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ANÁLISE - Ano IV - Nº 7 - Março/2003 Revista da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e de Administração de Empresas Padre Anchieta 1

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  • ANÁLISE - Ano IV - Nº 7 - Março/2003

    Revista da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e de Administração de Empresas Padre Anchieta 1

  • ANÁLISE - Ano IV - Nº 7 - Março/2003

    Revista da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e de Administração de Empresas Padre Anchieta2

    ISSN 1519-0846

    ANÁLISE. Revista da Faculdade de Ciências Econômicas,Contábeis e de Administração de Empresas PadreAnchieta.Jundiaí – SP: Sociedade Padre Anchieta de Ensino. 21 cm.

    Semestral

    Inclui Bibliografia

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    Revista da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e de Administração de Empresas Padre Anchieta 3

    EDITORIALCompletando três anos de existência, a revista ANÁLISE consolida-se como

    instrumento de divulgação de idéias junto à comunidade acadêmica das FaculdadesPadre Anchieta de Jundiaí. Nesta sétima edição, a revista apresenta sete artigosinéditos.No primeiro artigo, os autores argumentam que testes de "software" têmcomo objetivo a descoberta de falhas e devem ser planejados cuidadosamente,permitindo encontrar e corrigir o maior número de defeitos o mais cedo possível.Dessa forma, minimiza-se o custo de correção e a probabilidade de falhas quando osoftware já estiver em fase de produção. Num estudo sobre a CEASA-Campinas, nosegundo artigo, os autores analisam a política de distribuição de alimentos na cida-de, destacando as origens, transformações e contribuições deste centro de distri-buição, para o desenvolvimento da comercialização de hortifrutigranjeiros na região.Noterceiro artigo, o autor argumenta que está nos ombros dos administradores munici-pais a responsabilidade em assegurar aos seus concidadãos a necessária qualida-de de vida, através de uma adequada ordenação das atividades desenvolvidas noMunicípio. O papel dos Administradores nos grupos que elaboram os planos direto-res das cidades modernas, caóticas quanto à ocupação desordenada e descontro-lada do solo, é imprescindível para que essa qualidade de vida seja minimamentepreservada. Nesta atuação, o Administrador deverá se familiarizar com os princípiosdo direito ambiental e urbanístico, assim como os do planejamento ambientalurbano.No estudo sobre a importância histórica e filosófica dos direitos humanos, oautor, neste quarto artigo, analisa a trajetória dos direitos humanos, desde a suaorigem até os dias atuais. Demonstra que a sua afirmação se deu em três gerações:os direitos individuais; os direitos coletivos e os direitos dos povos. Como argumen-to, são apresentadas algumas partes das principais declarações referentes aosdireitos humanos, finalizando com o estudo dos direitos humanos na ConstituiçãoFederal de 1988.No quinto artigo, o autor propõe a utilização de índices-padrão paraservir de comparativo com índices financeiros, obtidos de balanços e demonstra-ções contábeis de empresas da construção civil, cuja atividade principal é a execu-ção de obras públicas. Argumenta que, a partir dos índices financeiros, será possí-vel chegar a conclusões mais confiáveis sobre empresas que possam apresentardificuldades financeiras ou que apresentam riscos para o mercado, face ao seudesempenho, em comparação com outras da mesma característica.Num estudosobre a dinâmica capitalista durante o século XX, o autor busca, a partir de umaleitura em perspectiva histórica, colocar uma reflexão que visa a contribuir para adiscussão sobre os desdobramentos do capitalismo contemporâneo na vida socialmais ampla, especialmente nos países subdesenvolvidos, considerando a necessi-dade de construção de um novo modelo de sociedade.Finalmente, em um artigosobre a sucessão empresarial familiar, o autor alega que o sucesso das empresasfamiliares ao longo das gerações depende da transferência do poder e da autorida-de de forma natural, buscando a maximização dos resultados financeiros, econômi-cos e sociais com eficiência. Argumenta que, preocupado com a sua organização,o empresário fica sem saída quando trata da sua substituição à frente dos negócios.Segundo o autor, a fator decisório para o sucesso chama-se "processo de governançacorporativa aplicado à sucessão empresarial familiar".

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    Análise é uma publicação periódica da Faculdade deCiências Econômicas, Contábeis e de Administração de Em-presas “Padre Anchieta” e está aberta à colaboração de pes-quisadores de outras instituições, mediante a apreciaçãodos trabalhos pelo Conselho Editorial.

    As posições expressadas em trabalhos assinados sãode exclusiva responsabilidade de seus autores e seus tex-tos não poderão ser reproduzidos sem a permissão dosmesmos.

    Conselho EditorialAdilson José da SilveiraAntonio RebelloJosé Carlos MarionLeo Ferreira ArantesMessias Mercadante de CastroSérgio Pio Bernardes

    Coordenação de EdiçãoJosé Milton Sanches

    SecretáriaEloiza Blumer Rodrigues Soares

    CorrespondênciaRua Bom Jesus de Pirapora, 140 - Centro - Jundiaí-SPCEP 13207-660 • Caixa Postal 240Fax (11) 4587-6165 • e-mail: [email protected]

    EditoraçãoDepartamento de Publicidade das Escolas eFaculdades Padre Anchieta

    RevisãoJoão Antonio de Vasconcellos

    Tiragem1.800

    AnáliseRevista semestral da Faculdade de Ciências Econômi-cas, Contábeis e de Administração de Empresas PadreAnchieta.

    Pede-se permute • Pide-se canje • We ask for exchange

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    ÍNDICE

    A importância do planejamento dos testes noprocesso de desenvolvimento de softwareVivaldo José Breternitz, Edson Saraiva de Almeida..........9

    A Ceasa-Campinas: origens e transformaçõesSimone Francabandiera, Cândido Ferreira da Silva Filho....17

    Elementos para a gestão ambiental urbana:direito ambiental e urbanístico , políticas públi-cas e planejamento municipalRodolfo Antônio de Figueiredo......................................29

    A importância histórica e filosófica dos direitoshumanosSamuel Antonio Merbach de Oliveira.............................39

    Utilização de índices-padrão como auxílio àanálise de demonstrativos financeiros de em-presas da área de construção civil.José Manoel Souza das Neves.....................................53

    História, neoliberalismo e um novo paradigmacivilizacionalJosé Renato Polli........................................................77

    Sucessão empresarial familiar: governançacorporativa profissionalCarlos Henrique Pelegrini..............................................97

    Normas para apresentação de originais ........105

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    A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO DOSTESTES NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

    DE SOFTWARE

    Vivaldo José Breternitz *

    Edson Saraiva de Almeida **

    RESUMOO processo de desenvolvimento de software envolve uma série de atividades nas quais,

    apesar das técnicas, métodos e ferramentas empregados, falhas no produto podem ser inseridasjá nas fases iniciais do ciclo de desenvolvimento. Testes de “software” têm como objetivo adescoberta de falhas e devem ser planejados de forma cuidadosa, permitindo encontrar e corrigiro maior número de defeitos, o mais cedo possível, para minimizar o custo de correção e aprobabilidade de ocorrência de falhas quando o “software” já estiver em regime de produção.Esse trabalho tem como objetivo despertar a consciência dos profissionais de Tecnologia daInformação para a importância de testes planejados e executados de maneira sistemática, bemcomo fornecer subsídios que os auxiliem no processo de planejamento desses testes.

    PALAVRAS-CHAVE: testes, sistemas, programas, desenvolvimento, erros, falhas, planeja-mento, software.

    ABSTRACTThe process of software development involves a series of activities in which, regardless the

    techniques, methods and tools used, defects may be introduced in the product, even in the initialstages of the development cycle. Software tests have the end of discovering defects and must beplanned carefully, making it possible to find and correct the highest number of errors, as early aspossible, to minimize the cost of correction and the probability of the occurrence of defects whenthe software is already in the phase of production. This work has the objective of arousing theconscience of the professionals of Information Technology to the importance of planned andexecuted tests in a systematic way, as well as supplying them with supporting information, thatmay help them in the process of planning these tests.

    KEY WORDS: testing, systems, programs, development, errors, failures, planning, software.

    * Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Mackenzie; consultor de empresas e professor da Universida-de Mackenzie e das Faculdades Padre Anchieta. Rua. Profa. Joceny V. Curado, 73 - CEP 13206-320, Jundiaí/SP.Fone 11 4607.3616, [email protected].** Mestre em Engenharia de Computação pelo IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas, consultor de empresase professor da Universidade São Judas Tadeu. Rua Taquari, 546 - São Paulo, Mooca CEP 03166-000, tel 0800-11-1677. [email protected]

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    IntroduçãoPor muitos anos, as empresas têm aceitado como um custo do negócio o

    retrabalho e os erros gerados durante o processo desenvolvimento de software. Acompetição atualmente vigente no mundo globalizado está mudando este panora-ma e colocando a qualidade como principal fator para o sucesso de uma organiza-ção. Mesmo diante desse cenário, a maior parte das empresas ainda não conse-gue avaliar a ineficiência gerada pela falta de uma abordagem disciplinada no pro-cesso de desenvolvimento do software.

    A fase de testes é, juntamente com a de documentação, uma das mais despre-zadas do desenvolvimento de um “software”. A ela são usualmente alocados osprofissionais menos experientes, o prazo fixado para a mesma, freqüentemente édiminuído e destinado a outras atividades.

    Essa postura sempre gera problemas, desde pequenos inconvenientes aosusuários do “software”, até grandes tragédias. Dentre essas, sempre são lembra-das:

    •¨ a pane generalizada nos serviços de telefonia 0800, ocorrida nos EstadosUnidos em 1991, quando um novo sistema estava sendo colocado em produção;

    • ¨ auto destruição em 1996 do foguete francês Arianne 5, que em função de um“overflow” desviou-se do rumo. Os franceses acreditavam estarem iniciando umanova era no que se referia a foguetes lançadores de satélites (ARNOLD, 2002);

    • ¨ o envenenamento, por overdose de radiação, de seis pessoas que vinhampassando por radioterapia com o uso do equipamento Therac-25, controlado porcomputador (RAWLINSON, 1987);

    • ¨ a falha de um míssil americano Patriot, ao deixar de interceptar um Scudiraquiano que viria a matar dezenas de americanos durante a Guerra do Golfo (1991).Essa falha foi causada por um arredondamento indevido (ARNOLD, 2002);

    • ¨ mais recentemente, a virtual paralisação da Internet nos Estados Unidosem 3 de outubro de 2002, em função do “travamento” dos canais de telecomunica-ções, causado por uma falha em “upgrade” de “software” que vinha sendo executa-do pela WorldCom, empresa responsável por cerca de metade do tráfego de Internetnaquele país.

    A experiência dos autores registra inúmeros problemas semelhantes, emboranão tão graves; dentre estes:

    • ¨ o pagamento de auxílio paternidade a uma freira que ministrava aulas narede pública de ensino;

    • ¨ a emissão de talões de cheques com o nome do segundo titular (geralmentea esposa) trocado (imagine-se a esposa de um desses primeiros titulares sendoerroneamente levada a crer que seu marido mantinha uma conta conjunta comoutra mulher…).

    Sob o ponto de vista de custos, o assunto é também bastante sério: o Depar-tamento do Comércio dos Estados Unidos estima que o problema custa àquelepaís cerca de 60 bilhões de dólares ao ano, e que melhorias no processo de valida-

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    ção de software poderiam reduzir esse custo em cerca 35%.Além dos inúmeros problemas a que as empresas se sujeitam, em função da

    utilização cada vez maior de sistemas de computador, e dado o atual cenário, emque cada vez mais freqüentemente as organizações recorrem a sistemas integra-dos ou delegam seu desenvolvimento a terceiros, parece-nos claro que a tendênciaé de que sejam aperfeiçoados os processos de especificação de software e emespecial os de teste.

    Acreditamos que a situação possa evoluir para um ponto que o relacionamentoentre clientes e fornecedores de software evolua para algo similar ao que existeentre clientes e fornecedores de outros bens e serviços, com uma entidade como oProcon intervindo no processo. Se isso se confirmar, os fornecedores certamenteexigirão que os clientes deem um aceite mais formal nos sistemas entregues, deforma a eximi-los de responsabilidades; por sua vez, os clientes deverão testar osprodutos recebidos, de forma a que possam certificar-se do bom funcionamento doproduto adquirido e preservar seus direitos. Nos Estados Unidos, a National Academyof Sciences pede a criação de uma lei de garantia de qualidade de software.

    No processo de desenvolvimento de “software” é comum a geração de errosnão só por falhas de codificação, mas por interpretação incorreta de informaçõesem função de falhas de comunicação. Estes erros podem ser gerados em qualquerfase do processo, desde sua concepção até a de codificação propriamente dita.Técnicas de garantia da qualidade se propõem a auxiliar na descoberta desteserros o mais cedo possível, para que os custos de correção sejam menores e osimpactos em termos de perda de prazos ou sinistros como os acima mencionadossejam minimizados.

    Isso posto, sendo os objetivos desse artigo despertar a consciência dos profis-sionais de Tecnologia da Informação para a importância de testes planejados eexecutados de maneira metodologicamente correta, bem como fornecer subsídiosque os auxiliem nesse propósito, passamos a discutir pontos que julgamos rele-vantes acerca do assunto.

    Planejamento dos testesO Plano de Teste é um guia em alto nível que direciona a natureza, restrições,

    resultados esperados e orienta o desenvolvimento de todas as atividades relaciona-das ao teste. Elementos determinantes para o planejamento são os resultados doimpacto de possíveis falhas e o tipo de sistema que está sendo testado. Fatorescríticos para o sucesso do esforço de teste, como o nível de risco e o nível apropri-ado de esforço na atividade de teste devem ser explicitados. O escopo do teste equem o executará são determinados. O balanceamento entre cronograma, custo,escopo e abordagem tecnológica também é estabelecido pelo Plano.

    Em muitos casos, pode-se concluir que não existem recursos ou tempo dispo-níveis para executar todos os testes de maneira abrangente e convencional. Nes-tes casos, deve-se priorizar os testes de funções do sistema críticas para o supor-te ao negócio da empresa.

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    Estratégia de testeAlguns desenvolvedores de sistemas continuam a acreditar que só devem se

    preocupar com a qualidade depois que o código estiver pronto. Não concordamoscom essa afirmativa; segundo Pressman (PRESSMAN, 1997) a garantia da quali-dade é uma atividade “guarda-chuva”, abrangendo todo o processo de produção dosoftware. Essa garantia é objeto de diversas normas (ISSO, IEEE), cuja observa-ção durante todo o processo auxilia consideravelmente na produção de software deboa qualidade.

    Segundo Pressman (PRESSMAN, 1997), uma estratégia de teste integra téc-nicas de projeto de casos de teste numa série definida de passos que leva à cons-trução bem sucedida do software, Esses passos podem envolver uma combinaçãodas técnicas e aplicação de diferentes critérios de teste.

    Os testes iniciam-se no nível de módulos e prosseguem “para fora”, na direçãoda integração de todo o sistema de computador. Diferentes técnicas de teste sãoapropriadas a diferentes etapas do projeto. Os testes usualmente são executadospela equipe que está desenvolvendo o “software”; já no caso de grandes projetos,por grupo de testes independente, freqüentemente exterior às organizações quedesenvolvem ou serão usuárias do novo sistema; no jargão da área, esse grupo échamado ITG (Independent Test Group).

    A estratégia descrita por Pressman prevê as seguintes etapas:• ¨ teste de unidade (unity test), no qual são focalizados cada um dos módulos

    de um programa, individualmente, garantindo que os mesmos funcionem adequa-damente;

    • ¨ teste de integração, visando a assegurar que o programa construído apartir dos módulos testados no nível de unidade funcione adequadamente, testan-do-se especialmente as “interfaces” entre os módulos;

    • ¨ teste de validação, considerando o conjunto de programas de forma integra-da, validando os requisitos funcionais e de desempenho definidos durante a fasede análise;

    • ¨ teste de sistema, onde o “software” produzido é testando em conjunto comoutros elementos, como hardware, usuários, gerenciador de banco de dados, etc.

    A implementação dessa estratégia evidentemente varia em função de inúmerosfatores, dentre os quais tamanho, complexidade e criticidade do sistema, caracte-rísticas dos desenvolvedores e usuários, etc. Como o objetivo deste trabalho édespertar a consciência dos profissionais envolvidos com o assunto, passaremos aexpor algumas técnicas e critérios de teste.

    Técnicas e critérios de testeAs técnicas de teste podem ser divididas em dois grandes grupos, os chama-

    dos testes “caixa-preta” e “caixa-branca”. Os testes “caixa-preta”, também chama-dos testes funcionais, testam o sistema do ponto de vista do usuário, não levandoem conta a estrutura interna e a forma de implementação do sistema. Estes são os

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    testes usualmente praticados quando não se dispõe do código-fonte, como ocorrequando se testa pacotes de software. Os testes “caixa-branca”, assim chamadospor figurativamente podermos enxergar o interior do sistema, procuram atingir todoo código; evidentemente, para esses casos é necessário que o código fonte estejadisponível.

    Para facilidade de compreensão, vamos nos concentrar nos testes “caixa-pre-ta”. Um dos critérios utilizados por esta técnica é o de “classes de equivalência”(MYERS, 1979). De acordo com esse conceito, já que não se pode testar todos oscasos possíveis, deve-se dividi-los em classes, de modo que os casos dentro decada classe sejam “equivalentes”, permitindo que se teste apenas um subconjuntodeles, mantendo a representatividade.

    Um dos aspectos mais problemáticos desse tipo de teste é determinar as clas-ses de equivalência. Estas devem ser definidas de forma a que agrupem casos deteste para os quais o comportamento do sistema deva ser o mesmo. Na prática, énecessário selecionar atributos das transações do sistema que sejam determinantespara o comportamento esperado. Em um sistema que processa as operações rea-lizadas em bolsas de valores pelos clientes de uma corretora, um atributodeterminante para uma transação de liquidação financeira dessas operações pode-rá ser a forma de liquidação: débito ou crédito em conta corrente, TransferênciaEletrônica Disponível, etc. A combinação desse atributo com outros, como por exem-plo, transação de compra ou venda, irá definir as classes de equivalência.

    As classes de equivalência podem ser determinadas para as entradas e saídasdo sistema, sendo chamadas classes de entrada ou de saída. Uma vez claramentedefinidas essas classes, pode-se construir a matriz de entradas/saídas do siste-ma, que conterá, para cada classe de entrada, a classe ou as classes de saídacorrespondentes. No caso de operações em bolsas, para cada classe de entradaacima mencionada (compra de ações liquidada com cheque, venda de ações liqui-dada via crédito em conta corrente, etc.), deverão ser gerados diferentes resultadosna classe de saída “Relatório de Liquidações do Dia”.

    Determinadas as classes de entrada e de saída e a matriz de correspondênciaentre elas, pode-se construir os casos de teste. Recomenda-se que seja definidopelo menos um caso de teste para cada classe de equivalência, estabelecido deacordo com a natureza de cada classe. No caso anterior de valores a pagar ou areceber, poderiam ser estabelecidas as diversas classes, como por exemplo, valorzero, valor típico e um valor composto por noves do tamanho máximo do campo“valor a liquidar”.

    Definidos os casos de teste, esses devem ser reunidos em roteiros de teste.Um roteiro de teste é constituído por um ou mais casos de teste, de modo a repro-duzir um conjunto de transações do mundo real. Um roteiro de teste poderia ser,ainda no caso de uma corretora, a abertura de uma ordem de compra ou venda, aexecução dessa ordem, a apuração dos valores a liquidar e a passagem dessesvalores para o Sistema de Pagamentos Brasileiro e para outros sistemas que

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    operacionalizariam formas de liquidação diferentes. Para cada roteiro de teste, de-vem ser previamente determinados os resultados esperados. A elaboração de rotei-ros é um trabalho bastante extenso, exigindo quase sempre a participação dosusuários do sistema, daqueles que o especificaram e do pessoal responsável pelostestes.

    Atenção especial deve ser prestada ao cronograma de desenvolvimento do sis-tema: as atividades até agora mencionadas devem ser planejadas de forma a queocorram paralelamente às demais, de forma a que quando os roteiros estejamprontos, se possa iniciar imediatamente os testes. No outro sentido, é difícil elabo-rar-se os roteiros de forma muito antecipada, pois a prática mostra que os siste-mas vão sofrendo alterações de especificações durante o processo de desenvolvi-mento.

    A fase seguinte é a de execução dos testes, sendo os resultados obtidoscomparados com os esperados. As divergências, chamadas usualmente ocorrên-cias, podem ser resultados de erros do sistema ou de especificação. Erros deespecificação devem ser remetidos aos usuários para correção e deverão geraralterações no sistema. Nos casos de erros de sistema, a recomendação é a iden-tificação dos componentes afetados, e a correção das falhas.

    Corrigidos os erros referentes a uma dada ocorrência, os testes que permitiramsua identificação devem ser novamente executados, repetindo-se o ciclo até quese possa ter segurança quanto à eliminação das falhas detectadas. Antes que osistema entre em produção, todos os roteiros de teste devem ser executados nova-mente, pois o processo de correção dos defeitos gera a possibilidade da introduçãode novos erros nos programas.

    A possibilidade de automação da execução dos testes deve sempre serinvestigada e aplicada quando possível. Para isso estão disponíveis ferramentasautomatizadas, capazes de simular os comandos gerados por usuários de ambien-tes CICS, Windows, etc. O controle da execução dos testes, o armazenamentodos casos e dos roteiros de teste, a comparação entre os resultados gerados e osesperados, tudo isso é feito de forma automática por essas ferramentas, facilitandoem muito os testes, especialmente quando comparados àqueles executados coma ajuda apenas de geradores de arquivos como os utilizados em ambientes“mainframe” nas décadas de 70 e 80.

    Ao processo de testes devem ser aplicadas ferramentas de gerenciamento deprojetos (como as especificadas pelo PMI Standards Committee (PMBOK, 1996),por exemplo), de forma a garantir cumprimento de prazos, economicidade de recur-sos etc. Métricas, documentação dos testes, comunicação entre os participantesdo processo e as instâncias superiores devem ser garantidas. Aliás, a ausência depatrocínio dessas instâncias é fator que certamente levará ao fracasso qualquerprocesso de teste.

    A observação de métricas de qualidade é outro ponto importante e usualmentenegligenciado. Pode-se falar em quatro aspectos a serem considerados:

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    • ¨ corretitude, ou grau em que o “software” executa as funções que lhe sãoexigidas, usualmente expressa pela relação Erros/Kloc (“Thousand Lines of Code”ou milhar de linhas de código);

    • ¨ manutenibilidade, grau de facilidade com que o software pode ser corrigido,adaptado ou ampliado. É medida em termos de Tempo Médio para Mudança, quecorresponde ao tempo gasto para analisar um pedido de mudança, projetar a modi-ficação adequada implementá-la, testá-la e distribuí-la aos usuários;

    • ¨ integridade, que é a capacidade que um “software” tem de suportar ataques(acidentais ou intencionais) à sua integridade.. O nível de integridade usualmente éexpresso por £ = ( 1 - ameaça . ( 1 - segurança) ), onde ameaça é a probabilidadede que um ataque de um tipo específico ocorra dentro de determinado tempo esegurança a probabilidade de que o ataque seja repelido;

    • ¨ usabilidade ou “user friendliness” do “software”, que pode ser medida sobquatro aspectos: habilidade física/intelectual para se aprender a utilizar o sistema,tempo exigido para que um usuário se torne moderadamente eficiente no uso dosoftware, aumento de produtividade de usuário moderadamente eficiente e avalia-ção subjetiva (através de questionário ou similar).

    Reiteramos nossa posição de que o efetivo gerenciamento de projeto, entendi-do no sentido de aplicação de conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicasas atividades do projeto a fim de atender ou superar as necessidades e expectati-vas que os interessados (stakeholders) possuem no projeto (PMBOK 1996), é con-dição “sine qua non”, até mesmo mais importante que a aplicação estrita das téc-nicas de teste. Efeitos clássicos da aplicação de testes sem controle gerencial sãoas redundâncias, o retrabalho, o não teste de algumas funcionalidades, etc., tudogerando aumento de custos, prazos e principalmente, riscos.

    Uma questão vem à tona todas as vezes que testes de “software” são discuti-dos: quando se pode afirmar que o sistema foi suficientemente testado? O estabe-lecimento de critérios de cobertura permite responder a essa questão por garantirque um nível adequado de segurança será dado ao sistema. Critérios de coberturapodem, por exemplo, definir quais funcionalidades serão testadas, em função desua criticidade ou da disponibilidade de recursos e prazos para os testes. Como jáse disse, estes critérios devem ser definidos no planejamento, de forma a garantiros recursos necessários para conclusão dos testes.

    ConclusãoO processo de teste pode vir a consumir grande parte dos recursos orçados

    para o desenvolvimento do sistema. Quando estes custos não são previstos, devidoa limitações ou desconhecimento da organização, a atividade de teste acaba sen-do relegada ao segundo plano. A conseqüência freqüentemente é a entrega desoftware com baixa qualidade. O planejamento das atividades contribui para melho-rar a efetividade e eficiência do teste, minimizando os custos da correção de defei-tos.

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    A maioria das empresas utiliza metodologias de desenvolvimento de “software”que detalham as fases o os marcos do ciclo de desenvolvimento especificando osprodutos de cada fase. É importante planejar-se um processo de testes que acom-panhe o ciclo de desenvolvimento de “software” para assegurar um aperfeiçoamen-to do processo melhorando a qualidade final do produto de “software”.

    Referências bibliográficas

    ARNOLD, D.N. Two disasters Caused by Computer Arithmetic Errors ,em http://www.math.psu.edu/dna/455.f96/disasters. html, abril de 2002.

    MYERS, G. The art of software testing. New York: J. Wiley, 1979.

    PMBOK Guide. Project Management Body Of Knowledge, Newtown Square,PA: Project Management Institute, 1996.

    PRESSMAN, R. S. Software engineering: a practitioner’s approach. New York:McGraw-Hill,1997.

    RAWLINSON, J. A. (maio de 1987) The Therac-25 Experience. em OCTRF/OCIPhysicists Meeting, Kingston, Ontário.

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    A CEASA-CAMPINAS: ORIGENS ETRANSFORMAÇÕES

    Simone Francabandiera*

    Cândido Ferreira da Silva Filho**

    RESUMOAnálise da política de abastecimento de alimentos. Estudo da distribuição de alimentos no

    município de Campinas, destacando as origens, as transformações e as contribuições da CEASA-Campinas para o desenvolvimento da comercialização de hortifrutigranjeiros.

    PALAVRAS-CHAVE: abastecimento, comercialização.

    ABSTRACTFood provision policy analysis. Study of the distribution of food in the municipality of

    Campinas, emphasizing the origins, transformations and contributions of the CEASA-Campinasin the development of the commercialization of vegetable fruit and farm range products.

    KEY-WORDS: provision, commercialization.

    1. Política de Abastecimento de AlimentosEm 1964, os militares tomaram o poder e instauraram uma ditadura, isto deu

    espaço a uma fase de dirigismo econômico. Preocupados com a questão do abas-tecimento, os militares decidiram rever o papel da Superintendência Nacional deAbastecimento (SUNAB). A função da SUNAB passou a ser muito mais abrangenteque a simples intervenção do governo através do tabelamento de preços. Coube àSUNAB o tabelamento de preços, ”como também a incumbência de supervisionara compra, armazenagem e transporte dos produtos. E, ainda, incentivar a produ-ção e estabelecer sistemas de informações sobre a produção e o consumo dedeterminados gêneros de interesse governamental. Ainda pela Lei Delegada n° 5, aSUNAB poderia requisitar estoques, aplicar penas pecuniárias a especuladores edemais medidas julgadas necessárias à regularização do abastecimento a nívelnacional”. (ADABO,1980, p. 12).

    * Economista pela PUC de Campinas.** Professor da Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Administração de Empresas (FCECAE) PadreAnchieta e do Centro de Economia e Administração (CEA) da Pontifícia Universidade Católica de Campinas(PUC-Campinas). Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Economista.

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    Para viabilizar as funções traçadas para a SUNAB, o governo criou, em 1968, oGrupo Executivo de Modernização do Abastecimento (GEMAB), que tinha por obje-tivo apontar as melhores alternativas para a intervenção do governo no abasteci-mento. Esse grupo entendeu que o melhor seria a criação de um Sistema Nacionalde Centrais de Abastecimento (SINAC), recomendaram, também, que essas cen-trais ficassem próximas aos centros urbanos. O SINAC ficou sob a coordenaçãoda Companhia de Abastecimento de Alimentos (COBAL) (BELIK, 2000, p. 135).

    Dentre as metas do SINAC estava a diminuição dos custos diretos e indiretosde comercialização, implicando, por conseguinte, na redução dos preços dos ali-mentos consumidos pela população. Além disso, ao reunir todos os comerciantesnum mesmo local deveria existir uma maior transparência na comercialização,melhores condições de higiene, a eliminação de intermediários que não são neces-sários ao sistema, bem como, a diminuição das perdas (BELIK, 2000, p. 135).

    As decisões do GEMAB só foram totalmente concretizadas no I Plano Nacio-nal de Desenvolvimento (I PND), com a construção de várias Centrais de Abasteci-mento (CEASA’s) pelo território brasileiro.

    Para resolver o problema dos preços elevados dos alimentos distribuídos paraos consumidores finais a CEAGESP, pioneiramente, organizou varejões em suasdependências. O objetivo era elevar a quantidade vendida permitindo ganhos deescala e, por conseguinte, preços mais baixos.

    Uma outra solução apresentada foi a formação de uma rede de supermercadosvinculada à COBAL, denominada rede SOMAR. Esses supermercados estavamlocalizados na periferia dos grandes centros urbanos. Contudo, os supermercadosda rede SOMAR só tinham como atrativo os preços reduzidos, não apresentandooutros atrativos mercadológicos.

    A rede Somar chegou a ter 100 lojas espalhadas pelo Brasil, na década de 80.Porém, nos anos 80 começaram a ganhar importância as grandes redes de super-mercados, que visavam a atingir o mesmo público que era servido pela rede SO-MAR. Dessa forma, a rede SOMAR cedeu às pressões e acabou fechando asportas (BELIK, 2000, p. 136).

    Com o término da ditadura militar, as políticas governamentais tomaram umnovo rumo, o liberalismo e o mínimo de intervenção do Estado na economia ganha-ram importância.

    2. O Abastecimento Alimentar em Campinas2.1. O Mercado Municipal de Campinas

    O Mercado Municipal foi o primeiro centro de comercialização de produtoshortifrutigranjeiros de Campinas. As mercadorias eram transportadas de trem oupor carroças e as quantidades comercializadas eram por unidade. Como exemplo,podemos citar o caso da banana nanica, que era produzida próxima à cidade. Ocomerciante passava com a carroça recolhendo as bananas e as levava para acidade, onde eram colocadas nas estufas e, depois de maduras, levadas para oMercado Municipal, onde eram comercializadas. As bananas do tipo maçã eram

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    cultivadas nas regiões próximas ao litoral. De lá eram transportadas de trem atéCampinas e levadas de carroça até o Mercado Municipal.1

    O Mercado Municipal tinha uma localização estratégica, já que se encontravano centro urbano da cidade, o que facilitava o acesso através de carroças e bondes,meios de locomoção utilizados pelos clientes. Além dessas facilidades, outro pon-to que contribuía para o escoamento dos produtos era a proximidade entre o Mer-cado e a estação ferroviária local, apesar dessa ter como função prioritária o trans-porte de café. Contudo, no final da década de sessenta e início da década desetenta, o transporte já era feito através de carros e caminhões.

    Com relação à capacidade de atendimento do Mercado, o rápido crescimentoda população e, conseqüentemente, do número de automóveis, tornou inadequa-das tanto a capacidade física de comercialização quanto a sua localização.

    Com o aumento da população de Campinas a quantidade dos produtoscomercializados no Mercado Municipal tornou-se superior à capacidade do Merca-do, impossibilitando, entre outras coisas, condições de higiene satisfatórias. Dian-te desses problemas, era necessária a saída dos comerciantes do Mercado Muni-cipal para um outro local. Porém, não se tratava apenas da construção de um novobarracão, era preciso a formação de um corpo administrativo e o gerenciamentopelo poder público, evitando assim a formação de trustes e cartéis entres os distri-buidores de alimentos.

    2.2. A CEABA primeira tentativa de constituir esse corpo administrativo partiu da prefeitura

    de Campinas, que deslocou os comerciantes para o Jardim do Lago, bairro distantedo centro da cidade. A Central de Abastecimento (CEAB), conhecida como“Ceasinha”, foi inaugurada em 01 de julho de 1972, em caráter provisório. Tevecomo objetivos melhorar o trânsito na cidade, oferecer melhores condições de higi-ene e comercialização. Contudo, não houve uma boa aceitação pelos comercian-tes, pois o local não dispunha de infra-estrutura necessária à comercialização. Asestruturas dos barracões faziam com que as pessoas e as mercadorias ficassemexpostas às variações climáticas.

    Além disso, outra questão que contribuiu para a rejeição da CEAB foi a inclu-são de Campinas no SINAC, projeto de âmbito nacional que visava a modernizaçãono abastecimento alimentar dos centros urbanos. Esse projeto consistia na cria-ção de Centrais de Abastecimento que colaborariam para o aumento da oferta dealimentos, ponto esse elementar para a manutenção do crescimento econômicopromovido a partir de 1967 (“milagre econômico”). Dessa forma, a CEAB, que erauma iniciativa do governo municipal, foi fechada e os comerciantes foram incluídosnesse novo projeto, que foi denominado Central de Abastecimento S/A de Campi-nas (CEASA-Campinas).

    1 Entrevista realizada com Donato Francabandiera, comerciante que atua na comercialização de frutas no municí-

    pio de Campinas desde 1947.

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    2.3. A CEASA-CAMPINASPara que houvesse um crescimento integrado em todo o país o governo

    federal criou o Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento (SINAC),que teve como órgão normativo o GEMAB e como órgão gestor a COBAL.

    A Lei municipal n° 4.107, de 21 de março de 1972, assinada pelo entãoprefeito Orestes Quércia fundou a CEASA-Campinas:

    “O Poder Executivo autoriza a constituição, juntamente com a Uniãofederal, através da Companhia Brasileira de Alimentos – COBAL, uma soci-edade de economia mista, com a finalidade de construir, instalar e exploraruma Central de Abastecimento em consonância com o programa federal demodernização do sistema de abastecimento”.

    A CEASA – Campinas foi construída com os recursos do BNDE (BancoNacional de Desenvolvimento Econômico), COBAL e Prefeitura Municipal deCampinas, totalizando montante de investimentos no valor de Cr$ 55.000.000(Cinqüenta e cinco milhões de cruzeiros), moeda em vigor no período. (LeiMunicipal n° 4.107, de 21 de março de 1972).

    Para prefeitura de Campinas, coube como forma de amortizar na suaparte do contrato, conceder o terreno da municipalidade para a instalação daCEASA – Campinas. A CEASA-Campinas está localizada na rodovia DomPedro I, km 140, lado esquerdo de quem vem da Via Anhanguera em direçãoà estrada que liga Campinas à Paulínia.

    Nos dias atuais percebemos que a localização da CEASA é estratégica,ficando entre grandes rodovias como: Anhanguera, Bandeirantes, Fernão Dias,Carvalho Pinto, Dutra. Isso torna fácil o escoamento das mercadorias alicomercializadas. Entretanto, em um primeiro instante, os permissionáriosforam contra a implantação da CEASA tão longe do centro. Esses alegavamque a distância dificultaria o acesso de clientes e funcionários até o local.Além dessa resistência, outras ocorreram, como comenta Silva Filho: “...houve resistências à mudança, bem como, as tarifas, à padronização dasembalagens, às normas para cadastramento e aos critérios para o efetivofuncionamento da central de abastecimento”. (SILVA FILHO, 1999, p. 90)

    As Centrais de Abastecimento, na qual se insere a CEASA-Campinas,foram criadas para resolver os problemas dos antigos Mercados Municipais.Além disso, tinham outros objetivos:

    • ¨ reduzir os custos diretos da comercialização ao nível do atacado, ouseja, custos decorrentes de perdas, despesas de mão-de-obra e de fretesadicionais;

    • ¨ reduzir os custos indiretos das organizações que operam no mercadoatacadista, ou seja, propiciar condições para que ocorram economias deescala;

    • ¨ propiciar a concentração da oferta e conseqüentemente melhorescondições para a comercialização;

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    • ̈ promover a especialização dos comerciantes e a eliminação da intermediaçãodesnecessária;

    • ¨ oferecer os meios necessários para melhoria nas condições higiênico-sani-tárias de manuseio e embalagem, de classificação e padronização dos produtos;

    • ¨ propiciar condições para a dinamização ampliação e difusão de informaçõesde mercado;

    • ¨ oferecer alternativas à melhoria dos hábitos alimentares da população atra-vés do aumento de opções para aquisição de produtos;

    • ¨ propiciar a elevação do nível de renda dos empresários agrícolas pelo aper-feiçoamento do mecanismo de formação de preços e diminuição das perdas físi-cas, por deficiência dos canais de escoamento da produção;

    • ¨ prestar subsídios às autoridades governamentais para a definição de políti-cas de abastecimento”. (SALLES,1991, p. 40).

    Visando ao aumento da oferta de hortifrutigranjeiros para o abastecimento daCEASA-Campinas, melhores condições de cultivo para o produtor e a diminuiçãodos preços dos alimentos para a população, o governo federal inaugurou em 04 demaio de 1978, o Mercado Produtor de Paranapiacaba, no município de Guapiara,sul do estado de São Paulo.

    Houve também iniciativas pelo lado da demanda. Foram criados Varejões,Sacolões e até mesmo uma rede de supermercados (rede Somar), instrumentospara escoar a produção não comercializada, levar produtos a baixos preços para apopulação dos bairros periféricos e influenciar os preços dos hortifrutigranjeiros nomercado de Campinas. A importância desses equipamentos de varejo pode serobservada pelo montante (em t/ano) comercializado, como mostra a tabela 1.

    TABELA 1. Comercialização de hortifrutigranjeiros (em t/ano) nos equipamen-tos de varejo administrados pela CEASA-Campinas, 1979 a 1991.

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    Fonte: Yvonne Pellegrini Coelho. Histórico da Ceasa / Campinas emsuas várias administrações.

    Assessoria de Planejamento da Ceasa-Campinas, in SILVA FILHO,1999, p. 97.

    A CEASA-Campinas chegou a possuir 11 pontos de venda espalhadospor toda a cidade. No entanto, com os investimentos privados na distribui-ção de alimentos a participação da CEASA-Campinas nesse segmento pas-sou a ser dispensável.

    3. Transformações na comercializaçãoEmbora tenha sido fundada em 1972, a CEASA-Campinas, começou a

    operar apenas no ano de 1975. Em 1989, de acordo com a lei municipal n°6.111, o governo federal cedeu a sua parte do controle da CEASA para aPrefeitura Municipal de Campinas. Assim, as políticas de controle e desen-volvimento do setor hortifrutigranjeiro perderam a padronização nacional, jáque coube aos Estados e às prefeituras desenvolverem suas próprias políti-cas.

    No que diz respeito aos hortifrutigranjeiros os principais mercados aten-didos pela CEASA-Campinas são o estado de São Paulo, o sul de MinasGerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e o norte do Paraná. Em relaçãoàs flores, essa abrangência é ainda maior, pois além das regiões menciona-das acima, compradores de Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília e Recifecomparecem semanalmente ao mercado de flores de Campinas.

    A quantidade, em toneladas, comercializadas pela CEASA-Campinasvem aumentando em média 6,5% ao ano, como mostra a tabela 2.

    Para tanto, a Ceasa-Campinas dispõe de uma área de 500.000m², sen-do 100.000m² de área construída e 38.500m² de área para comercialização.A área para comercialização é composta por módulos (pedras) e boxes. São126 boxes e 706 “pedras” que trabalham com frutas, legumes e verduras(FLV) e 504 “pedras” que trabalham com flores.

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    TABELA 2. Movimentação de Hortifrutigranjeiros e Flores na Ceasa- Campinas,1976 a 2000.

    Fonte: Assessoria de planejamento da CEASA-Campinas.(*) Só houve controle da comercialização de flores a partir de 1998

    A Ceasa é um grande centro gerador de empregos, a estimativa é de 5.300empregos diretos e aproximadamente 20.000 empregos indiretos. É interessanteobservar que, por ser uma empresa de economia mista compartilham do mesmo

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    espaço funcionários públicos e privados.O número de permissionários permanentes (pessoas que pagam pela permis-

    são de comercializar na Ceasa) no ano 2000 foi de: 524 hortigranjeiros; 309 flores;55 atípicos; 88 varejos e 1 atacado.

    O transporte das mercadorias é feito por veículos de carga. Os caminhõesabastecem a Ceasa-Campinas e escoam as mercadorias para os consumidores.O montante de caminhões que circulam pela Ceasa é 13.000 veículos por semana.

    Estima-se que 15.000 pessoas circulem diariamente pelas dependências daCeasa-Campinas. Como exemplo, podemos citar compradores e vendedores deFLV, bancários, permissionários, vendedores de serviços e produtos em geral. Paraesse grupo, os quais utilizam veículos leves, foi construído um estacionamentocom 1.400 vagas.

    Para sustentar o contínuo crescimento da Ceasa-Campinas foi necessário odesenvolvimento de estabelecimentos que prestam serviços auxiliares e comple-mentares como mostra tabela 3.

    Como podemos verificar existe na Ceasa-Campinas um grande número de pes-soas trabalhando diretamente com as atividades de comercialização dehortigranjeiros, bem como, na prestação de serviços indiretos e na infraestrutura deajuda aos usuários.

    TABELA 3. Estabelecimentos que Prestam Serviços Auxiliares na Ceasa-Cam-pinas, 2000.

    Fonte: Assessoria de Planejamento da Ceasa-Campinas.

    É importante observar que alguns dos objetivos buscados desde a implantaçãoda CEASA ainda não foram atingidos, tais como o desenvolvimento de embala-gens, a melhoria da padronização e classificação de produtos, a modernização de

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    processos e o treinamento de agentes de comércio, o que implica em negociaçõesde venda informais e imprecisas

    Isso contribui para uma “posição dominadora” dos supermercados. Devemoslevar em consideração que 40% da comercialização da Ceasa-Campinas são des-tinadas aos supermercados, como mostra a tabela 4.

    TABELA 4. Principais destinos dos hortifrutigranjeiros comercializados pelaCeasa-Campinas, 2000.

    Fonte: Assessoria de Planejamento da Ceasa-Campinas.

    Um exemplo típico dessa “posição dominadora” pode ser observado nos con-tratos de compra firmados entre os supermercados e os seus fornecedores, nosquais é imposto o preço, os descontos e os prazos para conclusão da venda.

    Ao mesmo tempo, os demais compradores que se remetem à CEASA partici-pam de um mercado tipicamente “spot” (os preços são determinados no momentoem que as transações se completam) não obtêm, assim, os mesmos privilégiosconcebidos aos supermercados.

    Diante dos problemas causados pela falta de transparência na comercialização,a CEASA-Campinas vem desenvolvendo um projeto de comercialização através daInternet. Além de tornar mais ágeis as negociações, esse projeto garantirá a segu-rança, tanto para os vendedores quanto para os compradores. Em primeiro lugar,porque os preços serão formalizados. Em segundo lugar, os produtos para seremcomercializados nesse sistema terão que obedecer a um padrão pré-estabelecido,o que forçará os comerciantes e produtores a investirem no desenvolvimento deembalagens, na melhoria da padronização e classificação dos produtos. E, emterceiro lugar, diminuirão os riscos de inadimplência, pois essas negociações se-rão garantidas pelo Banco do Brasil, instituição na qual os compradores devem secadastrar para efetuar as compras.

    ConclusãoAs CEASA’s contribuíram para a melhoria do sistema de abastecimento de

    alimentos. Sua instalação se fez nas cidades que apresentavam altos índicesdemográficos e elevadas massas de salários. Nesse quadro, temos a cidade deCampinas que, mesmo não sendo uma capital, destacava-se por atrair um número

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    crescente de indústrias nacionais e multinacionais, entre outras coisas, devido àproximidade da capital do Estado, aos benefícios fiscais e a mão-de-obra qualifica-da.

    Todo esse potencial fez com que a Ceasa-Campinas se tornasse uma dasprincipais CEASA’s do Brasil.

    A ampliação da quantidade e a modernização do comércio de FLV sempreforam metas buscadas pela Ceasa-Campinas. Todavia, existem alguns problemasna comercialização de hortifrutigranjeiros que, ainda hoje, não foram resolvidos,aumentando os custos dos produtos e reduzindo a competitividade daqueles queatuam nessa central de abastecimento.

    Dentre os problemas, destacamos a utilização de embalagens inadequadas,como a caixa “K”, e a falta de classificação objetiva dos produtos, os quais sãofatores que mostram o atraso na comercialização.

    Além disso, as grandes redes de supermercados estão, a cada dia, engloban-do fatias maiores do mercado de hortifrutigranjeiros, pois “descobriram” que oshortifrutigranjeiros atraem clientes para as lojas. Por transacionarem uma grandequantidade de mercadorias, formam suas próprias Centrais de Distribuição ou Pla-taforma de Distribuição, impondo preços e descontos aos comerciantes, além denegociarem diretamente com o produtor sem passar pelas CEASA’s.

    Para reverter essa situação, é necessária a adoção de políticas modernizadoras,tais como, embalagens apropriadas, classificações coerentes e objetivas.

    Para ajudar na resolução desse problema, a Ceasa-Campinas está desenvol-vendo um sistema virtual de comercialização. O sistema funcionaria como um lei-lão virtual, onde quem oferecer a mercadoria com o preço menor vende e quem dero maior lance, leva.

    Para entrar nesse sistema é necessário que a mercadoria siga os padrõesestipulados pelo Programa Brasileiro para a Melhoria dos Padrões Comerciais eEmbalagens de Hortigranjeiros.

    O sistema virtual de comercialização acabará forçando os atacadistas e produ-tores a utilizarem melhores embalagens e a classificar seus produtos de uma for-ma adequada, pois as pessoas que adotarem esse padrão terão lucratividades,incentivando os demais a se modernizarem.

    No entanto, existem particularidades na comercialização de hortifrutigranjeirosque podem vir a ser obstáculos.

    A falta de acessibilidade à informática no Brasil é um exemplo de obstáculo. Asquitandas, supermercados, restaurantes ou cozinhas industriais, que não sãoinformatizadas e que movimentam uma porcentagem considerável dehortifrutigranjeiros, não teriam como participar das transações. Além disso, osmódulos (pedras), não possuem espaço físico para implantação de um sistemavirtual.

    Dessa forma, se o sistema de comercialização eletrônica fosse implantado,esses setores ficariam às margens das negociações e buscariam outras formas de

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    comercializarem com menos burocracia, ou seja, seria um incentivo ao aumentoda informalidade no setor.

    No sistema apresentado pela Ceasa-Campinas, o Banco do Brasil intermediariaa parte financeira das negociações. Tanto permissionários, quanto os compradoresperderiam a liberdade das negociações das taxas com outros bancos, pois sendoa única instituição financeira a participar, o Banco do Brasil, poderia aumentar astaxas de cobrança de serviços, sem que houvesse concorrência. No entanto, mes-mo que houvesse a participação de outras instituições financeiras, os custos emfunção da prestação de serviços bancários acarretariam em aumento dos preços.Logo, com o aumento do custo das mercadorias do sistema virtual, conseqüente-mente teríamos o aumento dos preços ao consumidor.

    Referências bibliográficas

    ADABO, J. H. Um estudo sobre a intervenção do Estado noabastecimento. Informativo Técnico SUNAB. Rio de Janeiro, v. 3, n. 1,p. 18-45, jan./mar.1981.

    BELIK, W. Mecanismos de coordenação na distribuição de alimentos no Bra-sil. In.: BELIK. W & MALUF, R. S. Abastecimento e segurança alimentar:os limites da liberalização. Campinas, IE/UNICAMP, 2000, p. 131-59.

    Lei Municipal no. 4107, de 21 de março de 1972.

    Lei Municipal no. 6111, de novembro de 1989.

    SALLES, J. T. A. de O. Comercialização de hortigranjeiros na Ceasa-Campinas: 1981-1990. Campinas, 1991. Dissertação (Mestrado emEngenharia Agrícola) - Universidade Estadual de Campinas.

    SILVA FILHO, C. F. da. Política de abastecimento de alimentos: a experiênciada CEASA-Campinas. São Paulo, 1999. Tese (Doutoramento em CiênciasSociais) - PUC - SP.

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    ELEMENTOS PARA A GESTÃO AMBIENTALURBANA: DIREITO AMBIENTAL E URBANÍSTICO,

    POLÍTICAS PÚBLICAS E PLANEJAMENTOMUNICIPAL

    Rodolfo Antônio de Figueiredo*

    RESUMOEstá nos ombros dos administradores municipais a responsabilidade em assegurar aos

    seus concidadãos a necessária qualidade de vida, através de uma adequada ordenação dasatividades desenvolvidas no Município. O papel dos Administradores nos grupos que elaboramos planos diretores das cidades modernas, caóticas quanto à ocupação desordenada e descon-trolada do solo, é imprescindível para que essa qualidade de vida seja minimamente preservada.Nesta atuação, o Administrador deverá se familiarizar com os princípios do direito ambiental eurbanístico, assim como os do planejamento ambiental urbano.

    PALAVRAS-CHAVE: administração municipal, direito ambiental, direito urbanístico, políticaspúblicas, planejamento ambiental.

    ABSTRACTIt is the municipal administrators´ responsibility to assure their fellow citizens the necessary

    quality of life, through an adequate ordering of the activities developed in the Municipality. Therole of the Administrators in the groups that elaborate the Director Plans of modern cities,chaotic regarding the disorganized and uncontrolled occupation of the land, is essential for thisquality to be minimally preserved. In this activity, the Administrator must familiarize himself withthe principles of the environmental and urban law, as well as those of the environmental and urbanplanning.

    KEY-WORDS: municipal administration law, environmental law, urban law, public policies,environmental planning.

    IntroduçãoAs cidades são criações humanas, nas quais os elementos naturais primevos

    interagem com aspectos culturais, sociais e políticos da sociedade. COULANGES(2001) mostrou que as concepções ideológicas políticas regeram a construção dassociedades antigas e suas respectivas cidades. Segundo este autor: “o homem é

    * Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas pela UFSCar, Bacharelando em Direito na FADIPA, Mestre eDoutor em Ciências (área Ecologia) pela UNICAMP; Professor Titular e Coordenador Pedagógico do curso deCiências - Habilitação em Biologia da Faculdade de Ciências e Letras Padre Anchieta, Professor e Coordenadordo curso de Pós-graduação em Ecologia e Educação Ambiental, e Coordenador Geral do Centro de Pós-Gradua-ção das Faculdades Padre Anchieta, Rua Bom Jesus de Pirapora 140, 13207-660 Jundiaí, SP, (0xx11)45218444ramal 244, Email: [email protected]

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    um animal construtor de cidades”.O Brasil, hoje, é um país essencialmente urbano, uma vez que cerca de 80%

    da população vive em cidades. O inchaço das cidades ocorreu nos últimos trintaanos, através de amplo êxodo rural. Mais recentemente, surgiram as regiões me-tropolitanas que abrigam grande contingente populacional, e a tendência verificadaé de crescimento acentuado para as cidades médias. Este estado da urbanizaçãobrasileira é visto por SILVA (1999) como um reflexo do desequilíbrio e da desintegra-ção da política urbana regional e nacional.

    Nas cidades modernas, caóticas, a ocupação do solo ocorre aleatoriamente ede forma descontrolada. Urge, portanto, a participação ativa de Administradoresnos grupos que elaboram os planos diretores das cidades. Os impactos ambientais,levados a efeito devidos o processo de urbanização, são os mais variados e afetamdiretamente a qualidade de vida dos cidadãos (GUERRA & CUNHA, 2001). A popu-lação percebe, mesmo que inconscientemente, a degradação de seu entorno,externando-a como uma insatisfação, ou satisfação, pelo lugar onde vive e pelosagentes do Poder Público local (JACOBI, 1999). Essa mesma população, ondeinclui-se muitos Administradores, tem o direito e o dever de melhorar os seus locaisde atividade -–moradia, trabalho e lazer – através de uma efetiva atuação (NALINI,2001).

    A gestão do ambiente urbano é realizada por vários meios ou instrumentos. Osmais tradicionais são os instrumentos normativos, compostos principalmente pe-las leis ambientais federais, estaduais e municipais; os instrumentos fiscalizatórios,levados a efeito pelo Poder Executivo; os instrumentos preventivos, visando à im-plantação de áreas de atividade humana sem risco ambiental ou com mínimosriscos, incluindo-se aí as áreas verdes urbanas; e os instrumentos corretivos, utili-zados pelo Poder Executivo para implantação e manutenção de arborização urba-na, de saneamento, de coleta de resíduos e de cuidados gerais para com a cidade.

    A eficácia da gestão ambiental urbana esbarra na falta de recursos financeiros,tecnológicos e humanos, mormente em nível municipal, assim como nos conflitossócio-ambientais emergentes dos mais variados grupos que têm interesses diver-sos, muitas vezes antagônicos, e que muitas vezes não receberam uma educaçãoadequada e significativa na conscientização ambiental.

    A Legislação AmbientalA atuação pública está adstrita ao que confere as normas legislativas postas

    no país. Ou seja, são as leis que regem a atuação pública. Assim sendo, há de sediscutir primeiramente a legislação ambiental, após o qual embasar as possibilida-des e freios à atuação dos órgãos e instituições públicas na conservação e manejoambiental.

    As leis ambientais no Brasil são antigas, datando do período colonial. A legis-lação portuguesa utilizada no Brasil colônia era muito rígida e ditada por interesseseconômicos do reino nas colônias. Nas Ordenações Filipinas, promulgadas em

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    1603, ficou estabelecida a proteção às árvores e seus frutos, tendo por pena aocriminoso que cortar uma árvore de valor, o seu degredo para o Brasil. Com isso,boa parte da colonização do nosso país foi realizada por pessoas que apresenta-vam risco à qualidade ambiental do Reino de Portugal. Será que a ausência devalores de proteção aos seres vivos, mormente às árvores, desses primeiros habi-tantes europeus do Brasil ainda continua viva em nossa memória cultural coletiva?

    Ainda no Brasil colônia, em 1773 foi editada carta régia que trata da legislaçãoflorestal. E, em 1796 foi instituído o cargo de juiz conservador das matas, compoder de fiscalização e de polícia, aplicando sanções aos degradadores do ambi-ente natural.

    Os holandeses, no Brasil, constituíram uma série de normas que protegiam asárvores frutíferas da região que dominavam, assim como normas que regulamenta-vam a pesca e o destino de resíduos nos rios.

    Quando a família real se estabeleceu no Brasil, o Jardim Botânico do Rio deJaneiro foi criado, em 1808. Sua principal função, à época, era o cultivo de espéciesda flora brasileira e indiana.

    O Brasil império viveu sob a égide das Ordenações Filipinas, não surgindograndes inovações na área da legislação ambiental. A Constituição do Império de1824 não trazia qualquer destaque em relação ao ambiente. O mesmo ocorreuquando da publicação da primeira Constituição da República, em 1891. O CódigoCivil promulgado em 1916, recentemente derrogado, indicava e sancionava o usonocivo da propriedade.

    A segunda Constituição republicana de 1934 já determinava que a competênciada União e dos Estados em proteger os monumentos paisagísticos, construídos ounaturais. Com a centralização do poder nas mãos do executivo, promovida porGetúlio Vargas no Estado Novo, a constituição de 1937 estabelece competênciaprivativa da União para legislar sobre questões concernentes ao ambiente, emborainstitua competência também aos Estados e Municípios para a proteção de monu-mentos históricos e paisagens naturais. Este período viu surgir diversas leis deproteção ao ambiente, como a que estabelecia normas sobre a proteção às flores-tas, sobre as águas (ainda parcialmente em vigor), sobre a caça e sobre a proteçãoao patrimônio histórico e artístico nacional (ainda em vigor).

    A Constituição de 1946 continua a considerar competência da União para legis-lar sobre o ambiente, mas possibilita a competência concorrente da União, dosEstados e dos Municípios em relação ao tombamento, ou seja, à restrição de usode local cuja conservação seja de interesse público. Em 1948, foi ratificada a con-venção americana sobre proteção de flora, fauna e belezas cênicas dos países daAmérica.

    Não houve alteração significativa nas atribuições de competência quando daedição da Constituição de 1967 (e da Ementa Constitucional de 1969). Este perío-do, no entanto, foi profícuo em legislação infra-constitucional versando sobre oambiente, tais como as que conferiam proteção aos monumentos arqueológicos e

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    pré-históricos, que estabelecia a desapropriação para fins de proteção ambiental,que instituía a ação popular e a responsabilidade da União na criação e conserva-ção de parques e reservas, além da promulgação dos Códigos de Pesca, Minera-ção e do Ar. Na década de 1970, ainda sob o regime militar, o Brasil recebeu leissobre a política habitacional e o parcelamento do solo urbano e sobre a criação delocais de interesse turístico.

    Pouco antes da redemocratização do país pela Carta Magna de 1988, surgiramas leis que instituíam a Política Nacional do Meio Ambiente e a ação civil pública.Foi a atual Constituição Federal, promulgada em 1988, que conferiu uma atençãotoda especial ao ambiente, no seu capítulo VI do título VII. Em 1998, foi editada alei que define os crimes ambientais.

    A legislação ambiental brasileira foi construída ao longo do tempo ao estabele-cer por pilares principais: a obrigatoriedade da intervenção estatal, ou seja, desde oBrasil colônia até nossos dias é conferido ao Poder Público o estabelecimento dasdiretrizes para a proteção e uso do ambiente; o princípio da prevenção e precaução,que estabelece que o Poder Público deverá dirigir as atividades humanas de modoa eliminar possibilidades de risco aos ecossistemas nacionais e à população; ainformação e notificação ambiental, cabendo ao Poder Público manter a populaçãoinformada das questões concernentes ao ambiente, assim como às outras naçõesse eventos danosos ao ambiente ocorrerem; a educação ambiental que possibiliteàs populações o acesso aos saberes e fazeres que almejam a qualidade ambientale o desenvolvimento da nação; a participação popular organizada em planejamentoe ações que envolvam o ambiente; a responsabilidade da pessoa física e/ou jurídicapor danos ao ambiente; e a soberania do Estado, que tem total independência paraestabelecer sua política ambiental.

    A Legislação UrbanísticaA legislação urbanística estabelece limites à ocupação do solo por particulares

    e pelo Poder Público, ordenando os espaços urbanos e rurais (SILVA, 1999). Obem público e os interesses coletivos são as alavancas para produção das normasurbanísticas. Tanto o bem-estar dos cidadãos quanto a proteção da natureza sãobuscados pelo Direito Urbanístico, estando este, portanto, em íntima relação como Direito Ambiental.

    As normas urbanísticas surgiram nas cidades greco-romanas. O direito urba-nístico grego existente na Antigüidade preconizava a desapropriação para obraspúblicas, a proteção de espaços públicos contra os usos particulares e a atuaçãopública no recolhimento do lixo e na limpeza das ruas. O direito urbanístico romanotambém concedia ao poder público a supervisão dos aquedutos e esgotos, a dis-tância entre as residências (de 1,5 a 3m), controle sobre construções e demoliçõesefetuadas por particulares e a expropriação com pagamento de indenização.

    Na Idade Média, o direito urbanístico também preconizava a desapropriaçãopelo poder público. O Renascimento trazia a concepção de segurança das constru-

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    ções, principalmente em relação ao transeunte das ruas, procurando facilitar acirculação. A estética da cidade também passou a integrar os documentos jurídi-cos da época. A desapropriação tornou-se de uso freqüente e a utilização do solocomeçou a ser abordado pelo direito urbanístico do Século XVIII. Ao final desteSéculo XVIII, o direito urbanístico se estabelecia, primeiramente na França, comoum ramo do direito administrativo.

    No Brasil atual, a Constituição Federal de 1988 discrimina como dentre ascompetências dos Municípios, legislar sobre matérias de direito urbanístico, assimcomo sobre a proteção do ambiente e do patrimônio histórico, cultural, artístico,turístico e paisagístico. Assim, a urbanização de terrenos dentro das cidades é decompetência exclusiva do Poder Executivo Municipal, pois cabe ao Município “pro-mover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento econtrole de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (art. 30, VII,Constituição Federal).

    O Poder Municipal e As Políticas PúblicasA Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a responsabilidade pela prote-

    ção ao ambiente é do Poder Público e da sociedade. Ao Poder Público foram ex-pressamente atribuídas as obrigações de cuidar do patrimônio genético, de preser-var e restaurar processos ecológicos, de definir áreas de proteção ambiental, depromover a educação ambiental, de proteger a fauna e a flora e de avaliar o estabe-lecimento e continuação de atividades potencialmente poluidoras e degradadoras.À sociedade, a Lei Nº 7.347/85 conferiu um instrumento jurídico da mais alta rele-vância para garantir que seus direitos (ditos coletivos ou difusos) sejam defendidos:a ação civil pública. As indenizações pecuniárias resultantes de causas ganhassão transferidas ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), que utiliza o mon-tante arrecadado no financiamento de projetos na área ambiental.

    Na atual Carta Magna, o Município passou a ser considerado como integranteda Federação Brasileira, adquirindo autonomia para administrar seus interesseslocais e integrando o SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). A autonomiamunicipal e a responsabilidade pela proteção ao ambiente, ambos conferidos pelaConstituição Federal de 1988, permitem à administração pública uma atuação efe-tiva na proteção ambiental e no desenvolvimento do local onde vivem os humanosurbanos: o Município.

    Os municípios são estruturados política e administrativamente pelas suas leisorgânicas, que funcionam como constituições ao nível municipal. A falta de umapolítica ambiental em nível municipal não poderia ser mais admitida, em face dosdireitos e deveres que a Constituição Federal outorgou aos Municípios. No entanto,constata-se que a maioria dos municípios não atua na área ambiental, argumentan-do que a responsabilidade é da União, através do IBAMA (MATOS, 2001). Obvia-mente, não é, e esta omissão coloca os munícipes em condições aquém dasdesejadas em termos de qualidade ambiental e de vida. A não criação de condições

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    para exercer o poder de polícia, através das leis orgânicas, das leis munici-pais e dos planos diretores, queda o Município inerte diante da desorganiza-ção das atividades e uso do solo em áreas urbanas e rurais, gerando adegradação ambiental com conseqüências para a saúde e qualidade devida da população.

    A Constituição Federal é clara ao definir explicitamente que compete aoMunicípio legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive suplementandoa legislação estadual e federal, assim como promover o adequadoordenamento territorial e a proteção ao patrimônio histórico-cultural local.

    O Município tem por máximo interesse os seus cidadãos. Acima daqualidade de vida dos munícipes não estão interesses de ordem econômi-ca. Assim sendo, o desenvolvimento municipal tende a se pautar pelo res-peito e pelos limites impostos pela satisfação dos munícipes, aproximando-se aos ideais do desenvolvimento sustentável. O Município tem todos osinstrumentos para promover o desenvolvimento local, sem estar atado aosinteresses meramente econômicos, mas sim totalmente em sintonia comos interesses da população em seu bem-estar.

    Os Municípios são os responsáveis pela implementação integral da le-gislação ambiental, uma vez que suas políticas de proteção e recuperaçãoambiental serão os que proporcionarão reflexos em nível macro (em nível deEstado e nível nacional). Gerindo o interesse local, o Poder Público munici-pal enfrentará com melhor conhecimento e agilidade as questões ambientaisimpostas.

    A Constituição Federal confere aos Municípios a faculdade de criar emanter guardas municipais destinadas à proteção das instalações e dosserviços municipais. Em uma experiência louvável, o Município de Jundiaí,Estado de São Paulo, estabeleceu como uma das funções da Guarda Muni-cipal de Jundiaí a fiscalização de atividades realizadas na Reserva Munici-pal Serra do Japi, assim como a responsabilidade de uma de suas guarni-ções em apagar os incêndios que nesta reserva ocorrem.

    A constatação de que é no nível municipal que se deve apoiar a revolu-ção rumo à qualidade ambiental e de pouco é feito neste sentido, cabe apergunta: por quê? A resposta resvala em uma ainda pobre consciênciapolítica da população, que mal consegue perceber a falta de programas einteresse dos políticos, muitos ainda atrelados a interesses pessoais e nãono desenvolvimento equânime dos munícipes. Resvala, também, em umaausência do Poder Público Estadual e Federal em promover umaconscientização e capacitação aos administradores municipais, visando aofortalecimento dos Municípios e sua autonomia.

    Planejamento Ambiental e Plano Diretor do MunicípioO Renascimento é o período no qual surge a idéia da necessidade de

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    elaboração um plano global do espaço urbano. A partir do Século XVIII, as cidadespassam a se orientar por planos. As políticas de urbanismo são implementadas emvárias cidades, como em Roma, por dirigentes públicos e autoridades eclesiásti-cas, como os papas. Nos Séculos XVII e XVIII, o urbanismo preconiza que ascidades devem ter dimensões moderadas, apesar de que na prática não é isso queocorre nas grandes cidades, como Paris. Também, a necessidade de salubridade ehigiene urbana é difundida, resultando na construção de redes de abastecimento ede áreas verdes. Na era industrial (Séculos XIX e XX), a idéia de cidades planejadasviceja na Europa, nos EUA e nos países periféricos.

    Os Municípios, atualmente no Brasil, são instados a promover o adequadoordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento eocupação do solo urbano. O plano urbanístico (Plano Diretor) é obrigatório para osMunicípios com mais de 20 mil habitantes (SILVA, 2002).

    O Direito Urbanístico tem sua face de aplicação imediata no Plano Diretor. Éatravés dele que são estabelecidos os objetivos, prazos, atividades, desenvolvi-mento futuro e competências para executar as diretrizes urbanísticas e de utiliza-ção do solo no Município. DANI (1994) esclarece que o planejamento ambiental seconcretiza no zoneamento ambiental do município, expresso em seu Plano Diretor.LOPES (1998) ensina como fazer um planejamento estratégico para o desenvolvi-mento urbano. Cita, ainda, este autor que o planejamento estratégico é um comple-mento necessário ao plano diretor das cidades. O planejamento negociado entretodos os atores envolvidos nos conflitos socioambientais existentes na cidade e aeducação para a mudança social são os atuais paradigmas para a busca da quali-dade ambiental sustentável do meio urbano (VARGAS & RIBEIRO, 2001).

    O Plano Diretor deverá ter, por princípio, a adequação do ambiente urbano àsaspirações de bem-estar dos cidadãos, que requerem proteção e convívio com anatureza assim como uma rede de serviços adequada. Assim, o Plano Diretor deve-rá, entre outras atribuições, regulamentar o patrimônio natural do Município, prote-gendo os diferentes ecossistemas que nele se encontrem. Também, deverá primarpor utilizar os locais naturais com fins de recreação e lazer da população, sempretendo em mente a conservação ambiental.

    O Plano Diretor será feito e reformulado para melhor adequar os desenvolvimen-tos físico, econômico e social do Município, através da ordenação dos espaçoshabitáveis e destinados a indústrias, da reurbanização de bairros, da construção devias de acesso, da construção de residências e das redes de serviço público e dozoneamento ambiental.

    Uma das importantes técnicas a serem utilizadas na elaboração e/ou revisãode um Plano Diretor, é o da análise paisagística. Esta análise proporcionará umaboa visão de características das paisagens presentes no Município, assim comoseus pontos fortes e seus desequilíbrios. Com base nestes dados, melhor serápossível realizar a conservação da natureza e das relações sociais dos munícipes,uma vez que o potencial de utilização de cada paisagem será constatado e consi-

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    derado. A análise da paisagem permitirá que a cidade conheça a sua paisagemnatural e compreenda como ela funciona, podendo, assim, assumir sua valorizaçãoe valoração frente aos pontos fortes e fracos, além da proposição de intervenções.

    Apesar da análise paisagística não ser definida pela legislação, portanto nãosendo obrigatória, ela torna-se um momento privilegiado da discussão do que sequer para o futuro do Município. Depende, no entanto, de uma vontade políticaadvinda de um pujante respeito à natureza. E, isto somente é conseguido atravésda Educação Ambiental irrestrita a todos os estratos sociais, mormente à classepolítica municipal.

    ConclusãoAs cidades difusas da atualidade brasileira são de fundamental importância

    para o país, uma vez que vem delas cerca de 90% do PIB. São, também, os locaisonde vive a maioria do povo brasileiro, que necessita de bem-estar físico e psicoló-gico. A gestão urbana, portanto, realizada pelos governos municipais, é fundamen-tal para a manutenção da qualidade de vida da população, não as frustrando emsuas expectativas com relação à cidade onde reside, trabalha, diverte-se, enfim,onde passa todas as fases de sua vida.

    As leis ambientais e urbanísticas são o substrato para a atuação do PoderPúblico. São instrumentos necessários, no Estado Democrático de Direito que seconstitui o nosso país, mas as leis em si não podem reverter a degradação humanae do ambiente, verificada nas aglomerações urbanas.

    Decisiva é a vontade política, mormente do Poder Público em nível municipal. Afalta de verbas devido à redução de receitas, a falta de tecnologia e profissionaiscapacitados à disposição da municipalidade, a precariedade da conscientização eda educação ambiental, juntamente com o restrito acesso à justiça pela populaçãode mais baixa renda, que é justamente a que mais sofre com os problemasambientais, são as prementes condições que devem ser enfrentadas pelo PoderPúblico (Federal e Estadual), a fim de viabilizar a autonomia municipal.

    Está nos ombros dos administradores municipais a responsabilidade de asse-gurar os seus concidadãos a necessária qualidade de vida, através de uma adequa-da ordenação das atividades desenvolvidas no Município. À Câmara de Vereadorescabe disciplinar, através de legislação municipal, os interesses locais predominan-tes, tais como a criação e recuperação das áreas verdes municipais, o turismo, avigilância sanitária e o desenvolvimento urbano, assim como fazer uma políticatributária municipal que viabilize a preservação e conservação do ambiente. Aosvereadores está a incumbência de elaborar um código ambiental municipal, deforma a fornecer os instrumentos necessários ao Poder Executivo do Município.

    A velha máxima dos primeiros ambientalistas permanece, pois somente atra-vés do agir local é que se está efetivamente pensando na resolução das questõesambientais globais.

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    A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA E FILOSÓFICADOS DIREITOS HUMANOS

    Samuel Antonio Merbach de Oliveira*

    RESUMOEste artigo visa a analisar a importância dos Direitos Humanos desde a sua origem até os dias

    atuais, demonstrando que a sua afirmação histórica e filosófica ocorreu em três gerações: 1ª) osdireitos individuais; 2ª) os direitos coletivos, e; 3ª) os direitos dos povos ou os direitos de solidari-edade. Com efeito, são apresentadas algumas partes das principais declarações referentes aosDireitos Humanos, finalizando com o estudo dos Direitos Humanos na Constituição Federal de 1988.

    PALAVRAS-CHAVE: justiça social, direitos humanos, direitos individuais, direitos coletivos,direitos de solidariedade.

    ABSTRACT

    This article aims to analyze the importance of Human Rights since its origin up to thepresent days, demonstrating that its historic and philosophical stabilazation occurred in threegenerations: 1st) Individual rights; 2 nd) Collective rights, and 3 rd) Peoples rights or solidarity rights.In effect, we present some parts of the main declarations referring to Human Rights, finalizing withthe study of Human Rights in the Federal Constitution of 1988.

    KEY-WORDS: social justice, human rights, individual rights, collective rights and solidarityrights.

    1. Introdução e ConceitoO homem, ser racional, é social por natureza, como já ensinavam Aristóteles e

    Santo Tomás de Aquino. Por viver em sociedade, é necessária a existência de umaorganização em que ocorrem direitos, cujo acatamento se impõe como condiçãodo convívio pacífico de seus membros e como imperativo da sobrevivência do corposocial. Sem o direito, sobreviria o caos e a sociedade pereceria. De fato, a histó-ria demonstra que a realização da justiça é um dos maiores valores aspirados pelohomem. Nesse aspecto, por direitos humanos ou direitos do homem são,modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possuipelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a elaé inerente. “São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade políti-ca. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e

    * Mestre em Direito pela PUCCAMP, Especialista em Direito Processual Civil pela PUCCAMP, Especialista emDireito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Direito Padre Anchieta e Professor da Faculdade deAdministração de Empresas Padre Anchieta.

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    garantir. Este conceito não é absolutamente unânime nas diversas culturas. Con-tudo, no seu núcleo central, a idéia alcança uma real universalidade no mundocontemporâneo” (Herkenhoff, 1994: 30-31).

    Com efeito, os direitos ou valores fundamentais variam de acordo com o mo-mento histórico-cultural da sociedade. Logo, é impossível a existência de uma úni-ca fundamentação dos direitos humanos. Por conseguinte, os direitos humanos seafirmaram historicamente em três gerações: 1ª) os direitos individuais; 2ª) os direi-tos coletivos, e; 3ª) os direitos dos povos ou os direitos de solidariedade.

    2. Os Direitos IndividuaisA Primeira Geração dos Direitos Humanos

    As origens mais remotas da fundamentação filosófica dos direitos fundamen-tais da pessoa humana se encontram nos primórdios da civilização, conforme assi-nala o Código de Hamurabi (Babilônia, século XVIII a. C), o pensamento de AmenófisIV (Egito, século XVI a. C.), a filosofia de Mêncio (China, século IV a. C.), aRepública, de Platão (Grécia, século IV a. C.), o Direito Romano e inúmeras cultu-ras ancestrais (Herkenhoff, 1994: 51). Desta forma, os ordenamentos jurídicos daAntiguidade, estabeleciam princípios de proteção de valores humanos sob a ópticareligiosa.

    No feudalismo europeu, tivemos o desenvolvimento do jusnaturalismo cristão,tendo Santo Tomás de Aquino como um dos seus maiores expoentes. A lei humanae os poderes políticos estavam subordinados ao direito divino, segundo o qual aproteção do indivíduo seria exercida pela vontade de Deus expressa nas ações dosoberano em seu exercício absoluto do poder. Os valores considerados fundamen-tais para os seres humanos tinham como fonte de legitimidade a vontade divina emsociedades fechadas, onde se confundiam o espaço particular de interesse dosoberano, do clero e da aristocracia feudal e o espaço de interesse público de todasociedade. Assim sendo, inexistia a noção da igualdade formal entre indivíduos,uma vez que cada grupo social tinha direitos diferentes. Os senhores feudais, mem-bros da nobreza e do clero tinham privilégios.

    Todavia, a moderna doutrina sobre os direitos naturais se consolidou, a partir doséculo XVI e sobretudo do século XVII, preparando terreno para o surgimento doEstado moderno e a transição do feudalismo para a sociedade burguesa. Nessecontexto, surgiu como reação racionalista à situação teocêntrica na qual o Direitofora colocado durante o medievo, assim, Deus deixa de ser visto como emanadordas normas jurídicas, e a natureza passa a ocupar esse lugar.

    O filósofo inglês Thomas Hobbes foi o precursor do jusnaturalismo moderno,onde o Estado político seria explicado como produto de uma construção racionalatravés da vontade expressa dos indivíduos.

    Hobbes entende que o regime absolutista é necessário num momento em quea burguesia não reúne condições para conquistar o Estado, admite a presença deuma figura, o soberano absoluto, que não sendo o seu representante, tampouco o

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    é da aristocracia. Tal regime assegurava à burguesia espaço suficiente para a con-tinuação de seu desenvolvimento econômico que a médio prazo, lhe abriria asportas do poder político.

    Para Hobbes, a liberdade e a igualdade geram ambição e descontentamento,porque provocam a guerra. Para que isso não ocorra, é necessário que os homensestabeleçam entre si um contrato pelo qual o poder seria integralmente transferidopara as m