anexo 2 aspectos gerais de projetos agropecu+írios

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  • dos Autores1a edio: 2010Direitos reservados desta edio:Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    Capa e projeto grfico: Carla M. LuzzattoReviso: Ignacio Antonio Neis e Sabrina Pereira de AbreuEditorao eletrnica: Alexandre Giaparelli Colombo

    Universidade Aberta do Brasil UAB/UFRGSCoordenador: Luis Alberto Segovia Gonzalez

    Curso de Graduao Tecnolgica Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento RuralCoordenao Acadmica: Lovois de Andrade MiguelCoordenao Operacional: Eliane Sanguin

    ___________________________________________________________________

    E37 Elaborao e avaliao de projetos para a agricultura / organizado por Valter Lcio de Oliveira ; coordenado pela Universidade Aberta do Brasil UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduao Tecnolgica Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010.

    80 p. : il. ; 19x26,5cm

    (Srie Educao A Distncia)

    Inclui figuras, quadros e tabelas.

    Inclui Anexos e Referncias..

    1. Agricultura. 2. Agricultura Projeto Elaborao - Avaliao. 3. Poltica agrcola brasileira Produo. 4. Sistema Nacional de Crdito Rural (SNCR). 5. Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM). 6. Seguro agrcola. 7. Pesquisa agropecuria. 8. Extenso rural. 9. Relaes socioculturais Relaes familiares Organizao da Unidade de Produo (UPA). 10. Orizicultura Rio Grande do Sul. 11. Projetos agropecurios. 12. Planejamento - Riscos. 13. Anlise de viabilidade UPA. I. Oliveira, Valter Lcio de. II. Universidade Aberta do Brasil. III. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Secretaria de Educao a Distncia. Graduao Tecnolgica Planejamento e Gesto para o Desenvolvimento Rural.

    CDU 631___________________________________________________________________

    CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogao na Publicao.(Jaqueline Trombin Bibliotecria responsvel CRB10/979)

    ISBN 978-85-386-0123-4

  • SUMRIO

    Apresentao .............................................................................................................. 7Unidade 1 A Unidade de Produo Agrcola e sua relao com o entorno:

    breve anlise das polticas agrcolas ................................................... 9Felipe Jos Comunello e Lorena Cndido Fleury

    Introduo ................................................................................................................... 9Objetivos ...................................................................................................................... 9

    1.1 A evoluo da poltica agrcola brasileira: da modernizao ao incio dos anos 1990 .......................................................... 10

    1.1.1 Sistema Nacional de Crdito Rural (SNCR) ............................................. 121.1.2 Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM) ..................................... 121.1.3 Seguro Agrcola ....................................................................................... 131.1.4 Pesquisa Agropecuria ............................................................................. 131.1.5 Extenso Rural........................................................................................ 13

    1.2 Reorientao das polticas agrcolas: os anos 1990 e as lutas sociais .................... 151.3 Impasses contemporneos ................................................................................ 161.4 Atividade prtica ............................................................................................... 171.5 Referncias....................................................................................................... 17

    Unidade 2 A diversidade social da agricultura como fortaleza ........................ 19Valter Lcio de Oliveira e ve-Anne Bhler

    Introduo ................................................................................................................. 19Objetivos .................................................................................................................... 20

    2.1 Modernizao ou homogeneizao? .................................................................. 202.2 A importncia das relaes socioculturais .......................................................... 21

    2.2.1 Relaes familiares e a organizao da UPA ............................................. 212.2.2 Relaes sociais diversas ......................................................................... 23

    2.3 Importncia da questo ambiental ..................................................................... 242.4 Exemplo concreto de aplicao na orizicultura do Rio Grande do Sul ................ 252.5 Atividade prtica ............................................................................................... 312.6 Referncias....................................................................................................... 32

    Unidade 3 Aspectos gerais de projetos agropecurios ...................................... 33Valter Lcio de Oliveira

    Introduo ................................................................................................................. 33Objetivos .................................................................................................................... 33

    3.1 Projetos: usos e enfoques .................................................................................. 33

  • 3.2 Custos da elaborao do projeto ....................................................................... 383.3 Referncias....................................................................................................... 39

    Unidade 4 Riscos e incertezas no planejamento e a construo de cenrios prospectivos ......................................... 41Valter Lcio de Oliveira e Patrcia Pinheiro

    Introduo ................................................................................................................. 41Objetivos .................................................................................................................... 41

    4.1 Riscos e incertezas no planejamento .................................................................. 414.2 Atividade prtica ............................................................................................... 474.3 Referncias....................................................................................................... 48

    Unidade 5 Anlises de viabilidade em UPA ......................................................... 51Patrcia Pinheiro, Michael Mazurana, Simone Weschenfelder e Vanessa Tedesco

    Introduo ................................................................................................................. 51Objetivos .................................................................................................................... 52

    5.1 Discusso conceitual de indicadores .................................................................. 525.2 Anlise da viabilidade tcnico-econmica .......................................................... 535.3 Anlise da viabilidade ambiental ........................................................................ 585.4 Anlise da viabilidade sociocultural ................................................................... 605.5 Concluso: anlise integrada da viabilidade da UPA ........................................... 625.6 Atividades prticas ............................................................................................ 655.7 Referncias....................................................................................................... 66

    Unidade 6 Elaborao de projetos voltados para UPA ..................................... 69Valter Lcio de Oliveira

    Introduo ................................................................................................................. 69Objetivo ...................................................................................................................... 69

    6.1 Elementos bsicos para a construo de projetos para UPA ............................... 696.2 Atividades prticas ............................................................................................ 746.3 Referncias....................................................................................................... 74

    Anexos ........................................................................................................................ 75

  • 7EAD

    APRESENTAO

    A disciplina Elaborao e Avaliao de Projetos para a Agricultura DERAD 017 foi pensada e estruturada para oferecer ao estudante ferramentas con-ceituais e operacionais que o habilitem a construir e avaliar projetos voltados para uma Unidade de Produo Agrcola (UPA). uma disciplina que levar o futuro gestor a refletir e a trabalhar a integralidade da propriedade rural, propondo alter-nativas viveis como forma de apoio melhoria nas condies de produo e de vida da famlia agricultora.

    Ressalta-se desde j que a interveno que proposta nesta disciplina deve ser conduzida como um apoio aos agricultores, sempre considerados como sujeitos ati-vos nesse processo. Tudo o que puder ser empreendido em prol destas pessoas que vivem do produto de seu trabalho e de sua propriedade dever sempre ser feito com a ideia de somar conhecimentos diferentes, de forma a potencializar os efeitos das mudanas desejadas. Portanto, antes de mais nada, preciso conscientizar-se de que nada ser feito para eles, como se apenas o gestor fosse o detentor de um conhe-cimento vlido e o agricultor fosse um sujeito passivo, vazio de conhecimento vlido e s apto a ocupar a posio de receptor de um saber que lhe chegar de fora. Uma postura coerente, respeitosa e eficiente parte do princpio de que tudo o que puder ser feito dever ser feito com os agricultores.

    Dentro desta concepo, o presente material foi elaborado seguindo um per-curso que vai do macro ao micro. Entendemos que qualquer proposta de interveno deve situar-se frente ao que est para alm da propriedade em questo, mas que a influencia de forma decisiva. necessrio, portanto, levar em considerao o que existe em termos de polticas pblicas, uma vez que estas podem potencializar ou at retardar os efeitos positivos esperados com o projeto. Tambm importante ter cons-cincia de que toda UPA est inserida em uma relao histrica e cotidiana com outras UPAs e com outros atores sociais locais. Por isso, cumpre dedicar especial ateno a compreender tal dinmica de forma que ela seja usada tanto como informao til para a elaborao das proposies quanto como reforadora de sua efetividade.

    A partir desta perspectiva, o manual foi dividido em cinco Unidades, conforme exposto a seguir. Na primeira Unidade, Comunello e Fleury desenvolvem o tema das polticas pblicas voltadas para a agropecuria, realizando um resgate histrico da questo agrria e mostrando como este setor esteve sempre na posio de amorte-cedora dos impactos das crises econmicas nacionais e internacionais. Os autores apresentam tambm algumas polticas agrcolas que foram e outras que ainda so importantes para fomentar os diferentes perfis de agricultura. Na segunda Unidade,

  • desenvolvida por mim e por Bhler, dedicamo-nos especialmente a fornecer concei-tos e elementos que devem ser considerados na construo de uma tipologia regional que d visibilidade aos diversos perfis de agricultura que circundam a UPA na qual se efetivar o projeto a ser proposto. Na Unidade 3, desenvolvo os marcos gerais que devem orientar a construo de projetos, partindo de uma abordagem mais ampla para chegar s especificidades de projetos agropecurios. Na Unidade 4, abordo, juntamente com Pinheiro, questes relativas aos riscos e incertezas e anlise con-ceitual de cenrios. Na Unidade 5, Pinheiro, Mazurana, Weschenfelder e Tedesco trabalham indicadores de viabilidade tcnico-econmica, sociocultural e ambiental, explorando as particularidades de cada campo e buscando integr-las na constituio de uma perspectiva coerente com a realidade social. Por fim, na Unidade 6, apre-sento um roteiro explicativo dos itens sugeridos como integradores de um projeto.

    OBJETIVOS DA DISCIPLINA

    Os objetivos desta disciplina so:habilitar o estudante a planejar e a conceber projetos agropecurios;fornecer elementos que permitam identificar as caractersticas e os princ-

    pios para a elaborao, a anlise, a avaliao e a execuo de projetos agrope-curios voltados para UPAs;

    auxiliar na compreenso do processo metodolgico de elaborao de projetos;trabalhar as noes de risco e de incerteza;capacitar o estudante para a realizao de estudos de viabilidade e de cons-

    truo de cenrios levando em considerao as dimenses econmicas, am-bientais e socioculturais; e

    oferecer ferramentas conceituais e metodolgicas para a anlise crtica de projetos j existentes e a proposta de alternativas.

    O Organizador

  • 9EAD

    UNIDADE 1 A UNIDADE DE PRODUO AGRCOLA E SUA RELAO COM O ENTORNO: BREVE ANLISE DAS POLTICAS AGRCOLAS

    Felipe Jos Comunello1 e Lorena Cndido Fleury2

    INTRODUO

    Um dos principais pontos de partida da disciplina Elaborao e Avaliao de Projetos para a Agricultura DERAD 017 a heterogeneidade do que se entende por meio rural, que com frequncia tambm visto como espao rural, mundo rural, setor agrcola, setor agrrio, etc., dependendo do olhar de quem exerce a nomeao. O prin-cipal ponto de chegada da disciplina a confeco de projetos para as Unidades de Produo Agrcola (UPAs). Ou seja, espera-se que, ao final da disciplina, os estudantes estejam capacitados a desenvolver e a avaliar projetos a serem aplicados em parceria com agricultores e outros agentes do meio rural.

    Para que tal ponto de chegada seja atingido com sucesso, o presente texto pro-pe-se a apresentar de modo didtico algumas das principais polticas com as quais as UPAs se relacionam, nos mbitos macro e micro. Quando falamos em UPA e em sua relao com o entorno, queremos dizer que aquilo que a circunda no est necessaria-mente em seu exterior, mas, mais do que isso, que est intimamente relacionado com as decises que precisam ser tomadas em seu mbito. Em outras palavras, o agricultor e/ou a agricultora, juntamente com sua famlia, tomam suas decises tambm influen-ciados pelas informaes a que tm acesso por via de amigos, de parentes, de meios de comunicao e, sobretudo, por via das polticas micro e macro que lhes chegam.

    OBJETIVOS

    Os objetivos da Unidade 1 so:apresentar em linhas gerais exemplos de polticas agrcolas voltadas para a

    Agropecuria;situar a UPA frente a estas polticas agrcolas; ecompreender a importncia das polticas pblicas na confeco de projetos.

    1 Engenheiro Agrnomo; mestre em Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro); doutorando em Antropologia pela Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul.2 Biloga; mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/Universidade Federal do Rio Grande do Sul); doutoranda em Sociologia (PPGS/UFRGS).

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    1.1 A EVOLUO DA POLTICA AGRCOLA BRASILEIRA: DA MODERNIZAO AO INCIO DOS ANOS 1990

    Para se entender a evoluo da poltica agrcola brasileira, necessrio remon-tar ao cenrio econmico e poltico brasileiro do incio da dcada de 1960. Naquele perodo, a poltica brasileira estava passando por um momento de transio. O mo-delo de substituio de importaes, adotado at ento, dava sinais de crise, atravs do crescente processo inflacionrio e da reduo do crescimento econmico, medi-do pela reduo do Produto Interno Bruto PIB. O governo que recm havia assu-mido estava sob o comando do presidente Joo Goulart, que sinalizava uma abertura s organizaes sociais, indicando a possibilidade de uma reforma agrria.

    LEMBRE-SE

    Modelo de substituio de importaes: O termo substituio de importaes remete-nos aos debates em torno das polticas comerciais dos pases em desenvolvimento na segunda metade do sculo XIX. Tavares (1977) defi ne substituio de importaes como um processo de desenvolvimento que, respondendo s restries do comrcio exterior, procurou repetir aceleradamente, em condies histricas distintas, a experincia de industrializao dos pa-ses desenvolvidos. A lgica bsica da estratgia de substituio de importaes que essa transformao das economias em desenvolvimento demanda proteo em relao concor-rncia com produtos importados (FRANCO; BAUMANN, 2005).

    A reforma agrria estava situada em um conjunto de reformas, as chamadas reformas de base, que buscavam uma reorganizao estrutural do pas. Esperava-se especialmente, com a reforma agrria, abarcar a problemtica da oferta de ali-mentos e, entre outros aspectos, interferir na distribuio de renda e de poder. A proposta de reforma agrria tornou-se concreta, pois considerava-se que a ques-to agrria havia adquirido relevncia poltica, social e econmica no contexto do ps-guerra, sobretudo no final dos anos 1950 e incio dos anos 1960. Segundo Medeiros (2003), os fatores que contriburam para isso foram o crescimento e a relativa unificao poltica das lutas por terra em diversos pontos do pas, o contexto interno de relativas liberdades democrticas, a conjuntura da Guerra Fria e o intenso debate sobre as condies para o desenvolvimento dos pases la-tino-americanos, como resumiu a economista Maria da Conceio Tavares (apud LEITE; VILA, 2007a, p. 779):

    [...] na perspectiva do pensamento reformista latino-americano dos anos 50 e 60, a reforma agrria era concebida como um processo so-cial inserido em um movimento global de transformao da sociedade e direcionado a trs objetivos estratgicos: a ruptura do poder poltico tradicional (democratizao), a redistribuio da riqueza e da renda (justia social) e a formao do mercado interno (industrializao).

    O trip democratizao, justia social e industrializao estava na base da pro-posta de reforma agrria de ento. Mas, como afirma a prpria Conceio Tavares (apud LEITE; VILA, 2007a, p. 779), apenas a industrializao foi levada a cabo:

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    No caso brasileiro, as transformaes ocorridas no campo durante as dcadas de 1960 e 1970 [...] e o marco poltico-ideolgico que se con-solidou [...] conduziram a um progressivo reducionismo na concepo da reforma agrria, que foi redefinida [...] como um instrumento de poltica de terras. A revoluo agrcola [...] desativou o signifi-cado econmico clssico da reforma (a formao do mercado interno), contribuindo assim para a afirmao da concepo reducionista.

    Assim, mantiveram-se as condies de injustia social e de falta de democrati-zao no meio rural, encobertas por uma modernizao tcnica3. Essa modernizao tcnica, conhecida comumente como modernizao agrcola/agropecuria, ou sim-plesmente como modernizao conservadora, j foi objeto de inmeras anlises4. nesse contexto que as polticas que hoje so formuladas para o meio rural tm seus antecedentes. Por isso, vamos pontuar brevemente as condies em que se desenvol-veu tal modernizao e os principais instrumentos de poltica agrcola.

    O contexto em que se deu a modernizao marcado pelo Golpe Militar de 1964, que traou novos rumos para a poltica e a economia brasileiras. Com o Golpe, houve uma mobilizao de capitais (internacional, nacional, proprietrios de terras) em torno de um novo projeto nacional. Neste momento do ps-Segunda Guerra Mundial, em que os Estados Unidos tinham sado como os grandes ven-cedores, o novo projeto tinha como modelo a sociedade norte-americana capi-talista e urbano-industrial e reservava agricultura um papel de facilitadora da industrializao. Para tal, a agricultura deveria cumprir as funes de: (a) fornecer alimentos a baixos custos populao urbana e matria-prima indstria; (b) servir de mercado consumidor para os produtos industriais, tais como insumos e equipamentos; (c) liberar mo de obra para a indstria; e (d) gerar divisas para equilibrar a balana comercial e possibilitar o supervit.

    Um dos principais formuladores e executores desses objetivos foi o economis-ta Antnio Delfim Netto, que foi ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, ministro da Agricultura em 1979 e ministro do Planejamento entre 1979 e 1985. Tendo em vista esses objetivos, foram criados instrumentos de poltica agrcola para propiciar a consecuo da modernizao. Os principais instrumentos foram o Sistema Nacio-nal de Crdito Rural (SNCR), a Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM), o Seguro Agrcola, a Pesquisa Agropecuria e a Extenso Rural. Alm disso, segundo Palmeira (1989), os instrumentos de Estado utilizados foram a criao de uma le-gislao especfica para o rural (fruto, em grande parte, das lutas sociais, como, por exemplo, o Estatuto da Terra), os incentivos fiscais (em especial nas reas da SUDAM

    3 Para uma discusso aprofundada da atualidade de uma proposta de reforma agrria, com vistas democratizao do acesso terra e justia social, ver, entre outros, MEDEIROS (2003), LEITE et al. (2004), MEDEIROS; LEITE (2004), LEITE; VILA (2007a, 2007b).4 Para um tratamento mais elaborado do tema, ver, entre outros, SORJ (1986), GOODMAN et al. (1990), KAGEYAMA et al. (1990), PALMEIRA; LEITE (1998).

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    e da SUDENE) e a poltica de terras pblicas, que beneficiou grandes compradores e grupos de investidores5.

    ANOTE

    Os principais instrumentos de poltica agrcola para implementar a modernizao da agricultu-ra foram o Sistema Nacional de Crdito Rural (SNCR), a Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM), o Seguro Agrcola, a Pesquisa Agropecuria e a Extenso Rural.

    1.1.1 Sistema Nacional de Crdito Rural (SNCR)

    O SNCR foi implantado com o objetivo de oferecer crdito farto e barato a agricultores capazes de empreender a modernizao agrcola. Os recursos eram provenientes da aplicao compulsria de bancos comerciais, que deveriam aplicar de 10% a 25% de seus depsitos vista no SNCR, no perodo de 1965, quando foi implantado o SNCR, at 1985. O principal financiador era o Banco do Brasil, que, para tal, tinha uma conta no Banco Central, de onde os recursos poderiam ser reti-rados sem serem includos no Oramento Geral da Unio. As taxas aplicadas eram, em geral, 25% menores do que as taxas do mercado, e os juros durante um longo perodo (at meados da dcada de 1980) eram negativos, por no acompanharem o aumento da inflao, alm de no sofrerem a correo monetria do saldo devedor. Pode-se afirmar, portanto, que este era um crdito altamente subsidiado. Contudo, no eram todos os agricultores que tinham acesso a ele; pelo contrrio, o SNCR atuava selecionando produtos (exportveis), produtores (grandes) e regies (princi-palmente Centro-Sul), visando a proporcionar um determinado tipo de agricultura, isto , aquele que se enquadrava nas prerrogativas da modernizao desejada.

    1.1.2 Poltica de Garantia de Preos Mnimos (PGPM)

    A PGPM, adaptada do modelo norte-americano, visava a regular e a estabilizar a forte oscilao dos preos agrcolas no perodo de safra e entressafra. Funcionava atravs de Emprstimos do Governo Federal (EGF) e podia ser de dois tipos: Sem Opo de Venda e Com Opo de Venda, tornando-se, neste caso, Aquisio do Governo Federal (AGF). Por definir critrios de qualidade e de quantidade, funcio-nava tambm de forma restritiva, favorecendo os grandes produtores. Os pequenos produtores, para conseguirem atingir o volume necessrio, dependiam dos armazns dos intermedirios, sendo esses ltimos os grandes favorecidos. Outra caracterstica da PGPM que, uma vez que o preo do produto era informado pelo governo com

    5 Como mostra SCHMIDT (1990), no caso do setor macieiro, o incentivo fiscal foi o principal ins-trumento de financiamento da implantao de pomares. Isso ocorreu com a incluso do plantio de macieiras no rol de florestamentos e reflorestamentos do Instituto Brasileiro de Florestas. No que tange legislao, o autor tambm mostra como no setor macieiro, alm de que consta no quadro da legislao geral para a agricultura, foi travada uma luta para regulamentar a comercializao da ma, principalmente com o objetivo de limitar a quantidade importada da Argentina.

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    dois ou trs meses de antecedncia, ela funcionava como um sinalizador daqueles produtos que deveriam ser cultivados. De modo geral, estes tendiam a ser os pro-dutos exportveis, a serem cultivados em larga escala, favorecendo mais uma vez os grandes e modernos agricultores. No entanto, at a dcada de 1980, esse instru-mento no teve influncia muito expressiva se comparado, por exemplo, ao SNCR, pois o preo pago pelos produtos no era to alto a ponto de constituir uma signifi-cativa transferncia de renda para os produtores.

    1.1.3 Seguro Agrcola

    O Seguro Agrcola foi um instrumento pblico de auxlio agricultura subsi-diado pelo governo, que, dessa forma, possibilitava uma maior participao dos agri-cultores. Esse auxlio foi devido ao fato de a agricultura ser um negcio de alto risco, especialmente em funo de sua singular vulnerabilidade a fatores bioclimticos, e tambm porque, geralmente, quando ocorre um sinistro, so numerosos os envol-vidos, o que demanda muitas indenizaes simultneas, fazendo com que o valor do prmio seja muito elevado. Em 1973, o governo instituiu o PROAGRO, que era um seguro para o crdito, no exatamente para o produtor (ou seja, o seguro s cobria a despesa gasta com o crdito), como forma de estimular tambm a participao dos bancos comerciais no SNCR.

    1.1.4 Pesquisa Agropecuria

    Iniciada no Jardim Botnico, no Rio de Janeiro, a Pesquisa Agropecuria foi institucionalizada em 1973 com a criao da Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuria EMBRAPA. A primeira medida adotada foi a capacitao de profissionais; e, como esta se deu em escolas norte-americanas, a instituio incorporou o perfil especializado e difusionista em voga nos EUA poca. A participao da pesquisa foi fundamental para a operacionalizao da modernizao, principalmente em re-gies como o Cerrado, onde o desenvolvimento de variedades adaptadas e tcnicas de correo do solo foi um complemento essencial aos planos de desenvolvimento implementados nessa regio. No entanto, cumpre destacar que as inovaes biol-gicas e tecnolgicas desenvolvidas eram de difcil apropriao privada, pelo que era importante que a pesquisa tivesse o respaldo de um rgo pblico.

    1.1.5 Extenso Rural

    Este instrumento, tambm amplamente utilizado visando modernizao, foi institudo com a formao da Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural EMBRATER e de sedes regionais, chamadas de Empresa de Assistncia Tc-nica e Extenso Rural EMATER. Esses rgos encarregavam-se da difuso das pes-quisas realizadas na EMBRAPA. A Extenso Rural dedicou-se, a princpio, s grandes propriedades e aos fazendeiros modernos. Depois, foi direcionando seu foco para agricultores refratrios s inovaes, mas, ainda assim, manteve seu perfil difusionista.

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    Somando a esses instrumentos um forte estmulo ao consumo de insumos in-dustriais e de equipamentos modernos, ao direcionamento da carga tributria, me-diante, por exemplo, a reduo do imposto territorial em algumas regies e a realo-cao dos recursos provenientes de outros impostos para o setor agrcola, o governo construiu um forte aparato de subveno agricultura e a conduziu a uma moderni-zao compulsria. De fato, este objetivo fundamental foi atingido, porm atravs de um processo excludente e concentrador de renda e de terras.

    LEMBRE-SE

    SNCR O Sistema Nacional de Crdito Rural era um crdito altamente subsidiado que atuava se-lecionando produtos (exportveis), produtores (grandes) e regies (principalmente Centro-Sul).

    PGPM A Poltica de Garantia de Preos Mnimos visava a regular e estabilizar a forte oscila-o dos preos agrcolas no perodo de safra e entressafra, mediante a defi nio pelo governo dos preos mnimos a serem pagos por produto.

    Seguro Agrcola Foi um instrumento pblico de auxlio agricultura; o PROAGRO era um seguro para o crdito, no exatamente para o produtor (ou seja, o seguro s cobria a despesa gasta com o crdito).

    Pesquisa Agropecuria Foi institucionalizada em 1973, com a criao da EMBRAPA, e visava a desenvolver inovaes tcnicas e de variedades para possibilitar a adaptao do modelo de agricultura moderno aos ambientes brasileiros.

    Extenso Rural Foi instituda com a formao da EMBRATER e a criao de sedes regio-nais, chamadas de EMATER, que se encarregavam da difuso das pesquisas realizadas na EMBRAPA.

    Contudo, no final da dcada de 1970 e incio da dcada de 1980, o cenrio internacional passou por um forte abalo, comeando com o choque dos preos do petrleo, em 1979, e culminando com a moratria declarada pelo Mxico, em 1982. Desses fatos decorreu uma acentuada elevao das taxas de juros internacionais e um declnio da entrada de capital estrangeiro no Brasil. Visto que a dvida externa brasileira se elevou acentuadamente, tornou-se invivel a manuteno da poltica agrcola de forma to subsidiada como o vinha sendo at ento, o que implicou a ne-cessidade de cortes oramentrios, indispensveis inclusive para o cumprimento do acordo com o Fundo Monetrio Internacional (FMI). nesse momento que ocorre a referida inflexo da poltica econmica e agrcola brasileira.

    O plano de desenvolvimento nacional fundamentado no atrelamento da agri-cultura indstria trocado por medidas contingenciais, de curto prazo, visando a estabilizar problemas como a inflao e o dficit na balana comercial. A poltica eco-nmica ganha contornos recessivos atravs do ajuste fiscal e do arrocho salarial. No que se refere diretamente poltica agrcola, h uma paulatina reduo da interveno estatal. Essa reduo torna-se ntida, por exemplo, no SNCR: a partir de 1979, passa a ser cobrada a correo monetria, e, a partir de 1984, as taxas de juros se tornam reais, sendo retirado o subsdio. Por outro lado, o governo decide estimular formas de crdito privado, como a Caderneta de Poupana Rural e a Soja Verde, entre outras.

    A poltica estatal que, neste momento de crise, adquire maior peso e alcana maior abrangncia a PGPM. O pas atravessa uma fase de forte instabilidade poltica

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    e econmica, sucedendo-se vrios planos econmicos (Cruzado, Bresser, Vero, etc.). No entanto, continua sendo estimulado o aumento da produo e da produtividade agrcolas, visando exportao; e implantam-se indstrias a montante e a jusante do setor agrcola, constituindo os Complexos Agro Industriais CAIs. Esses fatos levaram Jos Graziano da Silva a considerar que a dcada de 1980 no foi a dcada perdida, mas sim, a dcada perversa, visto que a agricultura foi o nico setor que cresceu durante o perodo, porm de forma ainda mais desigual e excludente. Em 1990, Fernando Collor de Mello assume a presidncia da Repblica, colocando na ordem do dia uma poltica acentuadamente liberal. Ocorre a abertura dos mercados para importaes, e o capital privado torna-se ainda mais exclusivamente a principal fonte de recursos para a agricul-tura, sendo acessvel apenas a grandes produtores. Contudo, ainda na dcada de 1990, as desvalorizaes cambiais continuam favorecendo as exportaes.

    1.2 REORIENTAES DAS POLTICAS AGRCOLAS: OS ANOS 1990 E AS LUTAS SOCIAIS

    Desde a dcada de 1980, e cada vez mais na dcada de 1990, surgem no meio rural presses devidas, em grande parte, a conflitos por terras (o Movimento dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra, MST, surge formalmente em 1984) e falta de crdito agrcola para a maioria dos agricultores. Esse processo tributrio de um processo mais geral ocorrido no pas, que Medeiros (2001) caracteriza como reordenamento do lugar poltico dos pequenos produtores no sindicalismo rural e na sociedade, e que se iniciou na dcada de 1980. Conforme esta autora (2001, p. 116), entre os fatores que contriburam para isso, est

    [...] a crescente descrena no potencial da modernizao da agricul-tura como forma de melhoria de suas condies de vida; o efeito acu-mulado de experincias localizadas de incentivo s formas associativas, para buscar sadas para o que se passou a chamar questo da pro-duo (atravs da ao de organizaes no governamentais ou do Estado); o germinar de um conjunto de novas lideranas, com forte influncia da Igreja ligada teologia da libertao (mesma matriz de diversas lideranas do MST), questionadoras da ao da Contag tam-bm em relao s aes junto aos pequenos produtores.

    A autora apresenta tambm algo como uma combinao de mobilizaes, ci-tando o trancamento de estradas, de portas de bancos e de rgos pblicos, tentativas de tomadas de cooperativas, intercmbios internacionais e o crescimento do debate intelectual sobre o agricultor familiar que atua reflexivamente no meio sindical. Com isso, essa categoria rapidamente substituiu, no debate poltico e na linguagem sindical, o termo dominante at os anos 80, pequeno produtor (MEDEIROS, 2001, p. 117). Contudo, nos anos 1990, um grande marco foi o reconhecimento da agricultura familiar pelo Estado, com a formulao de uma poltica pblica espe-cfica, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAF.

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    Programas como o PRONAF fizeram significativa diferena no crdito movi-mentado por cooperativas de crdito rural, como o caso do Sistema Cresol, criado na regio sul do pas. H uma srie de divergncias sobre a caracterizao dos agricul-tores familiares, mas, em termos conceituais, possvel encontrar um consenso. De-fine Carneiro (1999): por agricultura familiar entende-se, em termos gerais, uma unidade de produo onde trabalho, terra e famlia esto intimamente relacionados (p. 329). Voltado para este pblico, dotado de uma lgica diferente da observada nas polticas anteriores, o Cresol um sistema de crdito orientado para atender a famlia, e no simplesmente o produto.

    Os estabelecimentos agrcolas, para serem enquadrados, tm que apresentar ao PRONAF uma Declarao de Aptido, fornecida por rgos institucionais, como a EMATER, e no precisam de projeto de assistncia tcnica, como era exigido no SNCR. Existe uma diviso operacional dos agricultores em categorias A, B, C, D, E. A categoria A inclui assentados; nas demais categorias, os critrios so renda anual bruta e rea cultivada. Alm disso, o programa pressupe uma evoluo: uma vez enquadrado em uma categoria que define o montante de crdito e o tempo de pagamento, entre outros , o agricultor no pode retroceder a uma categoria mais baixa (de D para C, por exemplo).

    Apesar de ter taxas subsidiadas, de oferecer a possibilidade do rebate e de ser considerado eminentemente social, o programa, como as demais formas de crdito, realiza uma seleo adversa e em muitos casos inibido pelo Acordo de Capital da Basileia, acordo celebrado em 1988 por presidentes de bancos internacionais pelo qual ficou estabelecido que agncias financeiras s podem financiar at 5% de seu pa-trimnio. Ademais, como apontou Carneiro (1999, p. 333), encerra-se no PRONAF uma tendncia a eleger um nico tipo de agricultor identificado imagem de uma agricultura moderna, especializada como o modelo do tipo de agricultura a ser esti-mulada no pas, o que acaba conduzindo o programa para a mesma lgica das polticas da modernizao que privilegiam a produo em grande escala.

    1.3 IMPASSES CONTEMPORNEOS

    Uma vez que as principais inovaes tecnolgicas de ponta atualmente so pas-sveis de serem apropriadas pelo capital privado, como o caso, por exemplo, das sementes geneticamente modificadas, a pesquisa pblica no tem mais sido capaz de acompanhar o ritmo das inovaes, atendo-se a tecnologias complementares. Nessa perspectiva, questiona-se ento qual seria sua principal finalidade e que pblico ela deve atender prioritariamente.

    Por outro lado, difundida a opinio de que a assistncia tcnica e a extenso rural tm dificuldades para superar uma crise de identidade: sua funo difusionista j no se revela mais necessria, ficando a cargo das empresas privadas; tambm se encontra inde-finido o pblico a que elas se devem voltar majoritariamente e que papel devem assumir.

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    O seguro agrcola igualmente se tem encontrado em impasse, uma vez que, com o desenvolvimento de novas tecnologias, como ocorre, por exemplo, na meteorologia, j h manifestaes de interesse em que ele seja incorporado pelo setor privado.

    Finalmente, talvez o principal aspecto que explicita um impasse na agricultura brasileira atualmente seja a esquizofrenia decorrente da existncia de dois minis-trios a seu servio. A forte heterogeneidade brasileira, onde coexistem agricultores internacionalmente competitivos e agricultores familiares voltados para mercados locais e/ou para a produo de gneros de subsistncia, foi institucionalizada com a criao do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA), somado ao tradicional Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA). Com isso, o primeiro atende os agricultores familiares e de pequeno porte, enquanto o segundo atende aqueles identificados com o agronegcio. Essa dualidade promove quando no re-flete conflitos de opinies, internamente e externamente, em organismos como a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), visto que os dois ministrios costumam exibir interesses divergentes quanto s polticas agrcolas.

    1.4 ATIVIDADE PRTICA

    Faa um levantamento das polticas pblicas voltadas para a agropecuria (entre as quais as opes de crditos), no se atendo apenas quelas discutidas nesta Unida-de, e identifique as mais adequadas para a realidade da UPA sobre a qual foi realizado o diagnstico para a disciplina DERAD 015. Justifique tais opes.

    1.5 REFERNCIAS

    CARNEIRO, Maria Jos. Agricultores familiares e pluriatividade: tipologias e polti-cas. In: COSTA, Luiz Flvio de Carvalho; MOREIRA, Roberto Jos; BRUNO, Regina (Org.). Mundo rural e tempo presente. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 323-344.

    FRANCO, Ana Maria de Paiva; BAUMANN, Renato. A substituio de importaes no Brasil entre 1995 e 2000. Revista de Economia Poltica, So Paulo, v. 25, n. 3, p. 190-208, jul./set. 2005. Disponvel em: .

    GOODMAN, David; SORJ, Bernardo; WILKINSON, John. Da lavoura s biotecnolo-gias: agricultura e indstria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

    KAGEYAMA, ngela Antnia Vitria et al. O novo padro agrcola brasileiro: do complexo rural aos complexos agroindustriais. In: DELGADO, Guilherme Costa; GASQUES, Jos Garcia; VILLA VERDE, Carlos Monteiro (Org.). Agricultura e polti-cas pblicas. Braslia: IPEA, 1990. p. 113-223.

    LEITE, Srgio Pereira; HEREDIA, Beatriz Maria; MEDEIROS, Leonilde Servolo de; PALMEIRA, Moacir; CINTRO, Rosangela. Impactos dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. So Paulo: Ed. da UNESP, 2004.

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    LEITE, Srgio Pereira; VILA, Rodrigo Vieira de. Reforma agrria e desenvolvimen-to na Amrica Latina: rompendo com o reducionismo das abordagens economi-cistas. RER, Rio de Janeiro, v. 45, n. 3, p. 777-805, jul./set. 2007a. Disponvel em: .

    ______; ______. Um futuro para o campo: reforma agrria e desenvolvimento social. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2007b.

    MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Sem terra, assentados, agricultores fami-liares: consideraes sobre os conflitos sociais e as formas de organizao dos tra-balhadores rurais brasileiros. In: GIARRACA, Norma (Org.). Una nueva ruralidad en America Latina? Buenos Aires: Clacso, 2001.

    ______. Reforma Agrria no Brasil: histria e atualidade da luta pela terra. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2003.

    MEDEIROS, Leonilde Servolo de; LEITE, Srgio Pereira (Org.). Assentamentos rurais, mudana social e dinmica regional. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.

    PALMEIRA, Moacir. Modernizao, Estado e Questo Agrria. Estudos Avanados, So Paulo, USP, v. 3, n. 7, p. 87-108, 1989. Disponvel em: .

    PALMEIRA, Moacir; LEITE, Srgio Pereira. Debates econmicos, processos sociais e lutas polticas. In: COSTA, Luiz Flvio de Carvalho; SANTOS, Raimundo (Ed.). Poltica e Reforma Agrria. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. p. 92-168.

    SCHMIDT, Wilson. O setor macieiro em Santa Catarina: formao e consolidao de um com-plexo agroindustrial. 1990. Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento Agrrio). Institu-to de Cincias Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Itagua.

    SORJ, Bernardo. Estado e classes sociais na agricultura brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

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    UNIDADE 2 A DIVERSIDADE SOCIAL DA AGRICULTURA COMO FORTALEZA

    Valter Lcio de Oliveira6 e ve-Anne Bhler7

    INTRODUO

    Quando se pensa na construo de projetos voltados para UPA, logo se deduz que basta conhecer a realidade da propriedade em questo para se construir um projeto adequado a tal realidade. No entanto, sabemos que uma propriedade no uma ilha: em seu permetro, h propriedades vizinhas onde habitam famlias que gerem das mais variadas formas suas atividades. Neste universo, concretiza-se uma grande diversidade de relaes e interesses, e no levar em conta tal diversidade pode comprometer a eficcia do projeto.

    Alm disso, um profissional habilitado para propor aes por via de projetos deve ser capaz de identificar as particularidades de cada UPA e, sobretudo, de propor aes adequadas a cada uma dessas realidades, de maneira que correspondam aos objetivos dos agricultores e sejam compatveis com a dinmica de funcionamento do estabelecimento agrcola. Portanto, ainda que um projeto para UPA seja cons-trudo para ser aplicado em determinada propriedade, no se estar formando um gestor para atuar em uma nica propriedade. A formao ecltica de um gestor deve habilit-lo a identificar e a compreender as similaridades bem como as caractersticas particulares de cada situao com a qual ele se deparar como profissional.

    Nesse sentido, a presente Unidade prope-se a fornecer elementos para que o estudante possa compreender os diversos fatores que esto atuando na realidade na qual a famlia agricultora est inserida e, a partir desses fatores, construir uma tipo-logia que agrupe as UPAs semelhantes. Dessa forma, estar apto a compreender, de maneira ampla, o ambiente no qual est situada a UPA para a qual ser formulado o projeto e, assim, a potencializar as intervenes previstas.

    O que tambm est em questo compreender que aquela atividade consi-derada fundamentalmente agrcola est relacionada a vrias atividades estabelecidas

    6 Engenheiro Agrnomo Universidade Federal de Lavras, MG; mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR Universidade Federal do Rio Grande do Sul); doutor em Cincias Sociais em Desenvolvi-mento, Agricultura e Sociedade (CPDA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro); Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense.7 Doutora em Estudos Rurais pela cole Nationale Suprieure Agonomique de Toulouse (ENSAT), Unit Mixte de Recherches Dynamiques Rurales; Professora de Geografia na Universit de Paris 8 Vincennes-Saint Denis, Frana.

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    no meio rural. importante perceber que, embora muitas atividades desenvolvidas pelos agricultores no meio rural sejam atividades no-agrcolas, elas interagem com as atividades agrcolas e as influenciam.

    OBJETIVOS

    Os objetivos da Unidade 2 so: oferecer elementos para a construo de uma tipologia das UPAs; compreender as relaes entre as estruturas agrrias locais e o funcionamen-

    to de cada estabelecimento (UPA); e pensar criticamente o processo de modernizao da agricultura.

    2.1 MODERNIZAO OU HOMOGENEIZAO?

    As polticas de desenvolvimento rural adotadas no Brasil assumem um carter, em grande medida, homogeneizante. Mesmo quando se consideram certas especifici-dades como critrios definidores para o aporte de recursos econmicos, como se ve-rifica, por exemplo, no caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), vlido afirmar que h uma inteno padronizante subjacente a tais polticas pblicas (como referido na Unidade anterior). Com relao ao universo rural, considera-se desenvolvido aquele agricultor que incorporou um conjunto de tecnologias e processos produtivos predefinido como moderno. Portanto, estabelece-se um modelo timo de agricultor bem-sucedido, ou seja, desenvolvido, e mede-se a distncia a que dele se encontram os mais diversos perfis de agricultores.

    Como se nota, a noo de desenvolvimento que se foi sedimentando ao longo do tempo e que informa as aes dos mais diversos agentes que ocupam a funo de mediadores e formuladores de polticas e aes voltadas para o meio rural ainda car-rega como principal fundamento a ideologia do progresso (ALMEIDA, 1997). Assim sendo, objetiva-se, com este texto, chamar a ateno para a diversidade de pblicos que pode ser identificada no meio rural e para a diversidade de lgicas a partir das quais os agricultores se pensam a si prprios e a seu entorno e projetam suas expecta-tivas de qualidade de vida. Nesta dinmica, a questo econmica tem sua relevncia, mas no exclusiva e, em muitos casos, nem sequer a mais importante. Quer dizer que mecanizao e aumento da renda nem sempre so objetivos compartilhados por todos. Ou, mesmo que o sejam, que nem sempre so prioritrios em relao a outros objetivos. Podemos imaginar, por exemplo, que uma famlia prefira investir sua ren-da na construo de uma casa para o filho poder seguir morando na propriedade, ou decida investir nos estudos dos filhos. Espera-se, portanto, que os agentes que esto sendo formados para atuar neste meio estejam atentos para no promoverem, a todo custo, um processo de conduo forada em um nico sentido.

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    Como instrumento de auxlio na orientao do olhar sobre a realidade do meio rural e da famlia agricultora, apresenta-se na sequncia uma srie de indicadores para pensar o universo no qual o agricultor est inserido e suas lgicas de ao. Est claro que cada um desses indicadores carrega um alto grau de complexidade e, em certos casos, j foi tema de longos estudos. Mas o que interessa com tal proposio , sobretudo, oferecer algumas lentes com as quais se possa melhor desvendar a realidade sobre a qual determinados agentes esto atuando. No se trata, porm, de algo exaustivo. De acordo com a realidade analisada, outros indicadores podem e devem ser agregados a estes. Na figura abaixo, apresenta-se um esquema bsico de funcionamento de uma UPA, de forma que seja visualizada sua complexidade.

    DINMICA DE FUNCIONAMENTO DE UMA UPA

    Limitaes e possibilidades do meio fsico da UPA

    Grupo familiar

    Objetivos da famlia e do responsvel pela UPA Unidade de

    Produo Agrcola

    Meios de Produo disponveis: Terra Mo de obra Material Capital Etc.

    Compras

    Produo vegetal e animal

    Sistema de Gesto Sistemas tcnicos de produo (vegetal mais animal)

    Processos tcnicos de produo Formas e modalidades de mobilizao de meios de

    produo

    Autoconsumo

    Vendas

    Limitaes e possibilidades relativas s dimenses ambientais, econmicas e socioculturais

    Decises tcnicas

    Decises de gesto

    Figura 1 Esquema representativo do funcionamento de uma UPAAdaptado de: JOUVE, 1994, p. 84.

    2.2 A IMPORTNCIA DAS RELAES SOCIOCULTURAIS

    2.2.1 Relaes familiares e a organizao da UPA

    Um autor que desenvolveu um longo e clssico estudo sobre a famlia campo-nesa foi o russo Alexander Vassilevich Chayanov (1974). Nesse estudo, sua ateno esteve voltada para a importncia da famlia no modo de produo camponesa. O olhar do autor sobre a famlia e o universo camponeses prioritariamente econmi-co, e a famlia vista, em grande medida, como um estoque de fora de trabalho e

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    como uma varivel que permite certo ajustamento em relao ao custo de produo; representa uma mo de obra que, em muitos casos, no recebe salrio predefinido.

    J para Klaas Woortmann (1990), a famlia, como valor de mo de obra, trans-cende essa viso chayanoviana para ser ela prpria um valor: o valor-famlia. Entre uma perspectiva e outra, inserem-se inmeros trabalhos que acusam a centralidade da famlia na dinmica agrcola e rural8. Com base nesta reconhecida importncia, qualquer interveno no meio rural deve buscar compreender os elementos peculiares que tm na famlia seu centro irradiador. Sero apresentados a seguir alguns desses elementos.

    Indicadores

    Histrico familiar Buscar a origem da famlia em tal localidade, como e por que se instalou na regio, quais so as especificidades genealgicas do pai e da me. A partir dessas informaes, pode-se compreender a relao que ela estabeleceu com o territrio e com o patrimnio familiar. Ser possvel perceber que at mesmo as opes produtivas, em certos casos, so definidas pelos costumes histricos da famlia.

    Trocas matrimoniais Observar como os casais eram constitudos nas geraes anteriores e como so constitudos atualmente. H estudos re-alizados em determinadas localidades que demonstram, por exemplo, a ocorrncia de trocas matrimoniais que eram influenciadas pela dinmica de sucesso patrimonial9. importante observar quais dinmicas esto in-fluenciando as trocas matrimoniais atualmente, quais espaos de sociabi-lidade alimentam tais possibilidades, verificar a proporo entre homens e mulheres na comunidade, etc.

    Prticas consuetudinrias de herana Mesmo que haja leis formuladas para regular o processo de herana, existem prticas que subvertem essas leis e seguem uma lgica prpria definida pelos costumes tradicionais. importante perceber qual dos filhos eleito para herdar o patrimnio familiar e que opes so apresentadas ou buscadas pelos demais filhos. Isso pode modificar as estra-tgias dos pais e dos filhos e, portanto, interferir nas proposies do projeto. Notar as diferenas tambm no que se refere ao tratamento de gnero10.

    Papel da mulher e do homem em suas diferentes faixas etrias (crian-a, jovem, adulto, idoso) Observar a diviso de tarefas no que se refere ao gnero e faixa etria. Notar quais tarefas so essencialmente masculinas ou femininas, realizadas por adultos, jovens ou crianas. Estar atento para o

    8 ABRAMOVAY (1998), BHLER (2007), LAMARCHE (1998), NEVES (1995), SCHNEIDER (2003), VEIGA (1995) e WANDERLEY (2003).9 Vide exemplos em BOURDIEU (2002), MOURA (1978) e WOORTMANN; WOORTMANN (1993).10 Ver SILVESTRO et al. (2003).

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    fato de que aquilo que se constri socialmente, como jovem no meio urbano, por exemplo, pode ser tratado como adulto no meio rural. Isso tambm vale para as demais categorias. Orientar, portanto, o olhar conforme o lugar social e profissional das pessoas que estiverem diretamente envolvidas com a com-preenso e a realizao do projeto.

    Amplitude da famlia (pais, filhos, noras, netos...) que habita a mesma propriedade Em muitos casos, a famlia encontrada no a famlia nu-clear que tem seu centro no pai e na me. Pode haver na mesma propriedade e, inclusive, na mesma casa a convivncia de diferentes geraes familiares ou at de parentes mais distantes, como primos, tios, etc. Este aspecto pode de-finir a forma de administrar o patrimnio familiar e de se relacionar com ele.

    2.2.2 Relaes sociais diversas

    O estabelecimento agrcola est imerso em uma dinmica de relaes sociais que pode exercer influncias na forma de se criarem, de se reforarem ou de se limitarem as possibilidades de desenvolvimento de uma UPA. Um mbito bastante propcio a esse tipo de influncia aquele relacionado s inovaes em geral (tc-nicas, tecnolgicas, processuais, organizacionais e outras), pois normalmente nos diversos espaos de sociabilidade que se compartilham as experincias cotidianas.

    Indicadores

    Caractersticas gerais das propriedades dos vizinhos Observar se h diferenas significativas na estrutura patrimonial entre os vizinhos e quais so as opes e os modelos produtivos. Este aspecto importante no sentido de apontar para a diversidade ou a homogeneidade dos formatos produtivos e de dar indicaes a respeito dos elementos que atuam nesse processo.

    Relaes de troca (de servios, mquinas, mutiro, troca de sementes e de produo, etc.) Observar a ocorrncia de prticas que evidenciam re-laes sociais de vizinhana, relaes que podem ter por base certos compo-nentes ou etapas da produo. Aqui, pode evidenciar-se que certas prticas oferecem um retorno econmico, mas tambm que so vias pelas quais se instauram lgicas de reciprocidade importantes na coeso local. Tais lgicas de ao constituem mecanismos invisveis que podem criar uma relao de reciprocidade obrigatria que interfere naquilo que o agricultor faz, produ-zindo, assim, efeitos nos rumos que um projeto pode assumir.

    Formas de lazer e interao (grupos de orao, festas sociais, jogos) O envolvimento com essas formas de sociabilidade integra a dinmica de convvio que se estabelece entre famlias camponesas e importante para se compre-enderem as redes de relaes que se tecem no local. Observando-se tais inte-raes, possvel identificar atores sociais com maior propenso cooperao

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    e atores potencialmente fundamentais para levar adiante projetos que se re-foram a partir do coletivo. Determinadas formas de coeso e de mobilizao social podem constituir um meio de apoio s iniciativas previstas pelo gestor.

    Relaes com citadinos Observar a frequncia com que os vizinhos vo cidade, os lugares que costumam frequentar. Elementos dessa natureza po-dem induzir diferentes olhares sobre o rural e o urbano e sobre seus habitan-tes e, por a, definir diferentes formas de interao social e diferentes formas de conduo do empreendimento agrcola. Um agricultor que habite nesse meio e que se relacione mais frequentemente com as demais pessoas desse meio possivelmente estar mais interessado em desenvolver uma atividade que se beneficie dessa relao.

    2.3 IMPORTNCIA DA QUESTO AMBIENTAL

    A questo ambiental tem ganho relevncia crescente em todos os meios. No meio rural, no diferente. Portanto, o gestor deve incorporar tais preocupaes na proposio e implantao do projeto. importante, nesse sentido, compreender as perspectivas dos agricultores quanto aos elementos que compem esta dimenso ambiental e que aliceram a estruturao da UPA e as atividades ali desenvolvidas.

    Indicadores

    Identificao das reas de preservao ambiental (localizao, por-centagem da rea, etc.) Perceber qual a importncia dada s reas de pre-servao ambiental, tanto em termos discursivos quanto em termos prticos. Notar como a existncia de tal rea interfere na dinmica da propriedade.

    Identificao das prticas relacionadas com a questo ambiental Observar a preocupao com o uso de agrotxicos, a recuperao de reas degradadas, as prticas de produo agropecuria, as opes de consumo, etc. Compreender o posicionamento da famlia quanto s questes ambien-tais pode definir as questes prioritrias a serem pensadas para o projeto.

    Diferenciao na forma de produzir para consumo e para venda Observar a ocorrncia de produo para consumo da famlia e a forma como realizada a produo para a venda. Assim, pode ser construdo um projeto prevendo a importncia de tal diferena e otimizando seu efeitos.

    Preocupao com a organizao espacial das atividades Observar se a propriedade est organizada estruturalmente e produtivamente segundo uma lgica que leva em considerao a organizao espacial do estabeleci-mento nela inserido. O local onde est implantada determinada atividade nem sempre o melhor do ponto de vista tcnico e ambiental, mas pode haver uma lgica justificando tal escolha, fundamentada em elementos inusi-

  • 25

    EAD

    tados, como, por exemplo, as relaes com os vizinhos, a perspectiva estti-ca, a preocupao com a segurana (roubos, por exemplo), o incmodo com barulho ou com mau cheiro, etc.

    Valorizao objetiva e subjetiva da natureza Notar a presena de ndices que identifiquem formas de valorizao da natureza, como o conhe-cimento da diversidade da fauna e da flora locais, ou a atribuio de funes a elementos da natureza, concretizada atravs da coleta de plantas medicinais, do extrativismo, da caa, do uso religioso de elementos, etc.

    LEMBRE-SE

    Alm dos indicadores elencados acima, de uso menos frequente, h aqueles relacionados com a dimenso econmica, que j estamos mais habituados a levar em conta e que sero abor-dados com mais detalhes na Unidade 5, a saber:

    tamanho da propriedade; mo de obra assalariada versus mo de obra familiar; fontes de ingresso agrcola e no-agrcola; formas de insero no mercado; tipos de atividades desenvolvidas na propriedade; formas de agregao de valor; e relao custo x benefcio.

    2.4 EXEMPLO CONCRETO DE APLICAO NA ORIZICULTURA DO RIO GRANDE DO SUL11

    A tipologia apresentada na sequncia foi construda a partir de um trabalho emprico que levou em conta um sistema de indicadores adequado ao mbito da orizicultura sul-rio-grandense. Foram consideradas as relaes sociais, o ambiente e os objetivos perseguidos nos estabelecimentos agrcolas. Trata-se de um exemplo de tipologia que pode inspirar a compreenso de outros tipos de UPAs.

    importante lembrar que a construo de uma tipologia um recurso meto-dolgico de inspirao weberiana, que busca ressaltar determinadas caractersticas de forma que se exponham mais claramente aqueles elementos de maior significn-cia para a compreenso de uma realidade social. Os tipos que so construdos so tipos puros ou ideais, conforme acentuou Weber. Ou seja, por se tratar de uma construo mental do analista, no h, na realidade, uma UPA que se enquadre ex-clusivamente em um tipo. Toda UPA traz em si caractersticas que a aproximam ou a afastam daquilo que se construiu como um tipo ideal. A construo de uma tipologia permite, portanto, que os projetos sejam pensados conforme as caractersticas mais salientes das UPAs em questo.

    No quadro abaixo, so sistematizadas e comparadas as diferenas entre qua-tro tipos de UPAs.

    11 Esta seo est baseada, fundamentalmente, em artigo publicado por BHLER (2008).

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    EAD IndicadoresTipos de UPAs

    FamiliarEmpresarial

    FamiliarEmpresarial Patrimonial

    Investidor

    Objetivos gerais da

    Unidade de Produo

    Reproduo fami-liar, reduo dos riscos, absoro pela famlia das incertezas rela-tivas ao fl uxo de capital e neces-sidade de traba-lho (mediante o autoconsumo e o trabalho familiar), gerao de lucros que permitem famlia satisfazer

    suas necessi-dades bsicas (adaptveis).

    Reproduo familiar, cresci-mento modera-do, aquisio de material mec-nico para aliviar o trabalho fsico. A produo de arroz pratica-da para gerar lucros, para

    aportar fam-lia os ingressos

    necessrios para satisfazer suas necessidades.

    Gerao de lucro e rendimento,

    perpetuao e in-cremento de um patrimnio que se transmita no interior da fam-lia, dominncia pela produo

    em escala.

    Gerao de lu-cros, acumulao fi nanceira que pode apoiar-se

    na tomada de ris-cos, fl exibilidade.

    Funo do chefe da

    Unidade de Produo e de sua fa-

    mlia

    Realiza todas as atividades so-zinho ou com o auxlio de mem-bros da famlia.

    nica Unidade de Produo onde as esposas aju-dam no trabalho

    agrcola.

    Participa no tra-balho do campo,

    mas se ocupa mais da gesto e da comerciali-

    zao.

    Pode trabalhar em colaborao com outro mem-

    bro da famlia (pai, irmo, fi -

    lho...).

    Supervisiona o trabalho no cam-po. Geralmente se ocupa da par-te fi nanceira e

    comercial.

    A Unidade de Produo envol-ve o grupo fa-

    miliar do chefe: esposa, irmo ou fi lhos, s vezes

    primos. Pode en-volver at quatro ou cinco ncleos

    familiares.

    Investe seu capi-tal, s vezes su-pervisiona o tra-balho, intervm na parte comer-cial e na gesto

    estratgica.

    No tem inter-veno familiar.

    Nmero de empregados

    Temporrios, s vezes de 1 a 4 permanentes.

    1 a 10 perma-nentes, tempo-

    rrios.

    Muitos, perma-nentes e tempo-

    rrios.

    Temporrios, s vezes alguns permanentes.

    Atividades do ncleo familiar e

    fonte de in-gressos

    Agropecurias, s vezes por assalariados.

    Este ltimo caso geralmente por-que a cnjuge trabalha fora.

    Agropecurias, comerciais,

    empresariais, profi sses li-

    berais. O chefe da Unidade de

    Produo ou seu cnjuge pode ter vrias ativida-des. Rendas da propriedade.

    Agropecurias, comerciais,

    empresariais, profi ssionais

    liberais. O chefe da Unidade de Produo rara-mente exerce

    outra atividade.

    Agropecurias, comerciais,

    empresariais, profi ssionais

    liberais. O chefe da Unidade de

    Produo geral-mente exerce outras ativida-des. Rendas.

    Continua...

  • 27

    EAD

    Patrimnio agrcola

    Defi ciente a mdio. Se o agri-cultor proprie-trio da terra, na maioria das vezes ela her-dada da famlia.

    Mdio a impor-tante. Se o agri-cultor proprie-trio da terra, na maioria das ve-

    zes ela herdada da famlia.

    Importante. O agricultor sem-pre o proprie-trio da terra, das mquinas

    e da infraestru-tura, em parte herdadas da

    famlia.

    Defi ciente a im-portante (pode ser totalmente arrendatrio por razes de fl exibilidade). Raramente de

    origem familiar.

    Estrutura da Unidade de Produo

    Um estabeleci-mento.

    Um estabeleci-mento, raramen-te mais de um.

    Geralmente vrios estabeleci-mentos. Os mem-

    bros da famlia compartilham a gesto de cada

    um deles, organi-zados ao redor de

    uma sede.

    Um ou vrios es-tabelecimentos.

    Superfcie da Unidade de Produo (arrozeiras e

    outras)

    De 1 a 300 ha. De 50 a 1.000 ha.De 400 a 10.000

    ha.De 50 a 1.500

    ha.

    Adaptado de: BHLER, 2008.

    A seguir, com base nos casos pesquisados, so apresentados alguns agricultores que se enquadram em um ou outro tipo, para demonstrar como o sistema de indica-dores tericos se traduz em perfis reais e como possvel verificar na prtica aquilo que foi formulado teoricamente. Os nomes so fictcios, os perfis so reais.

    Fernando, produtor de arroz do tipo familiar

    Fernando, descendente de colonos alemes, trabalhava no povoado onde nas-ceu, Agudo. Em 1962, responsabilizou-se por uma parte das terras familiares para continuar com a produo de arroz. Tem dois irmos, que foram cultivar arroz em Alegrete. Quando o encontrei em 2002, era proprietrio de 25 ha que havia herdado de seus pais, dos quais 15 ha eram dedicados produo de arroz. Para aumentar a superfcie de cultivo, ele aluga dois ha de sua sobrinha. Para no assumir muitos gastos de consumo domstico, sua famlia cria alguns animais (sunos, frangos e uma vaca) e reserva uma pequena rea para o cultivo de milho, feijo e aipim. Este sistema oferece-lhe a dupla vantagem de no depender unicamente, para o consumo familiar, da conjuntura da produo agrcola e de desfrutar de certa flexibilidade para poder, em anos de crises, especular com os gastos do ncleo familiar.

    Em seu trabalho, Fernando conta com a ajuda permanente de um de seus trs filhos (os demais no se interessam por tal atividade), o que alivia consideravelmente suas tarefas e lhe permite limitar os gastos com salrios agrcolas. Ele necessitaria de ajuda suplementar, particularmente para poder respeitar o calendrio de semeadura e de colheita, mas no conta com os meios necessrios para assegurar a remunerao

    Continuao...

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    de um empregado. Quando as tarefas no so pesadas, sua esposa tambm os ajuda, principalmente durante os perodos de controle das plantas daninhas. Esta uma tarefa que ainda realizada mo, contrariamente aos cultivos de plancie (irriga-dos), onde todas as etapas so mecanizadas. Demasiadamente endividado para ter acesso aos crditos rurais com taxas mais vantajosas, obtm financiamento junto a uma cooperativa de crdito local. Em relao aos insumos, Fernando os adquire na cooperativa arrozeira do municpio, onde tambm entrega a quase totalidade de sua produo, por obrigao e por opo: no passado, tentou vender a intermedirios de outras localidades, mas no prosseguiu com esta modalidade por receio de no receber o valor acordado. Embora em alguns anos ele obtenha bons rendimentos e em outros anos os rendimentos sejam menores, Fernando consegue manter-se na atividade e tem a esperana de que seus filhos retomem a atividade, ainda que um deles sonhe com uma rea de produo de arroz maior e pretenda seguir o caminho traado por seus tios, que partiram para o sudeste do Rio Grande do Sul.

    A propriedade de Fernando uma das menores que encontramos; tambm uma das poucas que produzem alimentos para o consumo familiar. O mais comum ver produtores arrozeiros produzirem arroz e outros produtos com objetivos estrita-mente comerciais, e isso ocorre mais frequentemente em regies de pequenas pro-priedades, como o caso de Agudo. Por dispor de pouco capital, Fernando orienta sua estratgia pela busca de segurana: por um lado, trabalhando com a cooperativa, certifica-se de que sua produo seja bem remunerada; por outro, utilizando os re-cursos familiares, tem maior margem de flexibilidade, tanto para organizar o trabalho quanto para satisfazer as necessidades de consumo familiar.

    Clvis, empresrio familiar

    Filho de produtor arrozeiro e pecuarista, Clvis aprendeu os segredos da pro-duo arrozeira com seu pai. Este ltimo proprietrio da terra e delegou a Clvis a produo de arroz, enquanto ele se ocupa da pecuria. Clvis instalou-se por sua conta em 1984, utilizando, em um primeiro momento, 20 ha de terras familiares. Depois, pouco a pouco, aumentou a superfcie de sua rea, e j cultivava 90 ha em 2002: a metade generosamente emprestada por seu pai, e a outra arrendada de um proprietrio vizinho. Clvis no tem nenhum tipo de infraestrutura de armazena-mento: entrega, em consignao, toda sua produo de arroz cooperativa e a vende na medida de suas necessidades ou perspectivas. O financiamento necessrio para realizar as tarefas agrcolas tambm obtido atravs da cooperativa, uma vez que seu nvel de endividamento o impede de ter acesso a linhas de crditos mais atrativas. Participa bastante na vida civil local, atravs da cooperativa, do Sindicato Rural ou da associao que ele mesmo criou para construir uma represa coletiva. Um emprega-do permanente e um temporrio o ajudam no trabalho de campo. O agrnomo da cooperativa vem s vezes assessor-lo na maneira de conduzir suas parcelas, mas, em geral, ele prefere trabalhar sozinho. Um das aspiraes de Clvis que algum de seus filhos siga seu caminho, com a esperana de que tenha uma vida melhor que a sua. Neste momento, ele gostaria de aumentar um pouco a superfcie semeada e de inves-tir na renovao de seu parque de mquinas, mas sem voltar a endividar-se. Tambm

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    espera diversificar sua produo com soja ou milho, para no ser totalmente depen-dente da produo arrozeira e, assim, poder continuar com a agricultura, como tem feito at o presente, sem operar muitas mudanas na organizao de seu trabalho. O arroz, no entanto, segue sendo sua principal fonte de renda. Vive na cidade vizinha com sua mulher, que administra um bingo.

    Vimos, com Clvis, que a produo de arroz pode ser uma atividade agrcola independente, que no requer produo paralela ou complementar e no exige posse de terra nem infraestrutura. Ao trabalhar por sua conta, utiliza relativamente pouca mo de obra; seus capitais iniciais so familiares (terra de seu pai e capitais prprios).

    Nelson, empresrio patrimonial e lgica de poder

    Nelson o caula de uma famlia que possui 1.500 cabeas de gado e produz arroz em uma rea com status jurdico de sociedade annima. A famlia de Nelson proprietria de 2.700 ha (das quais 300 formam parte de uma reserva de gua) e arrenda mais 2.700 ha de outros proprietrios. A atividade agrcola envolve trs ncleos familiares, todos com domiclios na cidade. Nelson dirige a atividade com seu pai e seu irmo. Considera que suas principais fortalezas residem na escala de produo, que lhes permite reduzir os custos fixos por hectare e negociar melhores contratos de aquisio de insumos e comercializao.

    Quando lhe perguntamos quais eram os projetos que aspirava desenvolver para a empresa, confiou-nos: Devemos buscar ser sempre influentes, em particular na poltica. Esta deve ser levada a cabo como um negcio, e no como uma atividade social, como querem os polticos. Nelson leva risca esta ideia, desempenhando um papel central no sindicato local de produtores de arroz, o qual tem, por seu lado, uma importante influncia poltica no mbito do estado. E agrega: O papel das or-ganizaes relacionadas com os setores produtivos ir a Braslia e tentar convencer o governo a fazer isto ou aquilo. A famlia assenta sua estratgia no poder que obtm graas ao peso que lhe confere, localmente, a superfcie do estabelecimento agrcola e a posse da terra e graas sua participao ativa no lobbying local.

    Rodrigo, assalariado de sua prpria sociedade, tipo investidor

    Com um diploma de engenheiro agrnomo no bolso, Rodrigo comeou a tra-balhar na produo de arroz para um produtor local, mas logo partiu para Santa Ca-tarina, para voltar posteriormente ao Rio Grande do Sul. A atividade olercola, que at aquele momento desenvolvia, faliu, e ento ele se dirigiu novamente produo arrozeira. Em 1991, decidiu criar uma sociedade de produo agrcola com dois as-sociados: estes ofereceram o capital, enquanto Rodrigo proporcionava seus conheci-mentos agronmicos e seu trabalho. Empregado por sua prpria sociedade, passou a administr-la: supervisionava as decises cotidianas e todas as decises tcnicas rela-cionadas com a gesto dos arrozais. A primeira empresa deu bons resultados, e os trs formaram uma segunda empresa, igualmente dedicada produo de arroz. Os lucros de Rodrigo provm exclusivamente de seu salrio e de sua participao nos resultados das empresas. Sua mulher professora, e ambos vivem na cidade, em Pelotas.

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    Rodrigo e seus associados cultivam, respectivamente, 330 e 610 ha de arroz nos dois estabelecimentos. Para a atividade arrozeira, as empresas empregam, no total, seis assalariados permanentes, aos quais se somam sete temporrios. Em 2002, comeou uma produo de soja em 300 ha. Todas as terras cultivadas assim como as reservas de gua so exploradas em regime de arrendamento. As empresas buscam financiamen-tos bancrios para cada estabelecimento e, s vezes, compram parte de seus insumos a crdito. Comercializam sua produo com indstrias locais e com alguns interme-dirios. A contabilidade de cada uma das sociedades totalmente independente, mas elas funcionam complementarmente. Em um dos estabelecimentos, Rodrigo e seus associados dispem de uma secadora e de silos de armazenamento, infraestrutura que alugam por um preo irrisrio segunda sociedade. As mquinas agrcolas tambm podem ser utilizadas da mesma forma, passando, de acordo com a necessidade, de uma empresa outra. A palavra da moda em gesto da empresa , segundo seu admi-nistrador, a reduo de custos, mas procurando manter um elevado rendimento. Todas as operaes e aquisies se orientam para este objetivo, e a contabilidade controla-da rigorosamente. Dessa maneira, todo o maquinrio que Rodrigo e seus associados utilizam de sua propriedade. Preferem comprar modelos velhos, mas baratos, cuja manuteno regular permite limitar os custos de reparao. Rodrigo explica assim sua estratgia de gesto de custos: No necessitamos de mquina nova [...]. Se inventam uma mquina nova, e se tens dinheiro, no por isso que vais e compras. Antes, havia outra mentalidade... Por exemplo, os veculos: antes, sempre tnhamos novos. Agora no, o veculo no sai da empresa at que comea a nos custar caro. Est claro para ns que a mentalidade mudou radicalmente. Sempre nesta perspectiva, os empregados so sensibilizados para a gesto de custos, em particular para no desperdiarem os in-sumos. Recebem incentivos, mas tambm sanes, para melhorarem suas prticas. Tal poltica permitiu reduzir em 70% os custos de manuteno em trs anos.

    Cada uma das empresas est inteiramente orientada para a busca de lucros. Ra-cionaliza-se cada ao e cada gasto que se faz, e os trs associados conceberam suas em-presas como um investimento destinado a proporcionar-lhes grandes margens de lucro.

    CONCLUSO

    Como se pode constatar, h uma grande quantidade de elementos que confor-mam o universo no qual o agricultor est inserido. Quando se negligenciam tais ele-mentos, adotando como pressuposto fundamental o de que basta promover a trans-misso de tecnologias e um aumento imediato na renda desses agricultores para que estes vejam sua qualidade de vida melhorar, pode-se estar incorrendo em um duplo erro. Por um lado, estes elementos (tecnologia e incremento na renda) podem no significar melhoria no bem-estar dessas famlias; alis, podem at mesmo produzir sua falncia tanto econmica quanto sociocultural e ambiental. Por outro lado, pode o agente promotor estar assumindo o papel de aplainador social. Ou seja, ele pode estar se investindo da autoridade que o ttulo lhe confere para decretar quais tipos sociais de agricultura devem sobreviver e quais devem ser eliminados.

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    A propsito do universo social no qual o agricultor est inserido, parece opor-tuno fazer uma comparao com o meio biolgico. A fortaleza e o equilbrio desse meio so proporcionais sua diversidade. Sempre que atacamos um inseto conside-rado como uma praga para determinada cultura, ocorre a proliferao explosiva de outros tipos de insetos e animais. Podemos no identificar imediatamente os impac-tos de tal ao, mas, com o passar do tempo, veremos aumentarem os desequilbrios e a dificuldade para control-los artificialmente. Muitas evidncias a esse respeito j foram comprovadas, e todos ns conhecemos exemplos dessas transformaes. Es-pecialmente entre os agricultores, historicamente habituados ao convvio direto com a natureza, so recorrentes os comentrios sobre o desaparecimento de aves, peixes, insetos, plantas... No plano social, h muito tempo tambm que estamos em contato com exemplos cotidianos do desaparecimento de certos perfis de agricultores.

    Importa, portanto, estarmos conscientes de que somos constantemente subme-tidos a um processo discursivo microcapilar que invade nosso ser e nos faz aceitar certas construes sociais como naturalmente dadas. No natural que o modelo ins-pirador do bom agricultor deva ser aquele que ostente sua aquisio tecnolgica de ltima gerao e seus altos ndices produtivos. Tambm no natural que grupos indgenas sejam associados ao atraso, ao primitivo, ao ineficiente e, portanto, que es-tejam fatalmente fadados ao desaparecimento. Toda construo de verdades como estas nos atinge cotidianamente desde que nascemos. Muitas delas recebem a chancela de verdades cientificamente comprovadas, e todos os holofotes se voltam para elas, revestindo-as com uma armadura contra qualquer questionamento. Mas nosso papel, como profissionais da rea, colocar todas essas verdades no tribunal da dvida radical, utilizar nossa prpria razo e valorizar outras razes contra essa razo homogeneizante.

    Sobretudo, no podemos contribuir para a destruio da diversidade social que vem sendo fortemente minada por certas lgicas h muito tempo dominantes. A nica maneira de evitar desempenhar tal papel manter-se aberto para ver o outro como lugar de inmeras possibilidades. Possibilidades, muitas das quais jamais foram consideradas em nosso prprio universo e a partir de nossos prprios conceitos.

    2.5 ATIVIDADE PRTICA

    (1) Baseado nas experincias pessoais, no texto desta unidade e no aprendizado de outras disciplinas do curso elabore uma tipologia do perfil de agricultores encontrados na regio onde est localizada a UPA sobre a qual o estudante realizar as demais atividades dessa disciplina.

    (2) Relacione os tipos identificados na tarefa anterior com as linhas de crdito disponveis para a agricultura na regio e, a partir de uma avaliao crtica, analise a adequao ou inadequao dessas linhas de crditos diversidade regional da agricultura. Recomenda-se aos estudantes (com o apoio institucional de cada plo) a organizao de palestras com representantes dos bancos locais (ou outra instituio que trabalhe com finan-ciamento de projetos) para conhecerem suas formas de funcionamento e observarem como tratada por tais instituies a diversidade social da agricultura.

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    2.6 REFERNCIAS

    ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrrio em questo. 2. ed. So Paulo: Hucitec; Campinas: Ed. da UNICAMP, 1998.

    ALMEIDA, Jalcione. Da ideologia do progresso ideia de desenvolvimento (rural) sustentvel. In: ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO, Zander. Reconstruindo a agricultu-ra: ideias e ideais na perspectiva do desenvolvimento rural sustentvel. 3. ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2009. p. 33-55.

    BOURDIEU, Pierre. Le bal des clibataires: la crise de la socit paysanne en Barn. Paris: Seuil, 2002.

    BHLER, ve-Anne. Formas de produccin agrcola en Rio Grande do Sul: pro-puesta de criterios mltiples de caracterizacin y aplicacin a la actividad arrocera. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 29, n. 2, p. 409-444, 2008.

    CHAYANOV, Alexander Vassilevich. La organizacin de la unidad econmica campesina. Buenos Aires: Nueva Visin, 1974 [1925].

    JOUVE, Philippe. Le diagnostic. In: MERCOIRET, Marie-Rose (Coord.) Lappui aux producteurs ruraux: guide lusage des agents de dveloppement et des responsables de groupements. Paris: Karthala, Ministre de la Coopration, 1994. p. 57-98.

    LAMARCHE, Hugues (Coord.). Agricultura familiar: comparao internacional do mito realidade. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1998. v. 2.

    MOURA, Margarida Maria. Os herdeiros da terra: parentesco e herana numa rea rural. So Paulo: Hucitec, 1978.

    NEVES, Delma Pessanha. Agricultura familiar: questes metodolgicas. Revista da As-sociao Brasileira de Reforma Agrria, Campinas, v. 25, n. 2/3, p. 21-36, maio/dez. 1995.

    SCHNEIDER, Sergio. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003.

    SILVESTRO, Milton Luiz; MELLO, Mrcio Antonio de; ABRAMOVAY, Ricardo; DORI-GON, Clovis; FERRARI, Dilvan Luiz; TESTA, Vilson Marcos. Sucesso hereditria e re-produo social da agricultura familiar. Agricultura em So Paulo, v. 50, n. 1, p. 11-24, 2003. Disponvel em: .

    VEIGA, Jos Eli da. Delimitando a agricultura familiar. Revista da Associao Brasileira de Reforma Agrria, Campinas, v. 25, n. 2/3, p. 128-141, maio/dez. 1995.

    WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Estudos, Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 21, p. 42-61, out. 2003.

    WOORTMANN, Klaas Axel Anton Wessel. Com parente no se neguceia: o cam-pesinato como ordem moral. Anurio Antropolgico 87, Rio de Janeiro, Tempo Brasi-leiro, p. 11-73, 1990.

    WOORTMANN, Ellen Fensterseifer; WOORTMANN, Klaas Axel Anton Wessel. Fuga a trs vozes. Anurio Antropolgico 91, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, p. 89-137, 1993.

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    UNIDADE 3 ASPECTOS GERAIS DE PROJETOS AGROPECURIOS

    Valter Lcio de Oliveira12

    INTRODUO

    Nesta Unidade, trabalharemos as caractersticas distintivas de projetos vol-tados para a agropecuria. O fundamental compreender este ou aquele projeto, confrontando-o com outros tipos de projetos e apontando seus diferentes enfoques e usos. Procuramos, com isso, fornecer elementos para que o estudante possa cons-truir projetos para a agropecuria, sabendo distingui-los de outros tipos de projetos e considerando os custos envolvidos em sua elaborao. Espera-se tambm que ele esteja preparado para se posicionar como avaliador desse tipo de projeto.

    OBJETIVOS

    Os objetivos da Unidade 3 so: definir projetos agropecurios, seus usos e enfoques; oferecer orientaes para a avaliao de projetos; e avaliar os custos envolvidos na elaborao de projetos.

    3.1 PROJETOS: USOS E ENFOQUES

    Toda atividade econmica busca encontrar um ponto de equilbrio entre os custos relativos oferta de determinado produto ou servio e o rendimento que dele se poder auferir. Em muitos setores, a forma de encontrar esse ponto ideal regida por parmetros bem definidos e estveis. Quanto atividade agrcola, muito se fez visando torn-la estvel, como a atividade industrial em uma fbrica. Quantas tecnologias foram geradas, quantos investimentos foram feitos para sofisticar o processo administrativo, quantos cursos foram ministrados para capacitar os agricul-tores e trabalhadores rurais, etc. No entanto, a agropecuria se mantm como uma atividade submetida, mais que qualquer outra, aos condicionantes naturais e sociais.

    12 Engenheiro Agrnomo Universidade Federal de Lavras, MG; mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR Universidade Federal do Rio Grande do Sul); doutor em Cincias Sociais em Desenvolvi-mento, Agricultura e Sociedade (CPDA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro); Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense.

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    Alm disso, trata-se de uma atividade estratgica para a sociedade, tanto como fonte de divisas quanto como fonte de alimentao e matria-prima. Outras funes tam-bm vm sendo atribudas agricultura, como aquelas relacionadas ao turismo e proteo ambiental. Nesse sentido, ao se pensarem aes para este setor, o desafio justamente estar atento para considerar, por um lado, os impactos que tais aes pro-duziro sobre a dinmica econmica, social e ambiental local e, por outro, os fatores dessa dinmica que podem interferir nas aes propostas. Portanto, para diminuir os riscos e as incertezas, fundamental realizar um bom planejamento.

    De forma geral, o projeto insere-se em um processo de planejamento. Plane-jar buscar, idealmente, trazer o futuro para o presente, levando em conta, dentro do possvel, os diversos elementos que atuam e interferem na realidade na qual se pretende intervir. O projeto a parte mais elementar do planejamento, quando se abordam os detalhes da ao e tudo o que nela est envolvido. A partir de um planejamento, pode-se concluir pela necessidade da proposio de vrios projetos com diferentes enfoques, que viriam, dessa forma, a constituir um plano amplo de ao. Para se poder compreender melhor as necessidades de uma UPA e organizar o planejamento, ser til responder previamente a algumas questes objetivas: O qu? Para qu? Com qu? Para quem? Quando? Onde? Como? Quanto?

    Antes de empreender qualquer atividade, , pois, importante que se conhea a realidade na qual se ir intervir. Isso aponta para a necessidade da realizao de um bom diagnstico da UPA, de maneira que o planejamento e as proposies sejam coerentes com a realidade da propriedade e da famlia agricultora. Fazer uma boa fotografia da realidade e conhecer as expectativas das pessoas que ali vivem so premissas fundamentais para a confeco e a implementao adequada de projetos.

    Mais do que em outro momento histrico, muitas das atividades (econmicas, sociais, ambientais) contemporneas esto aliceradas em projetos. Antes de avanar sobre as especificidades de um projeto para UPA, cabe lembrar que existe uma di-versidade de tipos de projetos pensados de acordo com diferentes finalidades. Assim sendo, e uma vez que muitas organizaes da sociedade civil passam a disputar recursos (pblicos ou privados) para conduzir aes nos mais variados meios, com-preender e incorporar as especificidades das diferentes linguagens de projetos so quesitos diferenciadores do profissional formado atualmente13.

    Ser necessrio, portanto, conforme se ensina em vrias disciplinas deste cur-so, caracterizar diferentes tipos de projetos que no podem ser confundidos entre si: projetos cientficos, ou de pesquisa (ver Mtodos de Pesquisa DERAD 005), projetos de desenvolvimento rural (ver Planejamento e Gesto de Projetos para o Desenvolvimento Rural DERAD 013) e projetos tcnicos (ver Elaborao e Avaliao de Projetos para a Agricultura DERAD 017). Em sntese, esses trs tipos de projetos possuem as seguintes especificidades:

    13 Detalhes sobre essas especificidades j foram abordados no material didtico da disciplina Plane-jamento e Gesto de Projetos para o Desenvolvimento Rural DERAD 013.

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    projeto de pesquisa: visa produo de conhecimentos a partir de recor-tes terico-metodolgicos determinados pelas diversas reas cientficas;

    projeto de desenvolvimento rural: seu objetivo propor uma interven-o em determinada realidade rural, buscando melhorar a qualidade de vida das famlias da regio;

    projeto agropecurio (tcnico): tem carter mais tcnico e prtico e est voltado para a Unidade de Produo Agrcola.

    Os projetos tcnicos compreendem, alm dos projetos agropecurios, os pro-jetos industriais e os projetos de servios. Mas, especificamente, com relao aos projetos que nos interessam, aqueles voltados para a agropecuria, sua construo deve levar em conta uma srie de fatores particulares para este setor. Deve-se ter presente, antes de mais nada, que as pessoas responsveis pela administrao de uma UPA se defrontam com a necessidade de tomar decises que exigem conhecimentos de diferentes reas. Conforme Noronha (1987, p. 25), podem-se citar ao menos cinco reas diferentes e inter-relacionadas de tomada de deciso, a saber: investi-mento, produo, comercializao, finanas e consumo. Ainda que sejam raras as UPAs que buscam apoio tcnico para assessorar as tomadas de deciso nessas reas, constata-se que, nas reas de produo e comercializao, esse apoio relativamen-te frequente. Nas demais reas, aquelas relacionadas a investimento, administrao financeira e consumo, a conduo aparenta ser mais espontnea, sem maior ateno a seus efeitos no desenvolvimento conjunto da UPA. No entanto, em muitos casos, h lgicas de conduo dessas reas que no esto teoricamente sistematizadas, mas podem estar seguindo um tipo de conhecimento prtico que deve ser interpretado.

    Em grandes linhas, um projeto deve ser compreendido a partir de sua con-cepo e de seu enfoque. Com base em Silva Jr. [s. d.], salientamos ao menos cinco enfoques diferentes: (1) Implantao; (2) Ampliao ou Expanso; (3) Adaptao/Modernizao; (4) Diversificao; (5) Manuteno.(1) Implantao: projetos com este enfoque so pensados para iniciar deter-

    minadas atividades em uma propriedade sem nenhum investimento prvio, ou para transformar completamente a propriedade ou parte dela. Neste tipo de projeto, necessrio, primeiramente, compreender quais so as maiores aptides do local, buscando propor algo que apresente um diferencial com potencial para agregar valor atividade.

    (2) Ampliao ou Expanso: a partir das atividades j em desenvolvimento, podem-se propor projetos para ampliar o que o proprietrio j possui, mas que no estava sendo totalmente utilizado. Podem-se tambm incorporar no-vas reas, criando as condies para sua expanso.

    (3) Adaptao/Modernizao: o caso quando o projeto proposto tem como principal meta transformar a matriz tecnolgica e processual da UPA. Note-se que modernizar no apenas adquirir uma tecnologia de ltima gerao. re-lativamente comum encontrar tecnologia extremamente dispendiosa, mas su-

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    butilizada ou inadequada para certos perfis de propriedades. Tecnologias sim-ples, ou mesmo alteraes no processo de produo, podem ser o ideal para adaptar a propriedade s novas exigncias impostas pela realidade (econmica, ambiental, social...). Portanto, modernizar no sinnimo de homogeneizar. Para uma ao responsvel, deve-se refletir sobre as situaes encontradas a partir da diversidade e da heterogeneidade. Nem sempre um equipamento de trao animal, por exemplo, ser sinnimo de atraso e de tecnologia obsoleta; ou, ao contrrio, um trator de grande potncia, sinnimo de moderno. O fun-damental compreender todas essas opes de modernizao e adaptao com base na realidade em que ocorrer a interveno.

    (4) Diversificao: a meta, neste caso, ampliar o leque de possibilidades pro-dutivas dentro de uma UPA. Diversificar a produo pode constituir a meta de um projeto que vise a diminuir a margem de risco presente quando se investe em uma nica opo produtiva. Representa tambm uma soluo que traz be-nefcios do ponto de vista ambiental.

    (5) Manuteno: algumas UPAs enfrentam dificuldades para manter uma estru-tura produtiva e um certo nvel em termos de produtividade e de qualidade de vida. Neste caso, requer-se a elaborao de projetos que proponham aes para manter ou recuperar sua capacidade produtiva e seu bem-estar.Os cinco enfoques supramencionados podem ser pensados de forma conjugada:

    possvel que em um nico projeto se elaborem metas para mais de um desses enfoques.Alm do enfoque do projeto, faz-se necessrio decidir qual ser sua utilizao.

    Um projeto pode estar voltado para determinar a viabilidade de certas proposies, mas pode constituir um projeto final, ou seja, j com a definio da viabilidade de certas aes a serem conduzidas. Tambm e o caso mais comum pode um pro-jeto ser construdo visando obter algum tipo de financiamento.

    Em certa medida, esses usos vm na sequncia um do outro. Quando se realiza uma anlise da viabilidade de determinadas aes, est se projetando uma perspec-tiva final e, em inmeros casos, buscando captar recursos para sua implementao. Mas, mesmo que se verifique, atravs de um projeto de viabilidade, que as aes pro-postas so viveis do ponto de vista econmico, elas podero no o ser do ponto de vista ambiental e social. Podero tambm no despertar o interesse do proprietrio ou da famlia agricultora, devido a diversos fatores, com