antologia da poesia de gregório de matos

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Antologia da poesia de Gregório de Matos Amor A UMAS SAUDADES Parti, coração, parti, navegai sem vos deter, ide-vos, minhas saudades a meu amor socorrer. Em o mar do meu tormento em que padecer me vejo já que amante me desejo navegue o meu pensamento: meus suspiros, formai vento, com que me façais ir ter onde me apeteço ver; e diga minha alma assi: Parti, coração, parti, navegai sem vos deter. Ide donde meu amor apesar desta distância não há perdido constância nem demitido o rigor: antes é tão superior que a si se quer exceder, e se não desfalecer em tantas adversidades, Ide-vos minhas saudades a meu amor socorre Erótico O Amor é finalmente um embaraço de pernas, uma união de barrigas, um breve tremor de artérias.

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Page 1: Antologia da poesia de Gregório de Matos

Antologia da poesia de Gregório de Matos

Amor

A UMAS SAUDADES

Parti, coração, parti, navegai sem vos deter, ide-vos, minhas saudades a meu amor socorrer.

Em o mar do meu tormento em que padecer me vejo já que amante me desejo navegue o meu pensamento: meus suspiros, formai vento, com que me façais ir ter onde me apeteço ver; e diga minha alma assi: Parti, coração, parti, navegai sem vos deter.

Ide donde meu amor apesar desta distância não há perdido constância nem demitido o rigor: antes é tão superior que a si se quer exceder, e se não desfalecer em tantas adversidades, Ide-vos minhas saudades a meu amor socorre

Erótico

O Amor é finalmente um embaraço de pernas, uma união de barrigas, um breve tremor de artérias.

Uma confusão de bocas, uma batalha de veias,um rebuliço de ancas; quem diz outra coisa, é besta.Ardor em firme coração nascido;Pranto por belos olhos derramado;

Page 2: Antologia da poesia de Gregório de Matos

Incêndio em mares de água disfarçado;Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que em um peito abrasas escondido;Tu, que em um rosto corres desatado;Quando fogo, em cristais aprisionado;Quando cristal, em chamas derretido.

Satírico

Soneto

A cada canto um grande conselheiro,Que nos quer governar cabana e vinha;

Não sabem governar sua cozinha,E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,Que a vida do vizinho e da vizinhaPesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,Trazidos sob os pés os homens nobres,Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,Todos os que não furtam muito pobres:E eis aqui a cidade da Bahia.

Religiosos

A Nossa Senhora da Madre de Deus Indo Lá o Poeta

Venho, Madre de Deus, ao Vosso monteE reverente em vosso altar sagrado,Vendo o Menino em berço argenteadoO sol vejo nascer desse Horizonte.

Page 3: Antologia da poesia de Gregório de Matos

Oh quanto o verdadeiro FaetonteLusbel, e seu exército danadoSe irrita, de que um braço limitadoExceda na soltura a Alcidemonte.

A virtude, Senhora, é muito rica,E a virtude sem vós tudo empobrece.

Não me espanto, que quem vos sacrificaEssa hóstia do altar, que vos ofrece,Que vós o enriqueçais, se a vós a aplica.