américa pré-colombiana (1)

57
7/16/2019 América pré-colombiana (1) http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 1/57 Muitas das informações sobre o passado pré-colombiano se perderam durante a fase do descobrimento europeu e da conquista. Interesses sócio-políticos motivaram alguns povos a destruir velhos documentos no afã de reescrever em favor próprio a história do México Central. Apesar deste ''apagamento história)", recuperoU'Se, com grande trabalho, parte desta documentação. Neste livro, um painel em busca da história quase perdida daquela época. Brasiliense

Upload: junior-batista

Post on 30-Oct-2015

1.266 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 1/57

Muitas das informações sobre o passado

pré-colombiano se perderam durante a fase dodescobrimento europeu e da conquista.

Interesses sócio-políticos motivaram alguns

povos a destruir velhos documentos no afã dereescrever em favor próprio a história do

México Central. Apesar deste ''apagamento

história)", recuperoU'Se, com grande trabalho,

parte desta documentação. Neste livro, umpainel em busca da história quase

perdida daquela época.

B r a s i l i e n s e

Page 2: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 2/57

Copyright © Ciro Flamarion S. Cardoso

Capa:

127 (antigo 23)Artistas Gráficos

Revisão:Carlos E . CarvalhoJosé E . Andrade

J3 —

Editora Brasi l iense S .A .

R . G e n e r a l J a r d i m , 1 6 0

0 1 2 2 3 - S ã o P a u l o - S P

F o n e ( 0 1 1 ) 2 3 1 - 1 4 2 2

•A

Í N D I C E

Introdução 7Sociedades pré-agrícolas 12Sociedades agrícolaspré-urbanas . ; 3 4Agricultura intensiva e urbanização: as "altas

culturas"pré-colombianas 5 2

Reflexões finais 10 9Indicações para leitura 11 5

Page 3: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 3/57

INTRODUÇÃO

"A c i v i l i zação romana não morreu de mortenatural. Foi assassinada." Assim concluiu A n d r é Pi-ganiol o seu livro sobre o I m p é r i o Romano no s é c u l olV~aepois de Cristo {L'empire chrétien 325-395, Pan s , P. U. F . , 1947, p. 422). Tal a f i r m a ç ã o , d i s c u t í v e lno caso romano, aplica-se perfeitamente à s nume-rosas sociedades i n d í g e n a s existentes no continenteamericano na fase do descobrimento europeu e daconquista (fins do s é c u l o X V e s é c u l o X V I ; em certasr e g i õ e s , a conquista foi mais tardia). De tal fatoderivam-se muitos problemas de d o c u m e n t a ç ã o emesmo de i n t e r p r e t a ç ã o .

De d o c u m e n t a ç ã o : os conquistadores d es t ru í ram monumentos — grandes centros urbanos daú l t i m a fase p r é - c o l o m b i a n a foram transformados emcidades espanholas ( M é x i c o , Cusco) — e obras dearte (fundidas quando confeccionadas com metaispreciosos), queimaram quase todos os c ó d i c e s (ma-

Page 4: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 4/57

8 CiroFlamarion S.

nuscritos p r é - c o l o m b i a n o s , encontrados principal-monte na área que hoje corresponde ao M é x i c o centro-meridional). Mais grave ainda, a conquista e asprimeiras fases da c o l o n i z a ç ã o significaram a destruição física da maioria absoluta dos índ io s , a tr a v é sde epidemias repetidas, e sc r a v idã o e trabamos forç a d o s diversos, confisco de terras, ruptura violentada o r g a n iz a ç ã o social, familiar, religiosa, cultural.E n t r e os m i l h õ e s que morriam, desapareceram muitos s á b i o s portadores da t r a d i ç ã o de c iv i l i z a ç õ e s moribundas. Tudo isto limita muito a quantidade dei n f o r m a ç ã o que se p ô d e recolher sobre as ú l t i m a setapas da historia p r é - c o l o m b i a n a .

problemas de ^inte r pr e ta ç ã o : nas r e g iõ e s ind í genas e m e s t i ç a s da A m é r i c a , ^ t r a u m a M c w q u l s t ae da c o l o n i z a ç ã o se prolonga a t é hoje, e x pr e ssa r idõ -sen a o p o s i ç ã o entre "hispanistas" e "indigenistas",apologistas respectivamente da obra civilizadora ibé rica e do passado i n d í g e n a . Em ambos os casos, sãop o s i ç õ e s unilaterais, distorcidas e idealizadas. E mcertos p a í s e s , quase se teria a i m p r e s s ã o de que p o l é micas coloniais — S e p ú l v e d a versus Las C a sa s , Sa r miento de Gamboa versus Garcilaso de la Vega —ainda

n ã o terminaram...Ê verdade, no entanto, que a conquista não

pode explicar tudo..Os tipos po ss ív e i s de testemunhos variam t a m b é m segundo os graus de e v o l u ç ã osocial do povos p r é - c o l o m b i a n o s de todas as é p o c a s .Houve, enfim, de str u iç õ e s deliberadas de documentos hi s tó r i c o s , por r a z õ e s po l í t i c a s , antes da chegadados europeus. Assim, os astecas de str u ír a m velhos

América Pré-Colombiana 9

c ó d i c e s de outros povos no afã de "reescrever" a seufavor a hi s tó r ia do M é x i c o central.

Podemos dividir em t r ê s grandes grupos osdocumentos de que dispomos para o estudo da antiguidade americana. O leitor c o n s t a t a r á facilmenteque a r e g iã o melhor aquinhoada é a que os a r q u e ó logos batizaram como " M e s o - A m é r i c a " (boa partedo M é x i c o , Guatemala, El Salvador e p o r ç õ e s deHonduras, N i c a r á g u a e Costa R i c a atuais).

Consideremos, em primem) lugar, as fontes dis-poníveispara toda a América. São os restos arqueol ó g i c o s , os textos em l í n g u a s europeias redigidos porconquistadores, cronistas, miss io ná r io s , func io ná r io sreais dos primeiros tempos da c o l o n i z a ç ã o ; às vezest a m b é m tomos obras de escritores i n d í g e n a s e mest i ç o s em l í n g u a s europeias e documentos legais (relativos à terra, por exemplo) das c o ló n ia s incipientes.O pr ó pr io mapa l ing u í s t i c o da é p o c a da conquista,quando é po ss ív e l r e c o nst i tu í - l o , torna-se fonte degrande interesse.

E m seguida, há fontes disponíveis principal

mente para a Meso-América e a zona andina central

(Peru, Bo l ív ia , partes do Equador, do Chile e daArgentina). Referimo-nos a textos em l íng ua s ind í genas, provenientes da t r a d iç ã o oral, fixados comcaracteres latinos depois da conquista. Merece menç ã o especial, neste ponto, o imenso trabalho de Bernardino de Sanagun no M é x i c o .

Finalmente, temos as fontes só disponíveis para

a Meso-América: c ó d ic e s ou "livros de pinturas",dos quais só quarenta são p r é - c o l o m b i a n o s , e outros.

Page 5: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 5/57

10 Ciro Flamarion S.

do s é c u l o X V I , mas feitos segundo a t r a d iç ã o ind í gena; e i n s c r i ç õ e s , principalmente na zona maia,ainda não totalmente decifradas na atualidade.

Tendo em vista a natureza das fontes di spo n í veis, que m é t o d o s podem ser aplicados ao estudo dahi s tó r ia pr é -c o lo mbia na ?

O ú n i c o m é t o d o universalmente a p l i c á v e l aopassado i n d í g e n a da A m é r i c a é o a r que o ló g ic o , maisexatamente o da arqueologia pré-histórica. Trata-sel ia . reconst i tuição de culturas desaparecidas a tr a v é sdos v e st íg io s materiais por elas deixados (esqueletosdos homens, ou dos animais de que se alimentavam;restos de casas, t ú m u l o s , templos; artefatos e objetosdiversos: c e r â m i c a , esculturas, instrumentos a g r íc o la s e outras ferramentas, etc) , obtidos em muitoscasos através de e s c a v a ç õ e s realizadas segundo métodos sofisticados, e interpretados com apoio emu m a tecnologia a v a n ç a d a ( d a t a ç ã o pelo carbono 14,p a l i n o l õ g i a ou estudo dos pó le ns fó sse i s para reconstituir floras desaparecidas, m é t o d o s e s t a t í s t i c o s^ ete-*-e em algum sistema t e ó r i c o acerca dos^aspectos dinarmicose^strutuiais_das^

""^Outra metodologia muito importante para os

estudos p r é - c o l o m b i a n o s é a da etno-história. E s t afoi, a p r i n c í p i o , uma e s p é c i e de etnografia descritiva,aplicada retrospectivamente às fontes da é p o c a daconquista e dos primeiros tempos da c o l o n i z a ç ã o .Hoje é algo bem mais sér io e interessante: o usocritico de documentos diversos para a r e c o nstr uç ã ojlas- estruturas e c o n ó m i c a s , sociais, po l í t i c a s e mte-lectuais dos diversos grupos i n d í g e n a s , tratando de

América Prê-Colombiana 11

eliminar as d e f o r m a ç õ e s induzidas por uma docum e n t a ç ã o de origem europeia ou de europeus residentes (criollos), nascidos na A m é r i c a . Apoia-se aomesmo tempo em m é t o d o s h i s t ó r i c o s _e a n t r o p o l ó gicos.

Por fim, para os s é c u l o s que precedem imediatamente a conquista, em certas regiões privilegiadas —como é o caso do M é x i c o central —, o método histórico no sentido tradicional ou estrito, baseado em

documentos escritos que procedem do passado pré-colombiano ou da f i x a ç ã o da sua t r a d iç ã o oral, é possíve l , embora os historiadores tenham de se apoiarigualmente nos resultados da arqueologia e da etno-hi s tó r ia .

Deve ficar claro, p o r é m , não ser p o s s í v e l paraqualquer p e r í o d o p r é - c o l o m b i a n õ ja c o n s t r u ç ã o deum saber hi s tó r i c o c o mpa r á v e l ao que p o s s u í m o sacerca da Gr é c ia ou Roma antigas,, por exemplo, jáque estas são c iv i l izações para as quais podemosdispor de multo mais d o c u m e n t a ç ã o escrita, possibilitando uma v i sã o bem mais detalhada dos processose estruturas. Mutatis mutandis, a s i t u a ç ã o do conhecimento hi s tó r i c o acerca da A m é r i c a p r é - c o l o m b i a n a

se assemelha à do qtle.se refere à ÂWçaJSfegra pré-colonial, inclusive na jde fo r ma ç ã o produzida por umadi s tr ibu iç ã o muito desigual dos trabalhos dos especialistas no tempo e no e s p a ç o : há r e g iõ e s e p e r í o d o smuito frequentados, enquanto outros permanecemquase desconhecidos.

Page 6: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 6/57

S O C I E D A D E S PRÉ-AGRICOLAS

O povoamento da América

Esteie uma questão que permanece sem soluçãocabal, em parte pela quantidade ainda insuficiente epela grande dispersão dos achados arqueológicos derestos humanos e implementos anteriores ao séculoX a. C . 1

Talvez convenha resumir* antes de mais nada,os pontos sobre os quais há hoje um consenso geral,pu quase geral. São elesj_ 1) a impossibilidade de

HÍ5?JSy^u

Ç.l2 au tóctone do homem ter-se produzidona América: todos os esqueletos humanos até agoraencontrados têm. quando muito algumas dezenas de

(1) O sistema de d a t a ç ã o mais usual hoje em dia é o que tomacomo re f erên c ia o nascimento de Cristo, diferenciando a partir dai asdatas antes de Cristo (a. C . ou a. de J . C.) e as datas depois de Cristo (d .H d. de J . C , ou ainda a. D. , do latimanno Domini: " â n o d o Senhor").

América Pré-Colombiana 13

Q U A D R O 1 — Cronologia da ú l t i m a g l a c i a ç ã o do Pleistoceno ou Quat e r n á r i o (Wlsconsln) na A m é r i c a , segundoBosch Gimpem.

Tempo(anos a. C .)

Fases mais Fases menosfrias (ou frias

glaciares) (retiradasglaciares)

Fatos dapré-história americana

50000-45000 Altoniense América provavelmente ainda45000-40000 Scarborough despovoada.

40000-30000 Farmdale Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

30000-25000 Talbot

Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

25000-23000 Iowa

Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

23000-20000 Peoria

Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

20000-18000 Tazewell I

Início do povoamento daAmérica (?).

Poucos sitios arqueológicosdatados, como TIapacoya, noMéxico e Pikimachay, no Peru.

18000-16000 Hackensack

16000-15000 Tazewell I I

15000-14000 New Haven Entradade caçadoressuperiorespor Bering/corredordoMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12300 a. C, ± 500.

14000-13500 CarylEntradade caçadoressuperiorespor Bering/corredordoMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12300 a. C, ± 500.

13500-13000 Springfield

Entradade caçadoressuperiorespor Bering/corredordoMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12300 a. C, ± 500.

3000-12000 Caryll

Entradade caçadoressuperiorespor Bering/corredordoMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12300 a. C, ± 500.

12000-11000 Brattelboro

Entradade caçadoressuperiorespor Bering/corredordoMackenzie (?). A ponta deprojétiJ de Muaco (Venezuela)foi datada entre 14400 a. C. i :400 e 12300 a. C, ± 500.

11000-10000 Caryll lTem início a difusão das pontasde projétil da tradição chamadaPlano.

10000-9100 Two CreeksInicia-se a difusão das pontas deprojétil da tradiçã o chamada

Uano.

9100-8800 ValdersApogeu do Paleolítico Superioramericano.

8800-6000 Grande retirada: fim daglaciação epassagemdo Pleistoceno ao Ho-loceno.

— —

Transição do PaleolíticoSuperior ao Mesolítico. Inícioda domesticação de plantas(Meso-América, 7000 a . C ) .

Page 7: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 7/57

Q U A D R O 2 —As grandes etapas da pré-história (muito simplificado).

Características

Médio

1?parte: Só a Africa é povoada; ao Homo hábilis atribui-se a chamada Peb-bleculture, com seus toscos talhadoresdepedra. O homem é caçador-coletornào-espeeializado e não conhece o fogo.

2?parte: O homem povoa a África, ametade sul da Eurásia e a Indonésia.Ao Homo erectus, ou Pitecantropo, associa-se a fabricação de artefatos de pedra com duas faces trabalhadas e, maistarde, de artefatos de lascas. Mais dados a partir de meio milhão de anosatrás, quando possivelmente surge ocontrole do fogo.

Cronologia noVelho Mundo

Do aparecimento do Homem(5 milhões de anos atrás, segundo R. Leakey) até um milhão de anos antesdo presente;os vestígios se tornam mais

abundantes a partir de uns 2rn h fff de anosatrás.De um mUh&o de anos atrása 100000 anos antes do presente» aproximadamente.

Cronologia naAmérica

Ao Homo sapiens neanderthalensis eoutros tipos humanos seus contemporâneos atribui-se uma indústria lítica

chamada Musteriense, mais. aperfeiçoada e diversificada do que as do Paleolítico Inferior. Têm início a caça di-reta de animais grandes, ávid a em cavernas (com a glaciação), os enterrosorganizados e o culto a crânios de ursos.

De 100000a 40000 anos atrás,aproximadamente.

Na América, talvez apartir de 40000 a. C ,penetram caçadores-co-letores não-especializa-dos, com instrumentallítico tosco, mas já pertencentes ao tipo Homosapiens sapiens (que começa no Velho Mundono máximo há uns50000anos).

3

i

I3

Superior Ao Homo sapiens sapiens se associauma série de Indústrias líticas de altaqualidade e diversificação, incluindopostas de projétQ, e uma indústria deosso e marfim (arpões, agulhas, etc).Apogeu da grande caça especializada.Primeiraarte conhecida.

De 40000 anos atrás a entre11000 e 9000a, C.f aproximadamente.

Aproximadamente entre11000 a. C. (talvez bemantes: ponta deMuaco) e8 800/6 000a. C.

, Meso-Utico

NoVelho Mundo, aparecimento de mi-crolitos (instrumentos de pedra de di

mensõesmuito reduzidas),

difusãodo

arco e flecha, primeiras embarcaçõesarqueologicamente comprovadas. NaAmérica as indústrias líticas são diferentes. Mas o mais importante 6, nomundo todo, uma diversificação dosmodos de vida, conduzindo em certoscasos aos primórdios da agricultura.

Começa entre 11000 e 9000a. C. aproximadamente, mas

sua cronologiaé muito variávelsegundo as regiões, havendoaté hoje grupos ainda mesolíticos no seumodo devida.

Na América, começa entre 8800 e 6000 a. C.

aproximadamente; também neste caso a cronologia é variável segundoas regiões.

Neo-Utico

Difusão da vida agrícola e das aldeias.Aparecimento ou difusão da cerâmica,da tecelagem e do polimento da pedra.Nos casos mais favoráveis, os gruposhumanos neolíticos se tornam sedentários (coisa rara entre os grupos caça

dores, coletores ou pescadores).

No antigo Oriente Próximo a-siático já havia aldeias plenamente neolíticas por volta de7000a. C.

O surgimentode um modo de vida plenamenteneolítico na América foimuito gradual. Nas regiões mais avançadas, ageneralização das aldeias agrícolas sedentárias se dá por volta de2000 a. C.

3

f

i

g3o *

Page 8: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 8/57

16 Ciro Flamarion S. Cardos

milhares de anos, sendo do tipo totalmente atual

(I$Qmo sapiens sapiens), ao qual se atribui no Velho

Mundo uma antiguidade de no m á x i m o cinquenta

m i l anos, e por outro lado não há restos de grandes

primatas f ó s s e i s no continente americano; 2) a rota

que conduz da à s i a à A m é r i c a do Norte, seja peloque é hoje o estreito de Bering, seja pelo, atual

a r q u i p é l a g o das Aleutas, é considerada o caminho

principal (para alguns, o ú n i c o ) e mais antigo das

m i g r a ç õ e s povoadoras da A m é r i c a ; 3) admite-seatualmente uma antiguidade muito maior ao i n í c i odesse povoamento — aceita-se, em especial, que

houve um P a l e o l í t i c o americano — do que pensa-

v a m . no c o m e ç o deste s é c u l o , s á b i o s como Ales

H r d l i c k a ou William H* Holmes; 4) embora neste

aspecto o consenso seja menos geral, 'muitos espe

cialistas acreditam que o povoamento se fez em di-

Versas ondas e no curso de longos p e r í o d o s , contra a

ideia anterior da entrada ú n i c a de um grupo de

migrantes r a c i a l e culturalmente h o m o g é n e o s .Quanto à antiguidade m á x i m a do povoamento,

a a p l i c a ç ã o do m é t o d o de d a t a ç ã o pelo carbono 14

proporcionou datas seguras e numerosas para o sé

culo X a. C . Toda s as datas mais antigas foram,p o r é m , contestadas ou pelo menos postas em d ú v i d aem maior ou menor grau. Pouco a pouco, contudo,

n a medida em que algumas datas vê m obtendo um

consenso consideravelmente amplo (Tlapacoya, no

M é x i c o , entre 217 00 ± 500 e 24000 ± 4000 anos

a t r á s — a cifra depois do sinal i indica a margemde erro p o s s í v e l para mais ou para menos; Pikima-

América Pré-Colombiana 17

chay, no Peru, 19600 ± 3000 anos a t r á s , entreoutros s í t i o s ) , e t a m b é m na medida em que se esta

belecem h i p ó t e s e s sobre a m i g r a ç ã o a s i á t i c a vincu

ladas às fases do ú l t i m o f e n ó m e n o glaciar do Q u a t e r n á r i o ( g l a c i a ç ã o 2 chamada de W ú r m no Velho

Mundo e de Wisconsin na A m é r i c a ) , é hoje fre

quente achar nas s í n t e s e s interpretativas uma anti

guidade m á x i m a para o primeiro povoamento que

varia entre 20 e 40000 anos a t r á s (contra os 5000

anos apenas que admitia H r d l i c k a ) . O escavador dos í t i o de Onion Portage, no Alasca (D. D. Ander

s o n ) , atribui uma antiguidade de no m á x i m o 15000anos ao complexo cultural mais antigo que desco

briu ali, perto de Bering, mas isto não é, como vere

mos, um a prova concludente, j á que, se a rota da

primeira m i g r a ç ã o foi costeira e não continental,

seus restos e s t ã o hoje sob o mar, cujo n í v e l subiu

desde a fase final da ú l t i m a g l a c i a ç ã o .

Acreditava-se, ao c o m e ç a r o s é c u l o , que os po

voadores da A m é r i c a tivessem vindo da à s i a pelo

caminho de Bering, sendo todos pertencentes à r a ç am o n g o l ó i d e . Isto apesar de que P. W. L u n d havia

(2) Asglaciações são fases da história de nosso planeta durante asquais, por razões ainda mal explicadas — as hipóteses a respeito sãovariadas -7-, a emperatura média baixa consideravelmente, provocandonas altas latitudes continentais a acumulação de grandes geleiras, e naszonas tropicais o aumento das chuvas. Durante a era geológica chamadaPleistoceno ou Quaternário, começada há uns dois milhões de anos,houve quatro glaciações, separadas por períodos inter-glaciares quentes;o Holoceno, período geológico em que vivemos, segundo alguns nãopassa de uma fase inter-glaciar.

Page 9: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 9/57

18 CiroFlamarionS. Cardoi

descoberto (por volta de 1840) e S. Hansen estudado(1888) o "homem de Lagoa Santa" (Minas G e r a i s ) ,relativamente antigo^atribui-se-lhe hoje uns dez milanos), o qual nada tem de m o n g o l ó i d e . Agora, aoaceitar-se uma antiguidade maior para o povoamento do continente, é inclusive absurdo insistir naunidade m o n g o l ó i d e dos povoadores, já que nãoexistiam m o n g o l ó i d e s quando se iniciou a m i g r a ç ã o ,mas apenas pré ou p r o t o - m o n g o l ó i d e s , ou seja, umestoque r a c ia l menos especializado, do qual maistarde evoluiriam os m o n g o l ó i d e s atuais, (que parecem constituir uma e s p e c i a l i z a ç ã o bastante recenteà s c o n d i ç õ e s de frio extremo da Á s i a Setentrional).O s p r o t o - m o n g o l ó i d e s que passaram à A m é r i c a viveram aí em c o n d i ç õ e s de meio-ambiente muito variadas durante m i l é n i o s , sendo altamente p r o v á v e lque tenham sofrido m u t a ç õ e s e v a r i a ç õ e s g e n é t i c a s ,paralelas às que estavam ocorrendo na à s i a . Por outr o lado, ondas mais recentes de povoamento a s i á tico podem, sem d ú v i d a , haver trazido à A m é r i c am o n g o l ó i d e s a u t ê n t i c o s .

A ideia de um povoamento h e t e r o g é n e o em diversas ondas, defendida entre outros por P a u l Rivet

(para quem tais ondas seriam: a s i á t i c a , australiana,m e l a n é s i a e p o l i n é s i a ) , recebe algum apoio de elementos derivados do estudo l i n g u í s t i c o . Parece dif í c i l , se se partir da ideia de um ú n i c o movimentom i g r a t ó r i o h o m o g é n e o , explicar como, em poucasdezenas de m i l é n i o s , se formaram as duas mil eseiscentas l í n g u a s , pertencentes a diversos gruposl i n g u í s t i c o s (alguns já residuais), que existiam no

América Pré-Colombiana 19

continente americano ao c o m e ç a r a conquista europeia. O esquema de Rivet foi s u b s t i t u í d o por outros,mais apoiados na arqueologia, baseados por exemplo nas m u d a n ç a s de tecnologia: é verdade que umnovo elemento t é c n i c o pode provir de i n v e n ç ã o p a r a lela, do contato cultural ou comercial sem migraç ã o , ou da m i g r a ç ã o de grupos numericamente ín f i mos. Parece bem estabelecida, a tr a v é s de numerosos i n d í c i o s culturais, a o c o r r ê n c i a de contatos a t r a v é s

do P a c í f i c o : estes seriamtardios, posteriores a 3 000 a.C , e talvez se tenham dado em diversas o c a s i õ e s ,a t é fins da era p r é - c o l o m b i a n a .

A A m é r i c a pode ser atingida pela r e g i ã o doestreito >é e Bering, pelo A t l â n t i c o e pelo P a c í f i c o(para não mencionar a h i p ó t e s e antartica de Mendes C o r r e a ) . Sabe-se que os vikings colonizaram aG r o e n l â n d i a ( s é c u l o s X - X V I d. C.) e ¥ t ín g ir a r tr ~ aA m é r i c a do_Norte, sem ter tido impacto d is c e r n ív e lsobre as culturas i n d í g e n a s / P r e t e n d e u - s e igualmente postular um povoamejnto p r é - h i s t ó r i c õ a t r a v é s dan a v e g a ç ã o t r a n s a t l â n t i c a _ n a é p o c a do Magdaleni-

jg ñ s e europeu (por volta de 12000 a. C ) , h i p ó t e s eque repousa em bases muito f r á g e i s , como t a m b é m a

que menciona p o s s í v e i s influxos negroides africanos.Já vimos que os contatos t r a n s p a c í f i c o s são indubit á v e i s , mas tardios: a l é m disto, podem ter-se dadotanto no sentido oeste-leste quanto no sentido cont r á r i o . Quanto ao caminho principal, o de Bering,como não e s t á provada a e x i s t ê n c i a há 40000 oumesmo 20000 anos a t r á s de e m b a r c a ç õ e s capazes deatravessar o estreito, a maioria dos pesquisadores

Page 10: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 10/57

20 CiroFlamarion S.

vincula as primeiras m i g r a ç õ e s à ú l t i m a g l a c i a ç ã o ,quando a á g u a retida nas geleiras continentais fezbaixar o nív e l do mar, aparecendo na r e g i ã o doestreito e das ilhas Aleutas todo um subcontinente,a " Be r íng ia " . C. A. C h a r d , C. J. Heusser e P.Bosch Gimpera sugerem que possivelmente devemosdistinguir duas rotas: uma, costeira e mais antiga(talvez durante a fase glaciar de Farmdale, entre40000 e 30000 a. C ) , seguida por c a ç a d o r e s e pes

cadores adaptados a um ambiente ártico de tundra,que pelo sul da ponte de Bering ou pelas Aleutaspassaram ao sul do Alasca, contornando o que éhoje o litoral do C a n a d á e chegando ao oeste dosatuais Estados Unidos; a outra, interior e posterior,de c a ç a d o r e s a v a n ç a d o s já providos de projéte is componta de pedra, numa fase de parcial retirada glaciar (talvez a de New Haven, entre 15000 e 14000a. C.)» quando se abriu o corredor do Mackenzie,interrompendo localmente a barreira das geleirascontinentais: estes novos povoadores teriam avanç a d o do norte canadense ao centro dos Estados U n i dos de hoje. Ê interessante notar que, na atuali-dade, o estreito de Bering às vezes se congela e pode

se r atravessado a pé .A q u e s t ã o de determinar o n í v e l cultural dos

primeiros povoadores é objeto, já o veremos, degrandes p o l é m i c a s , complicadas pela in su f i c i ê nc iade conhecimentos sobre a pré-histór ia da Sibé r ia aleste do rio L e n a . Ê verdade, a l iá s , que nada impede que grupos humanos do Sudeste A s i á t i c o e daC h i n a , subindo pela costa da à s i a , hajam t a m b é m

América Pré-Colombiana 21

passado à Amé r ic a : v á r io s autores defendem correl a ç õ e s culturais segundo esta hipó te se . Fa l ta ainda,de fato, um estudo s i s t e m á t i c o de tipo comparativo,e em grande escala, dos ute ns í l i o s pr é -h i s tó r i c o s deambos os lados do estreito de Bering (na linguagemt é c n ic a da arqueologia, tratar-se-ia de uma a n á l i s e ecorre lação mult ivar iáve l de artefatos e complexos).

Existiu na América uma etapa culturalanterior ao Paleolítico Superior?

H á muita d i s c u s s ã o a respeito de saber se, anteriormente aos c a ç a d o r e s especializados de-grandesanimais, armados de projéte is com ponta de pedra,a A méjigajBMÜ iejara uma etapa cultural cuias caracter íst icas seriam: 1) o caráter tosco e nã o -e spe c ia l i -z ã d o d o s u t e n s íl io s (pedras talhadas por JoercussãcLe.n ã o _ p M j ^ s s â o ) i c o m a u s ê n c m d e p o n t a s d e p r o j é t i lde pedra, e portanto da possibilidade de atacarfrontalmente osjgrajjdes m a m í f e r o s , furando a suaaura pele; 2) um modo de v i ò ^ b a s e a d o na coleta e

lu^ç a ç a nã o -e spe c ia l i z a da s ( su bs i s tê nc ia jd e pe nd e nteda_coleJa_de frutas, r a íz e s , animais pequenos^iilho-tes, animais grandes doentes ou e n t ã o . c a ç a d o s pormeios iridiretos, fazendo-os cair em armadilhas.ã t 5 S a ^ r ? s e ~ e ^ ^ â n t à n õ s t etc.); 3) uma densidade_dep o p u l a ç ã o muito bajxa, _devido ao níve l primitivoç ^ f o r ç a T ^ o ^ t r i r a s , o que se reflete, no registroa r q u e o l ó g i c o , em um nújã e r o pequfinoJ[se compa-

Page 11: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 11/57

22 Ciro Flamarion S. Cardosi

rado com o de fases seguintes) de sitios p r é - h i s t ó -r i c o s ^ u e possam ser a t r i b u í d o s a esta etapa.

A s provas a r q u e o l ó g i c a s d i s p o n í v e i s para afir

m a r a e x i s t ê n c i a de tal etapa cultural sao até agoramais numerosas na A m é r i c a do Sul, mas t a m b é mexistem no que hoje são o M é x i c o e os Estados U n i dos. As d ú v i d a s permanecem devido a uma s é r i e defatores: 1 ) c e r t o s s í t í o s que_sfi-pretende atribuir a t a iç t a pa s ã o _ _ supe r f i ci a i s, impedindo uma d a t a ç ã o con-

fiJyjeJ¿je^utao^mü^a_toram datados;.2) em certoscasos fez-se a d a t a ç ã o pelo carbono 14, que indicougrande antiguidade, mas tais dalas foram depoisrevistas ou postas em d ú v i d a ; 3) ás vezes a d a t a ç ã od o ^ l í t i o ~è segura, mas contesta-se que os artefatosd e s c p Í j e r t o f o . S f i J a m de fato: seriam apenas-forma-ç õ e s naturais 4e pedra, n ã o - d e v i d a s à f a b r i c a ç ã ohumana; 4) muitos s í t i o s , s ã o tão pobres que não ép o s s í v e l afirmar a a u s ê n c i a de elementos do P a l e o l í tico Superior (pontas de p r o j é t i l , por exemplo) comqualquer certeza^ não sendo representativa a amost r a que proporcionam; 5) finalmente, grupos huma nos tecnicamente a v a n ç a d o s j ? o d e m _ f a b r i c a r , para

certos fins^jitensííios ae a p a r ê n c i a tosca: não são

propriamente a r c a í s m o s , e-^im^^siffiBo de quenecessidades semelhantes, ao voltarem a aparecer,levaram a respostas t é c n i c a s parecidas.

No conjunto, p o r é m , o ceticismo tem dimi

n u í d o , e cada vez mais especialistas aceitam a exis-

>^(3) Sítio pré-histórico é uma localidade na qual foram encontrados restos arqueológicos de assentamentos humanos da Pré-Histôria.

América Pré-Colombiana

t ê n c i a dessa etapa cultural americana p r é v i a ao Pa

l e o l í t i c o Superior.

A o aceitar-se isto, surge de imediato outro pro

blema. Na E u r o p a , no Oriente P r ó x i m o e na A f r i c a ,as t é c n i c a s anteriores ao P a l e o l í t i c o Superior apa

recem associadas a h o m i n í d e o s f ó s s e i s 4(Homo ha-

bilis, Homo erectus, o Homo sapiens neandertha-

lensis e seus c o n t e m p o r â n e o s ) . O r a , já vimos que na

A m é r i c a não há qualquer sinal de tais h o m i n í d e o s

anteriores ao Homo sapiens sapiens. Ocorre, p o r é m ,que a à s i a meridional e oriental apresentava, no

P a l e o l í t i c o , um c a r á t e r conservador na sua tecno

logia l í t i c a : 5 o P a l e o l í t i c o Superior siberiano, por

exemplo, só se desenvolveu em fase c r o n o l ó g i c a ab

soluta correspondente ao M e s o l í t i c o europeu. As

s i m , teria havido simplesmente uma t r a n s f e r ê n c i a à

A m é r i c a de um atraso t e c n o l ó g i c o (e no modo de

vida) já presente nas r e g i õ e s de origem dos primei

ros migrantes.

(4) Chamamos hominídeos a um grupo de mamíferos da ordemdos Primatas que inclui o homem atual (Homo sapiens sapiens) e seuspredecessores fósseis em linha direta, além de alguns ramos colateraisextintos sem descendência, como os Australopitecus da Africa.

(5) Formas de fabricação de objetos ou utensílios de pedra. Ohomempré-histórico usava madeira e outras matérias-primas além dapedra, mas só esta se conservou no registro arqueológico na maioria doscasos, sendo por tal razão tomada como critério de classificação dosgrupos humanos da Pré-História.

Page 12: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 12/57

24 Ciro Flamarion S. Cardoso

v O Paleolítico Superior

Se a fase precedente é objeto de c o n t r o v é r s i a ,Jioie n i n g u é m duvida de que, durante v á r i o s m i l ê -nios, principalmente entre T T 0 0 0 e 7 000 a. C, em

varias partes do continente americano, grupos hu

manos dotados de uma tecnologia l í t i c a que i n c l u í aas pontas de p r o j é t i l hajam c a ç a d o grandes animais

a t u a í m e n t e extintos, do V£noâo PleistocenoV-ma^

mutes: b i s õ e s , cavalos e camelos f ó s s e i s ; m e g a t é r j o s ^mastodontes, etc..

^ ^ _ e x ^ c n e d o s _ r e s t o s ^ r 4 u e o l ó g i c i ^ correspon

dentes a este P a l e o l í t i c o Superior americano mostra

principalmente o seguinte: 1) a p r o l i f e r a ç ã o dos sij

tios jnpUcarido maior densidade d e m o g r â r T c a em

f u n ç ã o de u h j ã Tecnologia mais eficiente; 2) uma

s u c e s s ã o de tipos de pontas de p r o j é t i l e outros arte-

f a t o ^ ^ ^ ^ m ^ c í uma diversidade ou r e g i o n a l i z a ç ã ocada vez maior dos complexos t é c n i c o s ; 3) a persjs-

t ê n c i a j > a r a l e l a da antiga t r a d i ç ã o l í t i c a j j g a d a à ca-

Ç a. c coleta n ã o - e s p e c i à T i z a d a s _ d a etapa anterior,,

com m o d i f i c a ç õ e s .Discute-se muito a q u e s t ã o da origem das pon

tas de p r o j é t i l americanas: d i f u s ã o a partir da à s i aou i n v e n ç ã o independente na A m é r i c a ? A ú l t i m ah i p ó t e s e parece mais p r o v á v e l , por r a z õ e s t i p o l ó g i cas e c r o n o l ó g i c a s , em particular para as pontas

altamente especializadas da t r a d i ç ã o chamada Llano ( C l ó v i s , Folsom, Scottsbluff, etc), podendo-se

admitir uma origem a s i á t i c a para o tipo mais generalizado (ou seja, menos especializado) e aparente-

Page 13: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 13/57

2 6 Ciro Flamarion S. Cardoso

mente mais antigo de pontas, ligado à t r a d i ç ã o cha

mada Plano. P o r é m , certos autores (Cruxent, B r e n n a n ) postulam uma i n v e n ç ã o s u l - a m e r í c a n a — naatual Venezuela — das primeiras pontas de p r o jé t i l( s í t i o de Muaco, entre 14400 a. C . ± 400 e 12300a. C . ± 500; fase c o n t e m p o r â n e a do s í t io de Ca-mare). Já as pontas Llano, mais a p e r f e i ç o a d a s eespecializadas, têm o seu centro de d i f u s ã o , a partirde aproximadamente 10000 a. C , na r e g i ã o norte

americana que se estende do leste do Arizona até onoroeste do Texas e o sul do Wyoming, daí passando ao resto da A m é r i c a do Norte, ao M é x i c o e —em forma modificada (com p e d ú n c u l o e às vezes emforma de "rabo de peixe") e em menor densidade —chegando à extremidade meridional da A m é r i c a doS u l f

^-Pesquisas como as de MacNeish e sua equipe novale mexicano de Tehuacan mostram que seria errado imaginar este p e r í o d o como se todos os habitantes da A m é r i c a fossem principalmente c a ç a d o r e sde animais grandes. E m certas á r e a s , os grandesh e r b ív o r o s pleistocenos parecem ter sido o ú n i c o recurso natural amplamente d i s p o n í v e l (para os que

dispusessem das t é c n i c a s adequadas), ou pelo menoseram um recurso tão abundante que chegava a inibir

a e x p l o r a ç ã o de outros tipos p o s s í v e i s de alimentos,devido à alta produtividade da c a ç a especializada.E m outras r e g i õ e s americanas, p o r é m , uma tal espec i a l i z a ç ã o seria i m p o s s í v e l ou pouco produtiva. Ass im , em Tehuacan, durante a fase que os a r q u e ó logos chamaram "Ajuereado" (10000-7200 a. C. ) , o

América Pré-Colombiana 27

modo de vida pode ser classificado como baseadosobretudo na coleta de plantas e animais e não nac a ç a especializada, embora o grupo ali residente dispusesse de pontas de p r o jé t i l e sem d ú v i d a tambémc a ç a s s e .

Devemos, pois, imaginar dois conjuntos pan-continentais de c o m p l e x õ ^ K t i c o s , refletindo dois mo-dos de j j i d a b á s i c o s ( c a ç a e coleta generalizadas por

^ um j ^ d ò 7 ~ c a ç a _ e s ^ e 3 a l ! j z a d a por outro lado), mas

evidentemente sob m ú t u a i n f l u ê n c i a . E m particular,os grupos dedicados ao modo de vida menos especializado — provavelmente mais antigo — em muitoscasos adotaram uma tecnologia mais a v a n ç a d a doque aquela de que dispunham no passado.

O Mesolítico

C O _ j i m d o _ ú l t i m o p e r í o d o glaciar, marcando oi n í c i o da t r a n s i ç ã o entre o Pleistoceno e o Holocenoou p e r í o d o g e o l ó g i c o atual, c o m e ç o u na A m é r i c ac õ m j l r a s o em r e l a ç ã o à E u r o p a , entre 8800 e 7 000

a . C . Por volta de 6000 a. C , c o m p l e f ô u - s e a retirada das geleiras e abriu-se uma fase quente e secaque se prolongou até 3000 a. C . Aproximadamenteem 2500 a. C , a s i t u a ç ã o c l i m á t i c a se tornou muitosemelhante à atual. O j j j x e L d a m ar , com a retirada

das__grandes geleiras continentais, subiu gradualmente a t é 3 0 0 0 a . C . , terminando 5 ^ c o b r i r á s plata-f ó r m a s continentais, nas quais suB|iu um ambiente

Page 14: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 14/57

28 Ciro Flamarion S. Cardoso

p r o p í c i o à m u l t i p l i c a ç ã o de moluscos, c r u s t á c e o s epeixes, em zonas marinhas mais rasas (antes, durante o auge da g l a c i a ç ã o , passava-se abruptamentedo litoral a grandes profundidades marinhas, estando a plataforma continental a descoberto). A faun a t íp i c a do Pleistoceno sofreu um lento processo dee x t i n ç ã o , posterior ao europeu. T a l processo já iaa v a n ç a d o por volta de 7 000 a. C . (embora na r e g i ã ocosteira do Rio Grande do Sul vivessem m e g a t é r i o s ,cavalos f ó s s e i s , mastodontes e outros m a m í f e r o s doPleistoceno em 5000 a. C , e por mais que aindahouvesse mastodontes no Ohio , Michigan e Indiana

em 3500 a. C ) . A flora t a m b é m se modificou, lentamas radicalmente, em muitas r e g i õ e s .

Evidentemente, todas estas trans foxniações—teriam por forca Que suscitar m u d a n ç a s de peso_nom õ d o d e v i ^ ^ dos habi-l £ h i e í f < l < M ^foram r^pjentinaSjrnas^^« e r t a s ~ z « n a s _ d a ^ U n é r i ç 4 ^ E m termos globais, p o r é m , não há d ú v i d a de que a grandec a ç a especializada recuou entre 7000 e 3000 a. C ,em favor de uma d iv e r s i f i c a ç ã o e r e g i o n a l i z a ç ã o cres

centes dos modos de vida e das culturas p r é - h i s t ó -ricas, reveladas pelo registro a r q u e o l ó g i c o . Nisto oM e s o l í t i c o americano se parece com o da E u r o p a ,embora o mesmo não ocorra no plano das tipologiasde artefatos (os "microlitos" típicos do M e s o l í t i c oeuropeu só apareceram, depois de 5000 a . C , nasr e g iõ e s á r t i c a s da A m é r i c a ) .

À s modalidades de s u b s i s t ê n c i a que já existiam

América Pré-Colombiana 2 9

anteriormente, e que se mantiveram em certas reg i õ e s , com m o d i f i c a ç õ e s — coleta e c a ç a generalizadas; c a ç a especializada —, outras vêm juntar-se:e x p l o r a ç ã o especializada de moluscos e outros recursos marinhos, pesca marinha ou fluvial, coleta vegeta l especializada, etc. Por outro lado, a não ser omodelo á r t i c o baseado na c a ç a de m a m í f e r o s m a r i nhos e na pesca, muito especializado por r a z õ e s liga-das a um meio ambiente peculiar, os diversos modos

de subsistir t a m b é m se misturaram em muitos casose em graus diversos.

/ / O velho modo de vida baseado na caça e coleta

generalizadas se manteve sobretudo em r e g i õ e s debosques. Tratava-se de combinar um grande n ú m e r ode alimentos selvagens vegetais e animais, procurando a garantia de uma dieta suficiente e equilibrada ao longo das diversas e s t a ç õ e s do ano.' 1

A caça especializada desenvolveu-se nos plana ltos do C a n a d á , antes cobertos pelas geleiras, masagora por prados; continuou predominando até maisou menos 5 000 a. C . em vastas r e g i õ e s canadenses edos Estados Unidos e M é x i c o atuais, até que a desert i f i c a ç ã o a tornou i m p o s s í v e l no sudoeste norte-americano e em partes do M é x i c o . Mas na P a t a g ô n i a ,por exemplo, continuou existindo até a chegada doseuropeus.

/ / A exploração especializada de recursos aquáticos deu lugar a modos de vida variados, baseadosn a pesca marinha e fluvial (pesca do s a l m ã o no rioC o l ú m b i a , pesca marinha na costa do P e r u e doC h i l e , etc.)} re na coleta de moluscos, r e s p o n s á v e l

Page 15: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 15/57

30 CiroFlamarion S. Cardoso

pela f o r m a ç ã o de "restos de cozinha'* que, amon-toando-se, formaram os sambaquis em muitas reg i õ e s costeiras do A t l ân t i co e do P ac í f i co , tanto naparte norte quanto na meridional do continente. A lguns sambaquis s ã o bastante antigos, com 9000 anosou mais, enquanto a pesca especializada parece sermais recente (estabelece-se entre 5 000 e 4 000 anosatrás , e às vezes bem mais tarde).

A coleta vegetal especializada caracterizou diver

sas partes do M é x i c o e o sudoeste dos Estados U n i dos, a l é m de uma p o r ç ã o da zona andina centro-meridional da A m é r i c a do Sul . Em certos casos,surgem no registro a r q u e o l ó g i c o moendas de pedra et a m b é m os i n d í c i os dos p r i m ó r d i o s da agricultura.

Por fim, temos o modo de vida dos esquimós, ouárt i co , baseado na c a ç a do caribu e de m a m í f e r o smarinhos e na pesca.

A arqueologia reflete a grande variedade dasmodalidades de su b s i s t ên c i a — muitas das quaiscontinuaram vigentes em certas r e g i õ e s americanasa té a conquista ou mesmo até hoje — e t a m b é m adiversi f icação e reg i on al i zação já mencionadas doscomplexos l í t i cos , sinal de uma crescente estabili

z a ç ã o de dados grupos humanos em reg i ões delimitadas.

A organização socialdos grupos humanos pré-agrícolasO s a n t r o p ó l o g o s e a r q u e ó l o g o s neo-evolucionis-

América Pré-Colombiana 31

tas norte-americanos, adaptando o esquema de L . H.Morgan para a d e q u á - l o às descobertas da etnologia eda arqueologia nos ú l t i m o s cem anos, abandonarama n o ç ã o de^jorda pnmitiva ,t j)ara a c a r a c t e r i z a ç ã odos grupos de c a ç a d o r e s e coletores, suJ>stituindo-apèTã~de"bando*' .

T J ñ T b a n d o é sobretudo uma a s s o c i a ç ã o residencial de f amí l i as nucleares ou restritas, segundo ums i s t e m a e x o g â m i c c ^ é v i r i í o c a í H o s homens_3eum ban

do devem buscar esposas_em outros bandos, e estasv ê m residir no bando dos maridos). O fundamentoe c o n ó m i c o do bando é a d i v i são do trabalho segundoosexo, sendo a c a ç a uma, atividade mascai"* ( p

cooperativa) e a Cj3letar-uma-^jvid^e^mm4na.4eimiividual). Os direitos de uso sobre os terri tórios dec a ç a e coleta são coletivosi. O produto da c a ç a sofreu m processo de red i s t r i b u i ção imediata, de c i rcu l a ç ã o i n s t a n t â n e a , segundo regras de reciprocidade,de tal forma que todo membro do bando se beneficia(em maior ou menor grau) com cada animal abatidoe, no conjunto, cada f amí l i a recebe uma quantidadeequivalente. Já o produto da coleta (vegetais, pequenos animais) se destina em p r i n c í p i o a cada f a m í l i a .

O s c a ç a d o r e s cooperam entre si . Notou-se que umbando gira, numericamente, ao redor de vinte e cincopessoas na maioria dos casos, o que significa de seis aoito homens adultos formando um grupo de c a ç a . Osbandos correlacionados integram uma "tribo dia-letal", com umas quinhentas pessoas: a quantidadede i n d i v í d u os que, nesse n í ve l t écn i co , podem manteru m a identidade comum sem controle p ol í t i co institu-

Page 16: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 16/57

3 2 CiroFlamarion S.

cionalizado (que inexiste: os bandos são anarquias

no sentido e t i m o l ó g i c o do t e rmo) , _a t ravès de r e l a ç õ e spessoais diretas suficientemente intensas e í n t i m a s .O nomadismo, i m p l í c i t o neste tipo de o r g a n i z a ç ã o ,obriga~a -reduzir a o ^ m í n i m o os objetosJalDricados eusados. A Base social é o parentesco simples, sem odesenvolvimento de linhagens, genealogias longas e

• cu j t ô de antepassados. Nã o há especialistas de tempocompleto (já_cme todos os adultos se devem dedicar à

. o b t e n ç ã o de alimentos), mas pode haver algum com é r c i o entre bandos devido a uma d i s t r i b u i ç ã o desigual dos recursos naturais d i s p o n í v e i s para cadabando| Idade e sexo são os ú n i c o s elementos de difer e n c i a ç ã o social,j>ois o poder, baseado na i n f l u ê n c i a eno p r e s t í g i o pessoais, não traz p r i v i l é g i o s , sendohorizontal, ocasional e t e m p o r á r i o nas suas formasde e x i s t ê n c i a (assim j3ode_-haver o chefe de umac a ç a d a , u m j m g i ã o que dirige o culto por conhecermelhoro ritual.» etc.).

"5jrà "arqueologia do Novo Mundo mostrou que,como em outras partes do globo, o habitat dos c a ç a dores- coletores p r é - h i s t ó r i c o s alterna com f r e q u ê n c i aa c o n c e n t r a ç ã o em macrobandos, ocupando acampa

mentos maiores, nos p e r í o d o s do ano em que a subs i s t ê n c i a , mais abundante, é obtida mais facilmente,com a d i s p e r s ã o em microbandos durante os mesesmais d i f í c e i s ^ "

Q u e dizer sobre o modo de p r o d u ç ã o u á o j j ^ ç a ^ _d o r e s - c o l e t o r e s I Ê A n o ç ã o de "bando" satisfaz certosrequisitos para uma d e s c r i ç ã o e m p í r i c a e uma classif i c a ç ã o social em c o m p a r a ç ã o com outros tipos, o

América Pré-Colombiana 3 3

que pode ser út i l ; mas d i f í c i l m e n t e pode servir debase para,a c o n s t r u ç ã o de um modo de p r o d u ç ã oe s p e c í f i c o / ( h o u v e , p o r é m , tentativas nesse sentido:cf. por exemplo Jean-Claude Willame, "Recherchessu r les modes de production c y n é g é t i q u e et ligna-ger", in L 'Homme et la Société, n? 19, j a n e i r o - m a r ç ode 1971, pp. 101-119). Por outro lado, o esquematradicional marxista, com sua "horda primitiva"' eseu "comunismo primitivo" (ou "comunidade primi

tiva"), que no fundo inclui sociedades profundamente h e t e r o g é n e a s sob uma etiqueta ú n i c a , exigeu m a r e v i s ã o urgente. Até agora, p o r é m , não podemos dizer que os resultados da d i s c u s s ã o desenvolvida nas ú l t i m a s d é c a d a s nesse sentido sejam satisfat ó r i o s ^

casos f a v o r á v e i s , guando a c a ç a abundantedw grandes animais ou a pesca ou c o Í ê t a * e s p ê c i a l i -zadas permitem o surgimento de um excedente eco-n ô m i c o acima do consumo imediato, é p o s s í v e l , mes-mo em sociedades p r é - a g r í c o l a s , o surgimento dao r g à m z a c J o j Q i b a l , mais complexa do que a dos bandos. Como, no entanto, a g e n e r a l i z a ç ã o das sociedades tribais se dá principalmente com a d i f u s ã o da

agricultura, deixaremos para mencionar adiante asc a r a c t e r í s t i c a s desta forma de o r g a n i z a ç ã o social.

c

Page 17: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 17/57

SOCIEDADESAGRICOLAS PRÊ-URBANAS

A "revolução neolítica'' e sua difusão' A n o ç ã o de uma " r e v o luç ã o ne o l í t i c a " , enten

dida como um conjunto vinculado de i n v e n ç õ e s —d o m e s t i c a ç ã o de plantas e animais, c e r â m i c a , polimento da pedra, tecelagem —, significando pr inc i palmente a t r a n s i ç ã o de grupos humanos da s i t u a ç ã ode predadores da natureza à de produtores, foi popularizada há meio s é c u l o pelo grande a r q u e ó l o g o aus

traliano V, Cordon Childe (ver, por exemplo, O Homem Faz-se a Si Próprio, L i s bo a , E d . Cosmos, 1947,p p . 97-142). te verdade que tal autor tinha plenac o n s c i ê n c i a de que algumas dessas i n v e n ç õ e s pudera m preceder o N e o l í t i c o pleno, embora só em tempos ne o l í t i c o s encontremos a sua v i n c u l a ç ã o coerenten u m tipo dado de sociedade e em novas possibilidades abertas aos grupos humanos (sedentarismo,

América Pré-Colombiana 35

surgimento de aldeias e da o r g a n iz a ç ã o tr iba l avanç a d a , p r o d u ç ã o de um excedente a l é m do consumoimediato, etc.)/

Hoje, a n o ç ã o de " r e v o luç ã o ne o l í t i c a " , sem serabandonadaTsofreu diversos ataques que pelo menos

1areflativizara m . ~~Em primeiro lugar, tal e x p r e s s ã opode dar a ideia de a Tg ó r á p ido e "explosivo", quando na verdade se estendeu por m i l é n i o s , coisa que éainda mais verdadeira na A m è n c a . ^ o r exemplo, em

Tamaulipas (nordeste do M é x i c o atual), entre o V I I eo I m i l é n i o a. C , a p r o p o r ç ã o das plantas cultivadasn a a l i m e n t a ç ã o passou de 5 p a r a 5 0 % / E indubitá v e l , po r é m, que, se recolocarmos as t r a n s f o r m a ç õ e sne o l í t i c a s na perspectiva temporal global da p r é - h i s -tór ia humana, elas p a r e c e r ã o r a p i d í s s i m a s comparadas com os dois m i l h õ e s de anos (pelo menos) doPa le o l í t i c o , muito menos ricos — salvo na sua faseterminal (Pa le o l í t i c o Superior, Me so l í t i c o ) — emi n v e n ç õ e s e m u d a n ç a s radicais do que os escassosm i l é n i o s do N e o l í t i c o . Por oujxo__la_do, atualmentee s t á demonstrado pela arqueologia que n ã o há vincul a ç ã o necessária entre as i n v e n ç õ e s n e o l í t i ca s (nem aonív e l de seu aparecimento, nem'He sua d i f u s ã o a

outros graposklembora seja verdade que os gruposhumanos que se^ desenvolveram mais foram os que asreuniram todasjs.Assim, a c e r â m i c a pode preceder aagricultura (como talvez ha ja acontecido em algumasr e g i õ e s costeiras do Mar dás C a r a í b a s ) ; ou, peloc o n t r á r i o , pode ocorrer uma longa fase a g r íc o la pré-ceramica (como na M e s o - A m é r i c a e^jajcosta doP e n i K ^ a r e g i ã o dos Grandes Lagos norte-ameri-

Page 18: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 18/57

36 CiroFlamarion S.

canos, grupos de c a ç a d o r e s usavam já instrumentosde metal (cobre martelado) no I I milenio a. C. Ap r e s e n ç a de machadinhas de pedra polida e s t á tamb é m demonstrada entre grupos não a g r íc o l as / M a s éigualmente certo, por exemplo, que a cerâmica"so~sedesenvolve plenamente entre grupos sedentarios,sendo frági l demais pa r a ser transportada constantemente sem perigo ou m c ô m o d o ; a l é m do que, sendou m a das suas utilidades b á s i c a s a de guardar coisas.^^ gír o!q iie- sft jfl majfl titíl para_ j«j«ftriarie.s que dis:p õ e m de estoques e excedentes pa r a armazenar (coisa muito mais frequente entre agricultores do queenfrejcáçadores, pescadores e coletores).

~i À c r e d i ta v a -se no passado ter existido um só focode desenvolvimento da agricultura e da c r ia ç ã o ,situado no Oriente P r ó x i m o , do qual tais atividadesprogressivamente se estenderam, ganhando outrosambientes aos quais se adaptaram através da domest i c a ç ã o de novas e s p é c i e s vegetais e animais,/ Agoraacredita-se na pluralidade de focos da " r e v o luç ã one o l í t i c a . Er njo a r t i c u la r , é hoje bastante difundidaa o p in iã o de ter ocorrido uma inv e nç ã o da agricultur a na A m é r i c a , independentemente do Velho M u n

do, embora ha ja alguns problemas ligados à origemb o t â n i c a de certas plantas e à prioridade g e o g r á f i c ade sua d o m e s t i c a ç ã o . Assim, a mais antiga das e spé cies vegetais domesticadas no continente americano,a cãb^iÇ(Lagenaria siceraria), não tem um antepassado selvagem na A m é r i c a — ou ainda não foi descoberto; a l é m dó mais, era cultivada tanto na periferiad a M e s o - A m é r i c a quanto no Sudeste A s i á t i c o por

37

volta de 7 000 a. C . O a l g o d ã o americano, pertencentea duas e s p é c i e s distintas, parece resultar de hibr i d a ç ã o de e s p é c i e s selvagens americanas e do VelhoMundo. E o amendoin, t íp i c o da agricultura americana, t a m b é m parece ter sido encontrado em s í t i o sne o l í t i c o s da C h i n a .

No caso da A m é r i c a , a d o m e s t i c a ç ã o de, plantasi o i incomparavelmentemais r ica do que a=de animajs_

> = = r qff lgá*pela ausênc iarrmrfauna holocena americana,

_de_gr^^^es m a m í f e r o s d o m e s t i c á v e i s . _ D e maneirasimplificada, p o d e m õ s 3 i s t m g u i r os seguintes focosdoN e o l í ti c o a m e r i c a n o / l ) } t ' M e s o - A m é r i c a , a partir de7000 a. C . aproximadamente, e tendo como domestic a ç õ e s principaiso milho, o fe i jão , a pimenta, a cabaç a , o cacau, uma e spé c i e c o me st ív e l de cão e o peru;2) à Zona Andina Central (onde s ó a costa foi realmen

t e estudada quanto às origens a g r íc o la s ) , a partir demais ou menos 5 000 a. C . , com a batata, a quinoa, ac a b a ç a , o fe i jão , o lhama; 3) èm r e g iã o e é p o c a aindan ã o - d e t e r m i n a d a s (talvez no noroeste da A m é r i c a doSul ) , foi domesticada a mandioca. As possíve is re laç õ e s e permutas entre tais focos ne o l í t i c o s não são

conhecidas, embora h a j a e s p e c u l a ç õ e s pouco fundamentadas a respeito.Sempre em forma simplificada, podemos dizer

que o N e o l í t i c o americano, ao difundir-se a partirdos seus focos, originou duas grandes tradições agrí

colas: uma baseada na semeadura, colheita e a r ma zenamento de g r ã o s de cereais e leguminosas (milho,fe i jão , amaranto, quinoa); a outra, na p l a n t a ç ã o demudas, produzindo raízes e t u b é r c u l o s (batata, man-

Page 19: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 19/57

38 Ciro Flamarion S.

dioca, aipim, batata-doce). A F i g . 2 mostra, por outrolado, à di s tr ibu iç ã o dos três principais complexos

agrícolas americanos: o andino (no qual o milho tevedesenvolvimento maior só tà r Eia me nte , desempe-nhandoji batata um grande p a p e l ã o do p r e d o m í n i odo milho; e aquele em que predominava a mandioca..Como a agricultura ganhou no continente americanomeios ambientes naturais e culturais v a r ia d í ss imo s ,deu origem^a sistemas agrários muito h e t e r o g é n e o s ,

que se escalonavam desde uma agricultura primitivae itinerante, praticada como atividade subs id iá r iaextensiva de baixa tecnologia por grupos coletivistasque continuavam sendo basicamente c a ç a do r e s -c o l e -tores, até uma agricultura se de ntá r ia , intensiva, tecnologicamente iftãis elaborada (por exemplo, utilizando a i r r ig a ç ã o ) , e com um e s b o ç o ao menos dodesenvolvimento da propriedade privada sobre aterra. Seja como for, a agricultura antiga do NovoMundo apresentava certas defic iênc ias técnicasquando comparada globalmente à do Velho Mundo:uso exclusivo da enxada e de b a s t õ e ^ j i p n u f f i ^ ^ S u r asemear, a u s ê n c i a do arado (talvez por faltarem grandes animais d o m é s t i c o s capazes de p u x á - l o ; o mesmo

fàtor explicaria t a m b é m o nã o -súr g ime nto de _ x e í -culos com rodas); falta de uma a sso c ia ç ã o intimaentre agriculturae c r ia ç ã o de gado; nã o -de se nv o lv i -m^to dojiso abundante de rn^ais Para^cOnfêcc3B*oyinstrumentos agr ícolas (tal.desenvolvimento foi tar-dio m à T t m p o r t a n t e no Velho Mundo, sendo m u i t í s simo menos discerníve l na A m é r i c a ) .

Partindo dos focos de__seu descobrimento, o

América Pré-Colombiana

Fig. 2 — Oscomplexos agrícolas pré-colombianos. (Fonte:João Frank da Costa, Evolução Cultural da América Pré-Colombiana, Brasília, MEC, 1978, diante da p. 46.)

Page 20: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 20/57

40 Ciro Flamarion S.

conhecimento da agricultura se difundiu a boa partedo continente americano: 1) à partir da M e s o - A m é r i c a , a p o r ç õ e s n ã o - m e s o - a m e r i c a n a s do atual México e aos Estados Unidos — embora se discuta apossibilidade de u m O t e o l í t i c o j n j f e p e n d e n í e * _ _ p o rexemplo, no vale do Mississipi; 2) a partir do pontode origem da mandioca e da Zona Andina C e n t r a l , àAmazonia e depois à reg i ão dos ríos Paraná e P a r a guai;/^)a chamada "zona agrícola intermediária^' ,

que inclui as partes n ã o - m e s o - a m e r i c a n a s da A m é r i c aCen tra l , as Antilhas e p o r ç õ e s da A m é r i c a do S u l , sofreu a i n f l u ên c i a conjugada de todos os focos iniciais.E s t a d i f u s ã o foi lenta: à bacia do P a r a n á - P a r a g u a i ,po r exemplo, a agricultura só chegou na segunda metade do I milenio de nossa era . O extremo meridionald a A m é r i c a do Sul não chegou a c o n h e c ê - l a em tempos p r é - c o l o m b i a n o s .

f A d escr i ção da d o m e s t i c a ç ã o de plantas e animais, não responde à dif íc i l pergunta: por que foiempreendida? Há algumas d é c a d a s , quase todos osp ré-h i s tor i ad ores tendiam, como Gordon Childe, ave r os i n í c i os agr í co l as como uma resposta às d rás ticas m u d a n ç a s e c o l ó g i c a s e c l i m á t i c a s que marca

ra m a passagem do Pleistoceno ao Holoceno. Acontece, p o r é m , que alguns dos focos n eol í t i cos melhorconhecidos — o Oriente P r ó x i m o e, na M e s o - A m é r i ca , o vale mexicano de Tehuacan — s ã o justamentereg i ões relativamente pouco afetadas por tais mud a n ç a s . Assim, novas h i p ó t e s e s se desenvolveram.U m dos principais escavadores do N e o l í t i c o do O r i ente P r ó x i m o , R. Braidwood, acredita numa causa

lidade cultural: o N e o l í t i c o seria simplesmente a culm i n a ç ã o de uma d i f eren c i ação e e s p e c i a l i z a ç ã o culturais crescentes dos grupos humanos a fins da pré-h i s tór i a , e de um conhecimento cada vez mais profundo das plantas e animais existentes no habitat decada um desses grupos. L . Binford preferiu buscar aresposta numa p r e s s ã o d e m o g r á f i c a causada por imig r a ç ã o , incidindo negativamente em certas r e g i õ e ssobre a disponibilidade adequada de recursos pré-

agr í co l as , surgindo e n t ã o a agricultura como soluç ã o . Certos autores utilizam tal h i p ó t e s e em formamodificada, partindo de um crescimento vegetativod a p o p u l a ç ã o e não da i m i g r a ç ã o . Já K. Flanneryconsidera a passagem da vida n ó m a d e de c a ç a d o r e s -coletores à s e d e n t á r i a de agricultores es táve i s comou m longo processo, marcado pelo fato de que certasplantas n ã o respondem às tentativas de d o m e s t i c a ç ã ocom qualquer efeito multiplicador d rás t i co sobre osrecursos d i sp on í ve i s para a a l i m e n t a ç ã o , enquantooutras — como o milho —, ao serem domesticadas eaos poucos a p e r f e i ç o a d a s s e l e t i v ã m e n t e pela p róp r i ad o m e s t i c a ç ã o (no caso do milho isto provocou muiton o t á v e l aumento das. espigas, por exemplo), permi

tem finalmente uma verdadeira " e x p l o s ã o " , um aumento espetacular e exponencial dos recursos dispon í v e i s . P a r a explicar o surgimento e desenvolvimentoda agricultura no vale de Tehuacan, J. T. Meyersfundiu as h i p ó t e s e s de Braidwood, Binford e F l a n nery num modelo ú n i c o . P o r é m , trabalhando sobreu m a r e g i ã o muito diferente — a costa central doPeru, onde os recursos terrestres eram complementa-

Page 21: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 21/57

42 Ciro Flamarion S.

dos por abundantes recursos m a r í t i m o s , e que certa-mente sofreu m o d i f i c a ç õ e s mais graves ao terminar oPleistoceno —, T. C . Patterson mostrou que tal modelo n ã o é a p l i c á v e l , sendo ne c e ssá r io elaborar outro.Assim, a q u e s t ã o das causas do surgimento da agricultura talvez tenha de receber respostas variadassegundo os casos, em f u n ç ã o de circunstancias eambientes distintos.

Outro tema muito debatido é o da origem da

c e r â m i c a no Novo Mundo. A mais antiga c e r â m i c aconhecida até agora no continente é a de Valdivia , nacosta do Equador, de excelente qualidade e datadade 3 200 a. C. ± 150. Os a r que ó lo g o s B. Meggers, J.C . E v a n s e E . E s t r a d a , baseando-se na s e m e l h a n ç acom a c e r â m i c a do p e r í o d o Jomon m é d i o do J a p ã o , eem ser dif íc i l explicar de outro modo o aparecimentos ú b i t o de c e r â m i c a de tão boa qualidade, defendemum a origem por contato asiát ico transpac íf ico , pontodos mais discutidos. C ó m o no caso da agricultura —mas sem paralelismo ne c e ssá r io com esta —, a difus ã o da c e r â m i c a foi processo longo que n ã o chegou ase completar em tempos p r é - c o l o m b i a n o s . Na Meso-A m é r i c a a mais antiga c e r â m i c a conhecida é da se

gunda metade do I I I m i l é n i o a. C . (Puerto Marquez,2440 a. C ) . No Pe r u , a c e r â m i c a é bem tardia: aproximadamente 1750 a. C . No caso do que é hoje oBr a s i l , a A m a z ó n i a a conheceu muito antes dasr e g iõ e s mais ao sul, onde a sua di fusã o ainda continuava na é p o c a do descobrimento.

América Pré-Colombiana 43

A diversificação culturaldos grupos agrícolas pré-urbanos

A o terminar a era p r é - c o l o m b i a n a , em fins dos é c u l o X V de nossa era, Pierre C h a u n u p r o p õ e distinguir, quanto à agricultura e ao povoamento, t r ê sá r e a s no continente americano:

l)^AJma primeira r e g i ã o de pequena e x t e n s ã o (2

m i l h õ e s de km2

, 5% da superf íc ie do continente) ealta densidade de mo g r á f i c a (continha 90% da popul a ç ã o total da A m é r i c a p r é - c o l o m b i a n a ) : a i lha hojepartilhada pelo H a i t i e pela R e p ú b l i c a Dominicana,os planaltos centrais do M é x i c o , talvez uma parte dazona maia, a r e g iã o dos chibchas d a C o l ô m b i a , o setorq u í c h u a - a i m a r á dos Andes centrais. E s t a r e g i ã oapresentava uma densidade m é d i a de 35 a 40 habitantes por km 2 , permitida pela agricultura intensivados t u b é r c u l o s , na i lha; principalmente do milho naM e s o - A m é r i c a ; da batata e do milho, nos Andes,incluindo as t é c n ic a s v em certos casos, a irr igação e acultura, em t e r r a ç o s . /

, 2)y Outr a r e g iã o , ta mbé m de uns 2 m i l h õ e s dek m , a das pla n íc i e s e planaltos maias, com umaagricultura do milho baseada no sistema de coivara,apresentava densidades de 2 a 5 habitantes por km 2 .Certas p o r ç õ e s do sudoeste norte-americano (NovoM é x i c o , Arizona) haviam conhecido uma densidadec o m p a r á v e l no passado, mas a partir de fins do século X I I I d. C . as supe r f í c i e s cultivadas d i m i n u í r a m ,engolidas pelo deserto que a v a n ç a v a .

Page 22: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 22/57

44 Ciro Flamarion S.

3) No resto do continente — 35 m i l h õ e s de km 2 ,ou 90% da s u p e r f í c i e da A m é r i c a — , a coleta, a c a ç ae a pesca, e quando muito uma agricultura bemprimitiva, só permitiam densidades í n f i m a s e modosde vida n ó m a d e s .

E s t a s i t u a ç ã o constitui o ponto terminal e ae x p r e s s ã o de um longo processo de d i f e r e n c i a ç ã ocultural que podemos considerar definitivamente i n i ciado quando, talvez por volta de 2000 a . C . na

M e s o - A m é r i c a , e de 1500 a. C . nos Andes centrais ,generalizou-se o habitat baseado em aldeias sedent á r i a s , possibilitado por uma agricultura e s t á v e l ealtamente produtiva. Foi-se formando, assim, a difer e n ç a entre o que os a r q u e ó l o g o s chamam de " á r e anuclear" (cultural e demograficamente) da A m é r i c ap r é - c o l o m b i a n a , e as "culturas marginais": marginais segundo o duplo cr i t ér i o de serem menos desenvolvidas t é c n i c a e economicamente ( c a r a c t e r i z á n d o se, devido a isto, por um peso d e m o g r á f i c o muitomenor) e de receberem por d i f u s ã o muitos elementosculturais da " á r e a nuclear" c o n s t i t u í d a pela Meso-A m é r i c a e pelos Andes centrais.

Deixaremos para o p r ó x i m o c a p í t u l o a exposiç ã o do processo que conduziu, na M e s o - A m é r i c a en a Zona Andina C e n t r a l , às "altas culturas" americanas, com sua u r b a n i z a ç ã o e seus Estados organizados.

Mencionaremos agora alguns exemplos de sociedades que, sem atingirem a etapa das cidades e dosEstados, mesmo assim exibiram complexos culturaisbastante a v a n ç a d o s , com e s b o ç o s já claros de hierar-

América Prê-Colombiana 45

q u i z a ç ã o social e a e x i s t ê n c i a de um artesanato especializado de boa qualidade. A arqueologia permitedetectar tais t r a ç o s a t r a v é s dos enterros — que manifestam j á c l ara d i f eren c i açã o social , por exemplo, nacultura a l d e ã de Tlatilco, no M é x i c o central (I m i l é nio a. C.) — e da p r e s e n ç a de centros cerimoniais.

Estes ú l t i m o s são conjuntos de e d i f í c i o s que serviamde ponto de r e u n i ã o , centro religioso e comercial,permanente ou ocasionalmente, a um conjunto de

aldeias dispersas, ligadas por algum tipo de confeder a ç ã o ou chefia, e que uniram seus e s f o r ç o s para

construir o centro cerimonial. Em certas partes daA m é r i c a , este precedeu a cidade e pode t ê - l a prepa-.rado (não necessariamente, p o r é m ) ; em outras, representou o s í m b o l o do ponto m á x i m o localmenteatingido pela cultura em tempos p r é - c o l o m b i a n o s .

E n t r e as numerosas sociedades, p r é - u r b a n a s daA m é r i c a que já apresentavam c o n s i d e r á v e l complexidade cultural citemos como exemplos: as culturaspue-

Blqâo sudoeste dos atuais Estados Unidos, com apogeu entre 1100 e 1300 a. D. ; diversas culturas do noroeste argentino (Zona Andina Meridional), principalmente na sua fase tardia (850-1480 a. D.); diferen

tes grupos da parte da A m é r i c a C e n t r a l n ã o - p e r t e n -cente à M e s o - A m é r i c a (mencionemos o centro cerimonial de Guayabo de T u r r i a l b a , no que é hoje a Costa

R i c a , cujo apogeu se deu entre 800 e 1300 a. D.); asculturas chibcha e de San Agustin (esta com sua fasefinal ou "epigonal" entre os s é c u l o s V I e X I I d. C . ) daatual C o l ô m b i a .

A cultura chibcha ou m u í s c a quase não deixou

Page 23: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 23/57

46 Ciro Flamarion S.

r e s t o s a r q u e p l ó g i c o s de tipo arquitetural, mas é re la tivamente bem c o n h e c i d ã ^ p o F t é r sido descrita porcronistas e s p a n h ó i s . Desenvolveu-se nas savanas dosrios B o g o t á ( e Chicamocho, a mais de dois mil metrosde a l tu r a . E r a politicamente u m a c o n f e d e r a ç ã o t r i b a lcom dois chefes supremos, o Z i p a de B o g o t á e oZaque de T u n j a . H a v i a chefes menores, constantemente em guerra uns com os outros. O Z i p a e oZaque eram chefes de c a r á t e r p o l í t i c o - s a c e r d o t a l ,h e r e d i t á r i o s segundo uma linha de s u c e s s ã o m a tr i l i -

near (o herdeiro sendo o filho da i r m ã do chefe). Aagricultura, o artesanato e o c o m é r c i o apresentavamdesenvolvimento c o n s id e r á v e l . H a v ia feiras nos povoados. Trocavam-se com os povos vizinhos as prod u ç õ e s locais — tecidos de a l g o d ã o , sal, esmeraldas=p por ouro e outros artigos. O trabalho dos metais— ouro, cobre e a liga chamada tumbaga — erabastante desenvolvido, em particular a ourivesaria. Ar e l ig iã o ainda continha t r a ç o s importantes dos cultostribais de fecundidade. E x i s t i a m templos a deusescomo o criador ( C h i m i n i g á g u a ) , o Sol, a L u a , o deusprotetor dos comerciantes. Os mitos mencionavamu m h e r ó i civilizador, Bochica. O culto i n c l u í a a imol a ç ã o de adolescentes estrangeiros, que deviam atuar

como i n t e r m e d i á r i o s entre os chibchas e o Sol, sendosacrificados com facas de bambu em lugares altos.O s grupos sacerdotal e mercantil eram bem diferenciados.

A cultura chibcha nada tem de excepcional:como ela, m u i t í s s i m a s outras de t r a ç o s similares en í v e l c o m p a r á v e l de desenvolvimento existiram em

América Pré-Colombiana 47

diversas partes do continente. P o r é m , só aquelas par a as quais, como é o caso dos chibchas, p o s s u í m o stestemunhos escritos devido ao seu c a r á t e r tardiopodem ser conhecidas em algum detalhe, já que aarqueologia não permite descer a pormenores das.estruturas poli tico-sociais e intelectuais, pela p r ó p r i anatureza cfas fontes que pode descobrir.

A organização econômico-socialdos agricultores pré-urbanos

N a tipologia neo-evolucionista, os grupos, agr ícolas p r é - u r b a n o s caracterizam dois tipos de organiz a ç ã o social , a tribo e a chefia.

A s tribos são sociedades segmentarias, ou seja,

subdivididas em unidades sociais cujo grau de integ r a ç ã o é tanto maior quanto menores sejam: gruposmultifamiliares (aldeias, linhagens), que exploramu m a á r e a de recursos comuns e formam unidadesresidenciais, por sua vez compreendendo f a m í l i a snucleares (formadas por um casal e seus filhos solteiros, embora possa haver t a m b é m formas de poli

gamia) que são as c é l u l a s fundamentais da estruturasocial. As r e l a ç õ e s de parentesco têm um c a r á t e rmultifuncional, isto é, funcionam ao mesmo tempocomo r e l a ç õ e s e c o n ó m i c a s , p o l í t i c a s e i d e o l ó g i c a s .

A s sociedades tribais a l d e ã s conhecem a propriedade coletiva sobre os meios de p r o d u ç ã o . Um ouv á r i o s i n d i v í d u o s são os d e p o s i t á r i o s desta propriedade em nome do grupo. A r e d i s t r i b u i ç ã o (que s u p õ e

Page 24: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 24/57

48 Ciro Flamarion S.

a existência de excedentes) se dá através das prestações de bens e serviços dos mais jovens aos maisvelhos, e dos dons destes aos primeiros. Existe umpoder permanente, não de caráter pessoal, mas ligado a funções exercidas, legitimado pela ideologiacujo núcleo é o culto dos antepassados. Os "maisvelhos" (chefes de linhagens, adultos iniciados quépassaram por certas provas, etc.) detêm um monopólio sobre a apropriação do saber necessário à reprodução do grupo e sobre certos bens aos quais se

liga prestígio (escravos, artigos que servem à aquisição de esposas, etc.), os quais se trocam só entreiniciados. Não há propriamente exploração, pois os"mais jovens" terminam recebendo uma esposadainiciação que lhes permite libertar-se da tutelaJ Í Q S"mais velhos" e criar por sua vez uma rede de dependentes. Além disto, para manter a sua autoridade, os"mais velhos" às vezes devem praticar dons ostenta-tórios, mostrar-se generosos, o que inclusive podelevar a destruições rituais de bens (em banquetes,por exemplo). Embora não exista exploração declasse, certos autores (como C. Meillassoux) cha mama atenção sobre a exploração dos jovens (passageira)e das mulheres (irrevogável) nas sociedades baseadas

em linhagens.

As chefias surgem quando há uma hierarquia deprestígio entre linhagens, chegando a ser hereditário

numa delas o cargo de chefe. Ainda não há umaestratificação em classes sociais e a sociedade aindase baseia no parentesco. Porém, o chefe, como redistribuidor dos bens que concentra, pode manter uma

América Pré-Colombiana 49

corte, o que abre caminho a um artesanato especializado de alta qualidade, ligado aos hábitos suntuarios, à construção de edificações importantes, etc.Algumas chefias incluem numerosas tribos e aldeias,formando às vezes confederações, no interior dasquais há uma hierarquia que vai do chefe supremoaos chefes menores.

Acontece com as noções de tribo e chefia o mesmo que já havíamos notado para a de bando: são

designações resultantes de uma comparação empírica entre sociedades no fundo muito heterogéneas,

havendo mais interesse, ao estabelecê-las, em ressaltar as semelhanças do que em explicar as diferenças.

Por isto, o seu valor é mais classificatório e descritivodo que explicativo e teórico.

A explicação marxista tradicional a respeito dassociedades tribais pré-urbanas baseia-se na noção de"comunidade primitiva". Fo i elaborada em primeirolugar por F . Engels, a partir dos trabalhos de L .Morgan. Segundo tal interpretação, à horda primi

tiva sucedeu o regime de clãs. A produtividade dotrabalho, elevando-se, tornou possível a associação

dos homens em grupos menores e mais estáveis do

que as hordas iniciais de que provinham. Tais grupos, os clãs, permanecem, porém, em contato com orestante da coletividade maior de que procedem: osclãs derivados de uma mesma horda consideram-seaparentados. O casamento dentro do mesmo clã vema ser proibido e os matrimónios passam a ser contraí

dos com membros de outros clãs derivados da mes mahorda. O casamento, exogâmico no clã, mas endogâ-

i

Page 25: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 25/57

50 CiroFlamarion S.

mico na tribo, não é ainda individual, e sim porgrupos (todas as mulheres de certos c lã s são esposasde todos os homens de outros). Nessa primeira etapa,o regime de c l ã s é matriarcal, baseado no parentescopor linha materna (matrilinearidade). Isto porque,no casamento por grupos, a paternidade não podese r estabelecida e a c r i a n ç a pertence ao clã materno.A mulher e o homem são e n t ã o perfeitamente iguaisdo ponto de vista s ó c i o - e c o n ô m i c o . Com o in í c io da

agricultura, ela atinge mesmo a supremacia, pois sededicava a esta e dirigia a comunidade (velhos, cr ianç a s ) enquanto o homem estava quase sempre ausente, c a ç a n d o ou guerreando.

A t r a n s f o r m a ç ã o da agricultura e da c r ia ç ã o nasatividades e c o n ó m i c a s principais, e do homem empastor e agricultor, d ã o a ele a primazia, relegando amulher a segundo plano na economia e na sociedade.O cl ã torna-se patrilinear (baseado no parentesco porlinha paterna) e passa-se ao sistema do casamentopatrilocal: a mulher, ao casar-se, passa a pertencerao clã do marido, enquanto na fase anterior o casamento era matrilocal. O casamento por grupos desaparece, cedendo o lugar aos casais e s tá v e i s .

Finalmente, o progresso t é c n i c o , passando apermitir que uma f a m í l i a restrita (o casal e seusfilhos) assegure a sua s u b s i s t ê n c i a apenas com o seutrabalho, abre, junto com outros fatores, o processode d e s a g r e g a ç ã o dos c l ã s , do surgimento da propriedade privada, das di fe r e nç a s de classe e do Estado.

As c r í t i c a s feitas à in te r pr e ta ç ã o acima se avolumaram com descobertas e t n o l ó g i c a s e a r q u e o l ó g i c a s

América Pré-Colombiana SI

que mostraram sua fragilidade em muitos aspectos.Assim, e principalmente, o casamento de grupos, an o ç ã o de matriarcado, a ideia de uma anterioridadeda matrilocalidade sobre a patrilocalidade, etc. sãorejeitados decididamente, com base em só l ida argum e n t a ç ã o , pela grande maioria dos a n t r o p ó l o g o snã o -pe r te nc e nte s aos p a í s e s socialistas. É t a m b é mverdade que, apesar dos esforços e descobertas importantes dos a r q u e ó l o g o s e e tnó lo g o s so v i é t i c o s , no

d o m í n i o dá in te r pr e ta ç ã o dos dados colhidos eles seprendiam até bem pouco tempe*de maneira excessivaaos escritos dos fundadores do marxismo, com grande risco de se tornarem estreitos e d o g m á t i c o s emsuas p o s i ç õ e s .

Recentemente, vár ias tentativas foram feitas nosentido de construir um novo tipo de teoria destassociedades. P a r a M . Godelier, elas constituem dé fatou m campo h e t e r o g é n e o de estudos, onde v á r io s modos de p r o d u ç ã o poderiam e deveriam ser detectados. Outros autores — M. Sahlins, C. Meillassoux— propuseram o conceito de "modo de p r o d u ç ã od o m é s t i c o " , ou "modo de p r o d u ç ã o de linhagens"( P . - P . Rey). A e l a b o r a ç ã o mais ¡a c a ba da parece ser ade Meillassoux (ver Mujeres, graneros y capitales,

M é x i c o , Siglo X X I , 1977, pp. 13-127). Contudo, taisestudos ainda n ã o chegaram a resultados plenamentesa t i s fa tó r io s , sendo ne c e ssá r io o prosseguimento dosesforços teór icos e de pesquisa.

Page 26: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 26/57

AGRICULTURA INTENSIVAE URBANIZAÇÃO:AS "ALTAS CULTU RAS"

PRÊ-COLOMBIANAS

A "revoluçãourbana"

O surgimento das cidades — sendo a d i s t i n ç ã ocidade/campo, segundo K . M a r x , a primeira granded i v i são social do trabalho — exige previamente odesenvolvimento da c o n c e n t r a ç ã o populacional. E s t a

se liga a uma agricultura eficiente, que ao c o m e ç a r au r b a n i z a ç ã o seja capaz de alimentar a a g l o m e r a ç ã ourbana, permitindo pois uma d i v i são do trabalhoentre produtores e n ã o - p r o d u t o r e s de alimentos,- A" r e v o l u ç ã o urbana" — n o ç ã o que t a m b é m devemosa Gordon Childe — constitui o n ú c l e o do processoque conduz das culturas tribais a l d e ã s às verdadeirascivilizações, ou seja, culturas extremamente com-

América Pré-Colombiana 53

plexas, internamente diversificadas e sofisticadas,com altos graus de h i e r a r q u i z a ç ã o e e x p l o r a ç ã o sociais (surgimento da sociedade, de classes), um Estado estruturado fora e acima das r e l a ç õ e s de parentesco e linhagem e dotado de um sistema de impostose meios de c o a ç ã o , a i n v e n ç ã o de sistemas de c ô m puto (sem os quais n ã o há ad mi n i s t ração p oss í ve l ac i m a de certas d i m e n s õ e s do grupo social) e, em quasetodos os casos — as c i v i l i zações peruanas sendo n o t á ve l exceção —, o aparecimento da escrita.

Segundo Gordon Childe, dez cr i t ér i os permitemdistinguir uma cidade de uma aldeia ou povoado quen ã o seja urbano:

"*»1) o seu tamanho e p o p u l a ç ã o mais importantes;

2) o aparecimento de especialistas (administradores, sacerdotes, a r t e s ã o s , etc.);

3) a f o r m a ç ã o de um "capital efetivo" (originado pelos tributos impostos aos produtores agrí colas);

4) a c o n s t r u ç ã o de ed i f í c i os e obras p ú b l i c a sem escala antes desconhecida;

5) a f o r m a ç ã o de uma "classe governante";

6) a i n v e n ç ã o e uso da es cr ita ^7) os c o m e ç o s das c i ê n c i a s e x à t a s baseadas na

p r e d i ç ã o : m a t e m á t i c a , geometria, astronomia, cal e n d á r i o ;

8) uma arte com estilos conceptualizados e sofisticados;

É 9) o desenvolvimento do c o m é r c i o exterior deobjetos de luxo e m a t é r i a s - p r i m a s ;

Page 27: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 27/57

5 4 Ciro Flamarion S.

10) os a r t e s ã o s se tornam especialistas de tempocompleto, devido à disponibilidade c o n t í n u a de ma-t é r i a - p r i m a .

O s s o c i ó l o g o s que trataram do f e n ó m e n o urbanoinsistiram em c r i t é r i o s variados de d e f i n i ç ã o da cidade: o mercado (M. Weber), a heterogeneidadesocial, as r e l a ç õ e s impessoais e o anonimato, a divis ã o do trabalho... P a r a o historiador, "cidade" é umtermo cujas c o n o t a ç õ e s são v a r i á v e i s segundo os am

bientes naturais e culturais , as sociedades e as é p o c a s . O fato urbano é d i n â m i c o , evolui com o tempo,o lugar, o n í v e l das f o r ç a s produtivas, e se define poro p o s i ç ã o a estruturas rurais que são t a m b é m v a r i á veis.

Jorge Hardoy afirma que, na A m é r i c a p r é - c o -lombiana, uma cidade era uma a g l o m e r a ç ã o com asseguintes c a r a c t e r í s t i c a s e f u n ç õ e s :

1) extensa e bem povoada para sua é p o c a er e g i ã o ;

2) um estabelecimento permanente;

3) com uma densidade m í n i m a para sua é p o c ae r e g i ã o ;

4) com c o n s t r u ç õ e s urbanas e um t r a ç a d o ur

bano indicado por ruas e e s p a ç o s urbanos r e c o n h e c í veis;

5) um lugar onde as pessoas residiam e trabalhavam;

6) possuindo um m í n i m o de f u n ç õ e s especificamente urbanas: ser um mercado e/ou um centromilitar e/ou um centro p o l í t i c o - a d m i n i s t r a t i v o e/ouu m centro religioso e/ou um centro de atividades

América Pré-Colombiana 55

intelectuais, dotado das i n s t i t u i ç õ e s correspondentes;

7) heterogeneidade e d i f e r e n c i a ç ã o h i e r á r q u i c a da sociedade, com r e s i d ê n c i a urbana dos gruposdirigentes;

8) um centro de economia urbana para a suaé p o c a e r e g i ã o , cuja p o p u l a ç ã o dependesse até certoponto da p r o d u ç ã o a g r í c o la de pessoas que em formatotal ou parcial não viviam na cidade;

9) um centro de s e r v i ç o s para as localidadesvizinhas, de i r r a d i a ç ã o de um esquema de urbaniz a ç ã o , e de d i f u s ã o de progressos t e c n o l ó g i c o s ;

10) com uma forma urba na de vida distinta deu m a forma de vida r u r a l ou semi-rural para a suaé p o c a e r e g i ã o .

Se exigirmos a p r e s e n ç a da totalidade destescr i t ér i o s , foi Teotihuacan a primeira cidade meso-americana, pelo menos a partir de 100 a. D . NosAndes centrais, o urbanismo surgiu primeiro em suap o r ç ã o meridional (talvez no s é c u l o II a. C ) , antesde generalizar-se ao conjunto dessa r e g i ã o cultural.E m suma: o f e n ó m e n o urbano se manifestou naA m é r i c a v á r i os m i l é n i o s depois de haver surgido pio

neiramente no Oriente P r ó x i m o .Chamemos a a t e n ç ã o para o fato de que, exata-

mente como aconteceu no caso do Oriente P r ó x i m o ,as tentativas para vincular o surgimento de cidades eEstados organizados na A m é r i c a à agricultura deregadio, devido a que a i r r i g a ç ã o em alta escalaexigiria um poder forte e organizado que controlasseobras c o n s i d e r á v e i s como diques, canais, represas,

Page 28: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 28/57

56 Ciro Flamarion S.

etc., não deram bom resultado. Um exemplo são aspesquisas neste sentido levadas a cabo no M é x i c o porA . Palertn. Não apenas não conseguiu descobrir arqueologicamente sistemas realmente antigos de regadio, como t a m b é m constatou que o sistema de controle sobre a i r r i g a ç ã o , em tempos posteriores melhordocumentados, não era de tipo concentrado, e sim deo r g a n i z a ç ã o local. Naturalmente, isto não exclui quea i r r ig a ç ã o tenha sido elemento importante na consec u ç ã o de excedentes a g r í c o l a s para cidades e organi

z a ç õ e s estatais, mas enfraquece a h i p ó t e s e causal" h i d r á u l i c a " derivada das ideias de K. Wittfogel.

Outro problema h i s t ó r i c o muito discutido é o desaber se, no I m i l é n i o d. C , os maias — povo daM e s o - A m é r i c a r e s p o n s á v e l por uma das mais b r i lhantes c i v i l i z a ç õ e s i n d í g e n a s — c o n s t r u í r a m cidades(em p e r í o d o posterior, o mundo maia sofreu i n f l u ê n c ia mexicana, e surgiram indubitavelmente centrosurbanos, embora não muito extensos). E s t a é a opin i ã o de S. Morley, que atribui c a r á te r urbano às aglom e r a ç õ e s maias, embora não se concentrassem emq u a r t e i r õ e s apertados, e sim estivessem dispersas emextensos s u b ú r b i o s e numa sér ie de pequenas granj a s . Os e d i f í c i o s religiosos e p ú b l i c o s , por outro lado,

em lugar de se colocarem ao longo de ruas, formava m grupos em torno de p r a ç a s e p á t i o s . Outrosespecialistas, como T . Proskouriakoff e E . Thompson, negam que sejam cidades: tratar-se-ia simplesmente de centros cerimoniais que serviam a numerosas aldeias dispersas. Uma r a z ã o da falta de grandesa g l o m e r a ç õ e s poderia ser uma agricultura relativa-

América Pré-Colombiana 57

mente primitiva mas adaptada à ecologia regional, eu m clima marcado por secas longas, sendo dispersasas fontes de abastecimento de á g u a , não bastando osmeios elaborados pelos maias para a r m a z e n á - l a parasustentar n ú c l e o s muito extensos e concentrados dep o p u l a ç ã o .

Sequências histórico-culturais

na Meso-América

A Meso-América

F o i em meados do I I m i l é n i o a. C . que tomouforma a zona cultural que chamamos M e s o - A m é r i c a .e que agora passaremos a delimitar e definir.

A s fronteiras m é s o - a m e r i c a n a s foram v a r i á v e i ssegundo as é p o c a s . De uma maneira geral, podemosconsiderar como meso-americanas as á r e a s de agricultura e s t á v e l que ocupam a parte do M é x i c o situada ao sul dos desertos setentrionais, a Guatemalae Belize, a parte oeste de Honduras, E l Salvador, a,

parte sudoeste da N i c a r á g u a e a p e n í n s u l a de Nicoyan a Costa R i c a . A fronteira norte foi particularmentev a r iá v e l : por exemplo, em 900 a. D. a v a n ç a r a m osc a ç a d o r e s - c o l e t o r e s em detrimento da zona a g r í c o l a .

A M e s o - A m é r i c a apresentava as seguintes sub-r e g i õ e s : 1) Noroeste: culturas de Colima, Jalisco eNayarit; 2) Planalto mexicano: culturas de Teoti-huacan, tolteca e asteca; 3) Costa do Golfo do Mé-

Page 29: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 29/57

5 8 Ciro Flamarion S.

xico: culturas olmeca, totonaca e huasteca; 4) Zo namaia: I u c a t ã , Campeche, Tabasco, parte de Chiapase Quintana Roo (no M é x i c o ) , Guatemala, Belize,Honduras ocidental; 5) M é x i c o meridional (entre ovale do M é x i c o e a zona maia): c i v i l i z a ç õ e s zapotecae mis teca.

A s principais c a r a c t e r í s t i c a s culturais geralmente a t r i b u í d a s à M e s o - A m é r i c a sao: 1) a agricultura baseada no b a s t ã o de semear e produzindo milho (preparado de maneiras peculiares: tortillas, tamales,

etc.), cacau e maguei como plantas mais e s p e c í f i c a s ;2) a p i r â m i d e escalonada ou em degraus, os p á t i o srecobertos de estuque, os jogos rituais com bolas deborracha; 3) o sistema n u m é r i c o vigesimal, os mesesde vinte dias, o calendario duplo solar e l i t ú r g i c o(lunar), os ciclos de 52 anos; 3) a existencia da escrit a : h i eróg l i f o s maias, glifos do M é x i c o central (numerais, c a l e n d á r i o s , p i c t o g r á f i c o s , i d e o g r á f i c o s e fon é t i c o s , sendo estes ú l t i m o s s i l á b ic o s na sua maioriae apenas t r ê s a l f a b é t i c o s ; a "leitura" dos c ó d i c e s ou"livros de pinturas" era complementada por textosmemorizados em escolas especiais); 4) outros elementos diversos, por exemplo, zarabatanas com pro-j é t e i s de argila.

Do ponto de vista da h i s t ó r i a e c o n ó m i c a , é maisinteressante a c l a s s i f i c a ç ã o dos sistemas a g r í c o l a s emodalidades de povoamento proposta por Angel Pa-lerm.

A coivara consiste em plantar os g r ã o s comajuda do b a s t ã o de semear (huictli) numa clareiraganha à selva cortando as á r v o r e s e queimando a

América Pré-Colombiana 59

v e g e t a ç ã o menor. Depois de um p e r í o d o que varia

segundo a qualidade do solo mas nunca é muitolongo, o rendimento c o m e ç a a diminuir, o que conduz ao abandono da terra plantada, para que sereconstitua o bosque e se regenere o solo; uma novaclareira deve e n t ã o ser conquistada à v e g e t a ç ã o natur a l . Este ciclo a g r í c o l a , c a r a c t e r í s t i c o das terras baixas tropicais, funciona bem se as terras forem abundantes e se se abrirem novas clareiras com regula

ridade. Ao aumentar demasiado a p o p u l a ç ã o , a press ã o sobre a terra pode ser solucionada pel a m i g r a ç ã oou pela r e d u ç ã o do p e r í o d o de descanso e reconstit u i ç ã o da floresta, mas isto provoca rendimentosdecrescentes. No sistema depousio curto,

6 as maneira s de preparar e cultivar a terra não são diferentes,mas nas r e g i õ e s de que se trata agora — terras altastemperadas ou subtropicais — é p o s s í v e l reduzir op e r í o d o de descanso a dois ou t r ê s anos depois deu m a fase de cultura de igual d u r a ç ã o . E m certoscasos, paralelamente à clareira plantada de milho,cultiva-se uma horta de alto rendimento devido aouso de adubos (folhas, excrementos, detritos d o m é s ticos, etc.). Este sistema abre a possibilidade de uma

p o p u l a ç ã o mais densa e implica a s e d e n t a r i z a ç ã o .P o r ú l t i m o , o regadio; que permite culturas permanentes pela e l i m i n a ç ã o do pousio e uma maior densidade e c o n c e n t r a ç ã o d e m o g r á f i c a s : na M e s o - A m é -

(6) Chama-se pousio o sistema agrícola baseado em deixar descansar uma certa porção das terras cultiváveis enquanto outra porçãoé trabalhada, com o fito de permitir a recuperação da fertilidade.

Page 30: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 30/57

60 Ciro Flamarion S.

rica existiram sistemas de i r r i g a ç ã o por canais e porilhas flutuantes chamadas chinampas. E s t a s , utilizadas nos lagos do M é x i c o central, permitiam rendimentos prodigiosos (de 300 a 500% segundo L ó p e zde Gomara) ao usar plantas a q u á t i c a s , limo e excrementos como fertilizantes.

A p e r i o d i z a ç ã o habitual da h i s t ó r i a meso-amer i c a n a em p r é - c l á s s i c o ou formativo, c l á s s i c o e pós-c l á s s i c o , proposta entre outros por G. Willey e P .Phillips, é inadequada por basear-se em um

c r i t é r i oesteticista duvidoso; como decidir, por exemplo, demaneira objetiva, que a arte maia c l á s s i c a é "melhor" do que a asteca p ó s - c l á s s i c a ? Reconhecemosem tal p e r i o d i z a ç ã o o ciclo organicista de tipo nasci-mento-desenvolvimento-morte (ou decadencia). P a r aa h i s t ó r i a e c o n ó m i c a - s o c i a l , nã o tem evidentementequalquer sentido.

A cultura olmeca e outras culturas contemporâneas(1200-1 a. C, aproximadamente)

Este p e r í o d o viu os i n í c i o s de uma hierarqui

z a ç ã o social v i s í v e l : r e p r e s e n t a ç ã o de personagenscom signos distintivos na arte olmeca, enterros luxuosos contrastando com outros simples em K a m i -naljuyu (Guatemala) e rio vale do M é x i c o (Tlatilco),etc. Inexistiam e n t ã o , p o r é m , verdadeiras cidades .Surgiram os primeiros centros cerimoniais meso-americanos, os quais de qualquer maneira s u p õ e mu m a agricultura suficiente p a r a que durante uma

América Pré-Colombiana 61

parte do ano bom n ú m e r o de pessoas se alimentassesem cultivar a terra , já que trabalhava em gran

des c o n s t r u ç õ e s que exigiam s u p e r v i s ã o , usando àsvezes materiais trazidos de longe. Aparece ram ness a fase alguns dos t r a ç o s essenciais da cultura

meso-americana: culto do jaguar (associado aodeus da chuva e/ou da T e r r a ) , centros cerimoniaisorientados, escrita e c a l e n d á r i o , formas primitivas dap i r â m i d e escalonada, jogo r i t u a l com bolas de borr a c h a , etc.

O centro da cultura olmeca foi o sul de V e r a c r u ze o norte de Taba sco , na zona tropical do Golfo doM é x i c o : tal á r e a central tem uns 18000km 2 e, segundo I . B e r n a l , na é p o c a do apogeu olmeca teriauns 350000 habitantes. O termo "olmecas" é t r a d i cional mas falso: originalmente designava um grupoque vivia no sul de V e r a c r u z em tempos h i s t ó r i c o s enada tinha a ver com os monumentos antigos.

A . Caso chama a essa r e g i ã o de " M e s o p o t â m i ad a M e s o - A m é r i c a " , por ser muito irrigada por diversos rios; é t a m b é m chuvosa. A dieta se compunhasobretudo de milho, fe i jão e a b ó b o r a , produzidospela agricultura de coivara e ao longo das margens

dos rios, complementada possivelmente pela c a ç a epesca. Os trabalhos executados nos centros cerimoniais s u p õ e m uma o r g a n i z a ç ã o social relativamentehierarquizada, no n í v e l de chefias e c o n f e d e r a ç õ e stribais. A h i p ó t e s e mais corrente é a do c a r á t e r sacerdotal do grupo dominante, mas hoje alguns pensamque se tratava de senhores leigos e que l a cultura

olmeca se difundiu por meio de uma classe de merca-

Page 31: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 31/57

62 Ciro Flamarion S. Cardoso

dores armados que iam até a Costa R i c a , principalmente em busca de jade. O fato é que as construções

são todas religiosas e fu n erár i as , como também o usoque se fazia dos produtos vindos de outras regiões

(basalto, pedra serpentina, jade). No sítio principal,L a Venta, construído numa ilha, calculou-se queviviam 150 pessoas (o grupo dirigente com os seusservidores), graças a uns 18000 camponeses dependentes disseminados nos arredores. Muita m ã o - d e -obra seria necessária para transportar 5 000 toneladas de serpentina e grandes quantidades de basalto(pela navegação fluvial) vindas de 250 a 900 km ded i s t â n c i a , e para a construção e reconstrução doscentros cerimoniais.

Os centros olmecas mais importantes foram SanLorenzo (1200-900 a. C ) , L a Venta (1000-600 a. C. )e posteriormente Tres Zapotes. No conjunto, podemos datar a cultura olmeca entre 1200 a. C . e a época

de Cristo.V - Q s olmecas não conheciam os metais; o jade era

o minério mais precioso, e vinha de zonas distantes.Desenvolveram a escrita e o c a l e n d á r i o , emborapouco haja restado a respeito^Sua cerâmica era de

m á qualidade, em contraste com a escultura monumental de pedra, muito bem feita. Muitos restosarqueológicos procedem de oferendas rituais, incluindo figurinhas de jade e peças de c e r â m i c a . Nã oconstruíam estradas, usando os rios e trilhas naturais.

A zona de influência da cultura olmeca foi extensa. T a l i n f l u ên c i a , máxima entre 1200 e 900 a. C .

América Pré-Colombiana 63

("horizonte olmeca") foi diminuindo depois, em favor da proliferação de culturas locais mais ou menosa u t ó n o m a s . Não sabemos até que ponto puderamdominar politicamente territórios situados fora doseu n ú c l e o ; o certo é que foi a primeira grande cultura que associou os recursos e tradições do planaltoe d a costa na M e s o - A m é r i c a . Pinturas olmecas foramachadas no Estado mexicano de Guerrero (centro-suldo M é x i c o ) . Alguns afirmam que tiveram verdadei

ras " c o l ó n i a s " no vale do M é x i c o . As suas rotascomerciais, passando por Chiapas e pelo sul da G u a temala, atingiam a Costa R i c a . E m Oaxaca (México

meridional), a partir de 500 a. C , a fase MonteAlban I mostra influências olmecas (os relevos dos" d a n ç a r i n o s " e posteriormente um edifício com glifos; é verdade, p o r é m , que Monte Alban I conhece ai rr i gação , uma arquitetura de pedra, escrita, calendário e religião mais desenvolvidos que os dos olmecas). A respeito da ampla influência olmeca, MiguelCovarrubias disse que "o estilo olmeca está ligado,de longe, mas palpavelmente, com a arte teotihua-cana mais antiga, com o estilo chamado totonaca ( E lT aj í n ) , com as formas mais antigas da arte maia ecom os objetos zapotecas, os quais tendem a ser maisolmecas na medida em que sejam mais antigos". D aíque, para A. Caso, a cultura olmeca seja a "cultura-m ã e " da civilizaçãomeso-americana.

Mencionaremos agora outras culturas contemporâneas à olmeca.

. Nos arredores da cidade do M é x i c o , em Morelose em Guerrero, e com influências que atingem Co-

Page 32: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 32/57

64 Ciro Fiamar on S. Cai

lima, Jalisco e N a y a r í t , desenvolveu-se desde mais oumenos 1000 a. C. o chamado estilo de Hatilco, comu m a c e r â m i c a c a r a c t e r í s t i c a , figurinhas de mulher(cultos de fecundidade), m á s c a r a s de argila, fortei n f l u ê n c i a o l m e c ó i d e (e, segundo alguns, t a m b é ma s i á t i c a ) . Infelizmente é mal conhecido em detalhe.Posteriormente, o vale do M é x i c o conheceu outrasculturas que são r e s p o n s á v e i s pela base escalonadade Tlapacoya e pela p i r â m i d e escalonada circular

revestida de ped ra e que t inha um templo no topo, deCuicuilco. Certos autores pretendem que o s í t i o deCuicuilco nã o pode explicar-se se não houvesse jáu m a agricul tura altamente produtiva nas margenslacustres, ou a t r a v é s de chinampas.

N a á r e a maia , culturas formativas baseadas em.aldeias a g r í c o l a s e no milho surgiram entre 1500 a.C e a é p oc a de Cristo. E m Ocos, no litoral p a c í f i c od a Guatemala, alguns autores v ê e m i n f l u ê n c i a s a s i á ticas ( c e r â m i c a decorada com a i m p r e s s ã o , de cordas ) . Kaminafjuyu e Las C h a r c a s , no vale de Guatemala, apresentam uma c e r â m i c a a v a n ç a d a e, comoTlatilco, sinais de e s t r a t i f i c a ç ã o social. No s é c u l o Va . C . surgiu na r e g i ã o guatemalteca de Peten a c e r â

mica de Mamom. O s í t i o de T i k a l foi ocupado desde600 a. C , e, entre 300 e 200 à. C , ali surgiramtemplos de tijolos cobertos de gesso; na mesma é p o c atemos s a n t u á r i o s em Uaxactun e Kaminaljuyu. Osp r i n c í p i o s da c i v i l i z a ç ã o maia parecem haver recebido indiretamente a i n f l u ê n c i a olmeca por i n t e r m é dio da cultura de Izapa (em Chiapas, no sul doM é x i c o ) , situada ao longo da "rota do jade".

América Pré-Colombiana 6 5

As civilizações do I milénio d. C.

Este é o p e r í o d o que foi chamado " c l á s s i c o " ou,com c r i t é r i o ainda mais duvidoso, "florescimento dascidades t e o c r á t i c a s " . A sociedade tornou-se maiscomplexa e hierarquizada, acredita-se que a agricultura fez grandes progressos, ampliou-se o c o m é r c i o alonga d i s t â n c i a e enfim a M e s o - A m é r i c a entrou nosi n í c i o s da u r b a n i z a ç ã o . / P a r a esta fase contrasta a

suntuosidade do registro a r q u e o l ó g i c o com a c a r ê n c i a de fontes escritas, embora tenha ocorrido e n t ã o odesenvolvimento da escrita, da n u m e r a ç ã o e do cal e n d á r i o , a l é m do de uma arte diversificada.

A primeira cidade meso-americana, Teo tihua-c a n , situada num vale do planalto centra l mexicano anordeste da atual cidade do M é x i c o , surgiu a partirde quatro aldeias, entrando em fase claramente urbana por volta de 100 d. C . O a r q u e ó l o g o R e n éM i l l ó n acredita que o seu apogeu populacional foiatingido entre 450 e 650 a. í ) . (85000 habitantes), eque a m á x i m a e x t e n s ã o do t e rr i t ór i o urbanizado haja

sido de uns 22 km 2 ; trata-se de cifras de peso para aé p o c a , não só no referente à A m é r i c a , mas ao mun

do/Co nsta va de um centro urbano planificado, contendo um imenso centro cerimonial com p i r â m i d e s eoutros edificios p ú b l i c o s , p a l á c i o s , zonas artesanaiscom ruas dedicadas a atividades especializadas, blocos residenciais, tudo isto organizado num sistemade q u a r t e i r õ e s quadrangulares ( só os blocos residenciais eram uns 4000), avenidas, ruas e p r a ç a s , contrastando com o labirinto dós s u b ú r b i o s , que não

Page 33: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 33/57

66 Ciro Flamarion S.

eram planificados/ H a v i a bairros de estrangeirosresidentes (maias, zapotecas).

' V a r í a s h i p ó t e s e s foram propostas p a r a explicaro surgimento e e x p a n s ã o de uma cidade de tais dim e n s õ e s , cujo planejamento e sucessivas modificaç õ e s exigiam um poder p o l í t i c o forte e bem estruturado. P. Armillas acredita que um sistema de agricultura de i r r i g a ç ã o , utilizando as á g u a s do rio SanJ u a n e o armazenamento das chuvas, forneceu a basee c o n ó m i c a n e c e s s á r i a , mas A . Palerm não conseguiu

detectar os seus restos a r q u e o l ó g i c o s . T. C. Pattersonpretendeu explicar a prosperidade de Teotihuacana i r a v é s do controle do c o m é r c i o e da t r a n s f o r m a ç ã ode uma m a t é r i a - p r i m a , a obsidiana, o que é simplista demais. Outros autores preferem enfatizar opapel de capital religiosa e centro de p e r e g r i n a ç õ e s deque a cidade indubitavelmente desfrutou durante séculos. T a m b é m se defendeu a h i p ó t e s e de que teriadominado politicamente um grande i m p é r i o meso-americano, sustentar!do-se com tributos. Isto se baseia em v í n c u l o s comerciais e e s t i l í s t i c o s , arqueologicamente comprovados, com boa parte da Meso-A m é r i c a ( V e r a c r u z , G u e r r e r o , o istmo de Tehuante-pec, a Guatemala), e é no fundo i n c o m p a t í v e l com a

v i s ã o tradicional e idealizada de Teotihuacan comoc i v i l i z a ç ã o sacerdotal e p a c í f i c a ( v i s ã o que se temenfraquecido muito ultimamente). A cidade nuncafoi fortificada, mas isto pode refletir simplesmenteu m a c o n f i a n ç a arrogante na p r ó p r i a f o r ç a .

A sociedade apresentava uma e s t r a t i f i c a ç ã o soc i a l a v a n ç a d a , com um grupo dominante diversifi-

América Prê-Colombiana 67

cado e com grupos profissionais especializados eorganizados. F . K a t z acha p o s s í v e l que já e n t ã otenham surgido todos os grupos dominantes de c u j ae x i s t ê n c i a temos provas em é p o c a s posteriores: umacasta de guerreiros tendendo à aristocracia heredit á r i a (o fato de serem pouco representados artisticamente não significa que não existiam), uma aristocrac i a t r i ba l , sacerdotes, mercadores (entre os quaisse i n c l u í a m algumas mulheres) e talvez um e s b o ç o deburocracia estatal em processo de formar-se comogrupo separado.

Teotihuacan necessitava obter m a t é r i a s - p r i m a sinexistentes na sua r e g i ã o — a l g o d ã o , cacau, plum a s , jade —, e em troca exportava c e r â m i c a e objetos de obsidiana. A c e r â m i c a foi inclusive fabricadaem s é r i e , usando-se moldes. Exportava-se um a c e r â mica fina, que constratava com uma bem mais grosseira, não vendida no exterior ou usada, cerimonial-mente, e sim no dia-a-dia. Na verdade, tanto nac e r â m i c a quanto nos m a g n í f i c o s afrescos policromados e outras m a n i f e s t a ç õ e s a r t í s t i c a s (arquitetura depedra, esculturas, m á s c a r a s de pedra) podem serdetectados v á r i o s estilos.

A r e l i g i ã o c o n t é m todo o futuro p a n t e ã o mexicano, com e x c e ç ã o de Huitzilopochtli e Tezcatlipoca.Encontramos nas p o s i ç õ e s dominantes Q u e t z a l c ó a t l ,a serpente emplumada, e T l á l o c , o deus-jaguar dachuva. Os mortos eram provavelmente cremados.

Teotihuacan foi d e s t r u í d a e incendiada por voltade 750 a. D As h i p ó t e s e s a respeito variam desderevoltas camponesas internas até ataques externos,

Page 34: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 34/57

68 CiroFlamarion S.

mas a verdade é que não há dados que apoiem qualquer das e x p l i c a ç õ e s propostas.

No M é x i c o meridional (Oaxaca) desenvolveu-seneste p e r í o d o a c iv i l i z a ç ã o zapoteca de Monte Alban,sobre cuja natureza — centro cerimonial apenas out a m b é m centro urbano — se discute. Sob in f luê nc iade Teotihuacan, surgiram edif íc ios em talude e murais p o l í c r o m o s . Estes ú l t i m o s foram encontrados emtumbas:, ao c o ntr á r io da re l ig ião teotihuacana, a doszapotecas e^^mjnada~pelo culto funerár io , comsuas grandes urnas a n t r o p o m ó r f i c a s de c e r â m i c a ,muito decoradas. O sitio de Monte Alban se encon&aem lugar alto, que domina três vales, e consta deplataformas e p i r â m i d e s organizadas em distintosnív e i s à volta de p r a ç a s e esplanadas. Depois de 550a. D. , desaparece a in f luê nc ia de Teotihuacan. Cons-tata-se e n t ã o algum influxo cultural maia; na suafase final, p o r é m , a c iv i l i z a ç ã o zapoteca estava cadavez mais fechada e isolada. Monte Alban foi abandonado por volta de 950 a. D. (embora a sua c e r â m i c at íp i c a continuasse sendo fabricada por v á r i o s s é c u los), ao ser Oaxaca invadida pelos mistecas. No casoda c iv i l i z a ç ã o zapoteca, a arqueologia revelou semlugar a d ú v i d a s restos de obras para o regadio agr ícola.

Na r e g iã o costeira do norte de Veracruz, encori-travam-se os centros de E l T a j in e T a j i n Chico (esteposterior ao primeiro), pertencentes à cultura toto-naca, cujo apogeu se deu entre 600 e 900 a. D. ,embora depois tenha continuado a existir a té 1200 a.D . O e d i f í c io mais c a r a c te r í s t i c o é uma p i r â m i d e

América Pré-Colombiana 69

c o n s t r u í d a com pedras claras e contendo mais detrezentos nichos. A arqueologia regional revelout a m b é m esculturas de formas peculiares, finamentelavradas em pedra dura (chamadas "jugos", "machados" e "palmas"). In f luê nc ia s e s t i l í s t i c a s toto-nacas foram detectadas em Chiapas e na r e g iã o doPa c í f i c o , até Honduras. T a m b é m há provas de relaç õ e s com Teotihuacan. Nesta r e g iã o tropical, comsua agricultura de coivara, não se desenvolveu um

n ú c l e o urbano ao redor dos centros cerimoniais.U m a das mais famosas c iv i l izações meso-ameri

canas foi a maia, que ora atinge o apogeu nos seusprincipais centros de e n t ã o : T i k a l , Copan, Q u i r i g u á ,Piedras Negras, Uaxactun, Palenque, Yaxchilan,situados no sul do M é x i c o (Chiapas, parte do I u c a -t ã ) , na Guatemala e no oeste de Honduras. Os trêscentros principais — Palenque, T i k a l e Copan —formam o chamado " tr iâ ng u lo maia c l á s s i c o " , aoqual se atribui o maior refinamento artíst ico e ac r ia ç ã o dos elementos mais caracter íst icos da civiliz a ç ã o dos maias.

A base e c o n ó m i c a de tal c iv i l i z a ç ã o — a agricul

tura do milho pelo sistema de coivara — não permitegrandes a g l o m e r a ç õ e s , embora nas zonas mais secasfossem usados d e p ó s i t o s naturais (cenotes) e artificiais de á g u a . Aparentemente, nos centros cerimoniais viviam o grupo dirigente e a r te sã o s especializados apenas, enquanto à volta se disseminavam aldeias n ã o - p e r m a n e n t e s (já que a agricultura era itinerante). Já vimos que se discute o c a r á te r urbano oun ã o dos centros maias.

Page 35: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 35/57

70 Ciro Flamarion S.

N a i n t e r p r e t a ç ã o mais antiga, t a m b é m no casomaia se postulou o c a r á t e r p a c í f i c o e sacerdotal destep e r í o d o . É verdade que o afresco de Bonampak(Chiapas) representa uma batalha, mas se argu

menta que seria apenas uma e s c a r a m u ç a para capturar prisioneiros que seriam depois sacrificados. Osistema p o l í t i c o era o de numerosas pequenas uni

dades independentes. As pedras esculpidas (esteias),afrescos e certas figurinhas de barro representampersonagens que, segundo as i n t e r p r e t a ç õ e s , seriamsoberanos ou sacerdotes. Ê certo que a multiplic a ç ã o de i n s í g n i a s s i m b ó l i c a s em suas complicadasi n d u m e n t á r i a s pareceria indicar um poder de funç ã o , mais do que pessoal.

O s centros religiosos tinham d i m e n s õ e s muitov a r i á v e i s . Os menores constavam somente de umap i r â m i d e e um ou outro monumento adicional, eeram t r i b u t á r i o s de outros maiores, e estes de umgrande centro como T i k a l ou Copan. E m todos oscentros cerimoniais achamos os mesmos elementosb á s i c o s — plataformas, p i r â m i d e s , p á t i o s , c a l ç a d a s ,canchas do jogo ritual com bolas de borracha, esteias— , mas o c a r á t e r descentralizado dessa c i v i l i z a ç ã o se

manifesta na grande v a r i a ç ã o de d i m e n s õ e s , execuç ã o e d e c o r a ç ã o . No conjunto', a arquitetura maiapreocupava-se mais em distribuir grandes massas eme s p a ç o s descobertos, desprezando o interior dos edifícios: os templos que coroavam as p i r â m i d e s erampequenos, escuros, com cobertura de madeira ou emfalsa a b ó b a d a .

A escrita h i e r o g l í f i c a só e s t á parcialmente deci-

América Pré-Colombiana 71

frada. A c e r â m i c a , muito variada e de excepcionalqualidade, i n c l u í a t a m b é m maravilhosas estatuetasde barro modelado à mão (como todos os outrospovos p r é - c o l o m b i a n o s , os maias ignoravam o tornodo oleiro), descobertas em J a i n a , na ilha de Campeche.

A r e l i g i ã o parece ter suas origens em cultos danatureza e da fertilidade, com deuses da chuva( C h a c ) , do vento e do milho. O velho deus do fogo,Itzamna, ocupava p o s i ç ã o predominante. Haviat a m b é m i n ú m e r a s divindades associadas aos pontoscardeais, à cosmologia e aos astros, aos meses, anos,dias e ciclos do c a l e n d á r i o , etc. Os sacr i f í c i o s humanos existiam, mas parecem ter sido raros nesta fase.Ligadas à r e l i g i ã o e ao c a l e n d á r i o , a m a t e m á t i c a e aastronomia tiveram entre os maias um desenvolvimento maior do que alhures.

A partir de 800 a. D. , os centros cerimoniaismaias foram abandonados um a um, havendo emcertos casos sinais de v i o l ê n c i a . As h i p ó t e s e s a respeito incluem o esgotamento do solo devido à p r e s s ã od e m o g r á f i c a e q u i ç á t r i b u t á r i a sobre a primitiva agricultura de coivara, provocando e m i g r a ç õ e s ( p o r é m , o

vale do Copan, por exemplo, continuou habitadomesmo depois do fim do centro cerimonial), e revoltas camponesas.

A queda — ainda mal explicada — dos princi

pais centros meso-americanos provocou o florescimento de centros cerimoniais s e c u n d á r i o s ou regionais, como E l T a j i n (Veracruz), Xochicalco (More-los) e Cholula (perto da atual Puebla). Por outro

Page 36: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 36/57

7 2 CiroFlamarion S. Cardoso

lado, o vazio de poder criado pela d e s t r u i ç ã o dasprincipais unidades p o l í t i c a s da r e g i ã o parece teracelerado um processo, talvez já antigo, de infil

t r a ç ã o para o sul de n ó m a d e s setentrionais, cha

mados chichimecas na M e s o - A m é r i c a . Mas a suachegada m a c i ç a é por demais tardia para poder serapresentada como causa da queda dos centros cha

mados ' ' c lá s s i c o s ' ' . f

O último periodo da história pré-colombiana da

Meso-América {aproximadamente 900-1519 a. D.)

E s t a fase se caracteriza, antes de mais nada, pordois grandes processos s ó c i o - c u l t u r a i s . ? E m primeirolugar, o encontro, v á r i a s vezes repetido, entre doismodos de vida, o dos agricultores s e d e n t á r i o s e o dosguerreiros n ó m a d e s , c a ç a d o r e s - c o l e t o r e s , provocando c o n f u s ã o e conflito, mas t a m b é m m e s c T ã T l l r v e r -sas; com o novo elemento vindo do norte, acentua-seo militarismo e o prestigio dos guerreiros, e penetramn a r e g iã o novas c o n c e p ç õ e s religiosas. Em segundolugar, d á - s e a f u s ã o da h e r a n ç a de Teotihuacan,

recomida em diversos centros menores e passada posteriormente aos toltecas, com a mais recente t r a d i ç ã omisteca-Puebla, com centro em Cholula, surgindo apartir disto novas c o n c e p ç õ e s u r b a n í s t i c a s, arquite-t ó n i c a s , a r t í s t i c a s , etc. E m particular, este p e r í o d oassiste a grande progresso e d i f u s ã o da u r b a n i z a ç ã o ,apoiada pelo menos em parte na e x p a n s ã o da agri

cultura de regadio. Na arquitetura, novos elementos,

América Pré-Colombiana 7 3

como a coluna-serpente e a coluna-atlante, permitem, pela primeira vez na M e s o - A m é r i c a , construirextensos e s p a ç o s cobertos. Por fim, ocorrem e n t ã o osc o m e ç o s tardios da metalurgia meso-americana.

O i n í c i o da c i v i l i z a ç ã o dos toltecas e s t á vinculado à m i g r a ç ã o de grupos chichimecas vindos donorte, que fizeram i r r u p ç ã o violenta no planalto cent r a l mexicano a p r i n c í p i o s do s é c u l o X d. C , terminando p o r é m por sedentarizar-se, assimilando a he

r a n ç a teotihuacana a tr a v é s do contato e mistura compovos locais. O mito liga tal processo à lenda deQ u e t z a l c ó a t l , no qual seria i n g é n u o querer identificar um personagem h i s t ó r i c o real, como demonstrou A. L ó p e z Austin. O i m p é r i o tolteca tinha comocapital T u l a , situada 60 km ao norte da atual cidadedo M é x i c o , numa r e g iã o in s tá v e l , onde entravam emcontato a zona a g r íc o la meso-americana e a zonasetentrional, mais seca, onde se praticava a c a ç a e acoleta. De fato, alguns autores acham que um resse-camento c l i m á t i c o a meados do s é c u l o X I I I , atetandoa fronteira a g r í c o l a , esteve ligado à queda do i m p é r i otolteca. Este compreendia diversas r e g i õ e s submetidas a tributo: Michoacan, o norte de Veracruz, o

Vale do M é x i c o ; e, desde 1045 a. D. , o rei mistecaaceitou sua suserania. Os toltecas, cujo n ú c l e o inicial

havia sido no passado um grupo de n ó m a d e s donorte, agora vigiavam as r e g i õ e s setentrionais a t r a v é sde postos f r o n te i r i ç o s , para evitar novas i n v a s õ e s ,embora t a m b é m admitissem chichimecas nas suastropas. Como anteriormente Teotihuacan, os toltecasde T u l a comerciavam com o sul e o leste, importando

Page 37: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 37/57

76 CiroFlamarion S. Cardos*

Quanto à economia, o seu n í v e l t é c n i c o man-teve-se baixo, com p r e d o m í n i o de instrumentos a g r í colas de pedra e madeira, com a e x c e ç ã o do uso demachados de cobre para derrubar á r v o r e s . É p o s s í v e l , p o r é m , que em certas r e g iõ e s — como as terrasaltas da Guatemala — haja-se desenvolvido umaagricultura mais eficiente, com t e r r a ç o s de cultura ei r r i g a ç ã o . Os maias cultivavam o milho, o a l g o d ã o , oagave, o cacau, diversas frutas, e criavam c ã e s c a ç a

dores e outros que eram c o m e s t í v e i s , perus e abelhas.A s colheitas eram recolhidas a celeiros de madeira oucavados no solo. As atividades a g r í c o l a s eram complementadas pela c a ç a , pesca e coleta. Produziam salque, com t ê x t e i s de a l g o d ã o , cacau, mel, escravos,plumas, jade e obsidiana, exportavam para outrasr e g i õ e s da M e s o - A m é r i c a , por terra ( c o n s t r u í r a m caminhos pavimentados com pedra c a l c á r e a ) ou porm a r , havendo canoas que ligavam por cabotagem oenclave p o r t u á r i o asteca de Xicalango (Campeche)com todo o I u c a t ã e com r e g i õ e s mais a leste, as quaisestavam sofrendo um processo de conquista progressiva pelos astecas.

D a d is p e r s ã o em cidades-Estados independentes

e rivais que caracterizou o M é x i c o central depois daqueda do i m p é r i o tolteca, emergiu finalmente —depois de complicado processo que não podemosdescrever aqui — a hegemonia de uma delas, Te-nochtitlan, a cidade dos mexicas ou astecas, fundadanuma ilha do lago de Texcoco, no Vale do M é x i c o ,em 1325 a. D. , a qua l viveu durante muito tempo, àsombra da poderosa cidade comercial vizinha de T l a -

América Pré-Colombiana 77

telolco. Aliando-se primeiro aos tepanecas de Atz ca-potzalco e depois às cidades de Texcoco e Tlacopan( " T r í p l i c e A l i a n ç a " , 1434 a. D.), a sua p o s i ç ã o seconsolidou com o rei Moctezuma I (1440-1469 a.D . ) , cujas conquistas abriram a fase do p r e d o m í n i oasteca, que continuava a se estender sob MoctezumaI I quando chegaram os e s p a n h ó i s em 1519. Nestadata, o chamado " i m p é r i o " asteca — na verdade ummosaico de a l i a n ç a s , c o n f e d e r a ç õ e s , r e l a ç õ e s t r i b u t á

rias, implicando povos numerosos, h e t e r o g é n e o s eimperfeitamente submetidos — era um bloco complexo, pouco coerente e d e s c o n t í n u o (havia enclavesn ã o - s u b m e t i d o s e hostis, como o reino tarasco e osenhorio de Tlaxcala). E x p e d i ç õ e s punitivas eramfrequentemente n e c e s s á r i a s para manter o d o m í n i o eo tributo e para garantir as rotas comerciais .

A unidade social b á s i c a dos astecas ou mexicase ra o calpulli, comunidade residencial com direitoscomuns sobre a terra e uma o r g a n i z a ç ã o interna detipo administrativo, j u d i c i á r i o , militar e fiscal. Suai n t e r p r e t a ç ã o como. u m cl ã foi usual no passado, masn ã o parece correta. Mesmo ao fundarem Tenochti-tlan, os astecas apresentavam, segundo parece, uma

o r g a n i z a ç ã o tribal já bem abalada, e a vida urbana, ai n f l u ê n c i a de outros povos do M é x i c o central e depoisas conquistas fortaleceram a h i e r a r q u i z a ç ã o e a desigualdade social, presente inclusive dentro de cadacalpulli. No n í v e l p o l í t i c o , p o r é m , até o fim o rei(Huey Tlatoani) tinha direitos e f u n ç õ e s que oscilavam entre os de um chefe tribal e os de um chefe deEstado, sendo o cargo eletivo numa mesma f a m í l i a .

Page 38: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 38/57

74 CiroFlamarion S. Cardos

cacau, jade, plumas e a l g o d ã o e exportando artigosde obsidiana. A sua cerâmica t ípica , alaranjada, corresponde ao estilo chamado de M a z a p á n . A destruiç ã o do i m p é r i o tolteca liga-se a novas ondas migrató r ia s do norte: T u l a foi tomada em 1168 a. D. edepois totalmente de str u ída em 1224 a. D., c r i á n d o se outra vez uma s i t u a ç ã o de vazio de poder noM é x i c o central, o que abriu caminho à pr o l i f e r a ç ã ode numerosas cidades-Estados em luta entre si.

O s mistecas, que sucederam aos zapotecas emOaxaca e depois tomaram Cholula (onde seus reiseram coroados), são, segundo J . Paddock, os pais dourbanismo meso-americano em sua ú l t i m a fase. As u a i m p o r t â n c i a c o m e ç a por volta do s é c u l o X I I I d.C . F o r a m , com os tarascos do centro-oeste mexicano,o grupo que mais desenvolveu na M e s o - A m é r i c a otrabalho dos metais, sendo grandes ourives; a l é m doouro, trabalhavam a turquesa e o jade. Fabricavamr i c a c e r â mic a po l í c r o ma , mosaicos de turquesa, ornamentos de cristal e recipientes de ó n i x . A l é m disto,a maioria dos c ó d i c e s p r é - c o l o m b i a n o s que se conservaram é misteca. Tinham arquitetura inspirada nosantecedentes zapotecas, mas com i n o v a ç õ e s (mosai

cos de pedra em relevo com motivos g e o m é t r i c o s ) . Oss í t i o s mais conhecidos desta c iv i l i z a ç ã o são o p a l á c i ode Mitla e as tumbas de Y a g u l ; por outro lado, osmistecas reutilizaram antigas tumbas zapotecas, como foi demonstrado por A. Caso.

No in í c io deste p e r í o d o final p r é - c o l o m b i a n o , osmaias sofreram um profundo impacto tolteca e, emgeral, dos povos que falavam l í n g u a s do grupo nahua

América Pré-Colombiana 75

e viviam no M é x i c o central (incluindo, por ultimo, osmexicas ou astecas). A lenda reflete esta in f luê nc ianá h i s tó r ia da m i g r a ç ã o de Q u e t z a l c ó a t l (Kukulkanpara os maias), que teria deixado T u l a por Chichen-I t z á . O influxo mexicano se nota em novos estilosarquiteturais, em elementos religiosos ( in te ns i f i c a ç ã odos sacr i f íc ios humanos, i m p o r t â n c i a da serpenteemplumada) e no crescente militarismo. Os n ú c l e o smais importantes da c iv i l i z a ç ã o maia nesta fase —

durante a qual o seu centro de gravidade se transferiu para o norte da p e n í n s u l a de I u c a t ã e, maistarde, para a Guatemala — eram C h i c h e n - I t z á , Ux-m a l , Tulum, Mayapan e L a b n á . Posteriormente aop e r í o d o chamado maia-tolteca, deu-se o e p i s ó d i o daL i g a de Mayapan: esta. cidade venceu C h i c h e n - I t z á ei m p ô s su a hegemonia entre 1200 e 1450 a. D. , quando foi d e s t r u í d a , seguindo-se uma fase de descentral i z a ç ã o .

Como é natural, é para este p e r í o d o tardio queas fontes proporcionam mais i n f o r m a ç ã o sobre ao r g a n i z a ç ã o dos maias, como t a m b é m dos.demaispovos meso-americanos. A unidade b á s i c a era ã

cidade-Estado, com um re i , um Conselho de nobres esacerdotes, um chefe militar eleito por três anos esubmetido a p r o i b i ç õ e s rituais e toda uma rede defunc io ná r io s , policiais e chefes de aldeias. A estrutura social manifestava restos de um regime de c l ã sou linhagens tribais e uma e s tr a t i f i c a ç ã o qué compreendia nobres, sacerdotes (cuja hierarquia internaer a complicada), a massa do povo e "escravos" (cr i minosos, prisioneiros de guerra).

Page 39: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 39/57

78 Ciro Fiamar on S.

No apogeu do " i m p é r i o " , a sociedade asteca eracomplexa e muito estratificada, com uma nobrezacrescentemente h e r e d i t á r i a (tlatoque), uma nobrezade f u n ç ã o de origem militar (tecuhtli), comerciantesespecializados residentes em Tlatelolco (pochtecas ouoztomecas), formando uma c o r p o r a ç ã o especial, art e s ã o s reunidos em o r g a n i z a ç õ e s profissionais, diversas categorias populares urbanas e rura i s , servidoresque os e s p a n h ó i s consideraram "escravos", etc.

A s plantas cultivadas eram muito numerosas,mas a base da a l i m e n t a ç ã o eram o milho, o fe i jão e apimenta. Como animais d o m é s t i c o s , havia o peru e oc ã o ; t a m b é m se praticava a apicultura e se e x t r a í au m colorante vermelho da cochonilha. Certas plantas, como o maguei, tinham usos industriais (fibras,f a b r i c a ç ã o de bebidas fermentadas). As p r o d u ç õ e sdo vale do M é x i c o se complementavam pelo c o m é r c i ocom as zonas tropicais. A tecnologia agrár ia , a nãoser pela i r r igação (canais, chinampas ou ilhas flutuantes dos lagos) era primitiva: como no caso dosmaias, predominavam os instrumentos de pedra emadeira, e a metalurgia teve pouca a p l i c a ç ã o p r á tica.

Quanto à estrutura agrár ia , pode-se afirmar aex i s tênc ia de diversas formas de propriedade, talvezredut íve i s — segundo Manuel M. Moreno — a trêsmodalidades principais: 1) propriedade comunal: asterras do bairro ou calpulli, subdivididas em terrasde cada linhagem e terras realmente comunais;2) propriedade dos nobres, em grande parte em terra s conquistadas, individual, a l i enáve l entre eles com

América Prê-Colombiana 79

certas res tr ições , transm is s íve lpor h e r a n ç a ; 3) diversos tipos de propriedades p ú b l i c a s , cujos frutos iampara a casa real, os templos, o abastecimento deguerra e a a d m i n i s t r a ç ã o . P. Carrasco afirma, por é m , que as diferentes formas de acesso às terras —incluindo as terras dos nobres que certos autoresapresentam como "propriedade privada" — eramc o n c e s s õ e s em troca do exerc íc io de funções tr ibutárias, militares, sacerdotais, burocrát icas , etc., feitas

pelo Estado com caráter revogáve l e sob c o n d i ç ã o documprimento das o b r i g a ç õ e s a elas vinculadas.

Quanto ao trabalho rura l , existiam quatro tiposb á s i c o s de trabalhadores: 1) os calpuleque ou membros docalpulli, que trabalhavam as terras deste p á r asuas própr ias necessidades e para pagar o tributo,a l é m de estar permitido alugar partes do solo do"bairro"; 2) os teccaleque eram t a m b é m membros deu m calpulli, com a ú n i c a d i f e r e n ç a de que o resultado do seu trabalho servia para sustentar a corte,a lém de suprir as própr ias necessidades; 3) os arren

datários, que lavravam terras alheias (de nobres oude comunidades), dispondo ou não do uso de outrasparcelas a título pessoal; 4) os mayeque, camada

inferior da p o p u l a ç ã o r u r a l , igualmente a r r e n d a t á rios (v i ta l í c ios ) : eram a m ã o - d e - o b r a dependente quetrabalhava nas terras do rei, dos nobres e outrosparticulares. Algumas fontes mencionam t a m b é mu m a categoria que os e s p a n h ó i s traduziam como "escravos".

Tenochtitlan recebeu, ao longo de sua his tór ia ,a r t e s ã o s vindos" de diferentes áreas meso-americanas.

Page 40: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 40/57

80 Ciro Flamarion S.

Devemos imaginar a cidade-capita l dos astecas como

urna enorme aglomeração — talvez tivesse entre 200

e 300000 habitantes , o que a transformaria numa

das maiores cidades do mundo na época —, con

tendo um imenso mercado bem regulamentado onde

intervinham como compradores ou vendedores uns

60 000 indivíduos todos os dias, centros cerimoniais,

o núcleo de um comérc io de longa distância estreita

mente controlado pela casa real. Vale do México

exportava escravos, roupagens, objetos de luxo, obsi

diana trab alh ada , ocre, cochonilha, peles de coelho,

e recebia — em especial da costa do Golfo — plu

mas, turquesas, jade, peles de jaguar, mantos de

plumas, cacau (usado t a m b é m como padrão mone

tário), escravos.

Na religião, na arte, em outras manifestações

intelectuais (calendário , medicina etc.), a civi l ização

asteca constituía uma s íntese de tradições meso-ame-

ricanas, com incorporação de alguns elementos se

tentrionais. Emjiparticular, caracterizavam-na notá

vel e inquietante escultura em pedra, a cerâmica com

motivos negros sobre fundo a laranjado ou vermelho,

os mosaicos de pedra ou de conchas, a arte plumaria.

A arquitetura da capital foi destruída na sua parteprincipal e é conhec ida por bases de monumentos

que foram escavadas, por descrições 6 um ou outro

resto de edifício; mas nos arredores da atual cidade

do M é x i c o j D ç 4 e n i _ S C T vistos templos_secundários de

pedra bem conservados (Máfínãlco, Tenayuca). O

complicado panteão era dominado pelo deus tribal

mexica, Huitzilopochtli, e o culto comportava nume-

Page 41: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 41/57

82 CiroFlamarion S. Cardoso

rasíssimos sacrifícios humanos. Como entre os tol-tecas, nota-se uma certa t e n s ã o entre esta re l ig iãosangrenta e o ideal religioso mais espiritual de Quet-z a l c ó a t l , de de r iv a ç ã o teotihuacana. Os astecas dispunham de um elaborado sistema de e d u c a ç ã o daselites, e puderam ser recolhidos depois da conquistamuitos textos l i terár ios de origem p r é - c o l o m b i a n a eml í n g u a nahuatl, alguns de grande valor e s té t i c o .

Sequên cias histórico-culturaisna Zona Andina Central

A Zona Andina Central

O seu n ú c l e o fundamentai compreendia partesdos atuais Pe r u e Bo l ív ia ; posteriormente, foram-lheincorporadas pela conquista p o r ç õ e s do Equador, doChile setentrional e da Argentina norte-ocidental.

Do ponto de vista g e o g r á f i c o e e c o l ó g i c o , é preciso distinguir na Zona Andina Central três faixasparalelas que se sucedem de oeste pa r a leste.

E m primeiro lugar, um deserto costeiro ao longodo litoral pa c í f i c o , entre o mar e a Cordi lhe ira dosAndes, com um comprimento norte-sul de 3 200 km eu m a largura que var ia entre 1,5 e 40 km. A correntefria de Humboldt, que corre paralelamente à costano sentido sul-norte, fo r ç a pr e c ip i ta ç õ e s a tmo sfé r i c a ssobre o mar, ao condensar a umidade dos ventos dooeste: estes j á chegam secos ao litoral. E s t a corrente,

t

América Pré-ColombianM.

rica em p l â n c t o n . atraLoeixes em a b u n d â n c i a , osquais são alimento humano mas t a m b é m de-avesmarinhas que habitam ilhotas costeiras onde o seuexcremento — o guano —, acumulado durante m i l ê -imJSrja-era conhecido e usado em tempos p r é - c o l o m -bianos como adubo: O deserto costeiro é interrompido por mais de quarenta vales, de rios grandes epermanentes ou pequenos e ocasionais, os quais sãoverdadeiros o á s i s fertilizados pelo limo que vem das

montanhas carregado pelos rios ou torrentes. De j u nho a novembro, o tempo é nublado e ocorrem espessos nevoeiros; de dezembro a maio é ensolarado emuito quente, Na parte norte da costa há chuvasocasionais, p o r é m mais ao sul quase nunca chove.Fa l ta m á r v o r e s e a pedra é r a r a : as c o n s t r u ç õ e s usar a m na sua maioria tijolos crus secos ao sol. A import â n c i a das m a r é s levou ao culto lunar. O isolamentodos vales entre si favoreceu durante longo tempoforte individualidade cultural de cada um deles.

A s terras altas, temperadas e frias — já que aaltitude anula os efeitos da latitude tropical — compreendem as cordilheiras propriamente ditas (montanhas cobertas de neve, n ã o - h a b i t a d a s ) , terras muito

altas com v e g e ta ç ã o he r bá c e a pr o p íc ia ao pastoreiode lhamas {punas) e vales ou bacias cercados demontanhas, de clima temperado, cobertos de bosques, com pastos e arroios. Este vales a tr a ía m especialmente a o c u p a ç ã o humana. Os principais s ã o , denorte a sul, C a ja ma r c a , C a l l e jô n de Huaylas, Huá-nuco, Mantaro, Cusco e Ti t i c a c a , todos a mais de2000 é às vezes 3000 metros de altura. O lago T i t i -

Page 42: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 42/57

84 CiroFlamarion S. Cardoso

caca, a 3 812 metros de a l tura , é a super f í c i e navegável mais alta do mundo.

A ~ r e g i ã o a m a z ô n i c a c o m e ç a em plena montanha^ a 1900 metros de altura, devido aos al ís ios quevêm do leste e, chocando-se com os Andes, provocamchuvas que alimentam nas encostas espessa florestatropical, que cobre t a m b é m a p l a n í c i e oriental. E s t aé uma reg ião de vales cobertos de bosques (yungas),

com rios largos da bacia a m a z ô n i c a , só parcialmente

integrada à á r e a cultural dos Andes centrais.Enquanto na M e s o - A m é r i c a a complementaridade e c o l ó g i c a das reg iões foi origem de c o m é r c i ointer-regional mais ou menos intenso,, na Zona Andina Centra l a e x p l o r a ç ã o de recursos e c o l ó g i c o s diferenciados deu origem a uma s o l u ç ã o peculiar, ac o n s t i t u i ç ã o do que John M u r r a chamou " a r q u i p é lagos verticais" dos Andes: cada grupo é t n i c o oupol í t i co tratava de aumentar a sua produtividadecontrolando o m á x i m o de "andares" e nichos e c o l ó gicos que pudesse, apoderando-se assim de recursosvariados. Este es forço inc lu ía a c o n s t i t u i ç ã o de c o l ó nias residenciais permanentes, longe do núcleo territorial da etnia ou Estado, encarregadas do abasteci

mento de certos recursos n ã o - d i s p o n í v e i s naquele núcleo (houve t a m b é m c o l ó n i a s m u l t i - é t n i c a s ) . Este pad r ã o de assentamento limitou muito, a não ser nacosta, as possibilidades de desenvolvimento comerc ia l .

Do ponto de vista cultural, a Zona Andina C e n tra l partilhava com a M e s o - A m é r i c a certos elementos: p i r â m i d e s escalonadas, aspectos religiosos como

América Pré-Colombiana 85

o culto ao complexo j a g u a r - p á s s a r o - s e r p e n t e . Acimade tudo, p o r é m , apresenta forte originalidade: entreoutros t r a ç o s , um complexo agr íco la própr io queassociou tardiamente o milho a plantas como a coca,a batata e a quinoa e à d o m e s t i c a ç ã o do l h a m ã e seusc o n g é n e r e s ; culto dos mortos, conservados em envoltór ios (as " m ú m i a s " andinas); desenvolvimento maisantigo e bem maior do que entre os povos meso-americanos do uso de metais (ouro, prata, cobre, bron

ze); sistema n u m é r i c o decimal e uso de quipus (processo m n e m ó n i c o e de c á l c u l o baseado em c o r d õ e scom n ó s ) .

A p e r i o d i z a ç ã o da his tór ia andina é particularmente difíc i l , devido à maior f r a g m e n t a ç ã o cultural etalvez a fases e processos realmente mais acidentadose complicados; por outro lado, a e v o l u ç ã o meso-ame-r icana e s tá mais bem estudada em seus detalhes. Nopassado, proliferaram cronologias fantasiosas e atér id ículas , que i n c l u í a m com aparente seriedade den o m i n a ç õ e s como as dos p e r í o d o s "cultista", "experimental" e "dos mestres ar t í f i ce s" . . . Seguiremosaqui uma p e r i o d i z a ç ã o adaptada da que p r o p õ e E .

P . Lanning (Peru Be/ore the Incas, Englewood Cliffs ,Prentice-Hall, 1967, cap. I I I ) , por ter maior basea r q u e o l ó g i c a . As datas são, naturalmente, aproximadas.

Page 43: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 43/57

CiroFlamarí&n S. Cardoso

Difusão das aldeias e surgimento dos primeiros

templos e centros cerimoniais (2500-900 a. C.)

Este p e r í o d o consta de duas partes. Na fase p r é -c e r â m i c a final (2500-1800 a. C ) , a agricultura e avida em aldeias s e d e n t á r i a s se espalharam por toda acosta peruana, as e s p é c l è T ^ ^r a m — e s p é c i e s vegetais principalmente, mas tamb é m a cobaia ou porquinho-d a - í n d i a —, e surgiram

os primeiros templos, p i r â m i d e s e altares (bem maiscedo, portanto, do q u é ^ ^ M e s o - A m e n c à , provavelmente devido à p r e s e n ç a de recursos m a r í t i m o sabundantes a l é m dos terrestres, favorecendo umaprodutividade superior das economias p r é - h i s t ó r i c a s ;n a verdade, os recursos marinhos predominavam ent ã o sobre os a g r í c o l a s na dieta). A p o p u l a ç ã o dasaldeias parece var i ar entre um m í n i m o de 50 e umm á x i m o de 1000 pessoas. As culturas eram e n t ã oestritamente regionais. E n t r e os s a n t u á r i o s desta fase, mencionemos o templo c o n s t r u í d o no vale deChillon (costa central peruana), em Chuquitanta,

compreendendo nove e d i f í c i o s feitos com blocos naturais de pedra.

A fase que se estende de 1800 a 900 a. C . viu ad i f u s ã o do assentamento em aldeias s e d e n t á r i a s tamb é m nas terras altas dos Andes centrais, os i n í c i o s dac e r â m i c a e da tecelagem com tear, a d o m e s t i c a ç ã o dolhama, o desenvolvimento por toda a r e g i ã o da cu l tura do milho e a a d o ç ã o na costa da mandioca e doamendoim. Deste p e r í o d o datam importantes centros cerimoniais, como o que inclui a grande p i r â -

América Pré-Colombiana 87

mide de L a F l o r i d a (hoje na cidade de L i m a ) , nacosta central, o de Las Haldas, t a m b é m na costa(mais ao norte), e o de Kotosh, perto de H u á n u c o ,nas terras altas, contendo o "templo das m ã o s c r u zadas".

A c o n s t r u ç ã o de estruturas c o n s i d e r á v e i s comoestas exigiria um grau c o n s i d e r á v e l de c o o r d e n a ç ã o ed i r e ç ã o . P a r a e x p l i c á - l o , alguns autores pretendemque j á nesta fase do I I m i l é n i o a. C . existiram peque

nos Estados regionais compreendendo v á r i a s comunidades a l d e ã s . Isto parece pouco p r o v á v e l , bastando.admitir um sistema de chefias ou c o n f e d e r a ç õ e s t r i bais, como no caso dos olmecas da M e s o - A m é r i c a ,embora certamente com um e s b o ç o de grupo socialmente dominante em processo de d i f e r e n c i a ç ã o .

A primeira cultura inter-regional (900-200 a. C.)

P o r volta de 900 a. C , pela primeira vez, certoselementos culturais de tipo ar t í s t i co , religioso e ar-q u i t e t ô n i c o se expandiram fora de quadros estritamente regionais, ganhando toda a costa norte e cen

t ra l peruana e algumas r e g i õ e s altas setentrionais^centrais. O e s t i l o e h t ã o d i f u n d í 3 õ é c h a m a d o C h a v i n ,do nome do s í t i o mais famoso do p e r í o d o , o templode C h a v i n de H u á n t a r , situado num vale estreito dasterras altas, p r ó x i m o ao C a l l e j ó n de Huaylas. Oss í t i o s mais n o t á v e i s da fase ou estilo de C h a v i n sãoquatro. Cupinisque, na costa norte, se caracterizap or uma c e r â m i c a com um motivo estilizado repre-

Page 44: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 44/57

88 Ciro Flamarion S. Cardos>

sentando o jaguar, produzindo vasilhas com gargaloem forma de estribo, por casas de pedra ou adobe,adornos de conchas e turquesas, enterros com oferendas, sendo os ossos pintados de vermelho e manifestando-se d e f o r m a ç õ e s v o l u n t á r i a s dos c r â n i o s .C e r r o S e c h í n , no vale de C a s m a (costa norte), apresenta lajes de pedra gravadas com figuras humanas,g e o m é t r i c a s e de outros tipos; alguns atribuem estes í t i o a p e r í o d o anterior. O s í t i o de Ch avi n de H u â n -tar, provavelmente um centro de p eregr i n ação re l i giosa, compreendia diversos ed i f í c i os , o mais importante sendo o templo de pedra chamado " E l C a stillo", decorado com c a b e ç a s em relevo, diversas rep r e s e n t a ç õ e s estilizadas do felino e um monolito esculpido igualmente com o motivo do jaguar. Por fim,Paracas Cavernas ( s í t i o situado numa p e n í n s u l a dacosta sul peruana) apresenta tumbas com c e r â m i c abastante peculiar, mas que manifesta algumas influências de C h a v i n : de fato não parece pertencerpropriamente ao mesmo horizonte cultural, mesmoestando sob seu influxo p arc i a l .

O que significa realmente o estabelecimento doestilo de C h a v i n em numerosas r e g i õ e s ? A sua origem

se deu nas terras do centro-norte peruano, mas ignoramos se na costa ou nas montanhas. Sua r á p i d ae x p a n s ã o sugeriu a certos especialistas a ideia dad i fu são de um culto religioso do felino, ao mesmotempo por proselitismo e pela f o r ç a das armas, formando uma unidade p ol í t i ca que poderia ser chamada de " i m p é r i o C h a v i n " . Não há, p o r é m , basesarq u eo l óg i cas p ara a f i rmá- l o : não foram descobertos

América Pré-Colombiana 89

centros administrativos, q u arté i s p ara gu arn i çõesmilitares ou fortalezas. Por outro lado, a homogeneiz a ç ã o cultural, onde ocorreu, foi somente p arc i a l , eà s vezes o estilo de C h a v i n e os estilos locais formadosanteriormente aparecem lado a lado. Seja como for,h á indicios de que este p e r í o d o diminuiu a compartim e n t a ç ã o cultural: houve c o m é r c i o de artigos comoc e r â m i c a cerimonial e ossos esculpidos entre r e g i õ e s .T a m b é m se atribui a esta fase a d i f u s ã o de um tipomais produtivo de milho, talvez de origem meso-americana, possivelmente o c o m e ç o da i rr i gação(drenagem, canais) nos vales da costa, o desenvolvimento da tecelagem e os c o m e ç o s da metalurgia.

As primeiras cidades e o progresso dos Estados

organizados (200a. C.-600a. D.)

A s carac ter í s t i cas b ás i cas ^deste p er í od o são: ogrande desenvolvimento t e c n o l ó g i c o e art í s t i co ; o^rfp*wft"Tfwip. E stãxfôs a l tamen fêP orgamjaofos eagressivos; o nascimento do urbanismo andino, embora nesta fase l imitado às terras altas dojguJL Nesta

ú l t i ma reg i ão surgiram as cidades de Tiahuanaco,P u c a r a e H u a r i , cada uma delas com um n ú c l e omonumental provido de p r a ç a s e ed i f í c i os p ú b l i cos ,cercado de bairros residenciais, e agindo como focode a t r a ç ã o p a r a numerosos povoados e aldeias circunvizinhos (a p o p u l a ç ã o destas cidades poderia serde uns 10000 habitantes).

Houve um i n d u b i t á v e l desenvolvimento t é c n i c o

Page 45: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 45/57

CiroFlamarion S.

e e c o n ó m i c o . Nos vales da costa criaram-se ampiossistemas de i r r i g a ç ã o ; nas terras altas, t e r r a ç o s paracultivo e canais. Mesmo com teares primitivos, atecelagem de a l g o d ã o e de í â j a e alpaca atingiu umapogeu nunca superado, produzindo bordados, tapetes, brocados, malhas, tecidos, que conhecemos sónacostaseca, pois não sg^bnsgryaram nas terrasaltas (onde, p o r é m , há e s t á t u a s representadas vestidas e a ^ r q u e õ l o g i a j £ y^ l oj d C H « os e p ^ a ^ ^ J e a j ç g s X ;À metalurgia — basicamente ornamental, mas entreos mochicas t a m b é m usada para instrumentos a g r í colas e armas — deu um grande passo à frente,trabalhando-se o ouro, a prata, o cobre e ligas destesmetais, a t r a v é s de t é c n i c a s diversas (metal martelado, forjado, t r a n ç a d o , m é t o d o da cera perdida). Ac e r â m i c a cerimonial t a m b é m se a p e r f e i ç o o u notavelmente.

N a costa norte — vales de Chicama, Moche eV i r u , posteriormente anexando os vales de Chao,Santa, N e p e ñ a e Casma — desenvolveu-se e n t ã o acultura que chamamos mochica. j

A base da economia mochica era a g r í c o l a , mas apegca/^ utilizando botes de junco, ganchos e redes

— continuava sendo importante. JÖ maF" forneciat a m b é m sal e usava-se o guano costeiro. A c a ç a tinhac a r á t e r ^ o m p l e m e n t a r j sendo talvez um esporte arist o c r á t i c o . A arqueologia revela canais de i r r i g a ç ã o debarro pisado com até 130 km de e x t e n s ã o e umaqueduto do mesmo material em Chicama. Estas sãoobras que s u p õ e m uma p o p u l a ç ã o numerosa e umas ó l i d a o r g a n i z a ç ã o estatal. Os cultivos principais

América Prê-Colombiana 91

eram o milho (com duas colheitas anuais), a batata,a batata-doce, a mandioca, diversos tipos de f e i jã o , alentilha, á r v o r e s f r u t í f e r a s , etc.

A c e r â m i c a , fabricada pelas mulheres, é considerada a melhor de toda a h i s t ó r i a do Peru pré-colombiano. A maioria dos vasos era produzida emmoldes de4irgila, acrescentando-se depois gargalos,asas e adornos. As formas eram variadas e distin-guia-se a c e r â m i c a u t i l i t á r i a , simples, da cerimonial

e f u n e r á r i a . E s t a representava com grande realismocenas da vida quotidiana, personagens, atividadesguerreiras, divindades, etc.

Como não dispomos de qualquer fonte escrita,o que se afirma acerca da estrutura social e p o l í t i c ados mochicas é inferido da arqueologia, e sobretudod a c e r â m i c a tão g r á f i c a que deixaram. Existem estatuetas do que parecem ser reis e nobres e a p r e s e n ç ade forte e s tr a t i f i c a ç ã o social é c la r a . Pode-se deduzirdas r e p r e s e n t a ç õ e s de castigos um sistema j u d i c i á r i osevero: a m p u t a ç ã o do nariz, do l á b i o superior, dosp é s ; pena do cepo; pena de morte por l a p i d a ç ã o oup o r e x p o s i ç ã o do condenado, amarrado a um poste,a aves de rapina. H á l t t i u i ta s r e p r e s e n t a ç õ e s de guerra s e guerreiros: estes usavam capacetes e orelheiraspara p r o t e ç ã o , e combatiam com escudo, faca, tacape de ponta de cobre e fundas. C ã e s eram usadosnos combates. Há r e p r e s e n t a ç ã o de prisioneiros deguerra, que provavelmente eram sacrificados. A adm i n i s t r a ç ã o de um Estado de c o n s i d e r á v e l d i m e n s ã olevou à c o n t r u ç ã o de uma rede de caminhos, percorridos po r corredores com f u n ç ã o dé correio oficial.

Page 46: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 46/57

9 2 CiroFlamarion S. Cardos

A arquitetura usava tijolos de barro cru. Asc o n s t r u ç õ e s eram grandes — incluindo templos, pal á c i o s , fortalezas — mas não houve verdadeira u rb an i z a ç ã o . No vale de Moche foram descobertas duasgrandes p i r â m i d e s , chamadas "do Sol" e "da L u a " .

O s mochicas eram bons ourives, usando turquesas , ametistas, l áp i s - l azú l i , conchas, ouro e prata.Trabalhavam t a m b é m o cobre. Quanto à tecelagem,dispomos de poucos tecidos de cor creme.

A re l i g i ão , tal como pode ser inferida da c e r â -mica. conhecia um f e l i n õ T i u m a n i z a d o que-aparecevoando montado em p á s s a r o s , associado a v á r i o saniHTãis humanizados ou n ã o . e em luta com outrostipos de animais.com  c o n o t a ç õ e s d e m o n í a c a s , A cer â m i c a , a t r a v é s de r e p r e s e n t a ç õ e s realistas de doenç a s (lepra, b ó c i o , paralisia, tumores, cegueira), mostr a que tinham conhecimentos de medicina e prat i cavam inclusive a cirurgia ( a m p u t a ç õ e s , t r e p a n a ç ã odo c r â n i o ) com instrumentos feitos às vezes de ossosde t u b a r ã o . H a v i a curandeiros e curandeiras, provavelmente conhecedores de plantas medicinais. A música i n c l u í a trombetas, p e r c u s s ã o e flautas. É poss ível que existissem r e p r e s e n t a ç õ e s teatrais.

N a costa sul desenvolveram-se as culturas deNazca e de P a r a c a s - N e c r ó p o l e s .

E n i Nazca não foram achados restos arq u i t e tô -nicos. Existem, p o r é m , figuras g e o m é t r i c a s e repre-sen tacõê i T d i versas , gigantescas, desenhadas sotyre~o~solo, ligadas talvez a algum culto astral ou a.juna" c o m u n i c a ç ã o " r i t u a l com deuses celestes. C e r â m i c ae tecidos de alta qualidade foram encontrados em

América Pré-Colombiana 9 3

tumbas que constam de um p oço c i l í n d r i co dandoacesso a uma c â m a r a retangular ou em a b ó b a d a ,consolidada às vezes com postes de madeira. Osc a d á v e r e s eram envoltos em mantos, com os membros flexionados, e enterrados com abundante c e r â mica e outras oferendas. A c e r â m i c a é às vezes estilizada, mas há t a m b é m r e p r e s e n t a ç õ e s de felinoscoroados de serpentes e outros animais. Os tecidoseram de a l g o d ã o e de lã de lhama e vicunha. Apare

cem objetos de ouro martelado e gravado.Quanto a Paracas-Necr^pjples, suas tumbas são

verdadeiras casas s u b t e r r â n e a s com espessas paredesS ê pedra e barro cobertas-com r a m a g e n y c o s t e l a s ^ í ebaleia è~courp. Foram achadas centenas de m ú m i a s ,preparadas através da e x t i r p a ç ã o dos ó r g ã o s internosjT d e res sê^ãmen to pela f u m a ç a ^ e c o l g g a d a s em cestosdepois de envoltas em tecidos. Muitas delas apre-sentam c r â n i o s deformados e trepanados. As mú -mias aparecem associadas a c e r â m i c a , j ó i a s , machados de pedra, restos de plantas e animais. Os tecidos,que chegam a ter 30 metros de comprimento, sãomantos, ponchos e turbantes que envolviam as múmias: suas d e c o r a ç õ e s representam seres f a n t á s t i c o s

e flutuantes, provavelmente f i gu rações das almas dosmortos assimiladas a astros. F o r a m achados instrumentos c i rú rg i cos : bisturis, facas de obsidiana, e s p á tulas de dentes de m a m í f e r o s marinhos, discos dea l g o d ã o , fios de coser.

Nos planaltos do sul desenvolveu-se a já mencionada c i v i l i zação urbana. Tiahuanaco compreendiau m grande centro cerimonial com c o n s t r u ç õ e s de

Page 47: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 47/57

9 4 Ciro Flamarion S. Cardos

pedra, situado em t e r r i tó r io hoje boliviano. A agricultura (batata, quinoa) e o~pastoreio dej ha ma seram a base e c o n ó m i c a desse elevado planalto doT i t i c a c a . Como C h a v i n no passado, Tiahuanaco parece ter sido um centro de p e r e g r i n a ç õ e s religiosas.Situado entre a costa e a zona a m a z ô n i c a , podet a m b é m ter c o n s t i t u í d o uma zona de passagem ei n t e r c â m b i o . Na chamada "Porta do Sol" e s t á repre-sentado um personagem central humano, associadoâ c a b e ç a s de felinos e condores e a pequenas figuras

aladas: poderia, segundo alguns, tratar-se do deusI S l a d c í V i r a c o c h a j f e n c o n t r a m - s e lá grandes e s t á t u a sm o n o l í t i c a s e colunas com relevos./ Uma c e r â m i c at í p i c a de vasos polidos e p o l í c r o m o s assume às vezesforma de puma ou de lhama. A l é m das cidades maiores — Tiahuanaco, P u c a r a , H u a r i — havia outrasmenos c o n s i d e r á v e i s no planalto do sul do P e r u ,Chakipampa, Acuchimay e Nawimpukyu, em prov á v e l d e p e n d ê n c i a e c o n ó m i c a de H u a r i . Presume-sea p r e s e n ç a de o r g a n i z a ç õ e s estatais, mas nada sabemos a repeito. E m vales da costa meridional — P is co, Ica>. Nazca e A c a r i — surgiram igualmente pequenas cidades. Mais ao norte não há t r a ç o s deurbanismo, mas sim de guerras que levaram à unifi

c a ç ã o de cada vale, e mesmo à r e u n i ã o de v á r i o sdeles, como vimos no caso do Estado mochica. Su-p õ e - s e que existiram Estados t a m b é m nas terras altascentrais e setentrionais, mas faltam dados.

América Pré-Colombiana s 95

Os primeiros impérios (600-1000 a. D.)

Neste p e r í o d o há provas, i n e q u í v o c a s de con-quistas em alta_escala, formando i m p é r i o s conside-rave ís lnas e fémeros , que romperam o tradicional iso-

f lamej^pjlasculturas an^n^s^e^izeram^rcular pêffse ideias na Zona Andina C e n t r a l .

O inlperio d ê Tiahuanaco compreendia a totalidade da bacia do lago T i t i c a c a e o sudoeste da

B o l í v i a , pequena parte do sul do P e r u até o vale deMajes e Arequipa, e a costa e zona montanhosa doC h i l e setentrional. Conhecemos mal este e p i s ó d i o ,o qual inclusive é negado por v á r io s autores, quev ê e m na d i f u s ã o da c e r â m i c a e dos estilos a r t í s t i c o ereligioso de Tiahuanaco um a e x p a n s ã o exclusivamente cultural, e n ã o p o l í t i c o - m i l i t a r .

Já no caso do i m p é r i o posterior de H u a r i , aspesquisas de D. Menzel permitiram uma a m p l i a ç ã odos nossos conhecimentos. H u a r i era um centrourbano do vale do Mantaro, com longa t r a d i ç ã o dev í n c u l o s culturais com Tiahuanaco — o estilo dasduas culturas é virtualmente i d ê n t i c o — e t a m b é mcom os vales de I c a e Nazca. A e x p a n s ã o c o m e ç o u em

650-700 a. D. , formando-se uma e s p é c i e de liga decidades, e entre 700 e 800 a. D. H u a r i foi a capital deu m vasto i m p é r i o que, no seu apogeu, i n c l u í a quasetodo o P e r u , até C a j a m a r c a . A e x p a n s ã o militar

acompanhou-se da d i f u s ã o dos estilos a r t í s t i c o s e dop a d r ã o u r b a n í s t i c o de H u a r i . Ta l i m p é r i o , p o r é m ,desintegrou-se rapidamente, sendo a capital inclu

sive abandonada. Ã queda — por causas desconhe-

Page 48: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 48/57

96 O r o Flamarion S. Cardoso

cidas — deste i m p é r i o seguiu-se o abandono dascidades do sul peruano e diversos s é c u l o s de eclipsed a vida tabana.

Neste p e r í o d o desenvolverse o importante santuario e cidade de Pachacamac, na costa centralperuana, com um estilo p r ó p r i o em c e r â m i c a e tapeç a r i a policromas representando á g u i a s , aparentadocom o de Tiahuanaco, o qual predominou na costacentral e influiu t a m b é m nos vales do norte e do sul.

É p o s s ív e l que o p r e s t íg io de Pachacamac já e n t ã o sevinculasse ao seu o r á c u l o , famoso centro de peregrin a ç õ e s em etapa posterior, mas de c u j á e x i s t ê n c i anesta fase n ã o h á provas.

Do ponto de vista das t é c n i c a s e artes, este nã ofoi um p e r í o d o de grande progresso. A e x p a n s ã o dourbanismo e do militarismo são sem d ú v i d a os seust r a ç o s mais marcantes.

O grande interregno e o império inca

(1000-1534 a. D.)

A^ d e s t r u i ç ã o do i m p é r i o - d e - H u a r i - levou a que

durante v á r io s s é c u lo s imperasse a d e s c e n t r a l i z a ç ã o eexistissem outra vez numerosos Estados regionaisindependentes. Do ponto de vista das t é c n i c a s , ocobre teve maior uso do que no passado em ferramentas e armas e deu-se a i n v e n ç ã o , ou pelo menosu m a maior d i f u s ã o , do bronze. Depois do eclipse quese seguiu à queda de H u a r i , deu-se uma nova intens i f i c a ç ã o do urbanismo planificado, principalmente

América Pré-Colombiana

sob os chimus e incas. Por outro lado, há indicios deu m aumento de p o p u l a ç ã o , conduzindo à e x t e n s ã odos sistemas de i r r i g a ç ã o e à m u l t i p l i c a ç ã o , na zonaserrana, dos t e r r a ç o s p a r a cultivo.

O ç e i n o chimu, c u ja c iv i l i z a ç ã o parece ter resultado da f u s ã o da cultura do vale setentrional deLambayeque com elementos mochicas e de H u a r i ,chegou a dominar a costa setentrional do P e r u , deTumbes a Paramoya, e talvez uma parte do E q u a dor. Sua capital, C h a n - C h a n . cidade de adobe const r u íd a no vale de Moche, foi o maior centro urbanod a Zona Andina C e n t r a l . Er a uma cidade planificada, estruturada em blocos retangulares c o n t í g u o s eindependentes, separados por muralhas. As_paredeseram decoradas com arabescos a n t r o p o m ó r f i c o s , zoo-morfos ou geométricos, visivelmente derivados dosmotivos usados nos tecidos. É p o s s í v e l que sua popul a ç ã o m á x i m a tenha sido de 80000 habitantes, em 17a 22 km 2 de e x t e n s ã o urbanizada ( c o m p a r á v e l , pois,à muito anterior cidade meso-americana de Teoti-huacan). Os chimus tinham pelo menos outras quatro cidades, povoados com g u a r n i ç õ e s militares, efinalmente as aldeias, algumas t a m b é m planificadas.

A economia a g r íc o la baseava-se em vastas obrasde r e g a d i o q u é se estendianiltevezes de um vale aoseguinte. O reino tinha um estrito sistema administrativo e t r i b u t á r i o , inspirador do dos incas; estradasuniam os vales, percorridas por mensageiros. Tudoindica uma sociedade diversificada, hierarquizada ede grande s o f i s t i c a ç ã o .

O s chimus fabricavam uma c e r â m i c a negra

Page 49: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 49/57

9 8 C ^ & V « CiroHamarion S.Cardoso

derivada dos estilos Lambayeque, mochica e H u a r i .Sua metalurgia era a v a n ç a d a , como a produção detecidos. Enftòdas estas atividades, p o r é m , o traço

mldSImarcante era a produção em sér ie , em grandequantidade mas pouca variedade.

Sua religião — culto da Lua e das estrelas, decertas pedras associadas aos antepassados — incluía

sacrifícios humanos de crianças e a consagração devirgens à Lua. §uas_múmias eram enterradas sen-.tidas em fossas coletivas, com oferendas; às vezesapresentam deformação tabular do c r â n io .

Relhos e culturas menores deste período foram:Cuismancu, na costa central (vales de Chancay, An-con, Rimac e L u r i n ) , com as cidades de C a j a m a r -quilla e Pachacamac; o Estado chincha (vales de C a -í i e t e , Chincha, Pisco, Ica e Nazca, na costa sul),menos urbanizado mas com fo r t i f i c a ç õ e s ; nas terrasaltas do sul, a cultura de Pukina, derivada da deTiahuanaco-Huari, estendendo-se de Arequipa até aBolívia e o norte do Chile.

No vale do Cusco formou-se uma confederação

inter-étnica que, dominada pelo grupo quíchua ouinca, serviu de primeira base, em fase posterior, à

expansão militar que unificou a totalidade da ZonaAndina Central, com acréscimos externos, no imensoTawantinsuyu ou império inca, que no seu apogeu seestendia de norte a sul por mais de 4000 km, doEquador ao norte do Chile. A expansão imperialinca, que não vamos descrever, foi fase tardia dahistoria andina, estendendo-se somente de 1438 a.D . até a chegada dos espanhóis quase um século

América Pré-Colombiana 99 |

depois, em 1531 a. D. Caracterizou principalmenteos reinados dos imperadores, ou Incas, Pachakuti,Tupa Yupanki e Wayna Kápak.

. Iniciando a exposição das características principais da civilização incaica, falaremos primeiramenteda sua estrutura económica de base a g r á r ia .

A preparação da terra se fazia com um bastão

de semear r e fo r ç a do , com apoio para o pé (taclla).ks

velceyifeiTOlmr^õ

na^Tãpén^ perfurar como, também jrevolver o sòIõTDepois que passavam os homens, "arando" com ta finstrumento, as mulheres quebravam os torrões comuma enxada (lampa). Os vales andinos são estreitos,e os terrenos planos pouco extensos, de modo que aconstrução de terraços para cultivo e a irrigação pormeio de canais (às vezes cortados na pedra) tiveramsob os incas grande desenvolvimento. A expansão domilho esteve muito ligada a estas técnicas^A base daalimentação eram quatro plantas: a b^taia,JiJililhOj^a quinoa (um quenopódiõ) ê à oca (um t u b é r c u l o ) .Arr vêTHa desidratação da batata congelada, prepa-rava-se um alimento que se conserva por longo tempo(chunu). O lhama, além de transporte e lã, forneciacouro e carne, seca ao sol (charque).

A base da agricultura andina, e de toda a vidasocial, era a aldeia, habitada por diversas famílias

vinculadas pelo parentesco, formando uma comunidade ou ayllu. Este não era um clã, ou linhagem;apresentava tendência à endogamia e um sistema dedescendência paralela (linha masculina para os homens, feminina para as mulheres). A família nuclear

Page 50: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 50/57

100 Ciro Flamarion S. Cardo,

— um casal e seus filhos solteiros — era a unidade deconsumo e de proáu^SõTCs^ntyllu tinha um chefe(£urakq[, ojj£ a tr ibu ía o Usufruto de lotes de terra àsf a m í l i a s , organizava os estõrç os cóléTivos e arbitravaos contlitos. Xtelra do ayllu (markd) inc lu ía camposcultivados e pastos coletivos, estes n a puna fr ia , ondec r ia nç a s e jovens solteiros pastoreavam os lhamas ealpacas. Ao contrár io dos pastos indivisos, a terracult ivadà^èrã dividida em lotes familiares calculados

segundo o tamanho de cada fa mí l ia , c o nst i tu ído s deterras situadas em diferentes altitudes, para quecada fa mí l ia gozasse de recursos e c o ló g ic o s diversos.

O ciclo da vida agr ícola estava baseado na ajudam ú t u a (ayni), ou seja, em i n t e r c â m b i o s de trabalhoentre as fa mí l ia s para a semeadura e a colheita, bemcomo para outros fins ( c o n s t r u ç ã o de casas, porexemplo). A divindade ou fetiche tutelar do ayllu, awaka, e o chefe, ou kuraka, recebiam p r e s t a ç õ e s detrabalho da comunidade; não havia, p o r é m , qualquer forma de tributos in natura a lé m das pr e sta ç õ e sde trabalho. O Ã:Mrafeg.centralizava T através de taist r a b a l h o j j o j y a a ' o T í m i r a ) , mais riqueza — represen-taria"~eni especial por bens raros como a coca, a

bebida fermentada de milho certos tipos de vesti-mentas, etc. — do que qualquer outro membro* doayllu, mas o costume o obrigava a uma r e d i s tr ibu iç ã ode seus bens, alimentando os que trabalhavam paraele, dando presentes, distribuindo alimentos quandone c e ssá r io devido a m á s colheitas, etc. Havia, p o r é m ,limites à r e d i s tr ibu iç ã o dos bens do chefe e da divindade, e assim existia uma di fe r e nc ia ç ã o social entre

América Pré-Colombiana

os homens comuns (puriq) e os poderosos ou privilegiados (kapa), e cada categoria era e n d o g â m i c a empr inc íp io .

N a h i s t ó r i a andina, formaram-se estruturas piramidais em que um ayllu dominava outros. Ao tornarem-se mais vastas surgiram chefias, confederaç õ e s tribais e por fim reinos, mas em todos estes níveis repetia-se tal qual o mecanismo das pr e sta ç õ e se da r e d i s tr ibu iç ã o . O impé r io inca era somente

uma e spé c i e de e no r h le ^c õ nfe de r a ç ã o de' confedêrã'-ç õ e s , organizando em escala nunca vista nos Anc[es

4 â i s^o pé fa ç ô e s e exigindo trabalho nas terras do I n c ae^do Sol, e s p é c i e s de super-kuraka e super-waka,

mas f ié is ao p a d r ã o usual. Nestas c o n d i ç õ e s , o com é r c i o não podia ter grande desenvolvimento, pois ac i r c u la ç ã o dos bens realizava-se de outra maneira.Por outro lado, germes de m u d a n ç a estavam surgindo, na medida em que os incas aplicaram sistematicamente a po l í t i c a de transferir p o p u l a ç õ e s malsubmetidas a r e g i õ e s distantes da sua de origem (cortando assim os l a ç o s c o m u n i t á r i o s ) , de reduzir algumas pessoas a um estado de se r v idã o fora das comunidades (os yaha), de aproveitar o trabalho de

f i a ç ã oe tecelagem das "mulheres escolhidas" que viviamnos conventos do Sol. T a i s medidas estavam criandou m e s b o ç o de grupos explorados, separados do sistema c o m u n i t á r i o tradicional, mas este ú l t i m o aindapredominava muito claramente.

O i m p é r i o dividia-se em quatro grandes pr o v ín cias e a t r a d iç ã o bur o c r á t i c a via cada uma delascomo uma estrutura geometricamente organizada se-

Page 51: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 51/57

Ciro Flamarion S. Cardoso

gundo um p r i n c í p i o decimal. E m b o r a isto seja uma

i d e a l i z a ç ã o simplificadora, é verdade que o i m p é r i oinca atingiu um grau de i n t e g r a ç ã o e , . c o e r ê n c i a j a

mais sonhado pelo " i m p é r i o " asteca.(Uma rede de

estradas unia o essencial do t e r r i t ó r i o , com um sis

tema de correios p ú b l i c o s e de d e p ó s i t o s de alimen

tos, armas e roupas p a r a tropas e f u n c i o n á r i o s . U m

sistema de contabilidade, cujo cerne eram os funcio

n á r i o s chamados kipukamayoc, que operavam o sis

tema c o n t á b i l e m n e m ó n i c o dos kipus, informava at r i b u t a ç ã o (exclusivamente em trabalho) e o s e r v i ç om i l i t a r T j H a v i a uma burocracia imperial, chefiada

pelo I n c a ou Filho do Sol, e cujo e x e r c í c i o era reser

vado aos incas apenas; mas, subordinada a esta,

persistia a burocracia tradicional dos kurakas regio

nais e das aldeias.

Cusco, a capital, era uma cidade vasta e m a g n í fica, com templos e p a l á c i o s , mas pouco resta dela. A

arquitetura incaica, com seus grandes blocos poligonais de pedra, irregulares mas perfeitamente ajus

tados sem cimento, seus tetos de palha ou em falsa

a b ó b a d a , suas portas e janel as trapezoidais, é conhe

cida principalmente a t r a v é s de outros s í t i o s : Tambo

Colorado, Sacsahuaman, Machu Picchu, Ollantay-

tambo. Como no caso de H u a r i , a a d m i n i s t r a ç ã o inca

se apoiou na d i f u s ã o do urbanismo. Cidades comoTumipampa, C a j a m a r c a , H u á n u c o , J a u j a , Huayta-

r á , V i l c a s h u a m á n , foram por ela planejadas e cons

t r u í d a s .E m c e r â m i c a e metalurgia, como em geral em

m a t é r i a de tecnologia, os incas nã o inovaram. E m

América Prê-Colombiana / 103

arte e r e l i g i ã o , deixara m subsis tir o substrato ante

por em cada r e g i ã o , mas impuseram a a d o ç ã o p a r a lela de seus p a d r õ e s . E m particular, o culto do Sol ,

deus dos incas e do i m p é r i o , era o b r i g a t ó r i o em todoo Tawantinsuyu. A r e l i g i ã o , apesar de elaborada,

dispondo de uma rede de templos e de um clero

altamente h ierarquizado, tinha entre os incas sinais

i n e q u í v o c o s de origens pr imit iva ^^^^^ro xlma s!

por exemplo, o culicTde fetiches variados, ou wakas,

que podiam ser rochas, m ú m i a s , fontes, cavernas,e d i f í c i o s , etc, com f r e q u ê n c i a associados aos ante

passados. A cultura intelectual baseava-se na trans

m i s s ã o o r a l. E m particular, as t r a d i ç õ e s m í t i c o - h i s t ó -ricas eram f u n ç ã o de especialistas h e r e d i t á r i o s ligados

a cada linhagem r e a l , os chamados amautasr-A-lm-

gua q u í c h u a , antes estritamente local, do vale de

Cusco, com o i m p é r i o se difundiu por toda a Zona

Andina C e n t r a l , onde, com o a i m a r á do T i t i c a c a , até

hoje é o idioma mais importa nte.

A organização económico-socialdas "altas culturas" pré-colombianas

à primeira vista, pelo menos no que se refere à

ú l t i m a etapa — que por isto mesmo é a mais docu

mentada — da h i s t ó r i a p r é - c o l o m b i a n a , a compa

r a ç ã o da M e s o - A m é r i c a e da Zona Andina C e n t r a l , e

mais especificamente do " i m p é r i o " asteca e do i m p é r io inca (já que o apogeu maia, sendo anterior, é por

Page 52: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 52/57

104 Ciro Flamarion S. Cardosi

t a l r a z ã o mal iluminado pelas fontes), faz apareceru m a s é r i e de d i f e r e n ç a s importantes. Sistema tribu

tario in natura na M e s o - A m é r i c a contra tributosexclusivamente em trabalho nos Andes; c o m é r c i odesenvolvido a longa d i s t â n c i a no primeiro caso emo p o s i ç ã o a um sistema de reciprocidade/redistribui-ç ã o / c o n s t i t u i ç ã o de " a r q u i p é l a g o s verticais" andinosno segundo; c a r á t e r amorfo e pouco consistente do" i m p é r i o " asteca em contraste com a s ó l i d a organi

z a ç ã o do Tawantinsuyu; enfim, maior campo abertoaos interesses, à iniciativa e talvez a um e s b o ç o depropriedade de tipo individual ou privado na econom ia e sociedade meso-americanas, enquanto o estatismo reinaria absoluto na sociedade e economiaandinas.

De fato, a e v o l u ç ã o dos estudos conduziu, nestesú l t i m o s anos, dejwna o p o s i ç ã o antes tacitamenteaceita das c a r a c t e r í s t i c a s das duas grandes á r e a s c u l turais de "altas culturas" — as quais, a l i á s , aparentemente se ignoravam nos ú l t i m o s tempos p r é - c o l o m -biancJ^Va uma c o n f l u ê n c i a de tajs^característ icaSja^Antes, «^ o i s s e m os , considerava-se a M e s o - A m é r i c a

como uma r e g i ã o que viu um desenvolvimento doc o m é r c i o e da economia "privada" muito mais consi-/d e r á v e l do que no caso andmo^^^ta^&verctbe quea c i r c u l a ç ã o mercantil meso-americana foi exageradano seu volume e significado por diversos pesquisa-í o r e s ^ e se coloca para a M e s o - A m é r i c a a possibili-da^edeque sejam v á l i d o s conceitos como os de reci-

p j ^ ^ ^ Q ^ j T r ^ i s t r i b u i ç ã ^ o ^ e um estudo^jmjgJteye emconta.o grande peso da o r g a n i z a ç ã o estatal no campo

América Pré-Colombiana

e c o n ó m i c o - s o c i a l i enfoques antes empregados para ocaso do P e r u . Por sua vez, a a m p l i a ç ã o da a n á l i s e ssobre a costa peruana (no passado, para os ú l t i m o ss é c u l o s antes da conquista, predominaram os estudos acerca da serra) mostrou, emjcpntraste com aeconomia serrana estudada por J. M u r r a , umao r g a n i z a ç ã o e c o n ó m i c a costeira que associava a agri-c u h u x a _ à e x p l o r a ç ã o do mar e apresentava maiordesenvolvimento do artesanato especializado (inclu

indo a p r o d u ç ã o em s é r i e ) , do c o m é r c i o a longad i s t â n c i a e inclusive de um e s b o ç o de propriedadeprivada, t r a ç o s que a aparentam com a v i s ã o habitual acerca da economia meso-americana.

Ao n í ve l da i n t e r p r e t a ç ã o , quase não há formade o r g a n i z a ç ã o e c o n ô m i c o - s o c ia l que, em algum momento, não haj a sido a t r i b u í d a aos Estados pré-colombianos (com a p o s s í v e l e x c e ç ã o do capitalismo). Assim, para os marxistas d o g m á t i c o s stalinistasou p ó s - s t a l i n i s t a s , como se pode comprovar em certos manuais s o v i é t i c o s bastante recentes, seriam sociedade escravistas ( i n t e r p r e t a ç ã o que se choca frontalmente com os dados d i s p o n í v e i s ) . Outros autores

optaram pelo feudalismo. T a m b é m h á adeptos daideia de que, no fundo, tratava-se, mesmo-jias-casos.mais brilhantes, de sociedades a i nd í LJ i u i i t p primitivas, que atravessavam a f a ^ j j e j b a n s i ç ã o da "co-mujiidade primitiva" à sociedade de_ cjajsesjplena-mente c o n s t i t u í d a . Louis Baudin — por certo numcontexto intelectual que nada tem a ver com o conceito de modo de p r o d u ç ã o — falou, mesmo, de um" i m p é r i o socialista dos incas".. .

Page 53: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 53/57

CiroFlamarion S.

E m anos recentes, certos desenvolvimentos aind a incompletos, mas promissores, merecem m e n ç ã o .

1) Já vimos que a tecnologia das "altas cultur a s " p r é - c o l o m b i a n a s apresenta sér i as d e f i c i ên c i asem r e l a ç ã o , por exemplo, à do antigo Oriente P r ó ximo: a u s ê n c i a do arado, do torno do oleiro, de veí culos de rodas, de um uso amplo de metais p a r a finsprodutivos (ferramentas), escasso emprego de adubos pela falta de a s s o c i a ç ã o a g r i c u l t u r a / p e c u á r i a .

Vimos t a m b é m que há certas razões l óg i cas que explicam vár i as destas d ef i c i ên c i as . Or a, o conceitomarxista deforças produtivas, frequentemente reduzido só à tecnologia, na verdade inclui igualmente oshomens que trabalham, vistos nas suas capacidadesfísicas e mentais (socialmente determinadas). A p arti r daí, referindo-se à sociedade mexica ou asteca —mas a o b s e r v a ç ã o pode ser generalizada —, VictorM . Castillo chamou a a t e n ç ã o p a r a o fato de que, dosdois aspectos das f orças produtivas, o t e c n o l ó g i c opermaneceu relativamente primitivo, mas paralelamente se deu um progresso con s i d eráve l do outroaspecto, o humano: o es forço das c i v i l i zações pré-colombianas se concentrou no a p e r f e i ç o a m e n t o dad i v i são social e t é c n i c a do trabalho e das formas decontrole e c o o p e r a ç ã o da m ã o - d e - o b r a , o que é umt r a ç o t a m b é m d i s c e r n í v e l nas estruturas e c o n ô m i c o -sociais da Á f r i c a Negra p ré-co l on i a l ( cu ja tecnologia,p o r é m , 'era, no conjunto, mais adiantada do que ap r é - c o l o m b i a n a ) . Isto explicaria a possibilidade desociedades estratificadas e diversificadas e de b r i lhantes desenvolvimentos culturais, à base de tecno-

América Pré-Colombiana 107

logia bem pouco a v a n ç a d a .2) A d i scu ssão acerca da o r g a n i z a ç ã o e c o n ó

mico-social das sociedades mais desenvolvidas daA m é r i c a p r é - c o l o m b i a n a dos ú l t i m o s s é c u l o s antesd a conquista baseava-se, apesar do choque de opin i õ e s muito divergentes, sempre nas mesmas fontes.A maior m u d a n ç a de d i reção interpretativa veio dadescoberta e v a l o r i z a ç ã o , por John M u r r a , de outrotipo de fontes antes pouco utilizadas: as visitas, que

são re l a tór i os de f u n c i o n á r i o s e s p a n h ó i s no P e r u ,baseados em i n t errogatór i os feitos em reg i ões recém-con quistadas, nas quais portanto se manifestavaainda a o r g a n i z a ç ã o i n d í g e n a . Interpretando tais dados novos à luz de n o ç õ e s como "reciprocidade" e "red i s t r i b u i ção" , derivadas de K a r l Polanyi e em gerald a corrente da antropologia e c o n ó m i c a conhecidacomo "substantivista", M u r r a provocou uma transf ormação rad i ca l das c o n c e p ç õ e s acerca da h i s tór i aandina; mais recentemente, como já mencionamos,t a l t r a n s f o r m a ç ã o t a m b é m c o m e ç o u a afetar a interp r e t a ç ã o das altas culturas meso-americanas.

3) Desde p r i n c í p i os da d é c a d a de 1960, reno-varam-se as d i s c u s s õ e s acerca de um conceito que

aparece sem grande e l a b o r a ç ã o na obra dos marxistas c l á s s i c o s , o de modo de produção asiático (alguns preferem c h a m á - l o " d e s p ó t i c o - t r i b u t á r i o " ) , oqual havia sido esquecido durante longos anos. Ascarac ter í s t i cas fundamentais deste tipo de sociedadeseriam: 1) a i m p o r t â n c i a das grandes obras de irr i g a ç ã o , e outras obras p ú b l i cas con s i d eráve i s , rea l i zadas sob controle do Estado d esp ót i co; 2) o fraco

Page 54: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 54/57

108 CiroFlamarion S. Cardoi

desenvolvimento da propriedade privada; 3) a coexist ê n c i a de estruturas rurais ainda c o m u n i t á r i a s comu m a classe dominante que, de certo modo, se encarna na estrutura estatal e submete as comunidadesa l d e ã s a uma e x p lo r a ç ã o via elaborado sistema tribut ár i o . As tentativas de aplicar esta h i p ó t e s e à A m é r i c a pr é -c o lo mbia na deram resultados variados. Jávimos que dificilmente se pode atribuir o surgimentodos primeiros Estados e cidades da M e s o - A m é r i c a e

do Peru à necessidade de controlar centralizadamente grandes sistemas de i r r ig a ç ã o , mesmo se posteriormente, no reino chimu e no i m p é r i o inca, taissistemas foram sem dúv ida c o ns ide r á v e i s e objeto dep l a n i f i c a ç ã o global. Quanto às outras c a r a c te r í s t i c a s ,s ã o mais pla us ív e i s , embora seja forte atualmente at e n d ê n c i a a negar, com bons argumentos, o caráterc lâ n ic o e i g ua l i tá r io das comunidades p r é - c o l o m b i a -nas do tipo ayllu ou calpulli (este ú l t i m o especialmente). Certos autores, como Perry Anderson, pensam que já é tempo de "enterrar honrosamente" an o ç ã o de modo de p r o d u ç ã o a s i á t i c o , mas esta nãoparece ser a o p i n i ã o predominante na atualidade.

REFLEXÕES FINAIS

Por que interessar-nos, hoje, por essas remotas"culturas assassinadas", varridas da face da T e r r an a é p o c a da conquista e dos in í c io s da c o l o n i z a ç ã oeuropeia da A m é r i c a , ou por suas ainda mais remotas antecessoras? *

U m a primeira forma de respondermos a estapergunta poderia ser retomando — em outro contexto — a frase famosa do personagem de T e r ê n c i o :Homo sum, et humani nihil a me alienumputo ("Ho^tnem sou, ejnada do que é humano-eonsidero estranho a mim"). Isto é, podemos simplesmenteJnteresr

"sar-nos p ê l o passado p r é - c o l o m b i a n o por si mesmo,como copioso feixe de variadas e in te r e ssa nt í s s ima sé x p e r i ê l ^ c l a T h u m a n a s . A curiosidade é unTTmp"uTsohumano dos mais l e g í t i m o s e desconfiamos muito dequalquer exagero do imediatismo p r a g m á t i c o quando se trata de justificar uma dada atividade. Sejacomo for, há r a z õ e s sem dúv ida mais espec í f icas e de

Page 55: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 55/57

110 CiroFlamarionS. Carde

maior peso do que a simples curiosidade para que oestudo da historia antiga da A m é r i c a nos interesse.

Do ponto de_yista t e ó r i c o , em primeiro lugar. Omé to do c i e n t í f i c o não pode basear-se na abordagemde c a sõ s" òu p r o c e ssó lTunic ó s e irrepet íve is , ou seja,singulares, porque a g e n e r a l i z a ç ã o em tais circunst â n c i a s é impo ss ív e l e sem ela não podem ser estabelecidas regularidades e leis. P a r a a c o n s t r u ç ã o deu m a teoria geral de como funcionam e mudam as

sociedades humanas, tem valor i n e s t i m á v e l o fato dese poder comparar a e v o l u ç ã o pré e pr o to -h i s tó r i c ado Velho Mundo com a da A m é r i c a p r é - c o l o m b i a n a ,que evoluiu, não em total, mas em relativo isolamento. E o mais interessante é que constataremos,no continente americano, fases a n á l o g a s ( n ã o - i d ê n -ticas, claro) em r e la ç ã o às etapas mais gerais jáconhecidas na E u r á s i a , em menor escala e com atraso c r o n o l ó g i c o que t ê m v á r ia s e x p l i c a ç õ e s : uma defa-sagem cultural já presente em tempos pa le o l í t i c o s nar e g iã o de origem dos primeiros povoadores e que setransferiu com eles para o novo habitat; o povoamento de um continente vasto por contingentes provavelmente reduzidos de migrantes que tiveram de

gastar longo tempo simplesmente adaptando-se ameios ambientes diversos e garantindo sua sobreviv ê nc ia e m u l t i p l i c a ç ã o antes que se tornasse po ss ív e ldar novos passos decisivos na e v o l u ç ã o social. (Ver aFiguran? 4.)

Vejamos, agora, o que diz a respeito do temaque nos ocupa o historiador mexicano Silvio Za v a la( " I n d i g è n e s et colonisateurs dans l'histoire d ' A m é -

A mérica Prè-Colombiana 111

ri que", in Cahiers de l'Institut des Hautes Etudes de

l'Amérique Latine, n? 6,1964, p. 25):

" . . . o contacto secular do í n d i o com o meiog e o g r á f i c o da A m é r i c a constituiu um p a t r i m ô nio de e x p e r i ê n c i a s , de recursos, de cultura, queos r e c é m - c h e g a d o s [europeus] aproveitaram,que eles assimilaram de maneira mais ampla doque habitualmente se crê. É por isto que a histó r ia da A m é r i c a deve incluir de maneira o r g â nica o vasto c a p í t u l o i n d í g e n a . . . "

Afinal , o milho, a batata e a mandioca, paracitar só os elementos mais evidentes, são resultadosde m i l é n i o s de atividades e e x p e r i ê n c i a s do homemp r é - c o l o m b i a n o que se integraram ao nosso quotidiano, na A m é r i c a e t a m b é m em outras partes domundo.

A h i s tó r ia da conquista, e a da c o l ó n i a , foramprofundamente influenciadas pela h i s t ó r i a i n d í g e n aanterior — por exemplo, pela di s tr ibu iç ã o diferenciald a p o p u l a ç ã o p r é - c o l o m b i a n a . As c o l ó n i a s escravis

tas baseadas no tráf ico africano se desenvolveram emvazios d e m o g r á f i c o s relativos (a n ã o ser nas Antilhas,onde a p o p u l a ç ã o i n d í g e n a era numerosa mas foid e s t r u í d a em poucas d é c a d a s nos primeiros temposd a c o l o n i z a ç ã o ) , como o Br a s i l e o Sul do que hojes ã o os Estados Unidos, e o mesmo podemos dizer daszonas de i m i g r a ç ã o europeia m a c i ç a (Argentina,Nova Inglaterra, C a n a d á , etc.). Onde existia umadensa p o p u l a ç ã o i n d í g e n a , praticando uma agrieul-

Page 56: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 56/57

112 Ciro Flamarion S. Cardóse

tura e s t á v e l e produtiva, mesmo com a c a t á s t r o f ed e m o g r á f i c a dos s é c u lo s X V I e X V I I (at é 1650 aproximadamente), a c o l o n i z a ç ã o se apoiou na manu

t e n ç ã o — modificada, como é evidente — da comunidade a l d e ã de r a í z e s p r é - c o l o m b i a n a s e na explor a ç ã o da f o r ç a de trabalho do indio dentro e fora dascomunidades, por mais que posteriormente a mestiç a g e m e outros fatores viessem complicar o quadrocolonial. Outrossim, as violentas lutas de classes quedenominamos habitualmente "reformas liberais",

travadas no s é c u l o X I X , e que deram origem asestruturas c o n t e m p o r â n e a s dos p a í s e s da I n d o - A m é r i c a — M é x i c o , Guatemala, E l Salvador, Colombia,

Equador, P e r u , B o l í v i a . . . — são i n c o m p r e e n s í v e i sse m r e f e r ê n c i a a um elemento a g r á r i o i n d í g e n a em e s t i ç o que remete, em maior ou menor medida, arealidades geradas no passado p r é - c o l o m b i a n o , embora depois tenham sido profundamente transformadas e às vezes desfiguradas.

Ainda em nosso s é c u l o , a p r e s e n ç a do passadoi n d í g e n a é algo quotidiano, evidente, em muitos p a í ses do continente. Na B o l í v i a , depois de um s é c u l o deataques impiedosos contra as estruturas c o m u n i t á

r i a s , o censo a g r í c o l a de 1950 revelou que aindaexistiam 3779 comunidades i n d í g e n a s , controlando26% das terras efetivamente cultivadas do p a í s . T r a -ta-se de exemplo extremo, mas não ú n i c o . Nessesp a í s e s , qualquer c o m p r e e n s ã o adequada do pre

sente, e portanto qualquer planejamento do futuro,n ã o pode passar ao lado de uma " q u e s t ã o i n d í g e n a * 'que tem algumas de suas r a í z e s mergulhadas bem

América Pré-Colombiana 113

Anos

ESPAÇO ESPAÇO

Fig. 4 —Esquema tempo-espacial do surgimento e expan

são dos principais níveis culturais arqueológicos no Velho

Mundo e na América. L i n h a c o n t í n u a externa: começo da

agricultura de cereais ( VIII milénio a. C. Na Asia ociden

tal, trigo e cevada; V milénio no México, milho); linha det raços : começo da cerâmica (6000 a. C. na Ásia, 3000-

2500 no noroeste sul-americano); linha pontilhada: Calco-

lítico tardio da Asia (proto-literârio da Mesopotâmia,3300 a. C), de nível similar ao formativo médio-tardio(proto-urbano) da América nuclear (800 a. C); linha cont í n u a interna: culturas urbanas ou altas culturas (2800 a.

C. no Egito e na Mesopotâmia, com bronze e escrita;

começos de nossa era no México e no Peru —fases clássicas e pós-clássicas —, apenas parcialmente com escrita

ligada ao culto e metalurgia). A linha horizontal inferiorrepresenta o momento da conquista, começos do séculoXVI. (As datas são aproximadas, e além disto a passagem

de um nivel a outro nunca é tão taxativa quanto parece

riam indicaros traços.) Fonte: Juan Schobinger, Prehistoria de Sur a m é r i c a , Barcelona, Labor, 1969, p. 13. Obs.:A cronologia adotada pelo autor não coincide totalmente

com a que usamos neste trabalho.

Page 57: América pré-colombiana (1)

7/16/2019 América pré-colombiana (1)

http://slidepdf.com/reader/full/america-pre-colombiana-1 57/57

114 Ciro Flamarion S. Cardosm

antes de 1492 a. D . , e que afeta a muitos m i l h õ e s depessoas. Nesses p a í s e s — e em menor escala t a m b é m

em outros do continente, incluindo o nosso — sereshumanos que chamamos í n d i o s sofrem todos os dias,diante de uma i n d i f e r e n ç a quase geral, processos dee x p l o r a ç ã o , d i s c r i m i n a ç ã o , e x p r o p r i a ç ã o , marginaliz a ç ã o , paternalismo mal informado e até g e n o c í d i o ,que prolongam até nossos dias alguns dos aspectos

mais i n í q u o s da é p o c a da conquista.