ano iv n xii - cjf.jus.br · a revista traz ainda a história de um advogado baiano que foi o...

52
Revista Viagem rumo à escravidão Viagem rumo à escravidão ano IV n. XII Gigantes destruidores Gigantes destruidores Uma polêmica herança imperial Uma polêmica herança imperial A cada ano, cerca de 60 mil brasileiros, mulheres na maioria, são levados a países estrangeiros por quadrilhas especializadas no tráfico internacional de pessoas. Iludidas com promessas de emprego, essas pessoas acabam sendo submetidas a trabalho escravo ou, em casos extremos, têm os órgãos retirados para venda. Saiba como o poder público está se mobilizando para combater esse crime Os milhares de caminhões que diariamente transportam mercadorias pelas estradas brasileiras são os principais responsáveis pelos danos causados à estrutura do asfalto dessas rodovias e, não por acaso, por muitos acidentes. Isso porque grande parte deles reiteradamente desrespeita os limites de peso previstos em lei para cargas Por incrível que pareça, a posição da maré registrada em 1831 até hoje serve de referência para a demarcação dos chamados “terrenos de marinha”. Considerados áreas pertencentes à União, mas que podem ser exploradas por particulares, esses imóveis são alvo de inúmeras contestações judiciais A cada ano, cerca de 60 mil brasileiros, mulheres na maioria, são levados a países estrangeiros por quadrilhas especializadas no tráfico internacional de pessoas. Iludidas com promessas de emprego, essas pessoas acabam sendo submetidas a trabalho escravo ou, em casos extremos, têm os órgãos retirados para venda. Saiba como o poder público está se mobilizando para combater esse crime Os milhares de caminhões que diariamente transportam mercadorias pelas estradas brasileiras são os principais responsáveis pelos danos causados à estrutura do asfalto dessas rodovias e, não por acaso, por muitos acidentes. Isso porque grande parte deles reiteradamente desrespeita os limites de peso previstos em lei para cargas Por incrível que pareça, a posição da maré registrada em 1831 até hoje serve de referência para a demarcação dos chamados “terrenos de marinha”. Considerados áreas pertencentes à União, mas que podem ser exploradas por particulares, esses imóveis são alvo de inúmeras contestações judiciais

Upload: others

Post on 28-Oct-2019

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Revista

Viagem rumo à escravidãoViagem rumo à escravidão

ano IV n. XII

Gigantes destruidoresGigantes destruidores

Uma polêmica herança imperialUma polêmica herança imperial

A cada ano, cerca de 60 mil brasileiros, mulheres na maioria, são levados a países estrangeiros por quadrilhas especializadas no tráfico internacional de pessoas. Iludidas com promessas de emprego, essas pessoas acabam sendo submetidas a trabalho escravo ou, em casos extremos, têm os órgãos retirados para venda. Saiba como o poder público está se mobilizando para combater esse crime

Os milhares de caminhões que diariamente transportam mercadorias pelas estradas brasileiras são os principais responsáveis pelos danos causados à estrutura do asfalto dessas rodovias e, não por acaso, por muitos acidentes. Isso porque grande parte deles reiteradamente desrespeita os limites de peso previstos em lei para cargas

Por incrível que pareça, a posição da maré registrada em 1831 até hoje serve de referência para a demarcação dos chamados “terrenos de marinha”. Considerados áreas pertencentes à União, mas que podem ser exploradas por particulares, esses imóveis são alvo de inúmeras contestações judiciais

A cada ano, cerca de 60 mil brasileiros, mulheres na maioria, são levados a países estrangeiros por quadrilhas especializadas no tráfico internacional de pessoas. Iludidas com promessas de emprego, essas pessoas acabam sendo submetidas a trabalho escravo ou, em casos extremos, têm os órgãos retirados para venda. Saiba como o poder público está se mobilizando para combater esse crime

Os milhares de caminhões que diariamente transportam mercadorias pelas estradas brasileiras são os principais responsáveis pelos danos causados à estrutura do asfalto dessas rodovias e, não por acaso, por muitos acidentes. Isso porque grande parte deles reiteradamente desrespeita os limites de peso previstos em lei para cargas

Por incrível que pareça, a posição da maré registrada em 1831 até hoje serve de referência para a demarcação dos chamados “terrenos de marinha”. Considerados áreas pertencentes à União, mas que podem ser exploradas por particulares, esses imóveis são alvo de inúmeras contestações judiciais

Distrito Federal

Amazônia

Rio de Janeiro

Nacional FM 69,1 MHzNacional AM 980 kHz

Nacional Amazônia ondas curtas11.780 kHz 6.180 kHz-

Nacional AM 1.130 kHz

Cx. Postal 6150 Brasília - DF cep. 70749-970

Telefones (61) 3022-7084/7080

[email protected]

www.justicafederal.jus.br

-

realização

Revista Via Legal | Editorial 1

Os números do tráfico internacional de pessoas impressionam e revelam o tamanho do desafio a ser vencido pelo Brasil. Segundo o Ministério da Justiça, todos os anos 60 mil brasileiros são levados para o exterior de forma irregular. Movidos

pela promessa de dinheiro fácil, homens e mulheres, geralmente jovens, se tornam presas de criminosos que exploram a prostituição, relegando as vítimas a um regime de trabalho escravocrata, e até mesmo o tráfico de órgãos. Este é um dos destaques desta edição da Revista Via Legal. A reportagem mostra o que o País tem feito para enfrentar as quadrilhas especializadas que fazem deste um dos crimes mais rentáveis do mundo. A estimativa é que a prática movimente US$ 32 bilhões por ano.

Outro valor expressivo, também abordado nesta edição, é o total de recursos públi-cos gastos em operações tapa-buracos e de reconstrução das rodovias. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), o prejuízo anual chega a R$ 1,5 bilhão. Em boa parte dos casos, a necessidade das obras é provocada pelo excesso de peso carregado pelos caminhões que circulam pelos 57 mil quilômetros de estradas administradas pelo Governo Federal. A alternativa para reduzir a prática tem sido aumentar os postos de fiscalização e punir os infratores na esfera judicial.

Você sabe o que é laudêmio, foro ou taxa de ocupação? Quem vive pertinho do mar com certeza sabe, e faz de tudo para se livrar dessas taxas cobradas pela União a quem ocupa os chamados terrenos de marinha. O instituto, criado com base em uma norma de 1831, é questionado no Congresso Nacional e em dezenas de ações judiciais. Isso porque os critérios utilizados para a demarcação desses terrenos da União são considerados confusos, além de serem baseados em parâmetros para lá de ultrapassados. Esta edição traz uma reportagem completa sobre o tema, que gera polêmica dentro e fora dos tribunais.

Igualmente polêmica tem sido a postura do governo de cobrar impostos sobre a taxa de serviços, a conhecida gorjeta, que ajuda a ampliar os ganhos de garçons e funcionários de bares e restaurantes. Em São Paulo, foi preciso uma ordem judicial para suspender a cobrança. A boa notícia é que, além de se livrar da conta, os empresários do setor poderão receber de volta tudo o que foi pago a mais nos últimos 11 anos.

A cobrança de impostos também é destaque em outra reportagem desta edição. Uma decisão tomada pela Justiça Federal na capital paulista determina que seja estendida aos leitores eletrônicos, os e-readers, a isenção tributária aplicada aos livros. Com a medida, o consumidor brasileiro poderá pagar até três vezes menos pelo produto.

A Revista traz ainda a história de um advogado baiano que foi o primeiro pai solteiro a garantir na Justiça o direito de ficar 90 dias afastado do trabalho dedicando-se ao filho adotivo. Ele venceu a primeira disputa contra o INSS, órgão para o qual trabalha, mas quer mais. A briga é para que o País reconheça que a licença para quem adota, seja homem ou mulher, deve ter a mesma duração do benefício destinado à mãe biológica.

Boa leitura.

2 Expediente | Revista Via Legal

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL

Ministro ARI PARGENDLERPresidente

Ministro FELIX FISCHER Vice-Presidente

JOÃO OTÁVIO DE NORONHACorregedor-Geral da Justiça Federal, Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais eDiretor do Centro de Estudos Judiciários

Ministra TEORI ALBINO ZAVASCKIMinistro CASTRO MEIRADesembargador Federal OLINDO HERCULANO DE MENEZES Desembargadora Federal MARIA HELENA CISNE Desembargador Federal ROBERTO HADDADDesembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLERDesembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMAMembros efetivos

Ministro ARNALDO ESTEVES LIMAMinistro MASSAMI UYEDAMinistro HUMBERTO MARTINSDesembargador Federal JOSÉ AMILCAR DE QUEIROZ MACHADODesembargador Federal RALDÊNIO BONIFÁCIO COSTADesembargador Federal ANDRÉ NABARRETE NETODesembargador Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRODesembargador Federal ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRAMembros suplentes

Eva Maria Ferreira BarrosSecretária-Geral

CENTRO DE PRODUÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL (CPJUS)

Assessoria de Comunicação Social - CJFAssessora de Comunicação e Editora-Geral: Roberta Bastos Cunha Nunes – FENAJ 4235/14/12/DF; Editoras-Gerais Adjuntas: Dione Tiago e Adriana Dutra; Coordenadora de Comunicação Impressa: Ana Cristina Sampaio Alves; Coordenador de Multimídia: Alexandre Fagundes; Chefe da Seção de Imprensa: Adriana Dutra; Chefe da Seção de Planejamento Visual: Raul Cabral Méra; Chefe da Seção de Edição e Produção: Edson Queiroz; Chefe da Seção de Rádio e TV: Paulo Rosemberg; Repórteres: Bianca Nascimento e Isabel Carvalho.

Assessoria de Comunicação Social – TRF1Chefe da Assessoria de Comunicação Social e Editora Regional: Ivani Moraes; Editor: Marcela Correia; Repórter: Juliana Corrêa.

Seções Judiciárias:MA: Supervisora: Sônia Aparecida Jansen; MG: Supervisora: Christianne Callado de Souza; PA: Supervisor: Paulo Bemerguy; GO: Supervisor: Carlos Eduardo Rodrigues Alves; TO: Supervisora: Daty Manuela Dantas Silva; DF: Supervisor: Gilbson da Costa Alencar; BA: Supervisor: Luiz Carlos Bittencourt; AC: Supervisora: Cláudia Maria Borges de Oliveira; PI: Supervisor: Francisca Zelma Lima;AM: Supervisora: Andréa Silveira Rocha da Silva; AP: Supervisora: Gilvana Maria Castelo Tourinho de Barros; MT: Supervisora: Marisa dos Anjos Fernandes; RO: Editor: Antônio Serpa do Amaral Filho; RR: Supervisora: Roberta Mattos.

Assessoria de Comunicação Social – TRF2Assessora de Comunicação e Editora Regional: Ana Sofia Gonçalves; Repórteres: André Camodego, Sérgio Maurício Costa e Marcelo Ferraz.

Seções Judiciárias:RJ: Supervisora: Bruno Marques; ES: Supervisora: Ana Paola Dessaune.

Assessoria de Comunicação – TRF3Assessora de Comunicação Social e Editora Regional: Ester Laruccia; Repórteres: Ana Carolina Minorello, Ana Cristina Eiras, Andrea Moraes, Monica Gifoli e Wellington Campos.

Seções Judiciárias:MS: Assessor: Aldo Cristino; SP: Supervisor: Hélio Martins Júnior.

Assessoria de Comunicação – TRF4Assessora de Comunicação Social e Editora Regional: Analice Bolzan; Jornalista: Luciana Tornquist.

Seções Judiciárias:PR: Supervisora: Marcia Ditzel Goulart; SC: Supervisor: Jairo Cardoso; RS: Supervisor: Sylvio Sirângelo

Assessoria de Comunicação – TRF5Assessora de Comunicação Social e Editora Regional: Isabelle Câmara; Jornalista: Christine Matos.

Seções Judiciárias:AL: Assessora: Ana Márcia da Costa Barros; RN: Supervisora: Anna Ruth Dantas de Salas; CE: Supervisor: Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo; PB: Supervisora: Silvana Sorrentino Moura de Lima; SE: Assessora: Luciana Pereira; PE: Supervisor: Marcelo Schmitz.

Projeto Gráfico: Raul Cabral Méra - CJF; Diagramação: Raul Cabral Méra e Ramon Duarte - CJF; Imagens: www.sxc.hu;Impressão: Coordenadoria de Serviços Gráficos do Conselho da Justiça Federal.

Revista Via Legal – Ano IV – número XII – set./dez. 2011Contato:

Revista Via Legal - Assessoria de Comunicação Social - Conselho da Justiça Federal Setor de Clubes Esportivos Sul - Lote 09 - Trecho III - Polo 8

CEP 70200-003 – Brasília – DF Telefones: (061) 3022-7070 /7075

e-mail: [email protected]

Revista Via Legal | Sumário 3

4

9

12

24

30

39

Saúde

Sumário

Expediente

Editorial

46

18

INSS é obrigado a fornecer próteses a segurados, mesmo incapacitadosAcesso à cirurgia de implante coclear ainda é limitado no Brasil

Administrativo89

121516

Estado deve amparar ex-militar que desenvolveu esquizofreniaAs consequências do excesso de peso nas rodovias brasileirasTerrenos de marinha geram polêmica e resistência em todo o PaísEm caso de catástrofe, nem sempre é fácil conseguir a liberação do FGTSDivergência legal dificulta definição de deficiência em concursos públicos

Responsabilidade Civil

Boas Práticas20Justiça permite que índios explorem reserva que pertence à universidade

Após tragédia, estado terá de reconstruir barragem no interior da Paraíba

Responsabilidade Ambiental22Ministério Público cobra lei federal para disciplinar uso de sacolas plásticas

Especial 24Tráfico internacional de pessoas faz 60 mil vítimas por ano no Brasil

Preservação28Copa de 2014: reforma do Maracanã enfrenta resistência de torcedores

Políticas Públicas

Faça como Ele

Civil

3033

36

35

42

Programa Bolsa Atleta ajuda a garantir o sucesso de esportistas brasileirosCEF é proibida de descontar valores pagos a mais no Bolsa Família

Homens solteiros que adotam criança brigam por direito já assegurado às mães

O que fazer quando uma pessoa desaparece sem deixar vestígios

Fim do mistério: Justiça esclarece abate de barco brasileiro na 2ª Guerra

Consumidor

Tributário

Decisões Históricas

Giro pelas Decisões

Notas

Na Paraíba, operadoras de telefonia são condenadas por serviço ineficiente

Estado é proibido de cobrar impostos sobre valores pagos como gorjetaLeitor eletrônico pode ganhar isenção tributária garantida aos livros

44

3739

4

3

2

1

8

18

20

22

24

28

30

36

35

44

37

42

45

47

4 Saúde | Revista Via Legal

aos seguradosIsonomia

Um alívio para quem perdeu um braço ou uma perna e precisa de equipamentos como órteses e próteses para recuperar os movimentos e ter uma rotina mais digna. Por ordem da Justiça Federal, o INSS, que se limitava a fornecer os aparelhos aos segurados que tinham chances de voltar ao trabalho, deve cumprir a lei e garantir o fornecimento a todos eles, sem distinção

Uma má formação congênita ou um aci-dente. Não importa a causa — a falta de uma parte do corpo gera obstáculos e di-

ficuldades muitas vezes intransponíveis no dia-a -dia. Em muitos casos, até a realização de tarefas simples fica condicionada ao uso de equipamen-tos que representam ganhos na recuperação de movimentos. Foi pensando no atendimento a pessoas que passam por essas dificuldades, e que são seguradas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que o procurador da Re-pública em Pernambuco, Anastácio Taim Júnior, moveu uma ação civil pública contra a autarquia. Ele pediu que o INSS fosse obrigado a garantir aos seus segurados o fornecimento, a substitui-ção e a manutenção de próteses e órteses, ou quaisquer outros equipamentos necessários ao desempenho das atividades cotidianas. A Justiça Federal em Pernambuco considerou a ação civil pública procedente.

A ação contesta uma norma da Previdência Social: hoje o fornecimento desses aparelhos está restrito aos segurados que vão retornar ao mercado de trabalho. O titular da 6ª Vara Fede-ral de Pernambuco, juiz federal Hélio Ourém Campos, condenou o INSS a fornecer órteses, próteses e instrumentos de auxílio à locomoção, bem como a garantir os respectivos reparos ou substituições que se fizerem necessários, a segu-rados, dependentes e aposentados portadores de deficiência física ou necessidades especiais, mesmo nos casos em que o objetivo não seja a reabilitação profissional. Ou seja, mesmo que a pessoa se aposente por invalidez.

Ana Cristina Sampaio – Brasília (DF)

Juliana Galvão/TRF5

Procurador Anastácio Júnior: interpretação do INSS é forçada

O Ministério Público Federal quer, por meio da ação, que todos os segurados tenham o mes-mo direito, o qual, segundo o procurador, já está previsto na legislação. Trata-se do artigo 89 da Lei 8.213/91, que rege a Previdência Social (ver box na pág. seguinte). Entretanto, a pretexto de dar exequibilidade à lei, o INSS restringe o fornecimento apenas ao período necessário à reabilitação profissional do segurado. “Submeti-do à perícia e, chegando à conclusão de que o segurado não tem mais condições de retornar ao trabalho, ele é aposentado por invalidez e, pela interpretação do INSS, cessaria a obrigação de a autarquia fornecer a prótese”, explica Anas-tácio Taim Júnior. De acordo com o procurador, o questionamento não é quanto à redação da norma, que é clara ao atribuir ao beneficiário da Previdência o direito ao recebimento de pró-teses e órteses. “O que se rebate é a absoluta impropriedade da interpretação forçada que a autarquia previdenciária almeja impor”, afirma, em um dos trechos da ação.

No julgamento da ação civil pública, a Justi-ça Federal determinou que o INSS deve convo-car todos os segurados beneficiários da decisão para que pleiteiem os instrumentos, reparos ou substituições garantidos pela sentença. A convocação deve ser feita por editais ou pelos meios de comunicação.

Para o procurador, a decisão judicial tem grande alcance social. “Não tenho em números o universo das pessoas que seriam beneficiadas com a decisão, mas imagino que será grande. Passar a ter o mesmo direito também a reparos e

substituição de órteses e próteses tem um alcan-ce muito grande. Isso talvez demore um pouco, mas recursos financeiros o INSS tem”, afirma.

Sobre a determinação, a Diretoria de Saúde do INSS se limitou a lembrar uma frase conheci-da: a de que decisão judicial não se discute, cum-pre-se. A sentença, porém, aguarda julgamento do recurso movido pela autarquia no Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Enquanto a pa-lavra final do tribunal não é conhecida, fica a cer-teza de que próteses e órteses são instrumentos que atenuam sobremaneira as dificuldades coti-dianas dos portadores de necessidades especiais, como deixa claro o relato da atendente Fabiana Oliveira, que nasceu sem as pernas e faz das pró-teses a sua forma de integração com a sociedade: “Nesses obstáculos da vida, a gente precisa se superar. A prótese me dá a segurança de poder fazer qualquer coisa que uma pessoa normal faz”.

Decreto questionadoA Diretoria de Saúde do INSS confirmou que

só fornece órteses e próteses para segurados, inclusive aposentados, quando os equipamentos são indispensáveis ao processo de reabilitação profissional. A medida está prevista no Decreto 3.048/99, artigo 137, parágrafo 2º. Em 2010, fo-ram 821 próteses e órteses concedidas pelo INSS. Segundo reiterou a autarquia, o serviço de reabi-litação profissional da Previdência Social tem o objetivo de oferecer, aos segurados incapacitados (por motivo de doença ou acidente), os meios de reeducação ou readaptação profissional para o seu retorno ao mercado de trabalho.

“Nós não concordamos com o Decreto 3.048/99 porque essa restrição não está na lei. A norma garante o fornecimento e obriga o INSS a fornecer órteses e próteses não só para reabilita-ção profissional, mas também para a reinserção

Revista Via Legal | Saúde 5

social daquele que eventualmente venha ser con-siderado incapaz para o trabalho. Estamos falando de segurados que contribuíram vários anos à Pre-vidência Social e não é justo que o INSS, cessada a capacidade laboral do segurado, o jogue à própria sorte sem aqueles equipamentos tão necessários à sua locomoção e reinserção social”, rebate o procurador. E ele complementa: “As mesmas cir-cunstâncias que determinaram a necessidade do segurado para sua reabilitação profissional per-manecem e não têm a ver com juízo de valor para sua capacidade de trabalho”.

Na tentativa de se livrar da responsabilidade, o INSS ainda argumenta que o cuidado com a rea-bilitação social da pessoa portadora de deficiência

enquadra-se como benefício assistencial, o que seria incumbência do Ministério do Desenvol-vimento Social e Combate à Fome. O Ministério Público Federal discorda e considera que a reabi-litação profissional e social do segurado não tem caráter assistencial. “A Assistência Social destina-se a garantir condições mínimas a qualquer pessoa necessitada, independentemente de contribuição social; já a Previdência Social orienta-se para seus beneficiários — pessoas que contribuem ou que já contribuíram para o Regime Geral —, cujo es-tatuto expressamente prevê o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumentos de au-xílio para locomoção como um dos mecanismos para a reabilitação profissional e social”, enfatiza Anastácio Taim Júnior.

Vida normalA atendente Fabiana Oliveira começou a

usar próteses aos seis anos, mas como elas não lhe davam segurança, andava de joelhos, porque não queria usar cadeira de rodas. “Era muito difícil ir à escola, fazer minhas atividades normais”, relembra Fabiana. Foi uma grande luta até que a mãe da atendente conseguisse próteses que se adaptassem à deficiência da filha, que hoje garante levar uma vida normal: “Não me imagino sem a prótese. Não me vejo pegando um ônibus lotado de joelhos. Seria terrível. A prótese me permite ter amigos, cir-cular socialmente. Gosto de ir à praia, dançar, ir ao cinema. No convívio social ela não me pren-de, não tenho vergonha da deficiência, me sinto uma pessoa normal”, resume.

A empresária pernambucana Rilmar Barros é outra brasileira que precisou aprender a lidar com as limitações. O esforço começou há 18 anos, quando ela sofreu um acidente de carro. Rilmar faz uso de uma órtese – um “tutor ingui-nopodálico” —, que a auxilia a ficar em pé. Em decorrência do acidente, a moradora de Recife ficou tetraplégica, mas é considerada hoje uma “medular incompleta”. Se Rilmar tirar o apare-lho, fica eternamente com a perna dobrada. A órtese permite que a empresária tenha uma roti-na próxima da normalidade.

A diferença entre órteses e próteses é expli-cada pela ortesista e protesista Mônica Marques. “Órtese é o material que auxilia o membro. A pró-tese é o que substitui o membro. Próteses e ór-teses permitem que o indivíduo tenha uma vida quase normal. Hoje em dia, estão muito avança-das. Você quase não nota a diferença de um pé de prótese para um normal”, informa. Avanços que custam caro. No caso de quem precisa substituir ou “ajudar” o funcionamento dos membros infe-

Art. 89. A habilitação e a reabilitação profissional e social deverão proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive.

Parágrafo único. A reabilitação profissional compreende:a) o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumentos de auxílio para locomoção quando a perda ou redução da capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso e dos equipamentos necessários à habitação e reabilitação social e profissional (...)

Lei 8.213/91

Juliana Galvão/TRF5 Marcos Costa/TRF5

Marcos Costa/TRF5

Fabiana Oliveira: ”não me imagino sem a prótese”

Hélio Ourem:decisão de grande

alcance social

Rilmar Barros: tetraplégica, só consegue ficar em pé

com a órtese

riores, é preciso pagar R$ 1,8 mil por uma órtese. Dinheiro que, segundo a especialista, boa parte das vítimas não tem. “Há muita gente necessitada que não sai nem de cima da cama por não ter uma cadeira de rodas. Tem gente que precisa, além de prótese e órtese, de cadeira motorizada, como os tetraplégicos”, exemplifica. n

6 Saúde | Revista Via Legal

Em busca do somUma boa notícia para quem tem problemas de audição: decisão da Justiça Federal obriga planos de saúde a cobrir implantes cocleares, os chamados “ouvidos biônicos”. Como consequência da ação judicial, a Agência Nacional de Saúde Suplementar também alterou as regras e promete ampliar o atendimento a deficientes auditivos a partir de 2012

Erica Resende e Carolina Villacreces – São Paulo (SP)

De um lado, os planos de saúde que, quase sempre, fazem de tudo para se livrar da conta. Do outro, os usu-

ários, que passam anos pagando as prestações e que, quando se veem diante de uma doença ou limitação, acabam abandonados pela ope-radora. Este cenário, conhecido de boa parte dos brasileiros, ilustra uma disputa que chegou aos tribunais paulistas. A boa notícia é que a decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região obriga as empresas a custearem sem restrição cirurgias em pacientes surdos, diferentemente do que previa duas normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A expectativa é que a medida evite histó-rias de sofrimento e de limitações, como a do assessor comercial Denis Fernandes Brandão, que perdeu a audição aos 17 anos. “Um dia fui dormir ouvindo e acordei sem ouvir nada. Foi uma perda súbita bilateral”, recorda. Um trau-ma difícil de ser superado e que, claro, teve um impacto muito grande em sua vida. “Quando você perde a audição, entra numa outra socie-dade”, desabafa. Denis chegou a usar um apa-

relho auditivo convencional, mas sem sucesso. “Não tinha resultado devido à minha perda profunda. Eu escutava barulhos, mas não con-seguia discriminar,” completa.

Por causa da surdez profunda — que atin-ge 4% dos brasileiros —, Denis passou 14 anos sem ouvir praticamente nada. Segundo espe-cialistas, a surdez pode ser provocada por do-enças como a meningite, a rubéola gestacional ou ainda ter origem genética. O otorrinolarin-gologista Robinson Koji, que atua no Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que o nível da doença pode variar muito. “Quando se fala que o paciente é surdo a gente imagina que ele não escuta absolutamente nada. Mas isso não é verdade”, afirma, completando que, nos casos em que o paciente tem uma limitação leve ou moderada, o tratamento consiste no uso de um aparelho auditivo. Ainda segundo o especialis-ta, o problema sempre foi a surdez chamada de severa e profunda que, até alguns anos atrás, não podia ser tratada. “Hoje, com o implante coclear, você já tem como tratar esses pacien-tes com resultados muito bons”, informa Koji.

Conhecido popularmente como “ouvido biônico”, o implante coclear é um aparelho eletrônico de alta complexidade tecnológica, usado para restaurar a audição nos portadores de surdez profunda que não se beneficiam do uso de próteses auditivas convencionais.

O equipamento sofisticado foi uma das maiores conquistas da Engenharia ligada à Medi-cina e substitui totalmente o ouvido de pessoas que têm surdez total ou praticamente total.

Composto por duas partes (uma unidade interna e outra externa), o implante estimula diretamente o nervo auditivo por meio de pe-quenos eletrodos que são colocados dentro da cóclea e o nervo leva estes sinais até o cérebro.

Considerada um avanço da Bioengenharia, a tecnologia é importada e custa em torno de R$ 100 mil, um valor alto para a maioria dos pacien-tes. No caso de Denis Brandão, a alternativa foi acionar o convênio. Ele conta que precisou ven-cer uma verdadeira batalha para receber a auto-rização do plano de saúde. “Eu acabei brigando e falei para a assistente social que ia procurar os meus direitos como cidadão. Eu pago o convê-

João Fábio Kairuz/TRF3

Denis Brandão precisou vencer uma batalha

judicial para garantirseu implante

Revista Via Legal | Saúde 7

Cóclea

Labirinto

Aparelho internoAparelho externo

Feixe deeletrodos

Tímpano

A unidade externa do implante capta o som ambiente e o transmite por radiofrequência. Assim

que o aparelho recebe os estímulos, o nervo auditivo é acionado por eletrodos, cumprindo a

função das células ciliadas danificadas

Na cirurgia de implante coclear, a parte interna do aparelho é implantada por meio de incisão. Um

feixo de eletrodos segue até a cóclea e é introduzido em volta do nervo auditivo.

Quem sofre de surdez profunda tem as células ciliares da cóclea (estrutura no ouvido interno que recebe os

impulsos elétricos) danificadas, impedindo a transmissão desses impulsos para o nervo auditivo.

Sendo assim, o som não chega ao cérebro.

Como funciona o implante coclear

nio e, no momento em que eu preciso, eu acho que devo ter essa aprovação”, desabafa.

Burocracia e omissãoNão é mesmo fácil conseguir uma autoriza-

ção como a que garantiu a Denis o direito de vol-tar a ouvir. A omissão das operadoras encontra respaldo em regras criadas pela ANS, a agência reguladora que deveria proteger os usuários. Em 2010, por exemplo, a agência tirou dos pla-nos de saúde privados a obrigação de cobrir a cirurgia de implante nos casos de surdez pré-lingual, ou seja, em crianças e adolescentes com idades entre seis e 18 anos. A mesma norma recomendava que, no caso de pacientes acima desta faixa etária, as empresas só precisariam pagar pelo implante em um ouvido.

Indignados com a resolução da ANS, um nú-mero significativo de vítimas da surdez procu-rou o Ministério Público, que acionou a Justiça Federal. Na ação civil pública, o MPF questiona a legalidade da Resolução Normativa 211/2010 e também da Instrução Normativa 25/2010, ambas editadas pela Agência com o propósito de desobrigar os planos de saúde privados de garantirem essa cobertura. “Se essa tendência prosseguir, é possível que, no futuro, seja permi-

tido aos planos se responsabilizarem por apenas um dos olhos de seus segurados ou por apenas um dos seus rins”, exemplifica o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, que vai mais longe: “A gravidade da situação e a importância da cirurgia exigem que a cobertura seja obrigató-ria para os planos de saúde, não podendo deixar ao livre arbítrio das operadoras privadas a reali-zação ou não dos procedimentos”.

O pedido de liminar foi atendido pelo Tribu-nal Regional Federal da 3ª Região. A decisão, que é válida em todo o território nacional, obriga a ANS a incluir entre os seus procedimentos o implante coclear bilateral. O procedimento tam-bém foi garantido nos casos de surdez pré-lin-gual, isto é, aquela que se caracteriza pela total falta de memória auditiva, em pacientes que têm entre seis e 18 anos. “O implante coclear mostra-se de suma importância para a sobrevivência dos pacientes em condições dignas, porquanto trará melhora do estado geral de saúde das pessoas com surdez pré-lingual bilateral”, afirmou na decisão a desembargadora Marli Ferreira. “Negar aos portadores de surdez o implante pretendido implica desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito à saúde e à vida”, com-pletou a magistrada.

O médico Robinson Koji, que integra o Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas, confirma a importância de garantir a realização do implante bilateral de forma pre-coce, uma prática que tem sido adotada em muitos centros especializados nos Estados Uni-dos e na Europa.

A realidade de Denis, que há seis anos fez o implante em um dos ouvidos, confirma como faz diferença ter acesso ao tratamento correto. Ele ainda se recorda com emoção dos primei-ros sons que ouviu no hospital, logo depois da cirurgia. “Quando ligaram o aparelho eu escu-tava o som, e ainda não entendia; mas eu ouvia a porta bater, o caminhão na rua. Foi muito emocionante. O primeiro barulho que eu ouvi foi quando a médica fechou a janela. Aí eu fa-lei: já estou escutando. Desde então, a cada dia descubro um som novo”, conta o assessor, que hoje comemora cada nova conquista, ao mes-mo tempo em que planeja colocar o segundo implante. “No momento em que você coloca o implante, volta ao normal. Então, graças a Deus a vida mudou bastante. E creio que vai mudar mais ainda. O meu sonho vai ser realizado por completo quando eu tiver um filho e puder ou-vir o choro e a voz dele”, encerra. n

Ram

on D

uarte

8 Administrativo | Revista Via Legal

Consequências da

OMISSÃOAté que ponto ser submetido a uma rotina de treinamento militar pode levar ao surgimento de um transtorno mental? Um recruta que desenvolveu esquizofrenia grave dentro do quartel foi demitido por causa da doença e nunca recebeu auxílio das Forças Armadas. Na Justiça, o Exército foi condenado a indenizar o soldado. Além disso, terá de pagar todos os salários que ele deveria ter recebido desde quando foi afastado

O rapaz tinha 18 anos. Não era proble-mático e tampouco agressivo. Dois meses depois de entrar para o serviço

militar, no entanto, seu comportamento mudou. Ele passou a ser constantemente advertido por xingar colegas, provocar brigas e riscar armários com uma faca. Quando um exame clínico reve-lou que o recruta havia desenvolvido esquizo-frenia, uma das doenças mentais mais graves já identificadas pela Medicina, o Exército o desli-gou do quartel. “Ele foi demitido sem direito a nada. Sem reforma, nem reserva”, critica Pedro Julião, o advogado contratado pela família para propor uma ação judicial contra a instituição.

O advogado explica que, apesar de ter sido considerado apto para as atividades militares durante todos os exames admissionais, o rapaz não teve direito à reforma. A alegação do Exérci-to para recusar o pedido foi que a doença seria preexistente à sua entrada na corporação. Pedro Julião, por sua vez, admite a possibilidade de o ex-recruta já carregar o gene da esquizofrenia, mas alega que a psicose só foi deflagrada porque o rapaz foi submetido a situações de muito es-

tresse. A hipótese tem respaldo médico. “O indi-víduo pode desenvolver uma descompensação. A vida militar é muito rígida e uma situação em que haja menos flexibilidade pode desencadear o quadro”, explica o psiquiatra Eduardo Sá.

Com cerca de um milhão de vítimas e 56 mil novos casos a cada ano no Brasil, a esquizofrenia é um transtorno que afeta a percepção e o racio-cínio. Durante as crises, as vítimas costumam ter delírios, alucinações, pensamentos desordena-dos, crises profundas de isolamento e falsas ideias de perseguição. “O adolescente para de ir à esco-la, fica mais retraído. O adulto jovem abandona o emprego, pede demissão”, revela o psiquiatra.

A Medicina ainda não decifrou por comple-to a psicose. Entre as certezas está a de que ela é genética e pode ser deflagrada por fato-res externos, como infecções graves, traumas afetivos e o uso de drogas. Outro fato cienti-ficamente comprovado é que a pessoa pode nascer com o gene da esquizofrenia e nunca apresentar nenhum sintoma.

A família do rapaz sustenta que as pressões psicológicas e atividades físicas desgastantes —

comuns no serviço militar — funcionaram como um gatilho para que ele desenvolvesse a doen-ça. Os argumentos convenceram a juíza federal Rosimayre Gonçalves, para quem o Exército não poderia ter se negado a ampará-lo. “Em razão dessa omissão, a vida dele virou um caos. Ele passou a se manter com dificuldade, perambu-lando pelas ruas”, revela. “Ele está vivendo como um pedinte”, completa o advogado.

Reforma garantidaForam 42 anos sem nenhuma assistência,

até que a decisão da juíza garantiu ao ex-recruta o direito que havia sido negado pelo Exército. “O Estado é responsável pela manutenção deste brasileiro. Deveria ter promovido a reforma, que é uma pensão vitalícia, em razão dessa incapaci-dade mental”, sustenta a magistrada.

O homem hoje tem 60 anos. Além de uma indenização, ele vai receber todos os salários que deveriam ter sido pagos desde 1969, quan-do foi afastado, com juros e correção monetá-ria. “Com esse dinheiro ele vai refazer a vida dele”, concluiu o advogado. n

Viviane Rosa – Teresina (PI)

Revista Via Legal | Administrativo 9

De olho nos lucros, muitas empresas brasileiras preferem correr riscos e ignorar a lei. No setor de transporte, por exemplo, esse comportamento fica claro com uma atitude muito frequente: colocar na estrada veículos com peso superior ao permitido. Além de desrespeitar normas de segurança, quem age assim ainda ajuda a reduzir a vida útil das rodovias. Uma prática que vem sendo combatida com mais fiscalização e condenações na Justiça

Dione Tiago – Brasília (DF)

Pesodevastador

Edson Queiroz/CJF

10 Administrativo | Revista Via Legal

Eles são a síntese da principal matriz do transporte de cargas no País. Os cami-nhões ganharam força a partir da década

de 1950, quando o Brasil trocou as ferrovias pelas rodovias. Hoje, de acordo com o Depar-tamento Nacional de Trânsito (Denatran), cir-culam pelas estradas brasileiras 2,2 milhões de veículos desse tipo. Uma frota que carrega um pouco de tudo – de frutas e verduras a combus-tíveis, de aparelhos eletrônicos a carvão – e que, por isso mesmo, tem um peso significativo para a economia nacional. Mas, tão grande quanto a importância desses “gigantes”, são os estragos que eles provocam nas rodovias de norte a sul do País. A estimativa do próprio governo é que boa parte dos veículos trafega com excesso de peso. Uma irregularidade que muitas vezes aca-ba em multas e até processos judiciais.

Os limites de peso que cada modelo de caminhão pode carregar estão previstos na Resolução 258/07 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). A capacidade total depen-de de fatores como o comprimento do veículo e a quantidade de eixos. A pesagem é feita por eixo ou pelo Peso Bruto Total (PBT). A legisla-ção também permite que a fiscalização seja feita a partir da nota fiscal, que deve acompanhar a mercadoria. A norma do Contran prevê uma tolerância de 5% quando a pesagem é feita no modelo PBT e de 7,5% na que considera a carga registrada em cada eixo. “O problema é que o carreteiro incorporou a tolerância como se fosse a capacidade”, afirma Vilson Machado, que é po-licial rodoviário e atua no sul do País. O agente de trânsito é um dos autores do livro Excesso de Peso Rodoviário.

As punições para quem exagera na hora de carregar o caminhão estão previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A infração é con-siderada média, gerando uma multa de R$ 127 ao condutor, que ainda acumula quatro pontos na carteira. O valor total a ser pago, no entan-to, varia de acordo com o excesso registrado. É preciso fazer uma conta complicada mas, via de regra, a cada 200 quilos a mais são cobrados R$ 31,92. Além disso, o motorista também pode ser denunciado por expor a vida de outras pessoas a perigo, conforme previsto no artigo 132 do Có-digo Penal. A legislação prevê ainda a retenção do veículo pela autoridade de trânsito. Por lei, a liberação está condicionada à retirada da carga excedente. A exceção são os casos em que os veículos estiverem transportando produtos peri-gosos, perecíveis, cargas vivas ou de passageiros.

Embora as punições sejam consideradas ri-gorosas, a sensação de impunidade ainda preva-

lece em praticamente todo o País, contribuindo para o desrespeito à lei. “A transportadora só pensa em ganhar mais. Não quer saber se vai estourar o pavimento ou causar acidentes”, re-sume Vilson Machado. Hoje, segundo dados do Ministério dos Transportes, são 70 balanças em operação ao longo dos 57 mil quilômetros de rodovias federais não concedidas, ou seja, sob a responsabilidade do Governo Federal. Além do número de postos de pesagem ser insuficiente, a fiscalização ainda precisa combater outro pro-blema. É que não são raros os casos de moto-ristas que usam caminhos alternativos para fugir das balanças. “Eles sempre desviam. Quando sa-bem que no local tem uma balança, passam por outros locais, atrasam um pouco a viagem para fugir da fiscalização”, confirma o policial.

ículos pesados, as ultrapassagens ficam muito difíceis e demoradas. O resultado é que muitos motoristas – agindo de forma imprudente – se arriscam para ganhar tempo. Nem sempre dá certo e o desfecho é o aumento nas estatísticas de tragédias. “É até difícil saber o que é mais perigoso: ficar atrás desses equipamentos, que muitas vezes não recebem a manutenção ade-quada, ou fazer uma ultrapassagem em local proibido”, compara Vilson Machado.

Outra consequência, igualmente grave e preocupante, é o desgaste das pistas. O diretor da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, Neuto Gonçalves, explica que mui-tas rodovias sofrem um processo chamado de fadiga, o que faz com que o pavimento vá trin-cando. “Daí a pouco ele abre, aparece o buraco, entra água. Aquela panela vai aumentando e em pouco tempo você já afetou toda a estrutura, a base do pavimento”, afirma, completando que a consequência natural é a necessidade de res-tauração completa e não apenas das conhecidas operações tapa-buracos.

Estudos técnicos realizados há pelo menos cinco décadas por pesquisadores americanos, e confirmados por testes posteriores, provaram que um excesso de peso médio de 10% nos eixos é capaz de reduzir em 40% a vida útil de um pavi-mento. “Com 20% de excesso, mais do que dupli-ca o dano no pavimento, reduzindo a menos da metade a vida útil dessa estrada”, garante Neuto Gonçalves, chamando a atenção para um fator que leva a consideráveis gastos de recursos pú-blicos no País. A estimativa do Tribunal de Contas da União é que seja consumido todos os anos R$ 1,5 bilhão na manutenção das rodovias nacionais.

Punições nos tribunaisEm todo o País, dezenas de processos judi-

ciais estão em andamento contra empresas acu-sadas de ignorar os limites no carregamento dos seus veículos. Um exemplo recente envolve a BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. A compa-nhia é uma velha conhecida dos policiais rodo-viários federais que atuam na BR 381, em Minas Gerais. De acordo com o processo movido pelo Ministério Público Federal, já são mais de 41 au-tuações. Em março de 2011 foram seis em apenas um dia. A carga de óleo diesel excedia em até 3,7 mil quilos o limite de peso dos caminhões.

Coube à juíza federal Carmen Elizângela de Resende, que trabalha na cidade de Ipatinga, julgar o caso. A magistrada concedeu liminar proibindo a saída de caminhões com excesso de carga dos pátios da Petrobras espalhados por todo o País. Além disso, fixou multa de R$ 10 mil

Consequências gravesQuando uma empresa decide colocar na

estrada um caminhão com carga acima da per-mitida, além de infringir a lei, está assumindo o risco de causar acidentes e de reduzir a vida útil das rodovias. No caso das colisões, elas ocorrem porque o excesso de peso interfere no desempenho dos freios. “Na maior parte dos acidentes em rodovias federais, constatou-se o envolvimento de veículos de carga, a maio-ria deles com excesso de peso, o que dificulta a frenagem, principalmente quando o motoris-ta solta o caminhão na banguela”, escreveu o procurador da República Frederico Paiva, que atua em Uberaba (MG). Nas rodovias, o lado visível do peso exagerado aparece na veloci-dade média dos caminhões, sobretudo nas subidas. Quem dirige pelas estradas sabe que é comum encontrar caminhões se “arrastando” a 10, 20 quilômetros por hora. Dependendo da situação da estrada e da quantidade de ve-

“Com 20% de excesso, mais do que duplica o dano no pavimento, reduzindo a menos da metade a vida útil dessa estrada”Neuto Gonçalves, diretor da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística

Revista Via Legal | Administrativo 11

a ser aplicada cada vez que a ordem for descum-prida. Na decisão, a magistrada foi taxativa ao avaliar que o comportamento da empresa estava “colocando em risco a vida e a integridade física dos usuários da BR 381”, uma das mais movimen-tadas e perigosas do Brasil.

Também em Minas Gerais um esforço con-centrado dos procuradores da República termi-nou com a apresentação de 97 ações civis públi-cas em apenas dois meses (dezembro de 2010 e janeiro de 2011). Os denunciados são empresas que exploram o transporte de carga nas BRs 040 e 365, nas regiões Noroeste e Alto Paranaíba. As ações aguardam julgamento de mérito nas subse-ções judiciárias de Patos de Minas (82 casos) e Pa-racatu (12 processos). Em decisões liminares, os acusados já foram condenados a pagar multas que chegam a 100% do valor da carga transportada.

Em todas as ações, os procuradores pedem que o Estado seja obrigado a ampliar os postos de pesagem e a ser rigoroso no combate à práti-ca, que favorece a ocorrência de acidentes, dimi-nui a segurança no trânsito e reduz a vida útil das pistas. Os donos de outros 400 veículos flagrados com excesso de peso apenas na BR 365 também deverão responder a processo judicial. No caso deles, o pedido do MPF é para que reparem a rodovia danificada.

No Espírito Santo, outra ação civil públi-ca também aguarda decisão judicial, desta vez contra o Sindicato das Indústrias de Rochas Or-namentais do Estado (Sindirochas). O pedido é para que seja aplicada multa de R$ 5 mil cada vez que um veículo for flagrado com excesso de peso. Na ação, proposta em 2010, o procurador Fabrício Caser critica o valor atual da multa (R$ 127,00), que para ele “é um estímulo ao desres-peito à legislação”. n

Há cinco anos, durante a apresen-tação do Plano Diretor Nacional Es-tratégico de Pesagem, técnicos do Ministério dos Transportes apresen-taram um estudo segundo o qual apenas 13 balanças de pesagem es-tavam em funcionamento no País. Na mesma época, um levantamento da Organização para a Coopera-ção e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que um país pode perder até 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência do excesso de peso das cargas. Durante audiência pública que discutiu as regras para a implantação do plano, o governo admitiu que 77% dos ca-minhões em circulação no País trafegavam com excesso de peso por eixo.

A realidade era tão preocupante que o governo foi obrigado a abrir o cofre e in-vestir nos postos de pesagem. A promessa era colocar em funcionamento 148 balanças de fiscalização móvel até o fim de 2011. No ano seguinte, o plano foi incorporado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que, segundo dados disponíveis no site do Ministério dos Transportes, garantiu “o maior número de postos em operação já registrado no País”. Ninguém do órgão dá entrevistas sobre o assunto, mas os núme-ros oficiais revelam um crescimento gradati-vo na fiscalização e, ao mesmo tempo, uma redução no índice de motoristas infratores.

Em 2009, por exemplo, quando 52 ba-lanças estavam em funcionamento, foram pesados 5,4 milhões de veículos. Deste to-tal, 468,3 mil estavam acima dos limites de peso, ou seja, 8,67%. Já em 2010, dos 8,8 milhões de veículos pesados nos 70 pos-tos espalhados por todo o País, os agen-tes de trânsito constataram sobrepeso em 676,2 mil, ou 7,64%.

As ocorrências mais comuns são re-gistradas na pesagem por eixos, infração que, segundo especialistas, gera os maio-res danos à rodovia. Quando os excessos ocorrem no Peso Total Bruto, a ameaça maior é para as chamadas obras de arte, ou seja, pontes e viadutos, que podem não suportar as carretas.

Embora os excessos sejam uma prática recorrente em vários setores da economia

nacional, Neuto Gonçalves, que integra a Câmara Técnica do Contran, explica que as irregularidades são mais frequentes no se-tor de agronegócios, entre as empresas que transportam cana-de-açúcar e soja. Neste caso, as infrações são registradas principal-mente durante a safra, quando há pressa em fazer a retirada dos produtos das lavou-ras e um desejo exagerado de aumentar os lucros reduzindo a quantidade de viagens.

Os carregamentos de madeira também estão na lista dos grandes infratores. “Mui-tas empresas não têm como manter uma balança dentro das lavouras ou na floresta para assegurar que os limites não serão ex-trapolados”, lembra Neuto Gonçalves.

As dificuldades de precisar o peso total do caminhão logo após o carregamento é apenas uma das reclamações das empresas. De acordo com o especialista, também há falhas na manutenção das balanças que, por lei, devem ser submetidas anualmente a vistorias do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem). “Durante décadas, a gente tinha uma fiscalização muito precária e equipa-mentos antigos, que não eram aferidos pelo órgão do governo e que, por isso, acabavam impedido a fiscalização”, afirmou.

Mas, ainda que sejam muitas e funda-mentadas as críticas às normas e à fiscaliza-ção, quem está acostumado a trafegar pelas rodovias brasileiras, como é o caso do pre-sidente do Sindicato dos Transportadores de Cargas de Brasília, Juvenil Menezes Fi-lho, garante que o melhor que as empresas têm a fazer é cumprir a lei. “Se você rodar na pesagem correta, que é o ideal, você vai economizar pneu, combustível, não vai ter multa. Não compensa o valor que você re-cebe levando carga a mais”, resume.

Aumento na fiscalização

Divulgação NTC&Logística

Neuto Gonçalves:excesso de peso

causa craterasnas rodovias

Raul Mera

12 Administrativo | Revista Via Legal

Confusão à beira-marParece mentira, mas uma lei dos tempos do Brasil Império vigora até hoje na fixação de uma regra no mínimo confusa – a preamar média do ano de 1831. A medida é adotada como parâmetro para delimitar os chamados “terrenos de marinha” – figura jurídica igualmente controvertida. Uma faixa de terra que por lei pertence à União e cujos regramentos muita gente vem contestando em todo o País

Quem mora em cidades distantes do litoral talvez não faça ideia de que o acalentado projeto de comprar uma

casinha à beira-mar e dormir com o barulho das ondas pode ser bem mais oneroso do que se pensa. E não se trata apenas da valorizada “vista para o mar”, que naturalmente puxa o preço para cima. É que a maior parte dos imóveis pró-ximos à praia se enquadra na categoria terre-no de marinha, ou seja, pertence à União. Um fato que boa parte dos ocupantes desconhece. Muitos só descobrem que não são os verda-deiros donos quando recebem uma intimação da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) avisando que o terreno será demarcado e que sobre ele passará a ser cobrada uma taxa anual pela ocupação, além do chamado laudêmio, a ser recolhido toda vez que o bem é negocia-do. Como falta clareza, tanto nos critérios de demarcação como na forma da cobrança, muita gente recorre à Justiça Federal para questionar esses procedimentos.

A professora Eliúde Gouveia, que há seis anos se mudou para o bairro de Boa Viagem, zona sul do Recife (PE), está entre os brasilei-ros obrigados a pagar as taxas impostas pela União, que incidem, inclusive, de forma cumu-lativa com o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão de Bens Imobiliários (ITBI). Ela afirma que passou a mo-rar em uma área de marinha sem saber. A no-tícia chegou pelos Correios em forma de uma cobrança de R$ 193,02, enviada pelo Ministério do Planejamento. “Não me avisaram nada. Se eu soubesse, jamais teria comprado”, queixa-se a moradora. “Sou uma pessoa revoltada porque pago essa taxa. Nós estamos no século XXI e eu acho que o Brasil Império morreu. Eu não aceito nunca pagar essa taxa”, protesta dona Eliúde.

O que deixa a professora mais revoltada é que a lei que instituiu as cobranças é de 1831. De acor-do com a norma, devem ser considerados terre-nos de marinha aqueles situados no continente, na costa marítima e nas margens de rios e lagoas,

até onde se faça sentir a influência das marés, “em uma profundidade de 33 metros, medidos hori-zontalmente, para a parte da terra, da posição da linha da preamar média de 1831”. Uma regra que, além de confusa, muitos consideram abusiva. O instituto é tão controvertido que o Congresso Na-cional discute até mesmo a sua extinção, por meio da Proposta de Emenda Constitucional 53/2007.

Quem é contrário à medida argumenta que o fato de as cobranças serem feitas a partir de uma referência tão antiga resulta em cálculos impreci-sos. O cartógrafo Obéde Pereira de Lima e o geó-grafo Roberval Felippe de Lima, em trabalho cien-tífico a respeito do assunto, salientam que a linha da preamar média de 1831 (LPM/1831) é “presu-mida”, já que atualmente não pode ser calculada com exatidão. De acordo com os especialistas, os critérios adotados pela SPU na demarcação dos bens, baseados nesses conceitos, embora tenham amparo legal, “ferem frontalmente a definição contida na legislação em vigor”, uma vez que não possuem embasamento científico.

Roberta Bastos – Brasília (DF)

Revista Via Legal | Administrativo 13

Além de considerar absurda a cobrança da taxa de ocupação, do foro e do laudêmio com base nesses critérios, Obéde Lima chama a aten-ção para o fato de que, de acordo com a legislação, quem deixar de pagar essas taxas por três anos, sucessivos ou intercalados, pode ter o direito do domínio útil cancelado. Neste caso, o terreno, com as benfeitorias, deve ser leiloado. “Da renda do leilão, o governo toma a parte que era devida pelo foreiro ou ocupante e entrega-lhe o que so-brar. Isto é cruel. É como se estivéssemos vivendo nos tempos medievais”, critica o cartógrafo.

Quando foi criada a chamada preamar, os terrenos de marinha pertenciam à Coroa Portu-guesa, que usava o litoral para proteger o País de possíveis invasões de estrangeiros. Hoje, 180 anos depois, a SPU defende a cobrança alegan-do que a manutenção dos imóveis em nome da União ainda se justifica. “Cumpre com a função social da propriedade, com a função ambiental e com a função arrecadadora, prevista nas leis patrimoniais”, explica Paulo Alves, superinten-dente da SPU em Pernambuco, um dos estados onde a cobrança é questionada judicialmente. “Essa arrecadação é toda revertida em investi-mentos para os programas sociais do Governo Federal. Há um retorno para a sociedade em saneamento, habitação, calçamento, em toda a infraestrutura necessária ao desenvolvimento das cidades”, completa Paulo Alves.

A SPU divide os moradores dos terrenos de marinha em dois grupos. O primeiro, que repre-senta a maioria (90% do total) é o dos ocupantes, pessoas que compraram o bem de terceiros. Quem está nessa lista deve recolher anualmente a taxa de ocupação, que equivale a 2% do valor do imóvel (para os inscritos antes de setembro de 1988) ou a 5% (para os inscritos após esta data). O segundo grupo é formado pelos que adquiriram os terrenos mediante um processo chamado aforamento, em leilões ou concorrências públicas organizados pela União. O foreiro adquire o domínio útil do bem. A vantagem é que, em vez da taxa de ocupação, a pes-soa passa a pagar o “foro”, que corresponde a 0,6% sobre o valor de mercado do terreno. Nos dois ca-sos, a cobrança vem em forma de boleto bancário e a conta pode ser paga de forma parcelada.

Caso o contribuinte – ocupante ou foreiro – queira transferir a posse do imóvel, deve re-colher o laudêmio, que equivale a 5% do valor do terreno e de todas as suas benfeitorias. Este pagamento é a condição para que seja liberada a Certidão Autorizativa de Transferência do Imó-vel que, para ter validade, precisa ser registrada em cartório. Juntas, as três taxas rendem aos co-fres públicos cerca de R$ 435 milhões por ano.

QuestionamentosEm todo o País, são muitos os questiona-

mentos jurídicos envolvendo a cobrança de taxas impostas a quem ocupa um terreno de marinha. Um exemplo é a Ação Direta de In-constitucionalidade 4264, movida pela Assem-bleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe). Em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), o processo contesta os critérios utilizados pela SPU para fazer a demarcação dos imóveis, bem como a forma de cálculo do re-ajuste aplicado aos foros e taxas de ocupação. Em março de 2011, o STF deferiu pedido de liminar nessa ADI e obrigou a União a intimar pessoalmente os devedores.

A ação é contrária à Lei 11.418/07, que per-mitiu à União informar a demarcação de novas áreas por meio de edital a ser publicado no Diá-rio Oficial da União. A maioria dos ministros en-tendeu que é necessária a intimação pessoal dos interessados (contribuintes certos e conheci-dos), cujos nomes estão inscritos na SPU e que, normalmente, já pagam a taxa de ocupação. O STF também determinou que o procedimento seja feito ainda na primeira fase do processo de demarcação. Para os ministros, a falta de noti-ficação individualizada é uma afronta ao direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa. Eles lembraram ainda que muitas dessas áreas são ocupadas por pescadores, pessoas geral-mente sem escolaridade, que teriam dificuldade de acompanhar a publicação de editais.

Outros aspectos envolvendo o tema tam-bém foram abordados durante o julgamento do pedido de liminar. “À luz da urbanização cres-cente da sociedade brasileira, essa permanência dos terrenos de marinha tem significado um retardamento ao desenvolvimento, um encare-cimento na negociação dos imóveis”, observou o ministro Ayres Britto em seu voto. “O proble-ma todo é saber onde está a linha que extrema a área da União da área privada, como será feita essa demarcação, sem chamar o interessado e sem distinguir até onde vai a propriedade priva-da e até onde vai a da União”, pontuou, por sua vez, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso.

Em seu voto, o ministro Luiz Fux chamou a atenção para uma possibilidade ainda mais ame-açadora. Segundo Fux, a insegurança quanto ao exato local em que se situam os terrenos de ma-rinha acaba por provocar a necessidade de sua remarcação. “A escolha de nosso ordenamento jurídico pelo ano de 1831 para a aferição da linha imaginária da preamar média trouxe substanciais complicações. É que a União não tem, em seus

arquivos e assentamentos, dados muito precisos sobre onde a referida linha fictícia se situava em todo o território nacional nos idos de 1831”, ex-plicou o ministro. Fux acrescentou que as mo-dificações no limite da metragem horizontal da preamar média em decorrência da movimen-tação das marés pode implicar até mesmo em perda parcial ou total de propriedade dos atuais donos, ou transformá-los em meros ocupantes. Daí a necessidade da citação pessoal para o exer-cício de direito de defesa.

Além da intimação pessoal dos interessados, a Alepe pede ainda que sejam anuladas as co-branças dos foros e taxas de ocupação reajusta-das com base no valor de mercado do domínio pleno. A ideia é que esses aumentos tenham como base apenas a atualização monetária. “A inclusão das benfeitorias realizadas na avaliação do domínio pleno caracteriza enriquecimento sem causa por parte da União”, argumenta o procurador da República Antonio Carlos Barreto Campello, que assina a petição da ADI.

Outro pedido é para que seja suspensa a homologação dos processos administrativos demarcatórios no Estado de PE até que uma pe-rícia técnica especializada aponte a LPM/1831 e as áreas de influência da maré, segundo a lei de regência. “Os critérios e dados utilizados pela Gerência Regional de Patrimônio da União para demarcar os imóveis em Pernambuco precisam ser, caso a caso, conhecidos e submetidos à análise de peritos com conhecimentos técnicos na área”, diz o procurador. A Alepe requereu também a anulação do cadastro dos bens de marinha das áreas hoje demarcadas que não sejam reconhecidas pela perícia. O mérito da ação ainda não foi julgado, mas a última palavra do STF, neste caso, pacificará pelo menos parte dessa complexa questão.

Nelson Jr./STF

Ministro Fux: não há segurança quanto ao exato local onde se situam esses terrenos

14 Administrativo | Revista Via Legal

Profusão de ações judiciaisSão muitas as ações judiciais em todo o País

– boa parte delas com decisões já pacificadas –que discutem uma série de aspectos controver-tidos a respeito da legislação que regulamenta o instituto dos terrenos de marinha. Uma demons-tração da fragilidade das normas que regulam o tema. Ao contrário do que se pode imaginar, nem todas são favoráveis aos ocupantes desses imóveis. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já proferiu alguns entendimentos a respeito do assunto. No mais recente, conside-rado inclusive recurso repetitivo (17/08/2011), o tribunal decidiu que não há necessidade de processo administrativo prévio para atualização da taxa de ocupação dos terrenos de marinha. Um particular interpôs recurso com o argumen-to de que não foi notificado previamente sobre a reavaliação do imóvel. A decisão, no entanto, considerou que a atualização das taxas de ocu-pação apenas recompõe o patrimônio da União, sem agravar a situação do ocupante.

Em outro recurso (02/08/2011), ficou decidido que a cobrança do laudêmio pode, sim, incluir na base de cálculo as benfeitorias feitas no terreno. Em um julgamento anterior (08/02/2011), o tribunal afirmou que a ocupação de um terreno de marinha, quando feita irregu-larmente – sem autorização da SPU – não pode ser reconhecida como posse (entendida como exercício do poder de propriedade). Nesse caso, a pessoa não teria direito sequer a ser indeniza-da pelas benfeitorias, ou seja, perde tudo o que ela achava possuir.

A lista de decisões contrárias à União tam-bém é grande. Em recurso especial (01/09/2011), por exemplo, o STJ entendeu que, se o ocupante do terreno de marinha tiver pago o laudêmio e as taxas de foro, não pode ser responsabilizado pelas transferências anteriores não fiscalizadas pela SPU. A decisão permite a “venda” do imóvel, ainda que existam débitos antigos pendentes.

Em outras instâncias da Justiça Federal tam-bém têm sido proferidas decisões em causas em que se discute a legislação que rege os terrenos de marinha. Em Aracaju (SE), o juiz federal Luiz Edmilson da Silva Pimenta (30/05/2011) acatou um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil e determinou a redução no índice de reajuste da taxa de ocupação. Até a decisão final do pro-cesso, as cobranças das taxas referentes a 2011 estão suspensas naquele município. A decisão provisória determinou que a União, por inter-médio da SPU, reveja os valores com base no Ín-dice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Em decisão semelhante, o Tribunal Regio-nal Federal da 5ª Região (30/08/2011) entendeu que o reajuste das taxas deve considerar apenas a correção monetária. Neste caso, não pode re-fletir a valorização do domínio pleno do imóvel. A determinação foi dada a partir do julgamento de um recurso da SPU que havia supervalorizado as taxas de ocupação do imóvel, passando de R$ 84.632,80 em 2001 para R$ 1.259.840,00 em 2007 – um reajuste de 1.600% em apenas seis anos.

No Espírito Santo, o procurador da Repú-blica Carlos Fernando Mazzoco está à frente de outra batalha jurídica contra as cobranças. Ele é autor de várias ações civis públicas que tramitam na Justiça Federal do estado. Em uma delas, o procurador pede que os foreiros passem a ter o direito à propriedade do imóvel que ocupam. Ele explica que hoje isso não é possível porque a SPU se nega a definir onde terminam os terrenos de marinha. Em outra ação, Mazzoco pede que o Executivo Municipal deixe de cobrar o IPTU so-bre os terrenos registrados como sendo de ma-rinha. “Se uma determinada área é da União, a prefeitura não pode cobrar IPTU sobre ela. Essa cobrança é inconstitucional”, argumenta.

A investida do Governo Federal em demar-car novas áreas tem como consequência prin-cipal a insegurança jurídica. Imóveis que antes não eram considerados da União podem passar a essa condição, o que pode até mesmo levar ao despejo do ocupante. “Dizer para um cidadão que a casa dele está construída em área de mari-nha equivale a um processo de desapropriação. Os cidadãos são surpreendidos com a cobrança de taxas e não têm a possibilidade de contestá-la, porque eles nem sequer foram notificados pessoalmente”, observa o procurador da Repú-blica Carlos Mazzoco.

Promessa de mudançaA expectativa é que a polêmica seja encerrada

com a aprovação da Proposta de Emenda Cons-titucional (PEC) 53/2007, que revoga o inciso VII do artigo 20 da Constituição, o qual reconhece a existência dos terrenos de marinha. A proposta extingue o instituto e, como consequência, quem estiver em dia com as obrigações tributárias, pas-sa a ter o domínio pleno do imóvel. O texto prevê que a União continue dona apenas das áreas em que foram edificados prédios públicos federais, inclusive instalações de farois de sinalização náu-tica, e as que tenham sido destinadas à utilização por prestadores de serviços públicos concedidos ou permitidos. Os estados passariam a ter o do-mínio pleno dos terrenos que abrigam prédios de órgãos estaduais. Já aos municípios caberiam aqueles onde se encontram órgãos da adminis-tração municipal, áreas arrendadas e locadas pela União a terceiros e aquelas não enquadradas em nenhum dos casos previstos na PEC.

“Na quase totalidade dos casos, as áreas definidas como terrenos de marinha são objeto de aforamentos muitos antigos, de forma que é possível concluir que o valor desses imóveis já foi integralmente pago mediante sucessivos foros anuais recolhidos quase sempre há mais de três ou quatro dezenas de anos”, afirma o ex-senador Almeida Lima (PMDB/SE), autor da PEC. Ele, que atualmente é deputado federal, acrescenta que a legislação vigente, que fixa a parcela de domínio da União em 17% do valor do domínio pleno do terreno, não passa de “ficção legal”, já que são as benfeitorias feitas pelo particular que valorizam o bem dado em aforamento. “O poder público aufere nítido benefício financeiro sem efetuar qualquer dispêndio”, encerra Lima que, claro, espera ver a proposta aprovada. n

RECEITAS ANO

2007 2008 2009 2010

FORO 51.827.801 55.284.567 63.822.680 66.239.150

LAUDÊMIO 146.057.828 164.553.229 159.360.262 223.774.929

TAXA DE OCUPAÇÃO 94.058.710 111.144.647 113.062.168 137.973.505

TOTAL 291.944.339 330.982.443 336.245.110 427.987.584

VALORES ARRECADADOS PELA UNIÃO COM ASTAXAS DE OCUPAÇÃO, FORO E LAUDÊMIO (em R$)

Fonte: Secretaria de Patrimônio da União

Revista Via Legal | Administrativo 15

O direitoà moradia falou mais alto

Por lei, as catástrofes ambientais estão entre as hipóteses que autorizam o saque do FGTS. Foi o que aconteceu com as vítimas

das enchentes que atingiram a região serrana do Rio de Janeiro no início de 2011. Mas nem sempre o procedimento é simples. Muitas

vezes a Justiça Federal precisa interferir para garantir a liberação

Nara Sarmento e Ana Carolina Farias – Esteio (RS)

As pessoas até sabem que existe uma conta aberta em seu nome com esse dinheiro, mas a maioria desconhece todas as pos-

sibilidades de acesso a esses recursos. O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é uma espécie de poupança que pode ser usada pelo trabalhador de carteira assinada em situações es-pecíficas. É administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF), também responsável pela libera-ção do Fundo aos beneficiários. Mas quando os pedidos são negados na esfera administrativa, o titular da conta pode recorrer à Justiça Federal para garantir a liberação.

As hipóteses mais comuns que autorizam o saque do FGTS são os casos de demissão sem justa causa, compra da casa própria, doenças graves ou raras e ainda o custeio de despesas provocadas por catástrofes naturais. Não fal-tam exemplos de situações que obrigaram o governo a autorizar vítimas de enchentes e deslizamentos de terra a sacarem os recursos. Foi este o caminho encontrado para minimizar o sofrimento de moradores de Santa Catarina e da região serrana do Rio de Janeiro. Nos dois casos, os recursos puderam ser sacados a partir de decisões administrativas.

No Rio, onde a tragédia provocou mais de 900 mortes, a espera pelo dinheiro levou em média cinco dias. Por lei, a única diferença dos casos de calamidade em relação aos demais é o valor liberado. As vítimas das catástrofes podem ter acesso a, no máximo, R$ 5,4 mil, mesmo se o saldo da conta for maior.

Mas nem sempre os efeitos das catástrofes ambientais são tão visíveis a ponto de justificar a liberação automática do FGTS. Quando as consequências aparecem aos poucos, o titular da conta costuma ter mais dificuldades para provar seu direito. Este foi o problema enfren-tado pela auxiliar de cozinha Lourdes Delgado de Fraga, que só conseguiu o dinheiro depois de procurar os tribunais. O drama da família começou há 17 anos, quando ela se mudou para a cidade de Esteio, na região metropolita-na de Porto Alegre (RS). Lourdes diz que já não lembra quantas vezes perdeu tudo o que tinha

por causa da chuva. “É só chover forte que a rua alaga e a água invade as casas, destruindo o que está no caminho”, afirma.

Em 2010, a temporada de chuvas veio mais forte. A diferença é que, desta vez, a família decidiu deixar o imóvel. “Ficávamos acorda-dos noites inteiras para observar se não estava entrando água. Um dia, em torno de duas da manhã, quando eu levantei e coloquei o meu pé no chão, a água já estava acima do meu joe-lho”, recorda. A moradora conta que os prejuí-zos foram tantos que ela resolveu abandonar a residência. A alternativa foi pagar aluguel. “Só com isto gastávamos em torno de R$ 350. E ti-nha mais as prestações dos móveis e a reforma da casa”, relata, completando que para tocar a obra contou com a ajuda da sogra, que fez um empréstimo de R$ 10 mil.

Dona Lourdes só retornou 14 meses depois, quando a Prefeitura trocou o encanamento da rua, apontado como a principal causa dos alaga-mentos. Entretanto, seus problemas não termi-naram aí. Desta vez, o que tirava o sono da famí-lia eram as parcelas do empréstimo usado para reformar a casa. No período em que pagou alu-guel, a auxiliar de cozinha acumulou uma dívida que, mesmo depois do retorno à casa própria, continuava crescendo. Na tentativa de diminuir o prejuízo, ela tentou sacar o dinheiro do FGTS, mas não deu certo. “Fui à Caixa Econômica e eles me deram uma lista de documentos, mas mesmo com tudo certinho, eles negaram”, diz.

Diante da recusa do banco, dona Lourdes conta que não viu alternativa senão buscar apoio jurídico. A ação foi aberta com a orientação de um defensor público, já que ela não tinha como contratar um advogado. Ao analisar o pedido, a Justiça entendeu que as circunstâncias que leva-ram à necessidade de reformar a casa justifica-vam a liberação dos recursos.

Direito à moradiaA decisão de liberar os recursos foi tomada

pela juíza federal Carla Evelise Justino Hendges. Ela afirmou que não havia motivos legítimos para a não liberação do FGTS e que o caso en-caixava-se em hipóteses previstas em lei, como situações de emergência ou de calamidade pú-blica. “O determinante foi o fato de ela ter sido vítima de uma catástrofe natural, estar sem re-cursos, mas possuir o FGTS, que é um direito. É claro que a lei coloca certos requisitos para a obtenção, mas a dificuldade em que a família se encontrava justificou minha decisão, que se ba-seou em fundamentos constitucionais, como o direito à moradia” explica a magistrada.

O defensor público Everton Santini faz ques-tão de dizer a quem se sentir prejudicado que não deve desistir diante de uma resposta negativa da Caixa Econômica. “É imprescindível que as pes-soas procurem um defensor público para que ele possa analisar se o caso se enquadra nessas hipó-teses. Quem estiver nessa situação e ingressar com a ação, vai ter seu direito satisfeito”, reforça. n

16 Administrativo | Revista Via Legal

Luta por trabalhoEm Brasília, uma engenheira que sofre de problemas renais crônicos briga nos tribunais para assumir uma vaga conquistada em concurso público. Ela foi impedida de tomar posse por conta de lacunas na legislação. Ao mesmo tempo em que trata de forma genérica o assunto, a norma limita as possibilidades de alguém ser considerado deficiente

Aos 42 anos, Samara Costa tem uma forma-ção de fazer inveja. É engenheira agrôno-ma com mestrado e doutorado. Sempre

estudou em instituições públicas e recebeu bol-sas do governo para desenvolver pesquisas em entidades conceituadas de todo o País. Sua mais recente conquista foi a aprovação em quarto lugar no concurso público para analista ambien-tal do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). Acontece que a posse no cargo, já garantida por uma decisão da Justiça Federal, depende agora do julgamento de um recurso que a autarquia apresentou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Eu quero e preciso trabalhar. São seis anos de espera. Quan-

do fiz o concurso em 2005 não esperava que aconteceria tudo isso”, afirma a candidata.

Samara concorreu a uma vaga reservada a deficientes físicos, já que ela sofre de insuficiên-cia renal crônica – uma doença grave que mata pelo menos 15 mil pessoas por ano no País. “A principal função do rim é ser um filtro do san-gue. E é essa função que fica prejudicada. Com isso, substâncias que normalmente seriam elimi-nadas pela urina ficam retidas na corrente san-guínea, o que provoca uma série de sintomas”, explica o nefrologista Evandro da Silva Filho.

As dificuldades para assumir o cargo come-çaram quando a engenheira foi chamada para a perícia. “O médico falou que eu tinha todas

as qualidades para assumir o cargo de analista ambiental e que o Ibama precisava de pessoas como eu, preparadas e qualificadas, mas que, infelizmente, eu não tinha nenhum defeito físi-co que pudesse ser enquadrado na legislação”, recorda Samara. A junta médica do concurso vetou a nomeação, alegando que a “nefropatia” não se enquadraria nas categorias discrimina-das no Decreto 3.298/99, que regulamenta a política de inclusão.

Rebatendo esse argumento, o advogado da candidata, Sérgio Baumann, alegou que, apesar de não estar à mostra, a insuficiência renal é limitadora. “Você tem perda numa função que vira incapacidade para o desempenho consi-

Adriana Dutra – Brasília (DF)

Edson Queiroz/CJF

Revista Via Legal | Administrativo 17

derado normal em uma atividade. No caso da Samara, tem a questão da diálise, que consome tempo e forças, e diminui a capacidade física”, afirmou. Ele argumentou ainda que a situação de sua cliente encontra amparo no artigo 3º do Decreto 3.298/99, por se tratar de uma defici-ência orgânica.

O tratamento de hemodiálise, citado pelo advogado, é a principal opção dos doentes renais crônicos na tentativa de levar uma vida normal. “Consiste em tirar o sangue do indi-víduo, passar por um filtro e devolvê-lo ao organismo. Representa hoje o procedimento feito em mais de 90% dos pacientes”, explica o nefrologista. Samara faz a diálise em casa. “Eu monto o material, e à noite me conecto a uma máquina que faz o trabalho, uma espécie de mini-computador. Entre 6 e 7 horas da manhã ela para e eu estou livre para fazer minhas ati-vidades do dia, para trabalhar e tudo o mais”, descreve Samara.

Na Justiça

O impasse provocado pela própria legisla-ção fez do caso de Samara um desafio especial para o juiz federal Alexandre Laranjeira. “O de-creto que regulamenta a questão descreve de-ficiência como perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica ou fisiológica, o que incluiria o mau funcionamento dos rins, mas, ao mesmo tempo, em seu artigo 4º, esta-belece que deve ser considerada portadora de deficiência aquela pessoa que se enquadra em determinadas categorias e enumera algumas de-ficiências apenas”, explicou o magistrado.

Diante da lacuna, o juiz levou em conside-ração a Classificação Internacional de Funciona-lidades, Incapacidades e Saúde, da Organização Mundial de Saúde (2001) e entendeu que Sama-ra poderia ser enquadrada no conceito de defi-

ciência previsto no Decreto 3.298. “Alguém que é detentor de uma anormalidade, numa estru-tura fisiológica que impeça o desempenho das atividades dentro dos padrões normais do ser humano, deve ser considerado deficiente físico para fins de participação em concurso público”, decidiu o magistrado.

O outro argumento do Ibama, de que Sa-mara seria incapaz para o trabalho, uma vez que, nos termos do artigo 186, parágrafo 1º da Lei 8.112/90, o servidor público deve ser aposentado por invalidez na hipótese de ser portador de doença renal grave, também foi analisado pelo juiz. Para Laranjeira, diante da evolução no controle dessas complicações e no tratamento desses problemas, mais e mais pacientes portadores de doença renal crôni-ca continuam desempenhando suas funções sociais, profissionais, esportivas e de lazer sem maiores alterações em sua qualidade de vida. “A jurisprudência tem pontuado que o portador de doença renal crônica, desde que submetido a tratamento médico mantenedor de sua higidez, está habilitado a ocupar vaga para a qual tenha sido aprovado em concurso público”, finalizou.

A sentença do juiz federal Alexandre La-ranjeira foi confirmada no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o que representa mais uma vitória para Samara. O órgão ambiental ainda está tentando reverter a situação, e re-correu ao STJ. Samara, no entanto, garante que não vai desistir. Superar dificuldades faz parte da rotina dessa engenheira, que não vê a hora de começar a trabalhar. “Enquanto eu tiver dis-posição para trabalhar, eu trabalho. Se eu não me sentir útil, é melhor morrer. Hoje, os avan-ços da Medicina fazem você ter uma sobrevida maior. Se antes era de cinco anos, hoje se vive 20 ou 25 anos... e eu vou passar esse tempo todo dependendo da ajuda de familiares? Eu quero ser independente”, resume ela. n

“Alguém que é detentor de uma anormalidade, numa estrutura fisiológica que impeça o desempenho das atividades dentro dos padrões normais do ser humano, deve ser considerado deficiente físico para fins de participação em concurso público”Alexandre Laranjeirajuiz federal

18 Responsabilidade Civil | Revista Via Legal

O preço daNEGLIGÊNCIA

Uma tragédia devastou uma comunidade, causou prejuízos e, o mais grave, custou a vida de cinco pessoas. Há sete anos, os moradores de um pequeno município nordestino tentam reconstruir o que foi levado pela água com o rompimento de uma barragem recém-construída. Agora, por ordem da Justiça, o governo terá de garantir o atendimento às vítimas, que querem também a responsabilização das empresas construtoras

Juliano Domingues – Alagoa Nova (PB)

Desastres naturais. Esta expressão ainda é usada com frequência por gestores pú-blicos para justificar grandes tragédias e

destruições provocadas pela força das águas. Em muitos episódios, no entanto, o poder público pode ser responsabilizado pelas consequências das enchentes, deslizamentos de terra e até de soterramentos. É preciso apenas provar que o Estado foi negligente e que, agindo desta forma, contribuiu para que a tragédia acontecesse. Um exemplo recente foi registrado no interior da Pa-raíba. A Justiça Federal condenou o governo do estado pelo rompimento da barragem de Cama-rá, localizada a 150 km de João Pessoa, na zona rural do Município de Alagoa Nova. Em 2004, cinco pessoas morreram e dezenas de casas fo-ram destruídas pela enxurrada.

A barragem, inaugurada em 2002 com o propósito de solucionar o problema da defici-ência no abastecimento de água em boa parte do Planalto da Borborema, foi construída com recursos estaduais e federais a um custo de R$ 24,26 milhões. “Na região, há cidades que ainda são atendidas por carros-pipa”, informa o atual secretário de Recursos Hídricos do estado, João Azevedo, completando que Alagoa Nova é uma delas. Situado em uma área de brejo de altitude, o município é caracterizado por invernos gene-rosos. Mas, apesar dessa realidade hídrica privi-legiada, em 2003 o reservatório não chegou a acumular uma quantidade significativa de água.

A realidade mudou em janeiro de 2004, quando choveu acima da média registrada na região. Seria a estreia da barragem, o primeiro

grande teste da obra, que prometia resolver em definitivo o problema da seca enfrentada por cerca de 165 mil pessoas de 10 municípios. Os moradores contam que o nível de água acumula-da só aumentava. Em fevereiro, o açude já estava com 36% da sua capacidade total. Um mês de-pois, atingiu 60%. “Nós estávamos bastante apre-ensivos com a barragem do Camará, que tinha sido recém-construída e que estava recebendo um volume de água bastante grande todos os dias”, relembra Aquiles Leal, dono de um enge-nho vizinho ao reservatório.

O nível continuou a subir e no mês de junho atingiu dois terços de sua capacidade. O ritmo das chuvas não deu tréguas e, para desespero dos moradores, no dia 17 daquele mês a cons-trução não suportou a pressão da água acumu-

Agência Brasil/Divulgação

Revista Via Legal | Responsabilidade Civil 19

lada e parte da barragem rompeu. Um buraco se abriu na junção entre o concreto do muro da barragem e o solo. Uma verdadeira tragédia re-gistrada pouco depois das 21h30.

Rastro de destruiçãoAgricultores da região recordam que o es-

trondo provocado pelo rompimento – ouvido a quilômetros de distância – indicava que algo estava se aproximando das suas casas. O barulho deixava claro que existia uma força fora do nor-mal. “Faz muito tempo que eu moro perto de rio. A gente já tem o conhecimento da zoada de enchente de rio. Mas parecia que era o mundo que vinha se acabando”, compara Inácio Pessoa, agricultor que viveu momentos de desespero ao lado da esposa, Luciene Pessoa. “Quando eu ouvi o barulho, minha reação foi pegar no braço da minha filha e sair correndo. Eu já imaginava que era a barragem”, detalha ela.

A família conseguiu chegar a tempo a um local seguro. Eles fugiram para um trecho mais alto da serra, em meio à Mata Atlântica, onde passaram toda a madrugada. Um casal de vizi-nhos, entretanto, não teve a mesma sorte. “Os familiares deles correram para cima de uma barreira, mas não tiveram como acudir os dois, senão todos iam embora também. E eles gri-tando, pedindo socorro e a água já cobrindo tudo”, relata Luciene, descrevendo a cena da morte dos vizinhos.

O agroindustrial Aquiles Leal viu a infraes-trutura do engenho e da empresa de água mine-ral e todo o maquinário da destilaria de cachaça serem destruídos pela enxurrada. O desastre causou, segundo ele, um prejuízo material incal-culável. “Primeiro, por falta de energia. Segundo, por falta de instalações quando a energia voltou. Terceiro, por falta de pagamento urgente de in-denização. E quarto, porque tive que refazer a estrutura por conta própria, sem ter recursos financeiros para isso”, recorda.

InvestigaçãoCinco dias depois da enxurrada, o Ministé-

rio Público Federal na Paraíba (MPF/PB) instau-rou um inquérito civil público para apurar as causas do rompimento da barragem. Durante o procedimento, engenheiros e geólogos da Paraíba e de São Paulo realizaram uma série de perícias no local. “Nessa perícia se consta-tou ter havido responsabilidade do Estado em função de negligência na manutenção dessa barragem, além de vícios de construção e ra-chaduras ocorridas”, conta o procurador da República Yordan Delgado.

O resultado das análises levou o MPF a pedir a condenação do Estado da Paraíba e das construtoras C.R.E. Engenharia, Andrade e Galvão Engenharia e Holanda Engenharia. “Verificou-se co-responsabilidade tanto do estado, pela falta de manutenção, quanto das construtoras”, completa Delgado.

Numa primeira decisão, a Justiça Federal condenou o Estado da Paraíba a inserir as fa-mílias atingidas em políticas públicas de capa-citação e geração de emprego e renda, além de reimplantar os serviços públicos interrom-pidos por conta do desastre. Casas, pontes,

calçadas e ruas destruídas também devem ser recuperadas. Além disso, o governo terá que reconstruir a barragem de Camará.

O governo garante que as providências se-rão tomadas. Para isso, conta com recursos da ordem de R$ 75 milhões, previstos pelo Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. Segundo o secretário de Recursos Hídricos, João Azevedo, “pelo menos R$ 40 milhões seriam investidos em construção de adutoras. E ainda teremos condições de construir uma pequena barragem chamada Pitombeiras para atender especifica-mente o Município de Alagoa Grande”.

Mas o debate jurídico sobre o rompimen-to de Camará ainda não está encerrado. O MPF pede a condenação também das construtoras envolvidas na obra. “Não seria justo que ape-nas o estado fosse responsabilizado por essa reconstrução, porque no final das contas quem seria prejudicado seria a sociedade, já que o dinheiro do estado é dinheiro que provém de impostos, de tributos, que devem ser utilizados em benefício da coletividade”, sustenta Yordan Delgado. Por isso, o caso deve voltar a ser jul-gado em grau de recurso no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no Recife (PE). n

20km

128m

225m

300m

375m

Nova Camará - 445m350m - Pitombeiras

FazendaSerra Grande

131mAlagoaGrande

VolúpiaAdutora do 15

Balneário Furnas

Destilaria Macaíba

Prainha de Aurélio

4,6km

Raul

Mer

a

Silas Porto

Cenário de destruição registrado depois do rompimento da barragem Nova Camará

20 Boas Práticas | Revista Via Legal

e duas funçõesUm terrenoDe um lado, os índios da tribo Caingangue em busca de um local onde possam manter viva sua cultura. Do outro, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul preocupada em formar bons profissionais. No centro da disputa, um terreno que pertence à União. Coube à Justiça Federal a tarefa de dar uma decisão que pôs fim ao impasse e ainda agradou a todos os envolvidos

Todos os anos, muitos índios ainda deixam suas aldeias, localizadas no interior do País, para viver nas grandes cidades. Mas

esta mudança – quase sempre provocada pela falta de recursos – tem um preço, e ele pode ser alto. Para um grupo de 40 índios da etnia Cain-

gangue, que há anos moram na periferia de Porto Ale-

gre, a alternativa para tentar resgatar a cultura e o jeito de viver dos antepassados foi a invasão de uma área de morro e mata nativa que fica próxima à favela onde vivem. O imóvel de 600 hectares pertence à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que, diante da resistên-cia da comunidade em se retirar do terreno, le-vou o caso à Justiça Federal. Uma decisão inédita

garantiu a reintegração de posse à instituição de ensino, mas também preservou o acesso dos in-dígenas ao local.

A área, ocupada de forma irregular pelos Caingangues, abriga um observatório astro-nômico, além de núcleos de pesquisa da vida silvestre. Os espaços são considerados impor-tantes para a formação dos alunos. Já a comu-nidade indígena defende a hipótese de que a região já foi habitada por seus antepassados. O grupo aposta na realização de um estudo antro-pológico, encomendado à Funai, para provar a existência dessa ocupação. Diante do impasse, a Reitoria da UFRGS decidiu recorrer à Justiça, que determinou a desocupação do espaço.

A decisão mexeu com a vida de pessoas como dona Teresa. Aos 78 anos, ela é a ma-triarca da família Fidelis e passou quatro me-ses morando no acampamento montado na propriedade da UFRGS, junto com outros inte-grantes da comunidade. Para ela, o mais difícil foi voltar a viver no casebre de madeira que divide com filhos, noras e netos. Na parede, um único objeto identifica a etnia a qual per-tencem os Fidelis: uma lança usada na pesca pelos Caingangues nos tempos em que viviam numa aldeia perto de Nonoai, cidade localizada a noroeste do estado. “Aqui na capital não tem espaço para apresentar a cultura dos índios às nossas crianças, fica todo mundo apertado. Lá na aldeia eles eram acostumados a correr sol-tos”, reclama a dona de casa.

Nara Sarmento – Porto Alegre (RS)

Ana Carolina Farias/TRF4

Revista Via Legal | Boas Práticas 21

Outro integrante da família é Odir-lei Fidelis, que está com 25 anos e é o caçula de cinco irmãos. No

caso dele, além da falta de espaço, o que mais preocupa é a violência, muito

comum na periferia de grandes cidades como Porto Alegre. “A gente procura ficar sempre por perto e não deixar as crianças brincarem na rua, porque é muito perigoso”, diz. Odirlei também reclama do preconceito que, segundo ele, o índio ainda sofre quando procura trabalho na cidade grande. “Me candidatei a uma vaga na construção civil e não fui chamado porque o empreiteiro disse que índio é muito preguiço-so. E a gente quer trabalhar pra sustentar nossas famílias”, desabafa.

Arte como sustentoSe faltam empregos formais e se a eco-

nomia convencional fecha as portas, resta à comunidade apostar no artesanato, uma ativi-dade que sempre esteve incorporada à rotina e à cultura Caingangue. A maioria consegue so-breviver na cidade vendendo adornos, cestos e bijuterias feitos de cipós, taquaras e sementes, além de outros materiais recolhidos na nature-za. Os remédios que curam doenças também saem dos campos e matas e são vendidos nas grandes cidades. Neste caso, a fonte de renda vem das ervas medicinais usadas há séculos pe-los índios de todo o Brasil.

O problema é que, com a expansão imobi-liária e o crescimento da população, os locais para a coleta de matéria-prima estão cada vez mais escassos. Um drama que acabou cha-mando a atenção da desembargadora Sylvia Goraieb, do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região. Coube a ela relatar o processo em que a Universidade pedia a reintegração de posse da área invadida pelos indígenas. Apesar de manter a determinação da primeira instância para que a reserva fosse desocupada, ela garantiu aos índios o direito de continuar entrando na mata para retirar o material necessário à confecção do artesanato. “Com esta decisão, creio que con-seguimos minorar, em parte, o sofrimento e a miséria de quem vive à margem da sociedade, como ocorre com os índios, não só os Caingan-gues, mas com outros povos em todo o País”, afirma a magistrada.

Universidade solidária A Universidade Federal garante que o acesso

dos índios às matas do campus nunca foi nega-do. Mas o vice-reitor, Rui Oppermann, argumen-ta que deve haver um controle, considerando que a área funciona como um laboratório ao ar livre para os estudantes. Apesar da ação judicial, ele assegura que a Universidade se preocupa com a questão indígena, tanto que disponibili-za vagas extras em vários cursos para represen-tantes da etnia. “Nós temos hoje, com muito orgulho, índios estudando Medicina, Direito, Odontologia, Comunicação Social. São 10 estu-dantes por ano que têm acesso à Universidade. Eles escolhem o curso. E isto é feito dentro das comunidades, inclusive com a participação dos Caingangues que invadiram a área da UFRGS”, explica o vice-reitor.

Odirlei Fidelis é um dos contemplados com a oportunidade de frequentar uma universidade pública. Atualmente, ele cursa o quinto semes-tre de Comunicação Social. Diz que escolheu a profissão para ajudar sua tribo a encontrar solu-ções para os problemas. “Quero ser o porta-voz da minha comunidade, lutar por ela e mostrar o valor da nossa cultura, da nossa gente. Tudo o que nós queremos é viver com dignidade, pre-servando a identidade do índio”, ressalta Fidelis. “Hoje em dia, para ser índio e manter sua cultura tem que ser muito forte. Se ainda está vivo, é porque este índio sofreu. Portanto, merece res-peito”, conclui, em tom de discurso. n

Os Caingangues Os Caingangues ou Kaingang são

um povo pertencente à família linguísti-ca Jê, integrando, junto com os Xokleng, os povos Jê Meridionais. Sua cultura desenvolveu-se à sombra dos pinheirais, ocupando as regiões Sudeste e Sul do Brasil. Há pelo menos dois séculos sua extensão territorial compreende a zona entre o rio Tietê (SP) e o rio Ijuí (norte do RS). No século XIX seus domínios se estendiam, para oeste, até San Pedro, na província argentina de Misiones.

Atualmente, eles ocupam cerca de 30 áreas reduzidas nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Gran-de do Sul, com uma população aproxi-mada de 29 mil pessoas. Sozinhos, os Kaingang correspondem a quase 50% de toda população dos povos de língua Jê, sendo uma das cinco tribos indígenas mais populosas no Brasil.

Fonte: www.portalkaingang.org

Edson Queiroz/CJF

Blog Universidade Feevale

Desembargadora Goraieb:“Conseguimos minorar o sofrimento de quem vive à margem da sociedade”

Artesanato dosCaingangues

22 Responsabilidade Ambiental | Revista Via Legal

Convite à

mudançaEla pode até ser muito útil, mas quando o assunto é meio ambiente, a sacola plástica está na lista dos vilões. É que o material pode demorar em média 400 anos para se decompor. A situação é tão grave que caberá à Justiça decidir se o assunto deve ser regulamentado por lei federal com validade em todo o País

Marina Cavechia – Brasília (DF)

Site: enxuto.com.br

Revista Via Legal | Responsabilidade Ambiental 23

Se durante as férias uma pessoa decidir via-jar para a Paraíba, passar por Minas Gerais e encerrar o percurso no Rio de Janeiro,

provavelmente irá encontrar regras diferentes para o uso das famosas sacolas plásticas. Na capi-tal mineira, por exemplo, essas embalagens, feitas com derivados do petróleo que poluem o meio ambiente, estão proibidas. As lojas até oferecem um modelo biodegradável, mas cobram, em mé-dia, R$ 0,12 pela unidade. Já no Rio, o consumidor pode ganhar desconto se levar de casa as próprias sacolas, e em João Pessoa uma legislação muni-cipal prevê a substituição do modelo tradicional pelo de papel. A pergunta é: se já existem leis que regulamentam o tema, por que o Brasil ainda não conseguiu resultados efetivos no combate à cha-mada “farra das sacolinhas”?

“No mundo inteiro, o uso de sacolas plásticas já foi regulamentado. Nós queremos que estados e municípios cumpram o seu papel mas, princi-palmente, que a União crie uma norma de âmbito geral”. A resposta é do procurador da República Je-fferson Aparecido Dias, que atua em São Paulo. Ele acredita que uma mudança de comportamento é possível, mas só se tornará realidade quando essa miscelânea de normas – muitas que sequer saíram do papel – for regida por uma lei federal.

É exatamente por isso que o Ministério Pú-blico Federal levou a discussão para os tribunais. A expectativa é que a Justiça Federal determine a elaboração e regulamentação de uma lei nacional sobre o tema. O pedido foi baseado em um racio-cínio simples: os danos ambientais registrados em um pequeno vilarejo podem ter reflexos em cida-des vizinhas, estados próximos e, de certa forma, atingir todos os brasileiros. “Independentemente da classe social, se faltar água vai faltar para todo mundo, se o ar estiver poluído vai estar para todo mundo”, explica a ambientalista Mara Moscoso.

No caso específico do uso das embalagens plásticas, trata-se, principalmente, da poluição do solo, que pode levar pelo menos 400 anos para ser controlada. Este é o tempo estimado de decom-posição de cada saquinho. Resultado: o acúmulo desse material, que tem em sua composição subs-tâncias extraídas do petróleo, cria uma camada que impermeabiliza o solo, atrasa a decomposição de outros resíduos e reduz a vida útil dos aterros. E o pior: quando finalmente o produto começa a se desmanchar, os riscos aumentam. O alerta é fei-to pelo consultor ambiental Eduardo Bernhadt, do Rio de Janeiro. “As sacolas liberam metais pesados que passam para o meio ambiente, para a terra, o solo, a água e podem se acumular no organismo de qualquer ser que entre em contato com uma planta contaminada,” resume. n

Quem nunca usou um saco plástico para carregar uma simples balinha, que atire a primeira pedra. O ato automático, repetido no balcão da padaria ou no cai-xa do mercado, ajuda a explicar números assustadores. Cada brasileiro consome, em média, 15 sacolinhas por semana. A indústria acompanha a demanda do cliente e, de acordo com o Instituto Nacional do Plástico, produz 15 bilhões dessas embalagens todos os anos.

Tanta popularidade é explicada pela inegável praticidade das sacolas. “Elas vieram para trazer mais comodidade. Você consegue colocar muitos produ-tos e o formato é confortável”, admite a ambientalista Rejane Pieratti que, por uma questão de consciência, já aboliu as sacolinhas da sua rotina.

E se não bastassem os efeitos negati-vos do produto, nas últimas décadas, um outro problema deixou ainda mais evi-dente os danos ambientais desse tipo de embalagem. O uso exagerado, sem ne-nhum cuidado, transformou as sacolas em verdadeiras vilãs da natureza. “Se ela não tem resistência, o consumidor põe uma dentro da outra, às vezes até três, dependendo do que está carregando. E aí você gera o desperdício”, afirma Mi-guel Bahiense, presidente da Plastivida.

Diminuir esse desperdício é hoje um dos maiores desafios dos fabricantes, que passaram a investir em um plástico um pouco mais resistente. A intenção é con-quistar a simpatia dos consumidores e, assim, manter a distribuição gratuita das sacolas pelos supermercados. Enquanto isso, na outra ponta do debate, estão bra-sileiros preocupados, que apostam em produtos alternativos para acabar de vez com exageros e danos ambientais.

A boa notícia é que não faltam op-ções sustentáveis contra o consumo irresponsável. As sacolas retornáveis, por exemplo, já viraram moda em muitos países e até ganharam apelido: ecobags. Assim como as sacolinhas tra-dicionais, o formato é simples e inteli-gente. Já a estampa pode ser colorida e os tamanhos atendem a todos os gostos. O material é flexível e, ao mes-mo tempo, resistente. Além disso, tem alças, é claro! Benditas alças que per-mitem o leva e traz de objetos pesados, um diferencial importante.

Mas, diferentes mesmo são as sa-colas feitas de plástico biodegradável, fabricadas a partir do amido termoplás-tico oriundo da mandioca, do milho ou da batata. Quando enterradas, elas entram em contato com microorganis-mos que fazem todo o trabalho de de-composição. O processo dura, no máxi-mo, seis meses, como afirma a gerente comercial de uma indústria de plástico que funciona na capital paulista, Gise-le Barbin. “O objetivo é que o produto seja destinado à usina de compostagem ou até mesmo a aterros sanitários onde, após a decomposição, vire adubo”.

Os mercados que já oferecem a al-ternativa cobram, em média, R$ 0,20 a unidade. Calma, não se assuste com o preço. Para a conta não ficar alta, a melhor saída é diminuir o consumo das sacolas e recorrer a elas apenas em caso de emergência quando, por exemplo, não houver caixa de pape-lão disponível ou quando as ecobags forem esquecidas em casa. Tanto os especialistas como quem já adotou esse comportamento garantem que o esforço vale a pena.

Alternativas sustentáveis

24 Especial | Revista Via Legal

Pessoas como

mercadorias

Com promessas de uma vida melhor, trabalho

garantido e altos ganhos, muitos brasileiros viram

alvos fáceis para quadrilhas de traficantes nacionais

e internacionais. O crime é difícil de ser combatido

porque, muitas vezes, as vítimas preferem o silêncio

e a organização das quadrilhas desafia a polícia e a

Justiça. Alterar a legislação atual é um dos caminhos

a serem percorridos

Lylia Diógenes – Brasília (DF)

1990/2010

Revista Via Legal | Especial 25

Todos os anos, aproximadamente 60 mil brasileiros são levados do País à força, sob ameaça ou enganados quanto à verdadei-

ra razão do deslocamento. Os números são do Ministério da Justiça (MJ) e revelam ainda que jovens entre 15 e 25 anos são o principal alvo de redes criminosas que exploram o tráfico de pessoas. O crime é mais frequente em países em desenvolvimento, onde há pessoas vivendo em extrema pobreza e com baixa escolaridade, mas também está relacionado a questões de gênero e raça. No caso do Brasil, as investigações dos órgãos do Sistema de Justiça e Segurança Públi-ca identificaram três modalidades de tráfico de pessoas: a exploração sexual, o trabalho forçado e o tráfico para fins de remoção de órgãos.

Estudos do Escritório das Nações Unidas so-bre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil colocam a prática como a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas. Segundo o órgão, o crime movimenta US$ 32 bilhões por ano. A forma mais comum ocorre com o aliciamento de vítimas que são convencidas a viajar com a promessa de uma vida melhor no exterior ou mesmo em outros estados do Brasil. Uma das maiores dificuldades para se combater o tráfico de pessoas é quantificar sua dimensão, uma vez que se tratam de redes complexas e que têm como mercadoria o ser humano.

Apesar da falta de dados, a estimativa do UNODC é que anualmente 2,5 milhões de pes-soas sejam vítimas do tráfico de seres humanos em todo o mundo. Entre os casos de explora-ção sexual, as mulheres representam 66% do total de registros, enquanto os menores de 18 anos correspondem a 13% das vítimas. Quanto ao perfil dos aliciadores, dados do Ministério da Justiça demonstram que suas principais ocupa-ções estão em negócios como casas de shows, comércio, casas de encontro, bares, agências de turismo, salões de beleza e casas de jogos.

Em 20 anos – de 1990 a 2010 –, a Polícia Federal fez mais de 750 investigações sobre o crime. Foram 22 operações especiais, resultando na prisão de 201 traficantes que enviavam pes-soas para a prostituição no exterior. As informa-ções constam do Relatório do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, publicado em janeiro de 2010 pelo MJ. Também nessas duas décadas, 66 quadrilhas foram processadas na Justiça Federal. Uma delas agia na cidade de Anápolis, no interior de Goiás, estado que regis-tra grande incidência do crime – 18% do total de inquéritos abertos pela Polícia Federal.

Quadrilha descobertaCom a promessa de um futuro melhor, inte-

grantes de uma quadrilha abordavam mulheres jovens e bonitas em salões de beleza de Anápo-lis, cidade que fica a 50 quilômetros de Goiânia. Eles usavam cabeleireiras para convencer as jo-vens de que elas ganhariam muito dinheiro na Europa, trabalhando como garotas de programa. O que elas não podiam imaginar é que, ao che-garem ao exterior, teriam os documentos reti-dos pelo bando, seriam submetidas a condições degradantes, induzidas a usar álcool, cocaína e crack, a exagerar no uso de anticoncepcionais, além de serem mal alimentadas e cobradas pelas despesas da viagem. “É uma dívida impagável”, assegura Fernanda dos Anjos, da Secretaria Na-cional de Justiça do MJ.

No caso de Anápolis, as investigações mos-traram que 11 mulheres caíram na armadilha. Oito brasileiros e um português foram processa-dos na Justiça Federal. Duas cabeleireiras faziam o primeiro contato. Em seguida, entravam em cena outras duas pessoas: o dono de uma agên-cia de turismo e uma funcionária da empresa, que eram encarregados de viabilizar a viagem.

A dupla driblava a imigração fazendo reserva em hotéis para as mulheres e escolhendo rotas de viagem que não despertassem desconfiança. Também faziam parte do esquema um taxista e a companheira, que levavam as vítimas até o aero-porto e as orientavam sobre como deveriam se comportar no exterior.

“Esses traficantes de primeiro grau, geral-mente, ganhavam 2 mil pela venda dessas mu-lheres. A traficante de segundo grau, que estava no Brasil, ganhava por volta de R$ 400 pelo ali-ciamento dessas meninas”, afirmou o procura-dor do Ministério Público Federal, Daniel Salga-do, que atuou no caso.

750 investigações22 operações especiais201 traficantes presos

Edson Queiroz/CJF

Fernanda dos Anjos:“o governo brasileiro tem uma preocupação constante com a atenção às vítimas desse crime”

26 Especial | Revista Via Legal

Todo o esquema foi descoberto em 2005 e parte dos envolvidos já foi condenada. O por-tuguês, por exemplo, está cumprindo pena em Portugal. No caso do dono da agência de turis-mo, a pena imposta pela Justiça Federal foi de seis anos de prisão. A funcionária da empresa e a responsável pelos documentos devem ficar cinco anos na cadeia. Outros dois brasileiros, que viviam no exterior e eram responsáveis pela execução da parte final do esquema criminoso, ainda não foram julgados.

As cabeleireiras que funcionavam como intermediárias, convencendo as vítimas a via-jarem para o exterior, foram absolvidas. Elas foram beneficiadas pela legislação vigente na época do crime, que só previa punição para quem participasse do esquema de forma di-reta. Desde 2009, no entanto, as normas são mais rigorosas. “Toda pessoa que, de qualquer forma, forneça auxílio material ou moral, no sentido de que um estrangeiro venha para o Brasil ou vá para o exterior exercer a prostitui-ção, responde pelo crime da mesma forma que os traficantes diretos, que são aqueles financia-dores”, explicou o juiz federal Alderico Rocha Santos, que já atuou em processos envolvendo o tráfico internacional de pessoas.

Prevenção e repressão

Barrar a atuação das quadrilhas e traçar es-tratégias para o enfrentamento do problema é um grande desafio para as autoridades brasilei-ras. A adoção de medidas severas de repressão e uma melhor acolhida às vítimas são exemplos do que tem sido colocado em prática na tenta-tiva de resolver a questão. No entanto, todos concordam que o mais importante é atingir a origem do problema, para que o número de pessoas que cai na armadilha do tráfico seja cada vez menor.

Um dos levantamentos mais expressivos sobre o assunto, a Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual (Prestaf ), identificou 241 rotas de tráfico interno e internacional de crianças, adolescentes e mulheres brasileiras. No caso do tráfico para fins sexuais, há uma predominância, entre as vítimas, de mulheres e adolescentes na faixa dos 15 aos 25 anos, vin-das de cidades litorâneas como Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, Recife e Fortaleza, além de outros estados, como Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Pará. Os principais destinos são a Eu-ropa (Espanha, Portugal, Holanda e Itália) e a América Latina (Paraguai, Suriname, Venezuela e República Dominicana).

Segundo Fernanda dos Anjos, a pesquisa foi um marco, já que a partir desse levantamento de dados foi possível estabelecer uma diretriz legislativa voltada ao enfrentamento do proble-ma. “O governo brasileiro tem uma preocupa-ção constante com a atenção às vítimas desse crime”, ressaltou a diretora, ao apontar como uma das medidas já adotadas a ratificação do Protocolo de Palermo. “A partir de 2004, quando o Brasil passou a ser signatário do protocolo, foi possível uma maior mobilização social em torno do tema ‘tráfico de pessoas’ e vários avanços já ocorreram”, salientou Fernanda.

O Protocolo de Palermo citado pela diretora é a denominação mais comum da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Aprovada durante a Assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU) em

atender aos migrantes e às vítimas do tráfico nos municípios foram alguns dos avanços registra-dos a partir do plano.

No Encontro Nacional da Rede de Enfren-tamento ao Tráfico de Pessoas, realizado no mês de novembro deste ano no Recife (PE), foi validado o texto do II Plano Nacional de En-frentamento ao Tráfico de Pessoas, que define a estratégia a ser colocada em prática nos próxi-mos quatro anos para o combate a esse tipo de crime. O documento é resultado de discussões iniciadas em junho e que tiveram a participação de representantes de órgãos do Executivo, entre autarquias, ministérios e secretarias, além da po-pulação. “O desafio do novo plano é aumentar a integração entre os parceiros institucionais e implementar metodologia de levantamento de dados sobre o crime e de monitoramento da implementação das ações do Estado “, destacou Fernanda dos Anjos.

Senado encara o problemaEm abril deste ano, o Senado Federal criou

uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Tráfico de Pessoas. O objetivo é inves-tigar o problema no Brasil, suas causas, conse-quências, rotas e responsáveis, e ainda avaliar a atuação de redes criminosas no período com-preendido entre 2003 e 2011.

A maior preocupação dos membros da CPI é conseguir alterar o Código Penal que, segundo a presidente da CPI, senadora Vanessa Graziottin (PCdoB/AM), é insuficiente e não trata da rela-ção do tráfico de pessoas com trabalho escravo ou remoção de órgãos. “Nossa legislação para o tráfico de pessoas não existe, o que torna o cri-me o mais invisível de todos”, afirma a senadora. Para ela, é fundamental a alteração da legislação vigente a fim de “punir exemplarmente aqueles que hoje conseguem sair livres desse crime que, cada vez mais, atinge a população brasileira”.

A senadora Grazziotin mostrou-se otimista com o andamento dos trabalhos. “Até o último mês de setembro foram realizadas 12 reuniões e percorremos diversos estados, onde pudemos ouvir autoridades e pessoas envolvidas com o tema, o que nos permitiu formar um panorama mais claro da situação”, declarou.

novembro de 2000, a norma prevê medidas e técnicas especiais de prevenção, proteção e re-pressão ao crime organizado.

Outra ação colocada em prática no Brasil foi o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, desenvolvido no período de 2008 a 2010. “Por meio de parcerias com o poder pú-blico, organismos internacionais e instituições brasileiras, foi possível levantar informações, re-alizar campanhas e fomentar a rede de apoio às vítimas, além de treinar equipes que lidam com a prevenção e o combate a essa prática crimino-sa”, apontou Fernanda dos Anjos. A criação de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) nos estados e de postos avançados para

“Nossa legislação para o tráfico de pessoas não existe, o que torna o crime o mais invisível de todos”Vanessa Graziottin,Presidente da CPI sobre o Tráfico de Pessoas

Revista Via Legal | Especial 27

As audiências começaram no próprio Se-nado Federal e, em seguida, passaram a ser realizadas nos estados onde há maiores regis-tros desse tipo de crime. Já houve reuniões em Manaus (AM), Salvador (BA), Belém (PA) e Rio de Janeiro (RJ).

Durante essas visitas, foram ouvidas autori-dades dos ministérios públicos Federal, do Tra-balho e estaduais; delegados das polícias civis dos estados e da Polícia Federal; representan-tes de núcleos de enfrentamento de tráfico de pessoas, bem como representantes de outros órgãos e entidades públicas que atuam na pre-venção e repressão ao tráfico de pessoas e no atendimento às vítimas. Também forneceram informações representantes de organizações não governamentais.

Os senadores que integram a CPI tiveram ainda reuniões reservadas para interrogar pes-soas diretamente envolvidas em casos concre-tos. Ainda estão previstas reuniões nas cidades de São Paulo, Natal, Fortaleza, Macapá e Cuiabá que, por serem áreas de turismo ou abrigarem

determinadas atividades econômicas como o garimpo, acabam criando condições favoráveis para o tráfico, seja com objetivo sexual ou de trabalho forçado. A intenção dos parlamentares é reunir essas informações, juntamente com da-dos obtidos junto a órgãos públicos, para elabo-rar um diagnóstico nacional e propor alterações legislativas eficazes.

Copa do Mundo – motivo de preocupação

Outra preocupação da CPI é a necessida-de de conscientizar a sociedade brasileira e as autoridades públicas sobre o problema. “O momento é muito importante, pois o País vai sediar uma série de eventos esportivos, como a Copa do Mundo em 2014, em que o fluxo de turistas será incrementado, o que vai exigir ór-gãos atuantes e uma política pública forte de prevenção e repressão ao tráfico de pessoas”, alerta Grazziotin. A senadora também aponta a necessidade da criação de uma rede estrutura-da de atendimento às vítimas.

Os trabalhos da CPI foram prorrogados até abril do ano que vem. Até lá, a expectativa é alterar a legislação e ainda realizar uma campa-nha nacional que esclareça a população sobre o problema. A Comissão também pretende reco-mendar a elaboração de uma pesquisa nacional sobre tráfico de pessoas, incluindo mulheres, crianças, adolescentes, homens e o público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais).

“Se não conseguirmos atingir os objetivos previstos dentro desse prazo, a CPI poderá ser prorrogada mais uma vez”, afirmou a senadora. Ela acredita que, com a mobilização de toda a sociedade, a alteração do Código Penal e a ação eficiente da Justiça, o tráfico de pessoas poderá ser banido do território brasileiro. n

As vítimas podem contar com o serviço gratuito do Disque Denúncia Nacional – Disque 100, coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH). Disponível em todos os estados brasileiros, o serviço realiza, em média, 940 atendimentos diários. Desde 2003, quando passou a ser coordenado pelo Governo Federal, já foram feitos mais de 2,3 milhões de atendimentos. Considerando apenas as denúncias de aliciamento, o número passa de 100 mil. Os dados, que também estão no Relatório do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de 2010, são utilizados para o mapeamento das regiões críticas. Outro canal de atendimento às vítimas é a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. O serviço, criado em 2005 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), orienta quem estiver em situação de risco ou de violência sobre a melhor maneira de buscar ajuda. Outro propósito é auxiliar o monitoramento da rede de atenção à mulher em todo o País. A Central funciona 24 horas, todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados, e a ligação é gratuita. Em casos de ligação por denúncia de situação de tráfico de pessoas, é acionada uma tecla de emergência que transmite a denúncia imediatamente. Casos de risco de morte e cárcere privado também são tratados como emergência.Segundo dados da Secretaria Nacional de Justiça, esses canais têm contribuído significativamente para o aumento de denúncias sobre o tráfico de pessoas, o que resultou em um maior número de inquéritos instaurados e condenações. “Estamos confiantes que, por meio do envolvimento de todas as áreas da Justiça, conseguiremos desativar essas redes criminosas”, afirmou a diretora Fernanda dos Anjos.

Onde denunciar

Ana Volpe/Agência Senado

Vanessa Graziottin:aumento do fluxo de turistas exige política forte de prevenção ao tráfico de pessoas

28 Preservação | Revista Via Legal

Um patrimônio do futebolEm 2014, o Brasil vai sediar, pela segunda vez, uma Copa do Mundo de Futebol.

Para fazer bonito, vários estádios do País estão em obras. No mais famoso deles, a reforma gerou polêmica, quando torcedores e Ministério Público

tentaram suspender as mudanças, principalmente na fachada do monumento. Nos tribunais, prevaleceu o entendimento de que as intervenções são

necessárias e não ferem o tombamento do Maracanã

Se o futebol é uma das maiores paixões do povo brasi-leiro, o estádio do Maracanã pode ser considerado o altar-mor do exercício dessa idolatria esportiva. Pal-

co de grandes eventos esportivos ao longo de seus mais de 60 anos de história, o Maracanã, assim como muitos estádios do País, passa por uma reforma com o objetivo de se preparar para receber a Copa do Mundo de 2014. As obras no mais adorado estádio do Brasil estão a pleno vapor e só não foram suspensas por causa de uma inter-venção da Justiça Federal.

Estádio escolhido para sediar a partida final da Copa, o Maracanã está entre os mais conhecidos do mundo, uma notoriedade conquistada em função de o espaço já ter sido palco de partidas históricas e de grandes shows musicais. Sua importância foi reconhecida pelo Instituto do Patri-mônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) há 11 anos, quando ele foi tombado. Um tombamento que, no enten-dimento do Ministério Público Federal (MPF) e de parte dos torcedores, vem sendo desrespeitado na reforma ini-ciada em meados de 2011.

O procurador da República Maurício Andreiuolo pro-pôs a abertura de uma ação civil pública contra o Iphan e a Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro (Emop), que coordena os trabalhos. O procurador pediu a paralisação imediata das obras na marquise do estádio, com o argumen-to de que ele seria descaracterizado. O posicionamento é defendido por outras pessoas, como a vereadora do Partido Verde (PV ) Sônia Rabello, participante do grupo que discu-tiu o assunto nas audiências públicas que antecederam o envio do caso à Justiça. Ela cita a existência de um decreto-lei que impede a destruição, demolição ou mutilação de qualquer bem tombado. “A modificação da estrutura do Ma-racanã é, no mínimo, uma mutilação desse bem. Ele deixa de ser Maracanã, será outro estádio. O antigo vai ficar no porta-retrato dos torcedores”, resume.

“O que está sendo realizado aqui no Rio de Janeiro é uma demolição, uma destruição de um bem tombado, não é uma mera reforma, não é uma adequação, é uma destrui-ção. Destruíram o Maracanã”, completa o presidente da Frente Nacional dos Torcedores, João Hermínio Marques.

Denise Moraes – Rio de Janeiro (RJ)

Débora Bravo/TRF2

Revista Via Legal | Preservação 29

A construção do Maracanã teve início em agosto de 1948. O estádio foi inaugurado em 16 de junho de 1950 com uma grande responsabilidade: sediar os jogos da Copa do Mundo daquele ano. Conheci-do como o “Coliseu dos Tempos Modernos”, inicial-mente abrigava cerca de 200 mil espectadores (hoje sua capacidade é de pouco mais de 82 mil lugares).

Um dos grandes incentivadores de sua contru-ção foi o jornalista esportivo Mário Filho – por isto, o estádio ganhou o seu nome. Seu projeto arquite-tônico é assinado por um pool de profissionais: Mi-guel Feldman, Waldir Ramos, Raphael Galvão, Oscar Valdetaro, Orlando Azevedo, Pedro Paulo Bernardes Bastos e Antônio Dias Carneiro.

Sua inauguração deu-se com a realização de uma partida de futebol amistosa entre seleções do Rio de Janeiro e São Paulo no dia 16 de junho de 1950, ven-cida pelos paulistas por 3 a 1. Na Copa do Mundo de 1950, motivo principal de sua construção, o estádio abrigou oito jogos da competição e foi onde ocorreu a primeira partida oficial, em 24 de junho, com vitó-ria do Brasil sobre o México por 4 a 0.

Por muitos anos, foi considerado o maior está-dio do mundo, onde já aconteceram grandes clás-sicos do futebol brasileiro. Foi lá que, em 1957, Pelé jogou vestindo pela primeira vez a camisa da Seleção Brasileira. Foi também no Maracanã que o rei do fu-tebol fez seu milésimo gol. Além disso, o estádio já recebeu equipes do mundo inteiro e foi palco para shows de grandes artistas, nacionais e internacionais, como Paul McCartney e Madonna.

Há 11 anos, o complexo foi tombado pelo Iphan como bem etnográfico. Em 2007, passou por uma re-forma para receber competições dos jogos Pan-Ame-ricanos, tendo sediado a abertura e o encerramento do evento, além de várias competições importantes.

Em andamento A preocupação com as alterações

na arquitetura do estádio, no entan-to, não foram suficientes para barrar os trabalhos. Ao analisar o pedido do MPF, a juíza federal Cleyde Muniz de Carvalho levou em consideração o fato de a destruição da marquise já estar em andamento e concedeu uma liminar autorizando a continuidade da reforma. “Iniciados os trabalhos de demolição e estando estes em está-gio adiantado, o máximo que se pode cogitar é de reconstrução de nova marquise similar à originária, e isso constitui objeto de pedido final, a ser examinado no momento processual próprio, após ampla dilação de teses e provas”, afirmou na decisão.

Para o historiador Luiz Antônio Si-mas, todo cuidado é pouco na hora de modificar esse patrimônio do futebol. Ele usa uma metáfora para comparar a paixão do brasileiro pelo esporte a uma religião. “O Maracanã é um tem-plo, tem uma história, é um lugar de memória. Ele não é um lugar efême-ro. Talvez estejamos comprometendo, por conta de um mês, a história glorio-sa do estádio”, provoca.

O superintendente do Iphan no Rio de Janeiro, Carlos Fernando Andra-de, rebate as alegações e garante que a história do Maracanã continuará in-tacta. Segundo ele, é preciso entender que o modelo de tombamento feito no

estádio foi o etnográfico, aquele que garante a preservação não da estrutura física, mas das manifestações culturais ali realizadas. “Temos que compreen-der que é um tombamento num con-texto etnográfico, ou seja, mais impor-tante do que o prédio é a ação cultural que ocorre naquele espaço. Engessar o prédio é um contrassenso, um para-doxo do próprio tombamento”, afir-ma, completando que, para o Iphan, a oportunidade de o estádio receber pela segunda vez uma Copa do Mundo é um ato cultural importantíssimo.

Na tentativa de acalmar os torce-dores, que se dizem apreensivos com a reforma, o diretor da Emop, Ícaro Mo-reno, garante que a essência do espaço não teve nenhuma alteração. “A alma do Maracanã é essa que a gente conhece e que todos vão conhecer”, afirma, lem-brando que as obras seguem em ritmo acelerado para cumprir todos os prazos e critérios estabelecidos pela Federação Internacional de Futebol (Fifa).

Para os que não concordaram com a destruição da estrutura da marquise, resta aguardar o julgamento de um segundo pedido do Ministério Público Federal: a reconstrução da cobertura do estádio nos moldes da que foi der-rubada. Uma possibilidade que anima quem já sente falta da antiga estrutura. “É indispensável essa continuidade, esse prolongamento do caráter popular do Maracanã. O Maracanã é de todos”, completa João Hermínio. n

O que faz doMaracanã

um patrimônio

ASCOM/SJRJ

ASCOM/SJRJ

30 Políticas Públicas | Revista Via Legal

Sonho de muitos, conquista de poucosMuita gente não sabe que o incentivo ao esporte está entre as funções do poder público. Nesse sentido, foi criado o programa Bolsa Atleta, uma espécie de salário pago a quem se destaca em competições nacionais e internacionais. O problema é que nem sempre a inscrição é aceita pelo Ministério dos Esportes e a opção de quem tem o pedido negado pode ser a Justiça

Viver e se sustentar exclusivamente como atleta no Brasil ainda é um sonho distante. Falta patrocínio e muitos não têm alterna-

tiva a não ser conciliar a puxada rotina de treinos com um trabalho remunerado. A inscrição no programa Bolsa Atleta nem sempre dá certo e recorrer à Justiça para receber o benefício tem se tornado uma opção para muitos esportistas. Atualmente, segundo a Advocacia Geral da União (AGU), existem processos em quatro estados: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Rio Grande do Norte. Neste último, a ação envol-ve o jogador de futebol de praia Francisco Tos-cano Bezerra Filho, mais conhecido como Kiko.

O atleta disputou o Campeonato Brasileiro de 2008 pela seleção potiguar, ajudando a equi-pe a conquistar o terceiro lugar na competição. Juntamente com outros sete jogadores, o goleiro solicitou o Bolsa Atleta. Quatro deles foram in-cluídos no programa e receberam o benefício de R$ 700 durante um ano. No entanto, ele e mais três colegas tiveram seus pedidos negados. In-conformado, Kiko procurou a Justiça e recebeu os atrasados referentes ao ano de 2009.

Na ação, a União alegou que o beneficio não foi concedido porque o autor deixou de apresen-tar dois documentos. Mas, de acordo com o juiz Fábio Bezerra, da 7ª Vara Federal (RN), que ana-

lisou o caso, a documentação apresentada por Toscano era suficiente para demonstrar que ele é um “atleta nacional” praticante da modalidade beach soccer, com reconhecido destaque em sua categoria, comprovado “por meio de decla-ração da entidade desportiva nacional, histórico de seus resultados e situação no ranking nacio-nal”. Na sentença, o magistrado rebateu também o argumento apresentado pelo governo de que não tinha dinheiro para garantir o pagamento. “Afastamos a alegação da falta de disponibilidade financeira, até porque a União, no caso concreto, não comprova efetivamente que havia, naquela época, falta de recursos”, explica o juiz.

Isabel Carvalho – Brasília (DF)

Fábio Pozzebom/Agência Brasil

Atletas paraolímpicos são homenageadospela presidente Dilma, por conquistas no México.Mais da metade dos competidores recebem a bolsa

Revista Via Legal | Políticas Públicas 31

Resultados que compensamO atleta brasiliense Caio Sena Bonfim é

um dos que comemoram os benefícios do Bol-sa Atleta. Os resultados alcançados por ele em 2011 comprovam os retornos positivos. Logo na estreia na categoria adulta, alcançou índice para os Jogos Pan-Americanos e o Campeonato Mun-dial. O tempo marcado no Sul-Americano dis-putado na Argentina é o atual recorde brasileiro nos 20 quilômetros da marcha atlética, esporte que pratica desde muito jovem e já lhe rendeu títulos nacionais e internacionais. Sua trajetória de sucesso começou em 2008, quando Caio foi considerado o segundo melhor do mundo na categoria menores e o sexto na juvenil. No mes-mo ano, foi campeão sul-americano juvenil, faça-nha que se repetiu em 2010. A esta lista, soma-se ainda o campeonato panamericano de 2009.

Além do reconhecimento no meio esporti-vo, a performance garante ao brasiliense o direi-to de receber o Bolsa Atleta. O benefício, conce-dido pelo Ministério do Esporte (ME), garante ajuda financeira a atletas de alto rendimento em diferentes categorias. “O dinheiro que eu rece-bo do programa é muito importante na minha vida. É por causa dele que consigo me manter

e competir no Brasil e lá fora. Ele me dá toda a estrutura para poder continuar a me dedicar apenas ao esporte. Se não tivesse essa ajuda, tudo seria mais complicado. Por isso, se cheguei aonde cheguei, é devido aos meus pais e à ajuda financeira da bolsa”, enfatiza.

Segundo o marchador, a despesa é muito grande. São gastos com tênis, que só duram dois meses, vitaminas, passagens áreas nacionais e internacionais. Além disso, para colher bons re-sultados no esporte, ele treina de três a quatro horas por dia, tem uma alimentação equilibra-da, não bebe e não sai para baladas. Uma rotina impossível de ser posta em prática por alguém que precise trabalhar para se manter. “Como eu viajo muito, o tempo que tenho prefiro passar com a minha família, em casa e descansando. A vida social tem que ser deixada de lado, porque o descanso faz parte do treino”, expõe.

Bolsa AtletaA meta do programa é oferecer condições

para que os atletas de alto rendimento se de-diquem ao treinamento esportivo e possam participar de competições que permitam o desenvolvimento de suas carreiras. Como a intenção é manter e renovar gerações de atle-tas com potencial para representar o País em competições internacionais, a prioridade são os esportes olímpicos e paraolímpicos. Já as outras modalidades são atendidas subsidiariamente, na proporção máxima de 15% do total de recursos destinados ao programa.

O valor do benefício mensal varia de R$ 370 para estudantes a R$ 3.100 para esportistas olím-picos e paraolímpicos. Uma grande vantagem é que cada atleta tem liberdade para decidir como gastar o recurso (alimentação, transporte, suple-mentos, equipe técnica, entre outros). Isso não significa, no entanto, que o beneficiado não te-nha que informar o governo do destino dado ao dinheiro que sai dos cofres públicos.

Cabe à Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento, órgão vinculado ao ME, o pla-nejamento, a execução, o acompanhamento, a avaliação e o controle do programa. O secretário Ricardo Leyser Gonçalves informa que atual-mente 3.643 atletas recebem a bolsa. Por ano, são em média, sete mil inscrições. “Nem todos os que pleiteiam estão qualificados ou apresen-tam a documentação exigida para provar o ren-dimento e a parceria com o clube”, diz.

Leyser esclarece ainda que a Lei 12.395/11 alterou alguns pontos da legislação que instituiu o programa, e passou a permitir que uma mes-ma pessoa receba tanto o Bolsa-Atleta quanto o

patrocínio. “Os atletas que não possuem outro tipo de auxílio têm a segurança de uma ajuda financeira fixa, independentemente de interme-diários. Já os que possuem algum tipo de ajuda podem, com a bolsa, complementar o seu ren-dimento financeiro. É importante enfatizar que todos os favorecidos devem prestar contas do dinheiro que receberam”, finaliza.

Investimento com resultados A prova de que o programa Bolsa-Atleta

tem contribuído para a formação de atletas de alto rendimento foi o resultado dos bolsistas no Parapan-Americano 2011, realizado de 12 a 20 de novembro, em Guadalajara, no México. Dos 222 atletas que representaram o Brasil na competição, 162 recebem o benefício do Minis-tério do Esporte.

A delegação nacional repetiu o feito do Parapan-Americano do Rio de Janeiro em 2007 e conquistou o primeiro lugar no quadro geral de medalhas, com 197: 81 de ouro, 61 de prata e 55 de bronze. Os atletas que recebem o auxílio financeiro do programa foram responsáveis por 79% dos pódios brasileiros na competição. Ao todo, os bolsistas trouxeram para casa 156 me-dalhas: 56 ouros, 52 pratas e 48 bronzes.

Daniel Dias teve uma participação especial nesses números. O bolsista voltou dos Jogos Parapan-Americanos de Guadalajara como o maior medalhista da competição. Foram 11 ou-ros conquistados na natação. Para ele, de 2004 até hoje o esporte teve uma grande evolução nos investimentos, principalmente por meio do programa Bolsa-Atleta. “É fantástico receber o auxílio, pois era um sonho de todos os atletas brasileiros. Especialmente porque nem todos os esportistas conseguem ter um patrocínio privado”, ressaltou.

Arquivo pessoal

Jornal de Sobradinho

Caio Sena:“Dinheiro do Bolsa Atleta me dá estrutura para me

dedicar apenas ao esporte”

Ricardo Leyser,secretário Nacional do

Esporte de Alto Rendimento

32 Políticas Públicas | Revista Via Legal

Indo mais longeA ajuda financeira do governo não garante

apenas medalhas e o reconhecimento do Bra-sil no ranking esportivo internacional. Espe-cialmente no caso dos para-atletas, esse apoio também significa novas oportunidades. É assim com o geógrafo Ângelo dos Santos, de 34 anos, que pratica remo desde 2007. A descoberta sig-nificou o reencontro com uma antiga paixão: a prática esportiva, que ele precisou abandonar aos 17 anos, depois de ter a perna esquerda am-putada por causa de um câncer agressivo.

Ao praticar o remo, Ângelo conta que percebeu que conseguiria chegar mais longe e alcançar resultados expressivos em compe-

tições. “Eu sabia que poderia praticar, mesmo com dificuldade, já que é um esporte que se faz sentado, com o uso maior dos braços”, explica. Para ele, começar a competir foi uma questão de tempo. “A partir do momento em que eu pe-guei prática nas remadas tudo ficou mais fácil. Daí em diante, passei a ter vontade de colocar à prova o que eu tinha aprendido e de testar os meus limites”, explica.

Hoje, Ângelo pratica a modalidade remo-adaptado paraolímpico e coleciona títulos: conquistou o terceiro lugar no Troféu Brasil de Remo, em 2009, no Rio de Janeiro, além de outros títulos em 2010. Graças a esses resulta-dos, há seis meses ele recebe o Bolsa-Atleta na categoria nacional. “Esse dinheiro ajuda e muito, pois assim não preciso gastar meu salário, que

sustenta minha família, para investir no espor-te”. Ele esclarece que o dinheiro da bolsa finan-cia o deslocamento até o clube de onde sai para remar, custeia a academia de ginástica, auxilia na compra de alimentação, de suplementos e de roupas próprias para a prática do esporte.

“O remo me permite manter a forma, com-petir e relaxar, já que é praticado em um lugar onde estamos diretamente em contato com a natureza. Ele me trouxe de volta a vontade que eu tinha de praticar esporte antes de perder a perna. Na época, eu era apaixonado por futebol e jogava todo fim de tarde e finais de semana. O fato de não jogar me fazia muita falta. Agora, de certa forma, é como naquela época. Sinto-me feliz e realizado”, finaliza. n

Bolsa atleta nacionalAtleta de base R$ 370,00/mês

Atleta estudantil R$ 370,00/mês

Atleta nacional 925,00/mês

Atleta internacional 1.850,00/mês

Atleta olímpico e paraolímpico R$ 3.100,00/mês

As informações completas sobre como se inscrever no programa podem ser acessadas no endereço: http://www.esporte.gov.br/snear/bolsaAtleta/. No mesmo endereço, é possível fazer a inscrição, que deverá ser complementada pelo envio dos documentos comprobatórios pelos Correios.

Bolsa atleta estadual e distritalAlém do Bolsa Atleta nacional, as secretarias de esporte estaduais também desenvolvem programas semelhantes. O objetivo é garantir ao desportista uma ajuda mensal para custear os treinamentos no próprio estado. No caso da Secretaria de Esporte do Distrito Federal, para ser beneficiado, é preciso estar registrado em algum clube ou federação, ter residência fixa do DF há, no mínimo, três anos, estar em plena atividade esportiva e ter pelo menos 12 anos. Para mais informações, os interessados devem procurar as secretarias de esporte de seus estados.

Fábio Pozzebom/Agência Brasil

Alexandre Fagundes/CJF

Ângelo dos Santos,beneficiário do Bolsa Atleta, coleciona títulos no remo

Daniel Dias,recordista de medalhas no Parapan

Revista Via Legal | Políticas Públicas 33

ASCOM/JFPR

Um erro do bemO que parecia ser um presente para mais de 80 mil famílias em todo o Brasil acabou virando uma dor de cabeça, que precisou ser decidida na Justiça Federal. Um erro no sistema da Caixa Econômica Federal creditou valores a mais nas contas de beneficiários do Bolsa Família. Meses depois, o banco resolveu descontar o que foi pago por engano, mas várias decisões judiciais consideraram que não houve má-fé das famílias e, por isso, elas não precisam devolver o dinheiro

A boa-fé é um dos princípios que norteiam o ordenamento jurídico brasileiro. É com base nela que decisões judiciais tomadas

em todo o Brasil estão impedindo a Caixa Eco-nômica Federal (CEF) de impor um desconto de 0,63% a 13 milhões de beneficiários do programa Bolsa Família. Por causa de uma falha no siste-ma do próprio banco, 82 mil famílias receberam valores a mais em setembro e outubro de 2010.

Segundo a CEF, o erro gerou um prejuízo de cerca de R$ 11 milhões. Na tentativa de re-cuperar este dinheiro, o banco enviou corres-pondências aos beneficiários com as opções de devolução: pagamento integral ou parcelado. Os primeiros descontos começaram a ser feitos em março de 2011 em prestações que variavam de R$ 5 a R$ 44. Contra a cobrança, a Defensoria Pública da União ajuizou ações civis públicas em diversos estados. Os defensores alegam que ne-nhuma família teve a oportunidade de se defen-der em processo administrativo. Eles ressaltam ainda que a cobrança afronta os princípios da ampla defesa e do contraditório, viola os deve-res de informação e a transparência na gestão de recursos públicos.

“O fundamento do pedido amolda-se à ju-risprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não cabe desconto de valores de caráter remuneratório pagos pela Administração Pública no caso de a verba ter caráter alimentar, ou seja, destinar-se a atender

às necessidades básicas de subsistência, e de ter sido recebida de boa-fé pelo destinatário”. Essas duas condições, segundo a juíza federal Vera Lú-cia Feil Ponciano, da 6ª Vara Federal de Curitiba, estão presentes no caso.

Ponciano foi uma das magistradas que proibiram o desconto. Para ela, os beneficiá-rios são pessoas simples e podem desconhecer o montante a que têm direito. “Muitas vezes elas pensam que o governo aumentou o valor. É difícil que quase 82 mil famílias tenham agi-do de má-fé”, acrescentou. A decisão da juíza paranaense beneficiou apenas as cerca de seis mil famílias que seriam descontadas no estado. Mas uma liminar com o mesmo teor foi conce-dida em dezembro pela juíza federal Alessan-dra Belfort Bueno Fernandes de Castro, da 15ª Vara Federal do Rio de Janeiro, desta vez com abrangência nacional.

Com isso, tornaram-se desnecessários pedi-dos isolados, como vinha acontecendo em todo o Brasil. E eles foram muitos. No mês de junho, o juiz federal Pedro Pereira do Santos, da 4ª Vara de Campo Grande, já havia deferido pedido de antecipação de tutela, feito pela Defensoria Pú-blica da União no Mato Grosso do Sul. Em agos-to, foi a vez da Justiça Federal no Rio Grande do Sul evitar que mais de seis mil famílias fossem obrigadas a devolver os valores recebidos. Em novembro, liminar semelhante também havia sido concedida em Minas Gerais.

Mesmo com tantas decisões contrárias, a CEF vem recorrendo com o argumento de que, mesmo o montante sendo pequeno – R$ 68 a mais por mês – alcança grande vulto se for con-siderado o conjunto. Segundo o banco, o recebi-mento indevido, ainda que tenha sido de boa-fé, não justifica o que chamou de enriquecimento ilícito dos beneficiários. De acordo com a Caixa, o problema ocorreu no momento da atualização do cadastro dos beneficiários e foi identificado no fim de outubro. Para a instituição, os descon-tos são legítimos. “Trata-se de dinheiro público, cuja quantidade e destinação não podem ser

Isabel Carvalho – Brasília (DF)

Juíza federal Vera Ponciano, de Curitiba

34 Políticas Públicas | Revista Via Legal

alteradas pela Caixa, que, nesse contexto, tem o dever de buscar o ressarcimento do que foi indevidamente pago, em prol do próprio pro-grama”, respondeu a assessoria de imprensa da instituição, ao ser questionada pela reportagem.

Outro argumento da CEF é que, uma vez descoberto o erro, o banco tentou reduzir o impacto desse desconto no orçamento das famí-lias. A proposta era fazer o desconto de forma que cada parcela não ultrapassasse 25% do valor do benefício mensal. Mas os argumentos não convenceram a Justiça. Os recursos impetrados junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região foram negados tanto pela desembargadora fede-ral Maria Lúcia Luz Leiria, que manteve a liminar gaúcha, quanto pelo juiz federal convocado Jor-ge Antônio Maurique, que confirmou a decisão da juíza federal Vera Lúcia Ponciano, do Paraná.

Conheça o programaCriado em 2003, o Bolsa Família é um pro-

grama de transferência de renda que beneficia famílias em situação de pobreza em todo o Bra-sil. O objetivo é assegurar alimentação adequa-da, segurança nutricional e contribuir para a que população mais vulnerável conquiste cidadania. De acordo com dados do Ministério do Desen-volvimento Social (MDS), gestor do programa, as mulheres formam a maior parcela dos benefi-ciários. O perfil é parecido: mães que assumem o papel de chefes de família e têm a responsabi-lidade de criar sozinhas os filhos. Por não pos-suírem emprego fixo, têm orçamento limitado e precisam da ajuda financeira.

Segundo o MDS, 13.179.472 famílias são atendidas pelo programa, que possui três eixos principais: a transferência de renda, os progra-mas complementares e as condicionalidades. Na prática, significa que, além de repassar os recursos, o governo adota medidas para que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade. Já as condições foram criadas para que o Estado possa monitorar os pais, obrigados a cuidar da educação e da saú-de dos filhos. É preciso, por exemplo, que os filhos com idade entre seis e 15 anos tenham frequência escolar mínima de 85%. No caso dos adolescentes entre 16 e 17 anos, as faltas não podem superar 25%. Os pais devem provar que os filhos de até 15 anos não trabalham e que fazem o acompanhamento do desenvolvimento das crianças menores de sete anos.

A população-alvo é constituída por famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza. As extremamente pobres são aquelas que têm renda per capita de até R$ 70 por mês. Nas

consideradas pobres, este limite varia entre R$ 70,01 a R$ 140. Além da renda, é determinan-te a presença de gestantes, mães que estejam amamentando e crianças ou adolescentes.

Desempregada e mãe de oito filhos, a dona de casa Jane Eunice Marques, do Rio Grande do Sul, está entre os beneficiários do programa. Ela conta que resolveu se informar sobre o Bolsa Família no início de 2011, depois de deixar o trabalho. Uma decisão tomada por dois motivos: ficou doente e não tinha com quem deixar os filhos mais novos, de seis e 12 anos. “Eu saía às sete horas da manhã, voltava tarde da noite. Eu não tinha mais contato com os meus filhos. Fi-quei muito doente também”, detalha.

Ela reconhece que o dinheiro faz diferença no orçamento da família. Consciente, Jane sabe que para continuar recebendo a ajuda precisa cumprir as exigências do governo, mas não re-clama. “Tem que ter as crianças na escola, levar

As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício básico e o variável, até o máximo de R$ 166 por mês. O variável para jovem, de R$ 38, é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham, sob sua responsabilidade, adolescentes entre 16 e 17 anos. A família pode acumular até dois benefí-cios, ou seja, R$ 76. As famílias em situação de extrema pobreza podem acumular o benefício básico, o variável e o variável para jovem, até o máximo de R$ 242.

Desde novembro de 2010, mulheres em situ-ação de extrema pobreza e que tenham bebês de até seis meses recebem o Bolsa Nutriz. O benefí-cio, parte do Bolsa Família, tem o objetivo de es-timular a amamentação. Outra ajuda, que chegou no mês seguinte, foi o Bolsa Gestante, liberado durante os nove meses das gestantes carentes e que tem como meta incentivar o pré-natal. De acordo com MDS, ambos terão o valor de R$ 32 – o mesmo do benefício variável.

A dona de casa Suely Fernandes, de 36 anos, acumula o benefício básico com o variá-vel. Ela tem dois filhos: Larissa, de sete, e André Luiz, de 12 anos. Ambos estão na escola e Suely usa o que recebe do programa para comprar material escolar, roupas e alimentos. Para com-por a renda, Suely vende produtos de beleza de porta em porta e também não desistiu de estu-dar. “Consegui terminar o ensino médio. Ago-ra, meu sonho é fazer faculdade de Psicologia e ver meus filhos tendo um futuro melhor que o meu. Quero que eles terminem os estudos e façam uma faculdade”, finaliza. n

no posto de saúde, pesar, consultar, medir. Tudo isso eu faço com eles”, encerra.

Em novembro, a ministra do MDS, Tereza Campello, anunciou que entre junho e setem-bro deste ano 180 mil novas famílias foram ca-dastradas no programa. A meta do governo é incluir 800 mil até dezembro de 2013. Campello anunciou ainda que o MDS pretende aumentar de três para cinco o limite de filhos beneficia-dos por família em 2012. Atualmente, o teto é de três por família.

O programa oferece três tipos de benefício: o básico, o variável e o variável para jovem. O básico, de R$ 70 mensais, é concedido às famílias em situação de extrema pobreza. O variável, no valor de R$ 32, é concedido às famílias pobres e extremamente pobres que tenham, sob sua res-ponsabilidade, crianças e adolescentes entre 0 e 15 anos, totalizando R$ 96.

Jane Eunice recebe oBolsa Família há um ano

Ana Carolina Farias/TRF4

“Muitas vezes elas pensam que o governo aumentou o valor. É difícil que quase 82 mil famílias tenham agido de má-fé”Vera Ponciano,juíza federal

Revista Via Legal | Civil 35

Os desaparecidos e a PREVIDÊNCIA

Há 18 anos, quando o marido desapare-ceu, a piauiense Maria Rosidete de Sou-za ficou desesperada. E não só por causa

da ausência de notícias ou da perda do compa-nheiro. A diarista também tinha de conviver com a falta de dinheiro e com a dificuldade para criar a única filha do casal, de apenas três anos. “De repente, era só mesmo a minha renda, eu não contava com mais nada dele. Fui ao escritório da firma onde ele trabalhou e não me deram nem o pagamento dele daquele mês, não me adian-taram nada”, recorda. A realidade começou a mudar depois que ela procurou um advogado e descobriu que, como o esposo contribuía para a Previdência Social, poderia solicitar uma pensão do INSS. Mas, para isso, a diarista precisou pedir na Justiça uma declaração da morte presumida do marido desaparecido.

De acordo com o Instituto de Segurança Pública, só ano passado 5.473 pessoas desapare-ceram no Estado do Rio de Janeiro, onde Maria Rosidete esperava construir a vida ao lado do companheiro desaparecido, Raimundo Nonato. No dia seguinte ao sumiço dele, a diarista fez uma maratona por hospitais e o Instituto Médico Legal, mas não conseguiu nenhuma informação. Diante da falta de notícias, ela resolveu registrar Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia do bairro. O documento foi fundamental na hora de solicitar judicialmente a declaração da morte presumida. “O juiz mandou expedir ofício para vários órgãos. Ofícios de praxe para o IML, para verificar se ele não estava preso, se declarou Imposto de Renda. Todos eles vieram negativos. Diante das provas produzidas e, considerando que o fim era exclu-sivamente previdenciário, o juiz então declarou a morte do cônjuge dela por meio de uma senten-ça”, explica Jocelino Lopes, advogado de Maria.

De acordo com a Lei 8.213/91, que rege os benefícios previdenciários, a declaração de au-sência tem validade a partir da data da sentença. Com a emissão do documento pelos tribunais, o segurado pode solicitar a pensão junto ao INSS.

O gerente executivo do INSS no Rio de Janeiro, Fernando Mascarenhas, explica que o pedido de pensão só pode dispensar a decla-ração de morte presumida em casos de cala-midades provocadas por alterações climáticas. Um exemplo foi a tragédia que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro no início de 2011. “Numa situação como essa, eu não dependo de sentença judicial ou de prazo. Não tenho dependência nenhuma. Eu só preciso do re-gistro de ocorrência e de outros relatórios que são elaborados pela polícia”, explica, comple-tando que quem perdeu algum parente nessas situações pode solicitar que seja declarada a morte presumida e, consequentemente, libera-da a pensão por morte. Nesses casos, como se trata de uma situação temporária, o beneficia-do fica obrigado a comparecer a um posto da Previdência Social de seis em seis meses para comprovar que não houve resgate e que estão sendo adotadas as providências necessárias para a declaração da ausência.

No caso da diarista, como ela conseguiu a declaração da morte presumida do marido na Justiça Federal, o pagamento da pensão está garantido sem que ela precise comparecer pe-riodicamente ao INSS. Superadas as questões legais, a maior dificuldade enfrentada por ela agora não é material, mas ligada aos sentimen-tos. Maria Rosidete conta que não tem sido fácil superar as saudades do companheiro. “Aquele vazio fica sempre. Porque fica aquela interroga-ção: o que aconteceu?”, lamenta. n

No Código Civil, Lei 10.406/2002, estão previstos três tipos de morte: a real, a presumida com declaração de ausência e a presumida sem declaração de ausência.

A morte real é a mais comum e ocorre quando o corpo é localizado e a certidão de óbito é feita sem problemas pelos cartórios.

A presumida com a declaração de ausência ocorre quando a pessoa desaparece sem deixar vestígios. Os parentes devem procurar a Justiça que, após uma investigação, poderá decretar a morte para efeitos de herança e de benefícios previdenciários, por exemplo.

Já a presumida sem a declaração de ausência é possível, de acordo com o artigo 7º da norma, quando for extremamente provável a morte de alguém que estava em perigo ou nos casos de prisioneiros de guerra, dois anos após o término do conflito.

No Brasil, foram oficialmente declaradas mortas as pessoas que desaparecem no período entre 02/09/61 e 15/08/79, quando vigorou no País a Ditadura Militar. Se um desaparecido voltar, ele recupera os direitos civis e sobre o patrimônio.

Saiba mais

Conseguir uma pensão ou a partilha de bens de um parente desaparecido sem o atestado de óbito é quase impossível. A solução pode ser pedir na Justiça a declaração da chamada“morte presumida”.

Denise Moraes – Rio de Janeiro (RJ)

Maria Rosidete, ao lado da filha e do marido desaparecido

Arquivo pessoal

36 Faça como ele | Revista Via Legal

Por uma paternidade plenaLevou um bom tempo para as leis brasileiras reconhecerem: a mulher que adota uma criança também tem direito à licença maternidade. Agora, os homens solteiros que encaram o desafio de cuidar de uma criança também querem o benefício

Eu não estou defendendo apenas a minha relação com meus filhos. Quero provar os benefícios e a importância da adoção”. A

afirmação é do servidor público de Feira de San-tana (BA), Ricardo Sampaio. Ele foi o primeiro brasileiro a garantir na Justiça o direito de ficar 90 dias afastado do trabalho dedicando-se ao fi-lho adotivo, e já se prepara para uma segunda batalha, já que hoje é tutor de outro menino. A história do analista do INSS ilustra uma realida-de que, embora ainda esteja restrita a um núme-ro pequeno de pessoas, evidencia o tratamento diferenciado que o País concede a mulheres e homens adotantes.

Esta história começou em 2008, quando Ricardo adotou um menino de quatro meses. A mãe do garoto, então com 14 anos, não tinha condições de criar a criança e concordou em entregá-la ao servidor público. “Na época, não havia na cidade ninguém na fila de espera para adotar, por isso o processo foi relativamente rápido”, recorda. Oficializada a adoção, Ricardo solicitou ao INSS o direito ao benefício conce-dido às servidoras que adotam. Ele tomou por base a Lei 8.112/90, norma que disciplina a atu-ação dos servidores públicos. “Eles negaram e decidi acionar a Justiça Federal”, explica.

No processo – instaurado inicialmente em uma vara comum e depois transferido a um juiza-do especial federal –, o pai adotivo argumentou que, se a servidora pública que adota uma criança tem direito a três meses de licença-maternidade, mesmo não tendo a necessidade de se recuperar do parto e sem estar amamentando, o pai solteiro também deveria ter essa garantia já que, da mes-ma forma, precisa se adaptar à nova situação. E ele vai mais longe. “A mulher que engravida tem nove meses para se acostumar com a chegada de uma nova pessoa à família e tem quatro meses de licença. Não há justificativa para um tratamento diferente a quem adota e precisa se acostumar a essa nova realidade e construir laços”, analisa.

fizeram uma aplicação por analogia do artigo 210 da norma em vigor há 21 anos, segundo o qual, “à servidora que adotar ou obtiver guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, serão conce-didos 90 (noventa) dias de licença remunerada”.

O mesmo trecho da lei traz outra informa-ção questionada pelo analista baiano. Segundo o parágrafo único do mesmo artigo, em casos de adoção ou guarda judicial de criança com mais de um ano, o afastamento será de 30 dias. “Eu considero um absurdo reduzir o prazo, justa-mente quando o pai ou a mãe está levando para casa uma criança mais velha, que normalmente já vem de um lar desfeito e que pode ter mais resistência e dificuldades para construir essa nova relação familiar”, dispara, adiantando que pretende pedir a inconstitucionalidade da norma. “Eu só estou aguardando a adoção do meu segundo filho para fazer um novo pedido de licença, e desta vez vou pedir também que a Justiça acabe com essa distorção”, avisa.

O menino tem uma doença cardíaca e pre-cisou ficar 19 dias internado depois de ser reti-rado da mãe, acusada de maus tratos pelo Con-selho Tutelar. Nesse caso, a tutela antecipada – o processo de adoção ainda está em andamento – foi concedida a Ricardo com base no artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O menino hoje vive com o servidor e o irmão. Ri-cardo conta que tem a ajuda de uma babá e uma governanta para cuidar das duas crianças.

O psicólogo da Vara da Infância e Juventu-de de Brasília, Walter Gomes, concorda com a reivindicação dos pais adotivos, ressaltando que, para quem ganha um novo lar, esse tempo de convívio é fundamental. “Uma criança acolhida em adoção já carrega uma história prévia de ruptura de vínculo, por isso é necessário que ela tenha um tempo maior junto à família sócio-afetiva que vai acolhê-la para que o vínculo seja construído com competência”, diz. “E essa figu-ra independe do gênero”, completa. n

Viviane Rosa – Feira de Santana (BA)

Arquivo pessoal

A primeira decisão judicial foi favorável a Ri-cardo, mas o INSS recorreu e o processo aguarda um novo julgamento, desta vez na Turma Recur-sal da Bahia. No entanto, graças ao instrumento jurídico chamado “reversibilidade da matéria”, mesmo com o recurso do Instituto, ele foi auto-rizado a ficar os três meses afastado do trabalho. “O juiz entendeu que, como eu tenho um vín-culo com a União, mesmo que eu perca a ação, ela pode descontar este período, seja nas férias ou mesmo na época da aposentadoria”, afirma. O analista ficou sem trabalhar nos meses de de-zembro de 2009, janeiro e fevereiro de 2010.

Distorções legaisEmbora saiba que faz parte de uma minoria,

Ricardo Sampaio comemora o fato de estar au-mentando o número de homens solteiros que resolvem adotar uma criança e, mais ainda, a constatação de que eles estão dispostos a brigar pelo direito à licença. “Eu tenho conhecimento de um servidor do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) em Campinas e um do TJ (Tribunal de Justiça) de Pernambuco que conseguiram a licença na esfera administrativa”, conta. No caso desses servidores, os responsáveis pelos órgãos

“Eu só estou aguardando a adoção do meu segundo filho para fazer um novo pedido de licença,...”Ricardo Sampaio

Revista Via Legal | Tributário 37

Seu garçom, faça o favor...Quem está acostumado a frequentar bares e restaurantes quase nunca escapa da popular gorjeta. O que a maioria das pessoas não sabe é que, dependendo da forma de pagamento, essa taxa de serviço vira um problema tributário. Foi necessária uma decisão da Justiça Federal em São Paulo para que os bares e restaurantes do estado ficassem livres dos impostos cobrados sobre a gratificação

Se para o empresário brasileiro já é difícil pagar todos os tributos previstos em lei, imagine a sensação de quem é forçado a

assumir uma conta que não é sua. É exatamente isso que vinha acontecendo com os donos de bares e restaurantes de São Paulo. Eles estavam sendo obrigados a recolher quatro impostos sobre os valores pagos a título de gorjeta pelos clientes. O setor precisou recorrer à Justiça para se livrar da despesa que a Receita Federal insistia em cobrar e que, na verdade, apenas reflete um comportamento do mercado.

Por lei, os consumidores não são obrigados a pagar os famosos 10% sobre o valor da conta. Na prática, no entanto, a maioria não se recusa a contribuir, principalmente quando o atendimen-to é bom e o garçom se comporta de forma pres-tativa e atenciosa. Também é fato que, na hora de acertar a conta, um número cada vez maior de pessoas prefere usar o cartão para quitar os dois débitos: aquele referente ao consumo propriamente dito e o acréscimo destinado aos trabalhadores do estabelecimento. O problema é que, neste caso, os dois valores entravam no

Erica Resende e Carolina Villacreces - São Paulo (SP)

38 Tributário | Revista Via Legal

faturamento da empresa. Resultado: a União acabava abocanhando parte do dinheiro.

A situação não é recente e sempre gerou reclamações entre os comerciantes. Valter San-ches, dono de uma choperia, está entre os que se dizem prejudicados: “A maioria dos clientes usa o famoso dinheiro de plástico. Então, te-nho que pagar a taxa da administradora sobre a gorjeta e também os impostos no final do mês, no faturamento geral da empresa”, afir-ma, defendendo em seguida a oficialização da cobrança. “Tem que ser regulamentada. Porque ela é facultativa e tem gente que paga e gente que não paga. E o imposto vem pra cima de mim, não é facultativo, eu tenho que pagar do mesmo jeito”, dispara.

O advogado da Associação Brasileira de Ba-res e Restaurantes de São Paulo (Abrasel- SP), Percival Maricato, defende a posição do setor. “O empresário não pode pagar tributos sobre um dinheiro que é repassado aos funcionários”, ale-ga. Ele acrescenta ainda que a insistência da Re-ceita Federal não atinge apenas o bolso dos do-nos dos estabelecimentos. Segundo o advogado, alguns comerciantes retêm parte da gorjeta para pagar o fisco, outros preferem esconder o rece-bimento, registrando o valor como “troco”. E há ainda os que decidem arcar com a despesa, re-passando os 10% para os funcionários sem fazer nenhum desconto.

Na tentativa de se livrar da conta que con-siderava irregular, a entidade levou a discussão à Justiça Federal. A iniciativa deu resultado. Em uma decisão provisória, o juiz federal Marco Au-rélio de Mello Castrianni, titular da 1ª Vara Cível de São Paulo, explicou que, como por lei os valo-res arrecadados com a gorjeta devem ser repas-sados aos funcionários, eles não podem entrar no faturamento das empresas e, claro, na base de cálculo dos tributos. Com esse entendimen-to, a União fica proibida de cobrar os seguintes tributos sobre essa taxa de serviços: Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), Contri-buição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro (CSL).

A Receita Federal já avisou que vai recor-rer da determinação judicial, mas se a ordem for mantida, os empresários também poderão receber de volta os valores pagos entre 2000 e 2010. “São mais de 15 mil estabelecimentos de São Paulo que estão livres de pagamentos de impostos sobre os 10%. Nós queremos re-gulamentar a isenção e a nossa proposta é que seja estendida para outras cidades do Brasil. O

objetivo é que o dinheiro vá diretamente ao funcionário”, resume Percival.

A visão de quem recebePara quem ganha a vida trabalhando em

bares e restaurantes, a gorjeta representa um acréscimo significativo nos vencimentos. O gar-çom Claudiomício Nascimento Leal, por exem-plo, diz que o importante é ter muita simpatia e força de vontade. “Quem paga o nosso salário são os clientes. Como o pagamento é opcional, temos que caprichar para sempre dar um bom atendimento. Tudo para conseguir a gorjeta”, explica. Para o maitre Davi Alves, o segredo está no empenho de todos da equipe. “Tudo tem que funcionar bem. Desde a pessoa que lava os pratos, o cozinheiro que prepara a comida, o garçom que serve e assim por diante. O cliente observa todos esses aspectos e assim ele se sen-te em casa. Se ficar satisfeito, ele faz questão de retribuir com uma gorjeta”, explica Davi.

Comissão administra taxa de serviço

Um bom exemplo de administra-ção e divisão da gorjeta acontece no Genuíno Bar e Choperia, localizado no bairro de Vila Mariana, uma das regiões mais movimentadas de São Paulo. De-pois de um acordo com o proprietário, os garçons criaram uma comissão para cuidar do dinheiro, que é distribuído entre todos os funcionários da casa. “Todo o faturamento é fechado sema-nalmente. E as gorjetas são divididas de acordo com a função de cada um e distribuídas toda quarta-feira”, explica Gilvandro Andrade, que é garçom e responsável pela comissão.

Davi Jesus Santos, que também é garçom, confirma que a quarta-feira é o dia da gorjeta. “É muito importante termos essa comissão. Assim, é possível acompanhar tudo o que foi vendido. E tudo isso se reflete no nosso trabalho”, comemora Davi, que trabalha no local há nove anos.

Mas, pelo menos por enquanto, vale a palavra do cliente. A maioria faz questão de dizer que pagar ou não a taxa de serviço depende da qualidade do atendimento. “Tudo começa tendo uma boa recepção, até a hora de ir em-bora. Então, tendo um diferencial, di-zendo o que a casa tem de melhor, um sorriso no rosto, vale sempre a pena re-tribuir toda essa atenção”, explica Luiz Lima, cliente do restaurante.

De acordo com a legislação trabalhista, a gratificação faz parte da remuneração dos gar-çons. O problema é que nem sempre esse di-nheiro é repassado aos funcionários. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores de Hotelaria e Gastronomia de São Paulo, Sinthoresp, cerca de 90% dos pagamentos realizados nos estabe-lecimentos comerciais são feitos com cartões ou cheques, o que condiciona à boa vontade do patrão a transferência para quem realmente tem direito à gorjeta.

O presidente do Sinthoresp, Francisco La-cerda, também reforça que, na maioria das ve-zes, a taxa de 10% é incluída no pagamento total da conta. “O garçom teria que ter informações sobre o faturamento da casa. Mas, com exatidão, não é possível fazer essa apuração. Só quem tem isso é o empresário. Então é possível manipular esses números e não repassar o devido valor de gorjeta para o trabalhador”, reclama. n

“O empresário não pode pagar tributos sobre um dinheiro que é repassado aos funcionários”

Davi Jesus Santos,garçom no

Genuino Bar e Choperia

Roberta Coelho/Abrasel-SP

Percival Maricato

Revista Via Legal | Tributário 39

FUTUROLivros do

Uma decisão inédita da Justiça Federal em São Paulo determinou que os leitores eletrônicos de livros sejam isentos de tributos, assim como as obras literárias impressas. A polêmica também já chegou ao Congresso Nacional, onde tramita projeto de lei que pretende ampliar a lista de suportes equiparados a livros

Bianca Nascimento – Brasília (DF)

Unive

rsity

Wisc

onsin

/USA

Praticidade e portabilidade são os princi-pais atrativos dos chamados e-readers – suportes eletrônicos criados para leitura

digital dos e-books. Mais de quatro mil títulos nacionais e 200 mil estrangeiros já estão dis-poníveis para download em sites brasileiros. Contudo, esses modernos aparelhos custam de R$ 200 a R$ 1 mil, cerca de três vezes mais do que nos Estados Unidos, por exemplo. O alto preço está relacionado aos impostos que incidem sobre o produto – que ainda não é fabricado no Brasil. Esta realidade pode mudar

em breve, pois uma decisão recente e inédita da Justiça Federal em São Paulo autorizou a importação dos leitores de livros digitais sem o peso desses tributos.

O empresário Ricardo Nakatani, que tra-balha na importação de leitores de e-books para revender a grandes lojas e livrarias, foi o beneficiado com a decisão. Ele conta que de-cidiu recorrer ao Poder Judiciário por não se conformar com a alta carga tributária desses equipamentos. Para ele, como a Constituição Federal garante a isenção de tributos aos livros

de papel, é necessário ampliar esse benefício às obras digitais, a fim de democratizar e po-pularizar a leitura em plataformas eletrônicas.

“Uma barreira para massificar o uso do lei-tor é o preço. Se a isenção dos livros impressos fosse aplicada, esses aparelhos poderiam cus-tar até 50% menos. Buscamos o crescimento da leitura eletrônica e, com a imunidade tributária dos leitores de e-books, todos terão acesso fácil aos conteúdos digitais”, argumentou o empre-sário, cuja principal intenção é reduzir o repas-se dos encargos aos consumidores finais.

40 Tributário | Revista Via Legal

ma. No caso em questão, a função é manifestar o pensamento, promover a educação, cultura e livre expressão”, concluiu Tiago Dias.

Difusão do conhecimentoO uso da tecnologia, como aquela utilizada

em leitores de livros digitais, facilita o aprendiza-do e a disseminação das fontes de informação e conhecimento para um número cada vez maior de pessoas. Por isso, o professor de Tecnolo-gia da Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando Arbache, não utiliza mais papel e disponibiliza todos os textos no seu blog de educação empresarial intitulado ‘Arbache Treina-mento e Jogos de Negócios’, disponível no ende-reço eletrônico www.arbache.blogspot.com.

Segundo ele, a atual legislação brasileira é contraditória com relação ao tema e não esti-mula a democratização do acesso à produção intelectual. “Essa lei é completamente absurda

Muito além do texto constitucional

Imposto sobre produtos industrializados (IPI)

Programa de Integração Social (PIS)

Imposto de importação (II)

Valores aproximados obtidos no site da Receita Federal e sujeitos à alteração

Valores das alíquotas dos impostos federais sobre o leitor de e-books

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)

14%

15%

1,65%

7,6%

tuição. Esses aparelhos não são iguais a um ta-blet, são específicos para leitura de livros, jornais e periódicos”, afirma.

Ao acolher o pedido de Ricardo Nakatani, o juiz federal Tiago Dias utilizou o princípio da analogia para aplicar a legislação. “A interpreta-ção restritiva da Constituição poderia levar ao entendimento de que a imunidade tributária valeria apenas para os livros de papel. A finali-dade da desoneração é exatamente que ele seja difundido, utilizado ou comercializado mais facilmente. O mesmo acontece com o leitor de livro eletrônico. A ideia é esse aparelho ter um preço menor também para que as pessoas tenham acesso. Foi nesse sentido que acolhi o argumento da empresa”, explicou.

Em sua sentença, o juiz federal também afirma que o texto da Carta Magna deve ser adaptado às mudanças da sociedade. “A Cons-tituição não deve ser lida como se congelada no tempo. Muito pelo contrário, sua máxima efetividade depende de constante evolução interpretativa, conforme o prisma histórico-cultural em que se concretiza (...). Assim, por livro se entende tanto o clássico texto escrito, como também os textos postos em forma ele-trônica ou relatados em áudio, bem como seus suportes”, resumiu.

O magistrado sustentou ainda que esses aparelhos possuem a finalidade específica de servir como suporte moderno e atual para lei-tura e armazenamento de livros eletrônicos. Dessa forma, com a decisão, a empresa pode adquirir essas mercadorias sem o recolhimento de impostos. “O Supremo Tribunal Federal já tem jurisprudência consolidada de que a imuni-dade é extensiva conforme a finalidade da nor-

Interpretar a Constituição não é tarefa fácil para os magistrados, ainda mais quando o as-sunto envolve conceitos abstratos, como conhe-cimento e conteúdo. Além disso, a tecnologia apresenta diariamente novos recursos e apare-lhos para ampliar as facilidades de conexão dos consumidores com as diversas fontes de infor-mação. E, sendo o texto constitucional anterior a toda essa revolução digital, muitos operadores do Direito defendem a ampliação e a adaptação de algumas normas aos dias atuais.

A advogada do caso, Josefa Ferreira, susten-ta que a isenção de impostos deve ser estendida aos leitores de e-books com base no artigo 150 da Carta Magna. “O leitor de livro digital é, na realidade, um livro, só que eletrônico. Sendo um livro, não deveria ser taxado, como diz a Consti-

Ricardo Nakatani, autor do pedido de isenção tributária para os e-readers

Juiz federal Tiago Dias:“por livro se entende tanto o clássico texto escrito como também os textos

postos em forma eletrônica”

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Revista Via Legal | Tributário 41

Federal, o projeto já representa um avanço na forma como a lei trata a produção editorial. De acordo com a norma vigente, o livro é definido como “publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer forma e acabamento”.

Para o autor da proposta, esse conceito remonta à época de Gutemberg – em referên-cia ao gráfico alemão que introduziu a forma moderna de impressão de livros – e não teria aplicação no mundo contemporâneo. “Temos que considerar que hoje a transferência de co-nhecimento é feita de forma maciça por meio da internet, dos livros eletrônicos e dos aparelhos para visualizá-los. Por isso, o nosso projeto, além de modernizar a legislação, facilita o acesso ao livro e ao conhecimento por um custo mais re-duzido”, ponderou o parlamentar.

O relator do projeto na CAE, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), também defende que a isen-ção seja estendida aos leitores de e-books. “Cabe considerar que, tendo em vista as inovações tecnológicas, faz sentido definir como livro as re-feridas novas mídias e as publicações em braile, estendendo a elas a imunidade tributária. Desse ponto de vista, nada há a obstar. Da mesma ma-neira, é recomendável que se estenda a equipa-ração a livro aos equipamentos cuja função ex-clusiva ou primordial seja a leitura de textos em formato digital”, declarou em seu parecer.

Caso seja aprovado pelo Senado e pela Câ-mara, o projeto seguirá para sanção presiden-cial. Depois que entrar efetivamente em vigor, qualquer cidadão poderá adquirir leitores de e-books pela metade dos preços praticados atu-almente, pois os aparelhos estarão isentos do pagamento de impostos federais e estaduais. “A

TABLETS – computadores pessoais portáteis do tipo prancheta, com diversas funcionalidades, que vão desde a simples leitura de livros, revistas e jornais até o acesso a jogos, redes sociais, e-mail, internet. Alguns dispositivos também dispõem de câmera digital e aplicativos de áudio e vídeo.

LEITORES DE E-BOOKS – aparelhos destinados exclusivamente à leitura de livros, revistas e jornais, em formatos digitais, como PDF ou TXT. Os modelos mais conhecidos dispõem apenas de entrada USB. Contudo, algumas marcas já lançaram versões que permitem acesso à internet via Wi-fi, somente para download de arquivos de texto.

quando se trata de conhecimento. Tributar co-nhecimento acaba por reduzir a possibilidade de o País crescer. Esses leitores de e-books pos-suem uma portabilidade muito grande e o con-ceito de livro virtual já pegou no mundo todo”, criticou o especialista.

Alteração da Política Nacional do Livro

Com o objetivo de eliminar a incidência de impostos sobre os leitores de e-books, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) apresentou o Projeto de Lei 114/2010, que propõe a alteração da Lei 10.753/2003, que instituiu a Política Nacional do Livro. O texto atualiza a definição tradicional de livro e abrange as novas tecnologias, a fim de promover acessibilidade. Dessa forma, a proposta inclui equipamentos cuja função exclusiva ou pri-mordial seja a leitura de textos em formato digital.

Atualmente em tramitação na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CAE) do Senado

ideia é fazer com que o Governo Federal aceite que livros não precisam ser feitos exclusivamen-te de papel”, pontuou o senador Acir Gurgacz.n

APRENDA A DIFERENCIAR

Segundo reportagem divulgada pelo portal da Agência Brasil, o ministro da Educação, Fernando Haddad, anunciou durante a 15ª Bienal do Livro, realizada em setembro, que irá distribuir, a partir de 2012, tablets para as escolas públicas, a fim de universalizar o acesso dos alunos à tecnologia. A iniciativa conta com a parceria e o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia. De acordo com Haddad, o edital para a compra dos equipamentos seria publicado até o fim de 2011. “Nós estamos investindo em conteúdos digitais educacionais. Temos portais importantes, como o Portal do Professor e o Portal Domínio Público. São 13 mil objetos educacionais digitais disponíveis, cobrindo quase toda a grade do ensino médio e boa parte do ensino fundamental”, afirmou.

Tecnologia para educarSenador Acir Gurgacz,autor de projeto de lei que altera a definição tradicional de livro

Waldemir Barreto/Agência Senado

42 Decisões Históricas | Revista Via Legal

Vítimas da guerraEmbora tenha sido a menor embarcação atacada pelos submarinos nazistas, o afundamento do Changri-lá suscitou uma série de pesquisas e investigações dentre os especialistas na literatura naval brasileira, o que levou, quase 60 anos após o final da guerra, à descoberta da real causa de seu naufrágio, cujos efeitos ainda hoje repercutem nos tribunais brasileiros

O pequeno navio tinha casco de madeira e media 9,5 metros de comprimento por apenas 2,85 de largura. O motor de 28 cavalos não garantia mais do que sete nós de velocidade, o

equivalente a menos de 13 quilômetros por hora. No dia 4 de julho de 1943, o Changri-lá partiu da costa de Arraial do Cabo, no norte fluminense, pilotado pelo experiente mestre José da Costa Marques, de 50 anos. Ele levava uma tripulação de nove jovens para um mês de pescaria em alto-mar. Nunca mais voltou.

A investigação realizada na época analisou os poucos destroços de madeira que chegaram boiando à praia alguns dias após a partida do Changri-lá, mas não conseguiu descobrir a causa do naufrágio. Nenhum corpo foi encontrado. Para a perícia, o naufrágio poderia ter sido causado por uma tempestade ou por falha humana. Enfim, o destino do Changri-lá teria sido selado pelo que, no jargão das com-panhias de seguro, é chamado de “fortuna-do-mar”, ou seja, qualquer ocorrência fortuita que acarreta dano à embarcação, ou mesmo a sua

perda. Diante da falta de explicações, o Tribunal Marítimo (TM), vin-culado ao então Ministério da Marinha, arquivou o caso em 1944.

Parecia que o mistério ficaria mesmo sem solução. Mas graças ao resultado de pesquisas independentes conduzidas pelo escritor e historiador Elísio Gomes Filho, autor do livro Histórias de Céle-bres Naufrágios do Cabo Frio, o caso foi reaberto 55 anos depois do arquivamento, em 1999. Em 2001, o TM acatou a tese de que o Changri-lá foi afundado a tiros de canhão em 22 de julho de 1943. O responsável pela tragédia teria sido o submarino alemão U-199, um dos mais modernos e poderosos u-boat da esquadra nazista.

As evidências que esclareceram a história do Changri-lá foram encontradas em arquivos da Marinha dos Estados Unidos da América (EUA). Na papelada havia depoimentos dos alemães, que foram cap-turados em águas brasileiras após o submarino em que navegavam ter sido destruído por caças aliados, em uma operação conjunta entre Brasil e EUA. Em um dos documentos, o capitão Hans Werner Kraus,

Assessoria de Comunicação Social do TRF 2ª Região

Revista Via Legal | Decisões Históricas 43

levado como prisioneiro de guerra para os EUA, admite ter disparado tiros de canhão contra uma embarcação nas exatas coordenadas em que se encontraria o Changri-lá, logo após ter zarpado do litoral fluminense.

Em 2004, os nomes das vítimas, que na época tinham entre 16 e 22 anos, foram inscritos no Pan-teão dos Herois de Guerra, em uma cerimônia realizada no Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no aterro do Flamengo (RJ).

Indenização negadaO reconhecimento não impediu que os

descendentes dos pescadores ajuizassem ações na Justiça Federal do Rio de Janeiro ( JFRJ) con-tra os governos brasileiro e alemão, pleiteando indenizações por danos morais e materiais. Um dos pedidos que chegou aos tribunais foi o dos descendentes do pescador Joaquim Mata de Na-varra. No processo, os cinco autores alegaram que a demora da União em reconhecer a condi-ção de Joaquim como ex-combatente teria feito com que eles passassem privações.

O argumento não convenceu nem o juiz que decidiu o caso em primeira instância e nem o desembargador federal José Antonio Lisbôa Nei-va, relator da apelação apresentada pela família no TRF da 2ª Região. Lisbôa Neiva lembrou que o Tribunal Marítimo tem competência para julga-mentos que tratam de incidentes da navegação, mas não para reconhecer e qualificar ex-comba-tentes e, tampouco, para conceder pensões.

O desembargador também ressaltou que a classificação como ex-combatente, nos termos da lei, depende de que o interessado comprove sua participação efetiva em operações bélicas como integrante das Forças Armadas durante a Segunda Guerra Mundial. Este não foi o caso da tripulação do Changri-lá. Por fim, o relator levou em conta que os autores do processo,

todos sobrinhos de Joaquim Navarra, não de-monstraram a dependência econômica que afirmaram ter do pescador. Em seu parecer, o Ministério Público já havia deixado claro que o pedido não deveria ser aceito. Um dos trechos do documento é taxativo: “sua alegada ‘dor mo-ral’ certamente terá se dissipado com o trans-curso de mais de meio século, sem embargo do zelo pela memória do morto, que parece ani-mar os patronos da presente lide”.

U-199, o Lobo Cinzento Com o objetivo de bloquear o envio de ma-

téria-prima que pudesse ser usada pelos aliados, no final de 1942, a Alemanha começou a lançar novos submarinos. Um deles foi o U-199, consi-derado de última geração. Era capaz de executar patrulhas de ataque em regiões afastadas do Atlântico Sul.

Chamado de “Lobo Cinzento”, o U-199 era pintado no estilo camuflado nas cores cinza-cla-ro, marrom e azul cobalto, e tinha na sua torre

o desenho de uma embarcação viking. Partiu de Kiel, em 13 de maio de 1943, chegando à sua área de patrulhamento, ao sul do Rio de Janeiro, em 18 de junho.

Além de afundar o Changri-lá em 22 de julho de 1943, também é atribuído ao U-199 o dispa-ro de três torpedos contra o cargueiro artilhado norte-americano Charles Willson Peale, da Clas-se Liberty, a 50 milhas ao sul do Rio de Janeiro, em 27 de junho. Em outra ação, o submarino abateu o hidroavião PBM 3 Martin Mariner do VP-74, comandado pelo tenente Harold Carey, matando toda a tripulação. Em sua última inves-tida, em 24 de julho, afundou o cargueiro inglês Henzada, de 4.000 toneladas.

Uma semana depois foi a vez do U-199 ser atacado. Era o fim do “Lobo Cinzento”, primei-ro submarino do tipo IXD2 a ser afundado na II Guerra Mundial. Sobreviveram 12 tripulantes, resgatados pelo navio americano USS Barnegat, e encaminhados a uma unidade prisional em Re-cife e, posteriormente, aos Estados Unidos. n

Pescadores ajudaram a vigiar o mar brasileiroEm 1919, 20 anos antes do início da Segunda Guerra Mundial, a Marinha do Brasil já enxergava a importância estratégica dos pescadores para a defesa nacional. Naquele ano, foi criada a Diretoria de Pesca e Saneamento do Litoral, que incorporou a prática pesqueira na área de influência militar, com a justificativa de que a experiência de quem tira seu sustento diário do mar pode ser útil para atividades como a vigilância da costa e das águas territoriais e a varredura de minas, bem como para a formação de quadros de reserva da Marinha. Ao longo da guerra disputada entre os Aliados, comandados pelos EUA, e o Eixo liderado pelos nazistas, os navios de pesca foram largamente usados com esse propósito. Qualquer avião ou navio avistado deveria ser notificado à capitania dos portos local. Em 22 de agosto de 1942, data em que o Brasil declarou guerra ao Eixo, havia cerca de 75 mil pescadores cadastrados nas colônias de pesca do País.

CapitãoHans Werner Kraus

Foto real do ataque aoSubmarino U-boat 199 alemão,

primeiro submarino do tipo IXD2a ser afundado na II Guerra Mundial

Brasilmergulho.com Blog Francisco Miranda

44 Direito do Consumidor | Revista Via Legal

Respeito ao

consumidorNão são poucas as dificuldades enfrentadas pelos clientes das operadoras de celular. Na Paraíba, a situação ficou tão grave que chegou à Justiça Federal. A ordem é para que as empresas cumpram o Código de Defesa do Consumidor e sejam transparentes na hora de atrair clientes

Apenas nos três primeiros meses de 2011, mais de 7,5 milhões de novas linhas de telefone celular entraram em operação no

Brasil. Mas o crescimento, que reflete o melhor desempenho do setor nos últimos 11 anos, não parece ter vindo acompanhado de um ganho na qualidade do serviço. Não é de hoje que as ope-radoras de telefonia lideram as listas de reclama-ções nos Procons de todo o País. A Agência Nacio-nal de Telecomunicações (Anatel) também tem sido acionada por consumidores insatisfeitos. Dados disponíveis no site da agência reguladora revelam que, apenas no mês de julho deste ano, foram 74.248 queixas – isto considerando apenas seis empresas. Uma parte significativa dessas re-clamações também vira processo judicial.

A lista de motivos para a insatisfação dos usuários é longa: vai da cobrança indevida à per-da do sinal, passando pela propaganda enganosa na hora de lançar promoções. A exemplo do que ocorre em boa parte do País, no Estado da Para-íba é possível comprar uma linha de celular do modelo pré-pago em cada esquina. E é também no meio da rua, em questão de minutos, que o futuro cliente conhece as regras do que prome-te ser um bom negócio. O problema é que, mui-tas vezes, as facilidades vendidas pela empresa acabam não se confirmando no dia a dia.

O que atraiu Conceição Marsicano, que mora em João Pessoa, foi a promessa de que, aderindo ao plano “3 Prediletos Tim”, ela teria condições especiais em ligações para três núme-ros cadastrados no sistema da operadora. Bas-tava fazer uma recarga equivalente a R$ 20 em um mês para obter o benefício de 500 minutos mensais nas chamadas feitas no mês seguinte para os números escolhidos.

No primeiro mês não houve problema. A cliente conta que desfrutou do que previa a promoção. A alegria, porém, durou pouco. Já no

mês seguinte, mesmo tendo inserido os crédi-tos, conforme orientação da empresa, não teve descontos nas ligações. Uma dor de cabeça que não foi solucionada nem quando, por mais de uma vez, procurou a operadora. Ela afirma ter recebido informações desencontradas todas as vezes que ligou para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). “A empresa não pode, simplesmente, lançar uma promoção e, ela pró-pria, não ter noção dos termos”, afirma. Ela ga-rante que não sabia, por exemplo, quando exa-tamente deveria recarregar os créditos da linha pré-paga para ter acesso aos benefícios.

Direito asseguradoO especialista em Direito do Consumidor,

Helton Renê, ressalta que o episódio vivido por Conceição não é um caso isolado. “As informa-ções são dadas de forma obscura, que levam a uma dubiedade”, afirma. O advogado explica que a melhor opção para quem ficou insatisfeito é exigir o cumprimento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), seja junto à empresa, ao Procon ou na Justiça. “O próprio dispositivo do Código já garante: numa dubiedade de informa-ção, a decisão é pró-consumidor”, destaca.

Conceição começou tentando negociar com a empresa por meio do call center – mas não deu certo. “A gente encontra dificuldade no acesso. Elas limitam, não falam. E, quando falam, a maio-ria das pessoas que atende não tem compromis-so, trata o consumidor como se fosse ninguém”, constatou. Diante da falta de respostas, acionou a esfera judicial. E sabendo que outros clientes enfrentam situação semelhante, Conceição, que é juíza estadual, resolveu levar o caso ao Ministério Público Federal (MPF). Foi o início de uma ação civil pública julgada na 1ª Vara Federal na Paraíba.

O processo foi analisado pelo juiz federal João Bosco Medeiros de Sousa. Em um dos tre-

chos da sentença, o magistrado ressaltou a im-portância da divulgação de informações claras e objetivas. “No sistema consumerista, o fornece-dor de serviço detém o ônus de prestar infor-mações adequadas e esclarecimentos sobre pro-dutos e serviços oferecidos aos consumidores, cuidando para que as regras contratuais sejam claras, precisas e ostensivas, conforme dispõe o CDC, artigo 31”, frisou.

Ainda na decisão, o juiz foi taxativo ao di-zer que esses princípios foram ignorados pela empresa no caso denunciado por Conceição. “De fato, houve desencontro entre as informa-ções prestadas aos clientes da Tim, bem como ausência de clareza e precisão nas regras, o que fere o sistema de proteção ao consumidor, que exige informações claras e precisas”. Com esse entendimento, o magistrado proibiu a empresa de lançar promoções sem que todas as regras es-tejam previstas de forma clara no regulamento. Caso descumpra a ordem, a operadora poderá ser multada em R$ 10 mil por irregularidade.

A Tim recorreu, mas a sentença foi mantida pelo desembargador Francisco Barros Dias, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no Reci-fe. “A conduta da apelante (Tim) violou os dis-positivos legais de proteção ao consumidor, no que diz respeito à necessidade de prestar seus serviços de forma clara e precisa, bem como de redigir com destaque as cláusulas limitativas de direitos dos consumidores em regulamentos que disponham sobre seus serviços e promo-ções”, escreveu o magistrado em seu voto.

Procurada pela reportagem, a empresa não quis se manifestar. Já Conceição comemorou o desfecho do caso. “Acho que o Judiciário e o Ministério Público são determinantes para que essas empresas se ajustem e, efetivamente, cum-pram seu papel. O meu apelo é para que essas empresas respeitem o consumidor”, finalizou.n

Juliano Domingues – João Pessoa (PB)

Conceição Marsicano:“a empresa não pode lançar uma promoção e ela própria

não ter noção dos termos”

Arquivo JFPB

Revista Via Legal | Giro pelas Decisões 45

Anvisa pode liberar fabricação de genérico para depressãoDuas decisões judiciais, uma tomada pelo

Tribunal Regional Federal da 1ª Região e outra pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), garan-tiram à Agência Nacional de Vigilância Sanitá-ria, a Anvisa, a liberdade de permitir que várias empresas passem a produzir o medicamento Lexapro. O produto, utilizado no tratamento da depressão, vinha sendo fabricado apenas pela Lundbeck Brasil LTDA, que recorreu à Justiça Federal com o propósito de proibir a agência de abrir o mercado.

A empresa alegou que gastou muito di-nheiro na elaboração de um dossiê, entregue à Agência, que traz os resultados de testes sobre o medicamento. A liberação, portanto, poderia causar prejuízos aos negócios. A primeira decisão foi tomada na 7ª Vara Federal do Distrito Federal,

Viúva não pode receber pensão de ex-combatente após se casar novamente

A 7ª Turma Especializada do TRF2 negou o pedido de uma ex-pensionista para que o Ministério da Defesa fosse obrigado a restabelecer o pagamento de pensão especial que ela recebia em razão da morte de seu ma-rido, um ex-combatente. De acordo com os autos, a viúva se casou novamente e, por conta disso, teve o benefício extinto. O relator do processo no TRF2 foi o desembargador federal José Antonio Lisbôa Neiva.

Entre outras alegações, a ex-pensionista afirmou-ser evangélica há mais de vinte anos e que “começou um relacionamento amoroso para se restabelecer e não mais se sentir só”. De acordo com ela, o segundo casamento só aconteceu por imposição da igreja. Por fim, afirmou que “é pessoa idosa, de saúde abalada e que, ao seguir a orientação da igreja, não imaginava que estava ferindo a dos homens”. Ela afirmou ainda que foi surpreendida pela suspensão da pensão, fonte material de sua sobrevivência.

O relator do caso no Tribunal iniciou o voto expli-cando que a Lei 8.059, de 1990, prevê como causa de extinção do direito à pensão especial de ex-combatente o casamento de pensionista. Lisbôa Neiva alertou para o fato de que, “aceitar as afirmações da autora como sufi-cientes seria criar precedente para que todas as pensio-nistas, que tenham contraído novo matrimônio ou que venham a contrai-lo, compareçam em juízo alegando que seu direito à pensão está garantido, pois apenas agi-ram de tal forma por motivo de crença religiosa”. n

Estudante adventista pode compensar faltas com trabalhos alternativos

Liberdade de crença. Este foi o argumento usado pelo advogado de uma estudante paulista para conven-cer a Justiça de que ela deveria ter o direito de não frequentar aulas na sexta-feira à noite e no sábado pela manhã. Em 2011, Quielze Miranda, de 19 anos, fez o primeiro ano do curso de Relações Internacionais da Universidade Sagrado Coração, em Bauru, ligada à Igreja Católica. A estu-dante é adventista, religião que prega o recolhimento da hora de anoitecer na sexta-feira até o meio dia de sába-do e, por causa da crença, nunca foi às aulas nesses dois turnos. Como consequência, corria o risco de ser reprovada por falta.

No processo, a estudante afir-mou que durante todo o ano tentou negociar com a faculdade, mas os pedidos foram negados. Até que, em novembro, entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal em Bauru. Ao analisar o caso, o juiz Mar-

celo Zandavalli obrigou a faculdade a oferecer atividades alternativas à alu-na, para que ela possa repor as faltas. Pela decisão, os professores devem preparar trabalhos ou exercícios para compensar as ausências da aluna.

O episódio trouxe à tona uma po-lêmica antiga, que envolve o desafio de conciliar as limitações da religião com os compromissos estudantis e de trabalho. Não são raros os casos de estudantes que têm problemas na hora de fazer o vestibular ou mesmo um concurso público. Em alguns ca-sos, a alternativa dos organizadores é deixar os concorrentes isolados em uma sala até o por do sol de sábado, quando então iniciam as provas.

No caso da estudante de Bauru, a decisão não é definitiva. Se a univer-sidade vencer a disputa, a aluna pode ser obrigada a frequentar as aulas, ou mesmo ser reprovada nas disciplinas ministradas nas sextas feiras à noite e nas manhãs de sábado. n

que acatou o pedido da empresa e proi-biu o governo de abrir o mercado. Os argumentos, no entanto, foram rebati-dos pelos procuradores da Advocacia Geral da União (AGU) em recurso analisado pelo TRF1. Como perdeu a disputa no tribunal, a empresa recorreu ao STJ, mas novamente a decisão foi contrária ao fabricante.

No recurso, os procuradores frisaram que esses custos são próprios do negócio e que nenhuma empresa pode tirar vantagens desse tipo de investimento. Além disso, lembraram que a Anvisa só fornece o registro para empresas que realizam os próprios testes e que provam que o produto atende às exigências mínimas de eficácia, qualidade, necessidade e segurança terapêutica.

A estimativa é que, com essa decisão, o con-sumidor passe a ter condições de pagar menos pelo produto e também que sejam colocados à venda genéricos do Lexapro. n

46 Giro pelas Decisões | Revista Via Legal

Justiça Federal do RS proíbe cobrança de corretagem no Minha Casa Minha Vida

Famílias de baixa renda que compram imóveis do programa Minha Casa Minha Vida não devem pagar taxas ou comissões a corre-tores. A determinação é do juiz federal Everson Guimarães Silva, da 2ª Vara Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. A decisão é liminar, foi proferida no fim de novembro e atinge os em-preendimentos Moradas Club Pelotas II e III. O magistrado também estabeleceu multa de R$ 15 mil por unidade habitacional vendida em desacordo com a decisão.

A ação civil pública foi impetrada pelo Minis-tério Público Federal (MPF) contra as empresas Terra Nova Rodobens Incorporadora Imobiliá-ria, Fuhro Souto Consultoria Imobiliária e HFM Consultoria Imobiliária, além da Caixa Econômi-ca Federal e do Banco do Brasil, com base no Código de Defesa do Consumidor. Na decisão, o juiz destacou que, diferentemente de outros programas habitacionais do governo, o Minha Casa Minha Vida garante o financiamento de 100% do valor do imóvel. “Mesmo não havendo vedação legal expressa, a atribuição da respon-

Suspensas obras em estrada potiguar

As obras do prolongamento da avenida Prudente de Morais, que liga a cidade de Natal (RN) à BR 101, serão suspensas. A decisão foi do desembar-gador federal Paulo Gadelha, do Tribu-nal Regional Federal da 5ª Região, que acatou recurso impetrado pelo Ibama.

Na decisão, o magistrado determi-nou que o Departamento de Estradas e Rodagens do Rio Grande do Norte seja intimado a prestar informações sobre o atual estágio da obra. O procedimento deve permitir que seja analisada a pos-sibilidade de elaboração de um projeto de recuperação da área degradada. No recurso, o Ibama destacou que a Mata Atlântica, antes existente na área em que se pretende construir a rodovia, foi inteiramente suprimida. “A consu-mação do desmatamento indevido, en-tretanto, não afasta a possibilidade de recuperação dos danos gerados, o que deve ser avaliado criteriosamente. Ain-da que a recuperação da floresta des-matada não seja a melhor alternativa, é necessária a criação de mecanismos de proteção das margens da floresta”, escreveu o desembargador na decisão.

Ele destacou que a suspensão das obras é importante para que sejam apurados os danos causados e, a partir daí, adotadas as medidas necessárias. “É temeroso que o processo siga o seu curso natural sem que sejam paralisa-das quaisquer intervenções na área de floresta – ainda que, como relatado pelo agravante, a porção por onde se pretende construir a estrada já tenha sido desmatada” afirmou. n

Universidade deve indenizar estudante que sofreu sequestro relâmpago

Uma estudante de Direito de Porto Alegre será indenizada em R$ 6 mil pelas consequências de um sequestro relâmpa-go sofrido em 2003, quando chegava ao estacionamento da faculdade. Após o cri-me, ela recorreu à Justiça Federal contra a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, responsável pelo espaço. No processo, ela alegou que passou a sofrer de angús-tia, depressão, além de outros transtornos emocionais que comprometeram a sua vida social, profissional e até afetiva.

Condenada em primeira instância, a universidade recorreu ao Tribunal Regio-nal Federal da 4ª Região alegando que se tratava de um caso fortuito e que a insti-tuição não teve responsabilidade no ocor-rido. A universidade também pediu que,

caso fosse confirmada a condenação, o valor a ser pago como indenização fosse reduzido. Mas não adiantou: ao analisar o recurso, o juiz federal convocado para atu-ar como desembargador, Cândido Alfredo Leal Júnior, entendeu que a responsabili-dade é, sim, da instituição.

No relatório, o magistrado frisou que cabe à UFRGS garantir a segurança dos estudantes bem como a integridade dos veículos deixados no estacionamento. Ele lembrou que o fato da instituição contra-tar vigilantes para o espaço é mais uma prova de que cabe a ela responder pelo que acontece no local. Com este entendi-mento, a punição foi mantida e ainda asse-gurada a correção monetária do valor da indenização desde a data do sequestro. n

sabilidade pelo pagamento de corretagem ao adquirente das unidades habitacionais se afigura incompatível com o programa”, afirmou.

A cobrança de corretagem na venda desses imóveis, segundo o juiz, contraria as diretrizes do sistema, que tem caráter social e o desafio de reduzir o déficit de moradias no País, me-diante o incentivo à produção de novas uni-dades para aquisição por famílias de baixo e médio poder aquisitivo. n

notíciasdorn.com

Revista Via Legal | Notas 47

Justiça Federal arrecada R$ 367 milhões em mutirões do SFHOs mutirões para promover a conciliação em processos do Sistema

Financeiro da Habitação (SFH), realizados nos cinco tribunais regionais federais (TRFs) do País, arrecadaram R$ 367,7 milhões referentes a dívi-das atrasadas e que estavam sendo cobradas na esfera judicial. Ao todo, foram firmados 7.471 acordos em mais de 20 mil audiências. O balanço da iniciativa foi apresentado no dia sete de dezembro, durante videoconferên-cia com a participação da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, do corregedor-geral da Justiça Federal, ministro João Otávio de Noronha, do coordenador do Movimento pela Conciliação do CNJ, con-selheiro Neves Amorim, e dos presidentes e coordenadores dos mutirões dos cinco TRFs.

No evento, a ministra Eliana Calmon comemorou o resultado: “Mais do que tirar esses processos da Justiça, nós resolvemos os problemas de milhares de mutuários, que solucionaram suas pendências e agora po-dem conquistar o seu bem mais precioso, que é a casa própria”, afirmou, destacando ainda que o dinheiro arrecadado vai permitir o financiamen-to de novas moradias.

Para o ministro Noronha, o mutirão tem-se mostrado uma forma eficaz e criativa de transformar a cultura do litígio em conciliação. Ele elogiou a atitude da Caixa Econômica que, segundo ele, fez com que seus funcio-nários se sentassem com os mutuários para resolver a questão. O ministro também destacou o trabalho da Emgea (Empresa Gestora de Ativos, que administra as dívidas dos financiamentos imobiliários concedidos pela Cai-

xa). “Os valores negociados voltam em benefício da sociedade. Esse é o resultado eficaz de uma Justiça que caminha para soluções alternativas”, resumiu o ministro.

O esforço se concentrou nos núcleos e centrais de conciliação im-plantados nos TRFs. De acordo com o balanço da Corregedoria Nacional de Justiça, no TRF1 foram 6.369 audiências, superando a meta que era de 5.528. O TRF2, por sua vez, promoveu 3.138 audiências, número tam-bém superior às 2.897 previstas. No TRF3, foram 3.578 audiências. Já o TRF4 realizou 3.383 audiências, ultrapassando a meta de 3.030. No TRF5, houve 3.536 audiências, superior à meta de 3.254. n

Gláucio Dettmar/CNJ

Gláucio Dettmar/CNJ

Tribunais federais recebem prêmio Conciliar é Legal

No dia 14 de dezembro, o coordenador do Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 1ª Região, desembargador Reynaldo Fonseca (foto), recebeu, das mãos da ministra Eliana Calmon, o prêmio Conciliar é Legal. A 1ª Região foi premiada por ter realizado o maior número de acordos homologados durante a 6ª Sema-na Nacional de Conciliação. Em cinco dias de trabalho, foram 11.423 audiências, com 9.161 acordos, alcançando um índice de 80,20%. Apro-ximadamente R$ 107 milhões em valores foram negociados. “Para nós, é uma grande alegria e um estímulo para esta Região continental, que abarca mais de 80% do território nacional”, enfa-tizou o desembargador Reynaldo Fonseca.

Também mereceu destaque a premiação recebida pelo TRF da 4ª Região, reconhecido como o melhor tribunal na categoria Justiça Federal. O projeto “Mediação Pré-Citação em Desapropriações em Massa”, desenvolvido pelo juiz Jurandi Borges Pinheiro, relata os mutirões de conciliação realizados nos casos da ampliação da pista do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, e na construção da BR 448, rodovia que servirá como alternativa à BR 116, ligando Porto Alegre a Sapucaia do Sul.

A prática foi adotada em 230 desapropria-ções promovidas pela Infraero e pelo DNIT. Em apenas três semanas, entre dezembro de 2010 e abril de 2011, foi atingido o índice de composi-ção amigável em 98% dos casos.

O TRF da 3ª Região recebeu ainda uma menção honrosa em reconhecimento à quali-dade técnica das práticas autocompositivas, ou seja, pelas atividades inovadoras, criativas e com resultados comprovados que foram criadas a fim de melhorar a relação social de partes que este-jam em disputa.

Para a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, a conciliação está en-sinando os brasileiros e mudando a magistratu-ra. “Ao retirar milhares de processos da Justiça, a conciliação ensina as pessoas a serem civili-zadas. O magistrado fica mais humano porque passa a participar diretamente da vida do juris-dicionado” sintetizou.

Concedido pelo Movimento pela Concilia-ção, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o prêmio tem como objetivos identificar, premiar e disseminar experiências que contribuam para a pacificação de conflitos, modernização, rapidez e eficiência da Justiça

brasileira. O tema deste ano foi “Conciliação com usuários frequentes (grandes litigantes) e grandes casos”. Um comitê formado por ju-ízes de todo o País avaliou as práticas inscritas, considerando critérios de eficiência, restaurati-vidade das relações sociais; criatividade, expor-tabilidade, satisfação do usuário, alcance social e desburocratização. n

48 Notas | Revista Via Legal

JFRJ e Secretaria de Saúde se unem para liberar medicamentos

Juíza federal do RS vence a 8ª edição do Prêmio Innovare

A Justiça Federal no Rio de Janeiro e a Secre-taria de Saúde do Estado assinaram acordo de cooperação técnica que promete facilitar a vida das pessoas que entram com ações judiciais pe-dindo a liberação de medicamentos. O acordo prevê a participação da Secretaria de Saúde no fornecimento de subsídios técnicos aos magis-trados na hora de julgar ações que tenham por

objeto o fornecimento de medicamentos, insu-mos para saúde, exames diagnósticos, tratamen-tos médicos e insumos nutricionais.

Servidores da Secretaria de Saúde, como farmacêuticos, nutricionistas e enfermeiros, terão prazo de até 72 horas para fornecer as informações solicitadas por magistrados a res-peito de questões técnicas que envolvem tra-

tamentos médicos. Como a Justiça Federal do Rio já adotou o processo eletrônico, o núcleo poderá acessar a solicitação do magistrado – assim como o processo – de onde estiver, o que trará mais agilidade na tramitação. O pro-jeto piloto terá início na capital e a previsão é que até o fim de 2012 seja ampliado para todas as subseções do estado. n

O projeto “Empregabilidade de deficientes visuais“, desenvolvido pela juíza Salise Monteiro Sanchotene (foto), da 2ª Vara Federal Criminal e de Execuções Penais de Porto Alegre, foi o vencedor da categoria “Juiz Individual” na oita-va edição do Prêmio Innovare. A divulgação dos resultados foi feita no dia 15 de dezembro em solenidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Além do prêmio, o trabalho será divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como exem-plo de boa prática para o Judiciário do País.

A ação premiada é desenvolvida desde 2008 graças a uma parceria entre a Associação de Cegos do RS (Acergs) e a Direção do Foro da Seção Judiciária do RS. A iniciativa permite a degravação de áudios de audiências judiciais. O trabalho é feito por deficientes visuais que atuam em um centro de degravação, que conta também com revisores. Estes fazem a conversão das audiências gravadas para arquivos de textos.

Na descrição do projeto, a magistrada des-tacou o fato de que, mesmo que o Código de Processo Penal dispense a transcrição dos depoi-mentos e interrogatórios gravados em sistema

Os processos em andamento no Juizado Especial Federal da 3ª Região passaram, desde o mês de julho de 2011, a fazer parte do Sistema Push, uma tecnologia que permite ao usuário receber em seu correio eletrônico um extrato com as últimas cinco movimentações dos processos de seu interesse. É um serviço gratuito e que já funcionava para processos do Tribunal Regional Federal e da Justiça Federal da 3ª Região.

Qualquer pessoa pode utilizar o sistema, bastando acessar no site do TRF3 – www.trf3.jus.br – o link “Sistema Push TRF3/ JEF da 3ª Região”, localizado em “acesso rápido”, clicar em “quero me cadastrar”, informar o endereço eletrônico em que pretende receber as mensagens, uma senha e o número dos processos dos quais deseja receber informações a respeito.

Os trâmites processuais são enviados automaticamente, sempre no dia seguinte ao da ocorrên-cia. Trata-se de um serviço informativo, que não produz efeitos legais. n

JEF da 3ª Região integra-se ao sistema PUSH

audiovisual, a sentença ainda não pode abrir mão da transcrição de provas testemunhais que con-tenham elementos a serem valorados pelo juiz.

A premiação é feita anualmente pelo Ins-tituto Innovare e destaca as práticas que mais contribuem para o aprimoramento da Justiça no Brasil. Este ano, o prêmio teve como temas “Justiça e Inclusão Social” e “Combate ao Cri-me Organizado”. n

“Acolhendo as Escolas na Justiça” encerra edição de 2011

“A Justiça Federal é bem mais do que simplesmente julgar as pessoas. Na realidade, é uma forma de ajudar a exer-cer a cidadania e a justiça”. A definição é de Wenderson Matos, um dos estudan-tes que visitaram a sede da Justiça Fede-ral no Ceará como parte do Projeto Aco-lhendo as Escolas na Justiça. A iniciativa, desenvolvida pelo Núcleo Seccional do Ceará da Escola da Magistratura Federal da 5ª Região, permite que os visitantes conheçam a missão, funções, compe-tências e atividades da Justiça Federal.

A edição em que Wenderson parti-cipou aconteceu no dia sete de dezem-bro. O diretor do Foro da JFCE, Leo-nardo Martins, e a diretora da Esmafe/CE, Germana Morais, acompanhados de magistrados e servidores, acolheram mais uma vez os alunos e professores de escolas cearenses, na solenidade de en-cerramento do projeto em 2011.

De março a novembro, alunos e professores de cinco escolas conhece-ram de perto a Justiça Federal no Ceará. Os alunos puderam participar de con-cursos de redação e de pintura. “Tive a oportunidade de conhecer melhor a carreira de advogados, defensores pú-blicos e juízes, e me interessei bastan-te pela profissão. Decidi ingressar na Faculdade de Direito, pretendendo ser juíza e, quem sabe, fazer parte da Justiça Federal”, afirmou um trecho da reda-ção da estudante Francisca Lima, que recebeu o 1º lugar no concurso. n

Telmo Ximenes/CNJ

programa

cidadania

cid

ad

an

iaculturacidadania

meio ambienteinformação

exemploeducação

segurançadireitos

me

io a

mb

ien

tec

iên

cia

exemplosegurança

saúdecoragem

direitos

informação

meio

am

bie

nte

saúde

Um jeitosimples e fácil...

...de falarde justiça...

...e direitosdo cidadão!

realização

TV Cultura: terça-feira 7h

TV Justiça: quarta-feira 21h30

TV Brasil: sábado 6h

v i a l e g a l . c j f . j u s . b r

p r o g r amav i a l e g a l . b l o g s p o t . c om

Revista Via LegalConselho da Justiça Federal

Assessoria de Comunicação Social

SCES – Setor de Clubes Esportivos SulTrecho III – Polo 8 – Lote 9 – Sub solo

CEP 70200-003 – Brasília – DF

Telefones: (061) 3022-7071/7074 e-mail: [email protected]