ano xxviii • nº 257 • abril 2018 • r$ 15,00 • ... · desmatamento da amazônia colombiana...

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Ano XXVIII • Nº 257 • Abril 2018 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Tasso Azevedo • Luiz Davidovich • Eduardo Gudynas • Carlos Joly Raquel Torres • Ildeu C. Moreira • Virgílio Viana • Cármen Lúcia ISSN 0104-0030

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Ano XXVIII • Nº 257 • Abril 2018 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro, José Mon serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo

Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Argentina: Ecosistema

Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão Gráfica Cruzado

Jornalista Responsável

Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas Anual: R$ 130,00

[email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21)2275-1490 [email protected]

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Capa: Fauna no artesanato popular brasileiro Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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América Latina se move e registra ousadas iniciativas ambientaisNo dia 29 de Janeiro deste ano, um grupo de 25 crianças e jovens colombianos, entre 7 e 26 anos,

impetrou no Superior Tribunal de Justiça em Bogotá uma ação judicial sobre “a mudança climática e as gerações futuras” exigindo a defesa de seus direitos a gozar de um ambiente saudável hoje ameaçado pelo desmatamento da Amazônia colombiana e seus efeitos no aquecimento do país. Essa petição gerou uma surpreendente decisão desse tribunal superior que ordenou a Presidência da República e todas as instâncias governamentais a elaborar um plano de ação imediato visando o desmatamento zero já em 2020. Pouco tempo depois, em 4 de Março, foi assinado na Costa Rica o “Acordo de Escazú” cujo objetivo é “garantir a implementação plena e efetiva na América Latina e o Caribe dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais, acesso à justiça e assuntos ambientais, contribuindo para a proteção dos direitos de cada pessoa, a viver num ambiente saudável e ao desenvolvi-mento sustentável”. Esse Acordo ajudará a esclarecer e a punir os culpados dos crimes cometidos contra os defensores dos direitos ambientais. Já no dia 17 deste mês (Abril) o Presidente do Peru, Martín Vizcarra, promulgou a Lei Marco da Mudança Climática. Com essa iniciativa, o Peru se transforma no primeiro país da América Latinas em ter uma Lei específica de combate às mudanças climáticas. A Lei fortaleceu o papel do Ministério do Meio Ambiente peruano e lançou as bases para que todos os investimentos oficiais ou não passem pelo crivo de um Relatório de Impacto Ambiental com foco no clima. Um dos pontos mais importantes da Lei é que especifica nos seus artigos que para atingir proteção e conservação das florestas, assim como para iniciar a recuperação das áreas desmatadas, a Norma requer a colaboração ativa das comu-nidades locais e dos povos indígenas. “O Estado salvaguarda o direito de participação dos povos indígenas ou originários, respeitando sua identidade social, coletiva e cultural, seus costumes, tradições e instituições, na formulação, implementação, seguimento e avaliação das políticas públicas e projetos de investimentos com relação à mudança climática que venha afetar essas ações, no que corresponde à Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. O México, por sua vez, que já dispõe de instrumentos jurídicos sobre as suas Contribuições Nacionalmente Determinas para o Acordo de Paris, quer produzir 43% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis até 2024, em apenas 6 anos. Tem 58 novas usinas planejadas, a maioria delas solares e o restante eólicas. Para esse fim, em Dezembro de 2017, inaugurou a usina solar Vilanueva localizada no deserto do Estado Coahuila. Com 2,3 milhões de painéis solares ocupará 2.400 hectares, o equivalente a 2.200 campos de futebol, no segundo semestre deste ano gerará mais de 1.700 GWh por ano, o suficiente para fornecer energia elétrica a 1,3 milhão de lares. Quando estiver totalmente em operação, Villanueva será a maior instalação fotovoltaica produtora de energia nas Américas. Esta central é parte do esforço do México para gerar 43% de sua eletricidade a partir de fontes limpas até 2024. O Chile, por sua vez, investiu nos últimos anos US$ 17 bilhões em energias renováveis, principalmente na central Amanhecer Solar no Deserto de Atacama. A usina conta com mais de 300 mil módulos de silício monocristalino, um material não tóxico e que é reciclável no final de sua vida útil. Essa política fez diminuir a conta de luz em 75%. Em outra frente, os países da América Central estão trabalhando para fortalecer sua infraestrutura elétrica gerada a partir de fontes renováveis. O Corredor de Energia Limpa, um projeto acordado em 2015 pelos governos do Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, São Salvador e Guatemala, usará uma rede elétrica baseada em energias renováveis de 1.800 km que atravessará quase todo o istmo centro-americano. Outra boa notícia é que o Congresso Nacional da Costa Rica aprovou uma Lei que bane os carros movidos à energia fóssil até 2035. Enquanto isso, o governo está financiado com juros muitos baixos a compra de carros elétricos. Como celebramos os 50 anos de Maio de 68, e homenageando esses bravos franceses, parafraseamos um dos seus inesquecíveis gritos de guerra: l’Amérique Latine bouge! América Latina se move!

4 Mario Mantovani - Equivalência ecológica não é jabuticaba 5 Luiz Davidovich e Ildeu de Castro Moreira - Carta à Ministra Cármen Lúcia 7 Tasso Azevedo - Moratória do desmatamento 8 Paula Drummond de Castro - Entrevista com Carlos Joly12 Bruno Toledo - Teste de ambição para o Acordo de Paris14 Leila Mead - Expectativas da Conferência APA 1-5 sobre Clima em Bonn16 Eduardo Gudynas - Corrupção e extrativismo18 Claudia Fonseca - Suprema Corte da Colômbia ordena proteção da Amazônia20 René Capriles - Peru faz primeira Lei do Clima da América Latina 22 Rudá Capriles - 2018: Ano Internacional dos Recifes de Coral (IYOR) 28 Virgílio Viana - O Papa Francisco e o futuro da Amazônia30 Jack Cushman - Mundo concorda em cortar emissões dos navios em 50%32 Monalisa Zia - Norma de turismo sustentável vai para aprovação da ISO34 Peter Moon - Prioridade para a conservação com o olho no passado36 Matthew Taylor - Holanda tem o primeiro supermercado sem plástico38 Alexandre Soares - Gorduras saturadas e trans matam 17 milhões por ano40 Raquel Torres - Transgênicos: expectativa do fim da rotulagem retoma debate48 José Monserrat Filho - Por que colonizar a Lua?50 Elmano Augusto - Dia da Caatinga é celebrado em 28 de Abril

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Nem tudo é retrocesso no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra recuos na proteção da vegetação nativa impostos pelo Novo Código Florestal. A corte acertou ao garantir que a falta de Reservas Legais em imóveis no meio rural será compensada em regiões com a mesma “identidade ecológica” na Mata Atlântica e nos demais biomas brasileiros.

O termo técnico significa, na prática, que essa compensação precisa acontecer em áreas semelhantes às que foram desmata-das. Afinal, locais ecologicamente idênticos são naturalmente impossíveis de se apontar. Por essas e outras que especialistas defendem que a redação “equivalência ecológica” tornaria a aplicação da lei mais clara e efetiva.

Detalhes à parte, a medida trará benefícios a todos, como assegurar ambientes para animais e plantas nativos, proteger fontes e cursos d’água, conter erosões e reduzir o transporte de poluentes para córregos e rios, além de manter vivas abelhas e outros polinizadores indispensáveis à agricultura.

Conforme a legislação flo-restal em vigor desde 2012, proprietários e posseiros rurais precisam recuperar cerca de 20 milhões de hectares de vegetação nativa. Desses, 16 milhões de hectares são de Reservas Legais – parcelas de verde que variam de 20% a 80% dos imóveis rurais. Além da compensação, a tão esperada regularização ambiental pode ser alcançada por meio de regeneração ou de recomposição das matas.

Todavia, sem a regra validada pelo Supremo, a compensação das Reservas Legais poderia se concentrar onde o hectare de terra é mais barato ou, justamente, nas regiões mais preservadas. Ou seja, a necessária recuperação do verde em áreas degradadas poderia ser empurrada para áreas preservadas, privando grandes parcelas do país de serviços ambientais.

Jean Paul Metzger | Doutor em ecologia de paisagens, Professor da USP e membro do Conselho da Fundação SOSMA

Mario Mantovani | Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Equivalência ecológica não é jabuticaba

Ferramenta usada em 40 países

Outra boa notícia é a de que a compensação por “identi-dade ecológica” não é nenhuma jabuticaba, que pensam só existir no Brasil. A ferramenta já é usada em quase 40 países, enquanto outros 22 a estão regulamentando, conforme balanço assinado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e Forest Trends.

Há pelo menos uma década, o tema frequenta as mesas, teses e os debates de pesquisadores, os quais concordam que é muito melhor manter as matas existentes do que tentar equilibrar suas perdas em outros locais. Mas, se não for possível driblar a compensação, que ela ocorra em áreas ecologicamente equivalentes e com o máximo de respeito à

biodiversidade.Uma fórmula possível para

que isso ocorra no Brasil de forma prática é compensar Reservas Legais ao menos dentro das cha-madas Regiões Biogeográficas. A Mata Atlântica tem 8 delas, onde vegetação, animais, solo, clima e relevo têm grande similaridade. Todavia, avançar no detalha-mento ecológico dos territórios garantirá compensações cada vez mais justas.

Seguir essa linha de atuação técnica e política pode qualificar a regulamentação e a emissão de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), importante instrumento econômico do Novo Código Florestal, melhor direcionar o arrendamento ou a compra de terras em outras propriedades ou, ainda, a doação de áreas em Parques Nacionais e outros tipos de Unidades de Conservação carentes de regularização fun-diária. Como se vê, não faltam motivos e capacidade técnica para que a compensação de Reservas Legais por equivalência ecológica se torne, finalmente, uma reali-dade, distribuindo benefícios a todos os brasileiros.

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A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviaram à Ministra Cármen Lúcia, em 9 de Abril (2018), uma carta sobre o Novo Código Florestal. No documento, as entidades esclare-cem o termo “ identidade ecológica”, citado na Lei, e ressaltam a importância da equivalência ecológica na compensação de Reservas Legais.

São Paulo-Rio de Janeiro, 09 de abril de 2018

Excelentíssima Senhora Ministra CÁRMEN LÚCIA Presidente do Supremo Tribunal Federal Brasília, DF.

Assunto: Por que a equivalência ecológica é

importante na compensação de Reservas Legais?

Senhora Ministra,

No dia 28 de fevereiro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) f inalizaram o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (ADINs) que questionavam a Lei n. 12.65, de 25 de maio de 2012, de prote-ção da vegetação nativa, também conhecida como Novo Código Florestal.

Dentre os pontos discutidos nesse julgamento, teve um que gerou muitas dúvidas: a compen-sação de reservas legais (RLs).

Segundo os ministros do STF, essa compensação deve sim ser feita em áreas situadas no mesmo bioma, como descrito na lei, e que, além disso, compartilhem a mesma “identidade ecológica”. Mas afinal, o que é “identidade ecológica” incluída nesta dis-cussão pelos ministros do STF e por que essa identidade é tão importante?

O termo “identidade ecológica” tem gerado certa confusão, pois muitos têm entendido que a compensação deveria ser feita em área exatamente “idêntica” à área degradada que deverá ser compensada. Obviamente, este não é o caso, pois não existem áreas absolutamente idênticas ambientalmente na paisagem. Essa identidade deve ser entendida como um conjunto de atributos abióticos (tipos de solos, relevo, clima) e bióticos (composição de espécies de fauna e flora), que caracterizam um determinado ambiente. O que se busca, segundo a proposição dos ministros do STF como “identidade ecológica”, é que a compensação seja feita em áreas que sejam similares no conjunto desses atributos abióticos e bióticos. Neste sentido, o termo técnico mais adequado para definir identidade ecológica seria “equivalência ecológica”. A compensação com equivalência é

aquela que é feita entre áreas que compartilham condições abióticas e bióticas similares.

Considerar a equivalência ecológica na compensação de RLs é muito importante por diversas razões, que ficam claras quando ela não é respeitada. Em função disto, deve-se parabenizar os ministros do STF por terem retomado essa discussão na revi-são da lei. No caso das RLs, na ausência de uma regra de equiva-lência, a tendência é que ocorra compensação preferencialmente onde o preço da terra é menor, ou onde há mais remanescentes de vegetação nativa, independente se esses remanescentes são similares ou não à área a ser compensada. Como consequência, haverá deslocamento nos esforços de conservação e de recomposição de cobertura nativa de áreas extensivamente exploradas para uso econômico e carentes de vegetação nativas para proteger os recursos naturais (solo e água) e a biodiversidade, para outras áreas em que a cobertura já existe e, em geral, é suficiente para garantir a preservação dos recursos naturais e da biodiversidade.

ABC e SBPC enviam Carta à Ministra Cármen Lúcia

Ildeu de Castro Moreira | Presidente da SBPC Luiz Davidovich | Presidente da ABC

Ministra Cármen Lúcia

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Assim, são mantidos e acentuados os contrastes de cober-tura vegetal no país, e mais que isto, protege-se apenas parte da diversidade biológica brasileira (aquela encontrada em áreas sem interesses econômicos diretos), perdendo a opor-tunidade de proteger os recursos naturais e biodiversidade nas paisagens onde o uso das terras é mais intensivo e esses recursos estão comprometidos. Essas paisagens vão então carecer dos serviços providos pela vegetação nativa que favo-recem o bem-estar humano, como redução do escoamento superficial de água, redução de transporte de poluentes para os rios, redução de processos erosivos e de assoreamento de rios, aumento da infiltração da água no solo, proteção de cultivos por meio do controle biológico de pragas, aumento na produtividade de culturas agrícolas pela garantia de poli-nização dessas culturas propiciada por espécies nativas que se abrigam nesses fragmentos naturais, entre outros. Se a equivalência ecológica for considerada, todos estes problemas serão consideravelmente amenizados. Como nesses casos a compensação ocorrerá em áreas com equivalência ecológica (identidade ecológica), que tendem a ser mais próximas das áreas degradadas, a vegetação nativa em RL seria melhor distribuída espacialmente, permitindo não apenas representar e proteger melhor a biodiversidade, como também distribuir de forma mais equilibrada e homogênea espacialmente, os serviços ecossistêmicos por ela providos.

A decisão dos ministros do STF de incluir esta discussão na revisão da lei ambiental está totalmente alinhada com uma tendência mundial. Em 2014, a compensação com equiva-lência (ou identidade) ecológica já era adotada por 39 países, com leis específicas para regulamentá-la, enquanto outros 22 países já caminhavam para essa regulamentação1.

A comunidade científica debate amplamente esta ques-tão há pelo menos uma década. Existe, inclusive, um termo específico para compensação com equivalência (offset), distinguindo o offset da compensação mais geral e flexível, sem a necessidade de equivalência. Segundo essa literatura, a compensação é um mecanismo bastante controverso e quanto menor a necessidade de compensar áreas (em geral, mantendo o que existe), melhor em termos ambientais.

No entanto, havendo a necessidade de compensar, há consenso que essa compensação deve ser feita em áreas equi-valentes, de forma a garantir um maior equilíbrio ecológico (melhor representatividade dos ecossistemas), além de respeitar princípios éticos básicos (todas as espécies e ecossistemas são importantes para um ambiente saudável; não é possível optar pela extinção de um em favor do outro).

No caso da lei de proteção da vegetação nativa, está claro que a compensação no âmbito do bioma não garante equivalência ecológica. Os biomas são muito heterogêneos e, portanto, a inclusão desta discussão de equivalência eco-lógica pelos ministros do STF foi muito oportuna. Na Mata Atlântica, por exemplo, existem pelo menos oito regiões biogeográficas, cada uma com suas espécies endêmicas, que são encontradas exclusivamente em cada uma dessas regiões. Isso significa que compensar uma área de RL degradada localizada na Mata Atlântica do Paraná ou de São Paulo na Mata Atlântica de Pernambuco não ajuda em nada a preservar as espécies da Mata Atlântica do Sudeste e muito menos a garantir o provimento de serviços ambientais (proteção de solo e água, polinização de culturas agrícolas, etc.) nessa região completamente carente desses serviços. Trata-se de uma compensação sem equivalência, o que é questionável em termos biológicos, ecológicos e mesmo éticos. O mesmo ocorre em todos os outros biomas. O Cerrado é composto por 22 ecorregiões, ou seja, por regiões que diferem em termos de clima, solo, relevo e biota. A Amazônia é dividida em 23 ecorregiões, a Caatinga em oito e os sistemas costeiros em nove. O complexo do Pantanal, apesar de ser um único bioma, é dividido em duas ecorregiões e em 11 sub-regiões (os diferentes “pantanais”), se forem considerados critérios de inundação e relevo. Enfim, compensar entre diferentes ecorregiões ou sub-regiões não assegura equivalência. Nesta linha de raciocínio, é necessário definir as ecorregiões ou sub-regiões onde será permitida a compensação com equi-valência ecológica dentro de um mesmo bioma, regiões essas que sejam mais similares e que permitam operacionalizar a compensação de RLs. Existem soluções técnicas relativa-mente simples para esta questão – o estado de São Paulo, em particular, está caminhando neste sentido, por meio de um grupo de trabalho que agrega governo, academia, sociedade civil e proprietários de terras, com resultados bem avançados e promissores para regulamentar essa compensação de RLs com equivalência ecológica.

Desta forma, é fundamental que a compensação de RL respeite critérios de equivalência ecológica, e que esse mecanismo se aplique a todas as alternativas de compensa-ção possíveis (como cota de reserva ambiental, contrato de servidão florestal, compensação por meio da compra de terras de mesma titularidade, ou compensação dentro de Unidades de Conservação), conforme previsto no artigo 66 § 5o da lei n. 12.651. Caso a equivalência fique restrita a apenas uma categoria, é muito provável que os caminhos alternativos e geralmente menos custosos (e menos relevantes, em termos ambientais e sociais) sejam escolhidos, desrespeitando os princípios básicos do artigo 225 da Constituição: a proteção de “processos ecológicos essenciais” e da “sadia qualidade de vida”.

Atenciosamente, Ildeu de Castro Moreira, Presidente da SBPC e Luiz

Davidovich, Presidente da ABCC/c: aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)

1 - Kerry ten Kate e Michael L. A. Crowe, (2014). Biodiversity Offsets: Policy options for governments. An input paper for the IUCN Technical Study Group on Biodiversity Offsets.

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As florestas são fundamen-tais para a manutenção das chuvas e o fluxo e qualidade da agua, a biodiversidade e cicla-gem de carbono e nutrientes. A atividade agropecuária por sua vez é fundamental tanto pela produção de alimentos e mate-riais quanto pela contribuição para a economia. Não podemos viver sem um ou outro.

Atualmente a agropecuária parasita as florestas e a vegetação nativa no Brasil. Todo ano centenas de milhares de hectares são desmatadas no Brasil para dar lugar a atividades agrope-cuárias. Mas não precisa ser assim.

Quase um terço do território brasileiro já foi desmatado para atividade agropecuária. São quase 270 milhões de hec-tares que representam a terceira maior área dedicada a esta atividade no mundo.

Deste total, 170 milhões de hectares são consideradas pastagens ativas (com produção continua) e 75 milhões de ha são dedicados aos cultivos agrícolas (soja, milho, laranja, cana etc.). Sobram 25 milhões de hectares de áreas degradadas, subaproveitas ou improdutivas.

Por outro lado, um passivo de 15 a 25 milhões de hectares de florestas e vegetação nativa a serem recuperados para sanear os déficits de reserva legal e áreas de preservação permanentes previstas no código florestal. A agricultura brasileira é a mais produtiva dos trópicos, porém o mesmo não ocorre com a produção pecuária. Hoje são 1,3 animais por hectare em média no país.

Moratória do desmatamentoTemos a tecnologia e as condições para dobrar esta lota-

ção para 2,6 animais por hectare em menos de uma década. Não é ciência de foguetes. Já existem diversas propriedades no Brasil que superam três cabeças por hectare sem confina-mento. Dobrando a produtividade média nacional é possível atender a demanda futura de produção e, ao mesmo tempo, liberar cerca de 40 milhões de hectares destinados para outras atividades.

Considerando o que esta hoje é subutilizadas e o que pode ser liberado pelos ganhos de produtividade na pecuária é possível atender as demandas de recuperação de passivos ambientais e aumento da produção de alimentos sem precisar desmatar mais nenhum hectare no Brasil, pelo contrário, é possível fazer tudo isso aumentando a base florestal com reflorestamento e revegetação de áreas degradadas prioritárias para conservação.

Já vimos que isso é possível. Em meados da década pas-sada foi aprovada a Lei da Mata Atlântica que praticamente proibiu o desmatamento no Bioma. Entre 2000 e 2016 a área agropecuária do Estado de São Paulo diminuiu quase 1 milhão de hectares enquanto a produção agrícola aumentou 50 por cento e cobertura florestal cresceu mais de 800 mil hectares. A restrição do desmatamento provocou um aumento da eficiência e da produtividade no uso das terras destinadas à agropecuária.

É hora o Brasil declarar uma moratória do desmata-mento em todo o país até 2030 e focar nos próximos anos na expressiva melhora da eficiência de uso do solo, aliando aumento de produção agropecuária e florestal com manu-tenção e recuperação da vegetação nativa e a reabilitação de áreas degradadas. É o jogo de ganha-ganha para sociedade, o Planeta e a economia.

Tasso Azevedo | Engenheiro florestal. Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas)

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Carlos Alfredo Joly é formado em Ciências Biológicas pela USP (1976), mestre em Biologia Vegetal pela Unicamp (1979), PhD em Ecofisiologia Vegetal pelo Botany Depart-ment – University of St. Andrews, Escócia/GB (1982) e pós-doc pela Universität Bern, Suíça (1994). É professor do Departamento de Botânica e atua nas áreas de ecofisiologia vegetal e conservação da biodiversidade, tendo publicado mais de uma centena de trabalhos em periódicos especializados, além de formar 26 mestres e 25 doutores. Editou 14 livros, entre os quais, Biodiversidade do Estado de São Paulo: síntese do conhecimento ao final do século XX, o atlas Inventário florestal da vegetação nativa do Estado de São Paulo e Dire-trizes para a Conservação e Restauração da Biodiversidade do Estado de São Paulo.

Foi um dos criadores e coordena o Programa Biota/Fapesp [http://www.biota.org.br/], e a Plataforma Brasileira de Bio-diversidade e Serviços Ecossistêmicos – BPBES [https://www.bpbes.net.br/]. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), foi condecorado com a Ordem do Mérito Científico. Ganhou os prêmios Henry Ford de Iniciativa do Ano na Área de Conservação, Ambiental von Martius da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, Muriqui da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e a Menção Honrosa do Prêmio Jovem Cientista do CNPq.

Cientista alerta para descompasso entre ciência e política e “retrocesso gigantesco” na política ambiental

“O Brasil passa por um gigantesco retrocesso no que diz respeito à nossa política ambiental”. A opinião é do biólogo Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e um dos primeiros membros do Painel Multidiscipli-nar de Especialistas (MEP) da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), órgão da ONU responsável por criar sínteses de conhecimento. Para Joly, referência nacional e internacional em programas de pesquisa em biodiversidade, há um descompasso entre os avanços do conhecimento científico e as decisões políticas do governo. Engajado em colocar a pesquisa científica como base para a tomada de decisão, Joly vai direto aos exemplos para fundamentar sua opinião, entre os quais o recente julgamento do Novo Código Florestal e a ausência do Itamaraty na 6ª Plenária da IPBES.

País despreza conhecimento científico sobre biodiversidade

Paula Drummond de Castro | Bióloga, Dra. em Política Científica e Tecnológica (Unicamp), atua na área de planejamento e avaliação de CT&I. Estuda Jornalismo - LABJOR Especial para o Jornal Unicamp

Com larga experiência na interface ciência e política, o cientista alerta para os riscos da apropriação política indevida dos espaços destinados à comunidade científica. Joly defende a construção de uma agenda política transetorial, integrada à política econômica, como caminho para avançar na con-servação da biodiversidade e na qualidade de vida no país. Prega também a necessidade – urgente – de mudanças nos hábitos de consumo individuais.

Na entrevista que segue, Joly avalia os resultados dos recém-aprovados relatórios da IPBES e analisa os avanços e retrocessos da política de preservação da biodiversidade no país.

No dia 24 de Março último, a IPBES, aprovou, na Colômbia, o Diagnóstico Regional das Américas. Quais os resultados que o Sr. considera mais relevantes para o país?

Esta foi a primeira vez que pudemos avaliar a ação siner-gética entre os vários vetores que destroem a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, em escalas nacional e continental. Ficou muito clara também a relação entre biodiversidade/serviços ecossistêmicos e a qualidade de vida das pessoas, área na qual até o momento tínhamos poucas informações, e estas eram, na sua grande maioria, fracionadas, pois apareciam em estudo de caso.

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Entrevista com Carlos JolyBiólogo. Foi um dos criadores do Programa Biota/Fapesp

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Outro ponto a destacar é que a pegada ecológica foi calculada para o continente como um todo, chegando ao resultado de 25% da pegada global, pois este era o objetivo deste diagnóstico. Mas, desta pegada continental, a América do Norte representa mais de 2/3, enquanto os demais países têm pegadas proporcionalmente menores. Isto ressalta a importância de os países tomarem este Diagnóstico Regional como base para fazerem seus Diagnósticos Nacionais, como a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossis-têmicos, a BPBES, está fazendo para o Brasil.

O Diagnóstico sobre Degradação e Restauração do Uso da Terra, aprovado na 6ª Plenária da IPBES, interessa ao Brasil?

O Diagnóstico tem um foco muito forte na degradação, e fala menos de restauração. Degradação está presente em todos os biomas e regiões brasileiras, mas é mais intensa em áreas onde a ocupação humana é mais antiga, como é o caso da Mata Atlântica. O Brasil possui 200 milhões de hectares de áreas degradadas, segundo dados do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Noventa por cento do compromisso do Brasil no Acordo do Clima de Paris depende de restauração e não temos uma política que monitore onde e quanto está sendo ou já foi restaurado. Temos boas iniciativas como o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, mas é preciso saber exatamente o que está sendo feito.

Em quais pontos o Brasil precisa avançar para incorporar estes resultados dos diagnósticos da IPBES?

Para avançar e conseguir de fato incorporar estes resul-tados, a política ambiental precisa sair do gueto setorial, que geralmente envolve apenas os ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovação, para se tornar uma política transetorial integrada à política econômica. Precisamos ter interlocutores nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, para aos poucos mudar o modelo de desenvolvimento do país e atender os compromissos internacionais como o Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis das Nações Unidas [https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/].

Em que medida o país já está avançado em termos de legis-lação? No que precisa melhorar?

Infelizmente, o Brasil passa por um gigantesco retrocesso no que diz respeito à nossa política ambiental. Além do fami-gerado “novo” Código Florestal que anistiou desmatadores, reduziu as Áreas de Preservação Permanente essenciais para a proteção dos recursos hídricos, e criou um comércio de compensação de áreas de Reserva Legal sem nenhum cri-tério de equivalência ecológica. Agora temos no Congresso uma legislação que enfraquece o processo de licenciamento ambiental [lei do licenciamento ambiental - PL 3729/04] e outro que pretende retirar a Amazônia das áreas onde é proibido plantar cana-de-açúcar [PLS 626/2011].

E no campo do conhecimento científico?

Sem dúvida já temos conhecimento científico para tomar-mos decisões melhores em relação à biodiversidade e serviços ecossistêmicos.

Os resultados do Programa Biota contribuíram para o aperfeiçoamento das políticas estaduais de meio ambiente. Mas, muitas vezes, o conhecimento científico não é levado em consideração porque há interesses econômicos e políticos que preferem ignorá-los para dar prosseguimento a uma política predatória de expansão incontrolável da fronteira agrícola. Foi o que aconteceu no caso do Código Florestal.

Tanto a IPBES quanto o SBSTTA (Subsidiary Body on Scientific, Technical and Technological Advice) da Convenção da Diversidade Biológica têm papéis semelhantes no sentido de trazer evidências científicas para a tomada de decisão no campo da conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. Quais são, em sua opinião, as diferenças entre estas duas instâncias?

O SBBSTTA foi criado pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) em 1992, pois não havia para a biodiver-sidade uma instituição equivalente ao IPCC [http://www.ipcc.ch/] – que foi criado em 1988 e adotado pela Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em 1992. Infelizmente, em vez de ser ocupado por cientistas responsá-veis por sintetizar o avanço do conhecimento científico para embasar decisões da CBD, ele foi ocupado por diplomatas e políticos sem a capacidade técnica para fazer estas sínteses. Consequentemente, o principal papel do SBSTTA hoje é definir a pauta da próxima COP.

A IPBES nasceu da incompetência do SBSTTA e para isso criou em sua estrutura um Painel Multidisciplinar de Experts (MEP) para coordenar a elaboração das sínteses, e a alta qualidade dos sete diagnósticos já produzidos – Polinização e Produção de Alimento, Cenários e Modelagem em Biodi-versidade e Serviços Ecossistêmicos, os quatro Diagnósticos Regionais (Américas, África, Europa/Ásia Central, Ásia/Oceania) e o de Degradação e Restauração – comprovam que isso deu certo. Preocupa, entretanto, a grande mudança de perfil que tivemos na composição do novo MEP durante a 6ª Plenária, porque muitos dos eleitos não são cientistas e sim políticos. Corremos o risco de, em alguns anos, o MEP se tornar igual ao SBSTTA.

Como tem sido a participação do Brasil na IPBES?

O Brasil teve protagonismo na criação do IPBES, trabalhou duro neste sentido em 2011 em Nairóbi e 2012 na Cidade do Panamá, desde o início esteve representado no MEP, inclusive co-coordenando os trabalhos nos primeiros anos, tem pesquisadores presentes em todas as Forças Tarefas do IPBES (Capacity Building, Indegenous and Local Knowledge, Conhecimento, Informação e Dados) e em todos os grupos de trabalho encarregados dos diagnósticos. Aliás, neste Relatório Regional, tínhamos 25 brasileiros participando. Mas, em função do desinteresse do Itamaraty pelo tema, certamente no futuro nossa participação será muito menor.

Como avalia o desempenho geral do IPBES desde a sua criação em 2012?

Neste último ano fizemos uma autoavaliação do IPBES. O secretariado, o bureau, as forças tarefas, os grupos de tra-balho e os pontos focais nacionais avaliaram o desempenho do IPBES.

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O resultado no geral foi muito positivo, algumas coisas definitivamente funcionaram muito bem – como a Força Tarefa de Capacity Building ter criado o Programa de Young Fellows para envolver pesquisadores no início da carreira nos Diagnósticos; as reuniões conjuntas do MEP-Bureau-Secretariado, que permitiu uma integração nas ações e nos posicionamentos; e a preparação do material para as reuniões plenárias, um esforço conjunto de todos incluindo os coor-denadores dos Diagnósticos. Algumas avançaram bastante, mas ainda têm que amadurecer.

O senhor poderia exemplificar?

A força-tarefa em conhecimentos indígenas e locais, por exemplo, conseguiu avançar na inclusão destes conhecimentos nos diagnósticos, mas precisa avançar para além dos estudos de caso e promover uma integração de fato entre diferentes sistemas de conhecimento. Outras precisam melhorar muito – por exemplo: as indicações que os Pontos Focais [países] fazem de especialistas para cada diagnóstico são totalmente desbalanceadas em termos de expertises – a enorme maioria tem background nas áreas biológicas e precisamos de mais gente das ciências sociais, incluindo economia, e das huma-nidades – e também de gênero (mais de 75% são homens); e a integração com os demais atores, tanto organizações da área científica como da área ambientalista, desta grande arena que a temática biodiversidade e serviços ecossistêmicos abrange.

O importante é que esta avaliação interna serviu para con-vencermos as delegações presentes na IPBES-6 da necessidade de uma avaliação externa por uma organização independente, tendo sido escolhido o International Council for Science/ICSU que acabou de se fundir com o International Social Science Council (ISSC). A fusão destas duas instituições garante que o IPBES será avaliado de uma forma balanceada entre as diferentes áreas do conhecimento.

Quais os principais desafios para o IPBES?

Eu acho que o principal desafio é não se tornar um novo SBBSTA. Falo isso porque fiquei decepcionado com a com-posição do novo MEP, melhoraram a participação feminina (agora 36% são mulheres), mas continua um desbalanço em expertises e já há alguns membros que, claramente, vem da representação de seus países no SBSTTA.

Outros desafios são: a) completar os Diagnósticos do 1º Programa de Trabalho que atrasaram (Espécies Invasoras, Diversificação na forma de valorar biodiversidade e serviços ecossistêmicos); b) uso sustentável de espécies silvestres); e c) definir um 2º plano de trabalho que dê continuidade às boas iniciativas (por exemplo a força-tarefa em capacitação profissional) e foque em temas novos mas extremamente relevantes, como a volta ou expansão [de estudos] das doenças transmitidas por vetores como malária, febre amarela, dengue, zika, chicungunha, sobre os quais pouca gente se dá conta da importância dos [da relação com] serviços ecossistêmicos para o combate e o controle. Enfim, vamos acompanhar a próxima plenária da IPBES-7, que será em Paris, em abril de 2019, para acompanhar o 2º Programa de Trabalho.

O que o cidadão comum pode fazer para ajudar a mudar o cenário de crise da biodiversidade, conforme atestam os diagnósticos da IPBES?

De todas as decisões da IPBES, esta é a parte mais difícil de ser implementada. O cidadão comum espera que gover-nos, e de certa forma também a iniciativa privada, tome as providências para consertar os rumos, para estabelecer um modelo econômico mais sustentável e garantir uma vida com melhor qualidade em um ambiente mais saudável. Faz isso sem perceber que o grande protagonista é ele. Que é mudando o seu comportamento, e estimulando outros a mudarem junto, que vamos sair deste padrão fortemente consumista que está exaurindo a capacidade suporte do planeta.

Coisas simples como economizar água, economizar energia elétrica (da redução do tempo no chuveiro, do tempo de ar condicionado ligado à substituição de lâmpadas comuns por lâmpadas de led), economizar combustíveis fósseis (dar prefe-rência para bicicleta para percorrer pequenas distâncias, usar combustíveis de fonte renováveis), não desperdiçar comida, reciclar tudo que for possível, ter uma dieta com uma menor pegada ambiental, reduzindo, por exemplo, o consumo de carne vermelha. Não utilizar corpos descartáveis e seus oni-presentes canudinhos plásticos. Não exigir ter sempre o último modelo de celular, iphone, ipad ou carro, optar por aumentar a vida útil de seus utensílios. Lógico que é preciso pressionar governos e a iniciativa privada por mudanças no nosso modelo de desenvolvimento, mas é preciso também chamar a si a responsabilidade e mudar os hábitos de vida.

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Nova rodada de negociações internacionais em torno do Acordo de Paris inaugura o “Diálogo Talanoa”, proposta de discussão política que visa aumentar o grau de ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões; agenda de trabalho será intensa até a Conferência de Katowice (COP 24), em Dezembro.

Faltando pouco mais de dois anos para entrar totalmente em vigor, o Acordo de Paris ainda não possui um “mapa do caminho” para concretizar os diversos objetivos assumidos pelos países para enfrentar a mudança do clima ao longo deste século. As incertezas quanto à sua implementação se somam a uma questão crucial para o sucesso do Acordo: os compro-missos nacionais de redução de emissões de carbono inscritos atualmente no texto estão longe de garantir a viabilidade de sua principal meta – conter o aumento da temperatura média global entre 1,5 e 2 graus Celsius com relação aos níveis pré-Revolução Industrial até 2100.

Negociadores de todo o mundo deverão enfrentar essas questões a partir do dia 30 deste mês (Abril), quando a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) iniciará mais uma rodada de con-versas preparatórias em Bonn, Alemanha. Este encontro visa preparar o terreno político para a construção de entendimen-tos efetivos sobre esses problemas durante a Conferência do Clima de Katowice (COP-24), que acontecerá na Polônia em Dezembro deste ano.

Teste de ambição para o Acordo de Paris

Bruno Toledo | Pesquisador do GVces e colaborador da PÁGINA22

Diálogo Talanoa e o desafio da ambição

O encontro intersessional de Bonn inaugurará o Diálogo Talanoa, uma proposta de negociação desenhada pelo governo de Fiji (que liderará a reunião de Bonn por ter presidido a última Conferência do Clima, a COP-23, em Novembro passado na mesma cidade) para viabilizar a elevação do grau de ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões antes do Acordo de Paris entrar em vigor, em 2020. Inspirado em costumes tradicionais de compartilhamento de histórias, ideias e capacidades entre as pessoas, o Talanoa propõe um diálogo participativo e transparente, com a presença de representantes dos diversos governos, cidadãos, empresas.

O Diálogo Talanoa é organizado em torno de 3 questões: 1) onde estamos; 2) onde queremos ir; e 3) como chegamos até lá. Governos e sociedade civil foram convidados a submeter inputs sobre o processo, que foram compilados pelo secretariado da UNFCCC em documentos que serão trabalhados durante a sessão de Bonn. A esperança é que o desenho diferente desse Diálogo logre o sucesso que iniciativas similares no passado não tiveram. “Diálogos anteriores dessa natureza, como o diálogo facilitativo sobre ação pré-2020, viram as Partes ignorarem em grande parte as contribuições dos especialistas da sociedade civil e falharem em revisar seus compromissos. No entanto, existe uma determinação entre países em desenvolvimento e sociedade civil de usar o Diálogo Talanoa para ter uma con-versa significativa sobre o que se constituem esforços justos e adequados, e traduzir isso num aumento concreto de ambição”, aponta a Climate Action Network (CAN), rede de ONGs que acompanha as negociações do clima.

A questão da ambição dos compromissos é central para que o Acordo de Paris possa ter algum efeito prático para conter mudanças mais radicais no clima. A janela de oportunidade para manter o aquecimento em 1,5 grau Celsius, um ponto caro para pequenos países insulares – que são ameaçados não apenas pela elevação do nível do mar, mas também pela intensificação de tempestades tropicais e a salinização de fontes de água doce potável – diminui a cada ano e pode se tornar inviável antes mesmo do Acordo de Paris entrar em vigor.

“Será preciso um esforço sem precedentes de governos, atores não-governamentais e cidadãos para manter a elevação da temperatura global abaixo de 1,5 grau Celsius”, diz Manuel Pulgar-Vidal, líder do programa de clima e energia do WWF International e ex-Negociador-Chefe do Peru durante a Con-ferência do Clima de Lima (COP-20), em 2014. “É por isso que 2018 precisa ser o ano para intensificarmos nossa ação climática. Não podemos mais nos dar ao luxo de continuar fazendo as coisas no ritmo e escala que estamos fazendo. Agora precisamos de táticas incomuns de negócio para aumentar drasticamente nossos esforços para reduzir as emissões”.

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O Diálogo Talanoa transcorrerá ao longo dos próximos meses e será concluído na COP-24 com um relatório final da Presidência da Conferência, quando se espera que os represen-tantes presentes no segmento de alto nível deverão sinalizar o reforço de seus compromissos nacionais até 2020.

“Livro de Regras” para o Acordo de Paris

Outro ponto importante na agenda dos negociadores em Bonn a partir do dia 30 deste mês (Abril) é a estruturação de um conjunto comum de diretrizes de implementação para o Acordo de Paris – o chamado “Livro de Regras”. No ano passado (2017), na COP-23, os países conseguiram chegar a um entendimento sobre uma estrutura básica para esse docu-mento, a ser desenhada com mais detalhamento ao longo do ano de 2018 para ser confirmada durante a Conferência de Katowice, na Polônia, em Dezembro deste ano.

Um dos propósitos do encontro intersessional convocado em Bonn é esboçar uma proposta mais substancial para esse “Livro de Regras”, versando sobre questões como com-parabilidade, transparência e prestação de contas, além de monitoramento, relato e verificação das metas nacionais de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) dentro do Acordo de Paris.

As discussões sobre esse ponto acontecerão no âmbito do grupo de trabalho sobre o Acordo de Paris (APA). Para os co-presidentes desse grupo, as discussões estão “no caminho” para viabilizar o cumprimento do mandato para a definição dessas diretrizes, mas a complexidade dos tópicos exige que o ritmo das negociações seja acelerado a partir do encontro de Bonn. A ideia dos negociadores-chefes é que as conversas das próximas semanas sedimentem uma base textual para ser trabalhada ao longo das próximas rodadas de negociação, para ser finalizada na COP-24.

Polônia, uma liderança inconveniente

O encontro de Bonn marcará também a estreia do Governo da Polônia na condução dos trabalhos de negociação, em parceria com a liderança de Fiji. Anfitrião de mais uma Conferência do Clima, o país do Leste Europeu tem gerado preocupação internacional nos últimos meses por conta de ações políticas e legais que vem sendo tomadas por seu governo contra a sociedade civil em diversos temas, especialmente meio ambiente.

No final de Janeiro, o presidente polonês Andrzej Duda sancionou uma Lei que determina uma série de medidas para “garantir a segurança e a ordem pública” durante a COP-24. Dentre as ações, a legislação inclui a proibição de reuniões públicas em Katowice durante a realização da Conferência. A Lei também determina que apenas manifestações previa-mente registradas e autorizadas pela administração local poderão ser realizadas na cidade. Para tanto, as autoridades terão o poder de coletar, obter, processar e usar informação, incluindo dados pessoais sobre as pessoas registradas como participantes na COP-24, ainda que sem seu conhecimento e consentimento efetivo.

Para organizações da sociedade civil, a Lei viola direitos humanos e liberdades fundamentais garantidas por compro-missos regionais e internacionais e se insere em um cenário de confronto acentuado entre autoridades governamentais e organizações ambientalistas nos últimos anos na Polônia.

A incógnita da COP-25

Uma incerteza persiste quanto à sede da 25ª Conferência das Partes (COP-25) da UNFCCC, que acontecerá no final de 2019. Em tese, seguindo a tradicional rotatividade continental, o encontro do próximo ano deveria acontecer na região da América Latina e no Caribe, que recebeu sua última COP em 2014, na cidade de Lima, Peru (COP-20).

Durante a COP-23, em Novembro passado, o governo brasileiro apresentou sua candidatura para hospedar a Con-ferência do Clima pela primeira vez na história. No entanto, problemas internos no grupo representativo dos países da região (GRULAC) inviabilizaram uma decisão ainda durante a Conferência passada. A expectativa era de que as conversas regionais avançassem nos primeiros meses de 2018 para que houvesse alguma sinalização quanto ao país-sede da COP-25 já durante o encontro intersessional de Bonn.

O principal obstáculo para a candidatura brasileira é a Venezuela, país com o qual o Brasil vem tendo diversos problemas diplomáticos desde 2016, na esteira da mudança do Governo de Dilma Rousseff para o de Michel Temer. Nos últimos dois anos, o isolamento diplomático de Caracas aumentou consideravelmente, resultando em sua suspensão no Mercosul. Como a decisão do GRULAC precisa ser con-sensual, o governo venezuelano vem bloqueando as tratativas sobre a candidatura brasileira dentro do grupo. Na última semana, Caracas confirmou formalmente que não irá apoiar a opção do Brasil para a COP 25, o que (em tese) viabiliza uma decisão favorável ao País.

Considerando a fragmentação política vivida dentro do GRULAC, o antagonismo venezuelano com diversos países da região e a falta de candidaturas alternativas à brasileira, um caminho possível para resolver esse problema será a UNFCCC “pular” a América Latina e o Caribe no calendário de con-ferências, encaminhando a realização da COP-25 para um país da Europa Ocidental. No entanto, isso provavelmente será definido apenas durante a Conferência de Katowice, no final de 2018.

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Os Co-Presidentes do Grupo de Trabalho Ad Hoc da UNFCCC sobre o Acordo de Paris (Ad Hoc Working Group on the Paris Agreement - APA) divulgaram uma nota de reflexão sobre a quarta parte da primeira sessão do Grupo (APA 1-4) com o objetivo de facilitar os preparativos para a APA 1-5, destacando que as deliberações durante a APA 1-4 permitiram às Partes a transição de amplos debates concei-tuais para discussões técnicas mais específicas e a elaboração de elementos substantivos. A APA 1-5 se reunirá durante a Conferência sobre Mudança Climática da ONU em Bonn, Alemanha, de 30 de Abril a 10 de Maio de 2018.

Em sua nota de reflexão, os Co-Presidentes ressaltam que a transição para discussões mais específicas se reflete, principalmente na crescente maturidade de notas informais sobre os itens da agenda da APA, e mais clareza sobre opções e vínculos, fornecendo uma “base sólida e boa” para avançar as negociações em 2018.

Os Co-Presidentes expressam confiança de que a APA está “no caminho certo” para cumprir seu mandato, mas reco-nhecem que, dada a “amplitude e complexidade” dos tópicos, o ritmo de trabalho deve ser significativamente aumentado. Assim, eles pedem a transição de pontos e elementos subs-tantivos para narrativas textuais completas, enfatizando que 2018 é o último ano de negociações do Programa de Trabalho do Acordo de Paris (PAWP).

A fim de completar o trabalho da APA em tempo hábil, a nota pede a produção de uma base acordada para negocia-ções que possam ser trabalhadas, através de iterações, até o final do mandato da APA na 24ª sessão da Conferência das Partes (COP 24) à UNFCCC em Katowice, Polônia, em Dezembro de 2018. Entre outras questões, a nota pede um foco em delinear opções claras para orientação adicional sobre os recursos do NDC.

Expectativas da Conferência APA 1-5 sobre Clima em Bonn

Leila Mead | Especialista em Mudanças Climáticas e Energia Sustentável do IISD

Os co-presidentes indicam sua intenção de continuar usando notas informais para registrar o progresso com o objetivo de desenvolvê-las em direção a textos que reflitam propostas substantivas e opções relacionadas para que as Partes possam ver o quadro completo e negociar de forma eficaz.

A nota de reflexões descreve os progressos feitos até agora em cada item da agenda e expectativas para cada um na APA 1-5. Sobre orientações adicionais relativas à seção de mitigação da decisão 1/CP.21 (adoção do Acordo de Paris), a nota apela especialmente a um enfoque na definição de opções claras para orientação adicional sobre as características das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs); sugere que se avalie como os elementos de diferentes opções em matéria de informação podem ser organizados melhor e expressos de forma mais sucinta; e enfatiza na necessidade de uma exploração detalhada de como operacionalizar a contabilização das NDCs.

Em orientação adicional relacionada à comunicação de adaptação, a nota declara que, ao desenvolver os elementos preliminares, as Partes podem desejar, principalmente, deter-minar como refletir os pedidos para desenvolver orientações comuns aplicáveis a qualquer veículo escolhido por uma Parte para transmitir sua comunicação de adaptação, bem como orientação específica do veículo, quando necessário. Também menciona ligações que são importantes para o trabalho de comunicação de adaptação: à comunicação de informações sobre apoio; ao quadro de transparência; e ao estoque global (Global Stock Take - GST).

Sobre Modalidades, Procedimentos e Diretrizes (Moda-lities, Procedures and Guidelines - MPG) para a estrutura de transparência para ação e apoio, a nota explica que novos avanços podem ser feitos abordando aspectos como: garantir que a natureza jurídica de várias disposições do Acordo de Paris seja refletida com precisão nos MPGs; discutir exemplos específicos que possam informar o desenvolvimento de pro-visões para dar aos países em desenvolvimento a flexibilidade de que necessitam dadas as suas capacidades; e esclarecendo ligações a outros itens da agenda.

Em assuntos relacionados ao GST, as notas explicam que as Partes podem querer considerar o desenvolvimento de elementos textuais sobre patrimônio, identificando pontos em comum em posições e combinando elementos sob os vários blocos de construção, e esclarecendo as diferenças remanescentes e expressando-as como opções sob os blocos de construção. Sobre as modalidades e procedimentos para o funcionamento eficaz do comitê para facilitar a implementa-ção e promover a conformidade, a nota explica que as Partes precisarão, principalmente, refletir mais sobre as opções para o escopo do trabalho do comitê, e discutir as ligações, incluindo aquelas para arranjos de apoio.

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Nos últimos meses ficou evidente que na América do Sul várias das grandes aventuras extrativistas ficaram envoltas em tramas de corrupção. Casos como os da Petrobrás no Brasil ou da mineradora SQM no Chile chegaram às manchetes da imprensa e desencadearam sérias consequências políticas dentro e fora de cada país.

Imediatamente surge todo tipo de perguntas: quais são as relações entre os distintos extrativismos e a corrupção? Como se organizam essas redes de corrupção? Quem são os principais participantes? Quais são as consequências mais visíveis?

Uma análise deste tipo se faz no livro “Extractivismos y Corrupción” (ainda sem edição em português), de minha autoria, lançado num Simpósio da CooperAcción, em Lima, Peru, em Outubro de 2017. Entre os resultados da pesquisa realizada e apresentados no livro, se destaca que foram encontrados casos de corrupção em todas as variedades de extrativismos, cobrindo todas as suas possíveis manifestações (mineradoras, petroleiras, agrícolas, florestais, pesqueiras etc.). Nenhum tipo de aproveitamento de recurso natural parece a salvo.

Da mesma maneira, existem casos em todos os países sul-americanos, sem exceção, incluindo aqueles que mostram os melhores indicadores frente à corrupção. É a situação do Chile, que possui ótimos registros de transparência e forta-leza, mas nos últimos anos viveu sérios casos de corrupção em torno dos extrativismos (incluindo pagamentos ilegais de mineradoras a congressistas de todos os partidos, tráfico de influência na reforma dos royalties, irregularidades com a Lei de Pesca e escandalosas manipulações no Fundo do Cobre controlado pelos militares).

Eduardo Gudynas | Analista do Centro Latino Americano de Ecologia Social (CLAES)

Corrupção e extrativismo

Esse e outros achados se ilustram no livro “Extrativismos e Corrupção”, que segue uma metodologia que respeita dife-rentes critérios. Por um lado, só se levaram em conta os casos confirmados por processos judiciais ou que contam com clara evidência a respaldar, para não entrar nas controvérsias sobre denúncias em andamento. Por outro lado, o foco não está posto na individualização da culpa, mas na compreensão de como funciona essa relação entre extrativismo e corrupção.

Nos extrativismos se encontram diferentes práticas de corrupção, como por exemplo, subornos para ganhar conces-sões de jazidas de minério ou petróleo; propinas para mudar a avaliação de impacto ambiental; abuso de poder para ocultar impactos ecológicos; ou ainda tráfico de influência que ampara violência contra as comunidades locais.

Sem dúvida, nem todos os empreendimentos extrativistas estão cercados de corrupção, mas tampouco se pode negar que se possam dar muitos exemplos. Com efeito, existem casos que alcançam todas as fases dos extrativismos, desde as primeiras etapas de prospecção e exploração, passando à exploração do recurso natural, até os momentos finais de abandono do projeto. Da mesma maneira, registram-se casos nos próprios locais de exploração, como nas obras de infra-estrutura necessárias (como acontece com a corrupção em contratos de estradas e rotas de acesso aos empreendimentos), assim como no controle do dinheiro que resulta deste tipo de aproveitamento dos recursos naturais.

Ainda assim, encontramos casos de corrupção extrativista sob os mais diversos modos de acesso a recursos naturais e propriedade empresarial, tanto nas privadas como estatais, mistas ou até cooperativas.

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Por isso, é um problema que toca tanto governos con-servadores como progressistas. A corrupção nos processos extrativistas opera tanto no terreno da ilegalidade, sem dúvida mais evidente, como também das chamadas “alegalidades” (Nota: em espanhol “alegal” significa “não regulado, nem proibido”). Esse conceito é útil e importante, já que ilustra os casos onde se cumprem as formalidades das normas, mas se aproveitam de suas brechas ou limitações para conseguir benefícios que têm consequências contrárias ao sentido das normas.

Os exemplos mais conhecidos são as empresas que tiram vantagens de tais limitações para pagar poucos impostos ou sonegá-los. Algo similar se observa no terreno ambiental, já que há empreendimentos extrativistas que atendem as for-malidades, mas se aproveitam, por exemplo, da ausência de regras adequadas, com o que persistem impactos ambientais que supostamente a Lei esperava controlar. A pesquisa mostra que a corrupção aparenta operar para ampliar o campo das “alegalidades”.

Podemos assinalar que é comum que a corrupção nos extrativismos se organiza em redes, onde podem atuar diversos agentes, e que entre eles flui não só dinheiro, mas também informações e relações de poder. Como em alguns setores extrativistas, os investimentos e lucros são enormes, esse dinheiro é um butim suculento para os interessados em práticas corruptas.

Algumas destas redes podem alcançar uma grande com-plexidade, como mostra o caso Petrobrás no Brasil. Nesta empresa, o dinheiro do sobrepreço se encaminhava por diferentes gerências que correspondiam a diferentes partidos políticos, revelando-se como mecanismos de arrecadação. A arquitetura financeira era muito complicada, mas precisa.

Por exemplo, a articulação da petroleira com a Odebrecht incluía cinco subsidiárias que operavam em pelo menos sete países, envolvendo centenas de pessoas. As regras estavam claríssimas, todos sabiam as porcentagens que recebiam dos intermediários, os operadores e partidos. Tudo isso se manteve em funcionamento por anos, o que mostra que contava com uma forte cobertura política.

Quando se examinam os atores participantes em diferentes casos de corrupção, em todo o continente, aparece uma grande diversidade. Contam-se diretores e gerentes de empresas, políticos (tanto os que ocupam postos dentro de um governo como em empresas estatais, como também os legisladores). Existem redes onde atuam, por exemplo, jornalistas que traficam informação, acadêmicos que distorcem estudos de impacto ambiental ou ordenamentos territoriais, polícias e forças de segurança envolvidas na repressão violenta, e até integrantes de organizações cidadãs.

Com efeito, possivelmente um dos resultados mais pre-ocupantes da pesquisa foi encontrar casos de corrupção nos extrativismos que envolvem líderes camponeses e indígenas. Alguns são muito conhecidos (como o pedido de “lentilhas” pra manipular o protesto cidadão contra o projeto Tía María) e outros são menos, mas talvez mais graves, como o derreti-mento do “Fundo Indígena” na Bolívia. Este dividia dinheiro obtido através dos hidrocarbonetos administrado diretamente por delegados de organizações camponesas e indígenas, que terminou em um escândalo, com dois ministros e dirigentes presos, sem que se soubesse o destino de aproximadamente 150 milhões de dólares, ainda que em alguns casos existam evidências de destinação eleitoral.

Erodindo a democracia, comprometendo os direitos

Essas e outras dinâmicas mostram que a corrupção nos extrativismos penetra nos diferentes âmbitos da vida política e social. As análises convencionais ressaltam seus impactos econômicos, tais como impostos que não se pagam ou perda de eficiência. Mas essa pesquisa também deixa claro que a corrupção impacta em outros âmbitos, como os mecanismos democráticos essenciais, desde o impedimento de acesso à informação até a anulação da igualdade entre os partidos que disputam eleições. Há também perdas ecológicas e fragmen-tação territorial que se amparam na corrupção. Todos esses exemplos mostram que no fim das contas o que se deterioram são as políticas públicas.

A situação mais alarmante está ali onde a corrupção nos extrativismos chega a atacar os direitos humanos. Há casos que mostram que se apela a isso, por exemplo, para amparar a criminalização das disputas cidadãs ante os extrativismos, enquanto outros casos assinalam tráfico de influências para dar impunidade a forças de segurança que assassinaram manifestantes.

O livro conclui com uma mensagem de alerta. Os extra-tivismos, especialmente aqueles de terceira ou quarta geração (como a megamineração, o fracking ou a exploração petroleira em áreas tropicais), por sua própria natureza, oferecem muitos espaços para a corrupção, em especial aquela onde se articulam vantagens empresariais e interesses político-partidários. Assim, o que fica em risco, sem dúvida, são as perdas ecológicas e as condições da vida, assim como a força das políticas públicas, mas também se arrisca a qualidade de nossas democracias e a garantia dos direitos humanos.

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Após conhecer o alarmante aumento de 44% no des-matamento da região amazônica colombiana – de 56.952 hectares em 2015 passou para 70.074 em 2016 – e perceber que o Governo não enfrentou eficientemente esta problemática ambiental, a Corte Suprema de Justiça ordenou à Presidência da República e às outras autoridades nacionais, regionais e municipais envolvidas nesta responsabilidade, adotar um plano de ação de curto, médio e longo prazo para proteger a Amazônia Colombiana.

Entre as ações ordenadas, a Sala de Casación Civil orde-nou a elaboração do “Pacto Intergeneracional pela Vida do Amazonas Colombiano (PIVAC)” para reduzir a zero tanto o desmatamento quanto os Gases de Efeito Estufa, a incorpo-ração de componentes de preservação ambiental nos planos municipais de ordenamento territorial, e a execução efetiva de medidas policias, judiciais e administrativas por parte das três corporações autônomas regionais com jurisdição no território amazônico.

Suprema Corte da Colômbia ordena proteção da Amazônia

Claudia Fonseca | Jornalista da Corte Suprema de Justiça da Colômbia

No estudo divulgado para conceder a tutela dos direitos a dispor de um ambiente saudável, de um grupo de 25 crianças, adolescentes e jovens representados pelo Diretor do Centro de Estudios Dejusticia, a Corte Suprema estabeleceu que o Governo colombiano não atacou eficientemente a questão do desmatamento na Amazônia, apesar de ter assinado numerosos compromissos internacionais e de dispor no país de suficiente normatividade e jurisprudência sobre a matéria.

Segundo a decisão, adotada pela maioria da Sala de Casación Civil, as Corporações Autônomas Regionais (CAR) não estão cumprindo suas funções de analisar, controlar e monitorar os recursos naturais, nem condenar a violação de normas de proteção ambiental. O desmatamento acontece em lugares sob a tutela do sistema de Parques Nacionais Naturais da Colômbia (PNN); Estados como Amazonas, Caquetá, Guaviare e Putumayo também não cumprem as normas de proteção ambiental, e os municípios da região registram altos níveis de desmatamento sem responder a essa situação.

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Com esses e outros elementos de juízo proporcionados mediante pesquisas realizadas pelo Instituto de Hidrología, Meteorología y Estudios Ambientales (IDEAM) e pelo próprio Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a Corte identificou o nexo causal entre o des-respeito aos direitos fundamentais dos acionantes da tutela e das pessoas em geral, com a mudança climática gerada pela redução da cobertura florestal, causada pela expansão da fronteira agrícola, os narco-cultivos, a mineração ilegal e o desmatamento ilícito.

“Os mencionados fatores geram diretamente o desma-tamento da Amazônia, provocando a curto, médio e longo prazo, um prejuízo iminente e grave para as crianças, ado-lescentes e adultos que entraram com esta ação, e em geral, a todos os habitantes do território nacional, tanto para as gerações presentes quanto para as futuras posto que gera descontroladamente a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, produzindo o denominado Efeito Estufa, o qual transforma e fragmenta ecossistemas, altera os recursos hídricos e, consequentemente afeta severamente o fornecimento de água nos centros povoados além de levar à degradação dos solos. Por tanto, visando proteger esse ecossistema vital para o futuro global, tal como a Corte Constitucional declarou o Rio Atrato, se reconhece a Amazônia Colombiana como uma entidade, ‘sujeito de direitos’, titular de proteção, con-servação, manutenção e restauração a cargo do Estado e das entidades territoriais que a integram”, informa a sentença da Sala de Casación Civil.

Em conclusão, a Corte Suprema de Justiça percebeu que o governo nacional e as autoridades locais e regionais não estão cumprindo adequadamente com os compromissos adquiridos para resguardar a Amazônia.

Por isso, resolveu ordenar à Presidência da República, ao Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e ao Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural para que, em coordenação com os setores do Sistema Nacional Ambiental, e a participação dos acionantes, as comunidades afetadas e a população interessada em geral, dentro dos qua-tro meses seguintes à notificação da sentença, formulem um plano de ação de curto, médio e largo prazo, que combata a taxa de desmatamento na Amazônia, com o qual se faça frente aos efeitos da mudança climática.

Ordenar às anteriores autoridades a elaboração num prazo de cinco meses, com a participação ativa dos tutelantes, as comunidades afetadas, organizações científicas, grupos de pesquisas ambientais, e a população interessada em geral, a formulação de um “pacto intergeneracional pela vida do amazonas colombiano - PIVAC”, no qual se adotem medidas encaminhadas a reduzir a zero o desmatamento e as emissões de gases Efeito Estufa, o qual deverá contar com estratégias de execução nacional, regional e local, de tipo preventivo, obrigatório, corretivo, e pedagógico, dirigidas à adaptação às mudanças climáticas.

A Corte Suprema de Justiça também exigiu em sua sentença que todos os municípios da Amazônia colombiana realizem, num prazo máximo de cinco meses, a atualização e implementação dos Planos de Ordenamento Territorial, no pertinente, que deverão conter um plano de ação de redução a zero do desmatamento nos seus territórios, o qual abarcará estratégias mensuráveis de tipo preventivo, obrigatório, corretivo, e pedagógico, dirigidas à adaptação às mudanças climáticas.

Além disso a justiça colombiana ordenou à Corporación para el Desarrollo Sostenible del Sur de la Amazonía (Cor-poamazonia), à Corporación para el Desarrollo Sostenible del Norte y el Oriente Amazónico (CDA), e à Corporación para el Desarrollo Sostenible del Área de Manejo Especial La Macarena (Cormacarena) que realizem, num prazo de cinco meses, no que compete à sua jurisdição, um plano de ação que combata mediante medidas policias, judiciais ou administrativas, os problemas do desmatamento informa-dos pelo Instituto de Hidrología, Meteorología y Estudios Ambientales (IDEAM).

Adicionalmente, no que abrange às suas faculdades, todos os organismos envolvidos terão que, em um prazo máximo de 48 horas seguintes à notificação da sentença, incrementar as ações e projetos que objetivem a mitigação do desmatamento. E apresentar com mensagem de urgência as denúncias e pleitos perante as entidades administrativas e judicias correspondentes.

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Peru faz primeira Lei do Clima da América Latina

René Capriles | Editor da Revista ECO•21

Ela destacou que a Lei agora promulgada tem como principal objetivo estabelecer as disposições gerais para o planejamento, execução e monitoração das políticas públi-cas sobre adaptação às mudanças do clima e à redução das emissões de Gases de Efeito Estufa.

“Temos um dos países com maior diversidade biológica do mundo, com uma riqueza extraordinária e esta Lei nos demonstra que, quando queremos trabalhar juntos, podemos fazê-lo; a mudança climática tem que nos unir. A partir de agora, toda vez que formos pensar em investimentos devemos pensar de forma sustentável. Temos que trabalhar no plane-jamento do que queremos, necessitamos um investimento bem pensado para aproveitar, por exemplo, a água de chuva nas regiões mais distantes e sermos capazes de ser um país resiliente”, disse a Ministra.

A assinatura desta Lei aconteceu no Palácio de Governo, em Lima, e contou com a presença do Presidente do Con-selho de Ministros, César Villanueva; a Ministra do Meio Ambiente, Fabiola Muñoz; os Governadores de todo o país; e o Presidente da Comissão dos Povos Andinos, Amazóni-cos e Afro-Peruanos, Ambiente e Ecologia do Congresso da República, Marco Arana.

Após o Peru ter sediado a COP-20 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Novembro de 2014, a terça-feira 17 deste mês (Abril) ficará marcada na história jurídica da América Latina, em termos de legislação ambiental, porque nesse dia o Presidente do Peru, Martín Vizcarra, promulgou, no Palácio de Governo, em Lima, a Lei Marco da Mudança Climática.

Dessa forma, o Peru se converteu no primeiro país da América do Sul em contar com uma norma específica após o Acordo assinado em Paris em 2016. “Com esta Lei o Peru assume um firme compromisso climático e se soma ao esforço de outros países da América Latina e do mundo em dispor de iniciativas legislativas sobre o tema”, expressou o Chefe do Estado, após assinar o documento.

Certamente é um passo para a frente. “Levando em con-sideração que do total de desastres registrados no país, 67% estão relacionados com o clima, de acordo com o levantamento do Ministério do Meio Ambiente, o Peru não poderia adiar, ainda mais, o estabelecimento de uma política clara para fazer frente às mudanças climáticas e começar a reduzir a vulnerabilidade a que já se encontra exposta sua população”, disse a Ministra do Meio Ambiente, Fabiola Muñoz.

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A Ministra do Ambiente, Fabíola Muñoz Dodero, o Presidente do Conselho de Ministros, César Villanueva Arévalo e o Presidente do Peru,Martín Vizcarra

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E mais, o MINAM será o responsável de informar ao Congresso e em nível multilateral a outros países, os avanços em função do enfoque da prioridade do componente mudança climática. “O Peru assumiu compromissos e estamos traba-lhando para poder cumpri-los”, esclareceu Rosa Morales. De acordo com o procedimento, uma vez promulgada a Lei se espera a regulamentação desta norma. No regulamento, que deverá estar pronto num prazo de 120 dias, isto é, em Julho próximo, estarão detalhados todos os aspectos específicos para sua aplicação.

A Ministra disse ainda que “necessitamos investimentos sustentáveis, pontes que não desabem, estradas que não sejam afetadas pelos impactos, que a nossa costa não seja tão atin-gida pela violência das tormentas, que os agricultores possam produzir e mudar seus plantios de acordo com o clima”. Consultada sobre como o cidadão comum pode contribuir para a mitigação, ela disse que “cada um, no seu lugar, pode ajudar consumindo menos água e energia, usando bicicletas, usando menos elevadores, gerando menos lixo e exigindo das autoridades municipais políticas mais ecoeficientes”.

Números do impacto ambiental no Peru

Hoje há 5,5 milhões de peruanos vulneráveis a chuvas intensas; 2,6 milhões estão expostos a secas. Mais de 5,6 milhões sofrem com geadas e 14 milhões são vulneráveis à insegurança alimentar. 12 cultivos são altamente sensíveis às mudanças climáticas (milho, batatas, aipim, arroz, café, cacau, trigo, bananas, etc.). Como resultado do aquecimento global 42% da superfície das geleiras andinas foram perdidos desde 1970. 49% da matriz energética peruana depende da água para geração de energia.

Esta lei permitirá fortalecer a institucionalidade ao dispor de uma Comissão de Alto Nível para os temas climáticos. Além disso, a Ministra disse que “incorporaremos a gestão de riscos, buscando aumentar a sustentabilidade dos investimentos; mas também vamos elaborar e gerar pesquisas”.

Num contexto onde a maior parte dos desastres registra-dos no país é produzida por eventos climáticos, a Lei sobre Mudanças Climáticas abrirá as portas para novas oportuni-dades; “e temos que estar preparados, isso significará para o país uma poupança e um investimento chave porque se evitarão os custos dos impactos dos desastres ao serem pre-vistos”, disse Muñoz.

Para entender o alcance e a importância da Lei Marco sobre Mudanças Climáticas, Pedro Solano, Diretor da Sociedade Peruana de Direito Ambiental, afirmou que esta iniciativa resume um desejo que levou 4 anos no Congresso peruano de contar com uma Lei desta natureza.

“Acredito que a Lei se identifica muito bem como o fio condutor das Contribuições Nacionalmente Determinadas que o Peru apresentará perante a Convenção sobre o Clima se comprometendo a atingir a meta em 2030. Então, o que a Lei propõe e a regulamentação deveria esclarecer ainda mais, são as medidas necessárias para atingir essa meta ou superá-la, porque sabemos que a tendência global é um desenvolvimento econômico e social baseado em baixas emissões. O Peru tem que ser consistente com o modelo que aspiramos e isso envolve evitar o desmatamento, mudar a matriz energética e implantar grandes medidas de adaptação para lutar contra a vulnerabilidade de nosso país”, disse Solano.

Entre as principais características da Lei se encontra a incorporação do componente mudanças climáticas no planejamento do tipo de desenvolvimento desejado nos três níveis de Governo. A criação da Comissão de Alto Nível e o estabelecimento do Ministério do Meio Ambiente (MINAM) como autoridade nacional para a gestão climática considerando os enfoques de género, intercultural idade e geracional, são passos importantes.

Com a aprovação da Lei, todas as áreas do Governo deverão considerar nas suas ações e planejamentos a visão climática, sem exceção. A norma considera que todo projeto de investi-mento público deverá incorporar a análise de risco climático nos Relatórios de Impacto Ambiental. “A Lei coloca que não só o Estado, mas também outros atores como as sociedades civis, devem considerar e aportar medidas de adaptação em face às mudanças climáticas”, explicou Rosa Morales Saravia, Diretora Geral de Mudanças Climáticas e Desertificação do Ministério do Meio Ambiente.

Por sua parte, Pedro Solano, que acompanhou a elaboração do Projeto de Lei desde seu início, ao ver promulgada a Lei, comentou que já que agora o Peru se propôs esse objetivo, suas políticas devem ser duradouras no tempo.

Uma das observações que teve a Lei Marco sobre Mudanças Climáticas, quando foi aprovada pelo Congresso peruano em Março último, foi que a liderança do Ministério do Meio Ambiente não estava “completamente estabelecida”, e isso significaria um verdadeiro risco se outros Ministérios tentassem fazer prevalecer a sua visão econômica por cima dos interesses ambientais.

Sobre isso, Rosa Morales esclareceu que “o MINAM é a máxima autoridade ambiental e na Lei se estabelece seu papel articulador e de condução das políticas públicas, por essa razão a sua liderança não está em dúvida”.

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Na 31ª Assembleia Geral (Novembro de 2016, em Paris, França), a Iniciativa Internacional de Recifes de Coral decla-rou 2018 como o Terceiro Ano Internacional dos Recifes incentivando as partes a: 1) fortalecer a conscientização global sobre o valor e as ameaças aos recifes de coral e aos ecossistemas associados; 2) promover parcerias entre governos, setor privado, academia e sociedade civil na gestão dos recifes de coral; 3) identificar e implementar estratégias eficazes de manejo para conservação, maior resiliência e uso sustentável desses ecossistemas e promoção de melhores práticas; e, 4) compartilhar informações sobre as melhores práticas em relação ao manejo sustentável dos recifes de coral.

Anteriormente, 1997 foi declarado o Primeiro Ano Internacional dos Recifes (IYOR), em resposta às crescentes ameaças nos recifes de corais e ecossistemas associados, como manguezais e ervas marinhas ao redor do mundo. O IYOR foi um esforço global para aumentar a conscientiza-ção e compreensão sobre os valores e ameaças aos recifes de corais e para apoiar os esforços de conservação, pesquisa e manejo relacionados. Mais de 225 organizações em 50 países e territórios participaram, e mais de 700 artigos em jornais e revistas foram gerados, e centenas de pesquisas científicas foram realizadas.

Reconhecendo que, dez anos depois, continuava a existir a urgente necessidade de aumentar a conscientização e compre-ensão do papel dos corais, além de conservar e administrar os valiosos recifes de coral e os ecossistemas associados, a Inicia-tiva Internacional de Recifes de Coral designou 2008 como o Segundo Ano Internacional dos Recifes. (IYOR 2008)

2018: Ano Internacional dos Recifes de Coral (IYOR)

Rudá Capriles | Fotógrafo e Jornalista

Nações, organizações e indivíduos em todo o mundo celebraram o Ano Internacional dos Recifes 2008, desde organizações internacionais até crianças nas aldeias, para aumentar a conscientização sobre o valor e a importância dos recifes de coral e motivar as pessoas a agir ativamente na sua proteção.

Uma grande quantidade de material foi produzida em vários idiomas durante esse ano, incluindo DVDs educativos, pôsteres, livros infantis, etc. Foram organizados ao redor de 630 eventos em mais de 65 países em todo o mundo.

Nessa ocasião, os membros da ICRI adotaram uma recomendação sobre os esforços contínuos de conscientização sobre os recifes de coral. Reconheceram que a conscientiza-ção pública é um elemento essencial para a sua conservação e que é necessário alocar recursos suficientes dedicados à conservação e uso sustentável desse ecossistema sendo uma prioridade nacional.

O que é o ICRI?

A Iniciativa Internacional de Recifes de Coral (ICRI) é uma parceria informal entre as nações e organizações que se esforçam para preservar os recifes de coral e ecossistemas relacionados em todo o mundo. Embora a Iniciativa seja um grupo informal cujas decisões não são vinculantes para seus membros, suas ações têm sido fundamentais para continuar destacando globalmente a importância dos recifes de coral para a sustentabilidade ambiental, segurança alimentar e bem-estar social e cultural.

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O trabalho da ICRI é regularmente reconhecido nos documentos das Nações Unidas, destacando o importante papel da cooperação, colaboração e advocacia da Iniciativa na arena internacional.

A Iniciativa foi fundada em 1994 por oito governos: Austrália, França, Japão, Jamaica, Filipinas, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Foi anunciado na Primeira Confe-rência das Partes da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, em Nassau, Bahamas, em Dezembro de 1994, e no segmento de alto nível da Reunião Intersessional da Comissão da Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em Abril de 1995. O ICRI agora conta com mais de 60 membros.

A Secretaria da ICRI é hospedada por um período deter-minado (normalmente dois anos) pelos membros do Estado, de forma voluntária. A Secretaria avança nos objetivos da ICRI por meio de um Plano de Ação específico e organiza Reuniões Gerais dos Membros pelo menos anualmente. A Secretaria também pode optar por organizar eventos parale-los nas principais cúpulas e conferências internacionais para elevar o perfil da ICRI e promover seu trabalho.

A ICRI opera no terreno através de suas redes e comitês, que podem organizar reuniões regionais e workshops sobre tópicos específicos. Os Membros Estaduais do ICRI podem optar por implementar os objetivos do ICRI por meio de Iniciativas Nacionais sobre Recifes de Coral.

O ICRI surgiu do reconhecimento de que os recifes de coral e ecossistemas relacionados encontrados em regiões tropicais e subtropicais estão enfrentando séria degradação, principalmente devido a estresses antrópicos. Muitas nações enfrentam ameaças semelhantes aos recifes de coral e ecossiste-mas relacionados, bem como problemas de manejo semelhantes. Reconhecendo isso, os objetivos da ICRI são:

- Incentivar a adoção de melhores práticas no manejo sustentável de recifes de coral e ecossistemas associados.

- Construir capacidade.- Aumentar a conscientização em todos os níveis sobre a

situação dos recifes de coral ao redor do mundo.A ICRI adotou um “Chamado à Ação” e um “Marco para

Ação” como seus documentos fundamentais. Ambos definem os 4 pilares do ICRI: Integração, Gerenciamento, Ciência, Capacitação e Revisão.

ICRI, recifes de coral e a ONU

Vários acordos ambientais multilaterais (MEAs), progra-mas, parcerias e redes são relevantes para a proteção e conser-vação dos recifes de coral. Em Maio de 2003, uma brochura produzida pela Unidade de Recifes de Coral do PNUMA em colaboração com a Iniciativa de Defesa de Recifes de Coral do WWF resumiu a área de trabalho para esses vários programas, acordos e parcerias: como eles se relacionam com os recifes de corais e atividades atuais e futuras.

Na RIO+20 o ICRI apoiou a inclusão no documento final de estabelecer referências à conservação e gestão sustentável de todos os recifes de coral e sua importância para o desen-volvimento sustentável. No documento final da RIO+20 “O Futuro que Queremos”, que tem uma seção específica sobre “Oceanos e o Mar”. O parágrafo 176 do menciona especificamente os recifes de coral; reafirma o reconheci-mento dos seus valores económicos, sociais e ambientais; e “apoia a cooperação internacional com vistas a conservar os ecossistemas de recifes de coral e manguezais”. Na Terceira Conferência Internacional dos SIDS (Small Island Developing States), em 2014, se considerou que os recifes de coral são parte fundamental da vida nas pequenas ilhas.

O PNUMA estabeleceu uma Unidade de Recifes de Coral (CRU) em para supervisionar o financiamento da Rede Internacional de Ação dos Recifes de Coral (ICRAN), uma antiga Rede Operacional do ICRI. Em 2011, a CRU foi transferida de Cambridge para Bangkok. A CRU lidera agora a Parceria dos Recifes de Coral trabalhando em par-ceria com o Programa dos Mares Regionais do PNUMA e outras instituições apoiando políticas regionais e nacionais sobre recifes de coral; desenvolvendo projetos e fornecendo capacitação e oportunidades de trabalho em rede.

Várias atividades da UNESCO são relevantes para a proteção dos recifes de coral. A Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, foi adotada pela UNESCO em 1972. Nos termos desta Convenção, o Programa Marinho do Patrimônio Mundial, lançado em 2005, trabalha especificamente para estabelecer a conservação efetiva das áreas marinhas existentes e potenciais do Patrimônio Mundial, a fim de garantir que elas sejam mantidas e prosperarão para as gerações vindouras.

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A Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO (COI) é o órgão da ONU para a ciência dos oceanos, observatórios oceânicos, dados oceânicos e troca de informações. Inicialmente, o COI estava envolvido de perto com o ICRI, particularmente com o braço de dados da Rede Global de Monitoramento de Recifes de Coral (GCRMN). Sua participação no ICRI diminuiu nos últimos anos, mas ainda participa ocasionalmente do ICRI através da UNESCO.

O Programa Homem e a Biosfera (MAB) foi criado em 1971 é um Programa Científico Intergovernamental com o objetivo de estabelecer uma base científica para a melhoria das relações entre as pessoas e seu meio ambiente globalmente. É mais conhecida por sua Rede Mundial de Reservas da Bio-sfera, criada em 1977. Algumas destas Reservas da Biosfera incluem recifes de coral.

A Convenção da Biodiversidade tem um papel fundamental no que se refere à diversidade biológica marinha. A Convenção estabeleceu o Órgão Subsidiário de Assessoria Científica, Técnica e Tecnológica (SBSTTA), que é um comitê, composto por especialistas dos governos membros. Ele desempenha um papel fundamental na formulação de recomendações para a COP sobre questões científicas e técnicas, inclusive sobre recifes de coral. A ICRI fornece regularmente informações para as reuniões do SBSTTA.

A décima reunião da Conferência das Partes (COP 10), realizada em Nagoya, no Japão, em Outubro de 2010, inau-gurou uma nova era de conservação da biodiversidade.

As 193 Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica e seus parceiros enfrentaram o desafio de reverter a perda de biodiversidade, que está ocorrendo numa taxa sem preceden-tes – até 1000 vezes acima da taxa natural de extinção – ao adotar um novo Plano Estratégico de 10 anos. (2010-2020) e lançou as Metas de Biodiversidade de Aichi para orientar os esforços nacionais e internacionais nas salvaguarda da biodiversidade. Uma das metas de Aichi (Meta 10) menciona especificamente os recifes de coral:

Meta 10 - Até 2015, as múltiplas pressões antropogênicas sobre os recifes de coral e outros ecossistemas vulneráveis afetados pelas mudanças climáticas ou pela acidificação dos oceanos deverão ser minimizadas, de modo a manter sua integridade e funcionamento.

A COP 10 também criou a Sustainable Ocean Initiative (SOI), uma plataforma global que visa aumentar a capacidade de atingir as Metas de Biodiversidade de Aichi relacionadas à biodiversidade marinha e costeira.

A Convenção de Ramsar (Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como Hábitat de Aves Aquáticas), tem o seu próprio sistema de classifi-cação para categorizar os tipos de zonas úmidas, um dos quais é “recifes de coral”. Há, portanto, um grande número de “Sítios Ramsar” em todo o mundo, incluindo recifes de coral, inclusive em países que também são membros da ICRI, como Austrália, Brasil, Cuba, França, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Reino Unido.

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Vivemos um período crítico para o futuro da humanidade. As mudanças climáticas podem ter efeitos disruptivos, com o colapso de sistemas de produção de alimentos, migrações em massa, conflitos armados e outras calamidades.

Uma pequena mostra da ameaça que temos pela frente é a guerra na Síria, cuja origem está ligada a uma série de secas prolongadas que levaram ao colapso da produção rural, seguida de êxodo para as cidades, conflitos sociais agudos e guerra civil.

É neste contexto que o papel do Papa Francisco assume uma importância gigantesca. O Papa é hoje o mais impor-tante líder global. Sua Encíclica, “Laudato Si”, lançada em 2015, pode ser vista como um manifesto ecumênico sobre a necessidade de todos os povos reverem sua relação com a natureza e atitudes diante das desigualdades sociais. É um documento com forte embasamento cientifico, cuja elaboração foi apoiada pela Pontifícia Academia de Ciências, que possui mais de 30 prêmios Nobel.

A Encíclica “Laudato Si” é um documento que faz uma ponte ideológica entre o presente e o futuro; entre a ciência e a religião, entre a ética e a moral.

O Papa Francisco e o futuro da Amazônia

Virgílio Viana | Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável

O Papa convoca todos a parar de explorar a mãe terra de forma insustentável e assumir o dever de cuidar dela. É leitura obrigatória para todos, independentemente de religião ou credo. Diante das mudanças climáticas globais e da degradação da capacidade de suporte da vida, o Papa apregoa uma mudança urgente visando a conservação e restauração da natureza.

O aumento da desigualdade social e persistência de eleva-dos níveis de pobreza, nos incita a uma mudança de atitude profunda nos hábitos individuais. Ao afirmar que o ato de consumo é um ato moral, o Papa Francisco convoca toda a humanidade para uma profunda mudança nos sistemas de pro-dução e nos padrões de consumo – ambos insustentáveis.

Diante do aumento do poder das corporações que visam exclusivamente os resultados financeiros, defende uma profunda mudança na ordem econômica global, com um olhar especial para as populações pobres, oprimidas e marginalizadas.

O Papa não está só. Estamos diante da necessidade de uma revolução guiada pela ciência e pela ética. Pesquisadores de todo o mundo vêm dando alertas para o fato de estarmos próximos dos “limites do Planeta”.

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Papa Francisco com Virgílio Viana

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Em outras palavras, estamos acabando com a capacidade do Planeta de produzir alimentos e serviços ambientais essenciais para a vida humana. Exemplos disso são as enormes extensões dos oceanos, rios e lagos mortos pela poluição. A Amazônia, não foge a esse cenário, com seus igarapés urbanos poluídos e suas florestas cada dia mais empobrecidas pelo aumento das queimadas e o desmatamento.

O mundo carece de líderes capazes de conduzir a humani-dade para uma profunda mudança ética e moral. As democra-cias em todo o mundo estão enfraquecidas, com uma crise de representatividade generalizada. É preocupante a escassez de líderes com lucidez sobre a urgência de promover profundas mudanças em nossas sociedades rumo ao desenvolvimento sustentável. Nesse contexto a liderança do Papa Francisco assume um papel ainda mais relevante.

Desde 2016 tenho a honra de fazer parte do grupo de diálogo inter-religioso, albergado na Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, chamado “Ética e Ação para o Desen-volvimento Sustentável”. Trata-se de uma iniciativa liderada pelo Chanceler Mons. Marcelo Sanchez Sorondo e pelo Prof. Jeff Sachs, da SDSN. Nesses eventos trimestrais tive a oportunidade de falar pessoalmente com o Papa Francisco em duas marcantes oportunidades. É impressionante seu carisma, energia, força e paz de espirito. É inspiradora a maneira como se preocupa com o futuro da Amazônia. Símbolo disso é a convocação de um sínodo sobre a Amazônia a ser realizado em Outubro de 2019. Em Janeiro tive a oportunidade de acompanhar a visita do Papa Francisco à Amazônia peruana, em Puerto Maldonado. A mensagem do Papa foi clara e forte em defesa da Amazônia e dos direitos dos povos indígenas, especialmente aqueles em isolamento voluntário.

Foi um ato de grande importância para o futuro da região. Foi uma oportunidade para todos os líderes do governo, empre-sas e sociedade civil refletirem sobre o futuro da Amazônia. Precisamos urgentemente de um projeto para a Amazônia que fique acima dos interesses de curto prazo e que envolva todos os países da região. A Amazônia é importante demais para deixarmos entrar em colapso ecológico.

É necessário substituir a ganância de quem ganha dinheiro a curto prazo com o desmatamento, por uma atitude ética capaz de reduzir as desigualdades e a degradação ambiental, gerando benefícios para todos a longo prazo. A degradação da natureza e a pobreza precisam ser enfrentadas de forma séria e imediata. Vale lembrar que temos metas concretas para 2030, data limite para alcançarmos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, acordados na ONU e dos quais o Brasil e os demais países amazônicos são signatários. É hora do desmatamento zero e um mega esforço de recupe-ração da cobertura florestal da Amazônia, com forte inclusão social e especial proteção dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais.

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A Organização Marítima Internacional (OMI) da ONU aprovou o primeiro e amplo Acordo do mundo para reduzir as emissões de Gases do Efeito Estufa do transporte marí-timo mundial e disse que espera eliminá-las totalmente o “mais rápido possível neste século”. A agência considerou o Acordo, alcançado por países neste mês um primeiro passo e prometeu novas ações no futuro. Alguns negociadores e observadores disseram que ainda não é forte o suficiente para garantir que o transporte marítimo, um contribuinte em rápido crescimento para o aquecimento global, esteja alinhado com o Acordo de Paris. A OMI chamou isso de um “caminho” nessa direção.

A OMI solicitou às empresas de transporte marítimo que reduzam as emissões até o ano 2050 para 50% de seu nível de 2008, atingindo o pico das emissões o mais rápido possível. A organização é uma agência especializada das Nações Unidas, com 173 Estados membros que cooperam em regulamentações internacionais, incluindo a definição de padrões de poluição.

Mesmo os primeiros passos relativamente modestos exi-giriam mudanças consideráveis na forma como os navios de carga são construídos, abastecidos e operados. Atualmente, os barcos operam quase inteiramente com combustíveis fósseis, geralmente os tipos mais sujos do petróleo, e os queimam de forma ineficiente.

Mundo concorda em cortar emissões dos navios em 50%

Jack Cushman | Editor da InsideClimate News. Foi Presidente do National Press Club no ano de 2000

Atender às novas metas exigiria que os transportadores aumentem significativamente a eficiência do combustível e mudem para fontes de baixo carbono ou zero carbono, como os biocombustíveis ou talvez hidrogênio, enquanto adotavam novas tecnologias de propulsão. O próximo passo é que a Organização Marítima Internacional decida se torna obri-gatória alguma dessas medidas de curto prazo e determinar como fazer cumprir as regras. O Acordo deve ser revisto e, talvez, ajustado em cinco anos.

Até agora, pouco foi feito no setor para lidar com a poluição do carbono. O transporte marítimo não é controlado dire-tamente pelo Acordo de Paris e é amplamente negligenciado nas promessas de Paris feitas por nações individuais. Cerca de 90% do comércio mundial de mercadorias viaja de navio, e as embarcações emitem juntas o mesmo número de Gases de Efeito Estufa (GEE) do que a Alemanha, a nação com a sexta maior emissão do mundo.

Estima-se que as emissões dos navios aumentem 250 por cento até o ano 2050, a menos que sejam impostos controles. Por razões competitivas, e porque os navios são registrados em vários países sem levar em conta onde estão baseados seus proprietários ou quais portos eles visitam, isso só pode ser feito por um Acordo global. Delegados de vários países, reunidos em Londres neste mês (Abril), falaram da necessi-dade de fazer mais.

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As Ilhas Marshall desde o início deixaram claro que não endossariam nenhum Acordo que não atinja as metas de Paris. O arquipélago do Oceano Pacífico de baixa altitude provavelmente está condenado, a menos que as emissões de dióxido de carbono sejam reprimidas de forma rápida, mas também abriga um dos maiores registros de navegação do mundo.

As embarcações registradas nesses países exibem uma bandeira de conveniência, enquanto as pessoas das ilhas enfrentam uma verdade inconveniente. “Eu não irei para casa para meus filhos e para os filhos de meu país, endossando um resultado da OMI que não enfrente a maior ameaça do século”, disse David Paul, Ministro do Meio Ambiente desse país insular.

Após a decisão, a Presidente das Ilhas Marshall, Hilda Heine, disse que o resultado fez história. “Embora possa não ser suficiente para dar ao meu país a certeza que queria, fica claro que o transporte internacional agora reduzirá as emissões com urgência e fará sua parte no sentido de dar ao meu país um caminho para a sobrevivência”, disse ela. Kitack Lim, Secretário-Geral da OMI, disse aos delegados: “Estou confiante em suas capacidades de continuar incan-savelmente seus esforços e desenvolver novas ações que em breve contribuirão para reduzir as emissões de gases do Efeito Estufa dos navios”.

Estados insulares queriam uma meta de emissões zero

Os grupos de defesa do clima qualificaram o Acordo como um passo tardio e o consideram insuficiente. “Sem medidas concretas e urgentes para reduzir as emissões do transporte marítimo agora, a ambição de Paris de limitar o aquecimento a 1,5°C ficará rapidamente fora do nosso alcance”, disse Veronica Frank, do Greenpeace International. “Embora o Acordo liste possíveis medidas de mitigação, a falta de um plano de ação para o seu desenvolvimento e o tom das dis-cussões na IMO não dão muita confiança de que em breve serão adotadas medidas”.

Uma meta mais adequada, disseram alguns congressistas, seria buscar a emissão zero do transporte marítimo já em 2035, como foi exigido pelas Ilhas Marshall e vários outros pequenos Estados insulares. Os países da União Europeia estavam dispostos a cortar mais profundamente do que decidiu a OMI. O Japão queria se mover mais lentamente do que a meta da OMI. No final, eles se comprometeram.

Para que as nações do mundo atinjam as metas de Paris de manter o aquecimento bem abaixo de 2°C, os cientistas dizem que as emissões líquidas de dióxido de carbono de todos os sistemas de energia precisam ser reduzidas rapidamente, chegando a zero em algum momento na segunda metade deste século.

Embora possa parecer que é um diálogo utópico a ideia de atingir rapidamente as emissões do transporte para algo próximo de zero, a Organização para Cooperação e Desenvol-vimento Econômico (OCDE) publicou um relatório quando as negociações começaram a descrever possíveis caminhos para chegar lá.

Tecnologia : “A implantação máxima de tecnologias atualmente conhecidas pode permitir a descarbonização quase completa do transporte marítimo até 2035”, afirmou a instituição. “Essa redução é igual às emissões anuais de aproximadamente 185 usinas termoelétricas a carvão”.

Menos uso de combustíveis fósseis: Algum progresso pode vir simplesmente de uma redução mundial no uso de combus-tíveis fósseis, especialmente carvão e petróleo bruto. Muitas dessas mercadorias se movimentam por mar. O declínio das exportações dos países produtores reduziria a quantidade de navios, e isso por si só afetaria as emissões no mar.

Portos eletrificados: Grande parte da poluição dos navios é emitida enquanto estão nos portos e seus motores inativos para produzir energia. Conectá-los a uma fonte elétrica para limpar os navios reduziria consideravelmente a poluição local e a fuligem que sufocam algumas cidades portuárias.

Abrandar: A próxima maneira óbvia de reduzir as emis-sões é simplesmente desacelerar os navios. Assim como os estadunidenses costumavam economizar gasolina dirigindo a 80 km por hora nas rodovias, os navios podem navegar de forma mais eficiente se forem mais lentos. Claro, isso significa que mais navios serão necessários para transportar a mesma quantidade de combustível. A nova construção naval seria uma oportunidade para construir navios modernos e eficientes ou variedades que incorporem novas tecnologias, como células de combustível ou outras propulsões elétricas.

Combustíveis alternativos: É possível substituir por combus-tíveis alternativos. Uma ideia é usar biocombustíveis sintéticos. Isso exigiria atenção cuidadosa às emissões do ciclo de vida, já que os biocombustíveis nem sempre têm uma pegada de carbono menor, especialmente no curto prazo. Outra abor-dagem seria trocar o óleo fóssil pesado e sujo comumente usado por combustíveis como o hidrogênio.

Preço do carbono: O modo mais eficaz de estimular esse tipo de mudança seria impor um preço às emissões de GEE, como um imposto sobre o carbono. O mercado poderia decidir qual método usar para evitar o imposto. “Um preço efetivo do carbono aliado a melhorias tecnológicas e operacionais será fundamental para liberar o enorme potencial do transporte livre de poluição”, disse Kelsey Perlman, Diretor de Políticas de Transporte Internacional do Carbon Market Watch.

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A conclusão do documento baseado em norma brasileira deve acontecer em Maio, em Buenos Aires, na próxima reunião anual do Comitê Técnico de Turismo da ISO. A sugestão foi ousada: oferecer a norma brasileira ABNT NBR 15401:2014 (Meios de Hospedagem, Sistema de Gestão da Sustentabilidade, Requisitos) como base para o documento internacional que unifica a norma de gestão da sustentabilidade para meios de hospedagem no padrão International Organization for Stan-dardization (ISO). A etapa final do processo chega nos dias 7 e 8/5, na capital Argentina, quando os 99 países membros do ISO/TC 228 – Tourism and Related Services darão o aval para a conclusão e publicação da norma internacional.

Foram 2 anos de trabalho e discussões envolvendo espe-cialistas de 22 países, sob a coordenação de um brasileiro: Alexandre Garrido, coordenador eleito do ISO/TC 228 /WG13 – Sustainable Tourism, grupo criado para produzir o documento internacional.

Norma de turismo sustentável vai para aprovação da ISO

Monalisa Zia | Jornalista

Alexandre Garrido esclarece que a homologação de uma norma Organização Internacional de Normalização (ISO) é um processo longo que costuma durar entre três e cinco anos, mas a nova Norma acabou percorrendo um caminho que se mostrou mais rápido do que o normal.

A celeridade do processo mostra a eficiência do documento brasileiro, que já vinha norteando a gestão da sustentabili-dade em hotéis e pousadas de todo o país desde 2004 e hoje cataloga diversos casos de sucesso.

“Foram quatro reuniões desde a criação do WG-13 (Work Group-13): duas em 2016, em Kuala Lumpur (Malásia) e no Rio de Janeiro; e mais duas no ano passado, na Cidade do Panamá e em Madri. Os representantes que vêm partici-pando da discussão têm mostrado cada vez mais interesse em implementar a solução em seus países, pois perceberam que a Norma, de fato, funciona e dá resultados para a hotelaria”, avalia o coordenador.

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Alexandre Garrido enfatiza que “o segredo da Norma brasileira é que o meio de hospedagem trabalha a sustenta-bilidade sob a ótica da gestão do negócio e é voltada para o business, melhorando a gestão e fazendo o negócio ficar mais competitivo. Ao adotar as ações, o hoteleiro também melhora a experiência do turista e a norma mostra claramente as ações a serem implementadas”.

A Norma internacional – Apesar de ter adiantado o prazo de conclusão em cerca de um ano, o processo de criação da nova Norma, identificada por enquanto como ISO/DIS 21401 - Accommodation facilities -- Sustainability Management System – Requirements seguiu o caminho obrigatório que toda norma internacional homologada percorre: a propo-sição e posterior aprovação da ISO, a instalação do grupo de trabalho – que começou com especialistas de 12 países membros e, atualmente tem 22 – as reuniões de avaliação de comentários enviados pelos países ao texto e as rodadas de votação para aprovar cada fase.

Com a aprovação final prevista para Maio e a criação da futura Norma ABNT NBR ISO 21401, a exitosa Norma brasileira dá espaço ao padrão ISO, unificando mundial-mente as recomendações para gestão de sustentabilidade nos meios de hospedagem. A expectativa é que o documento internacional leve cerca de cinco meses até a publicação final, chegando às mãos do público interessado em francês e em inglês – idiomas oficiais da ISO. A adoção do documento ISO no Brasil deverá ocorrer logo após a publicação oficial, na data provável de setembro.

Como a gestão da sustentabilidade pode ajudar um meio de hospedagem a tornar-se competitivo? O trabalho começa com a definição dos impactos que a operação hoteleira gera nas dimensões ambiental, sociocultural e econômica. A partir disso, estabelecer os objetivos para minimizar os impactos negativos e/ou potencializar os positivos e começar a implantar práticas sustentáveis, monitorando as ações para avaliar os possíveis resultados. Se o hoteleiro identificar os impactos, estabelecer as ações e depois medir para ver se está chegando aos resultados propostos no plano de negócios, ele está fazendo a gestão da sustentabilidade.

“Quem percebe isso, vê que a Norma ajuda a administrar o negócio, tornando-o sustentável”, ressalta Alexandre Garrido, sublinhando que a norma é uma ferramenta de gestão com visão moderna. “O hotel pode usar os resultados para melhorar a experiência do turista e a imagem perante a opinião pública e, com isso, dar mais visibilidade ao empreendimento, aumentar a taxa de ocupação e a rentabilidade e, consequentemente, a competitividade no mercado”, conclui.

ABNT/CB-054

No Brasil, o Comitê Brasileiro do Turismo é o respon-sável pela Normalização no campo do turismo (hotelaria, restaurantes e refeições coletivas, agenciamento e operação e demais funções do setor de turismo), compreendendo a normalização de serviços específicos do setor de turismo e de operações e competências de pessoal, no que concerne a terminologia, requisitos e generalidades. Atualmente possui Alexandre Sampaio como gestor e Alexandre Garrido como coordenador da Comissão de Estudos de Turismo Sustentável (ABNT-CE 54.0004.01), que faz parte do ABNT/CB-054. A participação nos Comitês Brasileiros e Comissões de Estudo da ABNT é voluntária e aberta a qualquer interessado.

Sobre a ABNT

A ABNT é o único Foro Nacional de Normalização, por reconhecimento da sociedade brasileira desde a sua funda-ção, em 28/7/1940, e confirmado pelo Governo Federal. É responsável pela elaboração das Normas Brasileiras (NBR), destinadas aos mais diversos setores. A ABNT participa da normalização regional na Associação Mercosul de Norma-lização (AMN) e na Comissão Pan-Americana de Normas Técnicas (Copant) e da normalização internacional na ISO e na International Electrotechnical Commission (IEC), influenciando o conteúdo de normas e procurando garantir condições de competitividade aos produtos e serviços brasi-leiros. A ABNT também é um Organismo de Avaliação da Conformidade acreditado pelo Inmetro para certificação de produtos, sistemas e programas ambientais, como o selo ecológico e a verificação de inventários de GEE.

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“As regiões que menos sofreram com mudanças climáticas nos últimos 21 mil anos são aquelas onde ocorreram menos extinções locais. Assim, essas regiões possuem maior riqueza de espécies e, consequentemente, maior diversidade genética entre as espécies, ou seja, maior variabilidade dos genes dentro de uma mesma população”, disse o biólogo Thadeu Sobral-Souza, da Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Quanto maior a diversidade genética de uma população, maiores são as chances de sobrevivência às mudanças ambien-tais. Sobral-Souza é um dos autores de um trabalho que busca criar metodologia para identificar, na Amazônia e na Mata Atlântica, regiões climaticamente estáveis e alvos prioritários de estratégias de conservação. A pesquisa também busca veri-ficar quais unidades de conservação se encontram dentro de áreas climaticamente estáveis. Resultados do trabalho foram publicados na revista Acta Oecologica. A pesquisa tem apoio da FAPESP em projeto coordenado pelo professor Milton Cezar Ribeiro, do Departamento de Ecologia da UNESP.

De modo a estabelecer quais são as áreas climaticamente mais estáveis foi preciso estimar como era a distribuição de ambas as florestas no passado, particularmente antes da destruição da maior parte da Mata Atlântica. Para tanto, os pesquisadores usaram a técnica de modelagem de nicho ecológico como meio de inferir a distribuição presente e a distribuição no passado na Amazônia e na Mata Atlântica.

Novas tecnologias favorecem o desenvolvimento de enfo-ques metodológicos que permitem gerar informação a partir de dados incompletos. É o caso da modelagem dos nichos ecoló-gicos. Sejam animais ou plantas, as espécies obedecem a regras ecológicas que determinam sua distribuição geográfica.

Prioridade para conservação com olho no passado

Peter Moon | Jornalista da Agência FAPESP

Uma vez que se conhece a distribuição geográfica atual – ainda que parcialmente – de uma determinada espécie, assim como os níveis de variação ambiental (temperaturas máxima e mínima, variações pluviométricas e outros dados) que são tolerados pelos indivíduos, faz-se uso de algoritmos computacionais e de ferramentas de geoprocessamento para se obter uma representação quantitativa da distribuição ecológica daquela espécie.

A partir de dados incompletos de localização geográfica de uma espécie, consegue-se descobrir qual é a sua distribuição atual (ou potencial) no meio ambiente. Da mesma forma, ao se empregar estimativas climáticas do passado, consegue-se simular qual teria sido a distribuição espacial das espécies em épocas pretéritas. “Muito embora a modelagem de nicho ecológico seja normalmente usada para inferir a distribuição de espécies, a técnica também é empregada para predizer a delimitação de um bioma, a partir da modelagem do bioma”, disse Sobral-Souza.

Para prever a distribuição de um bioma ao longo do tempo, os autores selecionaram pontos de ocorrência usando um filtro geográfico baseado na delimitação atual do bioma amazônico e na extensão da Mata Atlântica. Existem diver-sos modelos de circulação global atmosférico-oceânica que fazem inferências sobre climas globais passados. “Cinco desses modelos serviram como fonte de dados para as simulações climáticas da Amazônia e da Mata Atlântica no passado”, disse Sobral-Souza.

A partir de dados como temperatura média anual e índices anuais de precipitação, os pesquisadores estimaram a distri-buição presente do bioma amazônico e da Mata Atlântica. Os modelos foram construídos com base no cenário climático atual e então projetados para as condições climáticas reinantes no passado, no auge da última idade do gelo há 21 mil anos no final do Pleistoceno e também há 6 mil anos, no meio do Holoceno.

De acordo com o estudo, a área potencial da floresta amazônica há 21 mil anos era de 4,46 milhões km², e hoje é de 3,28 milhões km². Já a Mata Atlântica cobria 3,85 milhões km², área reduzida hoje em 80%, para menos de 770 mil km². Para calcular as áreas climaticamente estáveis dos bio-mas analisados, os dois paleomapas – com as distribuições dos biomas há 21 mil e há 6 mil anos – foram sobrepostos ao mapa com a distribuição atual dos biomas. Desse modo, foram selecionadas nos mapas as áreas previstas como ade-quadas para a ocorrência do bioma em todos os cenários climático-temporais estudados. “Uma vez identificados os pontos sobrepostos que são climaticamente estáveis nos três cenários, foi a vez de analisar a eficiência das áreas atualmente protegidas”, disse Ribeiro.

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Um novo mapa com as unidades de proteção da América do Sul foi sobreposto aos mapas anteriores, de modo a visua-lizar quais áreas protegidas se encontram dentro ou fora das áreas climaticamente estáveis.

Para propor áreas de conservação prioritárias foram mapeadas as áreas climaticamente estáveis desprotegidas. Foi então usada a base de dados “Intact Forest Landscapes”, de modo a inferir quais áreas climaticamente estáveis e despro-tegidas têm remanescentes intactos de floresta primária livre de modificações antropogênicas. Foram considerados apenas trechos grandes e conectados, excluindo-se os remanescentes pequenos ou desconectados.

Estabilidade climática

A seguir, os pesquisadores classificaram cada um desses trechos de floresta em uma de três categorias prioritárias de conservação. As áreas com a prioridade muito alta de conser-vação são as climaticamente estáveis, não protegidas e onde há grandes trechos de floresta intacta.

A segunda categoria é a das áreas com alta prioridade de conservação: climaticamente estáveis, não protegidas e com fragmentos e remanescentes florestais. Já a terceira categoria, de prioridade média de conservação, são as áreas climatica-mente estáveis mais recentes, nos últimos 6 mil anos, com remanescentes desprotegidos de floresta intacta.

“Os resultados revelaram três blocos desconexos de áreas climaticamente estáveis na Mata Atlântica, todos próximos ao litoral”, disse Ribeiro. O bloco mais ao Norte fica nas Zonas da Mata da Paraíba e de Pernambuco. O segundo coincide com o desenho da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira em São Paulo e da Serra dos Órgãos no Rio de Janeiro, ter-minando na Zona da Mata de Minas Gerais.

“No caso da Amazônia, as áreas climaticamente estáveis são amplas, contínuas, e cobrem a maior parte do bioma atual. A maioria das áreas climaticamente estáveis ocorre na região leste da Amazônia, enquanto que remanescentes menores são encontrados ao longo dos limites ocidental e meridional da floresta”, disse o professor do Departamento de Ecologia da UNESP.

Com relação ao índice de eficiência das áreas protegidas existentes, inferiu-se uma eficiência maior das áreas protegidas amazônicas, em comparação com aquelas da Mata Atlântica. A constatação foi que 40,1 por cento das áreas climaticamente estáveis da Amazônia encontram-se protegidas, percentual que cai para somente 7,1 por cento das áreas climaticamente estáveis da Mata Atlântica. “A Amazônia é mais estável cli-maticamente do que a Mata Atlântica e as áreas protegidas da Mata Atlântica são menos eficientes do que as que ficam na Amazônia”, disse Milton Cezar Ribeiro.

Na Amazônia, o estudo identificou áreas climaticamente estáveis nas três categorias de análise, aquelas com muito alta prioridade de conservação, alta prioridade de conservação e prioridade de conservação média. As áreas amazônicas com prioridade muito alta de conservação são regiões de floresta primária no oeste do estado do Amazonas, na região de fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela.

“Sua proximidade geográfica com áreas protegidas sugere que a criação de novas áreas protegidas, ou então o aumento nas áreas existentes que incorpore essas áreas de alta priori-dade, pode ser uma estratégia de conservação eficaz”, disse Sobral-Souza.

As áreas amazônicas com alta prioridade de conservação são florestas fragmentadas localizadas em áreas climaticamente estáveis que, portanto, necessitam de restauração. As áreas de alta prioridade de conservação na Amazônia Ocidental ficam próximas a áreas protegidas ou a fragmentos intactos existentes. Já na região leste da Amazônia, as áreas com alta prioridade de conservação são porções de floresta cercadas pela agricultura e pecuária, distantes das regiões de floresta intacta.

“Nesses casos, ações de reflorestamento são necessárias para aumentar a eficiência das áreas protegidas da região. A Amazônia ainda tem uma grande oportunidade para ampliar as áreas de conservação”, disse Milton Cezar Ribeiro.

Thadeu Sobral-Souza destaca que, em relação ao Bioma Mata Atlântica, o cenário é catastrófico. “Não foram identifi-cadas áreas com muita alta prioridade de conservação, porque nestas áreas simplesmente não existe mais floresta. Não tem mata intacta, não tem fragmento florestal, não tem nada. Foi tudo cortado nos últimos 500 anos”, disse o biólogo da Universidade Estadual Paulista.

As principais áreas consideradas climaticamente estáveis da Mata Atlântica são pequenas. São representadas por frag-mentos florestais classificados como áreas de alta prioridade de conservação. Apenas alguns poucos remanescentes têm mais de 10 mil hectares, e muitos ocorrem em áreas com baixa estabilidade climática. As áreas climaticamente estáveis da Mata Atlântica ficam na Zona da Mata de Pernambuco ou no Parque Estadual da Serra do Mar, “o maior remanescente de toda a Mata Atlântica brasileira”, disse o biólogo Thadeu Sobral-Souza.

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Os compradores na Holanda já tem a chance de visitar as primeiras prateleiras de um supermercado sem embalagens plásticas da Europa, no que os defensores de um Planeta sem plásticos afirmam ser um ponto de virada na guerra contra a poluição por plásticos.

A loja em Amsterdã abriu no dia 28 de Fevereiro último, permitindo aos compradores escolher entre mais de 700 pro-dutos sem plástico. O movimento vem em meio à crescente preocupação global sobre os danos que os resíduos plásticos estão causando nos oceanos, hábitats e cadeias alimentares. Cientistas alertam que a poluição plástica é tão disseminada que ameaça a contaminação permanente do mundo natural.

No início deste ano, uma pesquisa do The Guardian revelou que os supermercados do Reino Unido eram uma importante fonte de resíduos plásticos, produzindo 1 milhão de toneladas por ano. E nos últimos doze meses, ativistas pediram que todos os supermercados oferecessem produtos sem plástico.

Holanda tem o primeiro supermercado sem plástico

Matthew Taylor | Jornalista do The Guardian

Sian Sutherland, co-fundador do A Plastic Planet, o grupo por trás da campanha, disse que a abertura representou um momento marcante para a luta global contra a poluição por plásticos.

“Durante décadas, os compradores foram vendidos a mentira de que não podemos viver sem plástico em comi-das e bebidas. Uma prateleira sem plástico nega tudo isso. Finalmente, podemos ver um futuro em que o público tem a opção de comprar um produto com plástico ou sem plástico. Neste momento não temos escolha”, afirmou o co-fundador do A Plastic Planet.

A inciativa foi lançada na filial de Amsterdã da rede de supermercados holandesa Ekoplaza. A empresa diz que vai implementar pratileiras semelhantes em todas as suas 74 agências até o final do ano. O executivo-chefe da Ekoplaza, Erik Does, que vem trabalhando com a campanha há bastante tempo disse que a iniciativa é “um importante marco para um futuro melhor para alimentos e bebidas”.

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“Sabemos que nossos clientes estão doentes com a morte de produtos carregados em camadas e mais camadas de embalagens plásticas espessas. Os corredores sem plástico são uma forma realmente inovadora de testar os biomateriais compostáveis que oferecem uma alternativa mais ecológica às embalagens plásticas”. As prateleiras terão mais de 700 produtos sem plástico, incluindo carne, arroz, molhos, laticínios, chocolate, cereais, iogurte, salgadinhos, frutas frescas e vegetais.

Ativistas dizem que os produtos não serão mais caros do que os produtos embalados em plástico e serão “escaláveis e convenientes”, usando embalagens biodegradáveis alternati-vas onde for necessário, ao invés de abandonar totalmente as embalagens. Eles acrescentam que as prateleiras serão um “teste para novos bio-materiais compostáveis inovadores, bem como materiais tradicionais, tais como vidro, metal e papelão”.

Sutherland disse: “Não há absolutamente nenhuma lógica em envolver algo tão fugaz quanto comida em algo tão indestrutível quanto o plástico. A embalagem plástica de alimentos e bebidas continua sendo útil por alguns dias, mas continua sendo uma presença destrutiva na Terra por séculos depois”.

Ativistas dizem que o setor varejista de alimentos é respon-sável por mais de 40% de todas as embalagens plásticas. Uma recente pesquisa da Populus revelou que 91% dos britânicos apoiaram a introdução de suypermercados sem plástico.

A pesquisa do The Guardian sobre a pegada plástica dos supermercados revelou que as principais lojas britânicas criam mais de 800 mil toneladas de resíduos de embalagens plásticas todos os anos.

No entanto, a Tesco, a Sainsbury’s, a Morrisons, a Wai-trose, a Asda e a Lidl se recusaram a divulgar sua produção de plástico, com a maioria dizendo que a informação era “comercialmente sensível”.

Recentemente, Theresa May destacou o desafio da polui-ção por plásticos enquanto definia as políticas ambientais do Governo. A Primeira-Ministra destacou o papel dos supermercados, convocando-os a introduzir prateleiras sem plástico. Mas ela foi criticada por não ter apoiado sua ligação com medidas concretas.

Sutherland disse que os ativistas estavam em conversações com todos os principais supermercados do Reino Unido, mas até agora nenhum deles se comprometeu a introduzir um corre-dor sem plásticos. Ela acrescentou: “Os maiores supermercados da Europa devem seguir o exemplo de Ekoplaza e introduzir prateleiras livres de plástico na primeira oportunidade para ajudar a desligar a torneira do plástico”.

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A Organização Mundial da Saúde (OMS) lança novas diretrizes de saúde globais para diminuir gorduras prejudiciais; níveis de gordura trans em alimentos de rua estão 200 vezes acima do valor diário recomendado.

Pessoas em todo o mundo precisam reduzir o seu consumo de alimentos gordurosos que entopem artérias, de acordo com novas propostas da OMS, recentemente divulgadas. Todos os anos, 17 milhões de pessoas morrem com doenças cardiovasculares relacionadas com o consumo de alimentos que contêm gorduras saturadas e gorduras trans.

As gorduras saturadas são muito comuns e podem ser encontradas na manteiga, salmão, gemas de ovos e leite de vaca. A OMS quer que adultos e crianças diminuam o consumo dessas gorduras para 10% das suas necessidades diárias de energia. Em relação às gorduras trans, presentes em comidas fritas e óleo de cozinha, a agência da ONU quer uma redução ainda maior. Apenas 1% da energia necessária para um dia deve vir destes alimentos. Uma forma de identificar estes alimentos, através dos rótulos, é procurar a palavra hidrogenada, uma técnica que torna mais fácil usar estas gorduras.

Existem alternativas a estes alimentos. O Diretor de Nutrição da OMS, Francesco Branca, diz que “se realmente quisermos acabar com os perigos do excesso de gordura trans deve haver uma ação muito forte e enérgica dos governos para garantir que os produtos manufaturados não usem óleo vegetal hidrogenado”.

Gorduras saturadas e trans matam 17 milhões por ano

Alexandre Soares | Jornalista da ONU News

Ele afirma que a remoção de gordura trans nos produtos processados já tem sido feito em muitos países e não é sequer notada pelo consumidor. Se isso acontecer, afirma o especia-lista, “os produtores podem usar outra gordura com a mesma propriedade e você pode ter seu maravilhoso croissant que não contém gorduras trans”.

As diretrizes serão oficialmente lançadas ainda este ano. Antes disso, a OMS está a realizar consultas públicas em todo o mundo para assegurar que se adaptam às diferentes necessidades regionais.

O Diretor de Nutrição da Organização Mundial da Saúde, Francesco Branca, afirma que as pessoas estão hoje muito mais conscientes sobre o perigo destas gorduras do que quando a agência publicou o seu primeiro parecer sobre o assunto, em 2002.

Segundo Francesco Branca, os países da Europa Ocidental “quase eliminaram” o uso industrial de gordura trans e a Dinamarca, por exemplo, proibiu o seu uso completamente. Apesar disso, o especialista em nutrição da Organização Mundial da Saúde diz as regiões mais pobres enfrentam grandes desafios.

Estas regiões incluem vários países da Europa Oriental, assim como a Índia, Paquistão, Irã, muitos Estados africanos e, na América do Sul, Brasil e Argentina. Em alguns casos, os níveis de gordura trans em alimentos de rua são 200 vezes o valor diário recomendado.

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O debate sobre alimentos transgênicos voltou a se aque-cer no Brasil com a evolução da tramitação, no Senado, do projeto de lei que altera a rotu-lagem de alimentos. A proposta é de retirar a obrigatoriedade do selo que indica a presença de ingredientes transgênicos (aquele triângulo amarelo com a letra T) dos produtos que contenham menos de 1% deles — nos outros casos, eles continuariam apare-cendo na lista de ingredientes, “em destaque, de forma legível”. E, para o símbolo existir, essa presença deverá ser comprovada por testes específicos.

O problema, segundo o site do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), é que “DNAs transgênicos não são detectáveis em alimentos processados e ultra-processados. Ou seja, a rotulagem passa a depender de um teste que não identifica muitos dos produtos que levam transgênicos”.

Como a maior parte dos produtos que levam o selo são processados, o Idec acredita que, na prática, a mudança vai levar ao fim da rotulagem. E isso feriria os direitos do consumidor, por não informá-lo sobre o que come. “Se a população está informada sobre os riscos e está disposta a consumir, tudo bem. Mas é preciso que saiba”, concorda o agrônomo Paulo Petersen, que é Coordenador-Executivo AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia.

O Projeto de Lei, que nasceu na Câmara e foi aprovado lá em 2015, está desde então no Senado (sob o número 35/2015) e já passou pela avaliação de quatro comissões. Ainda em 2015, a de Ciência e Tecnologia foi contra. Em setembro do ano passado, a de Agricultura e Reforma Agrária foi favorável; há um mês, a de Assuntos Sociais votou contra.

E agora, no último dia 17/4/2018, mais um parecer favorável foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente. Vale observar que, nas duas comissões que tiveram voto a favor, o relator era o mesmo: o senador Cidinho Santos (PR/MT), que, por sinal, é vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Agora, a matéria vai para a Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle e, em seguida, para votação no plenário.

Transgênicos: expectativa do fim da rotulagem retoma debate

Raquel Torres | Jornalista de Outra Saúde

Sobre o medo

Sempre que se fala em transgênicos, os ânimos rapidamente se acirram. Em 2008, quando o texto começou a tramitar na Câmara, o Idec lançou uma campanha contrária que tem hoje mais de 50 mil assinaturas. Enquanto isso, nesta consulta feita pelo portal do Senado, até a data de publicação desta reportagem mais de 20 mil pessoas se haviam se posicionado contra a aprovação, e pouco menos de mil a favor. Não dá pra saber a motivação exata de quem vota ou assina, mas, em geral, boa parte da argumentação contrária ao uso de sementes transgênicas — e também da defesa em relação a elas — se baseia em estudos que atestam ou não a segurança no consumo para animais e seres humanos.

Há dois anos, esta pesquisa encomen-dada pelo Conselho de Informações sobre Biotecnologias ao Ibope Conectas mostrou que um terço dos brasileiros têm medo de consumir alimentos transgênicos e quase metade considera que são submetidos a

poucos testes (foram feitas entrevistas online com duas mil pessoas de todas as regiões e das

classes A, B e C). A desconfiança é ligeiramente maior entre aqueles que sabem o que é transgenia.

O receio tem suas razões de ser. É que o próprio processo da transgenia é intuitivamente estranho. A tecnologia faz uma espécie de recorte e colagem com materiais genéticos, tornando possível que o DNA de um organismo receba genes específicos de outro. Assim, plantas, animais, vírus ou bactérias podem entrar no jogo. A transgenia não é usada só na agricultura — ela está na produção de medicamentos, no desenvolvimento de animais com o propósito de fornecer cobaias para estudos científicos e na criação de armas bioló-gicas, por exemplo. Há pouco tempo, gerou certa comoção o começo do uso de mosquitos transgênicos para o controle da dengue no Brasil.

E na produção de alimentos a polêmica nunca se esgota. Será que é mesmo possível prever todos os efeitos da intro-dução de material genético de um vírus ou bactéria em uma planta alimentícia? “Em todo o mundo a natureza reage à introdução de transgênicos com vários efeitos que não estavam previstos em laboratório”, afirma Antonio Andrioli, professor do mestrado em Agroecologia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).

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Foram imprevisíveis as consequências do consumo de um suplemento alimentar com triptofano produzido por bactérias transgênicas há quase 30 anos. Em 1989, uma epidemia de síndrome de eosinofilia-mialgia matou 37 pessoas e deixou outras cinco mil doentes depois que elas usaram o suplemento nos Estados Unidos: embora testes tivessem sido feitos, ninguém conseguiu antever que essas bactérias começariam a produzir um aminoácido que provocava a doença.

De lá para cá, os protocolos foram se aperfeiçoando. Hoje, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda o uso de genes de substâncias que causam alergias conhecidas (como leite, ovos, crustáceos e trigo); os testes de alergia buscam analogias com sequências de aminoácidos que podem causar danos à saúde e são feitos exames específicos para buscar novas toxinas no organismo geneticamente modificado.

A todo vapor

Com medo ou não, quase todo brasileiro tem alimentos transgênicos na rotina, e a agricultura baseada nessa tecnologia não para de avançar. O Brasil é o segundo maior produtor de transgênicos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Aqui, já são mais de 40 milhões de hectares com esses cul-tivos — uma extensão que cresce a cada ano —, e cerca de 95% da soja, 85% do milho e 78% do algodão produzidos no país são transgênicos.

Mas se engana quem pensa que milho verde, fubá, cerveja com ‘cereais não maltados’ e óleo ou ‘carne’ de soja são os grandes responsáveis pelo consumo: a maior parte da soja e do milho produzidos vão para alimentação animal, segundo a Embrapa. E não há rotulagem sobre isso, como lembra Andrioli: “O DNA não consegue ser detectado no leite, nos ovos e na carne, embora se saiba que os animais foram alimentados com transgênicos. Isso é bem mais difícil de medir”.

Segundo o ISAAA (sigla em inglês para o Serviço Inter-nacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnolo-gia), em 1996 havia 1,7 milhões de hectares de organismos geneticamente modificados no mundo; em 2002, já eram 57,7 milhões e, em 2016, 185,1 milhões de transgênicos. Isso corresponde mais ou menos a 10 por cento das lavouras de todo o planeta, que hoje somam 1,8 bilhões de hectares, conforme esta estimativa de um departamento do governo estadunidense.

“É 100% seguro? Não, nada é 100% seguro”, reconhece Francisco Aragão, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Ele ressalta que cada caso é um caso, e não se pode falar em segurança de todos os organismos geneti-camente modificados: é preciso testar cada novo organismo produzido. “Alguns problemas podem aparecer só com o tempo. Isso não é uma característica só dos transgênicos, acontece com tudo, desde automóveis a vacinas. Mas os protocolos de segurança são constantemente aperfeiçoados”, assegura o pesquisador.

Sua fala é ancorada por várias pesquisas científicas. Há dois anos, manchetes em diversos jornais anunciaram o fim da questão com a publicação de um relatório da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, que fez a maior revisão sistemática sobre transgênicos até o momento. Após a análise de 900 estudos produzidos nos últimos 30 anos, a conclusão é que não há provas de que os alimentos transgênicos já aprovados tenham impactos negativos na saúde. Mas isso não esgotou os debates.

Sob suspeita

Segundo Petersen, um dos principais problemas é o fato de que as pesquisas em geral são realizadas por períodos curtos, enquanto problemas graves de saúde comumente demoram a aparecer. “Para haver um mínimo de informação é preciso ter pesquisas de longo prazo, que nunca são feitas, porque as empresas não têm interesse”, diz. Uma questão ligada a essa é que, assim como ocorre com medicamentos, agrotóxicos e outros produtos, quem conduz os testes levados em conta na hora da aprovação são as próprias empresas fabricantes.

No Brasil, o organismo responsável pela aprovação é a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), mas a idoneidade da sua atuação está longe de ser um con-senso. Ela foi criada em 1995 pela lei 8.974 para “prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento” ao governo federal em relação a organismos geneticamente modificados; outra função era estabelecer normas técnicas de segurança e pareceres sobre a proteção da saúde e do meio ambiente. Só que dez anos depois a chamada Lei de Bissegurança mudou o esquema: a comissão passou a decidir, de modo definitivo, sobre a liberação de transgênicos.

Antonio Andrioli, que fez parte da CTNBio por 6 anos, acredita que essa não deveria ser sua função. “Ela deveria prestar só assessoria técnica. E tem vários problemas. É uma comissão que trata de biossegurança mas não tem maioria de especialistas na área de biossegurança, e sim em biotecnologia. Muitos pesquisadores da CTNBio já tiveram vínculos com empresas, pesquisam com base em recursos trazidos aos seus laboratórios por meio de bolsas, ganham prêmios financiados pelas empresas, enfim, há formas de auxílio e apoio há muito tempo já públicas”, critica. Ano passado, ao deixar seu mandato, escreveu uma carta denunciando práticas da comissão.

Não foi o primeiro. Dez anos antes, a médica sanitarista e especialista em meio ambiente Lia Giraldo pediu seu des-ligamento da CTNBio depois que o milho Liberty Link, da multinacional Bayer, foi liberado. “Participar desta Comissão requereu um esforço muito grande de tolerância diante das situações bizarras por mim vivenciadas, como a rejeição da maioria em assinar o termo de conflitos de interesse; de sentir-se constrangida com a presença nas reuniões de membro do MP ou de representantes credenciados da sociedade civil; de não atender pedido de audiência pública para debater a liberação comercial de milho transgênico, tendo o movimento social de utilizar-se de recurso judicial para garantia desse direito básico; além de outros vícios nas votações de processos de interesse comercial”, escreveu ela na época.

O conflito de interesses é, para Paulo Petersen, uma das principais características do processo de aprovação. “A pos-sibilidade de os próprios interessados economicamente no produto avaliado influenciarem a aprovação está equivocada. Toda vez que uma pesquisa aponta evidência de que há riscos elevados, ela é desconsiderada. Não é uma comissão científica, porque os interesses econômicos prevalecem sobre a análise rigorosa. Saímos do campo da ciência e entramos no campo da disputa comercial”, declara.

No ano passado, o Ministério Público Federal recomendou alterações no regimento da CTNBio para evitar conflitos de interesses e aumentar a transparência. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (ao qual a Comissão se vincula) informou ao Outra Saúde, que em 2016 a CTNBio já havia começado a revisão de seu regimento interno.

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Disse também que as sugestões do MPF foram “sub-metidas à avaliação da Consultoria Jurídica do Mctic” e a “votação pela Comissão”, e que “a proposta de alteração de Regimento Interno ainda está sob nova avaliação jurídica e quando concluída será aprovada pelo plenário da Comissão e publicada no Diário Oficial da União”, mas não informou quais serão as mudanças.

O caso mais famoso

A pesquisa sobre a insegurança dos transgênicos que gerou maior repercussão foi divulgada em 2012 por um grupo de pesquisadores franceses liderados por Gilles-Éric Séralini. Eles alimentaram ratos com o milho nk603, que é largamente cultivado e consumido, e apareceram tumores imensos, além de outros problemas de saúde. O artigo foi publicado em uma renomada revista científica, a Food and Chemical Toxicology, e as imagens dos bichinhos que desenvolveram câncer são impressionantes.

Mas reclamações sobre falhas metodológicas levaram o editor da revista a rever o caso e, cerca de um ano depois, publicar uma retratação — na prática, os resultados deixaram de existir cientificamente. É que, embora não houvesse fraude e os dados não estivessem incorretos, foram encontrados problemas que poderiam mascarar a análise: foram usados poucos animais (apenas dez em cada grupo), eles eram de uma linhagem que é naturalmente mais propensa a ter câncer e a metodologia de análise dos dados foi considerada falha.

O embate não parou por aí. Muitas críticas foram feitas à revista após a retratação, sobretudo porque ela ocorreu depois que um ex-funcionário da Monsanto foi contratado pela revista como editor especial. Em 2014, o estudo foi republi-cado em outra revista, a Environmental Sciences Europe. Na época, seu editor disse à Nature que o objetivo era garantir o acesso às informações, mas que o artigo não havia passado por revisão de pares, pois a Food and Chemical Toxicology já havia verificado a ausência de fraude.

“O milho nk603, usado na pesquisa, ocupa hoje mais da metade da área cultivada nos Estados Unidos e, no Brasil, muito mais da metade. E já está sendo cultivado nos Estados Unidos há 15 anos. Tem animais que se alimentaram com esse milho a vida inteira, e não há um único alerta feito pelo CDC [Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA], ou por veterinários e academias veterinárias associando qualquer problema desse milho a problemas de saúde dos animais. Se isso fosse verdade, seria facilmente detectável”, acredita Aragão.

Mas é fato que, enquanto algumas doenças levam décadas para se manifestar, o tempo das pesquisas nunca é muito longo. “Não dá para pensar em fazer ensaios por 20, 50 anos. O tempo das pesquisas varia para cada caso, mas confere robustez e segurança”, defende o pesquisador da Embrapa. E vai além: “Há algum dado confiável que mostra problemas causados por plantas transgênicas na saúde? Até o momento, não. E por plantas não transgênicas? Sim, vários”.

Ele diz que um bom exemplo é o de uma variedade de arroz, resistente a algumas doenças e mais produtiva, que foi lançada no Brasil nos anos 1980. Mas, quando começaram a processar os grãos industrialmente, trabalhadores tiveram sintomas de asma, como resultado de uma alergia a uma proteína daquele arroz. “Ela vinha de um arroz silvestre usado nos cruzamentos que levaram àquela variedade nova. Muitas variedades silvestres têm toxinas que vão sendo eliminadas ao longo do tempo durante os cruzamentos, porque o homem vai selecionando. Mas ninguém precisa analisar a segurança disso no Brasil. Uma variedade obtida por melhoramento genético, naturalmente, é considerada segura a priori”, compara. O melhoramento genético é diferente da transgenia: trata-se da combinação de duas plantas por meio de cruzamento sexual, feita por agricultores há milhares de anos.

Na avaliação do pesquisador, as evidências de que os transgênicos disponíveis no mercado são seguros nada têm de incertas. “Na ciência, é preciso olhar o conjunto dos dados. Para quase tudo, desde batons a celulares, há artigos científicos indicando segurança e insegurança. No caso da transgenia, há centenas de artigos de um lado, e uma dezena do outro. A OMS afirma que os produtos aprovados são seguros, academias de ciências do mundo inteiro afirmam que são seguros, enquanto poucos artigos dizem que não são. Em quem podemos confiar?”, provoca.

O buraco é mais embaixo

Embora as evidências sempre possam ser contestadas levando em conta conflitos de interesses, não se pode negar que quase todas as pesquisas disponíveis apontam que, ao menos nos casos já aprovados, a transgenia em si não traz danos à saúde. Ainda assim, isso não significa que os riscos aumentados para determinadas doenças estejam afastados. E isso tem a ver não com a técnica propriamente, mas com o uso de agrotóxicos. Estes, sim, são comprovadamente danosos: ao meio ambiente, à saúde de quem consome e aos agricultores.

O cultivo de plantas transgênicas até promete a dimi-nuição do uso deles, o que faz algum sentido. Por exemplo, há plantas que resistem a determinado tipo de inseto ou doença, o que evita o uso de veneno. É o caso da maior parte do milho transgênico cultivado no Brasil, que produz uma toxina específica para matar um tipo de lagarta.

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Rato com tumores da pesquisa de Gilles-Éric Séralini

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“Para decidir usar ou não essa semente, é preciso comparar o custo-benefício. Se há histórico de perdas por essa lagarta, qual é a outra opção? Aplicar inseticida. Todos os inseticidas, mesmo os aceitos pela agricultura orgânica, matam outros animais além do alvo. No caso da semente transgênica, o protocolo de biossegurança compara os efeitos com organismos que não são o alvo e, se matar outros insetos ou lagartas, a semente não passa. De maneira que é uma toxina bem espe-cífica. E os receptores daquela proteína não estão presentes em seres humanos, então não há riscos — mesmo assim esse risco é testado”, defende Aragão, ponderando: “É seguro para absolutamente todos os insetos? Não sei, não é possível testar com todos os insetos que existem. Mas se testa com vários”.

Apesar disso, na prática, o aumento do plantio de trans-gênicos cresce junto com o uso de agrotóxicos, embora não seja possível assegurar uma relação de causa e efeito. Este artigo, escrito por um grupo coordenado pelo pesquisador da Embrapa Vicente de Almeida, mostra alguns números: o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou 1,6 vezes entre os anos 2000 e 2012 e, no caso da soja, triplicou.

O que explica isso? Em parte, o fato de que a maioria das plantas transgênicas são desenvolvidas com o objetivo de resistir ao uso de herbicidas. Em termos mais simples: o produtor pode pulverizar as plantas com um agrotóxico que mata todo o ‘mato’ ao redor das plantas transgênicas, mas elas sobrevivem. Os dados do ISAAA mostram que hoje, dos 17 eventos de transgenia aprovados para soja no Brasil, 14 conferem a ela a resistência a herbicidas. No caso do algodão, são 12 entre os 15aprovados. E, no milho, são 34 de 44 (evento é o processo em que o gene de fora transforma a célula desejada).

Como lembra Aragão, essa resistência não é exclusividade de plantas transgênicas. “Há plantas não transgênicas resisten-tes. Como alguns tipos de arroz, desenvolvidos por mutações induzidas, que não são transgênicos”, diz. Já Andriolli ressalta o papel das grandes corporações nessa teia: “As empresas que fornecem sementes e agrotóxicos são quase sempre as mesmas. O glifosato é o princípio ativo do herbicida mais vendido no mundo, o Roundup, da Monsanto. Quase todo o algodão, a soja e o milho são resistentes a ele. E a Monsanto também é a maior produtora de sementes transgênicas”.

Existe ainda o fato de que pragas podem se tornar resistentes à toxina da planta transgênica e, nesse caso, é preciso aplicar pesticidas mesmo assim. Segundo Aragão, para evitar que isso aconteça, hoje se recomenda cultivar uma área de milho não transgênico perto do transgênico. Assim, insetos podem comer as plantas tradicionais à vontade, sem insistirem nas transgênicas, o que diminui as chances de a população dos resistentes à toxina aumentar muito. “Mas isso pode acontecer, e voltar à situação anterior”, reconhece.

Também já há relatos de ervas consideradas daninhas que desenvolvem a mesma resistência da planta transgênica ao herbicida, fazendo com que os agricultores passem a usar outros agrotóxicos no seu controle. Recentemente houve problemas em grandes plantações de soja transgênica no Brasil, onde cresce milho transgênico “sem querer” no meio da plantação, e, como ele também é resistente ao herbicida, não morre durante as pulverizações (o que de fato só é um problema em monocultivos, onde apenas a soja interessa).

Aragão lembra que isso não deve aumentar os níveis de agrotóxico nas plantas a ponto de que elas se tornem inseguras para o consumo.

“Há normas que definem o resíduo aceitável de agrotóxi-cos em grãos, e de qualquer maneira a produção precisa ficar dentro desses limites”, diz. Mas vale lembrar que esses limites não são imutáveis. O Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde mostra uma possível razão para a relação entre a introdução no Brasil da semente de soja Roundup Ready, resistente ao herbicida Roundup, e o aumento do seu consumo: “A libe-ração do sistema “Roundup Ready” no Brasil fez com que fosse necessário que a Anvisa aumentasse em 50 vezes o nível de resíduo de glifosato permitido no grão colhido”, escrevem os autores. Andrioli observa que “esses dados precisam ser analisados de forma associada”.

Saúde pra valer

No Brasil, embora quase sempre a soja, o milho e o algodão (cujas sementes são produzidas por empresas como Monsanto, DuPont e Syngenta) sejam resistentes a agrotó-xicos, esse não é o caso do eucalipto, da cana de açúcar e do feijão, que já foram aprovados pela CTNBio. O eucalipto, produzido pela FuturaGene Group, tem a característica de crescer mais rápido, enquanto a cana (do Centro de Tecno-logia Canavieira) e o feijão (da Embrapa) são resistentes a determinadas doenças.

É o caso de se perguntar: e se, diante de uma hipotética pressão mercadológica, as grandes empresas de semente um dia se esforçassem para produzir plantas resistentes a doenças e que, de fato, diminuíssem o uso de agrotóxicos? Não seria uma boa notícia?

Para a saúde individual, é bem possível. Mas, em termos mais amplos, dificilmente. As entrevistas realizadas para esta reportagem mostram que um dos maiores problemas do uso dessas sementes é na verdade a perda de soberania dos países em relação à sua alimentação, que vem junto com o domínio das sementes por parte das corporações e o enfraquecimento dos agricultores.

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“Produtores começam a comprar essas sementes por várias razões. Uma delas é o fato de que muitas políticas públicas de crédito rural são associadas ao conjunto do que chamamos de pacote tecnológico: quando o pequeno agricultor quer con-seguir crédito em vários programas, precisa apresentar uma série de notas fiscais e comprovantes, receituários, análises agronômicas de situação… A concessão de crédito está atrelada à compra de insumos, sementes, agrotóxicos e toda a assessoria técnica tradicional, voltada para a agricultura convencional e que vai receitar o pacote do veneno”, diz Naiara Bittencourt, advogada da organização Terra de Direitos.

E Petersen completa: “Tem também a propaganda das sementes novas, que as mostram como se fossem render uma alta produção, o que não é verdade [ainda não existe nenhuma semente geneticamente modificada para ter maior produtividade]. E existe ainda um outro problema: é cada vez mais difícil encontrar variedades não transgênicas no mercado. No caso da soja isso é típico, mas também acon-tece com o milho em muitos lugares”. De acordo com ele, muitos agricultores percebem os efeitos negativos do plantio de transgênicos — a produção que não necessariamente aumenta, o custo da semente que é mais alto, a ‘praga’ que se torna tolerante — e tentam voltar a usar outras variedades, mas não as encontram.

Ele nota que um dos efeitos mais graves do uso dessas sementes é “a contaminação, que leva à perda da agrobiodi-vesidade”. E explica com o caso do milho, que é uma planta de polinização aberta: diferentes variedades de milho, mesmo não transgênicas, ‘contaminam’ umas às outras porque o pólen dessa planta é capaz de viajar centenas de metros pela ação do vento ou de insetos, e o cruzamento gera sementes com características genéticas desses vizinhos distantes. Quando um dos vizinhos é transgênico, um produtor orgânico de milho pode acabar produzindo sementes transgênicas, mesmo sem querer.

E, quando isso acontece, o agricultor não só perde a semente original como a que vem do cruzamento. Isso porque, como são patenteadas, sementes transgênicas exigem o pagamento de royalties nas safras subsequentes, e agricultores podem ser processados caso não paguem. No caso de produtores orgâ-nicos, o prejuízo é ainda maior: “Para garantir a certificação orgânica, a produção não pode ser transgênica. Se alguma análise mostrar a presença de transgênicos, o produtor pode perder seu certificado e isso tem grande impacto em toda a sua cadeia produtiva”, comenta Bittencourt. Já para o patrimônio genético, a perda é incalculável. “Variedades que são resultado de anos de melhoramento genético vão sendo perdidas por essa poluição genética”, assinala Petersen.

A canola é ainda mais problemática que o milho nesse sentido, e sua contaminação já rendeu vários problemas no Canadá (no Brasil, a canola transgênica não é cultivada). O mais famoso é o caso judicial entre a Monsanto e o agricul-tor Percy Schmeiser, em cuja fazenda foi encontrada canola transgênica resistente ao Roundup. Schmeiser afirmava que sua plantação havia sido contaminada, já que não havia regis-tros de que ele jamais tivesse comprado tais sementes, mas a Monsanto ganhou a causa alegando que ele havia guardado sementes resistentes para replantio.

“No Brasil, hoje, os pequenos produtores estão protegidos até certo ponto. A nossa Lei de Cultivares [protege os direitos da propriedade intelectual sobre as sementes desenvolvidas em laboratório] tem uma exceção para eles, que podem vender alimentos feitos a partir de sementes transgênicas sem pagar royalties. Mas, se comercializarem a semente em si, podem ser responsabilizados. E é uma lei que pode ser alterada a qualquer momento. Num cenário de retrocessos como o que vivemos hoje, essa é sempre uma ameaça”, alerta a advogada.

Um caso bem conhecido de problemas com o patrimô-nio genético devido à entrada de milho transgênico é o do México, berço da domesticação desse cereal. O milho tem uma importância histórica, cultural e nutricional gigante por lá, e existe em todos os tamanhos e cores. Para proteger esse bem, em 1998 o país proibiu o cultivo de versões transgêni-cas. Mesmo assim, dois anos depois, foi encontrado material genético transgênico em variedades nativas. A proibição se extinguiu em 2005, e há várias organizações de proteção ao milho tradicional no país.

As normas brasileiras impõem uma distância mínima de 100 m que as plantações de milho transgênico devem guardar em relação a outras, mas, segundo Antonio Andrioli, ela é totalmente insuficiente. “Há variáveis incontroláveis e o pólen viaja por distâncias muito maiores”, observa. Já Naiara Bit-tencourt acrescenta que o ônus desse controle acaba recaindo sobre o agricultor do plantio não transgênico. “Deveria haver fiscalização, mas, na prática, é o agricultor que deseja proteger seu plantio quem precisa fazer barreiras verdes altas”.

O resultado disso, é que a cadeia produtiva de sementes fica concentrada em grandes corporações e, que, hoje, está sob o domínio de três grandes conglomerados: Bayer-Monsanto (que estão em processo de fusão), DowDuPont (fusão entre DuPont e Dow Chemical) e Syngenta-ChemChina. Já chega-ram a ser criadas sementes chamadas ‘suicidas’ ou ‘terminator’, que dão origem a sementes estéreis, tornando efetivamente impossível a reprodução via replantio. “Há uma moratória da ONU, do ano 2000, que impede sua utilização. Mas já houve um projeto de Lei no Congresso para que se liberasse a comercialização no Brasil”, lembra Naiara.

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“Ainda não sabemos o impacto que essas sementes poderiam ter. Se, por exemplo, o cruzamento entre um milho terminator e uma semente tradicional poderia também gerar descenden-tes inférteis. O risco da erosão do patrimônio genético seria grande”, completa ela.

Quanto a ter tanto poder concentrado nas mãos de poucas empresas, Francisco Aragão concorda que isso “não é desejá-vel” e ajuda a diminuir a diversidade de cultivos no mundo. “Essas empresas estão interessadas em commodities, por isso o foco em soja, milho, algodão. Elas investem em plantas que podem se adaptar ao mundo inteiro, e a estudar a resistência a doenças que estão também presentes no mundo inteiro. Mas problemas e culturas locais ficam de fora. As companhias não estão interessadas em melhorar culturas como feijão e banana, só no que vai ter mercado global”.

Porém, ele ressalta que o problema não é da técnica da transgenia em si. “O ideal seria que houvesse mais sementes geradas em ambientes públicos”, defende, apontando uma questão inusitada. De acordo com ele, embora os testes de biossegurança sejam importantes, o seu alto custo acaba res-tringindo às grandes empresas a possibilidade de aprovação de tecnologias. “Eles acabam criando uma reserva de mercado, porque essas empresas têm dezenas de milhões de dólares para investir nos testes, mas universidades e empresas públicas não. Hoje há centenas de tecnologias desenvolvidas no setor público que nunca chegarão ao mercado”, lamenta.

Para Paulo Petersen, esse debate não deveria estar de fora das decisões sobre a aprovação ou não de novas sementes: “A CTNBio não avalia essa lógica de agricultura que tem gerado uma grande concentração de poder em um número pequeno de empresas, o fato de esse poder fazer com que elas dominem o desenvolvimento tecnológico e monopolizem o mercado. A comissão avalia apenas riscos ao meio ambiente e à saúde. Só que o debate dos transgênicos não é sobre biossegurança, mas também sobre a soberania de países e povos sobre seu patrimônio tecnológico”.

Organotransgênicas

Alguns parágrafos acima, esta reportagem propôs um exercício de imaginação sobre um cenário em que fossem desenvolvidas plantas transgênicas totalmente ‘do bem’, não relacionadas a agrotóxicos. Se você achou que era pura fantasia, errou feio. Numa entrevista, a geneticista Pamela Ronald (que é casada com um agricultor orgânico) defende exatamente essa ideia.

E tem mais gente fazendo o mesmo raciocínio: “O futuro pertence às culturas ‘organotransgênicas’, que serão cultivadas com agricultura de precisão, respeitando a natureza e sua biodiversidade”, declarou o botânico suíço Klaus Ammann, professor da Universidade de Delft, no prefácio do livro Genetic Glass Ceiling, escrito pelo israelense Jonathan Gressel.

Para Paulo Petersen, um futuro assim não seria surpreen-dente. “O que define o que é ou não orgânico é uma instituição humana que assim o diz. A definição está na Lei. Se a Lei for alterada para um conceito de que orgânico significa apenas a ausência de agrotóxicos e fertilizantes químicos, mesmo que com uso de sementes transgênicas, isso pode ser feito. É uma disputa no legislativo, que nada tem a ver com qualidade ou segurança alimentar. Tem a ver com pressão econômica. E há uma pressão enorme da indústria para fazer com que o conceito de orgânico incorpore, sim, os transgênicos”, diz ele.

Petersen também critica o debate sobre alimentos orgânicos: “Ao longo dos últimos 30 anos, essa é uma discussão que tem avançado condicionada pelos interesses comerciais. Existe um nicho bem demarcado que valoriza e diferencia o produto orgânico. Hoje, há uma parcela de produtores produzindo para uma parcela de consumidores, enquanto a maior parte da população come alimentos de má qualidade”.

Ele deixa o alerta de que, se quisermos falar em segurança alimentar, nutricional e saúde coletiva, é preciso mudar os padrões de consumo e produção. “E definir que orgânicos têm que ser baseados em princípios agroecológicos”, conclui.

A solução da organotransgenia é, também para Naiara Bittencourt, totalmente falaciosa. “Não dá para pensarmos o alimento isolado da cadeia produtiva, da relação que homens e mulheres têm com a terra, do cuidado, da relação de pro-dução. Não dá para aceitar como solução a transgenia, com suas relações de propriedade intelectual e com o domínio das grandes empresas, com relações sociais destruídas a partir desse domínio”, salienta.

A verdadeira saída, de acordo com eles, é pela via da agroecologia, que trabalha com recursos adaptados aos ecossistemas e, portanto, está menos sujeita à necessidade de grandes intervenções tecnológicas (como o custoso desenvol-vimento de novas plantas porque as anteriores encontraram insetos resistentes, por exemplo). “É importante dizer que, no início do mês, aconteceu o 2º Simpósio de Agroecologia da FAO [Organização das Nações Unidas para Alimenta-ção e Agricultura], que discutiu como a agroecologia pode contribuir para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável. Nesse simpósio, os países refletiram o quanto sistemas agroalimentares, a distribuição e o consumo de alimentos são responsáveis por grandes problemas. E como mudar os sistemas é fundamental para alcançar vários dos objetivos. Isso significa interferir na questão dos transgênicos”, conta Petersen.

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E o T, faz falta?

Os dados da maior parte das pesquisas disponíveis atual-mente apontam para o fato de que a tecnologia da transgenia não é a grande vilã, nem para a saúde stricto sensu, nem para a soberania alimentar. O problema está no sistema de produção em que ela se encaixa — grande escala, monocultivo, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos — e na concentração de tamanho poder nas mãos de grandes corporações. E esta parece ser uma barreira intransponível à transgenia, já que os custos para o desenvolvimento e registro são altos.

É preciso também tornar a dizer que a maioria esmagadora dos transgênicos é usada para consumo animal, então ela não aparece nas prateleiras empacotada e rotulada. Isso não tem realmente aparecido nos debates sobre o consumo de trans-gênicos: se o país inteiro deixasse de consumir os produtos hoje marcados pelo triângulo amarelo, isso praticamente não afetaria em nada as questões ambientais, por exemplo.

Embora concorde com o Idec no sentido de que consumi-dores têm direito à informação, Francisco Aragão considera que a rotulagem, da maneira como é feita, não contribui exatamente para isso, pois não remete à informação, e sim à segurança. “Deveria haver um alerta sobre qual agrotóxico foi usado no cultivo daquele produto, se foi na concentração certa, se o período de carência [tempo necessário entre a aplicação e a colheita] foi seguido. Em termos de segurança, isso sim seria importante”, avalia.

Já Naiara Bittencourt acredita que a rotulagem hoje não chega a ser suficiente como fonte de informação, mas é neces-sária. “As pessoas ainda nem sabem direito o que aquela figura significa, seria preciso um trabalho grande de informação. E o símbolo é muito pequeno também. Mas é melhor ter do que não ter. As pessoas precisam poder saber sobre a composição do alimento que compram”, defende.

De fato, uma pesquisa feita em 2014 pela Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos e pelo instituto IPSOS mostrou que quase 70% dos entrevistados não sabia o que queria dizer o símbolo, e 14% o confundiam com um sinal de trânsito. “Muita gente confunde transgênico com gordura trans”, completa Andriolli, “mas isso não quer dizer que não se precise garantir a rotulagem”.

Mas uma questão importante está na responsabilização individual sobre esse tipo de escolha que, às vezes, não chega a ser uma escolha, por não haver outra opção. “É de fato algo que merece ser tratado como assunto público, sem responsabi-lizar o indivíduo, inclusive porque, como sabemos, o nível de desinformação é grande. Porém, o rótulo é um mecanismo para que possa ser feita uma campanha de conscientização. É um instrumento para fazer com que a questão permaneça sendo discutida”, acredita o agrônomo e Coordenador-Executivo AS-PTA, Paulo Petersen.

A decisão do Senado, que se arrasta desde 2015, agora pode sair em breve. Mas, qualquer que seja ela, não parece haver grandes mudanças à vista.

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“Três coisas não podem ser escondidas por muito tempo: o Sol, a Lua e a Verdade.” Buda

“Da Terra à Lua”, romance de Júlio Verne (1828-1905), escritor francês de ficção cientí-fica, foi publicado em 1865. Ele conta a aventura mirabolante do Clube do Canhão (Gun Club), entidade americana dedicada à produção de armas de fogo, canhões e balística em geral. Além disso, com a falta de guerra nos EUA, o Clube dedicou-se também ao plano de construir um imenso canhão para lançar um projétil à Lua. Foram, então, construídos um canhão, uma bala oca e um telescópio, em escala impensável; e produzida uma quantidade inimaginável de pólvora. A bala disparada chegou perto da Lua, mas não pousou, entrou em sua órbita. O que aconteceu com os três tripulantes que tinham mantimentos só para mais dois meses? Verne adiou o desfecho para “Em torno da Lua”, livro editado em 1869. “Da Terra à Lua” é contemporâneo da obra de H. G. Wells, “O Primeiro Homem na Lua”. Ambos inspiraram o 1º filme de ficção científica, “Viagem à Lua”, rodado em 1902 por Georges Méliès. Em 1958, outra película sobre a ficção de Verne foi lançada, “Da Terra à Lua”, um dos últimos filmes da RKO Pictures. A Lua é dos namorados, repete a marchinha brasileira de carnaval, mas quando se fala em dominar a Lua, há sempre um jogo de força.

Hoje, o romance de Verne destaca-se, sobretudo por sua irônica origem militar – o Clube do Canhão. A Era Espacial, esboçada na Alemanha Nazista e inaugurada pelo Sputnik-1 soviético em 4 de Outubro de 1957, surgiu de fato da Guerra Fria, declarada pelos EUA dez anos antes, em 1947. As ati-vidades espaciais eram de uso exclusivo das forças armadas. Astronautas e cosmonautas vinham sempre de áreas militares. Em 19 de Julho de 1969, os EUA chegaram primeiro à Lua e venceram a corrida espacial travada ao longo dos anos 60, mas já em 1972, o Projeto Apolo que a sustentava foi liquidado por uma penada do Presidente Richard Nixon – afastado em 1974 da Casa Branca por impeachment. Nos anos 1970, os projetos lunares dos EUA e da URSS foram suspensos. As viagens à Lua se revelaram muito caras e não perseguiam nenhuma meta concreta. Meio século depois, o objetivo de habitar a Lua voltou a interessar às superpotências.

O elevado nível tecnológico já alcançado abre oportu-nidades, sobretudo para poderosas corporações privadas,

Por que colonizar a Lua?José Monserrat Filho | Jornalista e Mestre em Direito Internacional*

* José Monserrat Filho também é Vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, ex-Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional do Ministério da Ciência e Tecnologia (2007/11) e da Agência Espacial Brasileira (2011/15), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial e Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica. Ex-diretor da revista Ciência Hoje e ex-editor do Jornal da Ciência, da SBPC, autor de “Política e Direito na Era Espacial – Podemos ser mais justos no Espaço do que na Terra?”.

de criarem metas e negócios mais ambiciosos, como extrair minerais valiosos, por exemplo. Quem afirma é Tatyana Pichugina, jornalista de ciências da Agência Sputnik da Rússia. Para ela, o arsenal da indústria espacial global já disponível tem tudo para faturar alto na Lua (sem falar nos outros corpos celestes, como o asteroides); só faltam obje-tivos traçados com mais clareza. Se aposta muito também no hélio-3, usado em contadores de nêutrons. Ao contrário da Terra, a Lua tem muito hélio-3. Não por acaso, várias potências – cujas forças armadas e grandes empresas privadas estão cada vez mais unidas – já se manifestaram dispostas a ir à Lua para explorar e usar o hélio-3 como combustível. Cientistas já imaginaram também transferir para a Lua, no futuro, a produção intensiva de energia na Terra, a fim de reduzir suas emissões industriais.

Que dificuldades enfrentaremos? Na Lua, não há atmosfera nem campo magnético. Sua superfície é permanentemente bombardeada com micro meteoritos. As diferenças de tem-peratura ao longo do dia podem chegar a 200º Celsius. Lá, as pessoas só podem trabalhar com roupas especiais e dentro de veículos fechados, ou em módulos estacionados com um sistema completo de suporte de vida.

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Em geral, todo o processo de construção deve ter por base tecnologias inteiramente diferentes e avançadas: usando módulos infláveis, produzem-se muitos elementos de cons-trução em impressoras 3D e criam-se materiais compostos do regolito lunar por meio de sintetização a laser. Os cien-tistas, pois, ainda precisam pensar em muitas coisas antes de qualquer ação real de colonização. Uma estação espacial orbital da Lua é vista como passo lógico no processo de sua colonização. EUA, Rússia e China já anunciaram: seus projetos na Lua começam a funcionar até 2025-2030. EUA e Rússia acordaram em criar uma estação orbital conjunta chamada Deep Space Gateway. Alguns países do BRICS (Rússia, China, Índia e África do Sul) poderão acompanhar o projeto de perto. Detalhes técnicos serão conhecidos ainda este ano. O trabalho de construção em órbita deve se iniciar em 2024. Tomara que esse inédito esforço de cooperação seja um êxito maiúsculo. O mundo agradecerá.

Em paralelo, a ameaça de guerra espacial. Os cientistas em geral estão convencidos de que a humanidade é plenamente capaz de converter a Lua em posto avançado no espaço: já existem centros de lançamento, foguetes pesados de transporte, módulos espaciais e robôs lunares. Mas antes há que superar o perigo de guerra espacial, que cresce cada vez mais. Para isso, já existem até armas especiais, inclusive nucleares, para uso no espaço – em produção, ou prontas e ensarilhadas.

No recente 34º Simpósio Espacial, em 17 de Abril de 2018, na cidade de Colorado Springs, EUA, o Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica dos EUA, David L. Goldfein reafirmou o papel essencial dos militares da Força Aérea na manutenção da superioridade espacial – “Nossos especialistas espaciais devem ser de classe mundial.”

Mas isso não basta: eles precisam “entender o negócio da superioridade espacial e ter um conhecimento prático de manobras terrestres e operações marítimas, se quisermos integrar operações aéreas, espaciais e cibernéticas numa cam-panha conjugada”. O espaço está no DNA da Força Aérea dos EUA, enfatizou Goldfein. O trabalho da Força Aérea tem liderado a superioridade espacial do país há mais de 60 anos e permanecerá apaixonado e inflexível na medida em que tiver firme continuidade no futuro, acrescentou Goldfein. “Que não haja dúvidas, nosso trabalho responde por 90% da arquitetura espacial do Departamento de Defesa, e a força profissional cumpre o dever sagrado de defendê-la. Temos que abraçar a superioridade espacial com a mesma paixão e senso de propriedade com que tratamos a superioridade aérea até hoje”, salientou Goldfein.

O espaço permite tudo o que a Força Aérea pode e deve fazer. As capacidades espaciais são essenciais para o sucesso no campo de batalha, mas também são vitais para o modo de vida estadunidense. Goldfein frisou igualmente a importância de operar no espaço com aliados e parceiros: “Por mais fortes que sejamos em conjunto, como pilotos e combatentes, somos ainda mais fortes lutando ao lado de nossos aliados e parceiros”. E mais: “A integração com nossos aliados e parceiros aumenta a segurança, a estabilidade e a sustentabilidade do espaço e, por fim, conquista o apoio internacional que condena as ações prejudiciais de qualquer adversário”. Por isso, a importância do espaço é bem destacada nos documentos sobre Estratégias de Segurança Nacional e Defesa Nacional, há pouco publicados. O projeto de orçamento do Presidente para 2019 concede os maiores recursos para o espaço, desde 2003. O negócio da guerra sempre demanda muito dinheiro.

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Mandacaru, xique-xique, veado-catingueiro, asa branca, soldadinho-do-araripe, arara-azul-de-lear... Os nomes de plantas e animais são a melhor tradução da riqueza natural da Caatinga, o bioma semiárido mais biodiverso do mundo e o único exclusivamente brasileiro.

São 932 espécies de vegetais, 178 de mamíferos, 590 de aves, 241 de peixes. Muitas delas são endêmicas, ou seja, só existem no local. E, o pior: algumas estão ameaçadas de extinção.

No sábado 28 de Abril, comemora-se o Dia Nacional da Caatinga. “É o momento para refletirmos sobre a impor-tância de avançar na agenda de conservação de esse que é o terceiro maior bioma brasileiro e o principal do Nordeste”, diz o Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), José Pedro de Oliveira Costa.

Para marcar a data, o MMA promoverá, entre outros eventos, o 1º Dia de Campo sobre a implantação de Uni-dades de Recuperação de Áreas Degradadas e Redução da Vulnerabilidade Climática (Urad) em Sergipe.

Ecossistemas

A Caatinga ocupa cerca de 11% do território nacional. Abrange áreas dos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Mara-nhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e o Norte de Minas Gerais. O bioma semiárido mais biodiverso do mundo sofre com a ocupação humana e a desertificação Vinte e sete milhões de pessoas vivem atual-mente na região, o que causa forte impacto sobre os recursos naturais. Nada menos que 80% dos ecossistemas originais foram alterados, principalmente por meio de desmatamentos e queimadas, em um processo de ocupação que começou nos tempos do Brasil colônia.

Ainda hoje, grande parte da população da Caatinga utiliza os recursos da biodiversidade para sobreviver. Por outro lado, esses mesmos recursos, se conservados e explorados de forma sustentável, podem impulsionar o desenvolvimento da região. A partir dessa visão, que busca conciliar a preservação com o uso sustentável, o Governo Federal promove, por meio do Ministério do Meio Ambiente, um conjunto de ações para proteger o bioma. Entre elas, destacam-se 25 Unidades de Conservação (UCs) federais que, juntas, guardam 4 milhões de hectares de Caatinga. As mais recentes, criadas em abril, são a Área de Proteção Ambiental e o Parque Nacional do Boqueirão da Onça.

Dia da Caatinga é celebrado em 28 de Abril

Elmano Augusto | Jornalista do MMA

“Estamos todos muito felizes pela recente criação do Parque Nacional e da Área de Proteção Ambiental do Boqueirão da Onça com quase um milhão de hectares na área hoje mais preservada da Caatinga”, destaca o Secretário de Biodiversidade.

Boqueirão da onça

Com 345.378 hectares, o Parque é a segunda maior UC de

proteção integral do bioma. Junto com a Área de Proteção Ambiental, forma um grande mosaico que, além de possuir grande variedade de ambientes, abriga animais endêmicos e em risco de extinção, entre eles, a onça-pintada, o maior felino das Américas. A onça tem no Boqueirão um de seus principais refúgios.

A APA, que é uma UC de uso sustentável, tem mais de meio milhão de hectares e permite a exploração de atividades produtivas, como o turismo ecológico. A ideia é propiciar emprego e renda para populações tradicionais, como quilom-bolas e comunidades de fundo de pasto (que se caracterizam pela posse e uso comunitário da terra).

A conservação da Caatinga está intimamente associada ao combate à desertificação, processo de degradação ambiental que ocorre em áreas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas. No Brasil, 62% das áreas susceptíveis à desertificação estão em zonas incluídas no bioma, sendo que muitas já estão bastante alteradas.

Convenções

No contexto internacional, a Caatinga está relacionada diretamente a duas das três principais Convenções sobre Meio Ambiente no âmbito da Organização das Nações Unidas: a Convenção de Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção de Combate à Desertificação (CCD).

Esse contexto pode ajudar na conservação do bioma. Por meio das Secretarias de Biodiversidade e de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, o Ministério do Meio Ambiente trabalha, junto com parceiros, no sentido de agilizar a implantação das duas Convenções no país.

A proteção da Caatinga tem ainda ligação com a mudança do clima que, entre outras coisas, causa a redução do volume das chuvas e, em consequência, a dificuldade de recarga dos aquíferos- fator decisivo para acelerar o processo de desertificação. Tudo isso alerta ainda mais a sociedade para a importância de se conservar o bioma.

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