anísio teixeira, a poesia da ação

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Reitor: Frei Constâncio Nogara, OFM Diretor do IFAN: Frei Orlando Bemardi, OFM Coordenador do CDAPH: Marcos Cezar de Freitas Historiógrafa do CDAPH: Maria de Fatima Guimarães Bueno CATALOGAÇÃO NA FONTE DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO C331m Nunes, Clarice Anísio Teixeira: a poesia da ação / Clarice Nunes - Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2000. 644 p. ISBN 85-86965-02-2 Inclui bibliografia 1. Vida e obra de Anísio Teixeira (1900-1935). 2. Reforma na Educação 3. A democratização da cultura / 1. Biografia / II. Título CDD- INSTITUTO FRANCISCANO DE ANTROPOLOGIA - IFAN CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E APOIO À PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO - CDAPH. UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

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Nesta obra Clarice Nunes analisa a trajetória de um dos principais educadores brasileiros, destacando a influência do pensamento de John Dewey em suas ações e abordando as reformas educacionais de que esteve à frente, a sua importância no Ministério da Educação e no INEP.

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Page 1: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Reitor: Frei Constâncio Nogara, OFM Diretor do IFAN: Frei Orlando Bemardi, OFM Coordenador do CDAPH: Marcos Cezar de Freitas Historiógrafa do CDAPH: Maria de Fatima Guimarães Bueno

CATALOGAÇÃO NA FONTE DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO

C331mNunes, Clarice

Anísio Teixeira: a poesia da ação / Clarice Nunes - Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2000. 644 p.ISBN 85-86965-02-2 Inclui bibliografia

1. Vida e obra de Anísio Teixeira (1900-1935). 2. Reforma na Educação 3. A democratização da cultura / 1. Biografia / II. Título

CDD-

INSTITUTO FRANCISCANO DE ANTROPOLOGIA - IFAN CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E APOIO À PESQUISA EM

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO - CDAPH.

UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

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Montagem: Carlos Rocha Acervo: Familia Anísio Teixeira

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125 Carta de Anísio Teixeira a Emilia (19/9/1930). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, documento n° 8, CPDOC/FGV.

10f* Emilia Teixeira. Carta de Emilia a Anísio Teixeira (19/4/1931). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc. 30.06.22, documento n° 48, CPDOC/FGV.

127 Emilia F. Teixeira. Carta de Emilia a Anísio Teixeira (21/4/1931). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, documento n° 49, CPDOC/FGV.Emilia F. Teixeira. Carta de Anísio Teixeira a Emilia (3/8/1931). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, dojumento n° 110, CPDOC/FGV.

129 Emilia F. Teixeira. Carta de Anísio Teixeira a Emilia (20/11/...). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, documento n° 122, CPDOC/FGV.

1 ' í f t Emilia F. Teixeira. Carta de Anísio Teixeira a Emilia (27/03/1931?). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, documento n° 100, CPDOC/FGV.

131 • • •Emilia F. Teixeira. Carta de Anísio Teixeira a Emilia (1/8/1931?). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, documento n° 109, CPDOC/FGV.

132 Emilia F. Teixeira. Carta de Anísio Teixeira a Emilia (s.d.). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, documento n° 59, CPDOC/FGV.

133 • * •Francisco Alberoni. Enamoramento e Amor. Rio dcJaneiro: Rocco, 1986, Passim.

134Fmüia F. Teixeira. Carta de Anísio Teixeira a Emilia (12/1/1932). Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 30.06.22, documento n° 93, CPDOC/FGV.

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R IO D E J A N E I R O : V I T R I N E D O B R A S I L ?

“Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil...

cidade maravilhosa, coração do meu Brasil. ”

André Filho

No dia 15 de outubro de 1931, Anísio assumiu o cargo de Diretor-Geral da Instrução da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, sucedendo a Antonio Carneiro Leão e Fernando de Azevedo. Seu nome fora escolhido entre outros cogitados para o posto e dentre os quais se incluíam Lourenço Filho, Teodoro Ramos e Frota Pessoa. Sua indicação fora aceita por Pedro Ernesto Batista, que sucedia a Adolfo Bergamini na interventoria do Distrito Federal. Ela vinha precedida das recomendações de Themistocles Cavalcanti, colega de turma de Anísio e amigo do primeiro titular do Ministério da Educação e Saúde (MES), Francisco Campos.1 A notícia correu rápida e Anísio passou a ser efusivamente cumprimentado pelos amigos. Faria Góes, entusiasmado, exclamava:

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Afinei você venceu! Esse simples, mas entusiástico registro encerra muitas e extensas alegrias minhas [...].

Por outro lado, as suas vitórias a í no Rio, marcam já uma atitude do governo para com os técnicos de ensino como você, que nos enche de esperanças de podermos, num dia não muito longínquo, colocar os seus problemas nos seus

, lugares.2

Anísio levava para a Diretoria-Geral da Instrução a experiência adquirida em seis anos de gestão da educação baiana, uma teoria filosófica da educação e os contatos que fizera ao ocupar, nesse mesmo ano, o cargo de Superintendente do Serviço-Geral de Inspeção do Ensino Secundário do MES. Na ocasião, essa contratação foi uma dentre as várias realizadas por esse órgão, com o intuito de levar para a máquina estatal especialistas cuja colaboração tinha um esperado efeito político: resolver as dificuldades do Estado, num momento conjuntural em que não conseguia impor seus pontos de vista nos campos de atividade em que sua intervenção se pretendia incisiva, e abrir espaços maleáveis à negociação de interesses.3 A presença de Anísio Teixeira nessa superintendência e a de outros educadores, como Carlos Delgado de Carvalho (sociólogo, geógrafo e vict-diretor do Externato do Colégio Pedro II) e Isaías Alves de Almeida (professor, especialista em medidas educacionais, recém-chegado do Teachers College da Universidade de Columbia), no recém-criado Conselho Nacional de Educação, atendia às reivindicações da Associação Brasileira de Educação (ABE) e colocava panos quentes no tumulto gerado com as mudanças políticas decorrentes do processo revolucionário, que hostilizava figuras de destaque dos seus

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quadros, como o professor Fernando de Azevedo.De fato, essas modificações redundaram na indicação

de Adolfo Bergamini, político militante da bancada de oposição ao governo anterior no Conselho Municipal, jornalista do Correio da Manhã e chefe da zona eleitoral do Méier, para a interventoria do Distrito Federal. Por sua vez, Adolfo Bergamini convidara o ferrenho adversário do deposto Diretor-Geral da Instrução para substituí-lo. O professor Ocvaldo Orico, que fora afastado por Fernando de Azevedo da Escola Normal do Distrito Federal, agora no seu lugar, aproveitava-se para dar vazão a seus ressentimentos e, além de caluniar o antigo diretor, perseguia seus colaboradores diretós, como Paschoal Leme.4 Esses e outros incidentes tomaram inconveniente a manutenção de Adolfo Bergamini na interventoria. Os jomais começaram a denunciar sua maneira corrupta de governar, a utilização que fazia do poder para formar uma máquina política eleitoral e a falta de um projeto administrativo para a cidade. Ele acabara criando uma imagem inadequada ao ideal de regeneração política que as üderanças do processo revolucionário pretendiam passar à população em geral. Getúlio Vargas retirou-o do governo municipal e, sob a pressão do Clube 3 de Outubro, organização tenentista criada em maio de 1931, colocou em seu lugar o médico pernambucano Pedro Ernesto, formado na Bahia, que ao assumir a prefeitura abandonava a direção da Assistência Hospitalar do Brasil, órgão centralizador da rede nacional de hospitais.

A presença de Pedro Emesto na prefeitura abriu para Anísio Teixeira a oportunidade de tentar realizar o programa de ação que sonhava para a instrução pública e afirmar-se nacionalmente no campo de atuação que escolhera. Ainda não havia vencido, como sugeriu Faria Góes. Havia ganho uma chance e a agarrou. O seu discurso de posse foi uma resposta a

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todos os que se sentiram melindrados com a escolha de mais um “estrangeiro” na condução da instrução pública da cidade. A hostilidade era grande na medida em que, para esses, não bastassem pernambucanos e paulistas, agora era a vez de um baiano (e americanizado!) dar ordens para o professorado “mais culto e capaz do país”. No discurso realizado, sua relação com os educadores Antonlo Carneiro Leão e Fernando de Azevedo foi assumida com clareza. Ao defender a postura de técnico, marcava seu distanciamento dos políticos profissionais, mas não das disputas político-ideológicas do momento. Ser técnico era defender as propostas da ABE, por oposição às assumidas por quaisquer partidos políticos ou corporações religiosas. Ser técnico era apresentar uma determinada política de educação, marcando sua natureza específica, e lutar para implantá-la. A sua ênfase na importância do professor, dentro da reforma que pretendia realizar, não era apenas o efeito de uma retórica oportunista. Seria, efetivamente, a pedra de toque da sua gestão. Com habilidade, transferia a autoridade dos experimentados para as conclusões dos inquéritos e convidava todos à realização de uma tarefa comum:

[...] A obra que temos de realizar é a obra anônima de todos nós, que nos devemos esquecer de nós mesmos para tornar a nossa colaboração mais solidária e mais fiel. E nesse trabalho de cooperação, a hierarquia segue o caminho oposto ao da criação intelectual do plano, que fo i o trabalho de nossos antecessores. O diretor do serviço educacional é, agora, o seu mais modesto operário. O mestre é quem realiza a obra de educação. O diretor é o simples servidor do mestre. Toda a administração não tem outro fim que o de dispor as condições de êxito para a obra que é só do mestre: educar.5

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Seu discurso, no entanto, como era de se esperar, não foi suficiente para quebrar as resistências iniciais já manifestas. Os primeiros meses foram bastante difíceis e bem aborrecidos. Muita energia foi gasta para criar o clima de confiabilidade, construir uma liderança de fato e um trabalho que, na respeitada convicção de Paschoal Lemme, foi um dos mais criativos, corajosos e controvertidos que já se realizou no país.6 Um dos seus primeiros atos foi nomear como Subdiretor Técnico, posto-chave na Secretaria, o seu amigo Francisco Venâncio Filho e os antigos auxiliares de Fernando de Azevedo, Paschoal Lemme e Mauro Gomes, para ocuparem as funções de secretário e oficial de gabinete, respectivamente.

A importância da passagem de Anísio Teixeira pela Diretoria da Instrução Pública é inegável. Prova disso é o interesse, sempre renovado, dos pesquisadores sobre esse momento de certa forma privilegiado na história da educação brasileira, e que já rendeu inúmeros estudos dedicados a ver de uma maneira setorializada as suas realizações no âmbito do ensino primário, secundário ou superior, no âmbito da educação de adultos ou da pesquisa educacional.

Nas memórias escritas dos educadores que lhe foram contemporâneos ou nos depoimentos orais das entrevistas que realizamos, a unanimidade impressiona no sentido de considerar a Reforma Anísio Teixeira como o ponto mais alto atingido pelo esforço de oferecer uma organização pública de ensino entre nós. Alguns chegam mesmo a afirmar, com uma ponta de amargura, a impossibiüdade de repetição de uma experiência semelhante quanto à organicidade e integração dos serviços de educação no país. Não obstante, Anísio vem sendo também duramente criticado pelo seu reformismo esclarecido, suas aspirações tecnocráticas, sua assimilação acrítica do liberalismo, sua incoerência discursiva e o seu

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autoritarismo.7A apreciação que podemos fazer diante de posições

opostas quanto ao significado da Reforma Anísio Teixeira é atravessada por uma tensão que se expressa na constatação mais evidente de que, apesar da insistência na crítica aos limites da pedagogia liberal anisiana, a sucessão de estudos produzidos em tomo do conjunto de suas realizações no periodo de 31 a 35 parece, pela simples existência, levantar a questão dos limites desses limites. Até que ponto a má vontade interpretativa de certo pensamento de esquerda comprimiu essas realizações nos laços apertados de perspectivas teóricas que não dão conta da singularidade da experiência vivida? De outro lado, como avaliar os depoimentos dos contemporâneos, sem se deixar esmagar pela autoridade do vivido, mas repondo essas perspectivas à luz de uma visão de conjunto?

Os estudos, os depoimentos e as memórias, reunidos aos registros escritos encontrados nos arquivos, já nos oferecem material farto para tentar uma síntese. Aí reside o primeiro nível de dificuldade: farto não é sinônimo de suficiente. Se, por exemplo, as informações legislativas são abundantes, os documentos do cotidiano das escolas e da Diretoria da Instrução, como relatórios, diários, memórias, correspondências, para citar alguns exemplos, são lacunares e ainda não foram trabalhados exaustivamente pelos pesquisadores. Vários deles sequer foram trabalhados. Dentre os documentos citados, os mais procurados são os relatórios do próprio Diretor da Instrução (e esquecidos os relatórios de professores, diretores, inspetores), com a vantagem de oferecer uma visão sistematizada da empreitada, mas também com a inconveniência de terem sido desbastados de todos os aspectos considerados “irrelevantes” para os objetivos de demonstração. Ainda, se o material dos arquivos oferece uma

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visão de dentro da escola, quase não nos informa sobre uma visão do seu usuário, daquele para o qual hipoteticamente todo o esforço de realização de um serviço é dirigido.

Também no nível da profundidade de informações o farto não é suficiente. Todo pesquisador sabe o trabalho que dá lidai' com uma documentação desbalanceada, isto é, que chega, por vezes, a oferecer detalhes sobre determinados aspectos da realidade considerada, mas deixa outros na penumbra ou na total obscuridade. A dificuldade, no entanto, não está somente radicada no corpus-documental que possamos constituir para alimentar nossa hipótese. Ela é, sem dúvida, anterior. Atinge a própria concepção que busca, com empenho, morder o ponto visceral do entendimento.

Como fixar, com relação à gestão de Anísio, no Distrito Federal, esse ponto a partir do qual uma experiência pode ser reconstituída e reavaliada com o único compromisso de tentar resgatar a sua singularidade e complexidade? Aí a dificuldade é justamente permitir que os modelos explicativos dos quais partimos se abram para captar aspectos essenciais na compreensão do significado dessa experiência e que têm passado desapercebidos porque as análises têm sido fragmentadas, tanto sob o ponto de vista de eleger como alvo de discussão certas fatiás da totalidade das iniciativas aí radicadas e de não visualizá-las em relação a essa totalidade, como sob o ponto de vista de divorciar o discurso liberal de Anísio, em suas obras escritas, da sua prática liberal mais ampla enquanto intelectual nesse momento histórico. Esse reducionismo é ainda mais acentuado quando, em determinadas concepções teóricas, certas posturas ideológicas permanecem completamente impermeáveis à elaboração critica do significado do embate do liberalismo, apropriado de uma forma peculiar em Anísio, com outras correntes ideológicas em luta em meados da década de trinta.

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Para escapar a essas armadilhas, propomos uma leitura que tome como eixo a afirmação da identidade social do educador. Afirmação essa, entendida não só no plano do sujeito Anísio, mas também no plano do sujeito coletivo no qual ele se inclui, isto é, na perspectiva do grupo intelectual ao qual ele se filia e que, no início da década de vinte, se constitui em meio a desejos de renovação e aspiração a reformas econômicas, sociais e políticas. Trabalhar sobre este eixo implica ter a compreensão de que estamos nos movendo num terreno movediço no qual é possível traçar uma multiplicidade de itinerários, mas que deve ter em conta uma exigência: a adoção de uma estratégia mais desarmada de aproximação com o objeto e que privilegie sua construção dentro da perspectiva de que ele se elabora no próprio processo de revolvimento do complexo cultural de uma cidade específica: o Rio de Janeiro.

A reforma do ensino do Distrito Federal na gestão de Anísio constitui um processo de reinvenção do espaço escolar (e social) cuja direção se fez no sentido de: empurrar a escola para fora de si mesma, ampliando sua área de influência na cidade; atravessar o espelho da cultura européia e norte- americana para elaborar um conhecimento instrumental sobre a reaüdade e a educação brasileiras; retirar o problema do governo da educação da tutela da Igreja e do Estado; construir representações sobre a escola e a sociedade, criando saberes e definindo prioridades; lutar contra os “destinos escolares”, procurando quebrar as barreiras hierárquicas impostas por uma rígida divisão social, o que criou conflitos em vários níveis: no nível governamental, entre as iniciativas do governo municipal e as exigências do governo central; no nível ideológico, entre as propostas do governo municipal e as provenientes de grupos católicos e esquerdistas; e no nível das próprias escolas em funcionamento, o que é indicativo do

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caráter polêmico dessa gestão.O grande número de colaboradores dessa reforma,

recrutados nos mais diferentes matizes de uma intelectualidade em processo de construção, encarnava a aspiração pela mudança, nem sempre claramente definida. O grande desafio de Anísio, enquanto coordenador de esforços, foi, na conjuntura dinâmica da década de trinta, catalizar o desejo generalizado de renovação presente no imaginário desses intelectuais e canalizá-lo para os serviços escolares oferecidos pelo governo municipal, fazendo da escola não só um centro de recepção, mas também de ressonância e amplificação da vontade de mudar. No entanto, frisemos, a direção imaginada para a mudança não era consensual, muito menos se apresentava com o mesmo grau de consciência ou se expressava com a mesma capacidade de coerência nos sujeitos desse processo e apenas à medida em que a própria reforma ia amadurecendo, certas tendências passariam a ganhar contornos mais definidos.

O mais importante é que a reforma de instrução pública, liderada por Anísio, criou a possibilidade de estruturar um campo de identificação dos educadores e isso só foi possível mediante interferências que atingiram a organização simbólica da cidade, isto é, que armaram novas representações do urbano e do papel dos profissionais da educação dentro dele. Quando Anísio Teixeira assumiu a Diretoria da Instrução Pública, a resistência a sua intervenção logo se fez sentir na crítica à sua relação com a cidade. O ciúme que se esconde nessa crítica sinaliza que ele era visto como mais um “estrangeiro”: a)guém ignorante das práticas culturais do “universo” urbano que ia gerir por mapas, orçamentos, leis e decretos. Alguém distante da sua existência significante e significativa, que não havia se cultivado no seu espaço, na sua teia de códigos culturais definidores de lugares

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e relações, capazes de moldar um perfil psicológico e social característico: o carioca, uma espécie de tipo brasileiro cosmopolita, na alusão de Costa Pinto, que se contrapunha ao “provinciano” que ele era.8

Anísio reconheceu de imediato que seu pensamento erudito sabia pouco sobre a realidade escolar da cidade, embora as certezas da formação cultural da qual era portador empurrassem-no para visualizar-se como detentor de um saber-fazer cuja “missão” era instruir a massa. Ao admitir a autoridade dos inquéritos, no seu discurso de posse, ele sinalizou a importância de reconhecer o terreno onde ia penetrar. Montou uma rede para atuar sobre a fragmentação escolar, retrato sem retoques, que as primeiras pesquisas lhe indicaram. Essa rede foi tecida por órgãos consultivos e executivos.9

Os órgãos consultivos foram criadores privilegiados de representações sobre a realidade escolar e social com a finalidade de substituir a visão impressionista da cidade e da escola por um conhecimento sistemático e organizado sobre elas: o Instituto de Educação, confiado a Lourenço Filho e Mário de Brito, a cujo cargo ficaria a formação do magistério geral e especializado e o funcionalismo técnico de educação; o Instituto de Pesquisas Educacionais (com as divisões de Pesquisas e Bibliotecas, museus e rádio-difusão), entregue a Delgado de Carvalho, José Paranhos Fontenelle, Ignácia Guimarães, Roquete Pinto e Armando de Campos, cujo objetivo era realizar investigações sociais e psicológicas que fornecessem a base para o estudo e elaboração de planos, programas e métodos de ensino, além de medidas de rendimento e eficiência escolar e serviços de extensão educativa; a Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística, sob a condução de Pedro Matos, e a Divisão de Prédios e Aparelhamentos Escolares, sob a direção de Nereu Sampaio e

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Assis Ribeiro. Ambas eram encarregadas de avaliar as demandas escolares no seu setor específico e oferecer soluções viáveis para a realização dos serviços necessários. A elas se reunia a Divisão de Secretaria, que cuidaria do expediente geral da administração.

Os órgãos executivos englobavam, além da Direção- Geral. várias superintendências: a da educação elementar, que reuniu Arteobela Frederico, Celina Padilha, Felicidade de Moura Castro, Maria do Carmo Vidigal, Laudimila Trotta, Paulo Maranhão e Zéüa Braune, entre outros; a da educação secundária geral e técnica e do serviço de extensão, na qual trabalharam Joaquim Faria Góes e Paschoal Lemme, entre outros; a da educação física, recreação e jogos, entregue à professora americana Marieta Louis Williams; a da educação musical e artística, sob a batuta do maestro Heitor Villa- Lobos; a do ensino de desenho e artes aplicadas, sob a condução de Nereu Sampaio; e a do ensino particular.

Toda essa rede a serviço da escolarização da cidade do Rio de Janeiro foi imaginada como uma espécie de empurrão na direção de uma corrida para a frente, isto é, como instrumento para a constituição efetiva de um sistema público de ensino que aproximasse a cultura erudita da cultura popular e condicionasse a produção de conhecimento a uma política de formação de professores. Essa política se tomou a espinha dorsal de todo o conjunto, não apenas mediante órgãos como os já cisados (e de outros que seriam criados, como a Universidade do Distrito Federal), cuja finalidade básica, mas não exclusiva, era o desempenho de encargos docentes, mas também por toda a concepção pedagógica que alimentava as mais variadas iniciativas, mesmo aquelas indiretamente relacionadas a esse desempenho.

O alvo da política de organização da Diretoria-Geral de Instrução, que passa a ser denominada de Departamento-

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Geral de Educação e mais tarde Secretaria de Educação do governo municipal do Rio de Janeiro, era a eliminação da aparência de escola e a tentativa, limitada e contraditória, de enfrentar a fragmentação escolar que, de certa forma, refletia a fragmentação social. Esse projeto nunca escondeu sua consciência racionalizadora. Parece-nos que, nesse aspecto, cabe perfeitamente estender o que afirma Angel Rama sobre a cidade latino-americana. A inteligência pariu um novo espaço urbano e, dentro dele, um novo espaço escolar que se pretendia mais amplo, mais homogêneo e de influência mais profunda e duradoura. Não se tratava apenas de organizar a população no espaço escolar urbano, mas também de moldá-la com a expectativa de futuro, de um sonho que exigia um eloqüente esforço ideologizador.10

AS IMAGENS DA CIDADE NAS IMAGENS DA ESCOLA

“Hé-lá as ruas, hé-lá as praças,

hé-lá-hó la foule. ’’*

Alvaro de Campos

Dizia Afrânio Peixoto que o Rio de Janeiro era a vitrine do Brasil e, acrescentamos nós, uma vitrine bastante peculiar.11 Até meados de trinta, o crescimento industrial da cidade e do estado ocorreu de um modo divergente com relação às outras áreas urbanas nos estados mais importantes do país. Conforme mostra Eulália Lobo, os dados relativos às indústrias sujeitas ao Imposto de Consumo revelam que enquanto o Rio de Janeiro possuía 2.816 indústrias, em 1935, o Rio Grande do Sul contava com 8.059, Minas Gerais com

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Aüfeio Teixeira: A Poesia da Ação 239

I n8.733 e São Paulo com 16.837. Essas circunstânciasapontam para o fato de que, embora o tema daindustrialização passasse a organizar o universo cultural da sociedade brasileira da década de trinta, a fábrica não ocupava, de fato, o espaço físico da cidade carioca nem tinhaa força simbólica necessária para dominar o seu espaçocultural.

O Rio de Janeiro do século XIX ainda estava presente nas ruas da cidade, apesar da reformulação urbanística que ela sofrera na década de dez. Soleiras, casarões, quintais podem ser desenhados numa arquitetura imaginária. Saberes e fazeres podem ser redescobertos na construção de um tecido vivo em que as relações humanas recortam áreas de contato e isolamento, de atividades de trabalho e lazer que demarcam, de um modo inequívoco, os moradores dos bairros daqueles instalados nas áreas limítrofes do social: as favelas, os morros, a periferia. Ainda, na década de trinta, a representação da cidade se dá pela fragmentação da vida urbana. Como salienta Maria Alice Rezende de Carvaiho em seu trabalho Letras, sociedade e política: imagens do Rio de Janeiro (1985), os cariocas eram vistos no imaginário social como personagens do país da malandragem: boêmios, vagabundos ebiscateiros.13

Na década de vinte, a voz desses personagens do cotidiano carioca e o retrato desse universo desagregado foram descritos pelos cronistas sociais da cidade. Em Histórias de gente alegre, os contos de João do Rio, particularmente A fome negra, A galeria superior, A peste e As crianças que matam nos descerram um penoso quadro de mazelas: a exploração do trabalhador imigrante as batidas policiais, as epidemias contagiosas, os pivetes assassinos, o analfabetismo. Essa situação de penúria e abandono das classes mais pobres, mesmo numa rara grande cidade como o

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Rio de Janeiro, centro de destacada importância política, produziu uma escola cuja vida e significado deixaram transparecer as condições sociais que as geraram. A fragmentação da vida social refletiu-se, portanto, na iTagmentação da vida escolar que iremos trabalhar mais à frente.

Ao estereótipo do malandro acrescentaríamos o do parasita. Corte do Império e capital da República, a cidade do Rio de Janeiro passou também a representar o fenômeno do empreguismo presente durante a Primeira República, fenômeno ligado à ampliação das classes médias e sua dependência da política de patronagem estatal, num momento conjuntural em que elas temiam a proletarização e enfrentavam, como a classe mais pobre, a carestia de vida, o baixo salário, as más condições de habitação e a crise política, que culminou na revolução de Trinta e se estendeu além dela. Bastante heterogêneas, nelas se incluíam os pequenos fabricantes, os donos de pequenas oficinas, artesãos, pequenos comerciantes, funcionários públicos, profissionais liberais, Intelectuais e militares.15

De um modo geral, o parasitismo esteve associado ao movimento de centralização progressiva do Estado, que provocou o inchamento dos seus aparelhos, esponjas absorventes de um amplo setor dessas classes. Aliás, como nos chama atenção Paulo Sérgio Pinheiro, o Rio de Janeiro teria sido a primeira cidade a ter um extenso contingente de classes médias, pelo fato de ser o entreposto comercial mais importante do país e o centro do governo republicano.16 Monteiro Lobato observava em carta a Anísio, ainda em 1929:

O mal é a cabeça do país ser o Rio - aquelamazela em ponto de cidade. O Rio é fenômeno de

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parasitismo consciente e organizado, que em nada crê, pilhéria a propósito de tudo, tem graça, é leve e por isso tudo terrivelmente venenoso e envenenante. Em São Paulo notas por toda a parte uma fé bem próxima da que observaste no americano. Mas onde a 'fé na gente do Rio? 17

O contraponto que Monteiro Lobato faz entre São Paulo e Rio é sugestivo. Esse confronto é também realizado por Maria Alice Rezende, que mostra como São Paulo, na virada do século, por oposição ao Rio, constituiu-se, no plano da produção acadêmica, o modelo de uma cidade que havia sido capaz de superar tradições culturais arcaicas e se homogeneizar culturalmente pela modernização que acompanhou a implantação da industrialização e a lógica dominante do mercado. 8 São Paulo se configurava, no imaginário dos intelectuais do início da década de trinta, como o amadurecimento capitalista que se expressava no trabalho, no espírito científico, na negação para a retórica nacional, no progresso material. Como diria Anísio a Lobato, em carta datada provavelmente de 1936, “o fenômeno da cidade viva brotando, crescendo, bufando como um adolescente endiabrado”. Em São Paulo até o interior enriquecia e a Igreja prosperava, com seus padres imigrantes: espanhóis, italianos, portugueses. Lá havia realmente começado “o gênesis”.19

Os “malandros”(e “parasitas”) do Rio formavam, como chama atenção Maria Alice Rezende de Carvalho, uma espécie de “consciência das ruas”, personagens referidos aos bairros de origem ou às rodas da esquina, resistindo à dinâmica homogeneizadora do mercado, às investidas uniformizadoras da modernidade capitalista.20 A rua, no Rio de Janeiro na década de trinta, ainda era, para muitos, a

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extensão da casa: o ponto de encontro das famílias locais, da “fezinha no bicho”, jogo de pôquer, dominó ou baralho na calçada acompanhado de tremoços e cerveja, das brincadeiras infantis, do carnaval e das festas religiosas. Também local de trabalho dos carroceiros com seu comércio ambulante, dos feirantes, dos condutores de bondes, de troleys puxados a cavalo, de táxis. Ainda, o lugar das manifestações políticas, contra ou a favor do governo. No ano em que Anísio assumiu a Diretoria-Geral da Instrução Pública, os comunistas haviam organizado a Marcha da Fome, sob a repressão da política que prendera alguns militares, dentre eles Fernando e Paulo Lacerda, irmãos de Maurício Lacerda, que se notabilizara pela defesa do projeto Fernando de Azevedo no legislativo municipal, e os operários, em sua esperança popular no governo revolucionário, chegaram a fazer um ato de apoio a Getúlio Vargas. A vida das ruas da cidade do Rio de Janeiro refletia um universo múltiplo de eventos e interações, a contradição entre o tradicional e o moderno, entre o aconchego e a luta. Espaço de folia e de passeatas, de inocentes brincadeiras infantis e tiroteios, de namoros e prisões.

A presença incômoda dos pobres e miseráveis, que se acentuava no centro da cidade, com o crescimento populacional, havia forçado, já nas décadas de dez e vinte, o seu deslocamento progressivo para a zona suburbana e rural. Esse deslocamento é que explica, por exemplo, a explosão demográfica que a área rural vai conhecer principalmente na década de vinte. A normatização higiênica do espaço urbano, com as obras de saneamento básico e a demolição dos cortiços, ocasionou a alta dos aluguéis e obrigou seus moradores a procurarem moradias em áreas menos valorizadas pela especulação imobiliária: os morros, os subúrbios e as rejiões isoladas da área rural. A transferência

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da moradia popular do centro para a área ao redor, Irajá, Inhaúma, Santa Cruz e Campo Grande se fazia ao mesmo tempo que as grandes indústrias aí se instalavam. Esses distritos urbanos registravam taxas altíssimas de crescimento populacional na década de vinte: 232% no caso de Irajá, 92% no caso de Inhaúma, 67% no caso de Campo Grande.2

Esse deslocamento não conseguiu “limpar” a cidade da “pobreza”, mas permitiu redimensioná-la e enquadrá-la nas favelas, já registradas pelo censo de 1920, ou então confiná-la nos chamados bairros operários como, por exemplo, Bangu e São Cristóvão. O que importa ressaltar é que um dos efeitos da política reurbanizadora da cidade, percebidos com clareza já na década de trinta, é o seu recorte espacial de modo a formar a identidade marcada dos bairros. Assim como Bangu e São Cristóvão eram definidos pela presença de operários, Botafogo era identificado com a presença das famílias tradicionais, Realengo pela presença de funcionários públicos e militares, a Tijuca pela presença de profissionais liberais (médicos, engenheiros, professores e dentistas), pequenos e grandes industriais e comerciantes, além de operários e faxineiros, e o Catumbi, pela presença de ciganos e imigrantes espanhóis e portugueses. Se bem que não tenhamos dados sobre os demais bairros, o que importa é ressaltar a possibilidade da existência de fronteiras sociais entre os bairros e dentro de cada bairro, de modo a marcar de uma maneira discriminatória a circulação e o uso do próprio espaço. Exemplos dessa afirmação estão presentes em certos hábitos de lazer (o banhista pobre freqüentava a praia do Caju e o rico as areias de Copacabana), no tipo de habitação (os cortiços, as pensões, as casas de cômodos, as grandes casas de centro de terreno), no transporte (o taioba era o bonde de segunda classe), nas roupas e até nas escolas freqüentadas, mesmo as públicas. Maria Caldeira Fucs lembrou em

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entrevista que, no final da década de vinte, as escolas Soares Pereira e Barão de Itacuruçu eram próximas, mas os pobres só freqüentavam a segunda.22

Esses sinais de classe apresentavam-se como heterogeneidade criada pelo processo de urbanização. A fragmentação social nela impressa lembrava a metamorfose pela qual a Europa passara no século XIX. Maria Alice Rezende de Carvalho, ao notá-la, faz referência a testemunhos de deslumbramento e pavor que ecoam em textos literários, médicos, filantrópicos e políticos quando exibem as transformações urbanas desse momento em plena Europa moderna. De um lado, deslumbramento pela possibilidade de superação das barreiras hierárquicas até então impingidas pela aristocracia e pelo triunfo da indústria, que sugeria a vitória do homem sobre a natureza. De outro lado, o pavor pela novidade desse processo, pelo crescimento demográfico e econômico, pela possibilidade de desordem e miséria. A resposta dos intelectuais europeus diante dessa situação teria sido a fuga da instabilidade, seja para a frente, pela sintonia com as aspirações de maior liberdade, seja para trás, mediante a defesa de um ruralismo retrógrado. O mais interessante, no entanto, afirma a autora, teria sido a construção de um continuum entre o apelo moderno e a pressão dos miseráveis, de forma a apresentar a cidade como ponto de chegada de um longo percurso de dissociação entre o homem e a natureza.23

Ao contrário dos intelectuais paulistas, preocupados com a defesa e a valorização do café, os intelectuais cariocas, desde o final do século XIX, estavam voltados para a seleção das elites e a composição de um novo bloco de poder exigidas pela República. Esse fato marcaria a modernização da cidade e oncamaria a defesa de um projeto repartido de educação, cujos alvos eram, de um lado, a própria elite e, de outro, as ck sses populares. Como o mundo da produção não era tão

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preciso no universo carioca, o que marcava simbolicamente seu espaço cultural era a ponderação do peso que, no processo de urbanização, teriam o público e o privado.2 Na década de trinta, nem sempre a distinção entre ambas as categorias é clara e o trabalho da escola em tomo delas será, como veremos adiante, ambíguo: ora marcando a distinção, ora borrando propositadamente suas fronteiras para que, da esfera pública, a esfera privada pudesse ser atingida e modificada na direção da proposta educativa em vigor, o que esbarrará num formidável processo de resistência.

A presença das crianças das classes populares nas escolas públicas era um fato. Embora não tenhamos noção dos critérios utilizados para classificação social dos alunos, encontramos, no início da gestão de Anísio, estudos que, tentando elaborar um diagnóstico global da situação escolar, apontam as “seqüelas” da pobreza sobre o acesso, a permanência e o rendimento do estudante traduzidos em dados eloqüentes de evasão e repetência. No relatório de 1934, Anísio apresenta o seguinte quadro de distribuição dos alunos pelas séries:

Distribuição por condição social (julho de 1932)

IndigentesPobresRemediadosAbastados

1° ano 2o ano 3o ano 4o ano 5o ano63230.6249.624 75

24412.4106.27562

1467.5295.47250

533.3743.83030

321.4202.43016

Fonte: Anísio Teixeira/Relatório de 1934

Essa presença dos indigentes, pobres e remediados no interior da escola configurava-se como uma situação desafiante e problemática. Desafiante na medida em que, nela,

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passaram a ingressar crianças para quem qualquer contato com ct cultura escrita estava ausente ou era desprovido de significado na sua bagagem existencial. Problemática, porque a história e as condições de vida dessas crianças se interpunham entre elas e a escola, criando mecanismos de resistência a uma nova visão de si mesmas e da sociedade que mudava.

Num texto onde analisa o problema de repetência na escola primária, Ofélia Boisson Cardoso (1949) exprime de maneira clara a dificuldade da escola, na década de trinta (mas não só nessa década), de levar as crianças a interiorizarem e transferirem para a vida cotidiana os hábitos e atitudes que pareciam aprendidos.

A escola preconiza normas de higiene: “É indispensável tomar banho diariamente". Mas... no morro não há água: é preciso palmilhar, descendo e subindo, tão extenso caminho, por vezes difícil também, sob a chuva ou sol ardente, para conseguir (quando *e consegue!) uma lata, com que se vai fazer o café, o feijão, e reservar um pouco para beber. Como desperdiçá-la em banhos?

A escola exige honestidade: “Não fiques nem com um tostão, se não te pertence”. Mas... com 20 centavos se compra pão; não será tolice entregar o dinheiro, quando será tão fácil guardá-lo e matar a fome?

A escola aconselha as boas maneiras, procura difundir bons hábitos sociais de polidez■ Mas...no morro, na casa de cômodos, isso nada exprime e até se toma ridículo empregar: “com licença, desculpe, muito obrigado!" São expressões impróprias para o ambiente, completamente deslocadas ali, tão

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deslocadas como um personagem de casaca e cartola, a passear, a meio dia, na cidade. Se a professora ensaia transplantar para o barracão as fórmulas de polidez, a tentativa redunda em fracasso e a expressão, embora grosseira, mas corrente no meio, põe remate no assunto:

- “Deixe de ‘sê besta' menino!’’

Ofélia Cardoso reconhecia que o problema era econômico e permanecia insolúvel, como insolúvel parecia ser a dificuldade da escola em falar a mesma “língua” da comunidade. Mas nem todos os educadores tinham clareza com relação a essas questões. A presença dos pobres na escola era lida pelos profissionais da educação com base na ampla gama de diferenças existentes entre os indivíduos sujeitos ao processo de aprendizagem escolarizada. Essa leitura foi reforçada pelo legado das representações políticas instituídas na Primeira República e cuja capacidade de sobrevivência se estendeu muito além dela.

Esse legado foi construído tanto pelo pensamento autoritário quanto pelo pensamento político de esquerda. Em que pesem as diferenças dessas duas vertentes, os traços fundamentais que elaboraram das classes populares urbanas foijaram uma imagem que apresenta, pelo menos, três características básicas: a heterogeneidade da sua composição, fator impeditivo de qualquer construção ordenadora sobre sua identidade (seja do ponto de vista da nação ou da Revolução); o efeito nefasto dessa heterogeneidade sobre a capacidade de ação prática coletiva popular, a exigir uma intervenção de fora, que organizasse a sua dispersão e, finalmente, a falta crônica de aptidão desse povo para a coletivização, já que os grupos que o compunham não eram só carentes de integração entre si como também com outros grupos da sociedade. Essa

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reflexão marcou uma forma de perceber as classes populares urbanas e suas práticas culturais, que apareceram como obstáculos sociais e políticos.27

O discurso produzido e apropriado pelos profissionais da educação das décadas de vinte e trinta sobre as classes populares urbanas, embora não fosse elaborado no âmbito dos ensaios políticos, convergia na mesma direção. A psicologia e o suporte biológico e estatístico que lhe acompanhava na análise das questões educativas constituíram a matriz foij adora da concepção de heterogeneidade como carência de atributos positivos diante da tarefa de construção de um país.

Dos estudos biológicos resultou a visão de que existia uma herança de determinadas condições vitais que podiam agir, dependendo de como estivessem combinadas, como fatores impulsionadores ou refreadores da aprendizagem. Dos estudos psicológicos, apoiados na observação e experimentação de crianças (ao invés de animais, como ocorreu inicialmente), veio o reforço da noção de variabilidade dos diversos indivíduos e, neles, das suas diversas capacidades. O desenvolvimento do estudo do problema das variações individuais já havia ganho impulso quando, na segunda metade do século XIX, foram criados testes para a medida psicológica e o tratamento estatístico dos problemas biológicos e psicológicos. A estatística tomou-se, então, instrumento de descrição e explicação das diferenças individuais em tomo de uma abstração, denominada média.

O advento de uma Biologia, de uma Psicologia e Estatística apücada à educação confundiu-se com a necessidade que a ciência, no século XIX, exprimiu de controlar pela seleção e orientação escolar (embora não apenas escolar) as massas urbanas em plena emergência de novas condições de trabalho geradas pela sociedade industrial. Foram duas as idéias diretrizes que marcaram o próprio

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movimento das ciências e, em decorrência, uma nova organização da escola nesse momento. A primeira é a noção de indivíduo como unidade básica de análise, prerrogativa não apenas das ciências citadas, mas de todas aquelas que, nesse momento histórico, elegiam como método o estudo das unidades ou agentes isolados que as compunham, para em seguida apreciar seu funcionamento e finalmente elaborar uma teoria total do comportamento científico, a fim de aglutinar o comportamento dessas mesmas unidades ou agentes. A segunda é o procedimento de classificação dos indivíduos, que ganhou, com o tempo, um refinamento crescente e foi aplicado particularmente dentro das escolas primárias em dois níveis de abrangência: um, mais amplo, o da graduação da escola em diversos níveis ou séries de ensino; e outro, mais restrito, o da organização de classes homogêneas que procuravam agrupar crianças com a mesma capacidade de aprendizagem.

Essas idéias diretrizes têm evidentes implicações ideológicas. Interessa-nos, no entanto, examiná-las com base no que se convencionou chamar de uma visão científica da escola. Essa visão foi construída, de um lado, dentro dos laboratórios de Psicologia graças aos recursos oferecidos pela Psicofísica, que tomou possível a mensuração das faculdades mentais, utilizando testes psicológicos de inteligência, aptidão e personalidade e, de outro, pelas demandas da organização do trabalho industrial, cuja exigência se fazia em torno da racionalidade do comportamento humano com o intuito de alcançar o máximo quanto a produtividade.

A monografia de Lúcia Marques Pinheiro, apresentada num concurso de seleção de técnicos de educação organizado pelo DAPS, em 1940, pubücada na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, é bem representativa da visão científica da escola a que nos estamos referindo. A leitura de seu texto

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deixa clara a idéia de que a escola é uma máquina com o objetivo de maximizar a ação educativa da maneira mais eficiente possível, o que pressupõe atividades planejadas, organizadas, executadas e controladas.

Toda escola é montada para produzir, para apresentar uma certa eficiência - a ser apreciada dos pontos de vista de formação, no educando, de hábitos , motores, de conhecimentos, de atitudes, de normas e idéias de ação — eficiência quantitativa e qualitativa. Seu trabalho consiste em dispor os meios necessários à realização dos fins visados, e será tanto mais satisfatória quanto mais a escola obtenha nesse sentido. Podemos assim dizer que, proximamente, o trabalho escolar visa à obtenção de um rendimento cada vez maior...

Ora, como aumentar o rendimento do maquinismo escolar?

Em resposta a essa pergunta, segere:

[...] agir com um objetivo - a verificação do resultado de uma determinada medida; preparar as condições para sua aplicação e seu estudo; dispor material e pessoal; enfim, realizar e interpretar os resultados, controlando a ação exercida. 28

Esta visão da eficiência quantitativa e qualitativa da escola, expressa na metáfora da máquina, é comum nesse momento e corporifica o ideal da racionalidade: maximizar os fins em função dos meios. Esse taylorismo escolar que os educadores brasileiros, como a autora citada, partilham desde a década de vinte é construído com base em uma bibliografia

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acentuadamente norte-americana. Embora a Alemanha e a França tenham sido países pioneiros no campo da Psicologia Experimental, a difusão das suas experiências alcançou a dianteira nos Estados Unidos por meio das iniciativas da Universidade de John Hopkins, em Baltimore, que teve o primeiro laboratório oficialmente reconhecido no país. Já em meados do século XX, a liderança norte-americana, por intermédio do levantamento realizado por Harriman na sua Encyclopedia o f Psychology (1946), registrada que dos 200.000 títulos levantados, desde 1895, pelo Psychological Index e pelo Psychological Abstracts, 35% da produção mundial pertenciam aos Estados Unidos, seguido da Alemanha, França, Inglaterra e demais países.29

Na extensa bibliografia que Lúcia Pinheiro utiliza foram incluídos nomes de autores nacionais e estrangeiros citados de maneira recorrente em qualquer livro publicado no país que trate de questão. É bom frisar que a produção nacional sobre os testes é bastante significativa nas décadas de vinte e trinta. Essa produção inclui resumos de conferências de autores estrangeiros e nacionais pronunciadas nos grandes centros urbanos brasileiros, como o trabalho de A. C. Baker, O movimento dos testes (Imprensa Oficial, Belo Horizonte,1925) e o de Everardo Backheuser, Organização de classes (Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1938); traduções de autores estrangeiros como Henri Pièron, Binet e Simon, León Walther e Claparède (geralmente realizadas por Lourenço Filho e Damasco Penna) e a elaboração própria de Medeiros e Albuquerque, Tests (Alves, Rio de Janeiro, 1924); Paulo Maranhão, Testes pedagógicos (Rio de Janeiro, 1926); Roberto Mange, Notas sobre psicotécnica (São Paulo, 1926); Isaías Alves, Test individual de inteligência (Oficina de “A Luva”, Bahia, 1930); M. Bomfim (e professoras da Escola de Aplicação do Distrito Federal), O método dos tests (Rio de

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Janeiro, 1928); Ulysses Pernambuco e A. Paes Barreto, Ensaio de aplicação do test das 100 questões de Ballard (Publicação da Liga Brasileira de Higiene Mental, Rio de Janeiro, 1930) e Manoel Bergstrom e Lourenço Filho, Tests ABC para verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita (Cia. Melhoramentos, São Paulo, 1933).

Não faltam também artigos sobre o tema nas revistas pedagógicas existentes e nos jornais das grandes capitais. Algumas revistas, como Escola Nova (São Paulo), publicam números especiais inteiramente dedicados a essa questão. Os artigos trabalham a questão dos testes sob os seus mais variados aspectos: o seu histórico, o seu valor pedagógico, a sua aplicação e a sua relação com a questão disciplinar, o interesse docente ou ainda a economia de recursos financeiros. O tom com que são trabalhados varia também bastante. Há textos totalmente apoiados nos “argumentos científicos” das autoridades estrangeiras e nacionais, outros construídos pelos argumentos históricos e filosóficos e até aqueles de cunho impressionista. Uma dessas “pérolas” interpretativas é a da professora mineira Maria Luiza de Almeida Cunha que, para introduzir historicamente a produção da escala métrica da inteligência, de Binet, realizada por solicitação do governo francês para discriminar crianças atrasadas e susceptíveis de progresso nas “classes normais”, refaz um percurso curioso que se inicia na astrologia, passa pelo trabalho das “buenadichas” a decifrar os hieróglifos das palmas das mãos, e da grafologia, até chegar às teorias do “criminoso nato” de Lombroso. A lógica que articula esse percurso é o desejo remoto, reconhecido pela autora, que está na “contextura da alma humana”: conhecer os indivíduos em profundidade.30

Ainda nas décadas de vinte e trinta, foram também

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promovidos diversos cursos para profissionais das áreas de educação sobre os testes nas mais diversas instituições, especialmente as dedicadas ao aperfeiçoamento do magistério. Algumas convidaram autores de renome internacional, como a Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte, que trouxe o presidente da Sociedade Alfred Binet de Paris, Th. Simon, para falar sobre “Testes e inteligência”. Todo esse movimento de divulgação oral e escrito foi seguido de experiências realizadas no país. Em São Paulo, no ano de 1931, foi feita “a maior tentativa de organização psicológica já realizada na América do Sul”. Mais de vinte mil crianças, segundo Lourenço Filho, haviam sido submetidas aos testes ABC, o que permitiu sua distribuição por quatrocentas e sessenta e oito classes.31 No Distrito Federal, em escala bem mais modesta, já havia sido realizada, por intermédio de Paulo Maranhão, a reorganização de 305 crianças das escolas públicas do sédmo distrito escolar, cujos resultados foram publicados no seu livro, anteriormente mencionado.

De qualquer forma, o mais importante a ressaltar é que houve um intenso trabalho das Diretorias de Instrução Pública dos maiores centros urbanos do país para fazer toda essa produção chegar às mãos dos professores. Alguns deles, por sua vez, criaram cooperativas para adquirir publicações internacionais. É o caso das professoras do grupo escolar de Angatuba, em São Paulo.32 Se a maior parte da literatura pedagógica produzida sobre os testes nas escolas primárias públicas registra o surgimento das experiências de reorganização escolar, não revela, porém, sua motivação implícita: segregar, particularizar e disciplinar os espaços.

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UMA QUESTÃO DE CLASSE!

“Inútil querer me classificar; eu simplesme escapulo. ”

Clarice Lispector

*

Na década de vinte, no Distrito Federal, a heterogeneidade da rede escolar era percebida pela convivência de diferentes tipos de estabelecimentos de ensino primário, dando mostras da discriminação da sua própria organização. Eram escolas isoladas, isto é, pequenas escolas dispersas funcionando em uma só sala sob a regência de um só professor; escolas reunidas, funcionando agrupadas num só prédio e alguns, poucos, grupos escolares. Ainda dentro dessa diversidade, outras variações se impunham: escolas diurnas e noturnas, ou ainda escolas para o sexo masculino, feminino e mistas.

As modificações introduzidas por Antonio Carneiro Leão e Fernando de Azevedo na rede de escolas primárias públicas no Distrito Federal se fizeram com o objetivo de tomá-las um espaço de saúde, de moralização e de homogeneização. Interessa-nos, no momento, apenas o último aspecto. Como justificativa para o atendimento da individualidade do aluno, as medidas administrativas tomadas entre 1922 e 1930 incluíam a uniformização do método em cada distrito escolar, a definição de lugares (escolas e/ou salas) determinados e a padronização do equipamento escolar.

De todas essas tentativas de homogeneizar um espaço tão diferenciado como a escola primária, a mais séria foi a distribuição de alunos da rede escolar para determinados

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lugares. Dentro das escolas passaram a existir, legitimados pelas fichas médicas, fichas pedagógicas, testes, psicológicos e de escolaridade, espaços destinados para as crianças normais, para as crianças débeis (frágeis de saúde), para as crianças inteügentes, para as crianças retardadas. A homogeneização, sem eliminar, de fato, os diferentes tipos de escolas, forçou uma diferenciação interna mais profunda com a finalidade de melhor controlar a própria diferença, de redefinir uma ordem considerada caótica e racionalizar os recursos instrumentais e humanos. Isto ficou muito evidente na gestão Carneiro Leão e, embora menos explícita, a preocupação com a homogeneização/diferenciação não permaneceu esquecida na gestão Fernando de Azevedo. Basta lembrar a comissão formada para estudar em profundidade a questão dos testes.33

Com a justificativa de controlar a heterogeneidade e atender às diferenças individuais do aluno, os discursos pedagógicos acabaram reforçando uma imagem abstrata dele, transformando-o numa categoria codificada em fichas e testes. Esta distinção expüca, ao nosso ver, a insuficiência, nos relatos lidos, da caracterização da criança que freqüenta a escola e a ênfase na descrição dos instrumentos codificadores e nas repercussões dos seus resultados sobre a organização escolar. Nesta trajetória, a história escrita pelos “pioneiros” apagou o aluno real.

Na década de trinta, quando Anísio assumiu a Diretoria da Instrução, também estabeleceu uma forma de lidar com a heterogeneidade. Da mesma maneira que na década anterior, a presença dos pobres no interior da escola era, como já assinalamos, um desafio. Era a presença da diferença, da irregularidade (nas condições orgânicas, nas reação psicológicas, no aproveitamento dos estudos, na distribuição caótica da idade por ano letivo, na permanência

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durante o curso, na flutuação escolar), do descrédito e dos problemas. Como um intelectual que partilhou as preocupações e a leitura do seu tempo e, até certo ponto, endossou a visão científica da escola, ele não desprezou os testes, mas foijou uma concepção própria, que o distinguiu dos seus contemporâneos.

Ele já havia aprendido, desde a sua gestão anterior na Diretoria da Instrução Pública baiana, que a diferença não poderia ser tratada a golpes de lógica e doutrina ou debaixo da ilusão de planos integrais e completos. Assumiu a intervenção sobre a diferença com a estratégia de uma ação diferenciada que, perseguindo o objetivo do melhor rendimento escolar possível, obedecesse às condições reais e à verificação que o levou a rever o ímpeto entusiástico (mas tumultuário e profundamente conservador) da crença na efetividade desses instrumentos avaliadores.

Em 1933, com sua equipe de trabalho e tendo como referência o diagnóstico já reaüzado da realidade escolar carioca e a leitura existente sobre o assunto, elaborou um plano que, combinando os critérios de medida do desenvolvimento mental, aproveitamento escolar em relação às técnicas fundamentais de leitura e cálculo e idade cronológica, procurou reclassificar os estudantes pelas suas capacidades, ao mesmo tempo que procurava propor programas diversos (com relação à quantidade da matéria abrangida) para as mesmas classes do mesmo grau e a diferenciação dos padrões de promoção para os diversos tipos de alunos.

Nessa proposta Anísio sugere que, numa primeira instância, os alunos fossem distribuídos em dois níveis: A e B. Dentro de cada nível, os mesmos alunos fossem classificados provisoriamente e de acordo com a opinião dos professores, segundo sua velocidade de aprendizagem, em grupos

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o Teixeira: A Poesia da Ação 257

âè^nominados V - X ou Y (retardados - normais - avançados). Fmalmente, que fosse levada em conta sua nota de aplicação, que variava de 1 a 4, e a sua idade cronológica. Tal processo faria com que cada grau tivesse 24 tipos de classificação. LeVada em consideração a idade cronológica, chegar-se-ia a 72 tipos. Imagine-se o trabalho e as dificuldades para chegar a uma diferenciação dessas e para realizar as atividades pedagógicas, pois, na prática, crianças de classificações diferentes teriam de ficar reunidas na mesma turma.34

A iniciativa de Anísio, ao lado das outras existentes nesse período, está, como já observamos, dentro de um contexto simbólico cuja produção é coletiva, dispare e articulada. O estudo rigoroso desse campo não foi ainda realizado. Ele exigiria a análise da bibliografia já mencionada, com os acréscimos que lhe fossem pertinentes, além de uma leitura comparada de iniciativas semelhantes nas reformas de instrução pública no país, para sinalizar as nuances desse processo. Exigiria, também, o exame da singularidade e da articulação entre as representações produzidas no âmbito da Psicologia Escolar, da Antropologia e da Medicina Legal.

A significação histórica da constituição desse contexto simbólico residiria não apenas nas dimensões que alcançou no período que estudamos, mas especialmente na sua permanência. Ao nível da produção da literatura, os principais compêndios do país, incluindo a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, são exemplares de que a questão dos testes domina toda a década de quarenta. 5 No nível da formação docente sua influência vai além, por meio dos cursos de Didática que continuavam aprendendo as medidas escolares como panacéia para muitos “males pedagógicos” e ensinando os professores e aplicarem os testes ABC nas escolas normais, nas décadas de cinqüenta, sessenta e até setenta. A “mania” dos testes é algo surpreendente, grave e desconcertante

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enquanto sinal que exibe o caráter reprodutor e autoritário das instituições escolares e a sua ausência de autocrítica, aspectos esses que se expandiram com o Estado Novo e se desdobraram além dele.

Nessa extensa trajetória (ainda não avaliada) há casos realmente curiosos, como o trabalho da professora Maria Alice Moura que, com o auxílio de uma intérprete, aplicou os testes ABC em crianças indígenas (Terenas e Cauiás) em Mato Grosso. Apesar da maioria das crianças, como ela mesma afirma, desconhecer o português, o uso da tesoura, lápis, papel, e jamais ter visto uma “boneca de louça de olhos azuis”, os resultados não permitiram supor a superioridade dos “civilizados” com relação às crianças indígenas no que diz respeito à maturidade para a leitura e escrita. Note-se que ela encontrou entre os indígenas uma média de maturidade mais elevada (11,7%) do que a identificada na experiência que realizou entre os seus alunos no Colégio Bennett (9,1%), no Distrito Federal, em 1934. Sua suposição foi a de que o grupo dos índios tinham uma idade cronológica mais elevada do que os alunos do Bennett. Apontou, no entanto, uma diferença entre os dois grupos indígenas, com vantagem sugestiva dos Terenas sobre os Cauiás, embora os primeiros fossem em número de 45 e os segundos em número de 12, fator que pode *er interferido nessa avaliação.

O mais importante, entre as suas conclusões, após inédita experiência de viagens a cavalo debaixo de sol e chuva que lhe estragaram os cartazes e do trabalho de cativar os obstinados e acanhados indiozinhos à custa de caramelos é que, apesar das crianças indígenas trazerem

na alma, no espírito, na contextura psíquica, no físico mesmo, um sem conto de complexos, de neuroses, de inadaptações, tudo isto fruto da desaculturação, e

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aculturação por demais lentas, cheias de lutas, de sofrimentos [...] se educadas, instruídas, conduzidas pelos recursos da pedagogia moderna, poderão ser integradas à nação, poderão criar, onde vivem atualmente, na floresta, uma cultura, uma comunidade, que não seja a negação da "raça” a que pertencem, e que seja, ao mesmo tempo, uma força, produtiva para o país.36

É evidente que, se Anísio partilha da visão científica da escola de seus antecessores e contemporâneos (médicos, professores, diretores e inspetores escolares), ele não o iaz da mesma maneira e precisa, portanto, ser distinguido nesse conjunto. Dentro do âmbito dos objetivos do nosso trabalho, vamos comparar suas concepções com as de Lourenço Filho, seu companheiro de lutas no Distrito Federal na década de trinta.

Quando Lourenço Filho chegou ao Distrito Federal, em 1932, já havia realizado uma grande “organização psicológica” nas escolas primárias paulistas. Havia lançado, na revista Escola Nova, um número especial sobre os testes e foi nele que explicitou seus pontos de vista sobre a necessidade da medida da escola, cuja eficácia residia justamente no seu caráter objetivo e impessoal, permitindo um diagnóstico rápido e atendendo, assim, aos interesses dos professores, cujo trabalho sempre exigiu a avaliação.

Que pretendemos fazer quando interrogamos os alunos, quando repetimos as provas e exames, quando observamos a conduta diversa das crianças, nestas ou naquelas condições? Pretendemos avaliar até que ponto chegaram os alunos na assimilação dos programas, como pretendemos também classificar-

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lhes a inteligência, ou as aptidões. Daí a imaginar- lhes o futuro, não vai senão um passo. Os mestres sempre procuram medir o que os alunos são, como sempre procuraram determinar o que eles serão. Apenas, tudo isso se fazia e se faz ainda, onde não haja pedagogia experimental, sem base objetiva.31

Para Lourenço Filho, esta pedagogia experimental comportava exigências técnicas de boa organização dos testes (aferições preliminares, fixação da técnica e aplicação do cálculo estatístico). Isso caracterizava, em sua visão, o nível de complexidade da questão, para o qual o professor não estava preparado, mas nem precisava estar, pelo menos no nível da discussão desses instrumentos de trabalho. Dizia ele:

Não se arreceiem os mestres primários com estas afirmações [relativas às exigências técnicas], e com a complexidade do problema, quando encarado em toda a sua extensão. O que lhes cabe, em relação aos testes, não é esse paciente e meticuloso trabalho de investigação preliminar. Quando o teste lhe chegar às mãos, para a aplicação prática, já deve estar aferido e *uas condições de uso bem determinadas. O que não lhes compete é atribuir o nome de teste a qualquer prova, de que não sejam conhecidos os valores significativos para determinada idade ou fase do aprendizado.38

Ora, em suas afirmações sobre a importância dos testes na organização escolar, Lourenço Filho transformou uma prática de avaliação que inclui provas, exames e aferição de programas em atributos objetivos pertencentes aos alunos (a inteligência e as aptidões) como propriedades que os definem

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no presente (o que são) e no futuro (o que serão). Lourenço trabalha, portanto, com uma concepção de infância constituída. Quem passou pelas escolas normais paulistas na década de sessenta, apenas para citar um exemplo, teve a oportunidade de viver essa concepção nos bancos escolares. Que força ela ganhou! Como fez eco, apesar das críticas que sofreu! O próprio Anísio, ao ler Introdução do estudo da Escola Nova, do mesmo autor, já havia anotado dentre os seus “pontos menos exatos” a visão rígida da técnica, não só pelo esvaziamento de aspectos substantivos do pensamento filosófico que a informa, mas também pelo fato do autor proclamar como característica da Escola Nova a necessidade de verificação objetiva dos elementos da educação e de cada

• 39passo do aprendizado.Anísio Teixeira não teve, como Lourenço Filho, uma

concepção rígida da técnica. Ao considerar a avaliação do processo de aprendizagem como uma atitude inerente a qualquer iniciativa escolar, ele abriu espaço para recolocar a avaliação enquanto prática susceptível de crítica mediante os seus resultados. Sem romper com o contexto simbólico que o condicionava, conseguiu, no entanto, em certa medida, descolar- se dele. Não eliminou os testes (poderia fazê-lo?), mas relativizou o seu valor. Por outro lado, se Lourenço Filho não questionava a definição do futuro (do destino) da criança, Anísio o fazia. Esse questionamento tinha a raiz da própria experiência pessoal, reavaliada criticamente, na medida em que passou boa parte da sua infância e adolescência a se debater, premido pelos desejos dos adultos (o pai e o padre Cabral) que pretendiam encaminhá-lo para o exercício de determinados papéis e o desempenho de determinadas funções. Ainda, sua concepção filosófica liberal assumia, por princípio, uma contestação a qualquer monismo. Em vários dos seus manuscritos nas décadas de vinte e trinta, como vimos no terceiro capítulo, Anísio preocupou-se com a avaliação

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das “inclinações infantis”: como discernir o que é efêmero do que é sinal de força e interesses em estados culminantes? Como corrigir os erros na avaliação do comportamento do aluno, ao se tomar como permanente o que é transitório? Como descobrir uma vocação? Ao levantar essas perguntas, Anísio partia de uma concepção constituinte de infância e, portanto, de uma visão mais crítica das suas condições de vida.

É essa concepção que o leva, em 1933, ao fazer uma análise do problema da assistência à infância e à criança pré- escolar, a criticar dois tipos de determinismo: o biológico- hereditário e o da influência da infância no desenvolvimento humano. Ambos, em sua visão, a criar um fatalismo tão pernicioso à criança! Daí a necessidade de salientar a importância das influências do meio e de estudar a infância como um estágio do desenvolvimento, sem dúvida importante, mas não fechado em si mesmo. Observá-la no seu próprio ambiente e nas relações com adultos e outras crianças numa atitude verdadeiramente experimental, que ele esclarece quando afirma que esta atitude significa:

[...] ausência de preconceitos, observação mais conscienciosa, temor mais esclarecido de intervir, menor segurança no saber do adulto, e mais respeito e amor e mais inteligência, diante da criança, e, mais do que todas, a criança de menos de seis anos.40

Ao trabalhar na direção da homogeneização escolar, articulou três serviços da Diretoria com o objetivo de melhorar o rendimento do aluno: o de Classificação e Promoção, o de Testes e Escalas e o de Programas Escolares. Tratava-se de classificar para ajudar o aluno a aprender mais. Tal, como os diretores de instrução pública anteriores, Anísio Teixeira proucupou-se com a questão das diferenças

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individuais e sua repercussão no rendimento escolar. Também procurou medi-lo, mas não usou quaisquer medidas. Sêcundarizou e limitou o alcance dos planos de ensino individualizado e os que prestavam assistência a determinados alunos dentro da classe. Preferiu os planos cuja base era a diferenciação dos programas. A inflexão da sua escola o distinguia à medida que ela criava condições para que a ênfase do processo homogeneizador recaísse sobre o trabalho da escola e não propriamente sobre a capacidade individual. Esta diferença de ênfase, associada à visão crítica e constituinte da iüfância, teve efeitos significativos, como veremos à frente.

Quando Anísio estudou a questão do rendimento, ele estava estudando, também, a questão da evasão e repetência e, por meio do serviço de Classificação e Promoção, realizou um estudo sistemático tanto desses fatores quanto da flutuação mensal das classes mediante transferências, eliminações de matrícula e matrículas novas. Ele chamou a atenção para o fato de que a evasão atingia todas as categorias nas quais os alunos estavam socialmente classificados (indigentes, pobres, remediados e abastados). A repetência escolar era alarmante. Havia alunos que chegavam a repetir seis vezes a primeira série, apenas para citar um exemplo, já que ele apresentou um estudo série a série do ano de 1932.

A freqüência média real da escola primária pública, no Distrito Federal, ficava em tomo de três anos. A partir da terceira série (e a escola primária, na época, tinha cinco anos de duração) havia uma demanda que, em 1932, atingia 27.000 crianças no total de 84.500 crianças distribuídas por todos os cinco anos do curso elementar. As crianças mais pobres, segundo Anísio, atiravam-se aos trabalhos manuais, e as mais ricas, como já havia adiantado Carneiro Leão, procuravam preparar-se para os exames de ingresso ao curso secundário. Uma das tentativas da gestão Carneiro Leão no sentido de

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fornecer credibilidade ao curso primário público, junto às famílias mais abastadas, foi a de procurar elevar a qualidade do seu ensino para permitir que os alunos egressos das escolas primárias públicas passassem com sucesso nos exames de ingresso ao curso secundário.

Quando, na gestão de Anísio, teve início a aplicação dos testes nas escolas primárias públicas do Distrito Federal, as dificuldades apareceram. O relatório dos trabalhos dos Serviços de Testes e Escalas sobre a aplicação do exame de inteligência dos alunos do primeiro ano avaliava que o número de professores em condições de aplicar os testes era pequeno. Poucos conheciam a literatura existente de maneira consistente. O fato de não serem os mesmos professores a comandarem suas reaplicações impossibilitava a aplicação do seu próprio domínio dos instrumentos de medida. O grau de confiança na aplicação dos testes precisava ainda ser relativizado em função das condições diferentes das escolas. Em algumas delas faltava material adequado. As crianças não eram convenientemente preparadas, a fim de encarar os testes como mais um trabalho escolar. Às vezes, segundo o relato de uma professora, incorporado ao relatório, as crianças chegavam a esperar mais de uma hora pela sua realização, o que lhes aumentava a ansiedade; ou então, ficavam perturbadas pela reação emocional e intempestiva das professoras, inseguras quanto ao controle da situação vivida.42

Digno de registro é também o depoimento do próprio Anísio sobre o episódio dos resultados dos primeiros testes de leitura e cálculo a que foram submetidas as crianças cariocas, em 1932. Aplicaram-se, para as aferições apontadas, o teste de leitura de Waterbury, usado oficialmente na cidade de Detroit, Estados Unidos, e os testes de aritmética de W. S. Monroe (quatro operações), May-Mac Call (frações) e de Otis

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(raciocínio aritmético), “todos adaptados para o meio carioca”. Segundo ele, no seu relatório de 1934, os resultados foram desoladores. Uma criança, após o quarto ano de escolaridade, obtinha em leitura um rendimento equivalente ao que uma criança americana obtinha desde o segundo ano escolar. Nos testes de aritmética, o aluno do segundo ano primário sabia, um pouco, somar números de um só algarismo; sabia, um pouco menos, subtrair de um número de dois algarismos um outro de um só algarismo. No terceiro ano, o aiuno mal sabia multiplicar por um algarismo e, no quarto ano, estava defasado do ponto de vista do raciocínio se observada sua idade cronológica.43

Os resultados dos testes de Quociente Intelectual (QI) foram assustadores. Segundo dados de um relatório incompleto, possivelmente elaborado pelo Serviço de Testes e Escalas, a aplicação dos testes de Pintner e Cunningham produziu resultados que confirmavam a tese dos seus criadores: o aumento da idade de alunos freqüentes do mesmo ano escolar apresentava íntima correlação com uma progressiva diminuição do QI.44 Alunos com quinze anos cronológicos, submetidos ao teste, não esgotaram suas questões, chegando a um escore abaixo de 50, quando o quociente mínimo era 66. Por outro lado, a aplicação dos testes em alunos de escolas primárias e secundárias reafirmava a convicção de que os mais inteligentes iam para a escola secundária. Não havia, no entanto, diferença nos resultados dos testes quando aplicados a alunos de escolas particulares e públicas no Rio de Janeiro, embora na Bahia o resultado fosse mais favorável aos primeiros.

A afirmação da correlação entre crescimento físico e declínio mental era catastrófica, se considerarmos o fato de que em 7.632 alunos matriculados na primeira série, no início da década de trinta, apenas 2.716, ou seja 35%, apresentavam

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a idade ajustada à série em questão. Isso colocava na berlinda os outros 65%. Quem elaborou o relatório estava convencido de que mais de 50% das crianças que cursavam as escolas examinadas apresentavam retardamento mental. Essa conclusão era tirada mesmo admitindo-se como média, depois da aplicação de vários testes, o quociente 86. Esse quociente foi tomado como correspondente ou equivalente ao quociente 100, estabelecido pelos pesquisadores americanos. Os resultados dos estudantes brasileiros foram comparados a outros resultados apresentados na literatura sobre o assunto, dentre os quais os expostos por Hollingworth em seu livro Crescimento e declínio mental, acerca da distribuição da inteligência da população.45

Em outras palavras, assumir essas conclusões, respaldadas pela autoridade de resultados semelhantes obtidos por pesquisadores americanos em outras circunstâncias, era admitir que a maioria das crianças que entravam na escola carioca era retardada! Anísio, no entanto, abandonou esses resultados. O próprio Serviço de Testes e Escalas, no já referido relatório, apontava a impossibilidade de se julgar uma criança débil mental após o simples exame por teste mental. Esta definição sobre uma criança só poderia ser assumida quando outros testes lhe avaliassem todas as possibilidades de exploração da inteligência e da vida emocional. Além dos estudos comparativos entre resultados, o Serviço de Testes e Escalas pediu a apreciação de professores das escolas primárias a respeito da inteligência da criança e levantou toda uma literatura crítica do processo de homogeneização das classes.

Kilpatrick, Alice Keliher e Bagley, da Columbia University, e Dr. Reynolds, da Horace Man School, desaconselhavam tal processo. Várias razões apontavam a artificialidade da vida escolar classificada por seleção. As

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influências diferentes a que os sujeitos estavam submetidos antes da aplicação dos testes eram ignoradas. Não eram também consideradas as dificuldades administrativas, a falibilidade dos testes de inteligência e dos resultados estatísticos, a discriminação psicológica entre os próprios alunos (os inteligentes ficariam insuportavelmente vaidosos e os rudes ou lentos ou normais não encontrariam estímulo para mais enérgico esforço), além do que, as medidas de inteligência, segundo Keliher, restringiam-se a analisar apenas um aspecto restrito delas: a capacidade de aprenderconhecimento.46 Mas estas percepções não eram consensuais e toda uma outra literatura defendia os testes, destacando seus resultados compensadores. A percentagem de reprovação ficava reduzida, a média do aproveitamento melhorava, havia motivação, a formação de atitudes e hábitos disciplinares ficava facilitada e professores e alunos economizavam esforços.

De toda essa pesquisa e das críticas que recebera, o Serviço de Testes e Escalas tirava algumas conclusões:a) as dificuldades com os testes se avolumavam na escola

pelo conhecimento insuficiente do assunto;b) os testes não deveriam ser a única base do critério

classificatório, mas deveriam ser, ainda, o elemento central;

c) os testes realizados não pretendiam comparar meninos brasileiros com americanos ou franceses. Revistos por especialistas brasileiros (no caso, os do Serviço), sua apücação e reaplicação gerava um resultado que levava à comparação das crianças de um grupo em relação à “média” ou “mediana” no mesmo grupo. O teste “perdia sua qualidade originária e passava a exprimir um simples fato estatístico”. 4

Anísio apreciou os argumentos do Serviço e,

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prudentemente, decidiu não só deixar o problema do quociente intelectual para ser estudado com mais vagar, mas também usar os critérios mais simples de classificação dos alunos:

Os exames das crianças não foram levados a efeito em condições perfeitamente seguras, não só devido à pouca familiaridade dc meio com o processo dos testes, como mesmo ao caráter experimental do ensaio, dado a investigação. Os testes representavam, portanto, uma simples adaptação ainda não padronizada e foram, além disso, tests coletivos, que exigiam uma série de tests suplementares individuais, para serem reputadas como definitivas as suas conclusões a respeito de muitos alunos, pelo menos daqueles cujo QI coletivamente apurado se revelou abaixo do normal. Por esses motivos, a experiência não pôde ser continuada.48

O recuo de Anísio, feito com habilidade, não colocou em questão a necessidade de administrar o serviço escolar de acordo com as conclusões dos inquéritos e da necessidade de se apoiar na técnica já desenvolvida, o que tomaria a obra escolar “mais objetiva, segura e científica”. Afinal, eram esses argumentos que justificavam os novos serviços de classificação, promoção, matrícula e freqüência que, por sinal, não haviam sido bem aceitos de início, causando estranheza dos diretores e inspetores escolares, que viam nesta iniciativa uma interferência capaz de acarretar a perda da sua autonomia. Aceitar, no entanto, os resultados dos testes de QI seria admitir a irreversibilidade das condições específicas da clientela da escola primária pública e, com isso, abrir mão da possibilidade da escola atuar sobre a infância. De que serviria

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íâftsio Teixeira: A Poesia da Ação 269

o trabalho escolar diante da “realidade” mostrada pelos testes de QI? Apesar de Anísio usar os testes com o intuito de maximizar a eficiência da escola, a resposta acachapante dos resultados, na hora da execução das medidas, obrigou-o a duvidar delas. Recusou-se a render-se diante das “evidências” dos testes, mantendo-se firme no seu compromisso de construir uma nova qualidade para a escola primária.

Promoveu reclassificações sucessivas e acompanhou a avaliação da escola primária, que dividiu em dois períodos: o primeiro, com três anos de duração, cuja meta foi a alfabetização (ler, escrever e contar); o segundo, com dois anos de duração, cuja meta foi o desenvolvimento das técnicas de alfabetização e o enriquecimento da bagagem intelectual do aluno. Com maior vigor, ainda, a ênfase foi colocada no trabalho da escola sobre o aluno, admitindo-se aproximações e transigências indispensáveis para que o plano de organização da aprendizagem respeitasse, ao máximo, suas condições reais. Pouco importava ter classes diferenciadas seo ensino não fosse realmente diferenciado. Tal esforço, segundo Anísio, deveria ser acompanhado de estudos sistemáticos sobre os seus resultados e do oferecimento de duas chances de promoção ao aluno, uma no meio e outra ao final do ano. Para a escola pretendida por Anísio todas as crianças seriam, por princípio, capazes. 9

As escolas passaram a encaminhar planos de trabalho para a Diretoria, definindo objetivos de aprendizagem, especificando as turmas e, nelas, os diferentes grupos, o meio social das crianças, os métodos empregados e os resultados que iam sendo conseguidos. Assim, por exemplo, o relatório da Escola General Trompowsky, no bairro do Leme, para o ano de 1935, apontava como metas a serem atingidas: o ensino da leitura no primeiro ano, o ensino de matemática no segundo e o ensino especializado no terceiro, quarto e quinto

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anos. Para efeito de visualizar como funcionou o plano de diferenciação de classes, foi elaborado o quadro apresentado à página 271, com dados obtidos na leitura do relatório citado, com relação ao primeiro ano.

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*** A classificação pode ser assim interpretada:4 A V 2 4: grupo para o qual se destina (?) A: nível atrasado V: velocidade pequena (programa mínimo) 2: aplicação (as notas se aplicação variavam de 1 a 4)2 A V 1 2: grupo para o qual se destina (?) A: nível atrasado V: velocidade pequena (programa mínimo) 1: aplicação

Pelo quadro, vemos que a performance do primeiro ano, segundo a afirmação do relatório e independente dos métodos e do meio social, foram bons. Com exceção do grupo 3, nível b, que foi reclassificado no grupo 2, nível A e, portanto, foi deslocado para um grupo mais atrasado, os demais conseguiram avançar. Esses resultados merecem ser, no entanto, relativizados pelo fato de que ofereciam uma imagem da escola susceptível de avaliação pela Diretoria, pela ausência de informações pertencentes ao próprio quadro e de informações complementares. Não sabemos, por exemplo, os resultados dos testes para todos os grupos, nem o número de alunos que constituía cada grupo (15 liam em quantos?). Não encontramos também planos semelhantes de outras escolas, para que pudéssemos campará-los.

Gostaríamos, no entanto, de chamar a atenção para o fato de que a Diretoria, mediante os órgãos criados, acompanhava os serviços escolares prestados pelas escolas e elaborava uma aferição anual que as classificava do ponto de vista do seu rendimento.51 Ao final do ano, as provas impressas, preparadas na sede do Departamento de Educação por professores da rede escolar anteriormente escolhidos,

♦Ausência de informação - Não foi adotada cartilha** Os grupos diferentes indicam velocidades diferentes de programa

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r :Sfiim aplicadas. A correção dessas provas ficava também èentralizada no Departamento e seus resultados serviam para orientar o trabalho das próprias escolas e do Departamento, no ano subseqüente.

Esse sistema de aferição anual acabava interferindo, diretamente, nas relações entre professores e alunos, professores e professores, professores e direção.52 No primeiro caso, os professores das turmas consideradas fracas faziam um grande esforço, utilizando os serviços de monitoria dos seus alunos mais aplicados, para superar o fracasso prévisto e alcançar maior credibilidade junto ao seu grupo. No segundo caso, criavam-se relações mistas tanto no sentido da competição, na qual cada professor se esforçava para ser considerado o mais exigente, como no sentido da solidariedade, na qual a troca de experiência funcionava como instrumento para melhoria do desempenho docente e do rendimento escolar. No terceiro caso, suscitava uma grande atenção dos diretores sobre o trabalho pedagógico dos docentes de sua escola e até a interferência, quando necessário, para manter ou elevar o padrão de ensino. Era comum as diretoras substituírem as professoras faltosas, estando para isso minimamente informadas do ritmo da classe e do andamento dos trabalhos, ou promoverem cursos de reciclagem internos dados por colegas mais experientes.

Uma das conseqüências dessa aferição foi, portanto, levar a direção das escolas a assumir, dentre as suas atribuições, a de supervisão do trabalho educativo. Um exemplo evidente dessa afirmação é o relatório da diretora Juraci Silveira, da Escola Vicente Licínio (3-8), enviado ao superintendente da terceira circunscrição escolar, em 1933. Nesse relatório ela mostra, por exemplo, como interferiu nas classes da aprendizagem de leitura:

'o Texeira: A Poesia da Ação 273

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274 Clarice Nunes

Com o objetivo de melhorar a aprendizagem da leitura reuni o corpo docente (defendendo) a conveniência de se abolir a leitura fragmentada feita diariamente por todos os alunos. Demonstrei que a extensão dos trechos era insuficiente para despertar o interesse ? para assegurar a técnica da leitura oral. Ademais fiz notar a perversidade de se querer obrigar um aluno a acompanhar com atenção uma leitura mal feita, gaguejada, sem expressão. Aconselhei o hábito da leitura silenciosa seguida de um questionário oral ou escrito. Sugeri a conveniência de uma hora livre para a leitura na sala apropriada.53

Nem todas as diretoras teriam possivelmente a competência pedagógica da professora Juraci, mas foi nesse trabalho que muitas delas se distinguiram. Algumas seriam convidadas, pelo seu mérito, a dirigir as escolas experimentais que foram criadas. O relatório da professora Juraci será retomado oportunamente, já que oferece outras informações significativas sobre a organização e o funcionamento escolar.

Se a centralização das medidas de aferição do rendimento escolar, em alguns momentos, chegou até a exacerbar o caráter individualista da atuação do professor e da escola, teve também outros e surpreendentes efeitos, ao lado da centralização dos serviços de matrícula e freqüência, junto ao professorado e às escolas públicas cariocas. Em nome de uma visão de conjunto dos serviços prestados pela rede escolar, a gestão de Anísio atingia não só o sentimento de “propriedade” que certos diretores e inspetores escolares tinham sobre a escola, como o sentimento de autonomia didática dos professores.

Vejamos o primeiro caso. Como reforça Paschoal Lemme, a tradição do ensino primário carioca, já o

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àfirmamos, era o da existência de escolas isoladas, conhecidas pelos alunos e suas famílias pelos nomes dos respectivos diretores: a escola da “Dona Olímpia”, a do “Professor Teófilo” ou a da ‘Dona Isabel Mendes”.54 O diretor se apresentava como uma espécie de líder da comunidade, ao lado do padre, do intendente municipal e do fiscal de rendas, e exercitava sobre a sua escola uma liderança que não admitia concorrência ou discussão. Impunha o seu tom, o seu ritmo, a sua voz sob os olhos do inspetor escolar, cujo contato até estimulava laços de amizade sólidos, às vezes até ligações de parentesco.

Quando Anísio começou a centralizar certos serviços e a construir o que chamava de um sistema escolar, gerou resistências e conflitos porque mexia com uma mentalidade privada da coisa pública, com hábitos arraigados e uma rotina já estabelecida. Diretores, inspetores e professores “gritaram”. É ainda Lemme que nos apresenta, do livro de Campos Medeiros, Lutas pela Pátria, impressões que expressam a insatisfação de setores do magistério carioca com a perda de prestígio das escolas individualizadas:

Nosso ensino, fora magnífico durante muitos anos, como atestaram grandes patrícios nossos e eminentes visitadores estrangeiros, sem a necessidade de exibições de pedagogos de importação. Desmanchou-se, pois, o que era bom, somente pelo prazer de mudar, de alterar, de se propalar que se estava fazendo coisas extraordinárias. Professoras brilhantes foram enxotadas do magistério ou, pelo menos, jogadas para escolas que deveriam caber a “iniciantes”[...]. Em matéria de ensino primário (alicerce da instrução) retrogradamoslamentavelmente, a despeito do zelo e da dedicação de

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muitas professoras, que têm que acompanhar o préstito da desordem, para que não sejam chamadas de “retrógradas”.55

Apreciemos agora o segundo caso. De uma maneira geral, todas as reformas da instrução pública atingiam a autonomia didática do professor, o que era percebido como um direito docente. Num artigo publicado na Folha da Manhã, periódico paulista, R, A. Camargo comenta a falta de liberdade das professoras de classe de primeiro ano que, sem poder seguir “seu processo de ensino de leitura”, nada diziam contra o método analítico por ser o “método oficial”.56 No Distrito Federal, durante a Reforma Carneiro Leão (1922-1926), foram criados, como afirmou em entrevista a professora Juraci Silveira, os diários de classe, primeira peça introduzida no cotidiano escolar que, ao lado das várias fichas pedagógicas e de saúde, constituíam a escrituração escolar. 56 Ora, o intuito dessa escrituração era formar uma consciência técnica, o que exigia a observação das crianças e o planejamento das aulas. Durante a Reforma Fernando de Azevedo (1927-1930), além do detalhamento dos programas de instrução primária, instituiu-se uma espécie de “método oficial” de alfabetização, que era o da sentenciação. Apesar da exigência da lei e dos argumentos técnicos-pedagógicos, os professores encontraram maneiras de driblá-los e, assim, preservar sua própria autonomia. O depoimento da professora Stella Guedes Muniz, que lecionou em escolas primárias nos bairros de Deodoro e Gávea, a partir de 1928, é exemplar. Jamais alfabetizou com jogos ou quaisquer atividades de estimulação. O único material didático que usava eram letras ou síbalas recortadas, pois o único método no qual se sentia à vontade para alfabetizar era o da silabação. Durante vários anos utilizou, com êxito, suas descrições didáticas: o “a é a

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létrinha que tem a mãozinha do lado”, o é a goiabinha pendurada na árvore”.58

Na gestão de Anísio, a peida da autonomia didática não passou necessariamente pelo monismo metodológico, até porque, como sugere o quadro relativo aos dados do plano de trabalho do primeiro ano da Escola General Trompowsky, vários métodos eram admitidos. O importante era que dessem resultados. Nesses resultados residiria o reconhecimento da sua eficácia. Se, de um lado, o pluralismo metodológico garantiu a possibilidade dos professores manterem ou mUdarem seus métodos, de outro, permitiu que aflorassem iniciativas de exibição de professores ansiosos para que o “seu” método fosse apreciado (e, quem sabe, endossado) pelo Departamento de Educação. A professora Maria Ribeiro de Almeida, por exemplo, sentia-se prejudicada por um conjunto de professores que, em sua visão, a impediam de mostrar o “seu” sistema de alfabetização, de “tão bons resultados”, ao Diretor do Departamento.

[...] não ficarei satisfeita enquanto não conseguir que o próprio Diretor do Departamento de Educação assista a uma demonstração prática, e acompanhe a marcha de umã classe, emhora me pareça que o seu assistente tenha apreendido o todo do meu sistema, pois que disse ali as mesmas palavras do professor Garrick quando acompanhou o sucesso das equipes, na alfabetização de favelas:

“Tem todos os requisitos da Escola Nova. ”O professor Robert Garrick ainda acrescentou

que “em nenhuma parte do mundo a Escola Nova produziu um mecanismo tão perjeito para o ensino da leitura e da linguagem. ”

Se não fora a aridez tremenda do deserto, onde

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Clarice Nung|

clamo hS mais de dez anos, a Escola Nova da Europa não teria surpreendido os pedagogos brasileiros, nem o Claparède nos teria estigmatizado com aquela palavra humilhante para nós:

"No Brasil, nada de novo! ”59

De fato, Anísio temia qualquer medida que desencorajasse a originalidade, entendida como o bom senso de conciliação inteligente, de adaptação, de coragem para mudar em favor da melhoria da aprendizagem. Esta aversão pela ausência de “imaginação pedagógica” levava-o a criar um ambiente de estímulo à experimentação, mas não no sentido de colocar em primeiro plano o reconhecimento do trabalho de qualquer docente. Sua perspectiva subordinava esse reconhecimento ao resultado do conjunto, o que também irritava e ocasionava a crítica à “febre dos métodos pedagógicos” nas escolas cariocas. Curioso notar que uma das manifestações mais extremadas de autonomia didática pode ser exemplificada com o folheto de propaganda, produzido pela professora Eliza Risso, que pretendia dar provas cabais da eficiência do seu método e procurava um sócio para divulgar ou adquirir o seu trabalho:

Método Fundamental de Instrução e Educação Escola e Família

Senhora distinta, independente, procura sócio para vulgarizar um seu trabalho didático, ou comprador.

A autora é professora diplomada na Itália e na Capital Federal onde exerceu cargos de alto destaque.

Tendo se dedicado por longos anos ao ensino popular, baseando-se em princípios fundamentais e na própria experiência, acaba de ultimar aperfeiçoando-

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o, um seu trabalho didático que é fundamental para a instrução do aluno, o qual, iniciatuio o período escolar com a idade regular, em poucos anos se habilitará para completar por si mesmo a instrução e educação adequada à profissão que escolherá com segurança, visto ter-se habilitado a discriminar suas tendências, decidindo deste modo do seu futuro moral e econômico.

[...] Dar-se-á brevemente, prova cabal da eficiência deste método [ ...f°

Na gestão de Anísio a parafernália dos testes, sua elaboração, execução e avaliação sacudia a escola, obrigando- a a sair de dentro do particularismo que Uie era característico. Isso configurou-se como um atentado à autonomia. O que estava no fundo da ameaça era a formação de uma mentalidade na qual o espaço escolar deixava de ser vivido como espaço privado, para ser considerado como espaço público. Em decorrência, as medidas de aferição do rendimento escolar colocavam em xeque as fronteiras entre as diversas escolas, exigindo que elas se olhassem umas às outras e enfrentassem o seu rosto múltiplo. O processo de classificação dos alunos, que redundava no processo de classificação das instituições de ensino, era um exercício de poder, cujo intuito ordenador (sistematizador, diria Anísio!) estabelecia e introduzia categorias estranhas ao cotidiano, forçando a reinvenção da prática. No balanço da sua gestão, que realizou em 1932, Anísio comparava a reação do professor carioca a tais medidas à reação do povo carioca contra a vacinação obrigatória no começo do século, mas se comprometia a levar avante uma série de decisões que importavam alteração de hábitos e praxes, até se tomarem rotinas de trabalho.61

Texeira: A Poesia da Ação 279

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280 Clarice Nunes

O fundamental a ressaltar é que o movimento em tomo dos testes e a criação de instrumentos pedagógicos de controle do trabalho docente (diário de classe, fichas pedagógicas, relatórios e planos de trabalho) tinham como finalidade exercitar, nos professores, a preponderância de um “espírito objetivo” sobre o “espírito subjetivo”. A resistência docente contra a perda da autonomia didática e a necessidade de apresentar dados mensuráveis sobre suas atividades no cotidiano escolar revela que, nesse espaço, era travada a luta pela mudança de uma mentalidade urbana ainda arraigada à esfera pessoal do ponto de vista do seu conteúdo (tipo de discriminação da realidade, interesses, ritmo), mas que ia sendo puxada para a esfera impessoalizada por meio de mecanismos que nivelavam a uniformizavam as atividades individuais via resultados escolares.

Como a cidade, a escola era algo mais do que uma aglomeração de pessoas, conveniências sociais e equipamentos materiais. Era um estado de espírito. Era a construção de um espaço que, na gestão de Anísio, foi aberto (coletivizado) de diversas maneiras. Se nas escolas primárias destacaram-se procedimentos como os citados, nas escolas secundárias e na universidade outros mecanismos foram acionados como, por exemplo, as festas e as exposições. Para além da materialidade do espaço e do processo de sua utilização, o que estava em jogo era a dimensão simbólica de representação do urbano e, nesse sentido, a escola como espaço construído, fechado e, nesse momento, com elevado grau de privatização, foi manipulada de várias formas para se abrir e interferir de forma incisiva sobre a “vida comunitária” que a cercava.

Nos jornais, a reação à gestão de Anísio era ruidosa. Denunciavam, em 1933, a “grave deficiência escolar da capital do País”: o Distrito Federal possuía escolas somente

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ÁÜÍsio Texeira: A Poesia da Ação 281

para apenas 50% de sua população escolar total. Anísio respondia a essas críticas, mostrando que ele mesmo, logo no início do seu trabalho, denunciara tal deficiência ao contribuinte do Distrito Federal. Voltaremos oportunamente a considerar sua resposta às críticas recebidas. Retomemos, no entanto, à questão dos testes e, por seu intermédio, ao esforço de reorganização e classificação escolar. Se esse esforço foi comum aos grandes centros brasileiros como Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, sua concretização e seus efeitos podem ter variado.

Levantamos essa hipótese após ter verificado que certos temas da literatura produzida nesses centros, pela sua recorrência, merecem um exame mais criterioso. E curioso notar, por exemplo, que nos textos produzidos no Rio de Janeiro aos quais tivemos acesso, não aparece, no exame do problema, a preocupação com a seleção profissional e a organização racional do trabalho, como acontece com certos textos produzidos em São Paulo. Assim, o livro de Roberto Mange, já citado, Notas sobre psicotécnica (São Paulo, 1926), após introduzir a questão da classificação do operariado, apresenta alternativas para seleção de condutores de automóveis e ferroviários. A tradução que Lourenço Filho faz de Léon Walther, Tecnopsicologia do trabalho industrial (São Paulo: Melhoramentos, 1924), dá um histórico do tailorismo e do faiolismo. Em suas próprias reflexões, no ano de 1931, na revista Escola Nova, Lourenço entende a presença da técnica científica na escola como uma extensão da aplicação da ciência dos meios de produção aos meios escolares, na medida em que para “produzir bem” é necessário:

verificar com que material se trabalha e para que eleserve; descobrir quais os meios seguros e econômicosa serem postos em prática, em vista de um fim

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282 Clarice Nujigg

determinado; indagar se se obteve realmente o que se J pretendia obter, ou em que medida fo i atingido o fim desejado.63

Não parece também ser por acaso que, no Rio de Janeiro, dentro da discussão dos testes, o tema da formação das elites nacionais apareça explicitamente como caracterizador de interesse. Foi o sonho da descoberta de super-homens por meio de processos psicológicos, divulgado no jornal carioca Correio da Manhã, que fez o médico escolar Maurício de Medeiros, discípulo de Georges Dumas na Sorbonne, organizar laboratórios de psicologia no Hospital Nacional de Alienados e a defender a tese de aproveitamento dos supra-normais, reconhecidos por meio dos testes de Terman ou de Stermann (versão americana dos testes de Binet), com o propósito de encontrar os leaders da civilização nacional.64 Da mesma maneira, Leoni Kaseffi, em artigo no Correio da Manhã, após mostrar como o problema da formação das elites já vinha preocupando, há milênios, os intelectuais e com os vários sistemas escolares mundiais estavam resolvendo os problemas de “multiplicação de chefes” necessários às democracias modernas, defendia processos seletivos para abreviar a duração dos estudos primários dos alunos de inteligência brilhante.65

Supomos que, de modo geral, essa literatura manifesta o mesmo sentimento de intolerância diante do diverso e reelabora formas de resguardar os segmentos privilegiados da sociedade. No entanto, se em São Paulo o mundo da produção é mais preciso, no Rio de Janeiro a dimensão de capital política do país permite um rendimento simbólico que não pode ser ignorado, ainda mais que a presença das classes populares, dada sua proximidade com o poder político central, e a topografia da cidade (cercada por morros, onde as favelas

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proliferam), parece incomodar de uma forma mais aguda. As ravèlas, que irão se multiplicar no espaço da cidade e coiporificar problemas explosivos nas décadas seguintes, rotulados sob a expressão de banditismo urbano, são, na década de trinta, vistas como focos de “irracionalidade”, de resistência à aspiração de ordenamento e homogeneização da cidade.

As crianças faveladas e, por extensão, todas as crianças pobres eram facilmente reconhecidas na escola: doentes (sífilis, verminoses, lt adenopatias, anemias), promíscuas (moradoras de barracos ou habitações coletivas), anti-sociais no comportamento por fatores hereditários e culturais (seu herói era o do morro, que tocava violão e se embriagava, dormia durante o dia e à noite caía na malandragem), indiferentes à instrução. Eram a negação, no presente já passado, do trabalhador produtivo no futuro. A classificação dessas crianças, recortada valendo-se do suposto potencial “selvagem e irracional” das classes populares, justificaria o poder regulador do Estado sobre cada uma delas e de seus famílias. Nesse recorte, os alunos repetentes já estavam revelados:

[...] joguetes de misérias orgânicas, sociais ou mentais, seguem, ao acaso, constituindo a horda dos abandonados. Ocasiões há em que se sentem humilhados [...]. De outras vezes reagem pelo cinismo; perderam o primitivo sentimento de pudor e a timidez fo i vencida e substituída por um comportamento oposto e exagerado, além de inadequado socialmente. Para esses, pouco importa a aprovação social; tanto se lhes dá! Vangloriam-se, fazem de suas derrotas brasões de glória, são os heróis da malta, lideres dos desajustados. Sem peias

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nem deveres, tendo destruído os padrões sociais, proclamam-se livres, senhores do agir como quiserem; desde a infância, estão fora da lei.

O aluno repetente era, portanto, aquele que expressava no interior da escola a resistência à modernização escolar e social. Esta era a visão de educadores, médicos e técnicos especializados que, dessa forma, legitimavam sua ação “saneadora” no combate, modificação e extermínio das causas do problema do aluno repetente e insistiam no melhor aproveitamento dos mais aptos. Esta imagem de ação educadora sobre o aluno repetente é a que nos oferece Ofélia Boisson Cardoso quando analisa a repetência e retrata o aluno pobre. O retrato desse aluno, que apresentamos anteriormente, foi o que ela flagrou quando visitou, em 1936, as crianças residentes na Ladeira dos Tabajaras, no bairro do Leme. Ofélia Cardoso, é bom notar, não defende as medidas classificatórias na escola. Até as condena, por haverem se transformado em panacéias para todos os males. Ela não escapa, porém, da visão que discrimina o aluno, mesmo quando amplia a discussão sobre os fatores que criam a rspetência, e quando adverte para o fato de que a repetência atinge também as crianças de nível econômico mais elevado.66

Ao participar da mentalidade da sua época, Anísio endossou o papel disciplinador e civilizador da escola sobre a cidade ao lidar com a heterogeneidade das classes populares e de suas crianças dentro das escolas, mas não o fez de forma a identificar a heterogeneidade como carência de atributos intrínsecos do sujeito pobre. Sua convicção, desde as críticas que elaborou à Reforma Francisco Campos, era a de que o país precisava criar elites parciais em iodas as atividades e classes.68 Sua compreensão da infância foi generosa, na maneira como a concebeu, na maneira como refutou os

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»lâftsio Texeira: A Poesia da Ação 285I :

resultados dos testes de inteligência e no modo pelo qual orientou os trabalhos do Departamento de Educação, t • As deslocar a carência do indivíduo para a omissão dos governos na direção da reconstrução das condições sociais e escolares, o seu pensamento liberal foi capaz de criticar a inversão política que via na educação a solução apressada dos grandes problemas humanos. Ele abre o seu relatório de 1934 apontando justamente o perigo dos governantes tomarem a causa pelo efeito e vice-versa. Ao invés de, a qualquer preço, conquistar a alfabetização para alcançar a civilização, como queriam alguns, patrióticos mas poucos lúcidos, o fundamental era obter “aquela civilização” para que os índices de generalização da leitura e da escrita surgissem.

A escola não resolveria o problema da carência de civilização mas, se tivesse algum alcance, deveria abrir a possibilidade de lidar de uma maneira mais efetiva com ela. Numa espécie de voluntarismo calculado, construído pela crítica das condições escolares, pela crítica dos privilégios das elites e pela auto-crítica e crítica da sua gestão, Anísio concebeu a escola como um espaço real no qual a criança do povo pudesse praticar uma vida melhor: livros, revistas, estudo, recreação, professores bem preparados, clareza de percepção e crítica, tenacidade de propósito.69 Daí sua luta pela ampliação da oferta escolar e da melhoria da sua qualidade.

Uma vida melhor seria, de fato, possível? Alguns relatórios elaborados por membros da Escola General Trompowsky fazem esse questionamento, ao apresentarem determinadas situações vividas por alguns dos seus alunos. Há, por exemplo, o caso daquele menino que morava com os pais numa casa de cômodos em situação miserável. Adorava a escola: moderna, confortável. Lá tinha roupas, comida,

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brincadeiras, jogos. Sentia-se revoltado ao ter que abandoná-, la. Pergunta: “Não foi a escola que criou, nessa criança, um complexo de desintegração?”70 A criança pobre era também aquela que trabalhava. Carregava água, cortava lenha, capinava. Que motivação lhe seria eficiente? A visão científica da escola não tinha resposta para essas questões, mas tinha condições de projetar e operacionalizar uma política de acesso à escola primária.

Na gestão de Anísio, a questão da quantidade em termos da aplicação de vagas, via reorganização das matrículas e criação de novos prédios escolares, chegou a um ponto que alterou a qualidade da escola, constituindo mais do que uma quantificação extensiva. Tomou-se uma quantificação seletiva, no sentido que Romo lhe atribui, isto é, concentrada em variáveis estratégicas e decisivas para o seu plano de expansão do atendimento escolar.71 Toda e qualquer comparação que se faça da expansão de matrículas na gestão de Anísio, com relação às gestões anteriores da instrução pública no Rio de Janeiro, é extremamente vantajosa para ele. Na gestão Carneiro Leão (1922), nenhum prédio novo foi construído e o aumento de aluguéis obrigou a desocupação de casas, reforçando a existência de escolas primárias com dois turnos. A adoção do turno duplo reduziu o horário escolar de5 para 4 horas.72 O censo escolar realizado pela gestão Fernando de Azevedo (1927-1930) havia apurado que, de um total de 141.123 crianças, 51.163, ou seja 36,3% não freqüentavam a escola.7 Fernando de Azevedo chegou a construir, além do prédio da escola normal (pelo qual seria processado após sua saída, sob a alegação de malversação das verbas públicas), três grupos escolares na zona central da cidade, o prédio do almoxarifado, a Escola para Débeis na Quinta da Boa Vista (o grande sonho de Carneiro Leão) e novos prédios para as escolas Paulo de Frontin e Rivadávia

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rteia, já existentes.74Quando Anísio assumiu o Departamento de Educação,

tÔ&iou por base o resultado do censo de seu antecessor, os éfstüdos relativos ao crescimento da população e a taxa de crescimento predial para estimar que o número total de crianças a serem atendidas pela escola primária pública ficaria no» ordem de 190.000. Em 1932, a matrícula máxima havia ánngido pouco mais de 85.000 crianças, ou seja, o Distrito Fésderal tinha escolas suficientes apenas para atender 50% da siia população escolar total. Diante dessa situação, definiu duas metas: aproveitar melhor os prédios e salas de maior capacidade e construir novos prédios escolares.

No primeiro caso, os Centros de Matrícula passaram a ter o papel de redistribuir as crianças pelas escolas existentes por meio de um processo de transferência que, a princípio, causou tumulto e assustou alguns pais. Em 1933, o relatório apresentado pela diretora da Escola Vicente Licínio (3-8), Juraci Silveira, já mencionado, oferece algumas informações interessantes sobre o processo de reorganização da matrícula e o funcionamento do ensino. A escola que dirigia, situada no centro da cidade, no quinto andar do edifício de A noite, surgira da fusão de três outras, o que significava a influência de três orientações diversas. A nova direção teve dificuldades para organizar as turmas e só utilizou o critério de idade cronológica, nem sempre informada com exatidão. Problemas decorrentes da transferência de professores conturbaram o cotidiano escolar e, durante certos dias, até que as providências cabíveis houvessem sido concluídas, a escola se tornara um “depósito de crianças”. Os pais, não habituados ao uso do elevador, receavam pela segurança dos seus filhos. Invadiam o prédio e queriam acompanhá-los até as salas de aula, dificultando a entrada e saída dos alunos.

Após um ano de funcionamento, a experiência

ío Teixeira: A Poesia da Ação 287

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mostrou que, se de um lado, uma escola no quinto andar d^ um edifício estava longe do ideal pedagógico, até porque “um conjunto de ótimas salas não constituía uma escola”, de outro, a medida fora acertada: a matrícula manteve-se elevada e a freqüência muito boa. Afirmava a diretora:

Nesta zona não se encontra melhor nem mais adequada. É evidente a superioridade em capacidade e em condições higiênicas e pedagógicas desta escola sobre as três outras desaparecidas. A extraordinária mobilidade da população urbana que se desloca para os subúrbios [...], mostra que as escolas do centro tendem à diminuição da freqüência.75

A referida diminuição, no entanto, não ocorrera na Escola Vicente Licínio. Em novembro e dezembro de 1934 ela funcionava com 89% da sua capacidade, atendendo 557 ciunos. A diretora apontava, ainda, como problemas a serem enfrentados, a insuficiência do mobiliário (200 mesas para uma freqüência de 250 alunos em cada turno) e sua inadequação ( não apresentavam lugar para tinteiros e todas as mesas eram da mesma altura, embora houvesse alunos de 7 a14 anos) Faltavam quadros-negros murais. Outro inconveniente era a passagem dos alunos da Escola Secundária Técnica Amaro Cavalcanti pela escola primária. O corredor, para onde se abriam todas as salas, transformava-se numa espécie de rua, com trânsito livre e de ressonância perturbadora, ainda mais pelo fato de ser longo e estreito.

A freqüência média, considerada mês a mês, fora plenamente satisfatória, se levado em conta o fato de que aquelas crianças eram pobres e trabalhavam para auxiliar a família. Os meses de setembro e outubro apontaram as menores freqüências, 71,18% e 74,69%, respectivamente,

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pelo surto de catapora e sarampo que atingiu os alunos. Nos meses de novembro e dezembro, no entanto, a freqüência saltara para 80,25% e 84%. Esse salto fora motivado pela competição entre as classes, que prometia à classe vencedora em freqüência uma bandeira brasileira.

A diretora avaliava que a instalação do quarto ano primário elevaria ainda mais a matrícula para o ano de 1934. A escola havia fornecido escova de dentes, pasta, sabão, toalha, uniformes, lenços e latas de graxa aos alunos necessitados. Havia encaminhado alunos para tratamento dentário, embora em número reduzido diante da demanda, para a Escola Colômbia e para a Clínica Dentária Infantil. Os alunos maiores (do terceiro ano) ensinavam aos menores os hábitos de higiene mediante a prática diária na própria escola. As dificuldades relativas às instalações apropriadas para a elaboração da merenda levou à sua simplificação: pão e banana; pão, queijo e banana (uma vez por semana); pão e laranja. Das 18.464 merendas fornecidas de maio a novembro, 5.474 foram gratuitas. A biblioteca, iniciada com 25 volumes, ampliou-se para 102, incluindo momentos de leitura e narração de histórias. Aboliram-se todas as exigências formais para o contato das crianças com os livros, que eram apanhados em estantes abertas. Elas ainda votavam nas histórias mais apreciadas. Nas turmas de segundo e terceiro anos, adotaram-se livros diferentes para permitir o intercâmbio entre os compêndios sempre que desejassem. De uma maneira geral, as dificuldades iniciais haviam sido superadas e as campanhas realizadas contra a escola pelos jornais, no início do ano letivo, tomaram-se esquecidas pelo seu êxito, apesar de certas dificuldades ainda presentes e que necessitavam de enfrentamento imediato. Se a Escola Vicente Licínio funcionava em dois tumos, outras passaram a funcionar em três tumos como solução de emergência a ser,

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290 Clarice 1

gradativamente, eliminada.Com relação à meta de construção (te novos prédios

escolares, foi elaborado um plano mínimo de edificações que previa, para a período de 1934 a 1938, a construção de 74 novas unidades escolares com uma média de 25 classes; a ampliação de 16 prédios municipais já erguidos e o aproveitamento de 25 prédios existentes. Desse plano mínimo, a construção efetivamente realizada abrangeu 25 novos prédios.76 Essa construção e a reforma das edificações existentes acomodaram melhor as crianças cariocas. O acesso foi ampliado e ao aumento geral da matrícula correspondeu um aumento efetivo da freqüência.

Alberto Gawryzewski, ao estudar a execução do plano de edificações e trabalhar sobre os dados de matrícula, freqüência e promoção, oferece algumas informações que nos ajudam a sintetizar a questão.77 Considerado o período de 1929 a 1934, pelos dados coligidos fica claro que houve um aumento de 34% do número total na matrícula de 1934, em relação a 1929, e um aumento de 48% do número de alunos freqüentes sobre o número total de alunos no mesmo período. Acompanhou o aumento do número total de alunos sua melhor distribuição pelos vários níveis Em 1935, houve a diminuição do número de escolas com três turnos (93 em 1934 e 68 em 1935), com a continuidade da ampliação de vagas. A matrícula total geral de 1935, nas escolas primárias diurnas, atingiu 106.707 crianças num universo de 142.392. Esse total, calculado por José Paranhos Fontenelle, foi baseado no número de nascimento e óbitos, sendo considerado uma estimativa mais correta do que a de 190.000

• • 78 •anteriormente projetada. A comparação que Anísio realiza no relatório de 1934, dos dados relativos à promoção escolar série a série, entre 1933 e 1934, mostra o resultado apreciável de 66%. As finalizações do curso primário dobraram de 3.697

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crianças em 1933, pra 6.116 em 1934, sendo que a maior retenção entre as séries, pelos dados apresentados por Anísio, estava localizada da quarta para a quinta.79 A intervenção de Anísio provocou efetivamente o aumento das matrículas, da freqüência e do aproveitamento escolar. Um número maior de crianças estava conseguindo permanecer, pelo menos, três anos na escola.

Esses resultados não foram conseguidos sem dificuldades diversas. Apenas para citar alguns exemplos, o Fundo Escolar, previsto e normatizado por Anísio, não chegou a existir. Toda a construção escolar foi feita com verbas obtidas, em sua maior parte, das rendas normais da prefeitura (11.000 contos de réis). O plano de edificações teve que ser modificado devido à restrição de recursos financeiros, às dificuldades na aceitação das desapropriações e até mesmo de conseguir, ao mesmo tempo, reunir as condições desejadas (terreno bom, localização adequada, prédio adequado, programa educacional rico e adequado). Foram construídos cinco tipos diferentes de escolas: o prédio mínimo, a escola nuclear, a escola ampliada, o sistema platoon e o sistema platoon ampliado.80 Algumas alterações também tiveram o intuito de privilegiar locais distantes com crescimento populacional intenso, tendo sido estudada a distância que as crianças deviam percorrer para chegar à escola. Ao ser forçado a abandonar sua gestão, Anísio não havia conseguido resolver definitivamente o problema do prédio escolar. Os prédios de aluguel ainda existiam, mas as exigências das suas condições, em termos de espaço e outros requisitos, haviam sido legalmente ampliadas pelos editais de concorrência. A correspondência de Anísio com Emani do Amaral Peixoto mostra que lhe foi possível, respaldado na legislação existente e no parecer dos inspetores escolares, descartar várias solicitações de interessados, por intermédio de políticos de

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influência, em alugar suas casas como escolas.81Esse conjunto de medidas com relação ao ensino

primário não estaria completo sem a referência à formação do professor e seu aperfeiçoamento. Preferimos, no entanto, enfrentar esta questão ao final da exposição. Se, para lidar com a heterogeneidade da escola primária, Anísio criou uma estratégia de ampliação do acesso, permanência e melhoria do ensino, ao mesmo tempo em que cultivava entre os agentes escolares o sentimento da escola enquanto instituição pública, com relação às escolas secundárias e superior ele trabalhou a heterogeneidade mediante a concepção de uma política de ampliação das elites, o que incomodou a todos os que, mesmo dentro das associações de educadores, como veremos adiante, defendiam um projeto repartido de educação. Nesse sentido, essas escolas tomaram-se palco de conflitos e disputas que mostram, de forma explícita, como as medidas aí assumidas com a intenção de alargar as fronteiras sociais colocavam em xeque a estabilidade da sua gestão.

ZONA DE ALTO RISCO

“Sucedia um desmoramento. Indispensável retirar dele migalhas

de vida, cultivá-las e ampliá-las ”

Glaciliano Ramos

Quando Anísio assumiu o ensino secundário como campo de atuação do Departamento-Geral de Educação, trouxe para o govei.io municipal uma tarefa que era realizada

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preponderantemente pela iniciativa privada em estabelecimentos de propriedade individual, de sociedades por cotas ou ações, ou de caráter confessional, católicos ou protestantes, e, em menor escala, por poucas escolas públicas estaduais e pelo Colégio Pedro II, no âmbito federal. Todas essas escolas, na década de trinta, eram reguladas e fiscalizadas pela União.

Além disso, a influência européia, particularmente francesa e alemã, inspirava a concepção e organização dessas escolas, o que caracterizava o seu ensino como preparatório ao ensino superior. No nosso caso, porém, as escolas secundárias se ressentiam da ausência de um ensino primário preparatório que não apenas lhe antecedesse, mas que com ele fosse articulado. Como salienta Geraldo Bastos Silva, desde o nível elementar o sistema escolar brasileiro se dividia em dois sistemas paralelos, o ensino primário popular e o ensino elementar preparatório ao secundário, o que atendia a uma concepção discriminadora e segregatória de classes sociais e à exigência de proporcionar aos alunos destinados a esse ensino um treinamento especial que encaminhasse para os estudos acadêmicos.82

A iniciativa do governo municipal de ministrar ensino secundário e, já no final da gestão Anísio, criar uma universidade, fazia se segundo uma justificação doutrinária presente na crítica elaborada pelo diretor do departamento à Reforma Francisco Campos. Aliás, a comparação do texto da crítica, escrita em 1931, com o da introdução do capítulo do relatório de Anísio que aborda o ensino secundário geral, técnico e de extensão, em 1934, mostra, em boa parte, um idêntico conteúdo.

Nos comentários que Anísio realizou em 1931 sobre a Reforma Campos, ele afirmava que as transformações trazidas pela primeira guerra mundial reforçavam a importância do

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indivíduo sobre o estado, como acentuara Kandel. Dessa premissa, surgiam os seguintes corolários:

• a defesa da educação comum a todas as crianças pelo maior tempo possível;

• a ampliação de facilidades educativas para os alunos mais inteligentes;

• a variedade e flexibilidade do sistema educativo para atender às diferenças de capacidades e interesses;

• a maior aproximação entre escolas e pais;• uma preocupação mais incisiva com a saúde e a

eficiência física de cada indivíduo.Esses corolários, segundo Anísio, apontavam para a

finalidade cultural do ensino primário e secundário, que deveria atingir idealmente todas as crianças até a idade de 18 anos. Dentro dessa perspectiva ampla é que, na sua opinião, se colocaria a finalidade seletiva de preparar a elite do país. No entanto, essa não seria uma elite única. O que importava era criar elites parciais em todas as atividades e classes, o que incluía os trabalhadores intelectuais.

Para Anísio, o projeto de reforma do ensino secundário elaborado por Campos cogitava apenas da formação da elite intelectual, o que lhe parecia não só uma solução incompleta, mas também perigosa, pois contribuía para manter a concepção dualista de educação, bifurcada em ensino profissional para o povo e educação acadêmica para a elite. Ele fazia a proposta de ampliar o ensino secundário, não só articulando-o ao ensino primário e, sempre que possível, ao ensino superior, mas também permitindo entre os seus ramos transferências razoáveis de alunos. Tal medida, em sua apreciação, viria dar às diferentes classes (e ocupações) uma perspectiva de equivalência e identidade de prestígio social. O curso organizado nos moldes da Reforma Campos era, em sua ótica, elitista e forçava o aluno a prosseguir seus estudos em

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nível superior.Apresentava sugestões: desdobrar os programas do

ensino secundário em mais de um ramo, isto é, criar programas laterais e flexíveis com a presença de algumas disciplinas comuns que oferecessem unidade e coesão ao conjunto, ao invés de inserir no curso acadêmico, como queriam alguns, matérias práticas; tomar a fiscalização das escolas estimuladora, no sentido de animá-las a ensaiar novos esquemas de seriação do curso e métodos de ensino; formar o professor da escola secundária sem dispensar o aspecto científico, mas incentivando o seu caráter peculiar de artífice, pelo desenvolvimento de uma sensibilidade semelhante à do artista, como concebia Bagley. Um bom professor teria necessidade de um conhecimento completo e profundo da matéria para a vida, do desejo vivo de difundir o conhecimento, da compreensão simpática e inteligente das dificuldades do aluno e de um conhecimento adequado de técnicas e processos que o ajudassem a superar obstáculos.

Sua exasperação ante a dualidade do ensino secundário acadêmico e profissional levou-o concretamente, durante a sua gestão, a incluir o chamado ensino profissional técnico, mantido pelo sistema de ensino primário do governo municipal no nível secundário, acrescentando aos cursos práticos já existentes cursos de cultura geral exigidos pela legislação federal, o que tinha o significado de abrir aos seus estudantes as portas das escolas superiores.84 Essa associação, que levava a cultura geral a conviver com as práticas de ofício, foi batizada com a denominação de escola técnica secundária e exigiu um exaustivo trabalho de reconstrução de programas, métodos, processos de avaliação conjugada à implantação de uma nova política de ingresso na carreira docente e de mecanismo de promoção salarial. Essas escolas tinham como alvo a equiparação do valor de seus

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diplomas aos do Colégio Pedro II e a equiparação do valor do trabalho docente desenvolvido nas disciplinas de cultura geral ao realizado nas práticas de ofício.

A reorganização na direção apontada, corporificada pelos decretos n°s 3.763 e 3.804, nos meses de fevereiro e abril de 1932, respectivamente, permitiu que os cursos profissionais existentes tivessem a flexibilidade para modificarem-se atendendo às próprias peculiaridades, de acordo com as instruções elaboradas especificamente para cada um deles. O primeiro estabelecimento a sofrer as modificações previstas foi a Escola de Comércio Amaro Cavalcanti (mista), que manteve a especialização nela já existente, ajustando-a, no entanto, à legislação federal sobre ensino comercial (decreto federal n° 20.158 de 30 de junho de 1931). Dessa forma, passou a manter cursos propedêuticos, de perito-contador e de auxiliar de comércio, este último noturno.85

Após sua reorganização, ensaiou-se nela a prática da autonomia escolar prevista no seu regulamento, aprovado pelo decreto n° 3.936 de 30 de julho de 1932. Essa informação lacônica, que Anísio nos relata em 1934, oculta a enorme celeuma que iria acarretar tal reorganização apoiada no self- govemment, isto é, onde grande parte da gestão escolar era realizada pelos próprios alunos, organizados em conselhos, que decidiam sobre sanções disciplinares, estímulos aos colegas retardatários e atrasados, apoio aos alunos menos ajustados, programas e estudos supletivos, atividades curriculares e extra-curriculares e outras tantas vivências que transformavam os estudantes em elementos mobilizados, eleitores e elegíveis dentro da escola, conhecedores de um conjunto de problemas que os surpreendiam e enriqueciam sua experiência de vida. Essa novidade, inspirada no Instituto Hampton, cujas atividades descrevemos no terceiro capítulo, era encarada por certos educadores como um exercício de

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“anarquia” sem sólidas raízes no círculo familiar dos alunos, medida inviável, a inverter a hierarquia da autoridade escolar e promover a desordem. Um texto sem assinatura e incompleto, encontrado no arquivo, faz as seguintes referências ao ambiente da Escola Técnica Secundária Amaro Cavalcanti:

É claro que o meio Amaro é integralmente diverso do meio Zehlendorff ('referência a um instituto para crianças retardatárias nos arredores de Berlim). É a Amaro Cavalcanti uma escola secundária com perto de 1000 alunos, heterogênea com seus três turnos de programas diferentes, freqüentados por meninas, meninos, pubescentes: adolescentes e adultos; heterogeníssima porque, pessimamente colocada (e instalada) para um curso de finalidade comercial, nela se refletem amplamente os contrastes de classe da sociedade, vindo a menina e a mocinha de pai rico de Copacabana e Botafogo que se zanga e se toma malcriada se D. Maria Schimidt veta judiciosamente a exibição de colares, brincos, anéis, batons, rouge e cosméticos, roçar sua desatenção (pois para ela a Amaro se limita a unia ‘‘school o f snobberry” como chamam os críticos estadunidenses à Phillips Ester, à Phillips Andovert e outras) com a menina e a mocinha paupérrimas, a quem o diretor, fazendo ginástica de aproveitamento de verbas e da boa vontade dos fornecedores, teve de fornecer roupa e calçado. Nesse ambiente salada de frutas - pot-pourri os fatos só podiam mostrar a impraticabilidade, não tinham outra coisa afazer senão atestar o ridículo do self- government. Acho uma farsa a “autonomia” nas escolas das sociedades em lutas de classes. Nas sociedades em luta de classes a autonomia poderá, quando muito, ser experimentada em escolas de freqüência limitada e

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selecionada. Com alunos filhos de ricos, cuja vida conjugal decorra correta, sem a amoralidade que crianças, mesmo crianças, logo percebem, [...}

A experiência da Amaro Cavalcanti é vista por quem a descreve como uma maneira inviável de organizar a vida escolar, pois coloca em questão categorias instituídas, borrando as fronteiras sociais e ferindo a demarcação de espaços freqüentados por sujeitos de diferentes classes. O que está' em questão não é propriamente o self-govemment (possível num ambiente selecionado, com alunos ricos), mas a diluição das diferenças sociais (salada de frutas - pot-pourri) que garante ao pobre a mesma possibilidade de praticar a autonomia que o rico pode praticar. Observe-se também que a nova organização do espaço escolar, ao incluir tanto as mocinhas ricas de Botafogo e Copacabana quanto as outras, paupérrimas, feria normas de discriminação do uso social do espaço entre diversos bairros. Quebrava, portanto, um código cultural inscrito nas relações informais dos moradores da cidade e, pelo qual, a freqüência de certos locais era determinada pela origem social, como já vimos no caso do uso da praia (os pobres no Caju e os ricos em Copacabana) e do ônibus (de primeira e segunda classe).

Como chuna atenção Damton, a ordenação de um mundo é feita de acordo com categorias consideradas evidentes porque estão estabelecidas e têm um enorme poder de resistência. Colocadas em questão por uma maneira estranha de organizar a experiência, aparecem na sua fragilidade, o que acarreta a sensação de ruptura. Tudo anveaça desmoronar.87 É exatamente essa sensação alarmante de rompimento que Anísio descreve no primeiro capítulo de seu livro Educação Progressiva — Uma introdução à Filosofia da Educação (São Paulo: Editora Nacional,), no qual

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apresenta o questionamento dos mestres e dos livros, os programas voluntários, a liberdade de escolha e de recusa, a expressão das próprias personalidades adolescentes como os novos valores de uma escola em transformação. A qualificação dessa modificação de loucura, rebeldia ou extravagância era para ele a expressão de uma fala reacionária que, viva dentro de cada um, repetia a linguagem reacionária de todos os tempos. Como os romancistas, também acusados de corromper a sociedade, as escolas estariam apenas manifestando a própria ebulição social.8

A experiência do self-government confundiu, quanto ao senso comum, as noções de igualdade e identidade. Obrigava os adultos e educadores a olharem para os alunos numa outra ótica que não a da hierarquia social ou cultural, mas como indivíduos numa totalidade coletiva. O que se colocava em questão era a noção de uma desigualdade inevitável e residual presente, naquele momento, na visão da própria sociedade e que se expressava no projeto repartido de educação do governo federal ( para as massas e para as elites). A escola técnica secundária ameaçava pela contundência com que, na prática, feria a necessidade de hierarquizar idéias, pessoas e lugares. Por esse motivo, a distribuição do poder escolar foi vivida como um grande risco para a autoridade pedagógica.

Quem escreveu contra o self-government discordava ainda das medidas brandas de punição ao jomalzinho escolar que fazia críticas à direção da escola. A autoridade, segundo seu ponto de vista, havia sido deslocada, invertida, o que daria margem para que as divergências fossem erigidas em conflitos. Prosseguia:

Será prudente não ensaiar, senão excepcionalmente, oregime de anarquia para alcançar o ideal novo de

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disciplina. Demais há outros caminhos. À falta de revolução, se pode ensaiar evolução. Será mantida a ordem, porém se converterá gradualmente em menos autoritária e mais autônoma. Não abusemos do regime de liberdade, não o apresentemos prematuramente.

Os fragmentos de informação localizados no arquivo dão conta de que a Escola Amaro Cavalcanti foi palco de conflitos e manifestações que alcançaram a imprensa. A possibilidade de mudança das suas instalações, da praia de Botafogo para o centro da cidade, ocasionou protestos de professores, funcionários e pais de alunos. O processo de direção da escola foi conflituado e complicado, como o atesta um dos episódios mais rumorosos nela ocorridos e que envolveu o monitor-chefe dos estudantes. Em certo momento, a substituição do diretor por dificuldades internas levou ao cargo um educador, cujo nome não descobrimos e que não compreendia aquele ambiente, em tudo destoante dos seus valores, conceitos de estudo, disciplina, respeito e hierarquia. O novo diretor entrou em colisão direta com a organização discente por intermédio do seu representante que, porta-voz do pensamento colegiado, não se conformava com os retrocessos e lhe transmitia a irresignação da coletividade estudantil. A represália da nova direção imediatamente incidiu sobre o líder, admoestando-o, suspendendo-o e, finalmente, expulsando-o.

A expulsão chocou seus companheiros que, na manhã seguinte a esse ato, negaram-se a entrar na escola, postulando a revogação da medida disciplinar. A crise se agravou e a situação perdurou por todo aquele dia e nos dias seguintes. O aluno foi, então, convocado pelo Diretor do Departamento de Educação para uma conversa. Anísio recebeu-o com serenidade e sobriedade. Ouviu-lhe os motivos e os de que era

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intérprete. Emocionaram-se ambos. O adolescente chorou. A convicção de não cortar a grande vontade de estudar daquele menino levou Anísio a transferir o diretor da escola e a revogar a pena disciplinar. O preço desse gesto, que garantia ao estudante remediado o prosseguimento dos estudos, cujos gastos a família não poderia arcar naquela conjuntura, foi o abandono do self-government. Dessa forma, num depoimento comovido, Antonio Houaiss relatou o seu primeiro contato com Anísio.90

Os preconceitos e resistências acabaram esmagando a experiência de autonomia escolar, que se transformou em mais um grande aborrecimento com o qual Anísio conviveu no meio da sua tão árdua gestão. A autonomia escolar era lida pelos funcionários, professores e familiares dos alunos como indisciplina e entre, estes últimos, como nos adverte um relatório sobre problemas educacionais elaborado pelos membros da Escola General Trompowsky, a incompreensão criava o temor de que a escola estivesse abdicando do seu papel de educar e ensinar. No mesmo relatório, a inquietação dos seus elaboradores levava-os a perguntar se a escola, ao oferecer uma orientação de disciplina interna, de liberdade de pensamento, não estaria criando conflitos para as crianças que viviam num meio bastante distanciado dessa compreensão e que, portanto, não havia se imbuído, ainda, do “espírito da nova educação”.91

No confronto com a atividade dos demais colégios secundários, onde imperava o ensino formal e a disciplina externa, a experiência do self-government parecia fora de propósito. A crítica à “indisciplina” dos colégios técnicos secundários, no entanto, desviava a atenção dos problemas do ensino secundário alimentados pela incompetência de alguns nomes ilustres, como Miguel Couto e Aloysio de Castro, cuja presença no Conselho de Educação, no início dos anos 30,

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não significava o enfrentamento das suas mazelas denunciadas por Tales de Azevedo: as aprovações por média, mais oscilantes do que o câmbio; as dispensas de matéria; as reduções do tempo curricular; as férias intempestivas; a multiplicação dos feriados; a inobservância da freqüência pela covardia moral dos professores que, aliás, não tinham o direito de exigir o que não cumpriam; a desvalorização do professor, que precisava ser melhor remunerado.92

A iniciação de cursos secundários, moldados pela legislação federal, segundo dados do relatório de Anísio, ainda foi possível em dois estabelecimentos femininos (a Escola Paulo de Frontin e a Escola Rivadávia Correia) e na Escola Secundária do Instituto de Educação. As demais instituições de ensino profissional tiveram incorporados ao seu currículo antigos cursos complementares anexos, o que permitiu organizá-los com cinco anos de curso secundário geral enriquecidos por matérias como higiene e puericultura, além de trabalhos manuais em oficina. No caso das escolas femininas citadas, foi cobrada uma taxa das alunas que desejassem seguir o regime da legislação federal, para pagamento dos serviços de fiscalização.

Esse processo de secundarização dos cursos profissionais mantidos pela prefeitura denunciava, de um lado, os obstáculos que Anísio teve de contornar, impostos pelo governo federal, à possibilidade de equiparação desses cursos aos mantidos pelo Colégio Pedro II, que a sua reforma abria. Mostra ainda, de outro, que, na concepção de Anísio, não se tratava propriamente de organizar um curso secundário com uma finalidade mais utilitária, ou menos cultural. Pelo contrário, a direção das modificações se fazia tendo em vista dar um conteúdo mais extenso, rico e eficiente à finalidade cultural. A intenção foi mesmo, onde se tomou possível, alargar o conteúdo de cultura geral, recolocando a prática de

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trabalho como complemento à prática da classe e do laboratório. Em todas essas escolas eram realizados exames de admissão e alunos reprovados eram autorizados a matricular-se por um ano inteiro nas turmas especialmente organizadas em certas escolas da prefeitura, previamente indicadas para essa finalidade pela Divisão de Obrigatoriedade e Estatística.

De 1931 a 1934, o número de alunos das escolas técnicas secundárias dobrou de 2.310 estudantes para 5.026. Essa ampliação, em parte, se devia à propaganda especial que os seus diretores empreendiam junto à comunidade, como relata o professor Álvaro de Souza Gomes, diretor da Escola V;sconde de Mauá. O atendimento dessa clientela não se fazia sem problemas, pois a verba sempre era insuficiente para atender todas as necessidades da escola, que iam de material de expediente a material para aulas específicas como desenho e música.93 Nessa escola, como na Orsina da Fonseca, os alunos estudavam em regime de internato. Como o descaso e a omissão do poder público, que vem desprezando essas e outras realizações de Anísio, não têm, felizmente, acesso à memória dos ex-alunos, alguns, entusiasmados, ainda buscam nas recordações a imagem da escola que freqüentaram:

Ser aluno da Escola Técnica Secundária de Santa Cruz, no antigo palacete do Matadouro Público, lá na década de trinta, era motivo de orgulho, alegria e satisfação, É que o magnífico sobradão oferecia o que de melhor existia em beleza e conforto. Tinha salas enormes, extensos corredores, banheiros amplos, cozinha espaçosa e imenso refeitório, além de áreas externas de grandes dimensões, dotadas de campo de futebol, quadras de basquete e de vôlei, lago artificial com chafariz, canteiros floridos e vasta

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arborização, onde se destacavam mangueiras, oitizeiras, figueiras de troncos grossos e retorcidos, palmeiras esguias e majestosas... 5

Não é apenas o local que ressurge nessas e noutras lembranças, embora o local, nesse depoimento, seja importante se estivermos atentos ao fato de que a velha Santa Cruz era conhecida como a “área do fedor”. A memória guarda também um espaço para o corpo docente e é preciso salientar que grandes nomes da nossa cultura ensinaram nas escolas técnicas secundárias como, por exemplo, Heitor Villa- Lobos e Cândido Portinari. São ainda sempre rememoradas as competições esportivas, os bailes de formatura, as festas juninas, as sessões de cinema e as representações teatrais que contribuíram para a criação de uma vida escolar intensa, carregada de significado emocional, cuja mensagem não é difícil de decifrar: valia a pena ir à escola, não só pelos estudos, mas pelo seu clima de festa. De espaço fechado, a escola, por meio dessas diferentes atividades, tomou-se palco de demonstrações que forçaram sua abertura, levando o público para dentro dela e afastando, aos poucos, a representação intimista e privada que dela se fazia e era comum no cotidiano carioca. A escola se afastava da casa e se abria para a ma. Seria “invadida” nas festas por “populares”, como veremos no depoimento do professor Mário de Brito.

As festas nas escolas públicas da década de trinta, particularmente as de encerramento de ano, não são apenas Tiomentos de entretenimento. Cumpriam a função pedagógica de demonstrar o trabalho realizado pela escola e contavam com a presença concorrida da comunidade, especialmente a reunida nos bairros mais pobres e distantes. Em algumas delas nasceram os grêmios dramáticos, verdadeiras escolas de teatro onde tudo era improvisado, desde o palco até as encenações, e

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que viriam a ser o celeiro de futuros profissionais das artes cênicas cariocas. Mas as festas também não estavam imunes à emergência de situações que, para alguns, feriam os “bons costumes” exigidos pelas famílias presentes. Algumas delas acabavam mal, como a que ocorreu no final do ano de 1933, na Escola Secundária do Instituto de Educação, centrada em tomo de demonstrações de educação física, e que acarretou não só o atrito entre o seu diretor, professor Mário de Brito, e a professora chefe de Educação Física, mas também o encaminhamento do pedido de demissão do primeiro à Direção do Departamento de Educação. Vejamos que motivoso levaram a tão radical atitude:

Cuidei, todavia, de bem assentar com ela (a professora chefe de educação física), previamente, as diretivas do que se ia fazer. Conhecendo o nosso ambiente, tive especial cuidado em recomendar-lhe severa censura nos trajes das meninas para os bailados, frisando que as roupas leves só seriam toleradas para as mais jovens, adequadamente à idade. Impossibilitado de assistir por inteiro ao ensino geral, porque coincidiu com a única e demorada visita do Superintendente do Ensino Secundário Federal ao Instituto, apesar do atropelo do serviço, tive o cuidado de reiterar à Professora aludida as recomendações anteriores.

No dia da festa, na parte a se efetuar à noite, o policiamento numeroso e com grande antecedência devidamente combinado não se efetuou, pois os guardas compareceram com atraso de quase duas horas e em número simplesmente ridículo, havendo determinado este fato a invasão do edifício por populares, o que fo i totalmente impossível evitar, por

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falta de meios apropriados. Fiquei impedido, assim, de superintender convenientemente a festa, mesmo porque a simples locomoção era penosa dentro do edifício, dada a falta quase completa de policiais.

Este fato e o afastamento da Professora de Educação Física das normas que haviam sido traçadas determinaram a exibição de um número do programa reputado inconveniente pelas pessoas presentes. Em outro número, da mesma Professora, tomou parte uma das monitoras da disciplina, aluna da Escola de Professores, cuja inclusão não fora aprovada nem mesmo solicitada; espectadores houve que a julgaram trajada inconvenientemente por isto que, devendo entregar-se a uma dança movimentada, não colocara por sob a blusa, aliás de tecido grosso, a peça do vestuário comumente usada para resguardo dos seios.96

Apesar de ponderar que a situação havia escapado totalmente ao seu controle, o diretor da Escola Secundária do Instituto considerava-se, diante dela, seu responsável moral e, em nome dessa responsabilidade, julgava-se no dever de demitir-se. O fato mencionado, longe de ser apenas mais um episódio, é sinal do flagelo que as questões disciplinares na escolas secundárias impuseram a Anísio *ia direção do Departamento de Educação. Paschoal Lemme, em suas Memórias, a elas faz referência embora não as explique, nem as desenvolva.96 Chega, no entanto, a lembrar, com certa tristeza, que no auge da tentativa de combate à obra de Anísio Teixeira e seus colaboradores, pelos setores católicos, uma certa alta patente militar chegara a endossar a acusação caluniosa de que até nos novos prédios escolares construídos, as instalações sanitárias, comuns às crianças dos dois sexos,

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serviam aos objetivos do “comunismo ateu”, em seu afã de dissolver a família e perverter moralmente as crianças.98 À medida que as disputas políticas e ideológicas cresceram no Distrito Federal, em meados da década de trinta, o novo espírito pedagógico, a princípio visto como uma versão americanizada da escola, passou a ser lido pelos opositores do governo municipal e de suas iniciativas como o veículo da emergência de um voluntarismo estudantil susceptível de colocar em risco as instituições existentes. Esse voluntarismo cultivado no interior da instituição escolar, que negava a autoridade instituída e colocava para fora as insatisfações adolescentes, foi identificado como instrumento subversivo dessas gerações mais jovens diante da ordem cultural existente.

Essa subversão foi, no entanto, ganhando uma tonalidade mais viva quando passou a ser associada à apreensão de material de propaganda política nas escolas. Uma carta de Lourenço Filho ao delegado do décimo-quinto Distrito Poücial, em 1932, nos oferece essa indicação. Ele levava ao conhecimento dessa autoridade que, no dia 15 de outubro desse ano, à hora do término das aulas da Escola Secundária do Instituto de Educação, alunas normalistas haviam sido abordadas por vários rapazes que se encontravam nas imediações e lhes distribuíram boletins impressos de uma associação denominada Federação Vermelha dos Estudantes.99 Tais boletins, segundo ele, haviam sido redigidos especialmente para divulgação entre as futuras professoras. Informava também que, no dia anterior ao ocorrido, boletins idênticos haviam aparecido em algumas salas do Instituto. Apurava ele, na ocasião, as devidas responsabilidades mediante a instauração de um processo disciplinar.100 Tal processo resultou na eliminação da matrícula de uma aluna de 18 anos, que havia se declarado

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membro dessa Federação e comunista. Segundo Lourenço Filho, tal episódio acarretou-lhe uma série de aborrecimentos. Alguns jornais como O Globo e o Diário de Notícias ocuparam-se largamente do caso e o seu ato punitivo levou-o até a ser ameaçado de morte.101

Enquanto Lourenço Filho, na defesa da sua deliberação, afirmava que o Instituto de Educação sob sua direção se colocaria sempre contra as idéias comunistas, Anísio Teixeira, num manuscrito sobre a questão da Uberdade da juventude comunista, nascida em 1934, argumentava que a liberdade de associação deveria ser uma garantia de democracia. Para ele, esse seria um dos casos tests da coerência política e da tolerância democrática dos intelectuais. A única restrição legítima à organização da juventude comunista era a que poderia ser feita com relação aos seus métodos. Enquanto organização voluntária, privada e partidária, a Juventude Comunista não poderia funcionar nas escolas públicas, nem delas utilizar-se direta ou indiretamente para a promoção dos seus ideais e movimentos. Era sua convicção que a escola pública deveria ser defendida contra a influência desse e de qualquer outro grupo ideológico. Contudo, desde que a Juventude Comunista pretendesse aglutinar jovens para discussão, estudo e esclarecimento, nada, em sua perspectiva, deveria impedir sua existência, mesmo que ela desagradasse a muitos. A luta contra a Juventude Comunista era, portanto, a da livre discussão e da livre opinião pública e organização. Dessa forma, via com bons olhos qualquer mobilização no sentido da discussão política entre os moços, no que isto significasse quanto a um amplo debate de idéias e aspirações. Afinal, os moços haviam sempre sido políticos e não poderiam escapar da controvérsia reinante de sua época.102

Essa posição não se coadunava com a de Lourenço

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Filho, que sob hipótese alguma aceitava a existência de qualquer associação dessa linha ideológica, muito menos o comprometimento de professores com idéias definidas por associações desse tipo. Para ele, o professor público deveria ser a figura capaz da falar “em nome da pátria”. Deveria ser porque, em sua apreciação, Sempre haveria os mal orientados para a sua missão, aqueles que instilariam como veneno sutil a “teoria subversiva”, a superstição e o erro nos espíritos em formação. Quem seriam esses “enfermos da inteügência e do caráter”, apóstatas e fariseus”? 103

Alguns documentos relativos ao inquérito sobre propaganda comunista no IERJ podem oferecer indicações dessa resposta.104 Em maio de 1936, Lourenço Filho solicitava ao Chefe da Delegacia de Segurança Política e Social, Antonio Emílio Romano, um investigador de confiança para trabalhar no Instituto e realizar uma inquirição “completa” sobre a vida de alguns professores e funcionários. A sala 219-A tomou-se uma espécie de “extensão” da Delegacia de Segurança Política. Na presença de Lourenço Filho, um escrivão e duas testemunhas, foram convidados, em dias sucessivos, para prestar depoimentos, a bibliotecária Margarida Castrioto Pereira Villaça, a conservadora de seção de Psicologia Geralda do Valle Martins, a conservadora da sala de Biologia Educacional Helena Marques e o servente de segunda classe Manoel Castelo Branco Villaça.

Na rede de enunciados e desmentidos, o que ficamos sabendo é que a bibliotecária Margarida, induzida por Geralda, havia se tomado informante de Delegacia, vigiando, de sua janela, os encontros de certos funcionários do Instituto num dos cafés da Praça da Bandeira. Havia denunciado, na Associação Cristã de Moços, para Arlindo de Novaes (funcionário da polícia civil que, por sua vez, mantinha contato com Emílio Romano), Nerêo Sampaio, Raja Gabaglia,

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Murillo Braga, Moysés Gikovate, Afrânio Peixoto, Josefa Rossi Magalhães, Aurea e Lygia Lemme, Júlio César de Mello e Souza, Oswaldo Pereira, Manoel Castello Branco Villaça, Edith Gomes da Rocha, Ricarte, Aynéas Assis, como propagandistas de idéias comunistas. Acusava-os também de tramarem contra a ordem pública. Entregara, inclusive, ao investigador que a procurara na biblioteca, a lista de livros remetida pela Biblioteca Central de Educação ao Instituto, onde figuravam volumes cuja permanência para consulta não fora aprovada por Lourenço Filho e ainda determinados livros de literatura comunista que não estavam catalogados e permaneciam guardados na sua gaveta. Citava, dentre eles, A inspiradora, de Luiz Carlos Prestes, e o Abecedário da nova Rússia, levados à biblioteca pelo professor Júlio César de Mello. Num dos livros “comprometedores” havia o autógrafo de Mário de Brito.

Margarida ainda acusava o servente Maroel de utilizar a máquina de escrever da biblioteca para tirar cópias de boletins comunistas. Essa acusação foi desmentida pelo rapaz, que, declarou não conhecer a doutrina comunista ou ter participado de atividades comunistas. Afirmou, no entanto, que apenas uma vez participara de um encontro da Aliança Nacional Libertadora, de Madureira, e, na ocasião, havia sido convidado para a missão Chaco Boreal. Nela, ele teria que representar a Juventude Proletária do Brasil e para tanto receberia a importância de um conto e duzentos mil réis em ouro. Não aceitara, pois era católico. Havia recebido, recentemente, um convite para participar do movimento integralista. Recusara. Explicava esses convites pelo fato de ser conhecido como “pessoa capaz de ação política” já que havia trabalhado com o Senador Antonio Azeredo na campanha presidencial pró Júlio Prestes/Vital Soares. Na acareação entre Margarida e Geralda, a primeira acrescentou

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que, se de vontade própria tivesse que denunciar alguém, elencaria os seus desafetos: Alfredo Raymundo Richard, professor da Escola Secundária do Instituto, Antonio Victor de Souza Carvalho, secretário do Instituto, e ainda Delgado de Carvalho e Celso Kelly.

A leitura do conjunto de documentos do inquérito sobre propaganda comunista revela, de um lado, uma mescla de questões ideológicas com intrigas pessoais e, de outro, um Lourenço Filho cioso para mostrar, de maneira clara a irretorquível, que sua conduta pessoal e profissional nada tinha a ver com os apelos “extremistas”, apesar das insinuações que chegavam a aparecer, de uma maneira vaga, nos jornais cariocas, motivadas por declarações do professor Isaías Alves. Ainda em maio de 1936, Lourenço Filho elaborava um detalhado esclarecimento ao Conselho Nacional de Educação, para que esse “tribunal de civismo e moralidade” avaliasse os “fatos”. Ao mesmo tempo, pressionava Isaías para que apresentasse provas concretas das suas insinuações. Inimigos no plano pessoal, os dois acabariam se aproximando cada vez mais no plano ideológico, colocando-se a serviço das forças autoritárias que lideraram o golpe de 1937 e inauguraram o Estado Novo.

Esse clima de perseguição política e pessoal constituiu a reação mais agressiva a uma obra que, pela intenção explícita e pela dose de imponderado contida na novidade que apresenta\ a, chocava os setores socialmente mais privilegiados e a eüte política do país. A mobilização dos estudantes secundários e as tentativas de seu aliciamento pelas organizações de esquerda, ao lado da ampliação das oportunidades educativas às classes trabalhadoras nas escolas técnicas secundárias, com a possibilidade de que viessem a usufruir, através de seus cursos, os mesmos privilégios oferecidos pelos diplomas expedidos pelo Colégio Pedro ü,

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eram percebidos como uma ameaça efetiva à ordem constituída.

A mobilização da juventude por meio de eventos culturais ou a filiação a determinadas entidades e agremiações apontava para um movimento mais amplo da sociedade civil, que gradativamente parecia entrar num processo de articulação. A promoção de conferências sobre os mais variados assuntos passava a ser iniciativa de diversos grupos já instituídos ou de instituições como, por exemplo, a Associação dos Proprietários de Padaria, a União dos Escoteiros do Brasil, a Federação Nacional das Sociedades de Educação, a Liga de Professores, a Federação pelo Progresso Feminino, o Diretório Político das Professoras Primárias, a Aliança Nacional das Mulheres.105 Com objetivos, importância e duração diferenciada, essas iniciativas, ao lado de outras mais incisivas e de maior repercussão, que discutiremos em momento oportuno, insinuavam o desejo de participação e engajamento, não apenas de colocação político- partidária, mas de cunho político-cultural. A nossa hipótese é que a intervenção de Anísio Teixeira e seus colaboradores na vida escolar reforçou essa expressão e criou condições para que esse desejo encontrasse possibilidade de canalização, o que significava a possibilidade de fecundar o seu potencial criativo e dar contornos mais definidos às aspirações de mudanças emergentes.

A ameaça também se insinuava no sucesso que alcançaram os cursos de continuação e aperfeiçoamento de adultos, ministrados em algumas das escolas técnicas secundárias de 1934 ao início de 1936. Pelo decreto n° 3.763 de Io de fevereiro de 1932, a educação de adultos ganhou, no Distrito Federal, maior amplitude,1 sendo regulamentada no ano seguinte pelo decreto n° 4.299 de 25 de julho. Essa regulamentação abriu a possibilidade para a existência de um

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ensino elementar para adultos (leitura, aritmética e escrita), ministrado em seções noturnas das escolas primárias; para a criação de salas de leitura sob a direção de professores orientadores; para a realização de cursos de continuação, aperfeiçoamento ou oportunidade em nível primário e secundário geral ou profissional, ou quaisquer matérias requeridas por um grupo de no mínimo 20 alunos, que funcionariam nos estabelecimentos de ensino geral e profissional. Ainda mais. A regulamentação garantia a chance de serem criados, caso fosse conveniente, cursos seriados secundários, gerais ou profissionais, para os que quisessem continuar a sua educação regular e sistemática.1

Para a coordenação do trabalho aludido foi convocado o então professor e inspetor de ensino do estado do Rio, Paschoal Lemme. Abertos os primeiros cursos, em junho de1934, funcionaram nas Escolas Técnicas Secundárias Amaro Cavalcanti (Português, Francês, Inglês, Matemática, Contabilidade, Datilografia, Estenografia); Souza Aguiar (Português, Francês, Inglês, Matemática, Ciências, Desenho, Mecânica e Eletricidade); João Alfredo (Português, Francês, Inglês, Matemática, Ciências, Geografia, Desenho, Mecânica e Eletricidade); Visconde de Cairu ( Português, Francês, Matemática, História, Geografia, Ciências, Desenho, Tecnologia-Madeira); Orsina da Fonseca (Português, Francês, Inglês, Matemática, Desenho, Puericultura, Chapéus, Costura, Malharia, Flores, Bordados, Rendas, Estenografia). Foram procurados, em sua maior parte, por alunos provenientes do ensino secundário, interessados em corrigir deficiências particulares, e por comerciários e vendedores ambulantes. Os operários das fábricas ficaram impedidos, inicialmente, de freqüentá-los, pelo fato de residirem em subúrbios longínquos, fato esse que levaria nos anos subseqüentes à ampliação de tais cursos, que passaram também a ser

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Joferecidos em bairros onde a presença da classe operária fosse significativa (Méier, São Cristóvão, Gávea e Ramos).

O sucesso de procura foi tal que o número de matrículas precisou ser limitado na Escola Técnica Secundária Amaro Cavalcanti, para ficar dentro das possibilidades de atendimento dessa instituição. Paschoal Lemme atribui esse êxito à propaganda realizada pela imprensa diária e pelas associações de classe, a quem se dirigiu por meio de cartas e circulares. A iniciativa dos alunos desses cursos, que se agremiavam fundando clubes e associações, ampliou as atividades escolares para atividades extraclasse como palestras e conferências de cultura geral, sessões de cinema educativo e teatro amador. Esses eventos reforçam a perspectiva que delineamos anteriormente e que aponta um movimento mais amplo de articulação mediante a participação e engajamento em atividades político-culturais.

Além das escolas técnicas secundárias, a Universidade do Distrito Federal constituiu, embora por um tempo breve, um instrumento decisivo por intermédio do qual a cultura respirava, buscava novas formas de elaboração, sendo a gota d’água que entornou todos os receios dos grupos mais conservadores, dentre estes os católicos.

No discurso de inauguração dos cursos da Universidade do Distrito Federal (UDF), em 31 de julho de1935, Anísio Teixeira a definiu como instituição de cultura na encruzilhada do presente, onde os problemas do momento seriam examinados à luz da sabedoria do passado. Liberdade de pensamento e de crítica, conquista sempre a ser feita pela imaginação, pela atmosfera de saber que reuniria todos os empenhados na tarefa de formular intelectualmente a cultura humana.

Uma escola de educação; uma escola de ciência; uma escola de filosofia e letras; uma escola de economia e direito e

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um instituto de artes. Em todas: a possibilidade de implodir os individualismos, as lutas mesquinhas e pessoais que redundavam no antropofagismo político e mental, a hostilizar e solapar a capacidade de solidariedade e de irradiação científica, literária e filosófica do país. Não apenas a produção de conhecimentos, mas também a coordenação intelectual e a formação de quadros regulares. A regulamentação da cultura estaria aí proibida. O atrevimento de permitir qualquer coisa de indeterminado e de imprevisível! Que fadas boas lhe

• 109rodeariam o berço?O discurso de inauguração da UDF, realizado cinco

meses antes do pedido de exoneração de Anísio de seu cargo, denunciava, num tom geral, as oposições que essa iniciativa já sofria, mesmo antes da sua concretização.110 Como comenta Luciano Martins, a tentativa de construção de um campo cultural através dessa universidade trazia duas marcas fundamentais: já era politizada antes mesmo de se estruturar e já era concebida mais como instrumento político do que como lugar de produção científica.111 Aliás, esta última característica, ao lado de outras, segundo Miceli, diferencia essa iniciativa da fundação da universidade paulista que lhe antecedeu, em 1934.112 Nos seus curtos e turbulentos quatro anos de existência, pois seria incorporada à Universidade do Brasil em 1939, ela encarnou a ambigüidade e a rebeldia de uma instituição que surgia dentro do Estado, mas pretendia ser autônoma com relação a ele.113

Na análise de Maria Hermínia Tavares de Almeida sobre os dilemas da institucionalização das ciências sociais no Rio de Janeiro, ela deixa claro que a criação da universidade era meta compartilhada por intelectuais reformadores situados em todos os matizes político-ideológicos, ainda que divergissem quanto à sua concepção, organização, autonomia e conteúdo.11 Já em 1932, por inspiração de Alceu Amoroso

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Lima, era criado o Instituto Católico de Estudos Superiores, ligado ao Centro Dom Vital e cujo objetivo era organizar e ampliar a influência do pensamento católico na formação de lideranças leigas.114 O pensamento autoritário, por sua vez, já havia regulamentado a Universidade em praticamente todos os seus aspectos, no ano de 1931, o que denunciava seu caráter coercitivo e centralizador apesar do discurso “pluralista” que aparece na Reforma Francisco Campos. Contra as investidas dos católicos e a centralização imposta por Campos, a UDF pretendia ser o centro de um pensamento livre e desinteressado como o defendiam as propostas da Associação Brasileira de Educação e da Academia Brasileira de Ciências.

A constituição do seu corpo docente, no entanto, foi difícil e um tanto desconcertante para os próprios colaboradores de Anísio. A sugestão de Gustavo Lessa para que a UDF abrigasse cientistas, educadores e administradores expulsos da Alemanha pelo nazismo, devido às suas convicções democráticas, não teve êxito.116 Afrânio Peixoto partiu para a Europa, fazendo contatos com professores portugueses e franceses e, enquanto isso, a intelectualidade jovem, em busca de um espaço adequado à sua ambição de influência sobre o poder político, disputava lugares. Os nomes se enfileiravam e as críticas dos colaboradores diretos de Anísio surgiam fulminantes. Carta de Venâncio Filho, por exemplo, o interpelava sobre as escolhas realizadas com relação às Faculdades de Letras e de Economia, chamando sua atenção para o fato de que alguns candidatos não possuíam um só título público que justificasse sua indicação, a não ser a preferência, sem qualquer dado objetivo, de ordem pessoal.117 De qualquer forma, em seu projeto inaugural, talentos nacionais e internacionais estavam presentes nas diversas áreas de conhecimento por ela cobertas.

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A Universidade começou a funcionar em condições precárias. Sem sede própria, utilizava-se do espaço físico de instituições diversas. No Instituto de Educação funcionou temporariamente a reitoria e foram realizadas as primeiras provas do concurso de ingresso das turmas para os cursos oferecidos. Ainda funcionava na Escola Politécnica e nas escolas primárias municipais José de Alencar e Rodrigues Alves. Nesta última, foram realizados arranjos adicionais para o pleno funcionamento dos cursos de pintura e escultura. Esses arranjos consistiram no levantamento de barracões, que se transformaram em oficinas de tempo integral onde se encontravam regularmente professores e alunos de Artes Plásticas. Algumas de suas atividades, logo na abertura, sofreram o emperramento da burocracia para viabilizar a compra de certos materiais, problema que levou, por exemplo, Cândido Portinari a se cotizar com os alunos para contornar a dificuldade.119

Alguns depoimentos de alunos das primeiras turmas do Instituto de Artes são reveladores da capacidade de sedução desse novo espaço, à medida que a relação de professores e alunos com o conhecimento parecia visceral. Todos partilhavam o desejo de aprender mediante uma busca que não segmentava o saber. Alunos de pintura freqüentavam também as aulas de filosofia, crítica literária, música e história geral da civilização. Não se limitavam, portanto, a assistir apenas aos cursos relacionados à sua área de atuação. Héris Guimarães, por exemplo, aluna de pintura, freqüentou também aulas de literatura chinesa e japonesa.

Era esse ambiente que gravou na memória dos alunos da primeira turma a imagem da UDF como uma instituição na qual o universo mental, sensível e social de cada um era a cada dia ampliado. Os próprios problemas de organização que enfrentou no momento em que estavà se instituindo

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Lima, era criado o Instituto Católico de Estudos Superiores, ligado ao Centro Dom Vital e cujo objeüvo era organizar e ampliar a influência do pensamento católico na formação de lideranças leigas.114 O pensamento autoritário, por sua vez, já bavia regulamentado a Universidade em praticamente todos os seus aspectos, no ano de 1931, o que denunciava seu caráter coercitivo e centralizador apesar do discurso “pluralista” que aparece na Reforma Francisco Campos. Contra as investidas dos católicos e a centralização imposta por Campos, a UDF pretendia ser o centro de um pensamento livre e desinteressado como o defendiam as propostas da Associação Brasileira de Educação e da Academia Brasileira de Ciências.

A constituição do seu corpo docente, no entanto, foi difícil e um tanto desconcertante para os próprios colaboradores de Anísio. A sugestão de Gustavo Lessa para que a UDF abrigasse cientistas, educadores e administradores expulsos da Alemanha pelo nazismo, devido às suas convicções democráticas, não teve êxito.116 Afrânio Peixoto partiu para a Europa, fazendo contatos com professores portugueses e franceses e, enquanto isso, a intelectualidade jovem, em busca de um espaço adequado à sua ambição de influência sobre o poder político, disputava lugares. Os nomes se enfileiravam e as críticas dos colaboradores diretos de Anísio surgiam fulminantes. Carta de Venâncio Filho, por exemplo, o interpelava sobre as escolhas realizadas com relação às Faculdades de Letras e de Economia, chamando sua atenção para o fato de que alguns candidatos não possuíam um só título público que justificasse sua indicação, a não ser a preferência, sem qualquer dado objetivo, de ordem pessoal.117 De qualquer forma, em seu projeto inaugural, talentos nacionais e internacionais estavam presentes nas diversas áreas de conhecimento por ela cobertas.

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A Universidade começou a funcionar em condições precárias. Sem sede própria, utilizava-se do espaço físico de instituições diversas. No Instituto de Educação funcionou temporariamente a reitoria e foram realizadas as primeiras provas do concurso de ingresso das turmas para os cursos oferecidos. Ainda funcionava na Escola Politécnica e nas escolas primárias municipais José de Alencar e Rodrigues Alves. Nesta última, foram realizados arranjos adicionais para o pleno funcionamento dos cursos de pintura e escultura. Esses arranjos consistiram no levantamento de barracões, que se transformaram em oficinas de tempo integral onde se encontravam regularmente professores e alunos de Artes Plásticas. Algumas de suas atividades, logo na abertura, sofreram o emperramento da burocracia para viabilizar a compra de certos materiais, problema que levou, por exemplo, Cândido Portinari a se cotizar com os alunos para contornar a dificuldade.119

Alguns depoimentos de alunos das primeiras turmas do Instituto de Artes são reveladores da capacidade de sedução desse novo espaço, à medida que a relação de professores e alunos com o conhecimento parecia visceral. Todos partilhavam o desejo de aprender mediante uma busca que não segmentava o saber. Alunos de pintura freqüentavam também as aulas de filosofia, crítica literária, música e história geral da civilização. Não se limitavam, portanto, a assistir apenas aos cursos relacionados à sua área de atuação. Héris Guimarães, por exemplo, aluna de pintura, freqüentou também aulas de literatura chinesa e japonesa.

Era esse ambiente que gravou na memória dos alunos da primeira turma a imagem da UDF como uma instituição na qual o universo mental, sensível e social de cada um era a cada dia ampliado. Os próprios problemas de organização que enfrentou no momento em que estavà se instituindo

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reforçavam nos seus alunos e professores ? percepção de que estavam participando de uma experiência efetivamente nova e provocadora, cujas dificuldades iniciais eram desafios a serem vencidos. A UDF estava grávida de possibilidades. Seu caráter de rebeldia em relação às instituições universitárias existentes era dado pelos seus cursos, ditados pela experiência de cada docente em sua área específica. O curso de pintura mural e cavalete, para citar em exemplo, em tudo se contrapunha ao que já vinha sendo desenvolvido na Escola de Belas Artes. O academicismo aí hegemônico não tinha vez na UDF. Portinari, segundo depoimento de seus alunos, ensinava a trabalhar com todos os materiais, quer fosse tinta francesa, tinta nacional e até pigmentos. Do pincel redondo até a bucha de pano, o dedo e a escova de dentes. A imaginação viajava no material, no desenho e na cor. Os quadros iam acontecendo:

(...) gente carregando água na cabeça, operário arrebentando os calçamentos, operários comendo marmita, gente pobre, mendigo da rua, o fato de fazer deformações, gente mais miserável do que era, dentro do expressionismo — como muitos alunos — ou do realismo que eu fazia, não era motivo para tanto medo

Após quatro meses de funcionamento do curso, esses quadros foram expostos no Palace Hotel. Surgiam como resultado de uma proposta que estava sendo construída e que produzia imagens da cidade e de suas classes mais pobres. Imagens desconfortáveis para o governo que havia feito a Revolução de Trinta. Novamente, as ruas do Rio de Janeiro invadiam e escola. Agora, os problemas sociais saltavam das telas. Numa época, como salienta Jayme de Barros, em que se

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. procurava esconder toda a miséria brasileira, Portinari a fazia„ enfunar-se nas suas obras e nos trabalhos dos alunos.121

Justamente aquelas imagens “desagradáveis” e “chocantes” da vida brasileira. Por ocasião do fechamento da UDF, os quadros produzidos pelos alunos, e aí localizados, foram apreendidos. Afinal, por que esses quadros eram tão temidos?

Arriscamo-nos a apontar pelo menos dois motivos básicos. Em primeiro lugar, os quadros ganhavam uma característica de lisibilidade, isto é, a mensagem neles contida e claramente anunciada passava a ser mais importante do que a própria técnica aí desenvolvida. Os alunos de pintura, ao freqüentarem seus cursos específicos e outros que fugiam à sua especialidade, estavam, de fato, armando-se de uma cultura erudita e histórica que passava a impregnar suas obras, tomando-as não apenas uma imagem da realidade, mas uma crítica a essa mesma realidade, graças à característica dramática, garantida especialmente pelas deformações ou o exagero presente nesse realismo. Em segundo lugar, as obras apareciam também como uma elaboração crítica sobre a arte, colocando em questão a produção acadêmica da Escola de Belas Artes.

Não temos dados que nos permitam mostrar diretamente, como fizemos com o curso de pintura mural e cavalete, em que medida os outros cursos da UDF tiveram a mesma função. Uma coisa, no entanto, parece certa. Quaisquer que fossem os cursos, sua simples existência levantava uma interrogação sobre a organização universitária existente no âmbito federal, sobre seus produtos e seus títulos. A presença de professores estrangeiros em vários deles estimulou, como adverte Alcides Rocha, os brasileiros a serem brasileiros e a criarem com base em temáticas nossas.122 Tudo isso acontecia numa época conturbada, convulsionada pelas passeatas e pelas múltiplas manifestações

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de rua constantes até 1937. Associar tais manifestações às atividades intelectuais promovidas pela Ij DF não foi tarefa difícil.

Sim, a UDF era de “esquerda”. Menos no sentido da militância político-partidária e mais pelo sentimento comunista que, na conjuntura de trinta, levava grande parte da intelectualidade, como assinala Drummond, à convicção de que não precisava, necessariamente, estar no partido para fazer um trabalho de formação de consciência das desigualdades sociais. Apesar da trajetória de alguns artistas e intelectuais que acabaram se engajando no Partido Comunista, como o próprio Portinari, a resistência à chamada disciplina partidária se dava em nome do compromisso e da fidelidade ao processo criativo. Antes mesmo da inauguração da UDF, Alceu Amoroso Lima, que iria, em 1937, ocupar a reitoria e preparar a sua extinção, escrevia a Gustavo Capanema:

[...] A recente fundação de uma Universidade Municipal, com a nomeação de certos diretores de Faculdades, que não escondem suas idéias e pregações comunistas, fo i a gota d'água que fez transbordar a grande inquietação dos católicos.

Por onde iremos, por esse caminho ?Consentirá o governo em que, à sua revelia

mas sob a sua proteção se prepare uma nova geração inteiramente impregnada dos sentimentos mais contrários à verdadeira tradição do Brasil e aos verdadeiros ideais de uma sociedade sadia?

[...JDevo advertir-lhe que os /pedaço ilegíveiy recentes da Aliança Nacional Libertadora, a feição social que vai assumindo o governo municipal do Rio de Janeiro, bem como a impregnação comunista de muitos sindicatos e de alguns elementos do Ministério

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do Trabalho - vêm trazendo à opinião pública do país ■ motivos da mais fundada inquietação.

E os católicos esperam do governo uma atitude mais enérgica de repressão ao Comunismo que assumiu a figura desse partido acima mencionado (ANL) para agir hipocritamente à sombra das nossas leis. As informações mais fidedignas são unânimes em advertir que se está preparando um golpe de forças contra as instituições. E para defendê-las é preciso que o governo se aparelhe de todos os recursos necessários, inclusive da disposição firme de o fazer.124

Na mesma carta, em nome da defesa das instituições, Alceu Amoroso Lima sugere várias medidas de combate sério ao comunismo, entendido como todo pensamento anti- espiritual e, portanto, anticatóüco: a troca de inspetores do trabalho que faziam o jogo dos sindicatos revolucionários, o expurgo do exército, o reforço da política, a censura “honesta”, a organização da educação e a entrega dos postos de responsabilidade desse “setor importantíssimo” a homens de “toda confiança moral e capacidade técnica (e não a sectários, como o diretor do Departamento de Educação)”. Sugeria ainda que o governo olhasse com simpatia as atividades da Ação Católica Brasileira. Ela saberia retribuir privilégios, mas pela “prática efetiva de suas funções na garantia dos direitos individuais e da justiça social”. Era preciso defender a família e a religião contra os “agitadores”.

Após o pedido de demissão de Anísio, ante o fortalecimento da aliança entre os intelectuais conservadores católicos e o autoritarismo do Ministério de Educação e Saúde que inviabilizava sua permanência no Departamento de Educação, a UDF continuou funcionando. Em 1938, algumas

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notas do Ministro Gustavo Capanema enviadas ao Diretor do DASP, Luiz Simões Lopes, colocavam de maneira clara sua convicção de que a UDF, reorganizada pelo decreto municipal N° 6.215 de 21/5/1938, configurava uma “situação de indisciplina e desordem”.

Vários eram os motivos nos quais se apoiava Gustavo Capanema para externar seu ponto de vista: o decreto de reorganização era inconstitucional pela incompetência do prefeito do Distrito Federal em decretar leis de ensino, e ainda contrariava a legislação federal pois se constituía com apenas um dos institutos exigidos pela lei federal (que solicitava pelo menos três, dentre direito, medicina, engenharia e educação/ciências e letras); sua denominação de universidade cabia apenas à universidade federal equiparada (pela lei federal do Governo Provisório de n° 19.851); sua administração era completamente afastada do modelo federal; a instituição de novos cursos violava a determinação do decreto-lei federal n° 421 de 11/5/1938. Em síntese: a UDF representava um gasto enorme e desnecessário à prefeitura. Mantinha cursos como pintura, escultura, urbanismo e música que já eram oferecidos há longos anos pela Universidade do Brasil, embora apresentasse outros ausentes desta última. Entre a Universidade do Distrito Federal e a Universidade do Brasil, a primeira deveria desaparecer o mais rápido possível, pelo menos antes do Congresso Mundial de Educação que seria realizado no Rio de Janeiro, em 1939.124 Chegava mesmo a propor a Vargas, em nome da disciplina da cooperação e economia, que o governo federal, por meio do Ministério, negociasse com a prefeitura do Distrito Federal, passando-lhe os serviços locais de hospitais e centros de saúde, em troca da UDF.125

Em 20 de janeiro de 1939, o decreto-lei n° 1.063 dispôs sobre a transferência de estabelecimentos de ensino da

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UDF para a Universidade do Brasil. Nessa transferência eram absorvidos os cursos das Faculdades de Filosofia e Letras, de Ciências e de Política e Direito. Nela estavam excluídos o Instituto de Educação, o Departamento de Artes e Desenho, o Departamento de Música, o curso de formação de professores primários, de orientadores do ensino primário, dos administradores escolares e os cursos de aperfeiçoamento da Faculdade de Educação. O texto legal ainda normatizava a transferência de alunos e professores. Em 4 de abril de 1939, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras era organizada pelo decreto-lei n° 1.190, tendo sua denominação alterada para Faculdade Nacional de Filosofia. Alceu Amoroso Lima foi convidado para a cátedra de üteratura brasileira e a reitoria.

Alceu aceitava o convite, mas sob a condição de que o Ministro Capanema retardasse não só o início dos cursos parao ano seguinte, como também a absorção da UDF, pelas dificuldades que visualizava de incorporação de professores e funcionários dela remanescentes, de cancelamento de matrículas e de resolução de problemas decorrentes capazes de indispor a opinião pública contra a universidade.126

Esses temores tinham fundamento. Ao mesmo tempo que Alceu escrevia ao Ministro, este recebia a queixa de Luiz Camillo de O. Netto. Em carta endereçada em 7/4/1939 a Capanema, Camillo Netto acusava os técnicos do Ministério da Educação e Saúde de ignorarem completamente a “única experiência ponderável que existia sobre a formação de mestres para o ensino secundário” e organizarem a Faculdade Nacional de Filosofia de modo insatisfatório. Na prática, segundo ele, mais de 50 professores (adjuntos e assistentes) eram dispensados, 500 alunos ficavam sacrificados e o ensino superior recuava, destruindo a UDF. Reivindicava a revisão de vários pontos do decreto que dispusera sobre a sua organização: desdobramento dos cursos de história e

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geografia e letras clássicas em história, geografia, latim e português, respectivamente; a adoção de horários e currículo em vigor na UDF; a ressalva dos direitos dos alunos regularmente matriculados; o aproveitamento do corpo docente e administrativo dispensado; a criação de lugares de chefes de seção; o acordo com a prefeitura municipal para cessão do prédio e material, com justa indenização. Finalmente, a revogação das disposições ilegais relativas à efetivação de professores sem concurso.127

Luiz Camillo sabia, e o afirma, que sua queixa não seria ouvida, mas fez questão de pronunciá-la. Essa atitude denuncia que a destruição da UDF não foi feita sem resistência. A derrota de Anísio e seus colaboradores, como veremos à frente, não aconteceu sem luta. De diversas formas, após a sua demissão, seus fiéis companheiros tentaram garantir a continuidade das iniciativas assumidas na sua gestão. A preocupação em assegurar o imediato funcionamento da Faculdade de Filosofia levaria, no entanto, Capanema a dissuadir Alceu das suas exigências. Seus cursos seriam instalados provisoriamente, em julho de 1939, na escola municipal José de Alencar, e aí permaneceriam funcionando até 1942.128 Como salienta Maria Hermínia Tavares de Almeida, a nova faculdade nascia das antípodas do projeto da UDF e, embora os integralistas houvessem antagonizado com o Estado Novo, não lhes foi difícil penetrar nessa instituição e exercer sobre ela domínio considerável.129

As escolas primárias, as escolas secundárias e os cursos de extensão que nelas funcionavam, além da Universidade do Distrito Federal, constituíram um campo cultural que evidenciava a ampliação de interferência do governo municipal sobre as instituições pedagógicas. Mas a fpçanha maior era fazer com que as pautas educativas produzidas por essa interferência se prolongassem para fora

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dessa e de outras instituições fechadas e criadas com finalidades especificamente pedagógicas como, por exemplo, as bibliotecas.

Nesse sentido, as ruas, os teatros, os estádios esportivos, e mesmo as moradias seriam afetados pela pedagogia institucional que os manipulou enquanto espaços de sociabilidade, meios de construção da cidadania e da civilidade. Cidadania entendida como convicção do pertencimento a um universo social que partilha um conjunto de representações e relações sociais, isto é, como um exercício de responsabilidade do que é comum. Civilidade compreendida enquanto manejo de determinados sistemas de classificação tal como é, dia a dia, reconhecido nos outros, como prática apropriada de aplicação de determinadas regras, que são reproduzidas socialmente e cujo desempenho institui, de forma contínua, maneiras peculiares de sociabilidade. Assim, saberes e poderes se articularam numa pedagogia urbana que identificava a cidade como methodos e que provocou a emergência de grupos especializados, dotados de uma consciência ordenadora e de uma capacidade de ideologização capaz de lidar com novos conhecimentos em favor de uma política educativa desdobrada no cotidiano da

12Q ,cidade. Vejamos como isso ocorreu.

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N O T A S

1 Luís Viana Filho. Anísio Teixeira — A polêmica da educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1990, p.54.

2 Joaquim Faria Góes. Carta a Anísio Teixeira. Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência. ATc 31.09.28, CPDOC/FGV.

3 • • •Sérgio Miceli. O Conselho Nacional de Educação: esboço de análise de um aparelho do Estado (1931 - 1937). In: Revolução de Trinta, Seminário Internacional. Brasília: Ed. da UnB., 1983, p. 399-429, p.399.

4 Paschoal Lemme. Memórias, v. 2; São Paulo: Cortez Editora, INEP, 1988, p. 74-98.

5 Anísio Teixeira. Discurso de Assunção ao cargo de Diretor-Geral de Instrução Pública do Distrito Federal. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT (Teixeira , A) pi [31] 00.00/1, CPDOC/FGV.Paschoal Lemme. op. cit., p. 121.Rachel Pereira Chainho Gandini — Tecnocracia, Capitalismo e Educação em Anísio Teixeira (1930-1935), Coleção Educação e Transformação, v.4, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

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8 L. A. Costa Pinto. A metrópole Rio de Janeiro - breve introdução ao seu estudo sociológico. Educação e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, II (4): 202, março de 1957.

9 A organização administrativa foi realizada pelos decretos n°s. 3763 (fevereiro/l932) e 4387 (8/9/1933). Cf. Hermes Lima. Anísio Teixeira estadista da educação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 109-10.

10 Angel Rama. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1985, passim.

11 Luís Viana Filho, op. citc., p. 54.12 Eulália Maria L. Lobo. História do Rio de Janeiro -

1760/1945 (capital industrial e financeiro), v.2, Rio de Janeiro: IBMEC, 1978, p. 856.

1 'í Maria Alice Rezende de Carvalho. Letras, Sociedade & Política: Imagens do Rio de Janeiro. In: BoletimInformativo e Bibliográfico de Ciências Sociais (BIB), Rio de Janeiro, publicação da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, n° 20, 2o semestre de 1985, p. 3.

14 João Carlos Rodrigues. Histórias de gente alegre. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981.

15 Leôncio Basbaum. História sincera da República, de 1889 a 1930. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975, 1976, p. 111.

16 Paulo Sérgio Pinheiro. Classes médias urbanas: formação, natureza, intervenção na vida política. In: Boris Fausto (org.). O Brasil republicano, tomo EU, v.2, História geral dacivilização brasileira, Rio de Janeiro: 1977, p. 19-20.

17 / ,Carta de Monteiro Lobato a Anísio Teixeira em16/10/1929. In: Aurélio Vianna e Priscila Fraiz. Conversa entre amigos. Salvador: CPDOC/FGV, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1986, p. 41.

lí! Maria Alice Rezende de Carvalho, op. cit., p. 7.

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Aurélio Vianna e Priscila Fraiz, op. cit., p. 75-6.10 •Maria Alice Rezende de Carvalho, op. cit., p. 3.21 Eulália Lobo, op. cit., p. 551.22 , , .Maria Caldeira Fucs. In: Clarice Nunes. A escola primária

de nossos pais e de nossos avós. Relatório de Pesquisa, Departamento de Educação da PUC/RJ, Rio de Janeiro, março de 1984, anexo 2, Entrevista realizada em outobro/83, p. 21-7.

23 Maria Alice de Carvalho, op. cit., p. 3-4.24 Idem,p. 8-11.25 • _ , ,Anísio Teixeira. Educação pública (administração e

desenvolvimento). Relatório do Diretor?Geral doDepartamento de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira. Separata do Boletim de Educação Pública IV (11e 12): 55, julho a dezembro de 1934.

26 , ' ,Ofélia Boisson Cardoso. O problema da repetência na escola primária. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro: 13(35): 74-88, jan./abr., 1949, p.83.

27 •Eder Sader e Maria Célia Paoli. Sobre classes populares nopensamento sociológico brasileiro. (Notas de leitura sobreacontecimentos recentes). In: Ruth Cardoso (org) - Aaventura antropológica - teoria e pesquisa, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1986, p. 42-5.

2g ^Lúcia Marques Pinheiro. A homogeneização de classes na escola primária. Monografia apresentada no concurso de técnica de educação organizado pelo DASP, em 1940. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro:12 (34): 32, setembro-dezembro, 1948.Maria Helena Souza Pato. Psicologia e Ideologia (uma introdução crítica à psicologia escolar), São Paulo: T. A.

19 Carta de Anísio Teixeira a Lobato em 17/2/1936. In:

29

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Queiroz , 1984, p. 90.-IA •

Maria Luiza de Almeida Cunha: “Testes” publicado na Revista do Ensino de Belo Horizonte e reproduzido por Escola Nova, mar. 1931: 378-9.

31 Lourenço Filho. Editorial da Revista Escola Nova, São Paulo: mar. 1931, p. 258.

o*}Abner de Moura. Um roteiro para professores novos. Artigo publicado no Diário Nacional de São Paulo e reproduzido em Escola Nova, São Paulo, março de 1931, p. 400.

33 •Clarice Nunes. A escola primária de nossos pais e de nossos avós (uma reconstituição histórica da escola primária púbüca, no DF, na década de 20). Relatório de Pesquisa, Departamento de Educação da PUC/RJ, 1984, mimeogr. p. 101.

34 Lúcia Marques Pinheiro, op. cit., p. 98-9.35 Na década de quarenta, além de artigos espalhados pelos

vários números da revista de autores diversos como Maria Alice Moura Pessoa, Luiz Ciulla, Maurício de Medeiros, Maria I. Leite da Costa, Ofélia Boisson Cardoso, Otávio A. L. Martins, entre outros, há um número especial todo dedicado aos testes. Ver Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, 12 (34): set./dez. 1948, com artigos de Murilo Braga, Rui Carrington da Costa, Lúcia Marques Pinheiro, Guy M. Wilson e Fay Burgess, Helena Antipoff, Warren G. Findlay e Cinira Miranda de Menezes. Maria Alice Moura Pessoa. Aplicação dos Testes ABC em crianças indígenas, terenas e caiuás de Mato Grosso. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro,3 (8): 207, fevereiro de 1945.Lourenço filho. Editora da Revista Escola Nova, São Paulo, mar. 1931, p. 255.

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38 Idem, p. 257.• • •* Anísio Teixeira. Comentários sobre a introdução ao estudo

da escola nova. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT Teixeira A pi 20/30.00.00/1, CPDOC/FGV ou Parecer Crítico. Introdução ao estudo da escola nova. Arquivo Lourenço Filho, série Produção Intelectual, LF/S.Ass. pi 30/32.00.00, CPDOC/FGV.

40 Anísio Teixeira. O problema da assistência à infância e à criança pré-escolar. Arquivo Anísio Teixeira, série produção Intelectual, AT Teixeira, A. pi 33.00.00/1, CPDOC/FGV.

41 Anísio Teixeira, op.cit. (Relatório de 1934), p. 36.42 Serviço de Testes e,Escalas - DGIP. Relatório do exame de

inteligência realizado em alunos do Io ano; Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT DGIP-STE pi 31/34.00.00, CPDOC/FGV.

43 Anísio Teixeira, op.cit. (Relatório de 1934), p. 73-9.44 Texto sobre quociente de inteligência de alunos. Arquivo

Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT. S. Ass. pi 18/30.00.00/2, CPDOC/FGV.

45 Hollingworth. Crescimento e declínio mental. In: Testes de inteligência. S. Ass. Texto sobre quociente de inteligência de alunos: Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT S. Ass. pi 18/30.00.00/2, CPDOC/FGV. Consultar também Hollingworth, Educational Psychology. New York, D. Appleton Century Co., 1933.

46 Consultar Alice Keliher — A criticai study o f homogeneuos grouping, New York, Bureau of Publications Y. de Columbia, 1924; Bagley. Determinism in education. Baltimore, Warwich & York, Inc., 1928. Ver outras indicações em Lúcia Marques Pinheiro, op. cit., p. 137-9. Serviço de Testes e Escalas. DGIP. op.cit.

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48 Anísio Teixeira, op.cit. (Relatório de 1934), p. 80-1.49 Idem, p. 80-4.50 Escola General Trompowsky. Plano de Trabalho. Arquivo

Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT Esc. Gal. Tromp. pi 35.00.00, CPDOC/FGV.

\ As escolas particulares também foram acompanhadas pedagogicamente. Apesar da ausência de documentação a esse respeito encontramos uma carta do pastor da Igreja Evangélica Fluminense, Jonathas Thomas de Aquino, felicitando Anísio pela nova orientação que deu ao ensino primário e da qual a escola gratuita Fernandes Braga, evangélica, recebeu os benefícios, ampliando o seu rendimento. Ver Jonathan Thomas Aquino. Carta a Anísio Teixeira. Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência Ate 34.11.01/1, CPDOC/FGV.

52 • •. Esta análise tem o suporte de informações provenientes de entrevistas realizadas com estudos e professores que freqüentaram a escola pública durante a gestão Anísio Teixeira. No período de janeiro a julho de 1985, os alunos de graduação em Pedagogia da Faculdade Notre Dame realizaram, sob nossa orientação, o levantamento das trajetórias de vida de estudantes e professores que haviam freqüentado a escola pública durante a gestão de Anísio Teixeira. Os estudantes foram para a entrevista guiados por um roteiro básico que permitiu recolher informações sobreo contexto da infância (a família de origem, a casa, o bairro, as relações de vizinhança e o lazer) e sobre o contexto das escolas primárias nas quais os entrevistados estudaram e/ou trabalharam e sua trajetória de vida posterior. Foram entrevistados Adelina Gianotti de Mello Franco, Alaíde Ribeiro Braga, Alamir Siqueira, Ana da Costa Pinto, Ana Maria Helena de Lima Marsillac,

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332 Clarice Nunes

América de Azevedo Lima, Arydê Duarte Moreira, Astrogildes Feiteira Delgado de Carvalho, Corina Maria Peixoto Ruiz, Dulcinéia Maria Conceição, Edith Engelke, Elza Fernandes de Fontes, Ernesto Bordinhão Filho, Haydée Kall Garcia, Helena da Silva Lima Peçanha, Hermínia Ogando Garcia, Irene Moraes Cabral, Isa, Juventina de Souza Nunes, Luís Barbosa Guilhão, Luís Carlos Cardoso Alves, Luiza Guimarães Câmara, Lydia Bezerra de Mello Ribeiro, Maria Adelaide Miranda Prata, Maria Celina Deiró Hahn, Maria Ismênia da Cunha, Maria José, Maria Lídia de França Miranda, Maria Regina Guimarães da Cunha, Marina Campeio Xavier, Marina Pires Máximo da Silva, Natércia Sacramento de Oliveira, Nilsa Teixeira Kasuboshi, Stanley Hoedemarck, Sonia Maria da Silva Doma e Tancrecinda Araújo. Cf. Clarice Nunes. Recontando a história: a escola primária no Distrito Federal através de depoimentos orais. Revista da Faculdade ue Educação da UFF, Nitéroi, 13(1): 20-35, jan./jun. 1986.

53 • • • •Juraci Silveira. Relatório apresentado pela diretora da Escola Vicente Licínio ao Superintendente da 3a Circunscrição de Ensino Elementar. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT Silveira, Juraci pi33.00.00, CPDOC/FGV.

54 Paschoal Lemme. op. cit., p. 135.55 Campos de Medeiros apud Paschoal Lemme. op. cit., p.

136.56 R. A. Camargo. O conselho de educação, publicado na

Folha da Manhã de São Paulo e reproduzido em Escola Nova, São Paulo, março de 1931: 398-9.Juraci Silveira. In: Clarice Nunes. A escola primária de nossos pais e de nossos avós, Relatório de Pesquisa,

Page 112: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

lio Texeira: A Poesia da Ação 333

.Departamento de Educação da PUC/RJ, Rio de Janeiro, março de 1984, anexo 2. Entrevista realizada emoutobro/83, p. 33-8.

gk Clarice Nunes. A escola primária de nossos pais e deÍp nossos avós (uma reconstituição histórica da escolaIP primária pública no DF, na década de 20). Relatório de■p Pesquisa, Departamento de Educação da PUC/RJ, 1984,

mimeogr., p. 89.59 Maria Ribeiro de Almeida. Carta a Anísio Teixeira.

Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc1 31.01.25, CPDOC/FGV.

Elisa Rizzo. Anúncio. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT Rizzo, E. pi 31/36.00.00, CPDOC/FGV.

61 Anísio Teixeira. Balanço da sua gestão na instruçãopública do Distrito Federal em 1932 (RJ). Arquivo AnísioTeixeira, série Produção Intelectual, AT (Teixeira, A?) pi [33]00.00/2, CPDOC/FGV.Georg Simmel. A metrópole e a vida mental e Robert Ezra Park. Cidade: sugestões para a investigação docomportamento humano no meio urbano. In: Otávio Guilherme Velho (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, respectivamente p. 13-28 e 29-72.

‘ Lourenço Filho. Editorial da Revista Escola Nova, São Paulo: mar. 1931. p. 253.

64 Leoni Kaseffi. Formação das elites nacionais. Publicado no Correio da Manhã do Rio de Janeiro e reproduzido em Escola Nova, São Paulo, mar. 1931, p. 371-4.

65 Antônio Leão Velloso. Os supra-pormais. Publicado no Correio da Manhã do Rio de Janeiro e reproduzido em Escola Nova, mar. 1931, p. 386.

66 Ofélia Boisson Cardoso. O problema da repetência na

Page 113: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

334 Clarice Nunes

escola primária, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, 13(35): 75, jan/abr. 1949.

67 Idem, p. 82.68 As divergências de Anísio no tocante à concepção de

ensino secundário apresentada pela Reforma Campos (decreto 19.980 de 18/4/1931) foram expostas nos comentários que elaborou sobre ela e cuja cópia, dezoito anos mais tarde, seria enviada ao Ministro Clemente Mariani que, ocupando a pasta da educação no governo Dutra, nomeara uma comissão de educadores para elaborar o anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases. Enquanto Francisco Campos buscava a constituição de uma elite intelectual, Anísio propunha a criação de elites em todas as atividades e classes, o que incluía os trabalhadores intelectuais, mas não os privilegiava. Outros comentários sobre as notas elaboradas por Anísio serão apresentados no corpo do texto.

69 Anísio Teixeira, op. cit. (Relatório), p. 38-9.lo Margarida Glória Faria e Edite de Uzêda. Relação de

questões relativas a problemas educacionais entre o aluno e a escola, elaboradas por membros da Escola Gal. Trompowsky. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT Faria M. G. e Uzêda, E. de pi 35.11.11, CPDOC/FGV.

71 Carlos Matus Romo. Estratégia y plan. México: Siglo XI, 1972, p. 95-8.

72 í * #Clarice Nunes, op. cit., p.67.73 Idem, ibidem.74 Clarice Nunes: A gestão política dos profissionais da

educação: uma revisão histórica. Educação e Sociedade, Campinas (21): 107-8, maio/agosto de 1985.Juraci Silveira. Relatório apresentado pela Diretora da

Page 114: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

Anísio Texeira: A Poesia da Ação 335

Escola Vicente Licínio ao Superintendente da 3a Circunscrição de Ensino Elementar. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT Silveira, Juraci pi33.00.00, CPDOC/FGV.

76 General Trompowsky (Leme); Pedro Ernesto (Gávea); México (Botafogo); Machado de Assis e Santa Catarina (Santa Tereza); Chile (Olaria); São Paulo (Brás de Pina; Pernambuco (Maria da Graça); Paraná (Cascadura); Honduras (Jacarepaguá); Paraguai e outra, sem denominação (Marechal Hermes); Nicarágua (Realengo); Ceará (Inhaúma); Getúlio Vargas (Bangu); Argentina (Vila Isabel); Paraíba (Anchieta); Venezuela (Campo Grande); Pará (Sapê); uma, sem denominação no Morro da Mangueira e outra na Fortaleza de São João; Bahia (Bonsucesso) e Rio Grande do Sul (Engenho de Dentro). Cf. Anísio Teixeira. Os prédios e apare lhamen tos escolares. Boletim de Instrução Pública, jul./dez. 1934, p.204

77 Alberto Gawryzewsky. Administração Pedro Ernesto: Rio de Janeiro (DF) - 1931-1936, Niterói, UFF, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 1988, p. 127-164.Alberto Gawryzewsky. op. cit., p. 153.

79 Anísio Teixeira, op. cit. (Relatório de 1934), p. 110.80 O prédio mínimo tinha 2 salas de aula comuns e uma sala

de atelier e oficina. Era destinado para bairros de reduzida população escolar. A escola nuclear tinha 12 salas de aulas comuns e locais para administração, secretaria e biblioteca de professores. Essa escola se completaria com um parque escolar. A escola ampliada tinha 12 salas de aulas comuns, quatro salas especiais para auditório, música, recreação e jogos e ciências sociais. O sistema platoon tinha 6 salas de aula comuns e 6 salas especiais para leitura e üteratura com

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336 Clarice Nunes

biblioteca anexa, para ciências sociais, para auditório, para para música, recreação e jogos e para ciências com um vivarium anexo. O sistema platoon ampliado tinha 12 salas de aulas comuns e 12 salas especiais distribuídas em pares para cada especialidade, acompanhadas de amplo ginásio e todas as demais dependências exigidas para uma escola dessa proporção. Cf. Anísio Teixeira, op. cit. (Boletim), p. 204.

oiEmâni do Amaral Peixoto. Carta de Anísio a AmaralPeixoto. Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência,ATc 31.12.24/6, documento n° 1, CPDOC/FGV.

82 •Geraldo Bastos Silva. A educação secundária: perspectivahistórica e teoria. São Paulo: Editora Nacional, 1969, p.317.Anísio Teixeira. Comentário à Reforma Francisco Campos. Arquivo Clemente Mariani, série Correspondência, CMa/ATc 46.11.01, documento n° 39, anexo 1, CPDOC/FGV.

84 Dessa forma, o ensino profissional técnico subiu todo para o ensino secundário. Ampliou sua duração de seis para sete anos, subdivididos em dois ciclos: um geral, de dois anos, e um diversificado, de cinco anos, dedicado ao aperfeiçoamento do aluno na área escolhida (Curso Secundário Geral, Cursos Secundários Industrial e Comercial). Cf. Clarice Nunes. Uma nova proposta de ensino médio na pedagogia da escola nova. In: Legenda, Rio de Janeiro, 2(3): 9, 1978.

85 Anísio Teixeira, op. cit. (Relatório de 1934) p. 145-6.96 Críticas a Anísio Teixeira. Texto de crítica à experiência

do self govemment aplicada à Escola Amaro Cavalcanti por Anísio Teixeira e Venâncio Filho. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT S. Ass. pi

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3* ísio Texeira: A Poesia da Ação 337

32/36.00.00, CPDOC/FGV.o*7 *

Robert Damton. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro:Graal, 1986, p. 248.

88 * • • •Anísio Teixeira. Pequena introdução à filosofia daeducação. A escola progressiva ou a transformação daescola. São Paulo: Editora Nacional, 1971 (6a. ed.), p. 10-3.

89 Críticas a Anísio Teixeira, op. cit., nota 86.90 •Cf. Depoimento de Antonio Houaiss. In memoriam de

Anísio Teixeira, Rio de Janeiro, Guanabara: Serviço Gráfico da Fundação IBGE, Fundação Getúlio Vargas, 1971, p. 42-3.

91 Margarida Glória Faria e Edite de Uzeda. Relação de questões relativas a problemas educacionais entre aluno e a escola, elaboradas por membros da Escola Gal. Trompowsky. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT Faria M. G. e Uzêda, E de pi 35.11.11, CPDOC/FGV.

92 Tales de Azevedo. Carta de Tales a Anísio Teixeira em 14/2/1932. Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 32.02.14, documento n° 1, CPDOC/FGV.

93 Ver Comunicado da Divisão de Obrigatoriedade Escolar e Estatística autorizando a matrícula de Joaquim de Almeida Carvalho Filho na escola 2-3 SNIA, situada à rua do Catete, 147. In: Documentos (19) constituídos por bilhetes e notas relativas a D. G. do DF. Arquivo Anísio Teixeira, série Temáticos, AT 30/35.()0.00t, documento n° 7, CPDOC/FGV.

94 Álvaro de Souza Gomes. Carta a Anísio Teixeira. Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 33/35.05.21, CPDOC/FGV.

95 Ver depoimento de Walter de Oliveira. Jornal do Núcleo

Page 117: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

338 Clârice Nunfes

de Orientação e Pesquisa Histórica 3(22): 12, setembro de 1985.

96 Mário de Brito. Carta a AT. Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência, ATc 33.12.05, CPDOC/FGV.

97 Paschoal Lemme. op. cit., p. 129.98 Idem, p. 123.99 A Federação Vermelha dos Estudos desenvolveu suas

atividades entre 1932 e 1935. Procurou congregar estudantes secundaristas e universitários, ura dos quais, Jacob Warchawski, seria assassinado pela Polícia do Estado Novo. Sua contribuição às lutas estudantis apoiou- se sempre numa atuação ilegal. Cf. Artur José Poemer. O jovem poder - história da participação política dos estudantes brasileiros. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1979, p. 132.

100 Carta de Lourenço Filho ao Delegado do 15° Distrito Policial em 15/10/32. In: Documentos (507) referentes ao Instituto de Educação. Arquivo Lourenço Filho, série temática, LF/ Instituto de Educação, Pasta XII, documento n° 10, CPDOC/FGV.

101 Documentos (507) referentes ao Instituto de Educação. Arquivo Lourenço Filho, série temática, LF/Instituto de Educação, Pasta XE, documento n° 11, CPDOC/FGV.

102 Manuscrito sobre a questão da liberdade da organização da juventude comunista. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT [Teixeira, A], pi 00.00.00/21, CPDOC/FGV.

103 Ver Lourenço Filho. O professor e a educação nacional. Arquivo Lourenço Filho, série Produção Intelectual, LF/L. Filho pi 35.00.00 (?), CPDOC/FGV.

104 Documentos (507) referentes ao Instituto de Educação. Arquivo Lourenço Filho, série Temáticos, LF/Instituto de

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io Texeira: A Poesia da Ação 339

Educação, Pasta XII, documentos n° 1, 2, 3, 4, 5 e 11, CPDOC/FGV.

jVt# Luiz Maria Benhoz. Convite a AT; Arquivo Anísio

Teixeira, série correspondência ATc 34.10.13, CPDOC/FGV; Federação Nacional das Sociedades de Educação e União dos Escoteiros do Brasil. Arquivo Anísio Teixeira, série Correspondência. ATc 31/35.00.00/19, CPDOC/FGC e Diretório Político das Professoras Primárias, Panfleto. Arquivo Anísio Teixeira, série correspondência, ATc 00.00.00/18, CPDOC/FGV.

106 O que existia antes eram os cursos elementares noturnos, transformados em Cursos Populares Noturnos pela Reforma Fernando de Azevedo, pelo decreto n° 2.940 de 22/11/1928. Cf. Paschoal Lemme. Estudos de Educação. Rio de Janeiro, Livraria Tupã, 1953, p.66-7. Sobre a experiência de educação de adultos, usamos a primeira parte desse livro, p. 65-79.

107 Idem, p. 68-9.108 Idem, p. 76-7.109 • • • •Ver Discurso de inauguração dos cursos da Universidade

do Distrito Federal, em 31 de julho de 1935. In: Documentos (12) relativos à UDF, ressaltando-se os escritos de AT sobre a instituição. Arquivo Anísio Teixeira, série Temáticos, documento n° 12 AT 35.04.10t, CPDOC/FGV. Ver também manuscritos que lhe deram origem: Teixeira, Anísio. Manuscrito sobre as funções sociais da educação e o papel do Estado. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT [Teixeira, A] pi 31/36.00.00/2, CPDOC/FGV. E [Teixeira, Anísio], Manuscrito sobre o individualismo cultural brasileiro decorrente da falta de instituições culturais. Arquivo Anísio Teixeira, série Produção Intelectual, AT [Teixeira, A] pi

Page 119: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

340 Clarice Nunfes

31/36.00.00/1, CPDOC/FGV.110 Maria de Lourdes Fávero. Faculdade Nacional de

Filosofia. Projeto ou Trama Universitária? v. 1, Rio de Janeiro: UFRJ, 1989, especialmente p 21-8. Ver também da mesma autora: Universidade e Poder. AnáliseCrítica/Fundamentos históricos: 1930-1945, Rio deJaneiro: Achiam, 1980. Para uma visão mais abrangente do modelo de organização universitária no Rio de Janeiro, na década de 30, verificar também Antônio Paim: Por uma universidade do Rio de Janeiro. In: Simon Schwartzman (org.). Universidade e Instituições Científicas do Rio de Janeiro. Brasília: CNPq, 1982, p. 311.

111 Luciano Martins: A gênese de uma intelligentsia - Os intelectuais e a política no Brasil (1920 a 1940). In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2(4): 81, junho de 1987.

112 r« • • •Segundo Mieeli, enquanto no Rio sequer chega a se constituir uma equipe de investigação, turma de docentes ou uma corrente de pensamento lastreada pela universidade, em São Paulo a hierarquia acadêmica foi modelada por docentes estrangeiros treinados nos costumes da competição acadêmica européia (francesa, especialmente). No Rio, mais do que em São Paulo, a força do paradigma juridicista e/ou militante foi mais persistente e contribuiu para entronizar modelos de interpretação desenvolvimentista como critério de relevância intelectual. Ainda, se no Rio prevaleceu uma compreensão de excelência intelectual que priorizou objetos e problemas em virtude da sua relevância para o debate político mais amplo, em São Paulo prevaleceram os métodos de apropriação científica. Enquanto nessa cidade ocorria um choque entre o “projeto iluminista” das elites locais e a irresistível profissionalização dos setores médios em ascensão social, no Rio as experiências institucionais na

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^jjísio Texeira: A Poesia da Ação 341

órbita do MEC, já na década de 50, foram as mais marcadas pelo modelo universitário. Em suma, as diferenças entre o Rio de Janeiro e São Paulo resultam tanto do relacionamento diferente que os cientistas sociais mantinham com os poderes públicos não acadêmicos como de uma estruturação diversa do espaço da classe dirigente e das formas de sociabiüdade política e cultural que tiveram repercussão direta sobre o sistema de produção cultural. Cf. Sérgio Miceli (org.) História das Ciências Sociais no Brasil v. 1, São Paulo: Vértice/IDESP/FINEP, 1989, p. 80- 6.

113 Luciano Martins, op. cit., p. 81.114 Maria Hermínia Tavares de Almeida. Dilemas da

institucionalização das ciências sociais no Rio de Janeiro. In: Sérgio Miceli (org.) op. cit. (História das Ciências Sociais) p. 171.

115 Sobre a criação da Universidade Católica ver Tânia Salem. Do Centro D. Vital à Universidade Católica. In: Simon Schwartzman (org.). op. cif, p. 97-133.

116 Gustavo Lessa conta, em suas memórias, que recebera em mãos, de Samuel Guy Inman, uma grande lista mimeografada com nomes de intelectuais alemães fugitivos do nazismo. Inman lhe pedira que fosse representante não remunerado de uma organização filantrópica inglêsa que, sob a chefia de James Mac Donald, procurava obter colocação para esses profissionais. Como afirma, diante das dificuldades no Rio de Janeiro, a Argentina, a própria Inglaterra, os Estados Unidos e até a faculdade de São Paulo teriam aproveitado este “tesouro intelectual”. Cf. Gustavo Lessa. Ao fim de uma obscura mas acidentada carreira. Rio de Janeiro: 1962. Impressos 92 Lessa L 638a, CPDOC/FGV.

Page 121: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

342 Clarice Nunes

117

118

Ver carta de Venâncio Filho e Anísio Teixeira. In: Documentos (12) relativos à UDF. Arquivo Anísio Teixeira, série Temáticos, AT 35.04.10t, documento n° 4, CPDOC/FGV.

Foram professores da UDF: Júlio Afrânio Peixoto (também reitor), Manoel Bergstrom Lourenço Filho (também diretor da Escola de Esducação), Roberto Marinho de Azevedo (também diretor da Escola de Ciências), Hermes Lima (também diretor da Escola de Economia e Direito), Edgardo Castro Rabelo (também diretor da Escola de Filosofia e Letras), Celso Octávio do Prado Kely (também diretor do Instituto de Artes). Ainda: José Paranhos Fontenele, José Faria Góes Sobrinho, Carlos Acioly Sá, Alayr Acioly Antunes, Anísio Spínola Teixeira, Lourenço Filho, Heloísa Marinho, Celso Kely, Carlos Delgado de Carvalho, Gustavo de Sá Lessa e Afrânio Peixoto, todos da Escola de Educação; Lelio Itabuambira Gama, Francisco Mendes de Oliveira Castro, Alfredo Schaeffer, Durval Potiguara Esquerdo Curti, Bernard Gross, Plínio Süssekind da Rocha, Djalma Guimarães, Victor Liz, Alberto José de Sampaio, Carlos Viana Freire, Herman Lent, Lauro Travassos, Edgard Süssekind de Mendonça e Pedro Paulo Bemardes Bastos, todos da Escola de Ciências; Gilberto de Melo Freire, Arthur Ramos de Araujo Pereira, Hermes Lima, José Faria Góes Sobrinho, Carlos Delgado de Carvalho, Jaime Coelho, Isnard Dantas Barreto e Fernando Antonio Raja Gabaglia, todos da Escola de Economia e Direito; Edgardo Rabelo, José Rodrigues Leite Oticica, Jorge Augusto Drenkpc, Antonio dos Santos Jacinto Guedes, Alvaro Ferdinando de Souza da Silveira, Cecília Meirelles Corrêa Dias, Madeleine Manuel, Melissa Stodard Hull e Laura Medeiros do Paço, todos da Escola de Filosofia e Letras; Lúcio

Page 122: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

Costa, Carlos de Azevedo Leão, Nestor Egídio de Figueiredo, Cândido Portinari, Celso Antonio de Menezes, Georgina de Albuquerque, Fernando Valentim do Nascimento, Gilberto Trompowski, Silvia Meyer, Heitor Villa-Lobos, Oscar Lorenzo Femundez, Arnaldo de Azevedo Estrela, Francisco Albuquerque da Costa e José Cândido de Andrade Muricy, todos do Instituto de Artes. Cf. Maria de Lourdes Fávero. Faculdade Nacional de Filosofia. Projeto ou trama universitária? Rio de Janeiro: TJFRJ, 1989, p. 71-3. v. 1.

119 Ver entrevistas dos alunos do Instituto de Artes. Programa Depoimentos. Rio de Janeiro: Fundação Cândido Portinari-PUC/RJ, 1982/1983.

120 / • •Héris Guimarães. Entrevista realizada em 14/10/1983,Programa Depoimentos: Rio de Janeiro, FundaçãoCândido Portinari - PUC/RJ, p. 47.

121 • •Jayme de Barros. Entrevistas realizadas em 2/12/82,15/12/82 e 21/12/82, Programa Depoimentos. Rio deJaneiro: Fundação Cândido Portinari - PUC/RJ, 1982, p.50.

122 Alcides da Rocha Miranda. Entrevista realizada em 18/08/83, Programa Depoimentos. Rio de Janeiro: Fundação Cândido Portinari - PUC/RJ, 1983, p. 61-2.

123 Alceu Amoroso Lima. Carta de Alceu Amoroso Lima a Gustavo Capanema. Arquivo Hermes Lima, série Correspondência, Pasta I, documento 16, CPDOC/FGV. Nessa carta Alceu Amoroso Lima faz uma menção velada aos professores Edgardo Castro Rabelo e Hermes Lima. Ambos foram presos em 1935. O processo sofrido por este último está documentado em seu arquivo. Documentos (9) sobre a reintegração de professores à universidade. Arquivo Hermes Lima, série Correspondência, HLc 38.08.09,

Texeira: A Poesia da Ação 343

Page 123: Anísio Teixeira, A Poesia Da Ação

3 h 4 Clarice Nuntík? |

documentos n° 2, 3, 4, 5 e 6, CPDOC/FGV.124 Documentos (15) sobre a extinção da UDF. Arquivo

Gustavo Capanema, série Ministério da Educação e Saúde i 1934-1945. Educação e Cultura, GC g 36.09.18, -4

documento n° 3, CPDOC/FGV. ,125 Documentos (15) sobre a extinção da UDF. Arquivo

Gustavo Capanema, série Ministério da Educação e Saúde. 1934-1945. Educação e Cultura, GC g.36.09.18, documento n° 13, CPDOC/FGV.

126 Correspondência (149) entre A. Lima e G. Capanema. Arquivo Gustavo Capanema, série Correspondência, GC/Lima, Ab, Pasta I, documento n° 37, CPDOC/FGV.

127 Documentos (15) sobre a extinção da UDF. Arquivo Gustavo Capanema, série Ministério da Educação e Saúde. 1934- 1945. Educação e Cultura, GCg. 36.09.18, documento n° 10, CPDOC/FGV.

128 Sobre a Faculdade Nacional de Filosofia ver: Maria de Lourdes Fávero. Faculdade Nacional de Filosofia. Projeto ou trama universitária? v. 1. Rio de Janeiro: UFRJ, 1989, p. 29-48.Maria Hermínia Tavares Almeida. In: Sérgio Miceli (org.). op. cit., p .198.

130 Carlos Nelson Ferreira dos Santos e Amo Vogel (org.). Quando a rua vira casa (a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro). Convênio EBAM/FTNEP,Rio de Janeiro: EB AM, 1981, p. 130-1. Ver também Angel Rama? op. cit., p. 103-6.

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Teixeira: A Poesia da Ação 345

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S A B E R E S E P O D E R E S

“O saber ilumina, mas a vida é tato. ”

Wanderley Guilherme dos Santos

O sentimento de pertencer a um certo grupo se traduzia, no caso dos educadores profissionais, não só pela existência de uma associação específica que os congregava, mas também por uma linguagem e uma temática que compartilhavam e por meio das quais se reconheceram e foram conhecidos. Essa linguagem e temática foram construídas, em parte, por uma formação que guardava entre os membros desse grupo certa afinidade: a interiorização de uma cultura clássica temperada pela cultura moderna, na qual o conhecimento científico teve papel destacado.

A exigência da precisão de um contorno dos postos que ocupavam e dos que criavam, nas décadas de vinte e trinta, levou esses educadores a criarem definições sobre o que consideravam mais adequado ao exercício da educação enquanto profissão. Essas definições, que podem ser interpretadas como modos de recortar, ordenar e nomear a