge Pinheiro, Jos Rodrigues e Armando Alves e ativo entre 1968 e 1972. O

objetivo deste grupo era alcanar uma maior visibilidade e chamar a ateno para a

debilidade do ambiente cultural da cidade do Porto. importante referir que o Porto

tinha a Escola de Belas-Artes que desempenhava um papel importante na animao

cultural da cidade. Dessa animao resultou a criao da Cooperativa rvore, bem

como uma srie de artista nortenhos de grande qualidade36

.

Ainda dentro do contexto dos anos 60 preciso acentuar o importante papel

desempenhado pela Cooperativa de Gravadores Portugueses, instituio ainda ativa e

que explorou novas concees no mbito da gravura, aplicando tcnicas no tradicionais

33

PENA, Gonalo Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.) Anos 60,

Anos de Ruptura: Uma perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte,

1994. 34

CHUVA VASCO, Nuno - Os ltimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do sculo XX. [on-

line]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. [Consultado a 10-01-2012]. Disponvel em WWW:

. 35

RODRIGUES, Antnio Anos 60, Anos de Ruptura Uma perspectiva na Arte Portuguesa nos Anos

Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte, 1994. 36

PENA, Gonalo Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.) Anos 60,

Anos de Ruptura: Uma perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte,

1994.

http://www.chuvavasco.com/50anos.pdf

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

15

e agrupando muitos operadores de diferentes formaes37

, como foi o caso de Lourdes

Castro, Calhau e Sarmento. No podemos deixar tambm de referir que a gravura

permitiu o acesso aquisio de obras de arte a classes de menor poder econmico38

.

Nas pinturas deste perodo encontram-se influncias ntidas de diferentes

linguagens ativas no estrangeiro: a pop art, o nouveau ralisme, a arte povera, a op art,

a arte minimal, a arte conceptual, que convivem com opes plsticas precedentes:

laivos de surrealismo, realismo expressionstico, informalismo gestual, abstracionismo

geomtrico, entre outros39

. A pop art era o movimento que a nvel mundial se havia

afirmado e influenciou grandemente o panorama nacional. importante referir que,

diferentemente do que aconteceu na pop inglesa ou americana, no se tratou de

denunciar uma sociedade dominada por valores consumistas, mas antes de interrogar a

pertinncia de realidades mais prprias, nacionais, da poca40

. Neste sentido podemos

entender a obra de Joaquim Rodrigo, em que so assimilados elementos provenientes

da pintura dita primitiva de certas etnias angolanas, a par com uma valorizao da

narratividade conotada com o nosso momento histrico41

(imagem 6). Podemos tambm

referir Costa Pinheiro que executou uma srie de obras de grande ironia que tinham

como temtica os reis de Portugal42

(imagem 7).

Deste modo, podemos concluir que no final da dcada de 60 j no existia uma

confluncia nas escolas artsticas, mas antes um alargamento de tendncias que

anteviam uma abertura esttica, sem preconceitos e sem rivalidades internas43

. O final

dos anos 60 indicia j o aproximar de um perodo de grandes mudanas nos campos

poltico, cultural e artstico, no qual se viriam a destacar algumas alteraes a nvel das

37

SOUSA, Rocha de Anos 60 Lrica do Desassossego in RODRIGUES, Antnio Anos 60, Anos

de Ruptura Uma perspectiva na Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte, 1994. 38

VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do Museu do

Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, 2003, p. 33. 39

LAMBERT, Maria de Ftima Pintura Portuguesa: Coleccionismo e Contemporaneidade, Porto: Ed.

Politema, 2005. 40

ALMEIDA, Bernardo Pinto de Pintura Portuguesa no sculo XX, coleco Biblioteca Lello Artes

& Letras, 2 Edio, Porto: Lello Editores, 1996, p. 134. 41

Idem, Ibidem, p.134. 42

Idem, Ibidem, p.134. 43

CHUVA VASCO, Nuno - Os ltimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do sculo XX. [on-

line]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. [Consultado a 10-01-2012]. Disponvel em WWW:

.

http://www.chuvavasco.com/50anos.pdf

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

16

artes plsticas, o que, consequentemente, viria a transformar tambm o mercado da

arte44

.

Os anos 60 vieram, sem a menor dvida, cimentar a dcada seguinte, naquilo

que viria a ser o incio de uma arte plasticamente diferente45

, como irei comprovar de

seguida.

44

MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita Lopes

(Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro de Arte

Moderna, 2009, p.19. 45

CHUVA VASCO, Nuno - Os ltimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do sculo XX. [on-

line]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. [Consultado a 10-01-2012]. Disponvel em WWW:

.

http://www.chuvavasco.com/50anos.pdf

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

17

Anos 70

Com a entrada na dcada de 70 Portugal continuava a viver numa situao

bastante desfavorvel. Quando, a 23 de Setembro de 1968, Marcelo Jos das Neves

Alves Caetano tomou posse da presidncia do Conselho, substituindo Oliveira Salazar

que, por motivos de doena, terminava o seu mandato de trinta e seis anos

consecutivos46

, a urgncia de uma viragem poltica fazia-se sentir, contudo o regime

autoritrio e repressivo manteve-se. A polcia poltica reprimia qualquer forma de

oposio ao governo e nem as artes plsticas escapavam, o que levou muitos artistas a

recorrerem a um subtil e irnico jogo de disfarces para com a censura cada vez mais

vigilante47

. Uma outra situao preocupante que o pas vivia era a guerra colonial,

prolongada e inconclusiva, assim como a crise petrolfera de 1973 que vem agravar

ainda mais o estado da economia portuguesa. A insatisfao geral e as dificuldades

econmicas e sociais da populao caracterizavam a realidade de um pas comandado

por uma classe dirigente dependente de valores polticos e ideolgicos ultrapassados48

.

Em relao ao contexto artstico importante referir que na poca marcelista,

particularmente no incio dos anos 70, houve um crescimento significativo do mercado

artstico portugus. Este crescimento deveu-se em grande parte ao mecentica

privada no sector das artes plsticas, como foi o caso do Banco Portugus do

Atlntico49

, da empresa General Motors50

, da SOQUIL (Sociedade Qumica

46

MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita Lopes

(Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro de Arte

Moderna, 2009, p.19. 47

ALMEIDA, Bernardo Pinto de Os anos sessenta ou o princpio do fim do processo da modernidade

in PERNES, Fernando Panorama da Arte Portuguesa no Sculo XX, Porto: Fundao Serralves /

Campo das Letras, 1999, p.221. 48

MELO, Alexandre Arte e Artistas em Portugal, Lisboa: Bertrand Editora, Instituto Cames Portugal,

2007, p. 37. 49

Em 1969 o Banco Portugus do Atlntico organizou uma exposio-concurso, comemorando dessa

forma o seu 50 aniversrio. (MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita;

FERREIRA, Rita Lopes (Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste

Gulbenkian / Centro de Arte Moderna, 2009, p.21). 50

A General Motors de Portugal criou, em 1967, um prmio para a arte de vanguarda. O primeiro

prmio foi entregue a Antnio Sena. (MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in

FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita Lopes (Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao

Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna, 2009, p.20).

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

18

Industrial)51

e da SARL (Sociedade Comercial Gurin)52

. Estas instituies privadas

pretendiam em contrapartida publicidade e divulgao.

O mercado da arte comea ento a dinamizar-se e a criar uma clientela que vai

despertando para a arte moderna em detrimento de um gosto oitocentista enraizado53

.

Vivia-se um perodo de grande expanso do mercado da arte portuguesa o que se

traduziu na proliferao de galerias, assim como de outros espaos expositivos. Em

1973, como j foi dito, existiam em Portugal cerca de 30 galerias comerciais, a grande

parte localizadas em Lisboa e tambm no Porto54

. Neste sentido importante fazer

referncia Galeria Ogiva, em bidos, que apesar de ter permanecido aberta apenas

quatro anos (1970-1974), foi das primeiras galerias que apareceram fora de Lisboa e do

Porto com exposies de qualidade.

A dcada de 70 carateriza-se por uma grande variedade de propostas das

vanguardas de ento, o que refletia a vontade de actualizao e de insero55

no meio

artstico internacional. Formam-se dois grandes grupos, os Abstratos e os Neo-

Figurativos e acentuam-se as performances e os happenings, assim como novas

experincias do domnio da escultura56

. Esta dcada tambm deu continuidade a muitas

das propostas plsticas da dcada anterior, consagrando uma srie de autores que

haviam mostrado uma conceo plstica bastante amadurecida, como foi o caso de

Paula Rego, Jlio Pomar, Mrio Cesariny, Eduardo Batarda, entre outros.

Ao nvel das publicaes, surge na primeira metade da dcada de 70 a revista

Coloquio/Artes (1971 1997), sob a direo de Jos-Augusto Frana (imagem 8), e no

51

A SOQUIL, em 1968, criou o mais importante prmio portugus da altura, que seria atribudo at 1972.

Este prmio era destinado a premiar a melhor exposio da temporada. Os premiados seriam escolhidos

por um grupo de profissionais de crtica de arte, entre eles Fernando Pernes, Rui Mrio Gonalves e Jos-

Augusto Frana. (VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do

Museu do Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, 2003, p. 32). 52

O Prmio Gurin foi institudo para comemorao do aniversrio da fundao da empresa, que no ms

de outubro de 1968 completava cinquenta anos. Os trabalhos apresentados no concurso deveriam ter

como tema a mquina e os primeiro e segundo prmios foram atribudos, respetivamente, a Manuel

Baptista e Henrique Ruivo. (MACEDO, Rita 1968-74 Renovao na continuidade in FABIANA, Rita;

FERREIRA, Rita Lopes (Coord.) Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste

Gulbenkian / Centro de Arte Moderna, 2009, p.21). 53

VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do Museu do

Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, 2003, p. 30. 54

PENA, Gonalo Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.) Anos 60,

Anos de Ruptura: Uma perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros Horizonte,

1994. 55

CHIC, Slvia Anos 70: Antes e Aps o 25 de Abril de 1974, in PERNES, Fernando (coord.)

Panorama Arte Portuguesa no sculo XX, Porto: Fundao Serralves / Campo das Letras, 1999, p. 259. 56

Idem, Ibidem, p. 259.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

19

Porto, em 1973, a Revista de Artes Plsticas. No ano seguinte publicada a obra A Arte

Em Portugal no Sculo XX, da autoria de Jos-Augusto Frana e de extrema

importncia para a historiografia artstica nacional57

.

Em 1974 a revoluo de 25 de Abril. Esta revoluo coloca termo a um

regime antidemocrtico, colonialista, isolado e autoritrio58

. De um dia para o outro

tudo pareceu novo. Era o fim das palavras longamente proibidas, dos gestos

apertadamente contrafeito, de uma certa mentira institucionalizada, do terror invisvel

mas presente em toda a parte. () A revoluo foi a festa. Festa dos Cravos de Maio, da

confraternizao do Povo e das Foras Armadas, do entusiasmo colectivo ()59

.

Como vimos, at ao 25 de Abril, o meio artstico portugus encontrava-se

atualizado e organizado. Instituam-se prmios, abriam-se galerias, haviam exposies,

surgiam novas publicaes dedicadas s artes plsticas. Contudo os acontecimentos

polticos de 74 vieram interromper o ritmo das exposies de artes plsticas, assim

como o consequente trabalho da crtica60

. A poltica passou a dominar as pginas dos

jornais, das quais quase desapareceram as referncias s prticas artsticas. Neste

sentido a revista Colquio/Artes assumiu um carter nico no nosso pas ()

difundindo, na circulao internacional que obteve, o conhecimento dos artistas

nacionais mais novos61

. Esta publicao teve uma enorme importncia na divulgao

da arte em geral e na publicao de informao cultural europeia, em particular. A

revista dedicava-se essencialmente s artes visuais, mas tambm msica e ao bailado.

Nela, os portugueses puderam contactar com o exterior atravs de ensaios sobre

variados problemas estticos da atualidade, artigos sobre artistas estrangeiros

57

VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do Museu do

Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, 2003, p. 36. 58

NOGUEIRA, Isabel Margarida Ribeiro Artes Plsticas e Pensamento Crtico em Portugal nos Anos

Setenta e Oitenta: Problemticas da Operacionalidade dos Conceitos de Vanguarda e de Ps-

Modernismo. Lisboa: 2009, p.26. Tese de Doutoramento em Cincias da Arte apresentada Faculdade de

Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Disponvel em WWW: URL:

. 59

ANTUNES, Manuel Repensar Portugal in Brotria: Cultura e Informao. Lisboa, vol. 98, n 5/6

(Maio/Junho 1974), pp. 459 461. 60

MELO, Alexandre Arte e Artistas em Portugal, Lisboa: Bertrand Editora, Instituto Cames Portugal,

2007, p. 45. 61

FRANA, Jos-Augusto A Arte e a Sociedade Portuguesa no sculo XX: 1910-2000, 4 Edio,

Lisboa: Livros Horizonte, 2000, p. 61.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

20

contemporneos62

e alguns grandes mestres do passado, notcias das grandes exposies

estrangeiras, crticas das grandes bienais internacionais63

, anlise de congressos e

colquios internacionais64

e crticas de livros de arte65

.

Com o 25 de Abril surge a necessidade de estruturar e reorganizar a vida

cultural e a vontade de criar colectivamente, no sentido de combater a iliteracia

cultural e de aproximar a arte sociedade66

. Citando Slvia Chic o regresso dos

exilados, a festa pblica a que conduziu o 25 de Abril, a vivncia desse milagre pacifista

sem sangue nem vingana, diferente das muitas revolues que a Europa e mesmo

Portugal conheceram, induziram nos artistas uma vontade de criar colectivamente,

vontade de associao geralmente desinteressada e despreocupada quanto ocupao

dos lugares do poder67

.

Sendo assim, este perodo caraterizou-se por uma forte movimentao de artistas

e de crticos em torno das questes relacionadas com a arte. Pinturas murais de grandes

dimenses (imagem 9) foram executadas um pouco por toda a parte, indicando uma vontade

e conscincia de interveno urbana68

. O Crculo de Artes Plsticas69

, em Coimbra, foi

um dos dinamizadores dessas atividades coletivas, assim como outros grupos que

surgiram por esta altura, dos quais importa destacar o grupo Acre formado, em 1974,

por Clara Menres, Lima de Carvalho e Alfredo Queiroz Ribeiro (imagem 10), e o grupo

Puzzle (imagens 11 e 12), com atividade entre 1975 e 1980, constitudo inicialmente por

Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Carlos Carreiro, Drio Alves, Graa Morais,

62

Ver por exemplo: MARGARIDO, Alfredo Peter Klasen ou o compromisso entre a pintura e a

fotografia in Colquio Artes: Revista Peridica de Artes Visuais, Msica e Bailado, Lisboa: Fundao

Calouste Gulbenkian, n 25, 2 Srie / 17 Ano (Dezembro 1975), pp. 57-58. 63

Ver por exemplo: FRANA, Jos-Augusto A 9 Bienal de Paris in Colquio Artes: Revista

Peridica de Artes Visuais, Msica e Bailado, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, n 24, 2 Srie /

17 Ano (Outubro 1975), pp. 63-64. 64

Ver por exemplo: FRANA, Jos-Augusto Colquio do C.I.H.A. na Dinamarca in Colquio Artes:

Revista Peridica de Artes Visuais, Msica e Bailado, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, n 24, 2

Srie / 17 Ano (Outubro 1975), p. 74. 65

Ver por exemplo: CASTELO-BRANCO, Fernando et al. Bibliografia in Colquio Artes: Revista

Peridica de Artes Visuais, Msica e Bailado, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, n 27, 1 Srie /

18 Ano (Abril 1976), p. 60-70. 66

CHIC, Slvia Anos 70: Antes e Aps o 25 de Abril de 1974 in PERNES, Fernando (coord.)

Panorama Arte Portuguesa no Sculo XX, Porto: Fundao Serralves / Campo das Letras, 1999, p.264. 67

Idem, Ibidem, p.255. 68

ALMEIDA, Bernardo Pinto de Pintura Portuguesa no sculo XX, coleco Biblioteca Lello Artes

& Letras, 2 Edio, Porto: Lello Editores, 1996, p. 165. 69

O Crculo de Artes Plsticas de Coimbra (CAPC) interessava-se sobretudo pela experimentao e pelas

novas atitudes artsticas. (VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas

Coleces do Museu do Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, Outubro

2003, p.33).

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

21

Jaime Silva, Joo Dixo, Pedro Rocha e, mais tarde, tambm por Fernando Pinto Coelho

e Geraldo Burmester70

. Ambos os grupos se assumiram como portadores de uma

linguagem plstico-performativa inovadora no contexto portugus, de vertente

conceptualista, social e artisticamente interventiva71

, isto , ambos os grupos

apresentaram iniciativas particulares, provocatrias e de contacto directo com o povo,

numa atitude conceptual e crtica, ligada funo social da arte e do artista72

. Tambm

foram comuns aes, maioritariamente politica e partidrias, por parte de cidados, no

artistas, que se expressavam atravs de cartazes, panfletos, comunicados e graffitis73

.

Juntamente s questes polticas e revolucionrias, foi ainda desenvolvido durante estes

anos um processo de emancipao da mulher, defendido, por exemplo, pela artista Clara

Menres. Menres optou por abordagens crticas no campo do erotismo, do corpo, da

identidade e do preconceito social74

(imagem 13).

Na tica de Isabel Nogueira o ps 25 de Abril foi uma poca de festa, de

militncia e de eventos artsticos coletivos ao servio do Povo, desde as pinturas

murais da revoluo, at ao incremento de um modo de operar mais ligado

exaltao do artista/criador, na procura de uma identidade artstica, esttica e mesmo

potica75

. Foi tambm a altura dos slogans: A arte fascista faz mal vista (Marcelino

Vespeira), Contra a agressividade, criatividade, ou A qualidade esttica

progressista; a mediocridade reaccionria (Salette Tavares)76

.

Apesar de todas as dificuldades, os anos 70 foram tambm um perodo bastante

produtivo a nvel de experincias e pesquisas artistas, tanto individuais como coletiva77

.

70

CHUVA VASCO, Nuno - Os ltimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do sculo XX. [on-

line]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. [Consultado a 10-01-2012]. Disponvel em WWW:

. 71

NOGUEIRA, Isabel Anos 70: Atravessar Fronteiras [on-line], 26-10-2009 [consultado a 21-4-2012],

Disponvel em WWW: . 72

CAMPOS, Mariana Moraes Leito Camarate de Conservao na Arte Contempornea: Curadoria

como possvel estratgia de conservao? Estudo de duas obras apresentadas na Exposio Alternativa

Zero. Lisboa: 2011, p.17. Dissertao de Mestrado em Estudos Curatoriais apresentada Faculdade de

Belas-Artes da Universidade de Lisboa. 73

CANDEIAS, Ana Filipa Anos 70 em cartaz in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita Lopes (Coord.)

Anos 70: Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2009, pp.178-185. 74

CAMPOS, Mariana Moraes Leito Camarate de Conservao na Arte Contempornea: Curadoria

como possvel estratgia de conservao? Estudo de duas obras apresentadas na Exposio Alternativa

Zero. Lisboa: 2011, p.17. Dissertao de Mestrado em Estudos Curatoriais apresentada Faculdade de

Belas-Artes da Universidade de Lisboa. 75

NOGUEIRA, Isabel Anos 70: Atravessar Fronteiras [on-line], 26-10-2009 [consultado a 21-4-2012],

Disponvel em WWW: . 76

Idem, Ibidem. 77

Idem, Ibidem.

http://www.chuvavasco.com/50anos.pdfhttp://artecapital.net/opinioes.php?ref=90http://artecapital.net/opinioes.php?ref=90

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

22

Podemos assim afirmar que a Revoluo de Abril pode ser considerada, apesar de tudo,

impulsionadora de momentos de experimentao e inovao artsticas, que apesar de j

estarem em curso desde meados dos anos 60, s agora eram assumidos, incentivados e

praticados78

. Neste sentido, importa referir algumas iniciativas que marcaram a dcada.

Logo em 1972 teve lugar a I Bienal de Jovens Artistas na Fundao Cupertino de

Miranda em Vila Nova de Famalico; em 1973, na SNBA e organizada pela Seco

Portuguesa da AICA realizou-se a exposio 26 Artistas de Hoje; 1974 e 1977 so as

datas dos Encontros Internacionais de Arte, que ocorreram em Valadares, Viana do

Castelo, Pvoa de Varzim e Caldas da Rainha, tendo sido promovidos por Egdio

lvaro e pela Galeria Alvarez (Porto); em 1975 organizaram-se trs exposies-

inqurito na SNBA, nomeadamente Figurao-Hoje, Abstraco-Hoje? e Colagem e

Montagem; em 1977 realizaram-se as mostras coletivas Artistas Portuguesas, O

Erotismo na Arte Moderna Portuguesa, Mitologias Locais, todas elas na SNBA; no

mesmo ano ocorreu outra exposio no Centro de Arte Contempornea do Porto e na

SNBA intitulada A Fotografia na Arte Moderna Portuguesa e com curadoria de

Fernando Pernes; ainda em 1977 realizou-se na Galeria Nacional de Arte Moderna em

Lisboa a emblemtica exposio Alternativa Zero: Tendncias Polmicas na Arte

Portuguesa Contempornea, que teve como curador Jos Ernesto de Sousa; em 1978

inaugurou-se a Bienal Internacional de Vila Nova de Cerveira; 1979 foi o ano da nica

edio de LIS79 Lisbon International Show/Exposio Internacional de Desenho,

assim como da exposio A Fotografia como Arte a Arte como Fotografia, que ocorreu

no Porto no Centro de Arte Contempornea, em Coimbra no Edifcio Chiado e em

Lisboa na Fundao Calouste Gulbenkian. Por fim no podemos deixar de referir a

iniciativa EXPO AICA SNBA, que surgiu em 1972 e veio provar a forte interveno da

crtica de arte na vida artstica portuguesa79

.

A Alternativa Zero merece particular destaque uma vez que encerrou o perodo

ps-revolucionrio e fez um balano da dcada de 70 no que diz respeito s experincias

artsticas de vanguarda. Foi uma exposio prospetiva, que reuniu as mais variadas

78

SILVA, Raquel Henriques da Os anos 70 depois do 25 de Abril in FABIANA, Rita; FERREIRA, Rita

Lopes (Coord.) Anos 70: Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro de

Arte Moderna, 2009, p. 28. 79

NOGUEIRA, Isabel Anos 70: Atravessar Fronteiras [on-line], 26-10-2009 [consultado a 21-4-2012],

Disponvel em WWW: .

http://artecapital.net/opinioes.php?ref=90

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

23

manifestaes plsticas80

. Conforme o catlogo descritivo advertia a respeito do evento:

"pretende ser 'algo mais' do que uma exposio: ou, encarando as coisas de outro

prisma, pretende ser uma exposio aberta, com todas as consequncias possveis 'nesta'

sociedade, inclusive concorrer (ainda que pouco) para transform-la. () O que se

pretende sobretudo demonstrar a importncia menor do objecto de arte, face aos

sujeitos envolvidos na actividade esttica, face ao PROCESSO ESTTICO. Trata-se de

uma atitude didctica (no melhor sentido), e no de propor esta ou aquela corrente

esttica, ou qualquer definio prvia de vanguarda"81

(imagens 14, 15, 16 e 17).

A SNBA continuava a ser um importante espao expositivo e um grande apoio

para a divulgao de jovens artistas que se interessavam pelos suportes no

convencionais, como o demonstra, por exemplo, a exposio de fotografia, realizada em

1975, com obras de Sarmento, Costa Alves e Costa Martins82

. Contudo, a instituio

que continuava mais empenhada na divulgao das ltimas tendncias era a Fundao

Calouste Gulbenkian, juntamente com a Galeria Nacional de Arte Moderna, em

Belm83

. No podemos esquecer o Centro de Arte Moderna, criado em 1977 no Museu

Nacional Soares dos Reis, sob direo de Fernando Pernes e que na opinio de Jos-

Augusto Frana foi a melhor criao do regime do 25 de Abril84

. Esta instituio veio

responder s solicitaes de criao de um espao expositivo na cidade do Porto que

atendesse s necessidades de formao e informao especficas da cidade, do seu

pblico e dos seus artistas85

. Este espao converteu-se num dos principais suportes das

atividades de vanguarda.

Nesta jovem democracia verificou-se alguma dificuldade governamental no

mbito da gesto cultural e apesar de terem surgido propostas polticas muito variadas,

assim como propostas dos artistas quanto poltica cultural, derivadas de amplas

discusses realizadas nas associaes de artistas e de crticos, continuou a cumprir-se

uma falta de articulao entre os diferentes intervenientes e projectos, nomeadamente,

ao nvel da criao de um verdadeiro museu de arte moderna/contempornea, da

80

VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do Museu do

Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, Outubro 2003, p. 54. 81

SOUSA, Ernesto de Alternativa Zero - Tendncias Polmicas na Arte Portuguesa Contempornea,

Lisboa: Secretaria de Estado da Cultura, 1977 82

VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do Museu do

Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, Outubro 2003, p. 51. 83

Idem, Ibidem, pp.51-52. 84

Cit. por NOGUEIRA, Isabel Anos 70: Atravessar Fronteiras [on-line], 26-10-2009 [consultado a 21-4-2012], Disponvel em WWW: . 85

Idem, Ibidem, p.54.

http://artecapital.net/opinioes.php?ref=90

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

24

dinamizao do mercado da arte e da reestruturao do ensino superior artstico86

. Rui

Mrio Gonalves defende que aps a revoluo as propostas culturais que surgiram

eram lcidas e bem estruturadas, no entanto foram mal aproveitadas uma vez que os

problemas culturais foram secundarizados, como habitualmente acontece nos momentos

de crise governamental87

. Apesar do esforo por parte de artistas, crticos e outros

agentes culturais, a situao artstica no se alterou, uma vez que o pas continuava

carenciado de estruturas e polticas necessrias. Na realidade, aps um momento ps

revolucionrio verificou-se que as mudanas estruturais, no que respeita poltica

cultural e () poltica artstica haviam sido quase inexistentes88

.

A euforia que se sentiu no mercado artstico depressa desapareceu, assistindo-se

a uma acentuada queda das vendas e ao encerramento de algumas galerias,

nomeadamente a Galeria Buchholz que se extingue em 1975, a Galeria Interior que

encerra no fim da dcada de 70 sem nunca ter sido um grande sucesso econmico, a

Galeria S. Mamede que fecha depois da revoluo, reabrindo dois anos depois, a Galeria

Quadrante tambm no sobrevive aos abalos de 74, assim como a Galeria Judite Dacruz

que fecha em outubro desse ano. Vrias coleces privadas foram desmembradas e as

obras reentraram no mercado, sendo leiloadas a preos insignificantes89

. Neste sentido,

surge uma nova clientela, composta sobretudo por jovens quadros ou intelectuais que

at ento no tinham tido acesso aos preos que se praticavam90

.

Com a finalidade de promoverem formas de ultrapassar as srias dificuldades

que se faziam sentir no meio artstico, vrios artistas unem-se e criam grupos, dos quais

se destacam o Movimento Democrtico dos Artistas Plsticos91

e a Associao

Portuguesa de Artistas Plsticos92

.

86

NOGUEIRA, Isabel Anos 70: Atravessar Fronteiras [on-line], 26-10-2009 [consultado a 21-4-2012],

Disponvel em WWW: . 87

GONALVES, Rui Mrio A Arte Portuguesa do Sculo XX, Lisboa: Temas & Debates, 1998, p.99. 88

VILA, Mara Jess 1960 1980, Anos de Normalizao Artstica nas Coleces do Museu do

Chiado, Castelo Branco: Museu de Francisco Tavares Proena Jnior, Outubro 2003, p. 48. 89

ALMEIDA, Bernardo Pinto de Pintura Portuguesa no sculo XX, coleco Biblioteca Lello Artes

& Letras, 2 Edio, Porto: Lello Editores, 1996, p. 163. 90

Idem, Ibidem, p. 163. 91

Grupo criado em 1974 e composto por artistas oriundos da Sociedade Nacional das Belas Artes.

(CHUVA VASCO, Nuno - Os ltimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do sculo XX. [on-line].

Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. [Consultado a 10-01-2012]. Disponvel em WWW:

.) 92

A APAP vulgarmente conhecida por os papas. (CHUVA VASCO, Nuno - Os ltimos 50 anos da

pintura e escultura portuguesa do sculo XX. [on-line]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. [Consultado

a 10-01-2012]. Disponvel em WWW: .)

http://artecapital.net/opinioes.php?ref=90http://www.chuvavasco.com/50anos.pdfhttp://www.chuvavasco.com/50anos.pdf

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

25

Aps a revoluo vrios artistas que at ento tinham limitado a sua atividade

artstica aos gneros tradicionais, experimentam novas possibilidades, contudo, com o

arrefecimento do esprito revolucionrio () o experimentalismo artstico

desvanecesse93

. Muitos dos grupos que se formaram com o objetivo de melhorar o

sistema cultural desintegram-se e a vontade de criar coletivamente substituda por um

individualismo artstico que ir marcar a arte portuguesa a partir de 197794

.

Para concluir e tendo em conta estes acontecimentos, podemos afirmar que a

dcada de 70 foi marcada por um profundo desenvolvimento da crtica de arte e por

uma consequente dinamizao do mercado artstico, o qual, depois da Revoluo de

Abril ir atravessar uma profunda crise. ainda nesta altura que se comeam a explorar

novos caminhos ao nvel da expresso artstica e que surgem atividades com o intuito de

captar pblico para os museus nacionais. So anos tambm distinguidos pelos murais

que cobrem as paredes das ruas e pelos grupos artsticos de interveno urbana.

Comea-se a falar agora de um Museu de Arte Contempornea e a considerar a

fotografia como prtica artstica. a vez de uma nova gerao comear a conquistar

lugares nas exposies, na crtica e nos organismos oficiais, a gerao que ser

reconhecida na dcada de 80.

93

CHUVA VASCO, Nuno - Os ltimos 50 anos da pintura e escultura portuguesa do sculo XX. [on-

line]. Figueira da Foz: Chuva Vasco, 2005. [Consultado a 10-01-2012]. Disponvel em WWW:

. 94

Idem, Ibidem.

http://www.chuvavasco.com/50anos.pdf

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

26

DADOS BIOGRFICOS

Joo Antnio da Silva Palolo nasceu em

vora a 5 de julho de 1946 e morreu em Lisboa a

29 janeiro de 2000. Ainda muito jovem comeou

a relacionar-se com a vanguarda artstica e,

atravs de Joaquim Bravo, conheceu lvaro Lapa

e Antnio Charrua95. Dotado de uma forte

intuio plstica e de um enorme prazer de

pintar, Palolo era acarinhado pelos outros

pintores de vora. Bravo, Lapa e Palolo tinham

em comum a naturalidade e o contexto de

formao, ou seja a cidade de vora, bem como a cumplicidade de um mesmo liceu96,

onde haviam tido oportunidade de contactar com professores estimulantes, entre eles

Verglio Ferreira, que foi professor do liceu de vora durante catorze anos, entre 1945 e

195897

. Charrua, mais velho que os demais, era o fornecedor inicial de informaes

sobre arte moderna e tambm dava alguns conselhos. Palolo, juntamente com estes

artistas, integra o ncleo que mais tarde se veio a chamar Grupo de vora. Este grupo

foi acompanhado de perto, logo no incio dos anos 60, por Antnio Areal, artista e

terico com uma formao intelectual marcada por valores literrios e filosficos98.

Antnio Palolo aprendeu fora do contexto de uma Escola de Belas Artes:

Antnio Palolo um autodidacta: o que quer dizer que no esta formado nem

deformado! Assim parte para a grande viagem sem outra bagagem que no seja a que

for colhendo, amando e dando na sua exploso criadora de incendiar, incendiando-

se!99.

95

Antnio Palolo Ver o Pensamento a Correr, Jorge Silva Melo. Lisboa: Fundao Calouste

Gulbenkian, 1995 (Vdeo). 96

Liceu Garcia de Resende. 97

PINHARANDA, Joo Lima Lagos, anos 60-80: Bravo, Cutileiro, Lapa, Palolo. Lagos: Centro

Cultural, 2005. 98

FREITAS, Helena de; NAZAR, Leonor Joaquim Bravo, Lisboa: Centro de Arte Moderna da

Fundao Calouste Gulbenkian, 2000. 99

Carlos Faria.

Fonte: http://cvc.instituto-camoes.pt/arte-e-artistas-

biografias/828-antonio-palolo.html

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

27

Segundo Joo Miguel Fernandes Jorge, o artista em estudo foi entre ns um

caso de aprendizagem a partir de si mesmo, numa captao directa do mundo da

imagem100. Comeou a pintar muito novo, aprendendo sozinho, apenas tendo contato

com alguns livros de arte do pai, que tambm gostava de pintar nas horas vagas. De

incio, o entusiasmo que encontrou nos poucos livros sobre arte que o pai possua ou nas

aulas de desenho dos primeiros anos do ensino tcnico. Depois, um impulso nico para

prender sua sensibilidade o desenho do mundo. Uma intuio quase do nada, seno

mesmo do nada, pois de muito pouco ter sido , de resqucios de imagens, t-lo-

levado aos primeiros desenhos, nos comeos dos anos 60101.

Os primeiros trabalhos de Palolo datam de 1961, por esta altura o artista

trabalhava na Cmara Municipal de vora102, e muitos desses desenhos eram feitos

durante o perodo de trabalho103. Eram desenhos de pequenas dimenses o que permitia

serem facilmente escondidos caso o superior hierrquico aparecesse104. Exps pela

primeira vez por estes anos, numa exposio coletiva em vora, no Festival de S.

Lucas105.

Em outubro de 1963, Palolo teve a oportunidade de mostrar alguns dos seus

trabalhos a Antnio Areal e a Rui Mrio Gonalves106 que posteriormente aconselharam

o galerista Manuel de Brito a realizar a sua primeira exposio individual, uma vez que

haviam ficado deveras surpreendidos com a autenticidade expressiva e a originalidade

deste pintor. Logo em 1964, com 18 anos de idade, teve a oportunidade de mostrar as

suas obras na Galeria 111107, qual se manteve ligado at dcada de 80. de referir

que nos anos 60 a Galeria 111 foi uma espcie de farol propenso apresentao de

significativas revelaes envolvidas com prticas experimentais e vanguardistas108.

100

JORGE, Joo Miguel Fernandes Barcarola para um Pintor [on-line], 12-02-2010 [consult. 18-03-

2012] Disponvel em WWW: . 101

Idem, Ibidem. 102

Informao confirmada pela Cmara Municipal de vora a 5 de Julho de 2012 (Documento 7). 103

Antnio Palolo Ver o Pensamento a Correr, Jorge Silva Melo. Lisboa: Fundao Calouste

Gulbenkian, 1995 (Vdeo). 104

Idem, Ibidem. 105

SILVA, Helena Vaz da Antnio Palolo: Pinturas 1983. Lisboa: Centro Nacional de Cultura, 1983. 106

GONALVES, Rui Mrio 100 Pintores Portugueses do Sculo XX. Lisboa: Publicaes Alfa, 1986. 107

Palolo foi o terceiro artista de vora a expor na recm inaugurada galeria, a seguir a Bravo, Lapa e

Charrua. (PENA, Gonalo Instituies, Galerias e Mercado in RODRIGUES, Antnio (coord.)

Anos 60, Anos de Ruptura: Uma perspectiva da Arte Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Livros

Horizonte, 1994.) 108

BARROSO, Eduardo Paz Antnio Palolo: Nmada por Dentro, Lisboa: Editora Caminho, p.5.

http://e-cultura.blogs.sapo.pt/59916.html

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

28

Apesar de na dcada de 60 a cidade de vora comear a dar indcios seguros de

informao e urbanidade109, Antnio Palolo optou por se mudar para Lisboa, contudo

nunca deixou de visitar a terra natal: vora viu-o partir com a pasta de desenhos. Havia

uma luz de prata. Era Junho e no teria ainda vinte anos110.

A 27 de novembro de 1963 foi admitido scio da Sociedade Nacional de Belas

Artes: tem o n 360, de scio correspondente. No se percebe a assinatura do

presidente da direco, mas percebe-se a do 1 secretrio, Eduardo Nery, que assinou

pelo director. O retracto de um rapaz de dezassete anos () a assinatura ainda a de

um puto adolescente, mas j l est o risco firme que manteve sobre as telas ()111.

Entre 1967 e 1969, Palolo encontra-se em frica, algures no norte de Angola, a

cumprir o servio militar112 e por isso teve de recusar o convite de participar na

representao portuguesa da ltima Bienal de So Paulo113. Jorge Silva e Melo conta

que Palolo pintou o retrato de um comandante, conseguindo assim uma espcie de

proteo que lhe permitiu continuar a pintar durante o perodo que esteve em frica. Os

pequenos guaches que pintava eram enviados para Manuel de Brito, que com eles

realizou uma exposio na Galeria 111 em fevereiro de 1967. Os quadros antes de

serem expostos j haviam sido todos adquiridos por diversos colecionadores114.

Palolo participava ativamente no panorama expositivo portugus e os seus

trabalhos alcanam uma enorme visibilidade nos espaos nacionais mais prestigiados.

Expunha em diversas galerias como por exemplo na Quadrum, Diferena, Altamira e

Valentim de Carvalho, e instituies como a Galeria do Jornal de Notcias, o Centro de

Arte Moderna da Fundao Calouste Gulbenkian, o Centro Cultural de Lagos115 e a

Sociedade Nacional de Belas-Artes116117

. Antnio Palolo tambm foi distinguido com

109

DAVID, Celestino; GONALVES, Rui Mrio Artistas em vora no Sculo XX, vora: Cmara

Municipal, 1996. 110

JORGE, Joo Miguel Fernandes Os Primeiros Desenhos in Antnio Palolo, Coleco Arte de

Hoje. Lisboa: Quetzal Editores, 1988, p.9. 111

Idem Barcarola para um Pintor [on-line], 12-02-2010 [consult. 18-03-2012] Disponvel em WWW:

. 112

PERNES, Fernando Palolo, Exposio de Guaches, Lisboa: Livraria-Galeria 111, 1969. 113

Idem, Ibidem. 114

Antnio Palolo Ver o Pensamento a Correr, Jorge Silva Melo, Lisboa: Fundao Calouste

Gulbenkian, 1995 (Vdeo). 115

Palolo, at 1974, passou prolongadas temporadas no Algarve, em casa de Bravo (PINHARANDA,

Joo Lima Lagos, anos 60-80: Bravo, Lapa, Palolo. Lagos: Centro Cultural, 2005). 116

Exps na Galeria Quadrum em 1980, 1984 e 1986; na Galeria Diferena em 1979 e 1981; na Altamira

em 1983, 1985, 1987 e 1988; na Valentim de Carvalho em 1991 e 1993; na galeria do Jornal de Notcias

em 1986; no Centro de Arte Moderna da FCG em 1992 e 1995 e no Centro Cultural de Lagos em 1993.

http://e-cultura.blogs.sapo.pt/59916.html

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

29

alguns prmios, embora aqueles no tenham feito jus ao seu valor. Em 1969 recebeu

uma meno honrosa na Exposio do Prmio Soquil118. Este prmio foi-lhe atribudo

pela unidade da sua imagstica que manifestou na exposio da Galeria 111 e na

Exposio do Banco Portugus do Atlntico. O prmio desse ano foi entregue a Lus

Noronha da Costa pela originalidade e coerncia da sua obra119. Em 1970 Antnio

Palolo voltou a receber idntica distino na Exposio Mbil da Arte120121

.

Em 1971 Antnio Palolo um dos jovens pintores selecionados para a nova

decorao do caf Brasileira do Chiado, em Lisboa122. O artista realiza ento uma

pintura inspirada num ready-made de Duchamp que exemplifica da melhor forma a

fase mais madura da obra de Palolo123

.

importante recordarmo-nos que no incio dos anos 60 a informao que

chegava de fora era muito pouca, as viagens ao estrangeiro eram raras e os rendimentos

muito limitados, por tudo isto interessante verificar como um jovem com to poucos

recursos fez a primeira exposio aos dezassete anos, aos vinte e um convidado a

participar na Bienal de So Paulo e aos vinte e cinco faz parte dos onze artistas

selecionados para a nova decorao da Brasileira do Chiado por um jri do qual faziam

parte os mais importantes crticos de arte da poca, como Jos-Augusto Frana, Rui

Mrio Gonalves, Fernando Pernes e Francisco Bronze124.

Os anos de 1972 a 1974 foram de grande sucesso para a sua pintura: Ei-lo

pintor de sucesso. Multiplicam-se exposies e prmios. tempo das vacas gordas, os

marchands trabalham por ele. Palolo no sabe, nem quer saber, ele vai pintando125.

Foram anos que a par de uma intensidade de trabalho, pde viajar e conhecer grandes

Na SNBA exps em exposies coletivas em 1964 (Salo Claro Escuro), 1967 (Salo de Vero), 1968

(Galeria Permanente), 1969 (Salo de Vero), 1970 (Exposio Mobil de Arte), 1971 (Salo de Vero),

1974 (Salo de Maro), 1975 (Abstraco/Hoje), 1976 (Salo de Vero), 1983 (Depois do Modernismo)

e 1986 (AICA 86). 117

BARROSO, Eduardo Paz Antnio Palolo: Nmada por Dentro, Lisboa: Editora Caminho, p.5. 118

Galeria Buchholz, Lisboa, 1969. 119

26 Artistas de Hoje Lisboa: Sociedade Qumica Industrial (SOQUIL), 1973, p.12. 120

SNBA, Lisboa, 1970. 121

BARROSO, Eduardo Paz Antnio Palolo: Nmada por Dentro, Lisboa: Editora Caminho, p.6. 122

PERNES, Fernando A Pintura de Palolo in Palolo expe na Galeria Zen, Porto: Galeria Zen, 1971,

p.5. 123

BARROSO, Eduardo Paz Antnio Palolo: Nmada por Dentro, Lisboa: Editora Caminho, p.13. 124

SILVA, Maria Arlete Alves da Antnio Palolo no CAMB, Oeiras: Centro de Arte Manuel de Brito,

2009. 125

SILVA, Helena Vaz da Antnio Palolo, vinte anos de pintura in Jornal de Letras, Artes e Ideias,

Lisboa: Editora Lux, n 121 (Novembro 1984), p.16.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

30

museus europeus126. No entanto, depressa acabou este perodo favorvel e em 1975 e

1976 passou por diversas dificuldades econmicas. Foi para o Brasil, contudo no

gostou do pas e rapidamente regressou127. Optou, ento, por ir viver novamente para o

Alentejo, recolhendo-se em vora, em casa dos seus pais, mas tambm nos arredores de

vora e em vora Monte, em casas que alugou ou lhe foram emprestadas128.

Sensvel s performances e aes de grupo, Palolo participa na Festa do 10 de

junho de 1974, em Belm, onde foi um dos 48 artistas portugueses que pintou um

enorme painel coletivo em homenagem ao 25 de Abril. Antnio Palolo foi ainda um dos

artistas pertencentes ao chamado Grupo 8 de vora-Monte, formado no ps 25 de

Abril e do qual tambm faziam parte Jos Conduto, Jos Carvalho, Madeira da Rocha, o

Dr. Nelson, Joaquim Tavares, Dimas e Joaquim Carapinha129. Este grupo de artistas

realizou apenas trs exposies em conjunto, a ltima por intermdio de Ernesto de

Sousa e realizada em 1978 na Galeria de Arte Moderna de Belm.

Os anos 70 em Portugal foram, a partir da segunda metade da dcada,

dominados pela revoluo de Abril de 1974 e, consequentemente, pelos

acontecimentos polticos desencadeados e pelas novas condies de expresso130

.

Palolo neste perodo optou por dirigir a sua pesquisa em busca de novas modalidades de

expresso artstica, como foi o caso do cinema experimental. Os primeiros filmes, ainda

em 8 mm, so animaes a preto e branco, construdas a partir de procedimentos de

recorte e colagem, que associam imagens retiradas de revistas e elementos geomtricos.

Entre o final dos anos 60 e 1978 realizou um conjunto de filmes experimentais, entre

eles Lines (1970), 4 Elementos (1972), Ligths (1976), Spacer (1976) e OM (1977-

1978)131. Realizou tambm, entre 1977 e 1980, trs vdeos que registavam performances

da sua autoria: Akasha Escolar (1977), Light Piece (1979) e Sinais (1980)132. Realizou

ainda quatro instalaes na Galeria Quadrum, em Lisboa, entre 1979 e 1981, intituladas

126

JORGE, Joo Miguel Fernandes Alguma Pintura e Desenho de 1975-76 de Antnio Palolo in

SILVA, Maria Arlete Alves da Antnio Palolo: 1975/1976 Obras Inditas, Lisboa: Galeria 111, 2005,

p.2. 127

Idem, Ibidem, p.2. 128

Idem, Ibidem, p.2. 129

CANDEIAS, Ana Filipa Fotografia, Performance, Imagem em Movimento: Os Artistas e os Novos

Meios em Portugal in Anos 70 Atravessar Fronteiras, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian / Centro

de Arte Moderna, 2009, p. 34. 130

BARROSO, Eduardo Paz Antnio Palolo: Nmada por Dentro, Lisboa: Editora Caminho, p.20. 131

Idem, Ibidem, p.6. 132

Idem, Ibidem, p.6.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

31

Crater-Calice (1979), Mente (1980), Construo (1980) e Rear Vision (1981)133.

Tambm colaborou com o grupo musical Telectu134, entre 1983 e 1989, sendo

responsvel pela realizao de diaporamas e instalaes para concertos e pela conceo

de capas de discos135. Alm destas ctividades, realizou capas de livros, cenrios e

figurinos para peas de teatro136. importante referir que os filmes e os diaporamas, na

sua realidade tridimensional, oferecem um programa visual sobre a luz e o movimento

no espao, com mltiplas derivaes plsticas para o exerccio da pintura137, que Palolo

voltaria a retomar na dcada de 80.

Antnio Palolo foi tambm autor de intervenes plsticas em duas obras

pblicas: a Piscina Municipal de vora e o Metropolitano de Lisboa. Desta ltima foi,

mais precisamente, responsvel pelo tratamento plstico de um longo muro exterior do

Parque de Material e Oficinas do Metropolitano de Lisboa, em Sete Rios. O projeto

realizado pelo artista tinha presente alguns dos elementos da sua pintura: campos de cor

e repetio de barras138.

Todos estes aspetos da atividade criativa deste artista so de extrema

importncia, uma vez que nos permitem dar conta da sua vocao experimental. Todo o

percurso artstico de Palolo marcado pelo experimentalismo e por um forte instinto

plstico, no existe na histria da arte portuguesa contempornea um caso de

precocidade criadora como o deste artista eborense, de escassa cultura, cuja vida decorre

133

Idem, Ibidem, p.6. 134

Duo musical constitudo por Jorge Lima Barreto e Vtor Rua, formado em 1982 na III Bienal de Vila

Nova de Cerveira. (BARRETO, Jorge Lima Telectu [on-line] Artigos Meloteca, 2009 [consult. 4-04-

2012]. Disponvel em WWW: . 135

Off-Off (1984), Telephone Live Moscovo (1985), Rosa-Cruz-Live Gulbenkian (1985), Halley (1986),

Theremin Tao (1993), Telectu, Cutler, Barrocal (1995). (BARROSO, Eduardo Paz Antnio Palolo:

Nmada por Dentro, Lisboa: Editora Caminho, p.65.) 136

Em 1972 foi o responsvel pela criao do cenrio e dos figurinos para Cames 72, no Teatro

Experimental de Cascais. Em 1982 criou os cenrios, os figurinos e o diaporama para Corda Bamba, no

Centro Cultural de vora. (BARROSO, Eduardo Paz Antnio Palolo: Nmada por Dentro, Lisboa:

Editora Caminho, p.65.) 137

FREITAS, Maria Helena de O Sistema Palolo, in FREITAS, Maria Helena de (coord.) Antnio

Palolo 1963 1995, Lisboa: Centro de Arte Moderna Jos de Azeredo Perdigo, Fundao Calouste

Gulbenkian, 1995, p.18. 138

PEREIRA, Joo Castel-Branco Arte Metropolitano de Lisboa. Lisboa: Metropolitano de Lisboa E.

P., 1995, pp. 128-129.

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

32

margem dos ambientes artsticos nacionais, desconhece os grandes nomes da arte

internacional e, no entanto, possuidor de uma intuio plstica extraordinria139.

139

MAGGIO, Nelson di Artes in Flama: Revista Semanal de Actualidades, Lisboa: Unio Grfica (21

de Julho de 1967) [Consultado na coleco digitalizada da Biblioteca de Artes da Fundao Calouste

Gulbenkian: Artigos publicados na imprensa sobre artistas plsticos portugueses, Compilao de Eva

Botelho Arruda de Macedo].

Antnio Palolo

Roteiro Artstico-Biogrfico

33

A OBRA PICTRICA

As Primeiras Obras

Como j foi anteriormente referido, Palolo comea a pintar ainda muito jovem.

As suas primeiras obras, datadas de 1961/63, reflectem a necessidade de utilizar a

cultura visual construda em vora ao lado de Bravo, Lapa e Charrua140

. Nesta poca a

pintura de Palolo era uma pintura experimental. O artista, ainda em plena fase de

formao, no conseguia determinar o plano em que se iria afirmar141

. Ao observar os

seus primeiros trabalhos possvel detetar um conjunto de possibilidades estticas, das

quais o artista est ciente142

.

De acordo com Fernando Pernes nos anos 60 os passos iniciais de qualquer

aspirante portugus a pintor, quase obrigatoriamente tinham que oscilar entre a

informao estrangeira e uma tentativa de formao que nenhuma escola lhe poderia

garantir, e apenas num processo de autodidactismo se iria consolidar143

. Neste

sentido, numa primeira fase, Palolo realiza desenhos de pequeno formato, de trao

finssimo, a tinta da China sobre papel, onde aborda o informalismo gestual, grfico e

caligrfico, de ritmo convulsivo (imagens 25,26, 27, 28 e 29), prximo de Wols144

(imagens 207 e 208) e

Michaux145

(imagens 209 e 210). Tratam-se de desenhos sensoriais, no premeditados, que se

140

FREITAS, Maria Helena de O Sistema Palolo, in FREITAS, Maria Helena de (coord.) Antnio

Palolo 1963 1995, Lisboa: Centro de Arte Moderna Jos de Azeredo Perdigo, Fundao Calouste

Gulbenkian, 1995, p.15. 141

MARGARIDO, Alfredo A prtica das Artes. Palolo na Galeria 111, in Jornal de Letras e Artes,

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Wols (Alfred Otto Wolfgang Schulze) nasceu a 27 de maio de 1913 em Berlim e morreu em Paris a 1