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Andréia Pereira de Sousa TRANSTORNOS ALIMENTARES São Paulo 2007

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Andréia Pereira de Sousa

TRANSTORNOS ALIMENTARES

São Paulo

2007

Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas

Andréia Pereira de Sousa

TRANSTORNOS ALIMENTARES

Trabalho apresentado à Disciplina Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Farmácia/FMU, sob orientação da Especialista Jaqueline Suriane Florêncio.

São Paulo

2007

Dedico este estudo aos meus pais

Nelson e Dirce por serem um

referencial de vida que pretendo

sempre me espelhar. Amo vocês...

Ao meu irmão André, por todo o

carinho que temos um pelo outro.

A minha sobrinha Nathaly por todas

as vezes que não pudemos brincar,

a titia estava muito ocupada

tentando ser alguém melhor.

Ao meu namorado Marcelo, por ser

uma pessoa muito especial, que me

acompanhou nestes quatro anos de

luta. Adoro você...

Quero dedicar ainda este estudo as

minhas amigas Luciana, Maria e

Débora, porque muito mais que

amigas, ao longo desse tempo,

descobri que a vida é preta e branca

sem vocês...

Agradeço primeiramente a Deus por

ter me permitido chegar até aqui.

A Especialista Jaqueline Suriane

Florêncio por todo carinho e

dedicação com que me orientou,

sem seu apoio este momento não

seria possível.

As professoras Angelita e Carmen,

por fazer parte da banca

examinadora e ter me auxilado

durante o curso.

RESUMO

Os transtornos alimentares são entendidos como síndromes comportamentais cujos

critérios diagnósticos têm sido amplamente estudados nos últimos anos. Dentre os

transtornos alimentares encontram-se Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa e o

Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica. A Anorexia Nervosa é caracterizada

por uma recusa alimentar, quanto a bulimia não visa apenas saciar uma fome

exagerada, mas atende a uma série de estados emocionais ou situações

estressantes. Encontra-se também dentre as alterações do comportamento alimentar

o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica, cuja descrição desta síndrome

surgiu pela necessidade de se discriminar indivíduos obesos com compulsão

daqueles sem compulsão alimentar e dos bulímicos. Esta pesquisa mostra um

estudo sobre os transtornos alimentares, destacando-se a Anorexia Nervosa,

Bulimia Nervosa e o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica, assim como o

tratamento farmacológico adequado para tais transtornos.

LISTA DE ABREVIAÇÕES

AN - Anorexia Nervosa

BN - Bulimia Nervosa

CID - Código Internacional de Doenças

DSM - Diagnóstico das Doenças Mentais

ECA - Episódios de Compulsão Alimentar

ECR - Ensaios Clínicos Randomizados

SNC - Sistema Nervoso Central

TA - Transtornos Alimentares

TCAP - Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Critérios diagnósticos para AN segundo o DSM-IV E A CID 10 15

Quadro 2: Critérios diagnósticos para BN segundo o DSM-IV E A CID 10 ..............20

Quadro 3: Tratamento farmacológico dos Transtornos Alimentares ........................39

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Paciente em período anterior a AN ...........................................................13

Figura 2: Paciente com quadro de AN .....................................................................14

Figura 3: Paciente com BN apresentando sobrepeso ..............................................17

Figura 4: BN fáceis de lua cheia...............................................................................18

Figura 5: Paciente com BN com contratura dos músculos do platisma e hipertrofia

das glândulas parótidas, devido ao esforço feito pelos vômitos provocados e pelo

contato com o suco gástrico contido nele .................................................................18

Figura 6: Paciente de 19 anos antes de desenvolver TCAP ...................................22

Figura 7: Paciente evoluindo para o quadro de TCAP .............................................22

Figura 8: Sintomas comuns entre Anorexia e Bulimia .............................................28

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Estudos controlados para Anorexia Nervosa ............................................43

Tabela 2: Estudos controlados comparando medicamentos com placebo no

tratamento da Bulimia Nervosa .................................................................................46

Tabela 3: Estudos controlados para Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica ...

..................................................................................................................................48

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10

1. TRANSTORNOS ALIMENTARES.........................................................................12

1.1. Anorexia Nervosa...........................................................................................12

1.1.1.Critérios Diagnósticos.............................................................................14

1.2. Bulimia Nervosa .............................................................................................16

1.2.1. Critérios Diagnósticos.............................................................................19

1.3. Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica................................................21

1.3.1. Critérios Diagnósticos.............................................................................23

2. RELAÇÃO SOCIAL E EMOCIONAL DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES......26

2.1. Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa.............................................................26

2.1.1. Modelo Cognitivo..................................................................................29

2.1.2. Anorexia Nervosa Aspectos Psicológicos ............................................30

2.1.3. Bulimia Nervosa Aspectos Psicológicos...............................................32

2.2. Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica ..............................................34

2.2.1. A Síndrome do Comer Noturno ............................................................37

3. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES......39

3.1. Anorexia Nervosa...........................................................................................41

3.2. Bulimia Nervosa .............................................................................................43

3.3. Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica ..............................................47

CONCLUSÃO............................................................................................................49

REFERÊNCIAS.........................................................................................................50

INTRODUÇÃO

Para compreender os transtornos alimentares, é necessário entender que,

para o ser humano, o alimento apesar de ser fonte de energia e nutrientes,

apresenta uma importante relação emocional e social, se tornado o responsável

direto pelo equilíbrio físico e mental, preservando ou restabelecendo a saúde

(BUSSE, 2004).

Os transtornos alimentares são entendidos como síndromes

comportamentais cujos critérios diagnósticos têm sido amplamente estudados nos

últimos anos. São descritos como transtornos e não como doenças por ainda não se

conhecer bem sua etiopatogenia (CORDÁS, 2004).

Dentre os transtornos alimentares, encontram-se a Anorexia Nervosa (AN),

Bulimia Nervosa e o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica. Tais quadros

são considerados atípicos e representam manifestações mais leves ou incompletas,

muito mais freqüentes que as síndromes completas, porém, com risco de evoluírem

para as mesmas (BUSSE, 2004).

A Anorexia Nervosa é caracterizada por uma recusa alimentar. Chegou ao

final do século XX, após diversas concepções, como síndrome específica com

características clínicas distintas (CORDÁS; CLAUDINO, 2002).

A Bulimia Nervosa refere-se à ingestão de uma quantidade exagerada de

alimentos, comportamento que pode ocorrer eventualmente em indivíduos normais e

está descrito na Anorexia Nervosa desde o século VII. Em pacientes com

transtornos alimentares, a mesma não visa apenas saciar uma fome exagerada, mas

atende a uma série de estados emocionais ou situações estressantes

(BACALTCHUK; HAY, 1999).

Dentre as alterações do comportamento alimentar, destaca-se também o

Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica. A descrição desta síndrome surgiu

pela necessidade de se discriminar indivíduos obesos com compulsão daqueles sem

compulsão alimentar e dos bulímicos. Portanto, os transtornos alimentares são todos

aqueles que se caracterizam por apresentar alterações graves na conduta alimentar

(APPOLINARIO; BACALTCHUK, 2002). O objetivo principal desta pesquisa será fazer um estudo sobre os transtornos

alimentares, destacando-se a Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa e o Transtorno de

Compulsão Alimentar Periódica, onde através da literatura existente, bem como,

pesquisas em artigos científicos, tentará se buscar uma resposta ao que leva a tais

transtornos e quais os tratamentos farmacológicos disponíveis para tal.

1. TRANSTORNOS ALIMENTARES 1.1. Anorexia Nervosa

A palavra anorexia origina-se do grego (ann = sem; orexis = desejo ou

apetite), ou seja, designa inapetência. A Anorexia Nervosa (AN) é um Transtorno

Alimentar (TA) caracterizado por uma rígida e insuficiente dieta alimentar

(caracterizando em baixo peso corporal) e estresse físico. A AN é um transtorno

complexo, envolvendo componentes psicológicos, fisiológicos e sociológicos. Uma

pessoa com AN é chamada de anoréxica e pode ser também bulímica (BUSSE;

SILVA, 2004).

A AN tem início freqüentemente em razão de uma insatisfação, muitas vezes

injustificado, com o peso e a imagem corporal, podendo provocar problemas

psiquiátricos graves. Devido à distorção da imagem corporal, a pessoa com AN tem

como meta emagrecer, temendo não apenas ser gordo, mudando os tipos de

alimentos da dieta, eliminando aqueles que julgam mais calóricos, e passando a

praticar exercícios físicos, jejuar e utilizar laxantes e diuréticos de forma mais intensa

(CORDÁS, 2004).

Diversos fatores favorecem o aparecimento do transtorno: predisposição

genética, o conceito atual de moda que determina a magreza absoluta como símbolo

de beleza e elegância, a pressão da família e do grupo social e a existência de

alterações neuroquímicas cerebrais, especialmente nas concentrações de

serotonina e noradrenalina (GIORDANI, 2006).

A AN é um TA que se manifesta com maior freqüência em mulheres, com

início na puberdade. O termo AN é incorreto, pois se presume que o paciente tenha

uma falta de apetite e, exceto nos estágios mais avançados de inanição, existe um

rígido controle sobre a fome que por vezes é descrita como monstruosa (CORDÁS;

CLAUDINO, 2002).

Inicialmente, a restrição alimentar se dá em relação a alimentos ricos em

carboidratos e lipídios. Os exercícios físicos extenuantes são comuns e cessam

somente quando há uma impossibilidade concreta em realiza-los. Alguns pacientes

se limitam a restringir, apresentando características obsessivas compulsivas, outros

lançam mão de uso de laxantes, diuréticos, anorexígenos e vômitos para

compensarem episódio de compulsão alimentar, ou mesmo na ausência de

compulsão, apenas para controlar o peso, denotando comportamento impulsivo

(BUSSE, 2004).

O que norteia essas pacientes é o medo intenso e inexplicável de engordar,

mesmo em se tratando de mulheres extremamente emagrecidas ou caquéticas que

quando questionadas sobre seu regime, procuram dissimular, não assumindo que

realmente o estão fazendo. Quando lhes são ofertados alimentos, elas não os

recusam, porém escondem-nos, como se tivesse comido, na fronha dos

travesseiros, embaixo da cama (BUSSE; SILVA, 2004).

As fotos a seguir descrevem a paciente em período anterior e após o quadro

de AN.

Figura 1: Paciente em período anterior a AN (BUSSE; SILVA, 2004).

Figura 2: Paciente com quadro de AN (BUSSE; SILVA, 2004).

1.1.1. Critérios Diagnósticos

Os parâmetros relativos à porcentagem de peso que se traduziram em critério

para diagnóstico de AN eram empíricos, cada serviço ou autor conferia valores

arbitrários, que variavam entre 15 a 30% do peso corporal esperado para faixa etária

do paciente em questão (GIORDANI, 2006).

Para padronizar o diagnóstico da AN tem se utilizado o critério segundo o

DSM-IV - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais e a CID-10

- Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com

a Saúde (CLAUDINO; BORGES, 2002).

A seguir o quadro 1, apresenta uma comparação entre os critérios de

diagnósticos segundo o DSM - IV e CID - 10.

DSM - IV CID - 10

1. Recusa em manter o peso dentro ou acima do mínimo normal adequado à idade e à altura; por exemplo, perda de peso, levando à manutenção do peso corporal abaixo de 85% do esperado, ou fracasso em ter o peso esperado durante o período de crescimento, levando a um peso corporal menor que 85% do esperado. 2. Medo intenso do ganho de peso ou de se tornar gordo, mesmo com peso inferior. 3. Perturbação no modo de vivenciar o peso, tamanho ou forma corporais; excessiva influência do peso ou forma corporais na maneira de se auto-avaliar; negação da gravidade do baixo peso. 4. No que diz respeito especificamente às mulheres, a ausência de pelo menos três ciclos menstruais consecutivos, quando é esperado ocorrer o contrário (amenorréia primária ou secundária). Considera-se que uma mulher tem amenorréia se os seus períodos menstruais ocorrem somente após o uso de hormônios; por exemplo, estrógeno administrado. Tipo: - Restritivo: não há episódio de comer compulsivamente ou prática purgativa (vômito auto-induzido, uso de laxantes, diuréticos, enemas).

- Purgativos: existe episódio de comer compulsivamente e/ou purgação.

a) Há perda de peso ou, em crianças, falta de ganho de peso, e peso corporal é mantido em pelo menos 15% abaixo do esperado. b) A perda de peso é auto-induzida pela evitação de alimentos que engordam. c) Há uma distorção na imagem corporal na forma de uma psicopatologia específica de um pavor de engordar. d) Um transtorno endócrino generalizado envolvendo o eixo hipotalâmico-hipofisário-gonodal é manifestado em mulheres como amenorréia e em homens como uma perda de interesse e potência sexuais (uma exceção aparente é a persistência de sangramento vaginais em mulheres anoréxicas que estão recebendo terapia de reposição hormonal, mais comumente tomada como uma pílula contraceptiva).

Comentários: Se o início é pré-puberal, a seqüência de eventos da puberdade é demorada ou mesmo detida (o crescimento cessa; nas garotas, as mamas não se desenvolvem e há uma amenorréia primária; nos garotos, os genitais permanecem juvenis). Com a recuperação, a puberdade é com freqüência completada normalmente, porém, a menarca é tardia; os seguintes aspectos corroboram o diagnóstico, mas não são elementos essenciais: vômitos auto-induzidos, purgação auto-induzida, exercício excessivo e uso de anorexígenos e/ou diuréticos.

Quadro 1: Critérios diagnósticos para AN segundo o DSM - IV e a CID – 10

(CORDÁS, 2004).

Muito embora não seja plenamente esclarecida, parece que os fatores

psicológicos e socioculturais têm pesos preponderantes na AN, foram pesquisadas

populações de estudantes, de seis a 21 anos, relataram haver em quaisquer das

idades assinaladas preocupações quanto ao peso e medo de engordar,

prevalecendo o conceito de beleza de um corpo mais esguio, em consonância com

os dados apresentados no tocante ao aumento da incidência da AN nos últimos

anos (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

A tendência atual dos autores é valorizar os traços depressivos, diante das

altas taxas de letalidade (4-30%) e suicídio (5% nas anoréxicas). Numa estatística

de vinte anoréxicas atendidas no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foi constatada a existência

de cinco pacientes com predomínio de traços depressivos (FREITAS;

GORENSTEIN; APPOLINARIO, 2002).

1.2. Bulimia Nervosa

A palavra Bulimia Nervosa (BN) vem da união dos termos gregos boul (boi) ou

bou (grande quantidade) com lemos (fome), isto é, uma fome intensa ou suficiente

para devorar um boi (CORDÁS, 2004).

O termo boulimos já era usado séculos antes de Cristo. Hipócrates o

empregava para designar uma fome doentia bem diferente da fome fisiológica

(BUSSE, 2004).

Entende-se que na bulimia nervos (BN), as pessoas ingerem grandes

quantidades de alimentos (episódios de comer compulsivo ou episódios bulímicos) e,

depois, utilizam métodos compensatórios, tais como vômitos auto-induzidos, uso de

laxantes e/ou diuréticos e prática de exercícios extenuantes como forma de evitar o

ganho de peso pelo medo exagerado de engordar (CLAUDINO; BORGES, 2002).

Como algumas dessas pacientes haviam apresentado AN no passado, foi

considerado, em um primeiro momento, que a bulimia seria uma seqüela desta

(BUSSE; SILVA, 2004).

Em pesquisas realizadas foram evidenciadas apenas 12% das pacientes com

AN restritiva nunca haviam apresentado episódios bulímicos e purgação. O

seguimento de pelo menos oito anos de pacientes com AN restritiva mostrou que

62% passaram a serem classificados como AN purgativa pela mudança das

características clínicas. Após quatro anos de seguimento de um grupo de

anoréxicas, não conseguiam diferenciar claramente o subgrupo que no início do

projeto preenchia critérios para um dos subtipos (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

Diferentemente da AN, na bulimia não há perda de peso, e assim médicos e

familiares têm dificuldade de detectar o problema. A doença ocorre mais

freqüentemente em mulheres jovens, embora possa ocorrer mais raramente em

homens e mulheres com mais idade (CORDÁS, 2002).

Figura 3: Paciente com BN apresentando sobrepeso (BUSSE, 2004).

Figura 4: BN fáceis de lua cheia (BUSSE, 2004).

Figura 5: Paciente com BN com contratura dos músculos do platisma e hipertrofia

das glândulas parótidas, devido ao esforço feito pelos vômitos provocados e pelo

contato com o suco gástrico contido neste (BUSSE, 2004).

1.2.1. Critérios Diagnósticos

Muitas vezes, leva tempo para se perceber que alguém tem BN. A

característica principal é o episódio de comer compulsivo, acompanhado por uma

sensação de falta de controle sobre o ato e, às vezes, feito secretamente. O

diagnóstico de BN requer episódios com uma freqüência mínima de duas vezes por

semana, por pelo menos três meses. A fobia de engordar é o sentimento motivador

de todo o quadro (BUSSE; SILVA, 2004).

Esses episódios de comer compulsivo, seguidos de métodos compensatórios,

podem permanecer escondidos da família por muito tempo. Os indivíduos com BN

apresentam uma freqüência maior de sintomas depressivos (por ex., baixa auto-

estima) ou Transtornos do Humor (particularmente Transtorno Distímico e

Transtorno Depressivo Maior). Em muitas ou na maior parte dessas pessoas, o

distúrbio do humor começa simultaneamente ou segue o desenvolvimento da BN,

sendo que com freqüência atribuem sua perturbação do humor à BN. Também pode

haver maior freqüência de sintomas de ansiedade (por ex., medo de situações

sociais) ou Transtornos de Ansiedade. Esses distúrbios do humor e de ansiedade

comumente apresentam remissão após o tratamento efetivo da BN (FREITAS;

GORENSTEIN; APPOLINARIO, 2002).

Em cerca de um terço dos indivíduos com BN ocorre Abuso ou Dependência

de Substâncias, particularmente envolvendo álcool e estimulantes. O uso de

estimulantes freqüentemente começa na tentativa de controlar o apetite e o peso. É

provável que 30 a 50% dos indivíduos com BN também tenham características de

personalidade que satisfaçam os critérios para um ou mais Transtornos da

Personalidade. A BN acomete adolescentes um pouco mais velhas, em torno dos 17

anos (CORDÁS, 2004).

Pessoas com bulimia têm vergonha de seus sintomas, portanto, evitam comer

em público e evitam lugares como praias e piscinas onde precisam mostrar o corpo.

À medida que a doença vai se desenvolvendo, essas pessoas só se interessam por

assuntos relacionados à comida, peso e forma corporal. Uma diminuição na ênfase

da aparência física, tanto no aspecto cultural como familiar, pode eventualmente

reduzir a incidência desses quadros (CLAUDINO; BORGES, 2002).

Para um melhor entendimento o quadro 2, demonstra os critérios diagnósticos

segundo o DSM - IV e CID - 10.

DSM - IV CID - 10

a) Episódio recorrente de consumo alimentar compulsivos - episódios bulímicos – tendo as seguintes características:

1. Ingestão em pequeno intervalo de tempo (aproximadamente em duas horas) uma quantidade de comida claramente maior do que a maioria das pessoas comeria no mesmo tempo e nas mesmas circunstâncias;

2. Sensação de perda de controle sobre o comportamento alimentar durante os episódios (sensação de não conseguir parar de comer ou controlar o que e quanto come).

b) Comportamentos compensatórios inapropriados para prevenir ganho de peso, como vômito auto-induzido, abuso de laxantes, diuréticos ou outras drogas, dieta restrita ou jejum ou, ainda, exercícios vigorosos.

c) Os episódios bulímicos e os comportamentos compensatórios ocorrem, em média, duas vezes por semana, por pelo menos três meses.

d) A auto-avaliação é indevidamente influenciada pela forma e peso corporais. O distúrbio não ocorre exclusivamente durante episódios de anorexia nervosa.

Tipos: Purgativo: auto-indução de vômitos, uso indevido de laxantes e diuréticos, enemas.

Sem purgação: sem práticas purgativas, práticas de exercícios excessivos ou jejuns.

a) O paciente sucumbe a episódios de hiperfagia, nos quais grandes quantidades de alimento são consumidas em curtos períodos de tempo (pelo menos duas vezes por semana durante um período de três meses).

b) Preocupação persistente com o comer e um forte desejo ou sentimento de compulsão a comer.

c) O paciente tenta neutralizar os efeitos “de engordar” dos alimentos por meio de um ou mais do que segue: vômitos auto-induzidos, purgação auto-induzida, períodos de alternação de inanição, uso de drogas tais como anorexígenos, preparados tireoidianos ou diuréticos. Quando a bulimia ocorre em pacientes diabéticos, eles podem negligenciar seu tratamento insulínico.

d) Há uma autopercepção de estar muito gorda, com pavor intenso de engordar e com uso exercícios excessivos ou jejuns.

Quadro 2: Critérios diagnósticos para BN segundo o DSM - IV e a CID – 10

(CORDÁS, 2004).

1.3. Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica

Durante muito tempo, indivíduos obesos foram considerados como

pertencentes a um grupo homogêneo baseado apenas em uma característica

comum, o peso. Ignoravam-se desta forma as possíveis diferenças comportamentais

que podem, em alguns casos, ter sido as desencadeadoras da obesidade

(BORGES; BORGES; SANTOS, 2006).

Obesos comedores compulsivos podem constituir uma subcategoria entre as

populações obesas, apresentando níveis mais elevados de psicopatologia,

especialmente a depressão e transtorno de personalidade, uma gravidade maior e

início mais precoce da obesidade, um percentual maior de sua vida gasto com dietas

e prejuízo no funcionamento social e ocupacional (QUAIOT; ALMEIDA, 2006).

O Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) foi descrito pela

primeira vez nos anos 1950. Contudo, sua elevação à categoria diagnóstica apenas

ocorreu em 1994, quando foi incluído no apêndice DSM - IV, sob a forma de

transtorno que necessitava de maiores estudos para melhor caracterização. Assim,

desde então, ocorreu um maior interesse em pesquisas nesta área, diferenciando

um subgrupo de pacientes obesos com características alimentares específicas. Além

disso, parece que os níveis de psicopatologia exibidos pelos pacientes com TCAP

estão associados ao número de episódios de compulsão alimentar (AZEVEDO;

SANTOS; FONSECA, 2004).

A caracterização desse transtorno baseia-se na presença de compulsão

alimentar com subseqüente angústia devido à ausência de comportamentos

regulares voltados para eliminação do excesso alimentar. O TCAP foi descrito a

partir de observações de pacientes obesos, porém, apesar de bastante freqüente

nesse grupo, também acomete indivíduos de peso normal (BALLONE, 2003).

Cerca de metade dos pacientes desenvolve a compulsão alimentar mesmo

antes de se envolver em dietas, o que favorece, por sua vez, o ganho de peso.

Estudos epidemiológicos descrevem uma prevalência de TCAP em 2% da

população geral e cerca de 30% de obesos que procuram serviços especializados

para tratamento de obesidade (BUSSE, 2004).

Figura 6: Paciente de 19 anos antes de desenvolver TCAP (BUSSE, 2004). Figura 7: Paciente evoluindo para o quadro de TCAP (BUSSE, 2004).

1.3.1. Critérios Diagnósticos

A obesidade, no entanto, não é considerada uma doença psiquiátrica nem

uma condição para um diagnóstico de transtorno alimentar, trata-se de uma

condição física que advém de múltiplas causas e pode trazer variadas

conseqüências (CLAUDINO; BORGES, 2002).

Acrescenta os autores que o critério de diagnóstico para TCAP proposto pelo

DSM-IV requer a presença de:

a. Episódios recorrentes de compulsão alimentar. Um episódio de compulsão

alimentar é caracterizado pelos seguintes critérios:

1. ingestão, em um período limitado de tempo (por exemplo, dentro de um

período de duas horas), de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do

que a maioria das pessoas consumiria em um período similar, sob circunstâncias

similares;

2. um sentimento de falta de controle sobre o episódio (por exemplo, um

sentimento de não conseguir parar ou controlar o que ou quanto se come).

b. Os episódios de compulsão alimentar estão associados a três (ou mais) dos

seguintes critérios:

1. comer muito e mais rapidamente do que o normal;

2. comer até sentir-se incomodamente repleto;

3. comer grandes quantidades de alimentos, quando não está fisicamente

faminto;

4. comer sozinho por embaraço devido à quantidade de alimentos que

consome;

5. sentir repulsa por si mesmo, depressão ou demasiada culpa após comer

excessivamente.

c. Acentuada angústia relativa à compulsão alimentar.

d. A compulsão alimentar ocorre, pelo menos, dois dias por semana, durante

seis meses.

e. A compulsão alimentar não está associada ao uso regular de

comportamentos compensatórios inadequados (por exemplo, purgação, jejuns e

exercícios excessivos), nem ocorre durante o curso de AN ou BN.

Portanto, de acordo com os critérios de diagnósticos, é necessário que a

compulsão alimentar se dê em um período de tempo delimitado. A quantidade de

alimentos deve ser grande para um determinado período (por exemplo, período de

duas horas), mesmo considerando-se que esse julgamento seja subjetivo. Além

disso, é importante o sentimento de perda de controle, em que o indivíduo fica sem

liberdade para optar entre comer ou não comer, por fim, o paciente deve apresentar

sofrimento relativo a esse comportamento recorrente e ter sua vida pessoal

comprometida em virtude dessa enfermidade (DOBROW; KAMENETZ: DEVLIN,

2002).

O TCAP acomete indivíduos de todas as raças, com distribuição aproximada

entre os sexos (três mulheres para cada dois homens), geralmente tendo início no

final da adolescência. Mulheres com esse diagnóstico apresentam índice de massa

corporal (IMC= peso/altura²), mais alto do que mulheres sem TCAP, assim como

oscilações de peso mais freqüentes e maior dificuldade em aderir ou manter o peso

ao tratarem a obesidade. Costumam se auto-avaliar, principalmente em função de

seu peso e forma do corpo, diferentemente dos obesos sem TCAP. Estudos

apontam não só escores mais elevados de sintomatologia depressiva como, em

média, depressão clínica completa em 50% dos casos (BUSSE, 2004).

Ainda segundo o autor os traços de personalidade comuns em pacientes com

TCAP: baixa auto-estima, perfeccionismo, impulsividade e pensamentos dicotômicos

(do tipo “tudo ou nada”, ou seja, total controle ou total descontrole).

O principal diagnóstico diferencial a ser feito é com a BN. A compulsão

alimentar ocorre em ambos os casos, embora as bulímicas sejam ainda mais

preocupadas com o peso e, em geral, mantenham-no dentro dos limites da

normalidade. De acordo com o DSM - IV, as bulímicas tendem a tentar compensar o

excesso alimentar imediatamente após o episódio, com métodos purgativos,

especialmente vômitos, laxantes e diuréticos (em 90% dos casos). Com isso, os

episódios de BN costumam ser mais facilmente identificado, pois geralmente são

marcados (término) pela purgação (AZEVEDO; SANTOS; FONSECA, 2004).

Pacientes com TCAP até podem fazer uso de métodos purgativos, mas não

costumam fazê-lo com tanta freqüência e regularidade. Já o diagnóstico diferencial

com bulímicas não purgadoras é mais difícil, devendo-se considerar o padrão

alimentar mais restritivo do que em pacientes bulímicas (BALLONE, 2003).

Os jejuns e os exercícios físicos extenuantes costumam ser feitos para

compensar um eventual ganho de peso com a compulsão; esses comportamentos

não são tão comuns em pacientes com TCAP. Outro diagnóstico diferencial é a

depressão atípica, que, em geral, envolve hiperfagia e ganho de peso entre outros

sintomas. Apesar de sintomas depressivos serem comuns em pacientes com TCAP,

deve-se avaliar o que é primário em cada caso: se a preocupação central é com o

comportamento alimentar descontrolado, e conseqüente ganho de peso e baixa

auto-estima, ou se prevalecem aspectos de pessimismo geral em relação à vida,

tristeza e descuido de si mesmo desvalorização do corpo e saúde (DONATO; et al.,

2004).

O TCAP, como é conhecido atualmente é uma síndrome do comportamento

alimentar com características ainda incertas e às vezes conflitantes. Diferentes

estudos já demonstram alguns sinais e critérios sugestivos de um diagnóstico

sindrômico, contudo faltam diretrizes mais apuradas para organizar um grupo

razoavelmente homogêneo e caracterizá-lo como categoria diagnóstica (FREITAS;

GORENSTEIN; APPOLINARIO, 2002).

.

2. RELAÇÃO SOCIAL E EMOCIONAL DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES 2.1. Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa

Vários estudos epidemiológicos demonstram um aumento na incidência de

alguns dos Transtornos Alimentares (TA) concomitante à evolução do padrão de

beleza feminino em direção a um corpo cada vez mais magro, notadamente da

Anorexia e da Bulimia. A Anorexia e a Bulimia parecem ser mais prevalentes em

países ocidentais e são claramente mais freqüentes entre mulheres jovens,

especialmente aqueles pertencentes aos estratos sociais mais elevados destas

sociedades, os que fortalece sua conexão com fatores sócio-culturais (BUSSE,

2004).

É por isso que alguns pesquisadores entendem os TA como síndromes

ligadas à cultura. As síndromes ligadas à cultura são constelações de sinais e

sintomas que se restringem a determinadas culturas em função das características

peculiares das mesmas (MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002).

De acordo com esta concepção, a pressão cultural para emagrecer é

considerada um elemento fundamental da etiologia desses transtornos, os quais,

juntamente com fatores biológicos, psicológicos e familiares acabam gerando uma

preocupação excessiva com o corpo, um medo anormal de engordar e uma

ansiedade marcantemente acompanhada de alterações do esquema corporal. Essas

são, pois, as características da BN e da AN (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

Em nível pessoal e neurológico, as condutas de alimentação estão

normalmente reguladas por mecanismos automáticos no sistema nervoso central

(SNC). A sensação de fome tem origem dupla; tanto em estímulos metabólicos,

quanto em receptores periféricos situados na boca e no tubo digestivo. Induz-se a

sensação de apetite, que desencadeia conduta de alimentação. A sensação de

saciedade faz cessar os estímulos da fome e se detém o processo (GIORDANI,

2006).

As pessoas normais apresentam algumas reações adaptadas aos estímulos

de fome e de sede, com respostas corretas para a saciedade. Embora o processo da

alimentação (fome, sede, saciedade) possa parecer fisiologicamente automático e

elementar, eles não ocorrem apenas nos elementos neurobiológicos que regulam a

conduta alimentar. Eles também estão vinculados a experiências vivenciais prévias.

Portanto, existem outros mecanismos mais complexos e relacionados com nossas

experiências psicológicas (sentimentos de segurança, antecedentes pessoais de

carência extrema, etc.) regulando o processo da alimentação (BUSSE; SILVA,

2004).

Devido a esses múltiplos aspectos atrelados ao comensalismo, existem

muitas possibilidades de que o processo natural de alimentar-se varie no tempo e na

cultura. Em algumas ocasiões a causa dos TA pode ser física, decorrente de

doenças que dificultam o processo da alimentação ou alteram o aproveitamento

normal dos alimentos, outras vezes, entretanto, o processo da alimentação pode

alterar-se por fatores sociais, tais como a religião, cultura, status, moda (DOBROW;

KAMENETZ; DEVLIN, 2002).

As facilidades para se alimentar mal, juntamente com a cultura do

emagrecimento, podem ter favorecido o aumento dos TA e eles se tornaram mais

comuns entre as mulheres, talvez porque a cultura da magreza fosse mais forte

entre elas (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

Uma das características da AN e da BN é o medo patológico e obsessivo de

engordar (mais comum entre mulheres), juntamente com um peculiar transtorno do

esquema corporal. Todas as estatísticas apontam que 90% das pessoas portadoras

de TA são mulheres e, entre elas, aquelas com idade entre 14 e 18 anos, embora,

cada vez mais essa idade venha decrescendo perigosamente para meninas

menores de 12 anos (MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002).

Os padrões de beleza atuais e a rejeição social à obesidade feminina fazem

com que as adolescentes sintam um impulso incontrolável de estar tão delgada

como os modelos que a publicidade e os meios de comunicação apresentam

diariamente. As mensagens educativas dirigidas às jovens estimulam, sobretudo,

que estas sejam muito responsáveis para conseguir êxito na vida social, profissional

e familiar. Portanto, seguindo essas regras, não é casual que o perfil das jovens

anoréxicas seja preferentemente de meninas responsáveis e estudiosas, que deseja

realizar corretamente seu relacionamento social e que tenha um perfeccionismo

exagerado (BUSSE, 2004).

Os pacientes com AN têm aspectos clínicos comuns com os pacientes

portadores de BN, principalmente da BN do tipo restritivo (de ingestão alimentar

restrita), tais como, por exemplo, a distorção da imagem corporal, alterações na

percepção das sensações internas, fobia do ganho de peso, preocupação em

manter um peso de corpo subnormal. Outros comportamentos impulsivos podem

estar presentes nesses pacientes como: roubar, gastar desmesuradamente, abuso

de drogas, e promiscuidade (BUSSE; SILVA, 2004).

É neste sentido que vários estudos têm ressaltado a relevância da

insatisfação com a própria imagem corporal e sua relação com os transtornos da

conduta alimentar. Do ponto de vista da prevalência destes transtornos, estudos

com 816 adolescentes de ambos sexos, estudantes do curso secundário, encontrou

7,7% das mulheres e 1,1% dos homens com riscos potenciais de desenvolver os

mesmos (BALLONE, 2006).

Sintomas Comuns Anorexia e Bulimia

Anorexia Bulimia A. Recusa em manter o peso na

proporção normal para idade e

estatura

X X

B. Medo intenso de engordar,

mesmo que com peso abaixo do

normal

X X

C. Auto-avaliação alterada do

peso e forma do corpo X X

D. Amenorréia X .

E. Episódios recorrentes de

comer - compulsivo . X

F. Comportamento

compensatório inadequado:

Vômitos, laxantes, diuréticos,

jejum, exercícios

. X

G. Episódios com ocorrência

média de ao menos 2 x /

semana, por 3 meses

X X

H. Auto-estima influenciada pelo

peso e forma corpo X X

Na Anorexia o esquema

corporal é deturpado pela

submissão aos padrões (?)

estéticos: a moça pensa e crê

que é bonita

Figura 8: Sintomas comuns entre a Anorexia e a Bulimia (Disponível em: http:

//gballone. sites. uol. com.br/alimentar/alimentar2. html. Acesso em 05. out. 2007).

2.1.1. Modelo Cognitivo

O modelo cognitivo entende que há, entre o mundo e o indivíduo, uma

intermediação da atividade do pensamento, ou seja, o modo como as pessoas se

sentem e conseqüentemente se comportam é fruto de uma atividade cognitiva

contínua, atribuidora de significados aos eventos do mundo externo. Assim, o

modelo cognitivo-construtivista questiona a superioridade do pensar sobre o sentir e

agir e propõe um sentido inverso, segundo o qual nossas construções cognitivas são

fruto de organizações emocionais, desenvolvidas de uma forma tácita sobre a

realidade (MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002).

Na concepção construtivista, os significados são construídos obedecendo às

regras do processamento conceitual (pensamento) e do processamento vivencial

(emoções). Neste último, os significados gerados em nossa consciência advêm da

atividade de percepção dos conteúdos que estão tácitos (ou corpóreos), estando em

uma condição pré-conceitual e implícita (GIORDANI, 2006).

Neste nível, não interpretamos as situações sob o ponto de vista lógico, mas

sob a ótica emocional, ou seja, o significado produzido por um evento fundamenta-

se nos princípios experiências das situações. Assim, uma vez sentida a informação,

este conteúdo será traduzido em aspectos relativos ao conforto ou desconforto e à

segurança ou ameaça de uma situação. Um exemplo disso são as queixas mais

rotineiramente ouvidas nos consultórios (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

Para cada pessoa, a construção que ela faz da realidade dá conta de

organizar as suas experiências (processamento conceitual e processamento

vivencial) de modo a torná-la um sistema em equilíbrio. Estar em equilíbrio significa

manter coerente a percepção de mundo, do outro e do próprio eu (BUSSE, 2004).

Para o construtivismo, o desenvolvimento humano é contínuo. Este

desenvolvimento, por sua vez, dá-se a partir da contínua reorganização do sistema.

Os transtornos são episódios agudos ou crônicos de desorganização, mas sem

serem os inimigos da saúde mental e do bem-estar geral. Desta maneira, podemos

compreender que os transtornos alimentares são decorrentes de uma

desorganização na maneira como as pacientes constroem a realidade. Porém, uma

desorganização necessária para manter o equilíbrio, enfim, manter coerentes à

maneira de pensar, sentir e agir (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

2.1.2. Anorexia Nervosa - Aspectos Psicológicos

A AN é um outro tipo de transtorno alimentar que, se comparado à BN,

apresenta dimensões que requerem seriedade maior no tratamento. Desde as

publicações mais antigas em revistas especializadas até os dias de hoje, os artigos

existentes — que são poucos — e que por ventura contenham sua descrição,

prognóstico de melhora ou mesmo os índices de recuperação, apresentam, na

grande maioria, resultados desalentadores (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

Acrescenta os autores que as razões para a escassez de pesquisas dos

resultados de tratamentos incluem:

a) baixa incidência do transtorno;

b) dificuldade de recrutar pacientes que se percebam como tendo um

problema significativo;

c) severidade do transtorno;

d) alto índice de desistência da terapia ambulatorial.

Assim, a pesquisa disponível a respeito da AN ainda apresenta dados muito

contraditórios, embora a maioria dos resultados em longo prazo apontem para um

sucesso bem mais limitado (SAIKALI; et al., 2004).

Somente para citar um exemplo, em um olhar mais amplo em mais de cem

estudos, somente cerca de 50% das pacientes se recuperam totalmente (e isto quer

dizer o restabelecimento do peso, a normalização dos comportamentos alimentares

e o retorno da menstruação regular). Outros 30% experienciam uma recuperação

parcial caracterizada por algum tipo de resíduo ou distúrbio no comportamento

alimentar e pela falta de habilidade para manter o peso normal. E, finalmente, nos

20% restantes, a doença assume uma forma crônica, não apresentando qualquer

sinal de remissão (CORDÁS; CLAUDINO, 2002).

Em outro estudo com 193 anoréxicas sugeriu que, em tratamento de curto

prazo, a maioria recobrou o peso com um único propósito: deixar a internação.

Portanto, pode-se facilmente perceber que estamos diante de uma das populações

mais refratárias a qualquer forma de ajuda. Nesse sentido, o que se procura

alcançar com as pacientes com AN é: o restabelecimento dos padrões normais de

alimentação (pois 50% das anoréxicas apresentam compulsão alimentar, portanto,

esta é uma das principais metas de intervenção do tratamento); promover uma auto-

regulação do peso corporal; reduzir (eliminando) atitudes purgativas ou mesmas

restritivas; criar a motivação para a mudança (MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO,

2002).

Uma das perguntas mais usuais no trabalho com as pacientes anoréxicas é:

por que é tão difícil criar motivação para a mudança? Como tais pacientes

desenvolvem atitudes negativas em relação à comida durante longos períodos, tais

hábitos vêm a interferir de tal forma no processo de recuperação que, em qualquer

situação futura que leve a paciente a viver qualquer forma de crise, a doença

rapidamente reaparece, ou seja, estamos frente a uma verdadeira fixação corporal

(SAIKALI; et al., 2004).

Enquanto podemos assegurar à paciente, no tratamento da BN, que a

melhora de seu quadro praticamente não tem maiores efeitos sobre o peso corporal,

nos quadros de AN, não é possível oferecer tal garantia, pois este é um dos

objetivos do tratamento, ao mesmo tempo em que coloca tais pacientes face àquilo

que mais temem (BUSSE, 2004).

Por mais polêmico que possa parecer, duas razões fundamentais são

apontadas para justificar tais ocorrências: as pacientes sabem de sua necessidade

de ajuda, mas têm medo do que a mudança corporal possa trazer e as restrições

alimentares a que são submetidas criam, com o passar do tempo, quadros de

subnutrição que começam, progressivamente, a gerar inevitáveis déficits cognitivos,

privando-as de uma capacidade normal de entendimento de seus problemas. Assim,

estamos envolvidos no tratamento de uma doença que gera limitações físicas,

emocionais e sociais (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

Os autores citam como descrição das características psicológicas mais

freqüentes:

a) baixa auto-estima;

b) sentimento de desesperança;

c) desenvolvimento insatisfatório da identidade;

d) tendência a buscar aprovação externa;

e) extrema sensibilidade a críticas; e, finalmente,

f) conflitos relativos aos temas autonomia versus dependência.

Quando questionadas a respeito de seu quadro e de sua resistência à

mudança, as anoréxicas rapidamente descrevem uma série de justificativas para seu

comportamento, a saber: "Gosto do jeito que me sinto quando estou magra", "sou

mais respeitada e recebo mais elogios", "o que todos tentam fazer, eu mostro que

posso fazer melhor", "gosto da atenção que recebo", "gosto das roupas que posso /

consigo usar", "fico melhor desse jeito", "é realmente nojento ter gordura em meu

corpo e agora não tenho mais este problema", "minha família e meu médico se

preocupam comigo", "posso manter as pessoas à distância", "não preciso ficar

menstruada", "sinto como se estivesse em contato com o sofrimento do mundo", "me

sinto mais saudável e com mais energia quando estou com pouco peso", "me sinto

mais confiante e capaz quando estou magra", "gosto do sentimento de autocontrole",

"me sinto mais poderosa quando não como", "quando estou magra, percebo melhor

as coisas" e “me sinto especial, pura e diferenciada “. Ou seja, para as pacientes, as

desvantagens são claras, como por exemplo:” Ficar magra consome muito tempo e

energia, as pessoas me enchem por causa disto “, “detesto pensar em comida o

tempo todo “(SAIKALI; et al., 2004).

Nas fases mais agudas, tais pessoas ainda estão tentando perseguir sua

doença, e a meta é tornar-se uma pessoa mais magra ainda, podendo assim exibir

seu sucesso. Considerando tudo isso, pode-se claramente perceber que a AN é uma

doença complexa que impõe grandes desafios a cada estágio do tratamento e que,

na melhor das hipóteses, os indivíduos com AN são continuamente ambivalentes na

busca de tratamento. Permanecem resistentes a qualquer tipo de intervenção

externa, os que contribuem para um dos mais altos índices de recusa e desistência

prematura do tratamento. Aqueles que permanecem em tratamento, freqüentemente,

não aderem às orientações e, quando aderem às primeiras intervenções, correm

grandes riscos de recaída (CORDÁS; CLAUDINO, 2002).

2.1.3. Bulimia Nervosa - Aspectos Psicológicos

Pacientes com BN apresentam uma série de pensamentos e emoções

desadaptativas a respeito de seus hábitos alimentares e seu peso corporal. De

maneira geral, podemos afirmar que as pacientes com BN apresentam uma auto-

estima flutuante, fazendo-as acreditar que uma das maneiras de resolver os

problemas de insegurança pessoal é através de um corpo bem delineado e, para

alcançar seu objetivo, acabam por desenvolver dietas impossíveis de serem

seguidas (BUSSE, 2004).

Em outras palavras, procuram sanar um problema emocional através da

adoção de estratégias imperativas de emagrecimento e, neste sentido, desenvolvem

atitudes radicais baseadas na idéia de que estar magra é um dos caminhos mais

curtos para se obter a felicidade. Crêem, erroneamente, que ter o controle de suas

medidas lhes proporcionará uma condição de segurança emocional (CORDÁS;

CLAUDINO, 2002).

Manter se privado de alimentos calóricos por muito tempo não é uma tarefa

das mais fáceis, portanto, cada vez que as bulímicas iniciam um período de

restrição, uma verdadeira batalha toma lugar. Como é impossível manter-se sob

uma condição drástica de regime por longos períodos (tornando a redução calórica

um processo ainda mais severo), os desequilíbrios alimentares acontecem após

períodos de longo jejum, resultando em quadros de um comer compulsivo

caracterizado por um descontrole total e que só pode ser compensado, na opinião

destas pacientes, pelo uso de laxantes, diuréticos, prática excessiva de exercícios

ou mesmo vômitos auto-induzidos (SAIKALI; et al., 2004).

Não conseguindo perceberem-se saciadas, ingerem alimentos até sentirem-se

empanturradas. Esta sensação de desconforto leva essas pacientes a algum tipo de

purgação. Após estes períodos de "purgação", a retomada da condição de restrição

calórica é iniciada. O resultado, inevitavelmente, é uma nova queda marcada pelo

descontrole e um sucessivo período de purgação. Portanto, esta oscilação

emocional é um dos fatores que caracteriza os quadros de BN (GIORDANI, 2006).

As premissas psicológicas envolvidas nestas práticas de comportamento

baseiam-se na idéia de que ser magra é o mesmo que ser atraente, ter sucesso ou

ser feliz. Ocorre que esta busca não se dá apenas pela causa corporal. É comum

encontrar pacientes com BN exibindo atitudes caóticas, não somente em relação a

seus hábitos alimentares, mas também um estilo de vida desorganizado (ABREU;

CANGELLI FILHO, 2004).

Imagina-se, portanto, que uma das possíveis causas envolvidas na etiologia

deste quadro é a própria desorganização pessoal. Alguns clínicos chegam a

suspeitar que a tentativa de regulação e controle da alimentação seja uma tentativa

(ainda que fracassada) de ordenação e estabilidade. É por essa razão que muitas

das intervenções de tratamento psicológico baseiam-se, dentre os vários aspectos,

no oferecimento de estratégias estruturadas de resolução dos problemas, ou seja,

transmitem a idéia de solo firme para mudança (SAIKALI; et al., 2004).

A falta de ordem é extensiva a vários outros aspectos e não somente àqueles

descritos. Facilmente encontraremos pessoas fadadas a se privarem de

relacionamentos amorosos por longos períodos (em função de não se sentirem

suficientemente atraentes, ou melhor, dizendo, gordas), intercalando outros

períodos, nos quais, as condutas afetivas são completamente intensas e a falta de

parâmetros ou bom senso torna-se uma das marcas registradas. As relações

familiares também não ficam atrás ao exibir as mesmas premissas de relação, ou

seja, as trocas parentais são, na maioria das vezes, marcadas por baixos níveis de

cumplicidade e respeito interpessoal (MORGAN; VECCHIATTI, NEGRÃO, 2002).

As famílias das pacientes com BN são descritas nas pesquisas como

perturbadas, mal organizadas, com dificuldade de expressão de afeto e cuidado. No

trabalho, as mesmas queixas são encontradas muitas pacientes não sentem ter

encontrado ainda a atividade de suas vidas, engajando-se em rotinas que muitas

vezes as privam do interesse e do prazer (BUSSE, 2004).

Abreu e Cangelli Filho (2004) dizem que alguns fatores ligados à arquitetura

emocional das pessoas com BN, alguns aspectos psicológicos:

a) baixa auto-estima;

b) pensamento do tipo "tudo ou nada" (ou seja, funciona através dos valores

opostos);

c) ansiedade alta;

d) perfeccionismo;

e) incapacidade de encontrar formas de prazer e satisfação;

f) busca de problemas nas coisas;

g) exigência alta;

h) incapacidade de ser feliz.

Assim sendo, além da AN e da BN, existem outros TA importantes, tais como

a obesidade ou a falta de apetite conseqüente a doenças que físicas e transtornos

emocionais, ou simplesmente desencadeadas por uma serie de fatores psicológicos,

sócio-culturais e educativos (CORDÁS; CLAUDINO, 2004).

2.2. Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica

A obesidade é uma doença de grande complexidade e de origens

multifatoriais. Dentre os fatores envolvidos na obesidade, um grupo específico tem

destaque, não tanto pelo seu papel etiológico e de prognóstico, mas sim por seu

papel histórico. Este é o grupo dos fatores psicológicos e psiquiátricos. Durante

muito tempo, notadamente nas primeiras seis décadas do século passado,

entendeu-se a obesidade a um só tempo como resultante de dificuldades ou déficits

morais ou como resultante de problemas psíquicos. Assim, o obeso era visto como

uma pessoa de baixa auto-estima, com limitações intelectuais, com mau

funcionamento mental (DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN, 2002).

Como definido no DSM-IV, 16 pacientes com transtorno de compulsão

alimentar periódica experimentam episódios de consumo descontrolado de grandes

quantidades de comida não seguidos por qualquer comportamento compensatório

não apropriado. A compulsão alimentar também é acompanhada por sentimentos de

angústia subjetiva, incluindo vergonha, nojo e/ou culpa (BUSSE, 2004).

Estudos iniciais sobre componentes comportamentais do TCAP indicaram

que as pessoas que se alimentavam compulsivamente ingeriam significativamente

mais comidas do que as pessoas obesas que não tinham compulsão alimentar, tanto

quando instruídas a comerem compulsivamente como quando para comerem

normalmente. Além disso, pacientes com TCAP relatam um início mais precoce da

obesidade e um percentual maior de sua vida gasto com dietas do que seus

correspondentes obesos não portadores de TCAP (ABREU; CANGELLI FILHO,

2004).

Em termos dos componentes psicológicos do transtorno, os pacientes com

TCAP possuem auto-estima mais baixa e se preocupam mais com o peso e a forma

física do que outros indivíduos que também possuem sobrepeso sem terem o

transtorno. Estudos sobre a comorbidade em TCAP mostraram que os indivíduos

com o transtorno aparentam índices maiores de psicopatologia do que os indivíduos

sem ele, especialmente depressão e transtornos de personalidade. Além disso,

parece que os níveis de psicopatologia exibidos pelos pacientes com TCAP estão

associados ao número de episódios de compulsão alimentar que experimentam e

não ao seu grau de obesidade (CORDÁS, 2004).

Vários estudos tentaram avaliar se o TCAP pode ser realmente considerado

como um transtorno alimentar por suas próprias características, comparando-o com

a BN, um transtorno mais bem conhecido em que os pacientes se alimentam

compulsivamente e depois realizam alguma forma de comportamento

compensatório, como purgação (DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN, 2002).

Acrescenta o autor que estudos sugerem que os pacientes com TCAP

possuem alguma similitude com os que possuem bulimia nervosa (BN) em termos

da freqüência de sua compulsão, de seus índices de comorbidade psiquiátrica e de

suas atitudes disfuncionais em relação à forma corporal e peso. No entanto, os dois

grupos diferem quanto ao início dos seus sintomas; os sintomas da BN em geral são

precedidos por dieta e perda de peso, ao passo que os precursores do TCAP são

mais variáveis (SAIKALI; et al., 2004).

Pacientes com BN mostraram maiores níveis de restrição alimentar do que os

com TCAP. De forma similar, um histórico de AN é mais comum numa amostra de

indivíduos com BN do que entre os com TCAP. Portanto, apesar de os indivíduos

com TCAP compartilharem uma psicopatologia de transtorno alimentar com os que

possuem BN, há evidências que o TCAP seja um transtorno distinto em termos

diagnósticos. Os pacientes com índices mais elevados de psicopatologia, incluindo

transtornos de personalidade, têm menos êxito no tratamento comportamental do

que aqueles com diagnósticos comórbidos menos graves ou sem diagnósticos

adicionais (QUAIOTI; ALMEIDA, 2006).

No tratamento psicoterápico, a terapia cognitiva vem mostrando eficácia por

trabalhar a partir da estrutura operante do paciente com objetivos de organizar as

contingências para mudanças de peso e comportamentos, em princípio,

relacionados ao autocontrole de comportamentos alimentares, e contexto situacional

amplo, aprofundando para todo o desconforto (DOBROW; KAMENETZ; DEVLIN,

2002).

A avaliação e correção dos pensamentos inadequados, que contribuem tanto

para a etiologia quanto para a manutenção da obesidade, são procedimentos

disparadores e freqüentes no processo psicoterapêutico para a modificação

comportamental. A reestruturação cognitiva, imagens orientadas, o treinamento da

auto-instrução, a determinação de objetivos, o estímulo ao auto-reforço e resolução

de problemas são alguns procedimentos inter-relacionados, de base cognitiva,

incorporados a outros programas comportamentais (ABREU; CANGELLI FILHO,

2004).

A orientação cognitivo-comportamental segue o modelo que identifica a

crença central e a crença intermediária (regra, atitude, suposição) que leva a um

pensamento e influência uma situação, e vice-versa, desencadeando igualmente

reações emocionais, comportamentais e fisiológicas. Com base nesta orientação, os

sistemas de crenças de indivíduos obesos determinam sentimentos e

comportamentos desencadeados por pensamentos disfuncionais acerca do peso, da

alimentação e do valor pessoal; por exemplo, a crença de que ser magro está

associada a autocontrole, competência e superioridade interferem diretamente na

constituição da auto-estima da pessoa, ou mesmo, a crença de que ser magro é

fundamental para a solução de problemas da vida e que, portanto, pessoas obesas

seriam infelizes e malsucedidas, são significações que também são encontradas

neste grupo (CORDÁS, 2004).

Estes conjuntos de crenças provocam, no obeso, tendências disfuncionais de

raciocínio levando-o a desenvolver pensamentos dicotômicos, pensamentos em

termos absolutos e extremos do tipo “se não estou completamente com o controle,

significa que perdi todo o controle, que está tudo perdido; então, posso me fartar”.

Considerando-se o sistema de crenças, identificamos os aspectos psicológicos da

obesidade, aspectos envolvidos no controle da alimentação, ou seja: as correlações,

interdependências e interações que existem entre o ambiente, pensamentos,

sentimentos e comportamentos (BUSSE, 2004).

Na obesidade, nem sempre o tratamento farmacológico é a primeira opção

terapêutica; este deve, antes, compor o tratamento que deve ser pautado numa

abordagem multidisciplinar. Dietoterapia associada à psicoterapia, por serem

modalidades não-invasivas, devem ser sempre priorizadas. No entanto, quando

transtornos psiquiátricos como os transtornos fóbico-ansiosos, depressão atípica,

síndrome do comer noturno e/ou transtorno da compulsão alimentar periódica

(TCAP) estão presentes contribuindo para o ganho de peso, devemos considerar a

farmacoterapia (QUAIOTI; ALMEIDA, 2006).

2.2.1. A Síndrome do Comer Noturno

O conceito de Síndrome do Comer Noturno (SCN) foi originalmente elaborado

como um transtorno com três componentes principais: anorexia matutina, hiperfagia

vespertina ou noturna (quando plenamente consciente) e insônia. É uma resposta

especial a um estresse circadiano que ocorria primariamente em indivíduos obesos.

Também constatou que a SCN tendia a ser desencadeada pelo estresse e que seus

sintomas diminuíam quando o problema era aliviado (BALLONE, 2003).

O fato de que os pacientes com SCN possuam níveis plasmáticos de cortisol

mais altos é consistente com a noção de que a síndrome seja um tipo de transtorno

de estresse. Pensa-se, da mesma forma, que os baixos níveis de melatonina em

comedores noturnos possam contribuir para manter a sua insônia e humor

deprimido. Finalmente, já que a leptina atua como supressora do apetite, os níveis

diminuídos de leptina entre os pacientes com SCN podem contribuir para a menor

inibição contra impulsos de fome noturna que interrompem o sono (ABREU;

CANGELLI FILHO, 2004).

Os trabalhos sobre a SCN centraram-se no refinamento das características

diagnósticas precisas do transtorno e na identificação das características

associadas. Um estudo tentou determinar as diferenças entre SCN e TCAP por meio

da análise dos pacientes que sofriam de TCAP, SCN, de ambos e de nenhum

desses transtornos alimentares, inscritos em uma instituição para perda de peso

(BUSSE, 2004).

A característica distintiva entre os indivíduos somente com SCN e aqueles

somente com TCAP (não incluindo as diferenças óbvias nas manifestações

comportamentais dos dois transtornos) foi o nível de desinibição, ou seja, a

tendência a perder o controle da alimentação em situações instigantes, exibida por

cada um deles. Os pacientes com TCAP tinham níveis significativamente mais altos

de desinibição. Além disso, constatou-se que 44% dos pacientes com SCN

preencheram os critérios para TCAP e que os pacientes com ambos diagnósticos

exibiram níveis mais altos de desinibição e ansiedade de estado e traço do que seus

equivalentes com diagnósticos únicos (ABREU; CANGELLI FILHO, 2004).

Conclui-se que pacientes com SCN podem representar uma importante

subcategoria dos obesos, distinta dos que possuem TCAP. Outro trabalho sobre as

características da SCN demonstrou que o transtorno está associado à obesidade,

depressão, baixa auto-estima e diminuição da fome diurna em pacientes

ambulatoriais obesos. Além disso, pacientes ambulatoriais obesos com SCN têm

tido menos êxito nos programas de redução de peso do que seus equivalentes

obesos sem a SCN (BALLONE, 2003).

Portanto, o desafio da psicoterapia cognitiva é compreender como diversos

fatores interagem entre si em cada caso ou situação e, associada e integrada a

outras terapias, favorecer a melhora no manejo do sintoma para que o paciente

possa dispor de um repertório qualitativamente mais amplo para responder às

demandas da vida (BUSSE; SILVA, 2004).

3. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES

O tratamento farmacológico dos TA tem mudado nas últimas três décadas.

Um número substancial de pesquisas envolvendo a farmacoterapia da AN, BN e

mais recentemente do TCAP tem sido publicado. Apesar da intervenção

farmacológica mostrar-se útil no manuseio clínico dos TA certas questões mantêm-

se abertas e mais estudos são necessários (APPOLINARIO; BACALTCHUK, 2002).

O uso de medicamentos na síndrome anoréxica baseia-se em três pontos

principais: as distorções do pensamento associadas aos transtornos da imagem

corporal (que alguns autores consideram como uma forma de psicose), os sintomas

depressivos associados e as alterações do apetite (SALZANO; CORDÁS, 2004).

Na BN o alvo principal da ação dos medicamentos tem sido os Episódios de

Compulsão Alimentar (ECA) e os sintomas comportamentais relacionados

(CORDÁS, 2004).

Já no TCAP os objetivos do tratamento envolvem a remissão ou redução dos

ECA, e o controle da obesidade e depressão associadas. Pacientes com transtornos

alimentares apresentam um grande número de complicações clínicas concomitantes

que devem ser consideradas antes da prescrição de um agente farmacológico

(BUSSE, 2004).

Vejamos a seguir no quadro 3, algumas recomendações para o tratamento

farmacológico dos TA.

___________________________________________________________________

Tratamento farmacológico dos Transtornos Alimentares ___________________________________________________________________

Anorexia Nervosa

1. Nenhum agente farmacológico até então se mostrou eficaz no tratamento dos

sintomas nucleares da AN.

2. Os ISRS podem ser usados em caso de comorbidade com transtornos do humor

e/ou ansiedade.

3. Os ISRS podem ser úteis na prevenção de recaídas após ganho de peso.

4. Os benzodiazepínicos em baixas doses podem ser usados para reduzir a

ansiedade associada aos horários das refeições.

5. Em casos refratários, os antipsicóticos atípicos podem ser uma opção.

__________________________________________________________________

Bulimia Nervosa

1. Os antidepressivos foram os agentes terapêuticos mais estudados na BN.

2. O agente de primeira escolha é a fluoxetina.

3. A dose terapêutica somente foi determinada para a fluoxetina: 60 mg. Os outros

agentes devem ser utilizados em doses antidepressivas padrão.

4. Atualmente pensar na possibilidade de usar o topiramato e o ondansetron.

__________________________________________________________________

Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica

1. Os antidepressivos devem ser considerados como uma opção e devem ser

fortemente considerados naqueles pacientes que não responderam aos tratamentos

psicossociais.

2. Começar com um ISRS (fluoxetina, sertralina, fluvoxamina).

3. Em caso dos antidepressivos utilizar a dose e o tempo de tratamento similares

aqueles recomendados para a bulimia nervosa.

4. Se necessário, utilizar seqüencialmente pelo menos até 3 destes agentes.

5. Pensar na possibilidade de utilizar a sibutramina e topiramato.

ISRS: Inibidor seletivo de recaptação de serotonina

Quadro 3: Tratamento farmacológico dos transtornos alimentares (APPOLINARIO;

BACALTCHUK, 2002).

3.1. Anorexia Nervosa

Vários medicamentos têm sido avaliados na AN, sendo que a maioria dos

estudos é realizada na fase aguda da doença e tem como foco principal o ganho de

peso. Muitos medicamentos mostraram-se inicialmente promissores na AN em

estudos abertos. Entretanto, estes achados não são confirmados quando as

intervenções são avaliadas em Ensaios Clínicos Randomizados (ECR)

(APPOLINARIO; BACALTCHUK, 2002).

Até o momento, as drogas estudadas na AN em ECRs foram os

antidepressivos (clomipramina, amitriptilina e fluoxetina) os antipsicóticos (pimozida,

sulpirida) 8,10 e outros agentes (cipro-heptadina, lítio, tetra-hidro-canabiol, clonidina,

natrexona, hormônio do crescimento, zinco e cisaprida). Os resultados dos estudos

com estes agentes mostram que, na fase aguda, não há uma diferença

estatisticamente significativa quando comparados ao placebo em relação às

principais medidas de desfecho, com exceção de um estudo com cipro-heptadina

que mostrou significância estatística, mas pouca relevância clínica (SALZANO;

CORDÁS, 2004).

Estes estudos farmacológicos com pacientes com AN apresentam várias

limitações metodológicas. Com raras exceções, as amostras são pequenas (menos

de 25 pacientes no total). As doses usadas, especialmente de antidepressivos,

freqüentemente são baixas. Os tratamentos em geral associam múltiplas

abordagens terapêuticas para ganhar peso. Mas, apesar destas limitações

possivelmente terem influência na falta de efeito terapêutico, a consistência dos

resultados negativos sugere que o tratamento medicamentoso não proporciona nem

acelera o restabelecimento do peso em pacientes hospitalizadas na fase aguda da

doença (BUSSE, 2004).

Por outro lado, um ECR comparando a fluoxetina com o placebo,

acompanhou durante um ano, 35 pacientes anoréxicas em tratamento ambulatorial,

após hospitalização e recuperação do peso. Oitenta e quatro por cento das

pacientes que receberam placebo abandonaram o estudo versus 37% no grupo

fluoxetina (p=0,006). Somente as pacientes do grupo fluoxetina (dose média de 40

mg/dia) apresentaram ganho de peso e redução da psicopatologia associada. Os

resultados deste estudo indicam um potencial benefício da fluoxetina em prevenir

recaída de pacientes após recuperação do peso. Baseado nos resultados negativos

do uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) na fase aguda da

AN poder-se-ia especular que os antidepressivos não seriam eficazes na presença

de desnutrição ou que necessitem de um tempo maior de uso para apresentar início

de sua eficácia terapêutica (APPOLINÁRIO, BACALTCHUK, 2002).

Estudos abertos indicam resultados positivos com a olanzapina e a

risperidona. Os futuros ECRs deverão confirmar os resultados e avaliar o risco de

desenvolvimento de hiperglicemia e diabetes tipo 2 das novas medicações nesta

população de pacientes. Sem estudos sistemáticos, mas baseando-se na

experiência clínica, os ansiolíticos do tipo benzodiazepínicos tem sido

recomendados, antes das refeições para tratar a ansiedade antecipatória

relacionada à alimentação. Um estudo controlado comparou o uso de placebo e

fluoxetina (doses entre 20 a 60 mg/dia) em 35 pacientes com AN durante um ano.

Os resultados apontaram ganho de peso e melhora na psicopatologia da AN, no

humor disfórico e nos pensamentos obsessivos, sugerindo o uso da droga na

prevenção de recaídas (SALZANO; CORDÁS, 2004).

Nenhum psicofármaco foi claramente mais eficaz do que o placebo em

melhorar os sintomas exclusivos da AN (CORDÁS, 2004).

A tabela a seguir descreve alguns estudos controlados para AN.

Tabela 1: Estudos controlados para Anorexia Nervosa (SALZANO; CORDÁS, 2004).

3.2. Bulimia Nervosa

Diversos medicamentos foram avaliados na BN, incluindo naltrexona, lítio, d-

fenfluramina, difenil-hidantoína, L-triptofano, no entanto, as drogas mais estudadas e

freqüentemente usadas são os antidepressivos (BUSSE; SILVA, 2004).

Mais de vinte ECRs já foram completados avaliando a eficácia dos

antidepressivos na BN, comparados com placebo, com psicoterapia e avaliando a

associação de medicação mais psicoterapia, a eficácia de um segundo

antidepressivo após falha do primeiro agente, tratamentos seqüenciais e de

manutenção (SALZANO; CORDÁS; 2004).

Até o momento, há pelo menos duas metanálises comparando

antidepressivos com placebo no tratamento da BN. Os antidepressivos tricíclicos, os

inibidores da monoaminoxidase (IMAO) e os inibidores seletivos da recaptação de

serotonina (ISRS) foram os agentes avaliados. Os resultados dos estudos devem

levar em conta várias limitações metodológicas, incluindo: amostras pequenas, altas

taxas de abandono, inclusão somente de pacientes com BN tipo purgativo, com

peso normal e idade superior a 18 anos e grande variação na resposta ao placebo

(BACALTCHUK; HAY, 1999).

Segundo Bacaltchuk, Hay (1999), algumas conclusões reportadas nestas

metanálises são:

• Antidepressivos são mais eficazes que placebo na redução dos ECA e de

manobras purgativas.

• A resposta parece ser semelhante para as diversas classes de

antidepressivos.

• Apesar da redução nos sintomas ser importante, em torno de 60% - as taxas

de remissão são de cerca de 20% em média, e muito variáveis – de 0 a 68%.

• As taxas de abandono são altas - cerca de 35% - demonstrando que o

tratamento medicamentoso isolado não é bem aceito pelas pacientes.

• Algumas classes de antidepressivos podem ter efeitos adversos

particularmente negativos: tricíclicos (ganho de peso, boca seca, constipação);

bupropiona (convulsões); IMAOs (dificuldade em seguir a dieta).

• Apenas um estudo avaliou a dose mais eficaz de antidepressivos: 60 mg/dia

de fluoxetina foi superior ao placebo e 20 mg/dia não.

• Pacientes que não respondem a um antidepressivo podem responder a outro

agente usado seqüencialmente.

• A melhora dos comportamentos purgativos ocorre em paralelo à melhora dos

ECA. Poucos estudos avaliaram outros aspectos da BN, tais como restrição

alimentar, cognições disfuncionais, imagem corporal, ansiedade, problemas

interpessoais e peso. Um estudo mostrou que a melhora dos sintomas

comportamentais foi seguida por estes outros parâmetros. Não há evidências que os

antidepressivos tenham um efeito favorável sobre as dietas rígidas e exageradas,

que aumentam o risco de ECA.

• O efeito de longo-prazo das medicações ainda não foi estabelecido. O

tempo mínimo de tratamento é de 6 meses. Mesmo a médio-prazo (4-6 meses) a

interrupção precoce da medicação é acompanhada de taxas elevadas de recaída

(30- 45%). Estudos recentes com ISRS41, evidenciaram que pode haver uma

redução nas taxas de recaída com o uso continuado destes agentes após resposta

inicial, mas as taxas de abandono observadas foram altas.

• Se nenhuma resposta é observada em 8-12 semanas o tratamento pode ser

considerado não eficaz. É importante observar fatores que possam causar a falha

terapêutica, como a não absorção completa do antidepressivo devido aos vômitos.

• Fatores preditivos de resposta ainda não foram identificados. Presença de

depressão não é necessária para obtenção de resposta terapêutica com

antidepressivos.

• O mecanismo pelo qual os antidepressivos exercem seus efeitos não é

conhecido.

Duas metanálises incluindo 5 estudos comparando antidepressivos com

psicoterapia (todos os estudos com terapia cognitivo-comportamental) não

mostraram diferenças estatisticamente significativas entre os tratamentos, embora a

superioridade da psicoterapia fosse clinicamente relevante (taxa de remissão de

39% versus 20%). Houve maior taxa de abandono no grupo tratado com medicação

(APPOLINARIO; BACALTCHUK, 2002).

As mesmas metanálises compararam a associação de psicoterapia mais

antidepressiva com as abordagens isoladas. A associação proporcionou maiores

taxas de remissão a curto-prazo (49% versus 36%) e melhora nos sintomas

depressivos quando comparada à psicoterapia isolada, porém a taxa de abandonos

foi maior. Foram comparados os ondansetron - um inibidor periférico dos receptores

5-HT3, usado para tratamento da náusea induzida por antineoplásicos - com

placebo, durante 4 semanas. Os pacientes tratados com ondansetron apresentaram

uma redução de 50% dos ECA e um aumento de 33% nas refeições não seguidas

de purgação. Não há relato de efeitos sobre outros sintomas da BN (BUSSE, 2004).

Em outro estudo, o autor comparou topiramato com placebo em 68 pacientes

ambulatoriais com BN durante 10 semanas. Vinte e cinco por cento dos pacientes

apresentaram remissão no final do estudo, versus 12% com placebo. Houve redução

de 50% tanto nos ECA quanto de purgação com o topiramato, comparados com

29% (ECA) e 22% (purgação) com placebo. O tratamento com topiramato foi bem

tolerado e apenas um paciente abandonou o estudo devido a eventos adversos. A

dose mediana foi de 100 mg/dia (BACALTCHUK; HAY, 1999).

O topiramato é um novo agente neuro-psiquiátrico com múltiplos mecanismos

de ação. Em pacientes com BN e TCAP o topiramato parece reduzir a fissura por

carboidratos, aumentar a saciedade, estabilizar o humor e reduzir comportamentos

impulsivos. Seus efeitos colaterais cognitivos, e os riscos de cálculo renal e perda de

peso precisam ser mais bem avaliados em pacientes com BN (BUSSE; SILVA,

2004).

Na tabela a seguir estão descritos alguns estudos controlados por Placebo

para BN.

Tabela 2: Estudos controlados comparando medicamentos com placebo no

tratamento da Bulimia Nervosa (SALZANO; CORDÁS, 2004).

EP: episódios bulímicos; ISRS: inibidor seletivo de recaptura de serotonina; IMAO: inibidor da

monoaminoxidase.

3.3. Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica

O uso de antidepressivos para pacientes com TCAP vem sendo avaliado a

partir da observação de características clínicas semelhantes às dos pacientes com

BN e da alta prevalência de comorbidade com episódios depressivos, que pode

ocorrer em 51% dos casos. Em 1990, foi avaliado o uso de desipramina por meio de

um estudo controlado com placebo e observaram redução significativa na freqüência

de episódios compulsivos, sem, entretanto, redução do peso corporal. a ação de

imipramina, naltrexona e placebo num estudo controlado para pacientes com TCAP,

sem encontrar diferenças significativas na evolução dos três grupos. Ainda a

respeito da naltrexona, há um relato de caso de uma adolescente com TCAP

apontando remissão dos episódios compulsivos quando o opióide foi associado a

fluoxetina (SALZANO; CORDÁS, 2004).

Um estudo aberto com fluvoxamina apontou melhora de episódios

compulsivos e redução de peso em um grupo de pacientes obesos com TCAP. Os

estudos controlados com ISRS indicaram, até o momento, benefícios com uso de

fluvoxamina, sertralina, fluoxetina e citalopram no TCAP, com redução nos episódios

bulímicos (BALLONE, 2003).

Um estudo aberto com venlafaxina sugeriu a eficácia deste antidepressivo na

melhora de episódios compulsivos. Em razão da associação do TCAP com

obesidade, o uso de um inibidor de apetite com ação no sistema nervoso central, em

regiões que regulam a saciedade e o apetite, podem promover melhora no quadro

clínico relacionado (BORGES, BORGES; SANTOS, 2006).

Foram observadas melhoras significativas nos episódios bulímicos, sem

diminuição do peso em pacientes com TCAP com d-fenfluramina. Após um estudo

aberto com sibutramina evidenciando resultados promissores, foi realizados um

estudo controlado com sibutramina (dose de 15 mg/dia) e placebo em pacientes

ambulatoriais com TCAP e obesidade. Ao final de 12 semanas do estudo, houve

redução de 63% dos episódios bulímicos para o grupo que usou a sibutramina e

aumento de 5,7% deles para o grupo placebo. Houve redução média de 7,4 kg de

peso no grupo da sibutramina e ganho de 1,4 kg no grupo placebo. (VASQUES;

MARTINS; AZEVEDO, 2004).

Alguns anticonvulsivantes como topiramato e zonisamida promovem

diminuição de apetite e perda de peso em alguns pacientes, sendo estudados no

tratamento do TCAP. Em dois estudos abertos sobre topiramato no TCAP, houve

redução dos episódios bulímicos e diminuição do peso corporal (APPOLINARIO;

BACALTCHUK, 2002).

Um estudo controlado comparando a ação do topiramato com placebo em 61

pacientes com TCAP e obesidade comprovou os achados descritos anteriormente.

Houve remissão completa dos episódios bulímicos em 64% do pacientes que

utilizaram o topiramato (dose média de 212 mg/dia) e em 30% dos que usaram

placebo. A eficácia da zonisamida no TCAP foi comprovada em um único estudo

aberto utilizando dose média de 513 mg/dia, com redução no peso e do número de

episódios compulsivos (BUSSE; SILVA 2004).

Na tabela a seguir, os estudos controlados com placebo para o TCAP.

Tabela 3: Estudos controlados para Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica

(SALZANO; CORDÁS, 2004).

IRSA: inibidor seletivo de recaptura de serotonina; TC: transtorno compulsivo; BN (np): bulimia

nervosa não purgativa; EP: episódios bulímicos; IMC: índice de massa corporal; ES: melhora

estatisticamente significante com o uso do medicamento frente ao placebo; NS: sem diferenças

estatisticamente significantes entre o medicamento e o placebo; NA; não avaliado.

CONCLUSÃO

Os transtornos alimentares são patologias psiquiátricas com apresentações

distintas e critérios diagnósticos bem definidos, caracterizando-se por acentuada

perturbação no modo de alimentar-se.

A anorexia nervosa ainda não possui um tratamento farmacológico

considerado eficaz para a melhora da psicopatologia do transtorno. A ação de

antidepressivos, entretanto, na prevenção de recaídas e de antipsicóticos no ganho

de peso pode sinalizar como deverão ser pesquisas futuras.

Os avanços recentes na pesquisa de novas abordagens farmacológicas para

o tratamento da bulimia nervosa e do transtorno da compulsão alimentar periódica

renovam as esperanças do surgimento de melhores tratamentos para os transtornos

alimentares, inclusive anorexia nervosa, mais novas pesquisas são necessárias para

determinação das doses eficazes e duração do tratamento, bem como diferenças

nos resultados terapêuticos com associação de psicoterapia.

Existem muitas complicações clínicas da anorexia nervosa e da bulimia

nervosa e estas estão ligadas principalmente com o grau de perda de peso corporal

e com os métodos compensatórios utilizados pelos pacientes. Embora existam

muitos tratamentos para estes transtornos, o diagnóstico precoce ainda não é muito

comum em alguns casos e isto dificulta um pouco o tratamento.

O tratamento dos transtornos e de suas complicações deve ser realizado com

acompanhamento psicoterápico e nutricional, com auxílio de uma equipe

multidisciplinar para que o resultado seja mais adequado e satisfatório.

A etiologia dos transtornos alimentares está associada principalmente aos

aspecto sócio-cultural, embora não se deva descartar os fatores biológicos,

psicológicos e familiares. A pressão cultural por manter-se magro, seja apenas para

atender à um padrão estético, ou pela exigência de certas profissões (moda,

esportes), aliada à presença de uma baixa auto-estima, tornam o indivíduo mais

propenso à desenvolver um quadro de transtorno alimentar.

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