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Anquilose bilateral da articulação temporomandibular de etiologia multifatorial

55Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(1): 55-7

Anquilose bilateral da articulação temporomandibular de etiologia multifatorial: relato de caso

Bilateral ankylosis of the temporomandibular joint with multifactorial etiology: a case report

José Carlos GarCia de Mendonça1, José Mariano Carvalho Costa2, Christiano Moreira da Costa liMa3, Gileade Pereira Freitas3

SUMMARY

Introduction: The ankylosis of the temporomandibular joint (TMJ) causes an abolition of the jaw movement, making the patient develop a number of problems that stem from this functional limitation. Objective: The authors reviewed the pertinent literature, discussing the principal aspects related to the causes of the ankylosis of the TMJ, giving emphasis to rare caused factors such as an infection of the medium ear and tumor. Case report: The patient, V.L.S., masculine, 24 years old, searched for help from CTBMF of NHU/UFMS lamenting the fact that he could not open his mouth. He informed that, when he was six years old, had a serious infection of the femur and that the same infection passed into the right ear, which affected seriously the TMJ and since that time the patient has had progressive difficulties with opening of the mouth. The clinical exams and radiographic initial readings revealed a degree of less mobility of the opening of the mouth (1 mm) and a com-patible image of the bilateral ankylosis of the TMJ, suggesting complete bone reduction of the left articulation and a massive tumor of the right articulation, with the posterior confirmation of the organic pathological tissue exam. The treatment was surgery, using the simple arthroplasty technique without interposition and bilateral coronoidectomy, associated with the physiotherapy. The patient has 26 mm of the opening of the mouth after having been accompanied for nine months. Conclusion: We hope that this work will help better our understanding about reduction of the movement of the ATM caused by an ear infection and articulate tumor, taking into consideration the fact that we found few cases that have been written for our information.

Descriptors: Ankylosis. Temporomandibular joint/surgery.

RELATO DE CASO

RESUMO

Introdução: A anquilose da articulação temporo-mandibular (ATM) provoca a abolição da movimentação mandibular, levando o paciente a desenvolver uma série de problemas decorrentes dessa limitação funcional. Objetivo: Revisamos a literatura pertinente, discutindo os principais aspectos relacionados à etiologia da anquilose da ATM, dando ênfase aos fatores etiológicos raros, como a infecção do ouvido médio e tumor. Relato de caso: Paciente V.L.S., gênero masculino, 24 anos, procurou o serviço de CTBMF do NHU/UFMS com queixa de incapacidade para abertura bucal. Informou que, aos seis anos de idade, havia sido acometido de infecção no fêmur e que a mesma “passou” para o ouvido direito com comprometimento da ATM e, desde então, vinha apresentando limitação progressiva da abertura bucal. Os exames clínico e radiográfico iniciais revelaram hipomobilidade da abertura da boca (1 mm) e imagem compatível de anquilose bilateral da ATM, sugerindo anquilose óssea completa na articulação esquerda e massa tumoral na articulação direita, com confirmação posterior pelo exame histopatológico. O tratamento foi cirúrgico, com emprego da técnica da condilectomia e artroplastia simples sem interposição e coronoidectomia bilateral, associada à fi-sioterapia. O paciente apresentou 26 mm de abertura bucal, aos 9 meses de acompanhamento. Conclusão: Espera-se que este trabalho possa trazer melhor entendimento sobre a anquilose da ATM provocada por infecção de ouvido e tumor articular, levando-se em conta a escassez de relatos na literatura.

Descritores: Anquilose. Articulação temporomandi-bular/cirurgia.

Correspondência: Christiano Moreira da Costa LimaConjunto Bela Vista I quadra-17 casa-17 – Bela Vista – Teresina, PI, Brasil CEP 64030-100 E-mail: [email protected]

1. Especialista em CTBMF / Mestre e Doutor em Ciências da Saúde (Ci-rurgia) pela Faculdade de Medicina da UFMS / Professor Adjunto de CTBMF da FAODO-UFMS

2. Especialista em CTBMF / Mestre e Doutor em Ciências da Saúde (Cirur-gia) pela Faculdade de Medicina da UFMS / Professor Colaborador do Programa de Residência em CTBMF do Núcleo de Hospital Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” – UFMS. Professor Adjunto de CTBMF da UFU - MG.

3. Cirurgião-Dentista Residente do Programa de Residência em CTBMF do Núcleo de Hospital Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” – UFMS.

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Mendonça JCG et al.

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INTRODUÇÃO

Anquilose refere-se à abolição ou limitação dos movimentos de uma articulação móvel. Na articulação temporomandibular (ATM), devido à aderência da articulação, com consequente rigidez entre as suas superfícies, os movimentos mandibulares encontram-se impossibilitados ou limitados, prejudicando funções fisiológicas como deglutição, mastigação e fonação1,2.

Diferentes causas podem ser atribuídas a essa condição, sendo os traumas os principais. De forma menos comum, a disseminação de infecção por via hematogênica e tumores na ATM também podem promover a doença3,4.

A anquilose da ATM é classificada por vários autores de acordo com a combinação do local (intra ou extra-articular), tipo de tecido envolvido (ósseo, fibroso ou fibro-ósseo) e extensão da fusão óssea (completa ou incompleta)1,5-7. Ela também pode ser classificada em: tipo I, no qual o côndilo está presente e possui apenas fibro-adesões; tipo II, onde há fusão óssea, o côndilo está remodelado, porém o pólo medial está intacto; tipo III, onde já tem o bloco anquilótico, o ramo mandibular encontra-se fusionado ao arco zigomático, o pólo medial ainda está intacto; e tipo IV, no qual já existe verdadeiro bloco anquilótico com anatomia totalmente alterada, porque o ramo mandibular está fusionado à base do crânio7.

O diagnóstico da anquilose da ATM é clínico e radiográfico, onde a limitação de abertura bucal e imagens sugestivas de fusão articular são os principais indícios da doença8.

Diante do exposto, é propósito deste artigo relatar um caso raro de anquilose bilateral da ATM de etiologia multifatorial, onde o tratamento foi cirúrgico, com emprego da técnica de artroplastia simples sem interposição e coronoidectomia bila-teral, associado à fisioterapia.

RELATO DO CASO

Paciente V.L.S., gênero masculino, 24 anos de idade, leucoderma, procurou o serviço de CTBMF do NHU/UFMS com queixa de hipomobilidade progressiva de abertura bucal. Informou que, aos seis anos de idade, foi acometido de infecção no fêmur (osteomielite) e que a mesma “passou” para o ouvido direito com comprometimento da ATM e, desde então, teve inicio a limitação de abertura bucal. Foi operado em outro estado por duas vezes da ATM direita, aos nove e aos quinze anos de idade, respectivamente. O exame clínico revelou grave hipomobilidade mandibular (1 mm), retrogna-tismo, retromentonismo e assimetria da mandíbula (Figuras 1A e 1B). O diagnóstico de anquilose da ATM foi baseado nos sinais e sintomas clínicos e confirmado por exames de imagens (radiografia, tomografia computadorizada), que revelaram envolvimento bilateral da ATM (Figura 1C). Na ATM esquerda, pôde-se observar anquilose óssea completa, e na ATM direita, observou-se imagem de uma grande massa de tecido radiopaco, arredondado, bem delimitado, sugestivo de tumor (Figura 1D).

O tratamento proposto foi o cirúrgico, utilizando-se acesso pré-auricular bilateral como forma de alcançar a região articular. Com a exposição das áreas anquilosadas, pôde-se observar a ausência total da ATM esquerda e sua substituição por resistente massa óssea, fusionando o côndilo e a super-fície articular do osso temporal (Figura 2A). Na anquilose da

Figura 1 – (A) Aspecto clínico frontal pré-operatório, onde se observa retrognatismo, retromentonismo e assimetria mandibu-lar. (B) Aspecto clínico intra-oral, onde se observa abolição da

abertura bucal, higiene oral deficiente e dentes mal preservados. (C) Tomografia computadorizada em corte coronal do pré-ope-

ratório evidenciando anquilose bilateral da ATM. (D) Radiografia póstero-anterior de face pré-operatória, onde se observa a presença de volumosa massa anquilótica do côndilo

direito sugestiva de tumor.

D

A B

C

Figura 2 – (A) Aspecto transoperatório da anquilose óssea completa esquerda. Notar a ausência da articulação e fusão completa da cabeça do côndilo (C) com a superfície articular do osso temporal (OT). (B) Aspecto transoperatório da ATM direita após condilectoma e artroplastia simples sem inter-posição associada à coronoidectomia. Notar a nova fossa

articular (FA). (C) Radiografia panorâmica do pós-operatório de 9 meses. (D) Aspecto clínico do pós-operatório de 9 meses, onde se observa abertura bucal máxima aceitável de 26 mm.

RM = ramo mandibular.

D

A B

C

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ATM direita, observou-se grande massa tecidual compatível com tumor, posteriormente, diagnosticado pelo exame histo-patológico como osteocondroma. Para liberação das ATMs, realizou-se osteotomia/ostectomia, criando-se um espaço de 15 mm de largura na região proximal do ramo ascendente da mandíbula para a separação desta do osso temporal (Figura 2B). Objetivou-se, com isso, a formação de uma nova fossa articular. Coronoidectomia bilateral foi realizada, a fim de auxiliar a liberação mandibular.

No pós-operatório, prescreveu-se medicação para dor e inflamação, antibiótico profilático e termoterapia para combater o edema. A fisioterapia foi iniciada 12h após a cirurgia, com exercícios de abertura e fechamento bucal, progressivamente aumentados em amplitude, quantidade e frequência diárias.

No acompanhamento pós-operatório de 9 meses, o paciente encontrava-se sem queixas e com a máxima abertura de boca aceitável de 26 mm (Figuras 2C e 2D).

DISCUSSÃO

Apesar de o trauma constituir a principal etiologia da anqui-lose da ATM1,5, o caso apresentado mostrou ter tido origem incomum por tumor (osteocondroma) e infecção de ouvido.

Não há consenso na literatura com relação à melhor forma de tratamento cirúrgico. Têm sido sugeridas a artroplastia simples9, a artroplastia interposicional, seja com a fáscia do músculo temporal, pele, cartilagem auricular ou costocondral, fáscia lata e material alosplástico, e a reconstrução articular com próteses de acrílico ou titânio6,10-12.

A técnica da artroplastia simples sem interposição apresenta vantagens e desvantagens. As vantagens são: simplicidade; baixa morbidade, por não necessitar de área doadora; e menor tempo de operação. Enquanto as desvantagens são: criação de um ramo mandibular curto; falha na remoção de toda a massa óssea e aumento do risco de recidiva nos casos de anquilose óssea extensa13. Neste caso, realizou-se condilectomia e artro-plastia simples sem interposição, associado à coronoidectomia. O resultado foi satisfatório, sem complicações pós-operatórias ou recidiva ao longo do tempo de acompanhamento.

Independente da técnica escolhida pelo cirurgião, uma ressecção ampla do segmento anquilótico fibrótico ou ósseo é essencial para evitar recidiva. Durante o transoperatório, a mobilidade da mandíbula é testada e deverá alcançar uma abertura da boca de 20 a 35 mm14, podendo-se realizar coronoi-dectomia, a fim de auxiliar na liberação mandibular15. No caso relatado, um gap de 15 mm foi criado na região articular após ostectomia da massa anquilótica, obtendo-se uma abertura bucal imediata aceitável de 13 mm e tardia de 26 mm. Acredita-se que a atrofia da musculatura mastigatória possa ter impedido maior grau de abertura bucal.

O sucesso no tratamento operatório da anquilose independe da técnica utilizada, havendo um consenso na literatura de que deve haver colaboração do paciente na realização constante e intensa de exercícios fisioterápicos no período pós-operatório1,7.

CONCLUSÃO

A anquilose da ATM é uma doença originada por fibrose ou ossificação dessa articulação, limitando ou impossibili-tando a função mandibular. Geralmente ocorre por trauma na ATM, porém etiologias raras, como infecções do ouvido e tumores, podem originar essa doença. Os exames clínico e radiográfico estabelecem o diagnóstico dessa doença. O tratamento é cirúrgico, sendo a artroplastia simples sem interposição de material uma técnica que apresenta algumas vantagens. Fisioterapia intensa e precoce é necessária para a obtenção de bons resultados.

REFERÊNCIAS

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Trabalho realizado no Núcleo de Hospital Universitário “Maria Aparecida Pedrossian” da Fundação Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS. Artigo recebido: 10/10/2009 Artigo aceito: 7/12/2009