andré bologna de castro cardoso
TRANSCRIPT
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
André Bologna de Castro Cardoso
Eficácia e dinamismo da política fiscal: uma discussão entre a visão de
Keynes e da Equivalência Ricardiana
Mestrado em Economia Política
São Paulo, dezembro de 2018
2
André Bologna de Castro Cardoso
Eficácia e dinamismo da política fiscal: uma discussão entre a visão de
Keynes e da Equivalência Ricardiana
Mestrado em Economia Política
Dissertação apresentada à banco examinadora
da Pontifícia Universidade Católica, como
exigência para a obtenção do título de MESTRE
em economia política, sob orientação do Prof.
Dr.Rubens Rogério Sawaya.
São Paulo, 2018
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Ficha Catalográfica
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta dissertação de mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos
Assinatura: ____________________________________________________
Data: / /
E-mail: [email protected]
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André Bologna de Castro Cardoso
Eficácia e dinamismo da política fiscal: uma discussão entre a visão de
Keynes e da Equivalência Ricardiana
Dissertação apresentada à banco examinadora da
Pontifícia Universidade Católica, como exigência
para a obtenção do título de MESTRE em economia
política, sob orientação do Professor Dr.Rubens
Rogério Sawaya.
Aprovado em / /
Banca Examinadora
Prof.Dr. Rubens Rogério Sawaya – PUC-SP
____________________________________________________
Prof.Dr.Antonio Correa de Lacerda – PUC-SP
______________________________________________________________
Prof. Dra.Simone Silva de Deos - UNICAMP
5
Agradecimentos
Inicialmente, gostaria de agradecer ao meu orientador prof. Dr. Rubens Sawaya pelos
ensinamentos e pela condução da dissertação. Seus apontamentos e críticas, além do
notório saber sobre economia foram fundamentais para que essa dissertação pudesse ser
realizada.
Gostaria de agradecer aos prof.Dr. Antonio Correa de Lacerda e profa.Dr. Rosa Maria
Marques por terem participado da minha banca de qualificação, cujas críticas foram
extremamente positivas para o andamento dessa dissertação.
Agradeço à PUC-SP por todo o suporte e a todos os professores do Programa de
Economia Política, cujas aulas ajudaram na minha formação acadêmica.
Agradeço à família: minha irmã Aline, minha mãe Gláucia, e meu pai Eduardo, sem os
quais eu não teria chegado até aqui. Não há palavras para agradecer tamanho apoio e
carinho.
Por fim, agradeço à minha namorada Najara Muchon, cuja paciência, amor e apoio foram
fundamentais durante todo o mestrado e para realização desta dissertação.
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Resumo
A política fiscal sempre foi fonte de controvérsia entre as diversas correntes do
pensamento econômico. Após a Grande Depressão de 1929, a política fiscal, influenciada
pelo pensamento de John Maynard Keynes, ganhou status preponderante na sustentação
da demanda agregada. Contudo, a partir dos anos 1970-1980, ela foi sendo considerada
ineficaz para influenciar a economia e foi se subordinando à política monetária. A crise
de 2008 trouxe importantes revisões na visão convencional sobre o papel da política.
Antes reduzida a mero instrumento secundário de política econômica, no atual debate
econômico, especialmente, com as limitações na política monetária, as ações fiscais
foram alçadas a maior protagonismo. O objetivo desse trabalho é discutir a eficácia e o
dinamismo da política fiscal sob dois prismas diferentes: o de Keynes e o da Equivalência
Ricardiana. A partir dessa leitura de Keynes sobre política fiscal busca-se realizar a crítica
da Equivalência Ricardiana tentando demonstrar que a política fiscal é um importante de
política econômica, pois ela possui dinamismos e seus efeitos são importantes para
economia como um todo.
Palavras-chaves: Política Fiscal; Macroeconomia; Keynes; Equivalência Ricardiana
7
ABSTRACT
Fiscal policy has always been a source of controversy among the various currents of
economic thought. After the Great Depression of 1929, fiscal policy, influenced by the
thinking of John Maynard Keynes, gained preponderance status in sustaining aggregate
demand. However, from the 1970s onwards, it was considered ineffective to influence
the economy and was subordinated to monetary policy. The crisis of 2008 brought
important revisions in the conventional view on the role of politics. Before being reduced
to mere secondary instrument of economic policy, in the current economic debate,
especially with the limitations in the monetary policy, fiscal actions were elevated to
greater protagonism. The objective of this paper is to discuss the effectiveness and
dynamism of fiscal policy under two different prisms: Keynes vision and Ricardian
Equivalence. From this reading of Keynes on fiscal policy we try to make the Ricardian
Equivalence critique trying to demonstrate that fiscal policy is an important economic
policy, because it has dynamisms and its effects are important for the economy as a whole.
Keywords: Fiscal Policy; Macroeconomics; Keynes; Ricardian Equivalence
8
Sumário Introdução ....................................................................................................................... 10
Capítulo 1 - Dinamismo e eficácia da política fiscal em Keynes ................................... 16
Introdução ................................................................................................................... 16
1.1. A problemática da demanda efetiva ................................................................. 19
1.2. Flutuação na demanda efetiva: determinantes do investimento ...................... 24
1.3. Economia Monetária da produção ................................................................... 28
1.4. Necessidade da política fiscal em Keynes ....................................................... 33
1.5 Política fiscal e a prevenção das flutuações da economia................................ 35
1.6. Investimento público e gastos correntes .......................................................... 41
1.7 Multiplicador fiscal .............................................................................................. 43
1.8 Dinamismo do gasto público ................................................................................ 49
1.9 Impostos e dívida pública ..................................................................................... 52
Conclusão ................................................................................................................... 60
Capítulo 2 – Equivalência Ricardiana e negação do papel da política fiscal ................. 63
Introdução ................................................................................................................... 63
2.1. Política fiscal não altera variáveis reais: Equivalência Ricardiana ..................... 63
2.2 Pressupostos e o Modelo de Equivalência Ricardiana ......................................... 68
2.3 Modelo de escolha Intertemporal ......................................................................... 78
2.4 Outras representações da Equivalência Ricardiana .............................................. 81
2.5 Implicações de política econômica ....................................................................... 85
2.6 Estudos empíricos sobre a validade da Equivalência Ricardiana ......................... 89
2.7 Equivalência Ricardiana no debate ortodoxo ....................................................... 92
Conclusão ................................................................................................................. 101
Capítulo 3 – Pensamento de Keynes e a Equivalência Ricardiana no debate pós-crise de
2008 .............................................................................................................................. 104
Introdução ................................................................................................................. 104
3.1 Volta do debate sobre política fiscal................................................................... 106
9
3.2 Equivalência Ricardiana nesse debate: financiamento e redução de impostos .. 109
3.3 Gasto público como remédio para sair da crise .................................................. 116
Conclusão ................................................................................................................. 126
Conclusão ..................................................................................................................... 129
Bibliografia ................................................................................................................... 137
10
Introdução
A política fiscal, entendida como o manejo dos gastos públicos e da arrecadação pública,
é um instrumento de realização de política econômica que os Estados podem utilizar de
diversas formas e para diversos objetivos. Nesse sentido, dentro do pensamento
econômico há um intenso debate sobre qual o papel dessa ferramenta em termos de
impactar a economia tanto no curto prazo quanto no longo prazo.
Desde os anos 1930 até meados dos anos 1970, a política fiscal se tornara um dos
principais, senão o principal, instrumento de política econômica, utilizado pelos governos
para fomentar a economia, reduzindo o desemprego, elevando a renda e evitando que
novas crises econômicas surgissem. Esse maior papel da política fiscal veio com os
escritos do economista inglês John Maynard Keynes.
Dentro do pensamento deste autor, a política fiscal é um importante instrumento não só
para tirar economia da crise, como para evitar que novas venhas acontecer. Nesse sentido,
como veremos no decorrer dessa dissertação, ele advogava por um plano de longo prazo
voltado para o investimento público, cujo objetivo era fomentar o investimento privado e
criar estoque de capital em vistas de elevar a produtividade da economia. A política fiscal,
portanto, tem um impacto importante no cenário econômico.
A partir dessas e da experiência do pós-II Guerra Mundial, houve um consenso entre os
economistas de que o Estado deveria intervir na economia, seja pela política fiscal ou
monetária, com maior ênfase para a primeira, com o intuito de evitar novas crises tal como
a Grande Depressão ocorrida em 1929.
E de fato, mesmo em países como os Estados Unidos, em que sempre vigorou ideias de
não-interferência estatal, o Estado foi um importante ator no cenário econômico no
período que corresponde entre 1945-19701, cuja característica foi a relativa estabilidade
e elevado crescimento econômico. Seja por meio de redução de impostos para fomentar
consumo, seja por meio do gasto público, o ponto é que a política fiscal tinha um papel
preponderante nessa época.
1 Comumente, esse período é retratado na literatura econômica e histórico como “Anos Dourados”, em que
a economia mundial cresceu fortemente, devido à reconstrução do pós-guerra e de várias medidas de
estímulo econômico. Para uma análise detalhada ver Hobsbawn (1995, cap.9)
11
Contudo, já no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970, eclodiu o que se costuma
chamar de estaginflação, uma combinação de baixo crescimento e alta inflação,
comprometeu o período de euforia dos trinta anos anteriores. Esse momento foi uma
ruptura com o pensamento econômico corrente até então e novas ideias vieram à tona.
A chamada Escola Novo-Clássica2 argumentava que qualquer atuação indiscriminada das
políticas econômicas seria neutralizada pelos agentes, os quais se antecipariam a ela, de
modo a não surtirem nenhum efeito na economia. Estava aberto o espaço para as críticas
em torno da atuação do Estado no cenário econômico.
No que se refere à política fiscal, a principal ideia advinda do arcabouço Novo-Clássico,
foi a chamada Equivalência Ricardiana, segundo a qual o financiamento do déficit público
via endividamento público ou aumento de impostos são equivalentes, pois, qualquer
elevação da dívida pública é interpretada como maior peso de tributos no momento futuro.
Dessa forma, os agentes poupam hoje para arcar com obrigações tributárias no futuro,
consequentemente, a política fiscal é neutralizada pelos agentes.
Como será visto ao longo da discussão, ainda que os argumentos propostos pela
Equivalência Ricardiana não sejam aceitos em sua totalidade, alguns são base para noção
de austeridade fiscal e da não-utilização de políticas fiscais de cunho discricionário, pois
elas não são capazes de alterar a demanda agregada da economia, de modo que a política
fiscal se torna ineficaz. Rompe-se, assim, o papel virtuoso da política fiscal, tal como
defendido por Keynes.
A ideia de que a política fiscal é ineficiente como instrumento de política econômica se
mantém presente, principalmente, na visão de que a única tarefa que cabe ao Estado é
manter superávits fiscais, de modo a manter a dívida pública estável. Assim, a defesa do
orçamento equilibrado suplantou qualquer visão que desse um papel de maior destaque
para medidas fiscais que visassem estabilizar a economia e evitar novas crises.
Essa breve síntese sobre evolução do papel sobre a política fiscal3 mostra que a política
fiscal foi perdendo seu papel como importante instrumento de política econômica para
2 Escola Novo-Clássica é uma escola de pensamento econômico surgida nos anos 1970, em que se criticava
a adoção de políticas econômicas, visto que os agentes, por serem racionais, as neutralizariam. Desse modo,
as políticas econômicas deveriam estar submetidas a regras de conduta, caso contrário, não teriam impacto
nenhum na economia. Para maiores detalhes, ver Snowdown e Vane (2005, cap.5) 3 Um detalhamento mais completo sobre evolução do papel da política fiscal ver Lopreato (2013, cap.1)
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fomentar a demanda agregada da economia, afastando-se paulatinamente das ideias
originais de Keynes.
A crise de 2008 colocou em dúvida as ideias de Equivalência Ricardiana. Sendo a pior
que a Grande Depressão de 1929, voltou-se a discutir, tanto no plano teórico quanto
prático, o papel da política fiscal como forma de sair da crise. Assim, em um primeiro
momento, as ideias de Keynes parecem ter sido revisitadas. Com a política monetária
incapaz de sustentar a demanda agregada, por estar próxima a zero e não conseguir ser
reduzida mais, a política fiscal deixou seu papel de subordinação e se tornou protagonista
no debate.
Mesmo assim, com as ideias de Equivalência Ricardiana e de austeridade sendo deixadas
de lado em um primeiro momento, elas ainda continuam ressoando, principalmente, a
partir de 2010 e 2011. Países europeus periféricos, como Grécia, Portugal e Espanha,
viveram seu pior momento em meados de 2011, sendo que a recomendação tanto da
União Europeia quanto do Fundo Monetário Internacional (FMI) era de que eles deveriam
reduzir os gastos e aumentar impostos, como forma de sustentar orçamentos equilíbrios
para que eles pudessem sair da crise.
Nesse sentido, há, ainda, um intenso debate sobre a importância da política fiscal como
instrumento de política econômica, cujo impacto é positivo na economia. Para os
defensores da austeridade, política fiscal expansionista para conter a crise não atingirá
seus resultados, mas, ao contrário, é a contração fiscal que levará ao crescimento.
Enquanto que, por outro lado, outros autores defendem a utilização do gasto público, ao
menos no curto prazo, para fomentar a demanda, gerando emprego e renda.
Dentro desse contexto de um maior debate sobre a importância da política fiscal é que se
insere essa dissertação. O seu objetivo é discutir a eficácia e o dinamismo da política
fiscal sob dois prismas diferentes: o de Keynes e o da Equivalência Ricardiana. A partir
dessa leitura de Keynes sobre política fiscal busca-se realizar a crítica da Equivalência
Ricardiana tentando demonstrar que a política fiscal é um importante de política
econômica, pois ela possui dinamismos e seus efeitos são importantes para economia
como um todo.
Em termos metodológicos, nosso trabalho aqui desenvolvido é de cunho teórico, voltado
para discussão de conceitos econômicos. Assim, não buscamos fazer nenhuma aplicação
13
empírica do que foi apresentado. Por outro lado, para demonstrar a questão da eficiência
e dinamismo da política fiscal, utilizamos alguns estudos empíricos – como aqueles que
buscam calcular multiplicadores fiscais – e econométricos – por exemplo, para situar a
Equivalência Ricardiana no debate ortodoxo. Apresentamos esses estudos dentro da
discussão teórica e não para fazer nenhuma aplicação.
Utilizamos os conceitos eficácia e dinamismo no sentido de mostrar os impactos positivos
da política fiscal na economia. No primeiro caso, o ponto ressaltado é mostrar sua
competência em gerar emprego e renda, inclusive acima do gasto inicial, via efeito
multiplicador. O segundo envolve mostrar a capacidade da política fiscal,
fundamentalmente, o gasto público em gerar suas próprias receitas no longo prazo, por
meio do aumento da arrecadação, decorrente da elevação da renda. Nesse sentido, o
dispêndio público possui um efeito dinamizador não só para toda a economia como para
as próprias contas públicas no longo prazo.
Contudo, é preciso ressaltar um ponto importante: por mais que os pontos apresentados
estejam inseridos dentro da discussão teórica sobre o papel da política, eles são
importantes para se pensar e formular políticas econômicas, visando não apenas o
crescimento econômico, como evitar que crises econômicas, como as de 1929 e 2008,
venham a acontecer novamente. Nesse sentido, ainda que o debate tenha foco a teoria
econômica, suas implicações práticas são elementares.
Por isso, um dos objetivos dessa dissertação é pensar pontos para a construção de políticas
econômicas capazes de atingir propósitos importantes, como geração de emprego, renda,
crescimento econômico e maior estabilidade no âmbito da economia. A discussão aqui
apresentada, em nossa visão, enseja questões a serem levadas em consideração para os
formuladores de política econômica, especialmente, na área de política fiscal.
Nesse sentido, escolhemos por contrapor o pensamento de Keynes e o da Equivalência
Ricardiana, pois ambos são importantes para discussões sobre política fiscal. No primeiro
caso, o autor inglês é um dos mais enfáticos quanto à eficácia e ao dinamismo da política
fiscal, enquanto no segundo caso, é o oposto, em que a política fiscal não exerce impacto
nenhum sobre a economia, e suas implicações teóricas ajudaram na construção das bases
para as políticas de austeridade ainda em voga em vários países.
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No primeiro capítulo, trazemos a abordagem de Keynes sobre política fiscal, começando
com a problemática da demanda efetiva e o papel da política fiscal como um importante
instrumento para evitar a volatilidade natural das economias capitalistas. O ponto central
do capítulo é mostrar que, por meio do multiplicador fiscal, a política fiscal é dinâmica,
no sentido de que ela gera impactos positivos tanto no curto quanto no longo prazo. Isso
quer dizer que, por exemplo, gasto público hoje faz com que a economia se aqueça
permitindo elevar as receitar que irão financiar, no longo prazo, esse dispêndio. Assim,
um déficit hoje pode se tornar um superávit amanhã.
Mesmo a questão entre o financiamento via impostos ou via dívida pública possui
impactos diferentes, em termos de dinamismo, do que pressupõe a Equivalência
Ricardiana. Por isso, dentro desse capítulo 1 vamos utilizando as ideias de Keynes acerca
do papel da política fiscal e como dependendo da forma como ela é feita, os impactos
podem ser diversos. Por isso, já nesse capítulo vamos mostrando como a Equivalência
Ricardiana pode ser criticada por meio do arcabouço utilizado por Keynes e seus
interpretes.
No capítulo 2, apresentamos o Teorema da Equivalência Ricardiana, segundo a qual o
financiamento do déficit – decorrente de redução de impostos - por meio de impostos ou
dívida pública possui o mesmo impacto na economia, visto que os agentes esperam, de
qualquer modo, uma elevação de impostos no futuro, de modo que eles reduzem o
consumo no presente e a economia não é afetada. Apresentamos todos os pressupostos
necessários para que esse teorema funcione, assim como os modelos intertemporais, tal
como proposto por Robert Barro em 1974 em seu artigo “Are government bonds
wealth?”, o qual iniciou o desenvolvimento da ideia da Equivalência Ricardiana.
Além do mais, dentro do capítulo buscamos apresentar como deveria ser executada
política fiscal, diante do ceticismo quanto à eficácia da política fiscal, e tentamos
sintetizar literatura que discute a Equivalência Ricardiana em termos empíricos. Contudo,
como essa ideia é controversa dentro do pensamento ortodoxo, tentamos inserir a
Equivalência Ricardiana dentro do próprio pensamento mainstream apresentando a
contraposição e os estudos empíricos que rejeitam essa visão.
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No último capítulo, buscamos sintetizar alguns pontos do atual debate sobre política fiscal
no mainstream economics no pós-crise de 2008. Assim, vemos como está situada a
Equivalência Ricardiana e as ideias de Keynes nesse debate. Procuramos demonstrar que
o teorema ricardiano vem sendo abandonado em detrimento de maior eficácia da política
fiscal em momentos de crise econômica. Por outro lado, tentamos mostrar que apesar se
reconhecer que política fiscal é importante em momentos críticos, ainda essa posição está
distante da visão de Keynes, visto que para este autor política fiscal não deve ser feita
apenas em momentos de crise, mas para evita-la, inclusive.
16
Capítulo 1 - Dinamismo e eficácia da política fiscal em Keynes
Introdução
O economista John Maynard Keynes é considerado um dos economistas mais brilhantes
e influentes do século XX. Sua obra maior, “Teoria Geral do Emprego, da moeda e do
juro”, continua sendo muito atual para discussão dos problemas econômicos ainda em
voga. Um de suas principais contribuições à teoria econômica foi a de mostrar que o
capitalismo, deixado à suas próprias forças, não conduziria a economia para níveis
elevados de bem-estar, mas, ao contrário, poderia levar a situações como alto desemprego
e crises econômicas profundas, como a de 1929.
Até a eclosão da Grande Depressão, os economistas davam pouca importância à atuação
do Estado na economia, de modo que acreditava-se que o livre mercado, através de seu
mecanismo de preços, geraria bem-estar de todos os indivíduos. Investimento e consumo
eram considerados resultados de maximização de utilidade por parte de empresários e
consumidores. Por isso, não havia espaço nem necessidade para intervenção
governamental.
Contudo, com desemprego elevado e o caos social, o livre mercado começou a ser
questionado como gerador de bem-estar. Como explica Deane (1980, p.225-26), a década
de 1930 trouxe o problema da depressão econômica, cujo resultado era política de laissez
faire. Assim, começaram-se a adotar políticas de maior intervenção governamental – New
Deal, por exemplo. A ideia de que a depressão era fruto de salários acima do equilíbrio
não fazia sentido na prática. É dentro desse contexto que advém Keynes.
Dessa forma, ao romper com as ideias neoclássicas de equilíbrio e de que o livre mercado
conduziria a economia ao seu nível ótimo, Keynes demonstrou que, ao contrário, se
deixada livre, as forças de mercado não conseguiram melhorar a vida de todos:
No entanto, em sua maníaca obsessão pela acumulação monetária, o
capitalismo cria tantos problemas quanto os consegue resolver. A
admirável “criatividade” produtiva e tecnológica não consegue realizar
a promessa da vida boa (Belluzzo, 2016, p.40)
A questão do desemprego é algo que pode ser visto de modo mais claro. Se antes, os
autores neoclássicos não consideram a possibilidade de haver desemprego involuntário,
visto que os recursos estariam empregados de maneira a otimizar produção e as utilidades,
Keynes trouxe a ideia de que o nível de emprego não é determinado no mercado de
17
trabalho, mas é resultado da decisão dos capitalistas em investir (Nunes, 2003, p.1). Caso
eles não quisessem investir, então, não haveria emprego, por mais que houvesse
trabalhadores disponíveis.
Nesse sentido, Keynes indagou por que então os capitalistas não investiam. Sua conclusão
(a grosso modo por enquanto, pois vamos explorar nesse capítulo) é a falta de perspectiva
de lucratividade que faz com que os capitalistas invistam menos:
Na realidade, a simples existência de uma demanda efetiva insuficiente
pode estancar, e frequentemente estanca, o aumento do emprego antes
de se ter alcançado o pleno emprego. A insuficiência de demanda
efetiva inibirá o processo de produção, apesar de o valor do produto
marginal do trabalho continuar superior à desutilidade marginal do
emprego (Keynes [1936] 2012, 26)
É diante do problema de ausência de demanda efetiva e de um nível suficiente de
investimentos para colocar a economia no pleno emprego que a política fiscal em Keynes
se faz necessária, tanto para tirar a economia de uma eventual crise, como para evitar
flutuações econômicas bruscas.
Frequentemente, a política fiscal keynesiana é acusada de promover déficits públicos
excessivos e permanentes, de modo que não haveria qualquer tipo de preocupação com
equilíbrio fiscal:
Mesmo os críticos menos ambiciosos (ou, talvez, melhor informados)
tenderam a identificar o keynesianismo como uma proposição acima de
todas as outras: a legimitidade do uso constante de déficits fiscais como
arma de promoção da prosperidade econômica. Para esses
comentaristas, a essência da política keynesiana estaria na
despreocupação com a geração de déficits fiscais e, assim, na corrosão
da noção de que a indisciplina fiscal possa ter qualquer efeito danoso
sobre uma economia de mercado (Carvalho, 2008, p.9)
Nosso objetivo nesse primeiro capítulo é, justamente, demonstrar que a política fiscal
para Keynes possui uma lógica importante e que não visa geração de déficits
permanentes, pois o próprio autor inglês os rejeitava. Buscaremos demonstrar que,
partindo do problema da demanda efetiva, o papel da política fiscal é a de administrar o
investimento e evitar flutuações bruscas na economia que porventura viessem a causar
fortes crises.
Keynes mostrou que, a forma de realização dos gastos – ou mesmo dos déficits no curto
prazo – e sua forma de financiar geram impactos diversos na economia. Dessa forma, ele
defendia investimento público, pois este aumenta a capacidade produtiva na economia e
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fomentar o investimento privado, de modo que a elevar a renda e, consequentemente, as
receitas públicas são incrementadas, permitindo, assim, equilibrar o orçamento público
no médio e longo prazo.
Veremos que existe preferências na forma como o Estado deve estimular a economia –
como o investimento público sendo preferível à redução de impostos, por exemplo. Para
financiar eventuais déficits no curto prazo, decorrente do tempo que leva para os efeitos
do gasto público surtirem efeito, Keynes defendia a emissão de títulos de curto prazo
como forma de evitar que o consumo ficasse ainda mais estagnado, como no caso de o
gasto ser financiado com aumento de impostos. Ou seja, a própria forma de financiamento
da política fiscal, também, exerce um impacto diverso na economia dependendo da forma
como é realizada.
O capítulo, assim como o restante da dissertação, é de cunho teórico, por isso acreditamos
ser necessário percorrer boa parte da discussão realizada por Keynes – partindo do
problema da demanda efetiva até chegarmos ao debate sobre política fiscal. É importante
ressaltar que utilizaremos trabalhos de interpretes4 de Keynes como forma de mostrar um
certo consenso – dentro da linha pós-keynesiana, por exemplo - sobre as questões
abordadas. Ou seja, mesmo focando no pensamento do próprio Keynes, a utilização de
outros autores se faz importante para clarear a discussão.
Para mostrar toda a lógica da política fiscal em Keynes, dividimos esse capítulo em 9
seções. A primeira aborda a questão da demanda efetiva e como o investimento é o
elemento chave de uma economia capitalista. A segunda trata dos determinantes do
investimento e por que ele tende a oscilar na economia capitalista. Na terceira, trazemos
o conceito de economia monetária de produção para mostrar como a moeda exerce um
impacto importante na tomada de decisões dos capitalistas. Na quarta, apresentamos a
necessidade de intervenção do Estado. Na quinta, discute-se como, na lógica de Keynes,
deve ser executada a política fiscal, focando na questão do investimento público. Na
sexta, apresenta-se a divisão orçamentária proposta por Keynes para melhor realização
da política fiscal. Na sétima, trazemos a discussão do multiplicador fiscal tanto em termos
teóricos quanto resultados empíricos. Na oitava, retomamos a questão do dinamismo da
4 Para evitar polêmicas, ressaltamos que, por mais que haja controvérsias quanto à interpretação do
pensamento de Keynes feita por Dudley Dillard, utilizamos esse autor para explicar pontos básicos, nos
quais não há discordância, e para discutir a questão da dívida pública, a qual ele discutiu com boa
profundidade.
19
política fiscal em Keynes, de modo que o próprio gasto público permite gerar suas receitas
e equilibrar o orçamento público. E por fim, ressaltamos a discussão sobre como deve ser
financiado o gasto público, ou por aumento de impostos ou por emissão de dívida pública.
1.1. A problemática da demanda efetiva
O ponto inicial para entender toda a problemática envolvida na percepção de Keynes
sobre política fiscal é compreender o conceito da demanda efetiva. O autor argumenta
(Keynes, [1936] 2012, p.20-21) que existem dois tipos de gastos na economia: o primeiro
é aquele destinado a pagar os fatores-de-produção, denominado de custos de fatores. O
segundo é aquele que se paga a outros empresários para utilizar os seus equipamentos, ao
invés de deixá-los ociosos, a isso se chama o custo de uso. Quando o excedente produzido
é maior do que esses dois gastos conjuntos se obtém o lucro ou o rendimento do
empresário. Nesse sentido, esta é a quantidade que o empresário busca obter – ou
maximizar – quando decide qual o volume de emprego a oferecer.
Como explica Keynes, a relação entre o preço da oferta (chamado de Z), ou seja, aquele
necessário para empregar um determinado volume de mão-de-obra, e o número de
trabalhadores empregados (N), gera uma função agregada Z=Φ(N):
Por outro lado, o preço da oferta agregada da produção resultante de
determinado volume de emprego é a expectativa de proventos que é
exatamente suficiente para que os empresários considerem vantajosos
oferecer o emprego em causa (Keynes, [1936] 2012, p.21)
De outro lado, segundo Keynes ([1936, 2012, p.21-22), temos o preço de demanda (D),
aquele rendimento que os empresários esperam obter ao empregar uma certa quantidade
de trabalhadores, assim, temos a função demanda agregada D=f(N). Keynes explica que
o preço da demanda é a soma dos rendimentos esperados da realização da venda da
produção, dado um certo volume de emprego.
Do mesmo modo, representa-se por D os proventos que os empresários
esperam receber do emprego de N homens, sendo a relação entre D e N
expressa por D=f(N), à qual poderemos chamar de função da demanda
agregada (Keynes, [1936], 2012, p.22)
Caso os rendimentos esperados sejam maiores do que aqueles necessários para produzir,
então o volume de emprego irá aumentar, e vice-versa. (Keynes, [1936] 2012, p.22).
Nesse sentido, encontra-se a demanda efetiva. Segundo Keynes (ibid, p.22) este é um
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ponto de intersecção entre oferta agregada e a demanda esperada, o que determina o
volume de emprego efetivo realizado pelos empresários. Nesse sentido, esta será
resultado de todos os gastos realizados na economia:
A quantidade de mão-de-obra que os empresários decidem empregar
depende da soma (D) de duas quantidades, a saber, D1, o montante que
se espera que seja gasto pela comunidade em consumo, e D2, o
montante que se espera que seja por ela aplicado em novos
investimentos. D é o que anteriormente designamos de demanda efetiva
[negrito nosso] (Keynes, [1936] 2012, p.25)
A demanda efetiva é aquela que os empresários acreditam que se realizará no futuro,
permitindo que se maximizem seus lucros. O que se nota que a demanda efetiva depende
das expectativas dos empresários quanto ao nível de demanda futuro, ou, em outras
palavras, depende dos rendimentos esperados, o que determina montante de emprego
criado. Keynes considera como fundamental a demanda esperada e não aquela realizada:
Na Teoria Geral Keynes, no entanto, opta por considerar apenas a
demanda esperada pelo empresário, diferente da demanda efetivamente
realizada. Esta última seria, sem dúvida, aquela que se poderia
denominar com mais clareza de “efetiva” segundo o senso comum
(Klagsbrunn, 1999, p.51)
Podemos definir demanda efetiva, portanto, como demanda que os empresários esperam
que seja realizada no futuro. Por isso, conceito de demanda efetiva é ex ante e não tem
relação direta com a demanda corrente:
Assim, deveríamos dizer que a demanda efetiva é aquele valor do
produto agregado, ou aquele volume de vendas que as empresas,
consideradas em conjunto, acreditam que produzirá lucros máximos,
dada sua expectativa da posição da função demanda agregada (Chick,
1993, p.72)
Essa diferenciação entre demanda efetiva e demanda corrente (agregada) é importante. O
nível desta última pode influenciar a tomada de decisão dos capitalistas em realizar
investimentos, mas não é algo automático, pois a realização do investimento só irá ocorrer
se o capitalista acredita que a demanda atual se manterá no futuro, o que pode não
acontecer. Por exemplo, a demanda corrente pode estar elevada hoje por determinado
motivo e o empresário pode acreditar que não durará até o momento em que o
investimento estiver realizado, dessa forma, ele simplesmente não investe, utilizando seus
recursos para outros fins.
21
A demanda efetiva depende de dois gastos fundamentais: com consumo e o investimento.
A problemática da demanda efetiva advém das determinações da função da demanda
agregada e não da oferta. Keynes ([1936, 2012, p.80-81) aponta que a função oferta por
depender de condições físicas da própria produção não tem deve a ser levado em
consideração nessa análise. Por outro lado, a função da demanda agregada depende,
justamente, dos gastos com consumo e investimento de uma comunidade no futuro. O
primeiro é fruto daquilo que Keynes chamou de propensão marginal a consumir:
Definiremos, portanto, aquilo que chamamos de propensão ao consumo
como relação funcional entre consumo entre Yw (determinado nível de
rendimento medido em unidades de salários) e Cw (o dispêndio com
consumo a esse nível de rendimento) (Keynes, [1936], 2012, p.80)
Assim, a propensão a consumir é a proporção do rendimento que a comunidade possui e
é destinada para o consumo. Essa propensão a consumir depende de inúmeros fatores,
incluindo fatores objetivos, dentre os quais o aumento ou decréscimo do rendimento, além
de costumes da sociedade, ou mesmo, da tributação (Dillard, 1964, p.34-25). Segundo
Keynes ([1936] 2012, cap.8), a propensão a consumir é relativamente estável, pois
depende da renda, de modo que os indivíduos aumentam seu consumo absoluto, quando
seu rendimento cresce – ou consome-se menos, quando o rendimento cai -, porém em
uma proporção cada vez menor. Isso porque, à medida que vai satisfazendo suas
necessidades básicas, os indivíduos tendem a poupar cada vez mais.
Admitindo, pois, que a propensão marginal a consumir é função
bastante estável, de maneira que, em geral, o montante de consumo
agregado depende principalmente do montante da renda agregada
(ambos em unidades de salário), e considerando de importância
secundária as variações na mesma propensão (...) (Keynes, [1936]
2012, p.88)
A propensão marginal a consumir por ser relativamente estável a curto prazo e, pelo fato
de que à medida que se aumentam os rendimentos, o consumo aumenta em uma proporção
menor, ela não é capaz, como aponta Dillard (1964, p.35), de manter a demanda da
economia no pleno emprego. Os empresários, portanto, teriam prejuízos, caso
dependessem apenas do consumo dos indivíduos, sendo assim, necessário um certo
volume de investimento para absorver o excesso de produção, ou seja, é preciso que haja
investimentos para superar a defasagem entre consumo e o preço de oferta (Keynes
[1936], 2012, p.26)
22
Esse princípio simples leva, como se verá, à mesma conclusão de antes,
nomeadamente, o emprego só pode aumentar pari passu com aumento
do investimento, a não ser, bem entendido, que se verifique uma
mudança na propensão ao consumo. Na realidade, quando o emprego
sobe, os consumidores vão gastar menos do que o aumento do preço da
oferta agregada e o aumento do emprego terá como saldo uma perda, a
não ser que um acréscimo de investimento venha preencher a lacuna.
(ibid, p.88)
Como a propensão a consumir é insuficiente para manter o dinamismo da economia, o
investimento se torna o elemento central. Dado uma propensão marginal a consumir dos
agentes, o volume de emprego será determinado pelo investimento, o qual depende da
eficiência marginal do capital e a taxa de juros. Nesse sentido, há somente um único ponto
de emprego compatível com o equilíbrio, qualquer outro nível levará à diferença entre
preço de oferta e o preço de demanda (Keynes, [1936], 2012, p.26-27).
Kalecki (1977) expõe de maneira mais clara como o investimento é o determinante da
economia. Segundo ele, a equação do lucro macroeconômico é dada pelo Lucro bruto =
Investimento + Gastos dos capitalistas, visto que ele supõe que os trabalhadores gastam
tudo aquilo que ganham, fazendo com que o lucro no setor de bens de consumo seja
constante. O mecanismo apresentado por Kalecki (1977, cap.4) pode ser resumido:
O consumo dos capitalistas é dado por
Cc = qPt-z + A (1)
em que A é uma parte autônoma e qPt-* é determinada pelos lucros em t-*, ou seja, por
lucros passados. Assim, a fórmula do lucro desagregada tem-se que:
L = I + qPt-z + A (2)
Assim os lucros são determinados pelo investimento hoje e pelo lucro passado. O lucro é
fundamentalmente formado pelas decisões passadas de investimento, ou seja, são uma
função do investimento remoto:
P = f(It-w) (3), assim tem-se que:
F(It-w) = It + qf(It-w) + A (4), fazendo os ajustes tem-se que:
P = It + A\ (1-q) (5),sendo q e A constantes, percebe-se que existe uma redução
de determinação dos lucros de dois para um: agora o que determina os lucros é o
investimento, fundamentalmente.
23
Kalecki (1977) argumenta que os lucros dos capitalistas resultam do consumo destes e do
investimento, ou seja, é o próprio gasto capitalista que irá gerar lucros e,
consequentemente, poupança, visto que os empresários não podem decidir o quanto terão
de lucros, mas podem saber o quanto gastar. Nesse sentido, para obterem mais lucros no
futuro, eles precisam investir, como um todo, mais do que no período anterior, porque,
caso contrário, se investissem o que tivessem ganho no período anterior, os lucros seriam
estacionários.
Eles [empresários] não podem decidir que lucro devem ganhar, porque
não podem decidir quanto devem vender para obter esse lucro. Em
compensação, eles podem decidir e efetivamente decidem a respeito de
quanto vão consumir e investir. E é exatamente o maior ou menor
montante de gastos em bens de investimento e bens de consumo por
parte dos capitalistas que os leva a obter maior ou menor lucro
(Miglioli, 2004, p.240)
Todas essas demonstrações feitas por Keynes e Kalecki servem para demonstrar que o
princípio da demanda efetiva indica que a renda da comunidade é determinada pelas
decisões dos capitalistas, realizadas a partir das avaliações individuais dos empresários
sobre o quanto produzir e o quanto esperam ganhar no futuro, de forma que a tomada de
decisão desses agentes irá determinar tanto o volume de emprego quanto a renda da
comunidade (Belluzzo e Almeida, 2002, p.65).
Dentro dessa perspectiva, é o setor de bens de capital ou de investimentos que determina
o dinamismo da economia. O consumo, portanto, é dependente das decisões de
investimento dos capitalistas, pois é esta que gera o emprego e renda necessários para que
haja consumo. Existe, portanto, uma hierarquia de decisões na economia capitalista:
De gastos, em que as decisões de produzir correntemente bens de
investimento determinam o volume que deve ser produzido no setor de
bens de consumo (Keynes). Em Kalecki, essa hierarquia revela também
o tipo de decisão (a decisão de investimento) que é fundamental para
determinação do lucro (Belluzzo e Almeida, 2002, p.65-66)
Sendo o investimento variável chave na economia capitalista, existe uma hierarquia
social, no sentido de tomada de decisões, em que os capitalistas estão no topo e, portanto,
são suas determinações irão afetar a vida dos trabalhadores, via aumento ou não do
emprego e da renda. A quantidade de trabalho a ser ofertada não é determinada pelos
trabalhadores, mas pelos empresários.
A ideia de comando supõe que a classe empresarial-capitalista tenha
não apenas a propriedade dos meios-de-produção, mas o controle dos
24
meios capazes de mobilizá-los. Nessa economia, a demanda de trabalho
é derivada, no sentido de que a renda e os gastos dos trabalhadores
dependem da decisão de gasto dos capitalistas (Belluzzo, 2016, p.56)
Compreendida essa discussão, nota-se que o que determina a dinâmica do capitalismo é
o investimento: é a decisão de investir dos capitalistas que permite gerar emprego e renda.
Se esta decisão é fundamental para a dinâmica da economia capitalista, é preciso
compreender, então, o que leva empresários capitalistas a mobilizarem recursos para
investir, ou seja, o que faz com que o investimento esteja suscetível a flutuações.
1.2. Flutuação na demanda efetiva: determinantes do investimento
Atentando para os determinantes do investimento, Keynes ([1936], 2012, p.24)
argumenta que são dois os determinantes fundamentais do investimento, a saber a
chamada eficiência marginal do capital e as taxas de juros. É na expectativa de evolução
desses dois componentes, de modo que torne o investimento lucrativo é que os
empresários realizam seus investimentos (Dillard, 1964, p.37)
A eficiência marginal do capital é definida por Keynes ([1936], 2012, cap.11) como a
relação entre rendimento esperado da realização da compra do bem de capital durante
toda sua vida útil em relação ao seu preço de oferta. De maneira mais clara, é aquilo que
o empresário espera obter do investimento realizado em relação ao mínimo que ele espera
obter para oferecer um determinado volume de emprego na produção.
(...) a eficiência marginal do capital é definida aqui em termos da
expectativa do rendimento e do preço de oferta corrente do bem de
capital. Depende da taxa de retorno que se espera obter do dinheiro
investido num bem recentemente produzido e não do resultado histórico
obtido por um investimento em relação ao seu custo original, quando
examinado retrospectivamente depois de terminada sua vida útil
(Keynes, [1936] 2012, p.121)
Se o preço da demanda esperada for superior ou igual ao preço de oferta, o investimento
será estimulado. Segundo Dillard (1964 ,p.38), haverá aumento do investimento, caso
esse rendimento esperado seja superior à taxa de juros, pois esta é base de comparação
para realizar o investimento. É nesse sentido, que esta última exerce um papel importante
na decisão de investir: se ela for muito alta, acaba inviabilizando investimento e vice-
versa:
Se o custo da construção de um novo bem é menor que o preço de
aquisição do bem de capital antigo da mesma natureza, será proveitoso
construir um novo ao invés de comprar um velho. Isso explica o que se
25
quer dizer com taxa de lucro previsto excedendo a taxa de juros
(Dillard, 1964, p.38)
Se a taxa de juros for muito superior ao investimento, compensará ao empresário adquirir
direitos sobre riqueza já produzida, na forma de títulos, ações e etc. Caso, os rendimentos
esperados sejam superiores, será mais interessante para o capitalista comprar bens de
capital para produzir riqueza nova – realizar investimento.
Belluzzo (2012, p.66) sintetiza essa questão e adiciona um elemento a mais do que a
eficiência marginal do capital. Segundo ele, a decisão de investir depende de dois preços,
sendo o primeiro, justamente, a eficiência marginal do capital – preço de produção e do
preço que o bem de capital espera gerar -, enquanto o segundo relaciona o preço das
dívidas com o incentivo dos possuidores de ativos líquidos – moeda – em comprar títulos
ou emprestar recursos para que o bem de capital seja adquirido.
São as expectativas a respeito da evolução provável desses dois
conjuntos de preços que determinarão as decisões quanto à forma de
posse da riqueza dos que controlam os meios de produção e o crédito,
portanto, o ponto de demanda efetiva. Ou seja, o valor monetário do
produto e da renda que os detentores dos meios de produção e os
controladores do crédito estarão dispostos a criar vai depender da
relação entre os dois conjuntos de preços (ibid, p.66)
O investimento ocorre, portanto, quando a eficiência marginal do capital está elevada,
mostrando aos capitalistas que eles obterão retornos altos ao comprarem bens de capital,
mas é preciso, também, que o sistema bancário disponha crédito para a aquisição desse
tipo de bem.
O que torna as decisões de investimento, ou seja, que a eficiência marginal do capital
esteja sujeita a flutuações são as expectativas em torno do futuro (Keynes, [1936], 2012,
p.126). Contudo, o problema está, segundo Keynes (ibid, p.133-134) que o conhecimento
acerca do futuro é precário, quase desprezível. Davidson (2011, p.65) argumenta que a
incerteza quanto ao futuro é radical no sentido de que não é possível, dado o quadro de
informações presente e futuro, saber qual será o lucro futuro
Keynes inovou o conceito de verdadeira incerteza quanto ao futuro.
Segundo ele, se o futuro é incerto, então as receitas futuras possíveis
que se espera que as despesas de investimento de hoje venham a
implicar não são previsíveis, e, portanto, não podem ser previstas
fiavelmente utilizando dados de mercado do passado e do presente
(Davidson, 2011, p.101)
26
Se o futuro fosse previsível, não haveria nenhum problema para a decisão de investir,
contudo não é possível:
Falando francamente, temos de admitir que as bases do nosso
conhecimento para estimar qual o rendimento dentro de dez anos de
uma via férrea, de uma mina de cobre, de uma fábrica de tecidos, da
reputação de um medicamento patenteado, de um transatlântico ou de
um imóvel no centro comercial de Londres significam muito pouco, e,
por vezes, nada (Keynes, [1936], 2012, p.134)
Esse conceito de incerteza se difere do de risco. O segundo é uma situação, na qual a
distribuição de probabilidade de um evento acontecer é conhecida, enquanto no primeiro,
não existe distribuição de probabilidade (Ferrari Filho e Conceição, 2001, p. 103). Em
termos de risco, o indivíduo sabe quais são as possibilidades de um evento futuro ocorrer
– por exemplo, tal evento tem 60% de chance de ocorrer e 40% de não. A incerteza é
completamente diferente, pois não é possível sequer saber qual a probabilidade de tal
evento ocorrer, podendo acontecer qualquer no futuro, com inúmeros cenários
impossíveis de serem previstos.
Os agentes, segundo Keynes ([1936], 2012, p.144-145), são estimulados por um espírito
animal, que é um impulso de realizar algo. Investir é fazer uma aposta no futuro incerto,
de modo que esse sentimento de aventura, quase “animalesco” impulsiona o indivíduo a
se arriscar ao invés de não fazer nada5. Quando esse impulso se retrai, então os
investimentos não são realizados e a economia sofre as consequências.
Nesse sentido, porque o futuro é incerto, os indivíduos, mais
especificamente os investidores, seguem seus instintos, caracterizados
pelo que Keynes chamou de animal spirits. Em outras palavras, o estado
de confiança dos indivíduos é construído a partir de convenções.
Portanto, a adoção de convenções, por parte dos agentes, é a solução
parcial dos problemas de incerteza. (Ferrari Filho e Conceição, 2001,
p.104)
O investimento só será realizado se as expectativas futuras quanto à economia forem
positivas:
A escolha sobre como os recursos disponíveis para o investimento
deveriam ser alocados (se no aumento da capacidade produtiva ou se
em diferenciação de produto, por exemplo) depende da avaliação da
5 “Provavelmente, na maior parte dos casos, quando decidimos fazer algo positivo cujas consequências
finais só produzem os seus efeitos depois de muito tempo, só o fazemos impelidos pelos espíritos animais
– por um impulso espontâneo para agrir, em vez de não fazer nada – e não em consequências de uma média
ponderada de benefícios quantitativos multiplicados pelas respectivas probabilidades quantitativas (...)
Assim, se os espíritos animais arrefecem e o otimismo vaciliar, nos deixando exlusivamente dependente
de uma esperança matemática, o emprrendimento murcha e morre (..)” (Keynes [1936], 2012, p.144-145)
27
firma sobre seus ganhos. Num mundo de incerteza, a escolha de investir
em ativos menos líquidos irá demonstrar um elevado grau de confiança
no futuro e vice-versa (Feijó, 1993, p.92)
Caso as perspectivas de rendimento sejam negativas, então o espírito animal dos
capitalistas se contrai. Contudo:
Por outro lado, quanto melhores forem as expectativas dos empresários
sobre vendas e lucros, mais fortes serão os seus espíritos animais e,
portanto, mantendo-se todo o resto igual, maior será o desejo dos
empresários de investir em instalações e equipamentos (Davidson,
2011, p.104-105)
O problema da demanda efetiva pode ser expresso como a não existência de expectativas
de investimentos rentáveis, de modo que os empresários não investem e não colocam em
movimento o capital produtivo, e, consequentemente, não elevam a oferta de trabalho,
mesmo que haja trabalhadores necessitando de emprego. Os capitalistas não buscam
maximizar produção, muito menos oferecer produtos que satisfaçam necessidades
humanas, mas, sim, almejam lucros.
A explicação deve ser procurada nas instituições do sistema de mercado
capitalista. As fábricas poderiam ser reabertas para que homens
pudessem voltar a trabalhar. Não foram, porque não era lucrativo para
os empresários reabri-las. Em uma econmia capitalista, as decisões
concernentes à produção baseiam-se, antes de tudo, no principio do
lucro, não nas necessidades do homem (Hunt e Shermann, 2013, p.184)
Dentro da teoria de Keynes, portanto, o investimento é o determinante da dinâmica
econômica. Contudo, esta não é uma decisão simples, muito menos automática, pois ela
envolve expectativas sobre o futuro, as quais não são exatas ou sequer conhecidas.
Qualquer percepção negativa sobre as condições futuras da economia, como, por
exemplo, uma demanda futura baixa ou algum outro evento negativo, faz com que os
empresários não empreguem um determinado volume de capital, diminuindo o emprego
e, portanto, a própria renda da comunidade. Como a decisão de investir é complexa e é
tomada em um cenário de completa incerteza, o investimento tende, portanto, a oscilar
fortemente.
A incerteza não pode ser calculada, de modo que é necessário desenvolver estratégias
defensivas. Segundo Belluzzo (2016, p.73-74), as convenções possuem um papel muito
importante para delinear os preços dos ativos – sejam produtivos ou financeiros – como
um guia de como se imagina que será o movimento da economia no futuro. Ainda
segundo este autor, essas expectativas dos agentes não são baseadas nas suas perspectivas
28
individuais, mas na do que os demais acreditam. Este estado de convenção, como explica
Keynes ([1936, 2012, p.136), pressupõe-se que a situação atual se manterá
indefinidamente, a não ser que haja mudanças nas perspectivas, então, esse estado
mudará.
Contudo, uma das estratégias para se precaver da incerteza é a retenção da moeda, pois
ela é o ativo mais líquido da economia:
A incerteza não pode ser calculada. Sob tais circunstâncias, uma vez
que não se pode emitir apólices de seguro contra as incertezas da vida
econômica, é necessário desenvolver outras estratégias defensivas.
Reter moeda, disse Keynes, é a mais comum delas (Carvalho, 1999,
p.262)
Faz-se necessário, portanto, compreender mais fundo como pode ser caracterizada essa
economia capitalista, em que a moeda cumpre um papel decisivo para alocação de
recursos dos capitalistas. Debruçar-nos-emos na análise do que Keynes chama de
economia monetária de produção. Não é possível compreender o papel que Keynes dá à
política fiscal sem entender o papel que a moeda exerce na flutuação do investimento.
1.3. Economia Monetária da produção
O problema da insuficiência de demanda efetiva só pode ocorrer em uma economia
empresarial ou monetária da produção. Keynes (1980) argumentou que a caracterização
correta da economia deveria ser a de uma economia empresarial ou monetária da
produção. Esta se caracteriza pelo fato de que as empresas, ao término da produção,
desejam obter mais dinheiro do que inicialmente tinha no início do processo. Os
empresários só irão investir caso eles tenham essas perspectivas de ganhos maiores no
futuro, portanto, o objetivo primordial dentro da economia é a acumulação de riqueza.
Keynes distingue, a partir do papel que a moeda cumpre, o que seria uma economia de
troca de uma economia monetária de produção. No primeiro caso, a moeda seria apenas
uma conveniência para facilitar as trocas, de modo que ela é neutra, ou seja, não afeta as
decisões de investimento e consumo da sociedade:
É [a moeda] considerada uma mera ligação entre o tecido e o trigo, ou
entre o trabalho do dia gasto na construção da canoa e o trabalho do dia
gasto na colheita. Não é suposto que ela afete a natureza essencial da
transação de ser, na mente daqueles que o fazem, única entre coisas
reais, ou para modificar os motivos e decisões em decorrência dela.
Moeda, dessa forma, é empregada, mas tratada como sendo, em certo
sentida, neutra (Keynes, 1973, p.408)
29
Contudo, ele pensa que a melhor forma de caracterizar economia capitalista como sendo
monetária, no sentido de que a moeda não é uma mera ligação para realização das trocas,
mas que afeta a tomada de decisões dos agentes econômicos:
A teoria que eu sinto falta tratar, em contraposição a esta [economia de
troca], com uma economia em que o dinheiro cumpre um papel próprio
e afeta decisões e motivações e é, em síntese, um dos fatores operativos
na situação, de modo que o curso dos acontecimentos não pode ser
previsto, nem no longo nem no curto prazo, sem o conhecimento do
comportamento da moeda entre o primeiro e o último estágio [ tratando
do circuito D-M-D’]. E é disto que devemos tratar quando falamos de
uma economia monetária (ibid, p.408-409)
Nessa economia, a produção depende da decisão dos empresários de adquirirem fatores-
de-produção em troca de dinheiro no futuro, já que os empresários não querem obter mais
mercadorias ao final do processo, e, sim, mais dinheiro. Diante disso, o empresário deve
tomar uma decisão anterior a produzir, a qual é escolher onde ele irá alocar seu dinheiro:
se para gerar emprego ou de qualquer outra forma, podendo até mesmo se abster de
utilizar dinheiro (Keynes, 1980, p.81-82).
O emprego dos fatores de produção que aumentam a produção envolve
por parte do empresário um dispêndio, não em produtos, mas em
dinheiro. A escolha antes dele decidir se oferece ou não emprego é a
escolha entre usar dinheiro dessa forma ou daquela forma, ou mesmo
não utilizá-lo. (ibid, 1980, p.82)
O circuito dinâmico da economia é D-M-D’, em que o capitalista investe uma
determinada soma de dinheiro para compra de máquinas e equipamentos e contração de
mão-de-obra para produzir uma determinada mercadoria e ao final obter mais dinheiro do
que inicialmente investido. Nesse sentido, para que haja D-M – ou seja, realização do
investimento – é necessário que D’ seja maior que D.
(...) a natureza da produção no mundo real não é, como os economistas
muitas vezes parecem supor, um caso de M-D-M, ou seja, de trocar
mercadoria (ou esforço) por dinheiro para obter outra mercadoria (ou
esforço). Esse pode ser o ponto de vista do consumidor privado. Mas
não é a atitude dos negócios, que é um caso de D-M-D ', ou seja, de
colocar dinheiro para produzir mercadoria (ou esforço) para obter mais
dinheiro (Keynes, 1979, p.81)
O dinheiro, portanto, como aponta Keynes (ibid, p.82), é elemento central, não porque
ela facilita as trocas ou pelo simples fato dela existir, mas porque ele é o objetivo principal
a ser obtido em qualquer economia que vigore as características de uma economia
30
monetária. Os possuidores de riqueza irão colocar seu dinheiro, em ativos que lhe rendem
mais dele no futuro, independentemente se tal decisão afetará ou não o nível de emprego.
Carvalho (1999, p.262) argumenta que a moeda é extremamente importante, afetando as
decisões dos agentes. O curso dos eventos não pode ser previsto nem conhecido tanto no
curto quanto no longo período sem compreender o comportamento da moeda entre o
primeiro e o último evento, assim as decisões de produção e investimento são tomadas a
partir do dinheiro para terminar com mais dinheiro do que inicialmente se investiu.
O dinheiro possui propriedades diferentes dos demais ativos, justamente, porque não pode
ser facilmente reproduzida pelo trabalho, e sua elasticidade de substituição é zero, ou seja,
nenhum outro ativo pode exercer função de unidade de conta, reserva de valor e meio de
troca (Ferrari Filho, 2003, pp.292-293). Dessa forma, não pode ser visto como um ativo
qualquer – tal como um título ou um bem de capital – mas deve ser analisada de modo
diferente, pois suas propriedades são diferentes.
Como explica Davidson (2011, p.47-48), a existência de um equilíbrio com desemprego
está relacionada em parte com o fato de existir uma mercadoria que não é reproduzível –
elasticidade produção zero – e cuja elasticidade de substituição por outros bens também
é zero, que é a moeda. Nesse cenário, haveria um desvio de demanda de bens
reprodutíveis, especialmente, bens de investimento para ativos não-reprodutíveis, aqueles
que são líquidos, como a moeda.
Como consequência, a demanda agregada pode ser inferior à oferta
agregada, porque parte desta demanda pode ser “desviada” para um
bem que é irreprodutível: a moeda. Em outras palavras, a demanda
agregada pode ser deficiente. Uma economia monetária é
caracterizada pelo fato de que a produção é realizada com o objetivo
de gerar lucro monetário (Feijó, 1993, p.83)
Minsky (2011, p.91-96) traz um papel ainda mais fundamental para moeda em um
contexto de economia monetária de produção. Isso porque, uma economia capitalista, as
decisões são tomadas em termos de portfólio: manter ativos e de como financiá-los. Essa
decisão é tomada por meio da análise de fluxo de caixa que estes ativos e passivos geram
em termos de recebimento ou pagamento, respectivamente, em moeda. Dessa forma, a
economia capitalista se caracteriza pela existência de dívidas tanto para receber quanto
realizar pagamentos.
31
A moeda é um “seguro” ou uma garantia para caso haja dificuldades em se honrar os
compromissos financeiros em decorrência de não-pagamentos ou de problemas no
sistema financeiro (ibid, p.96). Assim, por exemplo, uma empresa que possui uma
determinada dívida, tende a pagá-la, através de seus lucros. Se por ventura, ela não
conseguir obtê-los, não haverá como honrar seus compromissos. Agora, se ela tiver um
estoque de moeda líquida em seu caixa, ela poderá fazê-lo.
A posse da moeda – e de ativos financeiros que são quase moedas, ou
seja, contas de poupança, certificados de depósitos etc. – funciona como
‘seguro’ contra a economia, ou mercados particulares, comportando-se
de modo inadequado, quer dizer, de tal maneira que os fluxos de caixa
de operações ou capacidade de levantar dinheiro por meio de transações
financeiras são insuficientes para satisfazer necessidades (Minsky,
2011, p.96)
Por isso, a moeda permite acalmar as inquietudes dos agentes, diante de um cenário de
incerteza. “A possa da moeda real acalma nossa inquietude; e o prêmio que requerimos
para nos desfazermos da moeda é a medida do grau de nossa inquietude” (Keynes, 1937,
p.216). Ter moeda oferece tranquilidade ao seu possuidor diante de mudanças imprevistas
da economia.
Davidson (2011, p.126-127), na mesma linha que Minsky, coloca a moeda como aquele
ativo que permite ao seu detentor se livrar de uma determinada obrigação feita em
contrato, como uma dívida, por exemplo. Por isso, este autor caracteriza a moeda como
máquina do tempo, a qual permite transferir poder de compra hoje para futuro, no
momento em que se for liquidar compromissos realizados:
Enquanto todas as obrigações contratuais forem expressas em termos
de uma moeda específica, o dinheiro irá também funcionar como
armazém de valor que permite o movimento do poder de compra
(estabelecimento contratual) do presente para um futuro indefinido,
onde poderá ser usado para libertar obrigações contratuais futuras (ibid,
p.127)
Dentro de uma economia monetária de produção, em que existem contratos e relações de
dívidas, com obrigações financeiras, entre os agentes, a moeda possui um caráter especial,
pois ela permite comprar tudo e libertar o seu possuidor de constrangimentos (como ter
de vender um ativo para obter dinheiro) no momento de liquidar seus compromissos. A
obtenção de moeda hoje é uma forma de se precaver contra a incerteza futura.
Não à toa, como visto, o objetivo de uma empresa é obter mais dinheiro ao final do
processo e não, simplesmente, otimizar a produção, como pressupõe a teoria neoclássica,
32
visto que para investir, ela precisa tomar crédito e para honrar esse compromisso no futuro
ela precisa de liquidez. Por isso, a empresa só irá realizar um investimento se ela tiver
perspectiva de que conseguirá mais dinheiro para, no mínimo, pagar dívida.
A moeda, ao contrário do que pressupõe a teoria neoclássica, não é neutra, ou seja, ela
possui impactos nas decisões de produção – na economia real – e não só em questões
monetárias – na inflação. Ela é um ativo desejável, porque, por mais que ela não renda
juros, ela é um ativo seguro e plenamente líquido, no sentido de que ela é a própria
riqueza. Diante da incerteza do futuro, os empresários irão optar por não comprar ativos
mais arriscados – como bens de capital – e vão preferir moeda, o que irá causar
desemprego.
Dentro dessa economia monetária de produção, a problemática da demanda efetiva existe,
porque o objetivo único dos empresários é obter mais dinheiro, independentemente, seja
por meio da produção ou seja poupando mais, e, como as expectativas sobre ganhos
futuros são incertos, ainda mais ao realizar investimentos em bens de capital, caso não
haja um cenário positivo à frente, eles irão optar moeda, já que ela é um refúgio contra a
incerteza.
O problema, segundo Carvalho (1999, p.266), está no preço relativo dos ativos: é a
alocação dos ativos, das formas de riqueza que fazem o mercado falhar. A incerteza
quanto aos rendimentos futuros dos bens de capital torna-os inferiores à moeda. Os preços
dos ativos penalizam os bens de capital em detrimento da moeda, reduzindo seu preço de
demanda em relação ao de oferta. Os agentes retêm moeda e não investem, causando
desemprego.
Nesse sentido, as crises de insuficiência de demanda efetiva, que
provocam desemprego, manifestam-se porque, numa situação em que a
incerteza sobre o futuro aumenta, os indivíduos passam a reter moeda,
postergando suas decisões de dispêndio (Ferrari Filho, 2003, p.293)
A incerteza, dentro do contexto de uma economia capitalista, na qual prevalece a
propriedade privada e cujo ônus recai sobre os seus detentores é causa para as flutuações
da economia, inclusive podendo causar crise, porque a moeda é uma alternativa à
aquisição de ativos reais:
É preciso repetir que não é a incerteza em si a causadora desses
resultados, mas o modo como ela emerge em economias monetárias de
propriedade privada e a forma possível de reduzi-la, isto é, através da
33
acumulação de riqueza na forma de ativos líquidos, particularmente a
moeda (Carvalho, 1999, p.266-267)
Diante da incerteza, como visto, a moeda se torna um ativo mais desejado em relação a
outros, como ativos de capital, por exemplo. Essa decisão de alocar a riqueza na forma
mais líquida é causa fundamental da insuficiência de demanda efetiva:
Se as perspectivas de futuro são incertas sobre seus rendimentos, o
dinheiro é preferível a bens de capital, destacando a preferência pela
liquidez dos homens de negócios bem como o uso do dinheiro como
loja de riqueza. Nestas condições, o que é geralmente usual nessa
economia, é a demanda por dinheiro ao invés de bens de capital que
provoca a insuficiência de demanda efetiva que esfria a atividade
econômica, subjulgando conjuntamente o emprego e a produção
(Arestis, Ferrati-Filho e Terra, 2015, p.2)
A economia capitalista está sujeita a flutuações, com expansões e queda da atividade
econômica, em decorrência das variações no investimento, por causa da incerteza quanto
ao fato e da preferência pela liquidez. É dentro desse contexto que a política fiscal ganha
um espaço importante para visão de Keynes, como forma de estimular o investimento
privado.
1.4. Necessidade da política fiscal em Keynes
Entendido que o investimento está sujeito a flutuações bruscas em uma economia
monetária de produção, em decorrência da existência de um ativo seguro, o qual permite
aliviar tensões, surge a questão da necessidade de intervenção para amenizar essas
flutuações na economia. A contradição entre bem-estar individual – ficar líquido e,
portanto, seguro - e coletivo – não realização de investimento e, dessa forma, não geração
de emprego e renda -, em uma economia como monetária de produção, faz com que seja
necessária a intervenção do Estado:
É essa contradição entre racionalidade individual e social que cria a
necessidade de intervenção. Se as incertezas não podem ser eliminadas,
e têm de ser suportadas pelos próprios indivíduos, não se pode esperar
que soluções surjam de forma espontânea. Algo deve ser feito de fora
da economia (Carvalho, 1999, p.265)
É dentro dessa dinâmica de economia monetária de produção, em que a moeda cumpre
um papel decisivo na escolha de alocação de riqueza é que a política fiscal possui função
importante para a economia.
Carvalho (2008, p.10-11) afirma que um dos problemas centrais da economia, na visão
de que Keynes, era de que o capitalismo deixado por si só não consegue manter um nível
34
de demanda agregada adequada para gerar o pleno emprego. Portanto, diante dessa
constatação, o Estado deveria intervir na economia com o intuito de cobrir essa falta de
demanda agregada para se gerar o pleno emprego.
O outro problema do capitalismo moderno era sua incapacidade de
gerar continuamente o nível de demanda agregada capaz de alcançar
ou, mais adequadamente, de sustentar o pleno emprego e a plena
utilização da capacidade produtiva existente (Ibid, p.11)
Segundo Afonso (2012, p.28), quando os elementos endógenos da economia, como o
gasto com o investimento e o consumo, se retraem, decorrente de uma crise de confiança,
surge a necessidade de um agente exógeno, neste caso, o gasto público, para
contrabalancear a retração dos gastos privados.
A insuficiência de demanda agregada por parte dos gastos privados faz com que haja
necessidade de maiores gastos públicos. Visto o setor privado – empresas e consumidores
– retrai seus gastos, porque não veem perspectivas de ganhos futuros ou por causa do
aumento do desemprego, é preciso que o Estado gaste, porque ele, em teoria, não
necessita de lucros.
Apenas a disposição do Estado em intervir sempre que houvesse a
perspectiva de insuficiência de demanda agregada poderia garantir a
sustentação do pleno emprego. É neste contexto que emerge uma
estratégia de política econômica caracteristicamente keynesiana
(Caravalho, 2008, p.11-12)
Durante esse processo de baixo investimento, o desemprego se eleva e a renda da
comunidade cai, levando à uma recessão econômica. Para evitar esse cenário, é necessária
a atuação do Estado, através de políticas macroeconômicas (Arestis, Ferrari-Filho e Terra,
2015, p.2). Ainda segundo estes autores, as políticas macroeconômicas, tal como
propostas por Keynes são importantes por três motivos: são importantes âncoras para as
expectativas privadas, porque possuem um impacto direto sobre a demanda da economia
– aqui, fundamentalmente, a política fiscal -, podendo substituir os gastos privados
sempre que elas forem reduzidas. Por fim, as políticas macroeconômicas podem criar uma
estrutura institucional mais estável.
A política fiscal é uma forma do Estado tentar sustentar expectativas positivas sobre as
decisões de investimento dos empresários ao manter uma demanda efetiva mais elevada.
Dessa forma, ela atua como um sinal ao mercado de que o governo está gastando e
35
investindo para manter a eficiência marginal do capital mais elevada e assim, criar
condições satisfatórias para fomentar o investimento privado.
Então, as políticas macroeconômicas são o verdadeideros “sinais de
mercado” na economia Pós-keynesiana, servindo como base em acerca,
da qual homens de negócios formam suas boas expectativas em suas
decisão-realização do processo de investimento (Arestis, Ferrari Filho
e Terra, 2015, p.3)
Minsky (2013, p.336-337) considera que, nesse contexto, é inevitável a intervenção do
que ele chama de Estado Grande (big government), cujo objetivo é realizar gastos
públicos que sustentem os lucros da economia. Com esse objetivo, a atuação do déficit
público é fundamental para conter novas depressões:
Graças a ele [Estado Grande], a marcha para as grandes depressões é
interrompida por vigosos déficits governamentias que sustentam ou
até aumentam os ganhos empresariais. Com a preservação dos lucros,
os níveis de emprego são garantidos ou até aumentados (ibid, p.336)
A política fiscal em Keynes, portanto, é um importante instrumento não só para evitar
que novas depressões venham a acontecer, como para estimular o próprio crescimento
econômico, via aumento da renda e do emprego.
Dentro dessa perspectiva proposta por Keynes, a política fiscal não deve ser executada de
qualquer maneira, mas ela deve ser feita, justamente, para criar, via demanda efetiva mais
alta, expectativas favoráveis quanto à evolução da eficiência marginal do capital – ou dos
rendimentos esperados – evitando a própria flutuação do investimento e,
consequentemente, da própria economia.
1.5 Política fiscal e a prevenção das flutuações da economia
O gasto público, dentro dessa visão, não pode ser interpretado como meramente como
gasto desenfreado por parte do Estado e, consequentemente, a economia consegue sair da
crise. Lopreato (2013, p.4-5) mostra que Keynes defendia ações no curto prazo, como
resolver problemas mais emergenciais, e de longo prazo, ligados mais à manutenção da
demanda agregada em níveis adequados.
Nunca é demais insistir que, no contexto particular da Grande
Depressão, Keynes defendia o aumento do gasto público e não dava
maior importância para diferenciar sua natureza, pois o crucial naquelas
circunstâncias era elevar o gasto e, junto, a dívida do governo (Afonso,
2012, p.72-73)
36
Em um contexto grave de depressão econômica, realmente, o que importa é que o Estado
realize uma política fiscal ativa, independente da qualidade do gasto. A famosa ideia de
cavar buracos, de construir catedrais, pirâmides e mansões (Keynes, 2012, p.198) como
forma de recuperação da economia são exemplos extremos e irônicos, mas que indicam
que em uma situação grave, tal como foi a Grande Depressão, qualquer gasto seria válido
para acabar com ela. Podemos tomar, assim, a ideia de gasto público indiferenciado como
uma exceção – em situações extremas de debilidade econômica - dentro da política fiscal
tal como proposta por Keynes.
Superada a crise, em outro contexto, quando muito da oscilação,
Keynes introduziu o debate sobre a natureza e a qualidade do gasto
público como parte dos esforços para evitar que a depressão voltasse a
se repetir e, se isso ocorresse, ao menos para tentar atenuar seus
impactos. Nessas novas circunstâncias, o governo gastar em
investimento passaria a fazer diferença em relação às demais despesas
(Afonso, 2012, p.74)
A ação governamental não deveria estar focada no curto prazo, e sim, em ações voltadas
para o longo prazo, as quais deveriam constituir o cerne da política fiscal. Keynes (1980,
p.322-323) argumenta que o objetivo da política fiscal é prevenir longas flutuações
através de um programa de longo prazo, que se derem certo, não será difícil compensar
pequenas flutuações, através da antecipação (para estimular a economia) ou atraso (para
desaquecer a economia) de algumas obras do programa de longo prazo. Esse programa
de ação de longo prazo teria papel de manter a demanda agregada e melhorar as
expectativas dos empresários quanto à eficiência marginal do capital.
Uma vez estabelecido um programa de longo prazo de investimentos
produtivos, as oscilações que se apresentarem no curto prazo são mais
facilmente contornáveis, no bojo do próprio programa de longo prazo,
por meio da antecipação de algumas medidas futuras, haja vista o
surgimento dos primeiros sintomas de insuficiência de demanda
efetiva, ou pelo postergar de algum projeto de investimento, porquanto
se percebam quaisquer sinais de excesso de demanda agregada (Ferrari
Filho e Terra, 2014, p.5)
Nesse sentido, o papel da política fiscal é evitar flutuações bruscas no longo prazo,
permitindo, inclusive, amenizar as oscilações no curto prazo.
Se dois terços ou três quartos do investimento são realizados ou
influenciados pelas autoridades públicas ou semi-públicas, um
programa de longo prazo com caráter estável deveria ser capaz de
reduzir o alcance das flutuações a limites muitos mais estreitos do que
antes, quando o pequeno volume de investimento sob controle público
e mesmo quando esta parte tendia a seguir ao invés de coririgr a
37
flutuação investimento no setor estritamente privado da economia
(Keynes, 1980, p.322)
A política fiscal, pensada como um plano de gastos públicos, voltada para o investimento
público, permite não só tentar manter a eficiência marginal do capital mais elevada, por
meio da sustentação da demanda efetiva no longo período, assim como, o próprio Estado
pode ajudar a amenizar as flutuações de curto prazo com antecipação de certos projetos
incluídos nesse plano para momentos que a demanda estiver baixa, e diminuir ritmo das
obras para quando a demanda estiver alta, visando evitar possíveis impactos
inflacionários.
Portanto, diferenciando as medidas de curto – geradoras de déficit público – e de longo
prazo, dentro dessa dinâmica da política fiscal para Keynes temos que
(...) o desenho da política de investimento de longo prazo teria a função
de criar as condições de a economia alcançar seu pleno potencial de
crescimento e de manter o equilíbrio de pleno emprego, ao passo que o
uso de medidas emergernciais de curto prazo, geradoras de déficit
público, atenderia à necessidade de correção de eventuais
desequilíbrios (Lopreato, 2013, p.7)
Keynes ([1936] 2012, cap.24) utiliza o termo socialização do investimento para designar
essa situação, na qual o Estado atua de maneira mais intensa, via investimentos públicos
– ou até mesmo empresas estatais, que não concorram com o setor privado – de modo a
orientar e estimular, manteando a demanda agregada e a eficiência marginal do capital
em patamares mais altos, para o setor privado a continuar investindo. Ou seja, o Estado
não precisa controlar os meios de produção, como no socialismo, mas manter a eficiência
marginal do capital alta:
Não é a propriedade dos instrumentos de produção que importa ao
Estado assumir. Se o Estado estiver em condições de determinar o
montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses
instrumentos e a taxa básica de remuneração dos seus detentores, terá
realizado tudo o que é necessário (ibid, p.344)
Nota-se que a socialização do investimento de maneira nenhuma é feita para rivalizar com
o setor privado6, pois este continua como elemento importante para a economia
capitalista. A função do Estado não é fazer o que o setor privado faz, mas complementar
gastos que não são realizados no período, em que as expectativas estão baixas. Ou seja, é
6 Diferentemente do crowding out defendido por autores de cunho ortdoxo, em que o investimento público
apenas subsitui o investimento privado, no caso de Keynes, o primeiro ajuda a expandir o segundo, de modo
que eles são complementares e não rivais.
38
manter a eficiência marginal do capital em patamares suficientes para que o setor privado
se veja incentivado a investir e, consequentemente, aumentar o emprego. Gasto público
e dispêndio privado são complementares.
Isto porque, para Keynes, "a socialização do investimento" representa
o único meio de que dispõe o Estado para assegurar o pleno emprego,
diante da instabilidade e insuficiência do investimento privado.
Contudo, não implica isto uma negação do investimento privado, mas
a maneira de o Estado cooperar com a iniciativa privada. Não se trata
de nenhum socialismo estatal, pois não atinge, nem deve atingir, os
meios de produção (Corazza, 1983, p.56)
Nesse sentido, a política fiscal, tal como proposta por Keynes, deveria ser bem mais ativa
no sentido de fomentar investimentos de modo a estabilizar o emprego ao invés de
simplesmente realizar gastos voltados para o consumo, pois ele acreditava que causariam
gerariam mais déficits mais elevados (Keynes, 1980, p.322), pelo fato de seus efeitos
multiplicadores serem menores.
É claro que a proposta de política mais significativa da Keynes para a
estabilização econômica foi a variação dos planos de investimento por
entidades públicas e semi públicas em oposição à variação de renda
através de políticas fiscais. O que é igualmente importante na análise de
Keynes, no entanto, é o tipo de despesa do governo a ser considerada
uma despesa de investimento (Brown-Collier e Collier, 1995, p.345)
Ferrari Filho e Terra (2014) mostram que a preferência de Keynes pelo investimento
produtivo de três pontos: primeiro, de que são as decisões de investimento que geram
riqueza para sociedade; segundo, e como dito acima, os efeitos multiplicadores do
investimento são muito maiores do que os de consumo; e por fim, Keynes não acreditava
que a capacidade produtiva estivesse saturada, de modo que oferta não ultrapassaria a
demanda abrindo espaço para novas inversões.
A não-saturação dos investimentos, ou seja, a possibilidade de elevar o estoque de capital
da sociedade é ponto principal, porque Keynes prefere a utilização do investimento
público a políticas fiscais voltadas para renda e consumo:
Surge então a pergunta, por que hei de preferir uma escala pesada de
investimento para aumentar o consumo. Minha principal razão para isso
é não crer que tenhamos atingido nada parecido com o ponto de
saturação de capital. Seria interessante para o padrão de vida a longo
prazo que aumentássemos materialmente nosso capital. Depois de vinte
anos de investimento em larga escala eu esperaria ter de mudar de ideia.
Até nesse meio tempo, a questão é de grau. Mas por certo, nos primeiros
dez anos após a guerra – eu esperaria mais dez depois disso – não seria
do interesse da comunidade incentivar maiores gastos com comida e
bebida às expensas de gastos com habitação (Keynes, 1980, p.350)
39
Além do mais, como esses mesmos autores salientam, os gastos públicos não devem
substituir ou mesmo competir com os gastos privados, mas, ao contrário, eles devem ser
complementares no sentido de que o primeiro deve manter as expectativas positivas dos
agentes privados, de modo a induzi-los a investirem.
Deve-se promover a complementaridade entres as iniciativas privada e
pública sendo que essas últimas, par excellence, devem funcionar como
indutoras das primeiras e, assim, como estabilizadoras das flutuações
cíclicas do sistema econômico. Não é demais salientar que as
expectativas dos agentes são o fator desestabilizador do sistema e que,
portanto, é sobre elas que atuará a política fiscal de gasto com
investimento. Tão claro deve ser isso que Keynes elabora a noção de
orçamento de capital para que o investidor produtivo tenha a atuação
estatal compromissada consigo (Ferrari Filho e Terra, 2014 p.6)
O investimento público pode sustentar a demanda efetiva de duas formas: 1) setor público
irá contratar trabalhadores, os quais recebem uma determinada renda. Eles irão consumir
produtos do setor privado, fundamentalmente, bens de consumo, fomentando a demanda
por esses produtos. As empresas desse setor também contratarão trabalhadores e
comprarão material de outras empresas e assim sucessivamente. Com o multiplicador da
renda, o gasto público inicial irá aumentar a renda da comunidade mais que
proporcionalmente. De outro lado, 2) o Estado necessitará comparar materiais e bens de
capital das empresas desse setor, disparando, novamente, o multiplicador de renda, visto
que as empresas de bens de capital contratarão novos trabalhadores (que irão consumir
bens de consumo) e comprarão máquinas e equipamentos das empresas do mesmo setor.
Para corroborar essa análise, em um estudo sobre o impacto do investimento público no
Reino Unido, Creel-Monteperrus-Veroni e Saraceno (2006, p.398) concluem que o
investimento público possui efeitos permanentes e positivos sobre o PIB:
Note, no entanto, que o investimento público ainda tem um impacto
positivo no PIB real cerca de 5 anos após a ocorrência do choque. De
modo geral, os impactos positivos significativos do investimento
público no crescimento econômico em todo período são maiores que os
impactos negativos significativos (ibid, p.394)
Esse movimento de compra de bens e contratação de trabalhadores, fomentada pelo efeito
multiplicador do gasto, faz com que a demanda efetiva possa se sustentar, incentivando
as decisões de investimento do setor privado, visto que as expectativas se tornam mais
favoráveis. A política fiscal de longo prazo, tal como pensada por Keynes, tem,
40
justamente, esse intuito de, através do investimento público, permitir que a demanda da
economia se mantenha aquecida, assim como o emprego e a renda estabilizados.
Keynes, portanto, não defendia o uso da política fiscal apenas nos momentos de crise,
mas como forma de preveni-las:
Em outras palavras, uma política anticíclica não é apenas uma política
de investimento público para atenuar os efeitos de uma crise, mas
principalmente uma política que reduza as chances de ocorrência de
novas crises no futuro. É uma política de manutenção da prosperidade
econômica, e não apenas a “economia da depressão (Oreiro e de Paula,
2009, p.1)
A política fiscal deveria ser utilizada para evitar que a insuficiência de demanda agregada
afetasse as expectativas dos agentes de maneira negativa. Diante de um quadro, no qual
houvesse indicativos de que a demanda agregada e a perspectiva futura estariam se
degradando, o Estado deveria utilizar o gasto público para evitar uma crise no momento
posterior, ou seja, a política fiscal não deve ser utilizada após uma crise acontecer, mas,
ao contrário, deve evitar que ela venha a ocorrer:
Nesse aspecto, deve-se ressaltar também que Keynes propunha uma
atuação preventiva da PF [política fiscal] (assim como da política
monetária), e não corretiva. Ou seja, o objetivo da PF deve ser o de
evitar a deficiência de demanda efetiva, e não compensá-la a posteriori
(Hermann, 2006, p.5)
O gasto público, portanto, cumpre o papel de manter a demanda da economia aquecida,
de modo a tornar as expectativas dos agentes, via manutenção da eficiência marginal do
capital acima da taxa de juros, positivas e com isso fomentar o investimento privado.
Diante da insuficiência de demanda efetiva, cabe ao Estado intervir para evitar que as
expectativas negativas quanto ao futuro da economia levem ao aumento do desemprego
involuntário.
A economia não pode ser estabilizada nem suas flutuações serem eliminadas, pois o papel
da incerteza impede com que os empresários invistam na medida exata para se alcançar
o pleno emprego7. A política fiscal, dentro desse contexto, deve ser ativa para sempre
buscar manter as expectativas mais positivas possíveis para evitar flutuações muito
bruscas no nível de investimento, gerando crises econômicas.
7 O próprio Keynes reconhecia a dificuldade de se atingir o pleno emprego: “A demanda efetiva associada
ao pleno emprego é um caso especial, só realizado quando a propensão ao consumo e o incentivo a investir
se encontrarem em uma relação particular entres si” (Keynes, [1936] 2012, p.24).
41
Nesse sentido, se a lógica de atuação do Estado deve ser essa, principalmente, através de
um programa de longo prazo, voltado para atividades produtivas que possam estimular a
economia e proteger – ou mesmo aumentar – o emprego, é necessário uma forma de
estruturar essa função do Estado, já que além de ser esse elemento exógeno a manter a
demanda da economia, ele possui outras funções dentro da sociedade, tais como prover
serviços básicos à população.
Com o intuito de mostrar esse importante papel do Estado de manter a demanda da
economia aquecida, Keynes defendia que o Estado deveria utilizar a política fiscal com
maior foco no investimento público e dando importância menor para os gastos correntes.
1.6. Investimento público e gastos correntes
Keynes não só defendia que o Estado deveria intervir na economia, via gasto público,
para manter a demanda agregada, como propunha uma forma de gerir o orçamento
público, no sentido de priorizar determinados gastos com o intuito de atingir esse objetivo.
Como visto, este autor acreditava que a melhor forma de evitar as flutuações da demanda
efetiva era um plano de longo prazo por meio de investimentos públicos, principalmente,
em infraestrutura. Nesse sentido, o orçamento público deveria refletir essa situação, já
que, como escreve Carvalho (2008, p.21), o Estado cumpre importante papel na
economia, tanto ao prover serviços básicos à população, mas ao mesmo tempo evitar a
flutuação da economia.
Desse modo, como aponta esse autor (ibid, p.22), a proposta de Keynes para evitar
conflito entre essas duas tarefas era “a separação entre os dois orçamentos se destinaria
precisamente a separar aquelas funções de Estado que não podem ser adiadas ou
suprimidas, nem mesmo temporariamente, daquelas cuja função seria anti-cíclica”. De
certa forma, o objetivo de Keynes era separar o orçamento de modo a facilitar e tornar
mais eficiente a intervenção estatal, separando, de maneira adequada, esses dois tipos de
ações, os quais são diferentes.
Segundo Lopreato (2013, p.6-7), essa divisão se daria em duas contas: corrente e o capital.
O primeiro se refere às atividades ligadas à administração pública e aos gastos correntes,
sendo que esse orçamento deveria ser superavitário e financiado pelos próprios impostos,
enquanto o capital, o qual é aquele em que se computam os gastos com investimentos
públicos, poderia ser deficitário, pois, ele paga a si mesmo (Keynes, 1980, p.277 e 320-
42
322), visto que ele é capaz de gerar renda para a economia e, portanto, suas próprias
receitas.
A saída proposta por Keynes passava pela elaboração de dois
orçamentos fiscais, o de gastos correntes e o de gastos de capital. O
primeiro cobriria as despesas rígidas, inadiáveis do governo, destinadas
a garantir a oferta de bens públicos na medida necessária. O orçamento
corrente, segundo Keynes, teria de estar equilibrado todo o tempo. Já o
orçamento de capital seria ativado quando a demanda agregada se
afastasse do nível de pleno emprego, acima ou abaixo desse nível
(Carvalho, 2008, p.21-22)
Para Keynes (1980, p.277) as flutuações, como visto, seriam melhor controladas se
houvesse gastos públicos voltados para investimentos de longo prazo. Ele afirma que
orçamento ordinário deve ser superavitário de modo a ser transferido para o orçamento
capital, o qual tira o peso morto da dívida para atividades produtivas. Os gastos com
custeio geram menos impactos na economia, pois não estão ligados ao aumento da
capacidade física, desse modo, são menos preferíveis ao investimento produtivo (Afonso,
2012, 82) como forma de evitar movimentos de retração da economia.
Como apontam Ferrari Filho e Terra (2014, p.4), o receio de gerar déficits no orçamento
corrente se deve, primeiramente, à criação de dívidas, para financiar esses gastos, sem
que nenhuma contrapartida produtiva; em segundo lugar, haveria aumento da taxa de
juros, em decorrência da concorrência por recursos com o setor privado, já que não
haveria aumento do estoque de capital da economia; e por fim, risco de dependência do
crescimento e do perfil da dívida, sendo que o Estado poderia ficar preso à necessidade
de emitir dívidas novas para pagar as antigas. Portanto, o orçamento corrente
(...) deveria ser, sistematicamente, equilibrado e, quando possível,
superavitário. Estes superávits, idealmente, deveriam ser gerados pelo
aumento endógeno da receita do governo, isto é, através do aumento da
base de arrecadação (a renda agregada) e, portanto, nos períodos de
maior prosperidade econômica. Nessas fases, os recursos excedentes do
governo deveriam formar um fundo para financiar os gastos públicos
em investimentos, necessários nos períodos de deficiência de demanda
efetiva (Hermann, 2006, p.4)
Por outro lado, o orçamento capital, como próprio aponta Keynes (1980, p.320) “Mais do
que isso, a própria razão pela qual a despesa de capital é capaz de se pagar a si mesma a torna
muito melhor em termos orçamentários e não envolve o aumento progressivo de dificuldades
orçamentárias”. O gasto com investimento público não só é ideal por aumentar a
capacidade produtiva da economia e evitar flutuações econômicas, como gera seus
43
próprios retornos pelo aumento da arrecadação, decorrente da maior indução na atividade
econômica.
Segundo, Lopreato (2013, p.6), a ação pública no fomento ao investimento – tanto em
termos de custos quanto em receitas – se parece com o do setor privado, provendo garantia
de retorno e gestando as próprias condições de se financiar: “Além disso, o investimento
ainda apresentaria outra vantagem: contribuiria para produzir indiretamente um retorno (via
aumento de receita) que ajudaria a pagar o próprio custo do projeto” (Afonso, 2012, p.79).
Assim sendo, o orçamento de capital é aquele em que se discriminam
as despesas referentes a investimentos produtivos feitos pelo Estado a
bem da manutenção da estabilidade do sistema econômico. Esses
investimentos devem ser realizados por órgãos públicos ou semi-
públicos, desde que com objetivos claros de regulação do ciclo
econômico (Ferrari Filho e Terra, 2014, p.6)
Essa distinção entre os orçamentos e o maior papel dos investimentos produtivos
decorrem de seus efeitos macroeconômicos e de ampliação da estrutura física. Como
aponta estudo do FMI (IMF, 2014, cap.3), investimento público em infraestrutura, por
exemplo, traz dois resultados para a economia, sendo o primeiro aumento da demanda
agregada – visto que para construir pontes, rodovias, portos e etc, é necessário contratar
uma enorme gama de trabalhadores e de fornecedores– e em segundo lugar, ocorrerá um
fenômeno de crowding in, em que o gasto público estimula o setor privado a realizar
novos investimentos.
No curto prazo, aumenta a demanda agregada através do multiplicador
fiscal de curto prazo, semelhante a outros gastos do governo, e também
por potencial crowding in no investimento privado, dada a natureza
altamente complementar dos serviços de infra-estrutura (ibid, p.78)
Investimento em capital físico, tais como estradas, portos, telecomunicações são
investimentos públicos importante, os quais permitem não só aumentar o estoque de
capital físico, como reduzir custos do setor privado, visto que com a infraestrutura
implementada, a logística, por exemplo, se torna mais eficiente, e permite ampliar a
produtividade da economia.
1.7 Multiplicador fiscal
Para entender melhor a dinâmica do gasto público na teoria proposta por Keynes, é
necessário compreender outros dois conceitos fundamentais – que basicamente são a
mesma coisa - desse arcabouço: multiplicador da renda e o fiscal. Introduzindo o
44
primeiro, Keynes ([1936, 2012, p.102-103) argumenta que multiplicador é a razão entre
o emprego total e o emprego relacionado ao investimento – ou melhor, ao gasto realizado
na economia. Basicamente, multiplicador mostra o quanto a renda se eleva, decorrente de
um aumento do investimento.
Keynes (1933) argumentava que um determinado investimento inicial – como em
estradas – gera um incremento de empregos indiretos em outros setores – como
transportes e compra de materiais – que, por sua vez, irão gerar mais gastos nas compras
de outros bens.
Para corresponder aos gastos ampliados dos salários e lucros que estão
associados ao emprego primário, a produção de bens de consumo é
incrementada. Aqui novamente salários e lucros são ampliados e o
efeito será transmitido, embora com intensidade reduzida. E assim se
segue ad infinitum (Kahn, 1931, p.173 apud Leite, 2014)
É possível estabelecer uma razão entre rendimento de investimento, ou entre o emprego
total e aquele diretamente relacionado com investimento. Essa razão é denominada de
multiplicador, como explica Keynes [1936], 2012, p.104). Segundo ele, 𝝙Y = k𝝙I, em
que k é o multiplicador, o qual indica que quando há um acréscimo no investimento,
haverá um aumento na renda em k vezes ao investimento inicialmente realizado.
Basicamente, a ideia do multiplicador é a de que um gasto inicial levará ao aumento da
renda naquele setor, em que se gerou o gasto primário. Com esse aumento da renda, os
trabalhadores poderão consumir bens – e mesmo os empresários irão investir mais – nos
demais setores da economia, elevando o emprego e a renda nestas outros, levando ao
círculo virtuoso de aumento da renda e do emprego.
Se a atitude psicológica da comunidade a respeito do consumo fosse tal
que induzisse, por exemplo, a consumir nove décimos de um
incremento de rendimento, o multiplicador k seria igual a 10, e o
emprego total gerado por um incremento como o de obras públicas seria
dez vezes superior ao emprego primário mobilizado por essas obras
públicas, supondo que não houvesse redução de investimentos nos
outros setores (Keynes, [1936], 2012, p.105)
Dessa forma, um gasto autônomo inicial, como investimento, gera renda que,
consequentemente, será gasta com compra de bens e assim tem-se uma sucessão de
gastos:
O efeito multiplicador decorre do fato de que este aumento da produção
e da renda do setor, igual ao do dispêndio inicial com investimento,
estimula um gasto adicional em consumo que aumentará a produção e
45
renda do setor produtor de bens de consumo, e assim sucessivamente
(Cerqueira, 2016, p.7)
O multiplicador fiscal segue essa mesma lógica do multiplicador da renda. Segundo
Moura (2015) é a variação da renda nacional e a variação dos públicos. Um multiplicador
acima de 1, por exemplo, indica que um real de gasto público gera uma renda maior que
um real na comunidade. Isso decorrente, ainda segundo esse autor, porque os gastos
públicos irão estimular o dispêndio privado – seja consumo ou investimento – gerando
um círculo virtuoso da renda.
O termo multiplicador fiscal tem sido utilizado de várias maneiras na
literatura. Em termos gerais, descreve os efeitos das alterações nos
instrumentos fiscais sobre o PIB real. Normalmente, é definido como a
proporção da variação do PIB real para a variação no saldo fiscal. Neste
artigo, comparamos os efeitos sobre o PIB real de diferentes
instrumentos fiscais (Coenen et al, 2010, p.10)
O multiplicador fiscal indica que aumento do gasto público, ao incentivar a demanda
agregada, estimula não só maior consumo como maiores investimentos na economia. Por
isso que um determinado volume de gastos do governo levará ao aumento como
proporção maior da renda da sociedade. O multiplicador é o elo entre o gasto do governo
e o gasto privado adicional, de modo a gerar um círculo virtuoso de expansão da renda.
Como um gasto original do setor público induz uma série de gastos
adicionais em consumo, em face de uma deficiência de demanda
agregada o gasto público necessário para alcançar ou manter o pleno
emprego será inferior à deficiência observada, já que se poderá contar
também com um aumento da demanda de consumo (Carvalho, 2008,
p.16)
É o multiplicador fiscal que indica que o dinamismo e a própria eficácia do gasto público,
pois a partir dele é que se pode ver de modo mais concreto como gasto público inicial
gera impactos na economia, seja elevando a renda e o emprego da comunidade, seja
aumentando as receitas públicas. Dessa forma, multiplicadores elevados indicam maior
dinamismo e eficácia da política fiscal. Por isso, é importante apresentar alguns estudos
empíricos para mostrar essa questão.
A discussão sobre multiplicador fiscal é controverso dentro da literatura econômica,
segundo Pires (2009), pois os mecanismos de transmissão podem variar, gerando
46
resultados diversos sobre o multiplicador8. Como nossa discussão é sobre visão
keynesiana de multiplicador9, e sendo este “a soma dos termos de uma progressão
geométrica de razão igual à propensão marginal a consumir” (Pires, 2009, p.3), os
multiplicadores keynesianos tendem a estar em torno de 2.
Em sua versão mais simples é possível amortecer o efeito multiplicador
pela propensão marginal a importar. Nesses termos, não é difícil
encontrar um multiplicador fiscal maior que 2 (dois). Por exemplo, em
uma economia fechada, com uma propensão marginal a consumir de
0,6, o multiplicador dos gastos é 2,5. Em uma economia aberta com
propensão a importar de 0,1, o multiplicador fiscal é exatamente igual
a 2 (ibid, p.3)
Eggersston e Krugman (2010, p.20-21) utilizam um modelo, no qual os agentes sofrem
de restrição de liquidez para pagarem suas dívidas, e por isso precisam se desalavancar.
Como esses autores argumentam, diante desse quadro, o gasto desses agentes depende da
renda corrente e não da renda futura. Isso faz com que o multiplicador fiscal esteja em
torno de 1,5 a 2, o que é bem elevado. O multiplicador é elevado, pois 1) aumento dos
preços – decorrente da expansão fiscal – reduz o peso real das dívidas; 2) eleva a oferta
agregada da economia, visto que preços maiores incentivam maior produção (ibid, p.21)
Qazizada e Stockhammer (2014) procuraram analisar o multiplicador fiscal nas
contrações e expansões de 21 países na OCDE para o período correspondente entre 1979
a 2011. Segundo conclusão destes autores, para períodos de contração da economia, o
multiplicador fiscal gira em torno de 3, sendo baixo para períodos de expansão da
economia.
Os resultados devem ser interpretados como multiplicadores de curto
prazo. Achamos que o tamanho do multiplicador realmente difere
substancialmente nas diferentes fases dos ciclos econômicos. Embora
os multiplicadores estejam perto de um no aumento, eles são
substancialmente mais altos, cerca de 3 na contração. Nossos resultados
também indicam que os resultados não são conduzidos por episódios
em que a política monetária está sendo limitada pelo limite inferior de
inflação zero (...) Em geral, nossos resultados sugerem que a política
fiscal é uma ferramenta potente para políticas econômicas anticíclicas
(ibid, p.21-22)
8 Não queremos adentrar nos diversos mecanismos de multiplicador fiscal, visto que é uma discussão
complexa e não é o foco desse dissertação. Para análise mais detalhada ver Pires (2009). 9 Segundo o próprio Pires (2009) existem vários tipos de multiplicadores, refletindo uma determinada visão
teórica sobre o impacto do gasto público. Além do multiplicador keynesiano, há o multiplicador clássico,
o qual é baixo comparado ao keynesiano, visto que não consideram o gasto público importante como
Keynes. Para uma análise desses vários multiplicadores, ver Pires (2009) e Pires (2011).
47
Em um dos estudos mais famosos sobre multiplicadores fiscais, Blanchard e Perotti
(2002, p.14-15) analisaram o impacto do gasto do governo na economia. Eles
encontraram resultados para o multiplicador fiscal que variam de 0,90 a 1,29.
No estudo de Auerbach e Gorodnichenko (2011, tabela 1, p.26) trazem uma análise
interessante sobre resultados de multiplicadores. Eles fizeram uma divisão para o impacto
do multiplicador fiscal para períodos de recessão e de expansão da economia. Para os
gastos totais, o multiplicador pode variar de -0,33 a 0,57 em períodos de expansão e de
0,24 a 2,48 em períodos de recessão, indicando que o multiplicador fiscal é maior em
períodos ruins da economia.
Encontramos, também, outros resultados de multiplicadores fiscais. A tabela 1 mostra os
multiplicadores fiscais para determinados gastos públicos, baseando-se no ARRA
(American Recovery and Reinvestment Act). Esses dados mostram que os investimentos
públicos em infraestrutura possuem um alto efeito multiplicador, quase chegando a 2. Em
seguida, medidas de assistência social, como seguro-desemprego e outras de
complementação da renda, também possuem um alto efeito multiplicador, visto que elas
acabam incentivando o consumo. Contudo, esses dados mostram a superioridade do
investimento público em ampliar o PIB.
Tabela 1 – Multiplicadores fiscais para determinados gastos nos Estados Unidos
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Bivens (2014)
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
1,6
1,8
2
48
Outros indicadores de multiplicadores fiscais, decorrentes dos investimentos públicos é
dado pelo trabalho realizado pela Standard & Pools (2015) analisando o impacto do
multiplicador fiscal em vários países, tem-se que investimento público, principalmente,
em infraestrutura, pode chegar a níveis muito elevados em diversos países, como Reino
Unido, Brasil, China e India, cujos multiplicadores passam de 2, ou seja, para esses países,
cada um dispendido em investimento público, aumenta-se dois a renda gerada.
Tabela 2 – Multiplicadores fiscais em diversos países
Fonte: Stantard & Pool (2015)
Pires (2009) realizou um estudo para analisar o impacto fiscal sobre a economia, através
do multiplicador, para o segundo trimestre de 1996 até segundo trimestre de 2011. Ao
incluir investimento público no modelo, seus resultaram chegaram a um multiplicador de
0,99 para consumo do governo, enquanto o multiplicador do investimento público gira
em torno de 1,26, gerando um impacto muito maior.
Em outro estudo para Brasil – agora com modelos MS-DIR -, Pires (2014, p.81-82)
mostrou, para o Brasil, o consumo do governo não foi significativo em nenhuma
especificação, enquanto investimento público foi significativo em todos. O multiplicador
deste último se situaria em torno de 1,6 a 1,7, novamente indicando a importância do
investimento público para crescimento da economia.
O que a ideia do multiplicador fiscal e os dados mostram é que o gasto público,
principalmente, o investimento público, possuem uma forte capacidade de incentivar a
economia, visto que, pensando no Brasil, um real dispendido em investimento leva ao
49
aumento de dois e meio reais no PIB. A ideia do multiplicador é importante para
demonstrar que o gasto público gera um efeito dinâmico na economia. Esse dinamismo
se dá, pelo que já apresentamos, mas precisa ser melhor detalhado: o gasto público inicial
gera incentivo para que novos gastos sejam realizados, aumentando a renda da
comunidade, assim como as próprias receitas públicas se elevam.
1.8 Dinamismo do gasto público
Todas essas considerações anteriormente feitas sobre o papel do gasto público para evitar
as flutuações econômicas e da importância do multiplicador fiscal para que o gasto
público gere cadeia de novos gastos que irão permitir que a economia não entre em uma
espiral negativa ou mesmo evite quedas mais acentuadas no produto indicam que o gasto
público tem efeitos dinâmicos não só sobre a economia, mas, também, para o próprio
orçamento do Estado. O ponto a ser entendido é que o próprio dispêndio público gera
suas receitas, permitindo o equilíbrio fiscal no médio/longo prazo.
Com o aumento inicial da renda e do emprego gerado pelo gasto inicial, no segundo
momento haverá maiores dispêndios com consumo e reativação do gasto privado, diante
da recuperação da economia. Nesse momento, no médio/longo prazo, com o crescimento
econômico retornando, as receitas do governo aumentam e o déficit inicial é zerado, ou
seja, o próprio efeito multiplicador do gasto público gera suas receitas (Afonso, 2009).
Moura e Alves (2012) afirmam que, quando o orçamento do governo após a
implementação do gasto for superavitário, então, isso significa que ele conseguiu
estimular os agentes a gastarem na economia, o que, indica, portanto, que o Estado não
precisa criar tributos, pois os próprios dispêndios realizados se pagam.
A geração de um déficit nos leva a concluir que o gasto público induziu
o setor privado a gastar menos, não gerando aumento significativo na
arrecadação de impostos. Por outro lado, a geração de um superavitário,
nos mostra que o gasto público induziu o setor privado a gastar mais,
gerando grande aumento de impostos (ibid, p.683)
Ou seja, o dispêndio público é capaz de gerar o próprio equilíbrio orçamentário
intertemporal:
Keynes manifestava uma clara preferência por políticas preventivas que
fossem capazes de evitar flutuações em larga escala no nível de
produção e de emprego. O sucesso dessas políticas de prevenção seria
capaz de garantir o equilíbrio intertemporal do orçamento público, ao
manter elevados os níveis de renda e de emprego (Oreiro; de Paula,
2009, p.1)
50
Keynes (1933) mostra que o dispêndio com obras públicas leva à geração de outros
empregos relacionados, tais como compra de materiais e uso de transportes, o que gera
uma renda adicional. Porém, esse processo continua, pois os salários e rendas pagas nesse
processo inicial serão utilizados para realizar ainda mais compras, gerando mais
empregos e renda.
As receitas do Estado estão ligadas ao ciclo econômico, ou seja, quanto maior a renda,
maiores os tributos. Nesse sentido, o próprio equilíbrio fiscal seria alcançado, pois diante
do aumento da gerado pelo multiplicador do gasto público inicial haverá um aumento das
receitas, o qual permitirá cobrir os gastos. Portanto, não há nada de irresponsável nesse
tipo de política (Carvalho, 2008).
Segundo esse mesmo autor, a política fiscal keynesiana não é uma política de déficits
constantes ou de gastos elevados sempre. Este deve manter seu orçamento equilibrado
em períodos de expansão, e aumentar seus gastos no período em que os empresários estão
investindo abaixo da demanda efetiva necessário para a manutenção do emprego.
Lopreato (2013, p.7) argumenta que o déficit público só deveria ser utilizado em última
instância, caso a política de investimento falhasse. Nesse sentido, se realmente o
programa de longo prazo não conseguisse atender ao objetivo desejado – sustentar as
expectativas empresariais e fomentar o investimento privado a reboque -, então as
despesas correntes poderiam ser deficitárias.
Bem distinto disso é a proposta de que se o volume de investimento
previsto, por qualquer que seja a razão, falha em garantir o equilíbrio, a
falta de demanda poderia ser alcançada pelo desequilíbrio, de uma
maneira ou outra, do orçamento corrente. É claro que este seria o último
recurso, adotado apenas no caso de o aparato do orçamento de capital
falhar (Keynes, 1980, p.352)
Ainda que orçamento equilibrado seja importante dentro dessa dinâmica, o gasto público
não pode ser igual a todo momento e a todas as situações (Afonso, 2009). A
discricionariedade da política fiscal é um elemento importante como forma de manter a
dinâmica do capitalismo. Isso porque, a economia está sempre em mutação de modo que
as convenções que sustentam o gasto privado estão sempre oscilando, gerando a
necessidade de que o Estado intervenha para evitar retração da economia. Saber o quando
e o onde gastar os recursos públicos é fundamental para que o dinamismo do capitalismo
se mantenha.
51
Assim, os pós-keynesianos, propensos a recuperar o pensamento de
Keynes, veem a questão fiscal como um instrumento a ser usado para
impulsionar a economia. Não se advoga a permanência de déficits
estruturais, mas sim a importância do aumento dos gastos públicos em
momentos em que a economia se encontra em situação de contração.
Neste caso, não se pode pensar em redução de gastos, pois os efeitos
sobre a economia seriam desastrosos (Montes e Alves, 2012, p.674)
Inclusive, como argumentam Brown-Collier e Collier (1995, p.344), o investimento
público é a forma de se combater um déficit público, pois esta seria resultado da queda
nas receitas causada pela baixa na atividade econômica. Para elevar as receitas públicas,
o investimento público, ao criar renda – seja de modo direto ou fomentando o
investimento privado – consegue elevar as receitas e reduzindo ou mesmo eliminando o
déficit público.
Ao contrário do que os críticos pressupõem, a estratégia keynesiana de gasto público não
se confunde com excessivos déficits do governo, visto que existe uma cadeia de eventos
importante por trás da realização de uma política fiscal expansionista. Inicialmente, a
expansão inicial de gastos deve ser financiada pela colocação de papéis de curto prazo no
mercado monetário para se aproveitar dos saldos inativos da preferência pela liquidez dos
agentes (Carvalho, 2008). Nesse momento, haveria um déficit fiscal, em que os gastos
públicos reativariam a demanda – através de obras públicas, gastos sociais e etc. –
contrabalanceando o efeito negativo da retração do gasto privado.
Vemos que dependendo da forma como o déficit acontece, no curto prazo, se por gastos
correntes ou com capital, o impacto sobre a economia é diferente e, consequentemente,
para a própria arrecadação fiscal. O investimento público gera maior dinamismo na
economia, pois gera empregos direitos e fomenta o investimento privado, pela
manutenção de uma demanda efetiva mais alta, o que eleva a renda da comunidade e
assim, se incrementam as receitas públicas, sem necessidade de incorrer em aumentos na
carga tributária. Como visto, a capacidade do orçamento do capital financiar a si mesmo
faz com que não haja necessidade de se cobrar mais impostos no futuro para financiar o
déficit, porque ele mesmo se equilibra no médio e longo prazo.
O gasto com investimento público leva um tempo para que gere seus efeitos positivos
sobre a economia e sobre a arrecadação pública. Dessa forma, é possível que o Estado,
no curto prazo, incorra em déficits para financiar esses gastos. A questão desse
financiamento, se via impostos ou via dívida pública é fundamental para Keynes,
principalmente, ao contrário do que argumenta a Equivalência Ricardiana, para
52
demonstrar a diferença, em termos de impacto sobre a economia, entre as duas formas de
financiamento.
1.9 Impostos e dívida pública
Como será visto mais adiante, a teoria da Equivalência Ricardiana mostra que o
financiamento via impostos ou emissão da dívida pública possuem o mesmo efeito, pois
a segunda seria equivalente a um aumento de tributos no futuro. O déficit público,
independentemente de como é financiado, não possui impacto na economia, pois os
agentes racionais sempre irão esperar aumento de impostos no futuro, fazendo com que
eles reduzam o consumo hoje. Essa é o princípio da Equivalência Ricardiana com a qual
trataremos no capítulo posterior.
Colocada essa síntese, é preciso realizar uma outra discussão em torno da política fiscal
keynesiana: impacto do déficit, para Keynes, será o mesmo se o Estado optar pelo gasto
público ou por redução de impostos? E segundo, para este mesmo autor, financiamento
via impostos ou endividamento público são equivalentes?
Para Keynes, a questão dos impostos possui elemento importante dentro da sua concepção
de política fiscal. A maior relevância da tributação está associada com melhor
redistribuição de renda, como aponta Belluzzo (2016, p.92), com intuito de cobrar mais
impostos dos mais ricos e distribuindo para os mais pobres, cuja propensão marginal a
consumir é mais elevada.
O sistema fiscal deve ser construido para permitir redistribuição de
renda dos mais abonados – especialmente, mediante a taxação dos
elevados rendimentos e heranças – para as classes menos favorecidas,
com o objetivo de manter o consumo crescendo à mesma velocidade da
expansão da renda (ibid, p.92)
A melhor distribuição de renda na sociedade permite que os recursos disponíveis para o
consumo não fiquem concentrados nas mãos das classes mais favorecidas, com uma
menor propensão a consumir, podendo ser disponibilizados, por meio da política fiscal,
para os menos favorecidos, os quais manteriam a propensão marginal a consumir da
sociedade mais elevada, reduzindo a necessidade de grandes volumes de investimento.
Supondo que o Estado aplique as receitas desses impostos nas suas
depesas comuns, de modo que os impostos sobre rendimento e o
consumo se reduzam ou anulem correspondemente, é naturalmente
inegável que uma política fiscal de altos impostos sucessórios leve ao
aumento da propensão ao consumo. (Keynes, 2012, p.340)
53
A política tributária keynesiana, nesse sentido, tem como foco proporcionar melhor
distribuição de renda e com isso elevar a propensão a consumir da sociedade.
Se a política fiscal for utilizada como um instrumento deliberado para
promover uma maior igualdade na distribuição de rendimentos, o seu
efeito sobre o aumento da propensão marginal a consumo será,
naturalmente, ainda maior (ibid, p.85-86).
Como aponta Afonso (2012, p.63-64), o objetivo da política de impostos, tal como
proposto por Keynes, é alterar as expectativas dos agentes mais do que arrecadar, pois
com impostos mais progressivos, a capacidade de consumir da sociedade se eleva. Assim,
o intuito dessa política é menos questão de arrecadação e mais fomentar a capacidade de
consumo da comunidade:
Mais do que um aspecto formal ou de estilo de redação da Teoria Geral,
importa destacar que, na teoria de Keynes, a progressividade dos
impostos teria uma função eminentemente econômica (ou seja, não
seria pregada apenas para se corrigir uma injustiça natural ou
comtemplar uma demanda de política social): fomentar a propensão a
consumir da comunidade e, por conseguinte, a demanda na economia
(ibid, p.64).
Próprio Keynes destaca que essa política tributária poderia ser mais eficiente em alterar
a expectativa dos agentes do que alterações na taxa de juros:
Os impostos sobre rendimento – particularmente quando são
discricionários contra rendimento “não ganho”, os impostos sobre as
mais-valias, sobre as heranças etc. são tão importante como taxa de
juro, sendo mesmo possível que eventuais modificações da política
fiscal tenham, pelo menos nas expectativas, maior influencia do que a
própria taxa de juro (Keynes, [1936] 2012, p.85).
Como os mais ricos possuem maior propensão a poupar, a política tributária em Keynes
objetiva taxá-los e redistribuir esses recursos para aqueles que possuem maior capacidade
de consumir:
Mesmo suas [ de Keynes] recomendações de politicas tributárias de
distribuição de renda tinham como objetivo central uma questão
macroeconômica: reduzir a propensão média a poupar da economia
para ampliar os efeitos multiplicadores (Gobetti, 2008, p.20).
A elevação de impostos em si, para Keynes, não é um problema, pois se ela for feita por
meio de impostos progressivos – sobre herança, rendas elevadas e etc. – o impacto será
positivo, inclusive para consumo. Portanto, maiores impostos, ao contrário da ideia de
Equivalência Ricardiana, não, necessariamente, levam à estagnação do consumo, mas
pode aumentar a propensão a consumir da sociedade e afetar demanda agregada da
54
economia. Esta política tributária progressiva afeta positivamente a economia e gera
efeitos dinâmicos, por meio de seus efeitos multiplicadores sobre o consumo.
Por outro lado, é preciso ressaltar que em tempos de crise, Keynes rejeita aumento de
impostos em momento de grave crise econômica. A elevação da tributação –
fundamentalmente, sobre bens de consumo -, nesse período de intensa crise, é danosa
para a economia, pois ao reduzir a renda disponível da sociedade, a tendência é que o
consumo – demanda – se deprima ainda mais:
O menos desejável de todos os métodos de financiamento público
durante a depressão é aquele em que os impostos recaem em grande
parte sobre fundos que se haveriam de gastar se deixados em mãos dos
contribuintes. Os impostos sobre consumo de mercadorias ilustram essa
maneira menos desejável de arrecadar fundos para financiar o
investimento público em períodos de depressão (Dillard, 1964, p.10 )
Se política tributária elevar os impostos de maneira progressiva pode ser considerada uma
política de fomento à demanda, a redução de impostos, dentro da concepção de Keynes,
não é uma política fiscal adequada. Por isso que a afirmação de Krugman (2012, p.VII)
na introdução da edição da editora Saraiva da Teoria Geral do Emprego, do juro e da
moeda, de que: “Um político que promete que seus cortes de impostos vão gerar emprego
ao dar dinheiro para pessoas gastarem é um keynesiano, ainda que jure abominar a
doutrina” não nos parece correta, mas ao contrário.
Uma redução de impostos poderia estimular o consumo e investimento ao pressupor que,
com maiores recursos nas mãos dos agentes, eles utilizariam essa maior disponibilidade
de renda para gastar e investir. Contudo, para Keynes, isso não necessariamente ocorre,
pois, redução de impostos pode levar os agentes não a consumirem mais, mas a ficarem
mais líquidos:
A respeito do déficit, é necessário fixar um ponto importante. Um
déficit pode ocorrer tanto por aumento de despesas quanto por queda de
tributos. Numa situação de depressão, no entanto, só o aumento de
despesas garante aumento da demanda efetiva; queda na tributação
pode gerar, simplesmente, maior demanda de ativos líquidos (Silva,
1996, p.15-16)
Para que tivesse algum impacto na economia, a redução de impostos teria de alterar a
propensão a consumir da comunidade, de modo que elas realmente consumissem a maior
renda disponível:
Para que essa [ demanda] fosse mantida ou elevada seria preciso supor
também que a redução de tributos levasse a um incremento do consumo
55
porque os contribuintes teriam optado por gastar o aumento da renda
disponível deocrrente da redução dos tributos. Ou seja, teria de ser
alterada a propensão (relativa) para consumir dos contribuintes para que
eles não destinassem o ganho de renda ao aumento da poupança própria
e canalizassem para o consumo e a demanda agregada (Afonso, 2012,
p.30)
Desse modo, o impacto da redução dos impostos sobre a propensão a consumir da
sociedade seria muito reduzido:
Contra o programa de redução de impostos, ele [Keynes] argumentou
que, as pessoas tem padõres de vida estabelecidos, redução dos
impostos que eles [famílias] poderiam contar por apenas um período
muito curto talvez não estimulasse seu consumo – uma primeira
afirmação da renda permanente de Milton Friedman (Skidelsky, 2003,
p.717 apud Afonso10, 2012, p.77)
Contudo, Afonso (2012, p.77-78) mostra que existe uma dualidade em Keynes ao tratar
do impacto da redução de impostos. Em um primeiro caso, propensão marginal a
consumir dificilmente seria alterada, pois as famílias já possuem um determinado padrão
de vida e uma certa estrutura de gastos. Por outro lado, redução de impostos poderia
estimular gasto em si com consumo, mas “isso não atenderia ao seu objetivo (que talvez
fosse disparar o multiplicador da renda)” (ibid, p.78). Como o multiplicador do consumo
é menor que o do investimento, reduzir impostos para fomentar o consumo possivelmente
não gerará impactos profundos na economia.
O corte de impostos seria ineficaz por dois sentidos: primeiro, a maior renda disponível
não necessariamente vai ser utilizada para consumo, podendo ser gasta para pagamento
de dívidas, ou para adquirir ativos financeiros, por exemplo, sem gerar qualquer impacto
no consumo e no efeito multiplicador da economia. Em segundo lugar, a propensão
marginal a consumir da comunidade não é alterada, pois, ao contrário de maior
redistribuição de renda, a redução de impostos não leva à mudança estrutural da sociedade
e está associada a uma política de mais curto prazo, de modo que a estrutura e o padrão
de vida das famílias não é alterada pela diminuição dos tributos.
Além do mais, próprio Keynes (1980, p.319) que esse tipo de política seria complicado,
pois seu impacto seria muito limitado, e mesmo que fosse bem-sucedida, seria muito
10 SKIDELSKY, Robert. John Maynard Keynes 1883-1946: economist, philosopher, States-man. London: Penguin Books, 2003.
56
difícil elevar os impostos no período em que o emprego estivesse estabelecido em um
nível adequado.
A redução da tributação, em que as pessoas só poderiam confiar por um
período indefinidamente curto, poderia ter efeitos muito limitados ao
estimular seu consumo. E, se fosse bem sucedido, seria
extraordinariamente difícil de um ângulo político elevar a tributação
novamente quando o emprego melhorar (ibid)
Politicamente, portanto, a redução de impostos também não é vista como adequada, visto
que, uma vez que se reduz a tributação, as pessoas se acostumam com esse novo nível de
impostos, o que dificulta a sua elevação no período posterior ao estimulo, podendo gerar
consequências graves para o orçamento público.
Conclui-se, assim, que déficit público como resultado de redução de tributos não gera
impactos positivos na demanda agregada na economia. Aqui, ao que nos parece, a
conclusão a que chega Keynes e a ideia de Equivalência Ricardiana são a mesma – reduzir
impostos não possui impactos positivos sobre a economia – mas por caminhos diferentes.
O ponto fundamental é que para Keynes, reduzir tributos não garante aumento do
consumo, visto que não altera a propensão marginal a consumir e maior renda disponível
pode ser utilizada para compra de ativos financeiros.
Contudo, aumento de impostos no futuro, também, para Keynes, não é algo
necessariamente ruim nem irá reduzir o consumo da sociedade, como defende a
Equivalência Ricardiana. Caso aumento dos impostos seja feito de maneira progressiva,
isso irá gerar uma melhor redistribuição de renda e elevação da propensão a consumir da
comunidade, permitindo, inclusive, reduzir a necessidade de um grande volume de
investimentos.
Em relação à dívida pública, esta possui um papel importante dentro da teoria de Keynes
como forma de financiar déficit público. No quadro de uma depressão, não só o gasto
público é importante, mas o financiamento desse déficit via dívida pública é melhor do
que via impostos:
Mais do que um aumento do gasto (autônomo) que impulsionasse a
demanda, no mundo da Grande Depressão, Keynes também defendia
que aquele incremento fosse feito por meio de aumento da dívida, no
lugar de ser financiado por um aumento de receitas clássicas, como
tributos – ainda mais se estes incidissem justamente sobre os recursos
disponíveis nas maõs privadas e que poderiam ser gastas e destinadas
ao aumento da demanda (Afonso, 2012, p.35)
57
Segundo Hermann (2002, p.5), em período de recessão, o déficit público seria ampliado
em decorrência tanto da queda das receitas, provenientes da baixa na atividade
econômica, e do próprio gasto público, visando elevar a demanda agregada. Carvalho
(2008, p.17-18), a ordem dos eventos dentro da teoria keynesiana é fundamental. Para
ele, inicialmente, o Estado, para financiar seus gastos, deveria colocar papéis de curto
prazo para se aproveitar dos saldos inativos da preferência pela liquidez dos agentes.
Dentro dessa lógica, o financiamento desse déficit inicial não pode ser feito nem cobrando
impostos nem por emissão de títulos de longo prazo.
Por outro lado, governo também não deveria emitir títulos de longo prazo para se
financiar. Carvalho (2008, p.18) aponta no momento da depressão, o nível de renda é
baixo, visto que o efeito do gasto público não é imediato, de forma que a poupança
necessária para compra desses papéis de longo prazo não foi ainda criada. Sem a demanda
por esses papéis de longo prazo, haverá pressão para elevação da taxa de juros, podendo
deprimir o investimento privado (chamado crowding out).
Hermann (2002, p.5) afirma que, diante de curva de juros ascendente – taxas de juros
mais elevadas para títulos de maturidade mais longa -, o Estado deveria se financiar
através de emissão monetária e empréstimos curto prazo, visto que seriam menos
custosos. Contudo, seria necessária atuação da autoridade monetária “visando adequar a
estrutura de juros e a composição da dívida às preferências dos investidores em termos
de títulos de curto e de longo prazo” (ibid)
Vê-se, assim, porque a sequência de eventos é essencial na abordagem
keynesiana: o processo de expansão da renda não é instantâneo e, por
isso mesmo, não se pode contar em seu inicio com condições de
financiamento do setor público que resultarão da conclusão do processo
(Carvalho, 2008, p.18)
Com o restabelecimento da demanda e aumento da renda decorrente do efeito
multiplicador gerado pelo gasto público, a renda da comunidade se eleva, permitindo
aumento da arrecadação e maior demanda por títulos de longo prazo. O pagamento da
dívida anterior seria garantido por esse mecanismo (Hermann, 2002, p.6):
Quando o processo multiplicador tiver completado o essencial do ciclo
de expansão secundária das despesas de consumo, e a renda tiver se
expandido na medida prevista, haverá uma poupança adicional na
economia de igual valor ao do gasto público que iniciou este ciclo. Parte
dessa poupança existiria sob a forma de aumento da receita de impostos
resultantes da expansão da economia. Se esses recursos forem
insuficientes para cobrir a despesa pública, haverá ainda nas mãos do
58
setor privado poupança suficiente para absorver os títulos de longo
prazo que o governo poderá agora colocar no mercado (...) (Carvalho,
2008, p.18)
Dentro desse contexto, a emissão de dívida pública, fundada no curto prazo, é
fundamental para que o governo consiga financiar o gasto público e, consequentemente,
a própria renda necessária para garantir o pagamento dessa dívida no médio e longo prazo.
Com o multiplicador funcionando de maneira adequada, o próprio déficit público gerará
as receitas para se pagar, sem a necessidade de emitir mais dívidas – de curto prazo – nem
de elevar a tributação no futuro, como pressupõe a Equivalência Ricardiana, como
veremos.
A edição mais recente da Teoria Geral (Keynes, 2012), com a qual estamos trabalhando,
traz em seu apêndice texto de Keynes comentando sobre dados de Simon Kuznets
referente ao Estados Unidos, ele argumenta em favor da maior utilização dos empréstimos
públicos para financiar os gastos (Afonso, 2012, p.40-41):
O valor pertinente nesse contexto não é tanto a despesa bruta (ou
líquida) do investimento com a construção, mas o montante das
despesas financiadas por um aumento do endividamento. Ou seja, no
caso das autoridades públicas e similares, a melhor forma de atender ao
seu investimento líquido consiste em considerar que é medido pelo
aumento líquido dos empréstimos contraídos (...) Proponho, pois, que
em lugar dos números da construção pública se insiram as depesas sobre
empréstimos dos organismos públicos (Keynes, 2012, p.355)
A emissão de títulos públicos funcionaria de modo mais adequado do que impostos, pois
ela possui influências psicológicas diferentes desta segunda:
Na medida em que as suas despesas são cobertas por transferências
forçadas a partir do rendimento corrente do público, não têm
correspondente na poupança privada. Por outro lado, a poupança
pública, se conseguíssemos encontrar uma definição satisfatória para
este conceito, estaria sujeita a influências psicológicas muito diferentes
das da poupança privada (Keynes, 2012, p.355)
Dillard (1954, p.102-104)11 argumenta que a melhor forma do governo se endividar é
através dos empréstimos bancários, de modo que os bancos utilizem suas reservas
ociosas, em um momento de crise, para comprar títulos emitidos pelo governo. O
endividamento junto aos bancos permite a criação de moeda nova, ao contrário do que
11 Ainda que não seja o melhor interprete de Keynes, utilizamos sua análise, visto que Keynes discutiu
pouco o papel da dívida pública e Dillard foi, dos autores estudados, que melhor com maior profundidade
o assunto.
59
acontece quando indivíduos compram títulos públicos. Neste último caso, existe apenas
transferência de recursos sem criação efetiva de meios de pagamentos.
Ainda segundo este autor, o impacto de se endividar através dos bancos é que, por
justamente, não ser mera transferência, mas criação de recursos novos, o consumo e o
investimento não são restringidos pelo aumento da dívida pública:
No primeiro caso [endividamento com setor bancário] ninguém
necessita restringir seu consumo ou investimento. O título de dívida é
adquirido com dinheiro novo criado dentro do sistema bancário em
forma de novo dinheiro de talões de cheque. A quantidade total de
dinheiro aumenta com as atividades prestadoras do sistema bancário.
Não se dá transferências ou tradição de meios de aquisição por uma
parte para os gastos do governo; há simplesmente criação de meios
adicionais de aquisição (ibib, p.102).
Ainda que com um impacto menor sobre a renda, os empréstimos junto ao público podem
ser importantes, pois os recursos que estariam ociosos nas mãos dos agentes privados –
portanto, sem gerar qualquer benefício para a economia – são utilizados pelo Estado para
realizar gasto público, em vista de elevar e sustentar a demanda da economia:
As poupanças individuais que de outro modo não teriam talvez
encontrado um escape no investimento, encontram-no em forma de
gasto estatal. A poupança individual que de outra forma teria forçado
uma redução no rendimento até o ponto em que o rendimento social
excede ao consumo agregado de quantia igual ao investimento real, é
contrabalanceado pelo investimento público” (Dillard, 1964, p.103)
Dentro do pensamento keynesiano, há uma hierarquia, em termos de impactos sobre o
emprego e a renda, de financiamento desse gasto público. O maior impacto seria
empréstimos junto aos bancos, porque é possível criar recursos novos, sem afetar
consumo e o investimento. Segue-se, então, empréstimos para com os indivíduos. Em
terceiro lugar, os impactos progressivos, visto que eles têm um papel importante em não
reduzir o consumo. Por fim, o pior método de financiamento seriam os impostos
regressivos – sobre consumo – pois deprimir-se-ia ainda mais uma variável já deprimida
em um cenário de crise.
Dai que os gastos estatais financiados mediante impostos regressivos
sejam muito menos eficientes contra o desemprego do que gastos
financiados mediante impostos progressivos, os quais por seu turno são
menos eficientes que os gastos financiados por empréstimos (Dillard,
1964, p.104).
Analisando essa hierarquia em termos de financiamento, a emissão de títulos públicos e
cobrança de impostos não possuem o mesmo impacto na economia. Como visto, o
60
aumento da tributação pode ter um papel elevar a propensão a consumir da comunidade,
caso seja feito de modo progressivo. Contudo, em um cenário recessivo, por exemplo, a
elevação da tributação é prejudicial para economia, pois deprime a já baixa capacidade
de gasto da população, piorando o cenário econômico. De um outro lado ainda, política
de redução de impostos pode ser inócua para estimular a economia, dado que os agentes
podem utilizar os recursos disponíveis para comprar títulos ou mesmo ficarem totalmente
líquidos. Toda essa análise sobre política tributária, mostra o quão complexo é a atuação
da política fiscal sobre as variáveis e sobre o comportamento dos agentes.
A emissão de dívida pública é uma alternativa mais interessante de financiamento do
gasto público do que elevação de impostos, pois, em um momento de crise, além de ser
uma alternativa para alocação de riqueza dos agentes, também evita que se retire recursos
das mãos das pessoas, o que poderia estagnar ainda mais o consumo.
Do ponto de vista do financiamento e da própria dinâmica econômica, geração de déficits
por meio de redução da tributação não é um estimulo adequado, visto que não há garantia
de que maior renda disponível será destinada aos investimentos. A melhor forma de
fomentar a economia, como visto pela perspectiva de Keynes, é realização de gastos
públicos, via emissão de dívida pública. Assim, considerar redução de impostos como
uma proposta keynesiana nos parece equivocado.
Conclusão
Procuramos discutir nesse capítulo a importância da política fiscal, principalmente, do
gasto público para visão de Keynes. Percorremos o trajeto de compreensão de sua visão
sobre elementos importantes para a dinâmica do capitalismo e, consequentemente, e seus
problemas. Encontramos na problemática da demanda efetiva, ou melhor, na insuficiência
de um nível adequado de investimento para sustentá-la, o principal motivo para
intervenção do Estado.
O papel da política fiscal é evitar grandes flutuações no nível de investimento, o que
poderia levar à crises e depressões econômicas. O gasto público, principalmente, aqueles
relacionados a investimentos permitem sustentar demanda e tornar expectativas de
rendimento futuros mais altas para os capitalistas, de modo que eles sintam incentivados
a investirem, também.
61
O ideal para Keynes é que a política de gasto público seja voltada para obras e
investimentos de longo prazo, o que permite não só suavizar grandes flutuações, como
oferece maior margem de manobra para que o Estado possa amenizar volatilidades de
curto prazo. A divisão entre orçamento corrente, o qual deveria ser superavitário, e de
capital, deficitário, indica essa preocupação de Keynes com investimentos públicos e,
com própria questão do orçamento equilibrado.
Dessa forma, focando em investimentos públicos, estes possuem capacidade de gerar suas
próprias receitas, decorrentes do multiplicador da renda. No médio e longo prazo, a
ocorrência de um déficit público, decorrente de elevação dos gastos públicos produtivo,
pode se transformar em superávit, via aumento das receitas públicas. A existência de
déficits públicos só ocorre se a política realmente falhar em seus objetivos.
Keynes, também, mostrou clara preferência pelo gasto público ao invés da redução dos
impostos. Sua visão sobre política tributária é que esta deveria ser voltada para elevação
de impostos sobre renda e sobre herança, com o intuito de distribuir melhor a renda e,
com isso, melhorar a propensão a consumir da comunidade. Nesse sentido, déficit
causado pela redução de impostos não é algo defendido por Keynes, visto que mais
recursos disponíveis não significa que eles serão utilizados para investir ou consumir, mas
podendo ser desviado para outros ativos, como financeiros.
Dentro dessa perspectiva keynesiana, há diferença, em termos de impacto na economia,
de como é feito e financiado o gasto público. Keynes defendia que a gasto público deveria
ser voltado para investimentos produtivos, com maior capacidade de estimular a
economia, e gerar suas próprias receitas no longo prazo. Para financiar o déficit público
de curto prazo, decorrente da elevação dos gastos, a preferência de Keynes é pela emissão
de dívida pública, pois esta não tira recursos diretamente da economia e é uma alternativa
de alocação de riqueza para os agentes econômicos, enquanto a elevação de impostos
tende a deprimir ainda mais o consumo estagnado em uma situação de crise por exemplo.
Assim, redução de impostos não possui o mesmo impacto que gasto público, nem
financiamento de dívida pública é igual elevação de impostos. Essas diferenciações
devem ficar bem claras para que política fiscal proposta por Keynes não seja reduzida a
um mero simplismo, tal como é frequentemente acusado.
Nesse sentido, concluímos que a política fiscal em Keynes possui impactos positivos na
economia, visto que permite amenizar as flutuações econômicas, assim como incentiva o
62
investimento privado, e, consequentemente, gerar emprego e renda. Por isso,
consideramos que as ações fiscais são eficazes. De outro lado, o gasto público – e mesmo
a política tributária progressiva – é dinâmico, pois permite gerar uma sucessão de eventos,
por meio do multiplicador, que geram mais renda na comunidade e com isso elevar as
próprias receitas do Estado.
No próximo capítulo, analisaremos uma visão contrária a esta, em que a política fiscal
não exerce impacto nenhum e não gera nenhum dinamismo para a economia. A
Equivalência Ricardiana, portanto, parece ser o oposto dessa visão de Keynes sobre a
política fiscal, como veremos a partir de agora.
63
Capítulo 2 – Equivalência Ricardiana e negação do papel da política
fiscal
Introdução
Como já discutido na introdução, após os anos 1970, a discussão sobre o papel da política
fiscal se desloca: antes tida como um importante instrumento para afetar a demanda
agregada, nesse momento histórico seu impacto começou a ser questionado dentro do
círculo dos economistas. A criação de modelos e ideias mais sofisticadas, como a
chamada hipótese das expectativas racionais, começaram a questionar a eficácia e o
próprio efeito dinâmico da política fiscal na economia.
A Equivalência Ricardiana, hipótese segundo a qual o financiamento de um déficit
público por meio de impostos ou via dívida pública é indiferente aos agentes, surge no
bojo de um amplo questionamento sobre o papel das políticas econômicas (Lopreato,
2013, p.43-44). É uma crítica direta, portanto, à visão de que o Estado possui algum papel
na questão econômica, tal como propunha Keynes.
O objetivo desse capítulo é apresentar a hipótese da Equivalência Ricardiana, seus
pressupostos e as implicações na política econômica dela decorrente. Além do mais,
procuramos situá-la dentro do próprio debate ortodoxo para tentarmos compreender como
a Equivalência Ricardiana se encaixa no debate econômico.
Iniciamos o capítulo com uma discussão sobre o conceito de Equivalência Ricardiana. Na
seção 2, apresentamos seus pressupostos. Nas seções 3 e 4, mostramos os modelos
intertemporais matemáticos que fundam a base de discussão da Equivalência Ricardiana.
Na seção 5, discutimos as implicações de política econômica decorrentes desse
pensamento. Na seção 6, alguns estudos empíricos e econométricos são apresentados para
ver como a Equivalência Ricardiana é sustentada no debate. E por fim, na última seção,
procuramos entender como ela está inserida no próprio pensamento ortodoxo.
2.1. Política fiscal não altera variáveis reais: Equivalência Ricardiana
O modelo de Equivalência Ricardiana, segundo Snowdow e Vane (2005, cap.3), começa
a ser desenvolvido como uma forma de criticar a teoria econômica convencional anterior,
64
a chamada Síntese Neoclássica12, que prescrevia a utilização de políticas econômicas,
principalmente, a fiscal para atingir o pleno emprego e o equilíbrio da economia. Nesse
sentido, o modelo da Equivalência Ricardiana nasce, justamente, para realizar a crítica à
política fiscal, tal como adotada na Síntese:
Uma objeção particular às previsões dessa análise [do modelo da
Síntese Neoclássica] quanto à eficácia da política fiscal que vale a pena
se debruçar é aquela que deriva do que veio a ser conhecido como o
teorema da equivalência Ricardiana da dívida (Snowdown e Vane,
2005, p.111).
A Equivalência Ricardiana é um enfoque, que busca demonstrar que existe igualdade
entre financiar gastos públicos por meio da emissão da dívida pública e o financiamento
via impostos. Nesse sentido, a dívida pública tem o mesmo impacto que aumento de
impostos, pois uma elevação da primeira, leva necessariamente a aumento de tributos no
futuro. A Equivalência Ricardiana mostra que déficits públicos no presente são idênticos
a impostos em um período futuro, não fazendo diferença entre pagar um imposto hoje ou
em um momento mais distante no tempo. (Berheim, 1987, p.264).
O argumento central do enfoque da equivalência ricardiana é que o
financiamento do gasto público com emissão da dívida tem mesmo
efeito sobre atividade econômica que seu financiamento através de
impostos (Hermann, 2002, p.6)
Ou seja, o déficit público e a elevação da dívida pública não geram efeitos sobre a
economia, pois “este teorema afirma que o ônus do gasto do governo no setor privado é
equivalente se é financiado por um aumento na tributação ou pela venda de títulos”
(Snowdow e Vane, 2005, p.111).
A Hipótese da Equivalência Ricardiana é a de que, segundo Barro (1989), mantido o valor
presente – ou seja, trazendo a valores presentes um fluxo futuro – dos gastos públicos,
um corte nos impostos hoje aumenta o valor presente desses impostos, pois, haverá
necessidade de aumentá-los no futuro de modo a financiar esse déficit. Como a
expectativa de demanda das famílias depende dessa expectativa do valor presente dos
impostos, a política fiscal deixa de ter impactos na demanda agregada, visto que, diante
dessa expectativa de aumento futuro dos tributos, os agentes irão poupar hoje para poder
pagá-los.
12 Teoria Econômica, a qual busca juntar as ideias propostas por Keynes com o arcabouço neoclássico. Um
de seus principais focos é prescrição de políticas econômicas para se atingir o equilíbrio. Para maiores
detalhes ver Snowdown e Vane (2005, cap.3)
65
O déficit público, independentemente de como é financiado, não tem impactos sobre a
economia, pois os agentes esperam que no longo prazo haverá mais aumentos de
impostos, fazendo com que eles poupem na mesma proporção o valor presente dos
tributos, de modo a financiar essas obrigações futuras (Lopreato, 2013, p.43-44). Essa é
a ideia de equivalência. Ao invés de estimular o consumo e o investimento, a queda da
poupança pública incorrerá em aumento da poupança privada (Barro, 1989, p.37).
As famílias se comportam dessa maneira porque, dada a trajetória de
gastos do governo, uma redução em $1 de impostos no período 1
implica aumento de $1 no valor dos impostos futuros. Dessa forma, o
efeito de tal variação sobre o valor presente dos impostos é nulo.
Portanto, uma redução na poupança do governo levou a um aumento de
igual magnitude na poupança privada desejada, de tal modo que a
poupança nacional não se alterou (Marques Júnior, 2015, p.220)
Consequentemente:
O déficit público não traria, portanto, qualquer benefício em termos de
crescimento econômico, tendo, ao contrário, um impacto negativo
sobre o bem estar da sociedade, representado pelo ônus da dívida a ser
paga pelas gerações futuras. Daí a recomendação de uma PF [política
fiscal] de permanente equilíbrio orçamentário. (Hermann, 2002, p.7)
Nesse sentido, por exemplo, uma redução de impostos não exerce efeitos sobre o consumo
das famílias, pois elas sabem que, no futuro, deverá haver aumentos de impostos para
financiar os gastos governamentais. Portanto, a escolha intertemporal de consumo das
famílias é de poupar hoje para pagar impostos amanhã.
Este ponto de vista equivale à noção padrão dos economistas de que não
existe almoço grátis e os gastos do governo devem ser pagos, agora ou
mais tarde, com o valor presente total das receitas fixados pelo valor
presente total dos gastos. Assim, mantendo fixa a trajetória dos gastos
do governo e as receitas não fiscais, um corte hoje nos impostos deve
ser compensado por um aumento correspondente do valor presente dos
impostos futuros (Barro, 1989, p.39)
Não é apenas a redução de impostos que não terá efeitos. Ainda que a hipótese original
trate os gastos como constantes, Marques Júnior (2015, p.224-225) argumenta que
aumento de gastos do governo, também, leva a um aumento dos impostos futuros, fazendo
com que as famílias devam poupar no presente para pagá-los no futuro.
É importante notar que um aumento nos gastos do governo acarreta um
maior valor presente dos impostos e, por conseguinte, uma diminuição
do valor presente da renda disponível das famílias desde que a restrição
orçamentária intertemporal do governo seja obedecida. Portanto, na
visão neoclássica, a correlação entre consumo privado e consumo do
governo é negativa. (Ibid, p.225)
66
Dentro dessa hipótese, o gasto público, ao contrário do que visto dentro de uma visão
como proposta por Keynes, não exerce efeito nenhum na economia. O gasto público não
possui qualquer dinâmica, decorrente do efeito multiplicador, pois os agentes apenas
interpretam o incremento da despesa pública como aumento de impostos futuros e não
como um elemento de ativação da demanda agregada, gerando renda para eles, mas, ao
contrário, reduzirá renda.
Nesse ponto, vale ressaltar que para a Equivalência Ricardiana, a forma como um déficit
público é gerado, seja por meio de aumento dos gastos públicos ou por redução de
impostos, o impacto sobre os agentes é o mesmo. Para eles é indiferente a forma como a
política fiscal é executada, desde que haja a existência de um desequilíbrio fiscal, eles
irão neutralizá-la no momento presente.
A política fiscal, dentro desse quadro, não possui impacto positivo nenhum na economia:
A abordagem da equivalência ricardiana renega a força atribuida à ação
estabilizadora da política fiscal e a controvérsia sobre os efeitos do
gasto público no produto, renda, taxa de juros e preços. A política de
defesa da demanda agregada e o efeito multiplicador são descartados,
dando lugar ao argumento da ineficácia da política econômica na
presença de agentes racionais que antecipam as medidas e adotam
posições contrárias, eliminando o impacto do déficit público e do corte
de impostos na renda e no emprego, anulando assim os efeitos
esperados no momento do anúncio das propostas (Lopreato, 2013, p.45)
A conclusão da hipótese da Equivalência Ricardiana é que, os agentes não alteraram seu
comportamento de consumo, diante de um aumento no déficit público, causado por
redução de impostos ou aumento dos gastos públicos, financiado pela dívida pública.
De acordo com a visão neoclássica, quando se argumenta que
determinado modelo econômico gera como resultado ER [Equivalência
Ricardiana], o que está implícito é que, uma vez mantida a trajetória de
gastos do governo, os agentes não alteram seu caminho de consumo em
virtude de alterações na composição do financiamento destes gastos
(Sachisida e Carlucci, 2010, p.11)
Além de não afetar o consumo – demanda agregada -, o financiamento do déficit público
em virtude do aumento da dívida pública não leva a alterações na própria taxa de juros.
Como aponta Sachisida e Carlucci (2010, p.11), na visão da Equivalência Rciardiana a
dívida pública não afeta variáveis reais, como consumo, taxa de juros e a formação de
capital. Isso acontece porque, a poupança se mantém inalterada na economia, visto que o
déficit público – ou queda na poupança pública – é compensada por elevação da poupança
privada.
67
Um aumento do déficit implicará, portanto, um aumento igual na
poupança, o que apenas bastará para pagar os impostos futuros
adicionais cobrados sobre as famílias presentes e as gerações
subseqüentes para quem se importam (Evans, 1988, p.85)
A taxa de juros não se altera, porque como os agentes poupam, diante do aumento do
déficit, então, não há necessidade de se aumentar a taxa de juros para incentivar os
indivíduos a pouparem. Por outro lado, no âmbito das contas externas, se a poupança
interna se mantém inalterada, em decorrência do aumento da poupança privada, então,
não há necessidade de poupança externa – a qual faria variar a taxa de câmbio. Desse
modo, a Equivalência Ricardiana nega qualquer influência do déficit público sobre a
economia.
De modo que, os defensores da Equivalência Ricardiana, negando a
visão mais aceita no mainstream, acreditam que a queda da poupança
do setor público será compensada por um aumento equivalente na
poupança do setor privado, sendo que a redução da receita pública
financiada com a expansão da dívida irá manter inalterado o valor da
poupança nacional; portanto, a taxa de juros e o saldo de transações
correntes não são afetados (Lopreato, 2006, p.20).
Ao não alterar a taxa de juros, pode-se notar que o próprio investimento não se altera.
Tomando como base que ele pode ser influenciado pela taxa juros, e esta ficando
constante mesmo com aumento do déficit público, o dispêndio privado não se reduz ao
contrário do que defende a própria teoria convencional, segundo a qual aumentos no
déficit público e, consequentemente, na dívida pública elevam a taxa de juros - pois há
elevação no prêmio de risco exigido pelos agentes – acarretando redução do investimento.
Assim, a questão do déficit público ou da expansão da dívida pública não implicar em
alterações no consumo dos agentes é porque estes irão interpretar esse déficit, financiado
pela emissão de dívida pública como elevação de impostos no futuro, por isso eles
poupam hoje para pagá-los no futuro, de modo que se tornam indiferentes quanto à forma
de financiamento do déficit (Sachisida e Carlucci, 2010, p.11).
Diante da exposição sobre a que se refere o conceito de Equivalência Ricardiana vemos
que sua assertiva é forte ao negar os efeitos do déficit público na economia, em
decorrência de seus efeitos intertemporais para os agentes. O próximo passo deve ser
compreender os pressupostos por detrás da Equivalência Ricardiana, pois eles são
fundamentais para sua construção.
68
2.2 Pressupostos e o Modelo de Equivalência Ricardiana
O modelo da Equivalência Ricardiana por ser, justamente, um modelo, ele parte de
inúmeros pressupostos para funcionar – os quais, não, necessariamente, são realistas – de
forma a explicar por quê déficits no governo não geram efeitos na economia.
(...) mas, de fato, as fundações teóricas da equivalência ricardiana não
são triviais. A Equivalência Ricardiana requer um número de
pressupostos sobre o comportamento individual e/ou do ambiente
econômico que podem ser falsos (Seater, 1993, p.143).
Dentro da literatura sobre a Equivalência Ricardiana não há consenso exato sobre os
pressupostos, sendo alguns presentes em vários trabalhos, enquanto outros não o são. Para
tanto, o foco não será se debruçar e detalhar todos os pressupostos, mas, trabalhar com
aqueles que parecem ser mais relevantes e importantes para a construção do modelo - e
que, posteriormente, serviram como base para algumas críticas ao modelo. Ou seja,
tomaremos os pressupostos que aparecem de modo mais consensual entre os vários
autores para explorá-los melhor.
Para Berheim (1987, p,265) os pressupostos são: gerações são altruístas com as próximas;
mercado de capitais perfeito ou falho em segmentos específicos; impostos futuros não são
redistribuídos entre as gerações; impostos não são discricionários (ou impostos lump
sum); déficits não criam valor; consumidores são racionais; disponibilidade de financiar
o déficit como instrumento fiscal não altera processos políticos.
As gerações serem altruístas com as próximas é importante para o modelo, pois, diante
de um aumento do déficit público, isso faz com que os pais poupem hoje com o intuito
de destinar recursos para seus filhos ou netos para que eles paguem impostos no futuro.
Caso não houvesse essa preocupação intertemporal, o consumo da geração atual poderia
ser alterado diante do aumento da dívida pública – ou déficit público.
Da mesma forma, o mercado de capitais deve fornecer recursos para os agentes privados,
de modo que seus títulos possam substituir de modo perfeito títulos do governo. Caso
contrário, se o mercado de capitais tiver falhas, então, os títulos do governo se tornam
riqueza aos olhos dos agentes, podendo afetar o consumo deles (aumentando ou
diminuindo).
69
Marques Júnior (2015, p.217-218) adiciona alguns outros pressupostos como os impostos
devem ser do tipo lump slum13; o déficit público deve ser financiado por emissão de
títulos públicos; taxa de juros que governo paga é a mesma que o mercado oferece (aqui
nos parece ser o caso de mercado de capitais perfeito); tanto o setor público como privado
possuem mesmo horizonte temporal; e há total certeza sobre como será regida a política
fiscal (novamente, expectativas racionais); o valor presente e a trajetória dos gastos
públicos são constantes.
O financiamento do déficit público por meio da emissão de títulos é necessário para
demonstrar que impostos e dívida possuem impactos semelhantes na economia. O
governo pagar a mesma taxa de retorno que o mercado oferece, como será visto, é
importante para mostrar que comprar títulos do governo não é um diferencial para com o
mercado financeiro e de capitais, de modo que títulos públicos não significam riqueza.
Por outro lado, Marinheiro (1996a) mostra outros pressupostos: 1) a despesa pública
inicial não se altera, ou seja, ela é constante; 2) juros e amortizações devem ser financiado
por impostos cobrados no período posterior à emissão da dívida; 3) mercados de capitais
perfeitos; 4) não existe incerteza quanto ao rendimentos dos indivíduos; 5) os indivíduos
têm horizontes infinitos, como se fossem viver para sempre; 6) eles antecipam, de maneira
perfeita, os impostos futuros (expectativas racionais), assim, os agentes sabem que um
aumento do déficit público, financiado por dívida pública, levará a aumento de impostos
no futuro; 7) os impostos são lump-sum e 8) ausência de crescimento econômico.
Diante desse quadro apresentado na literatura sobre os pressupostos do modelo de
Equivalência Ricardiana iremos focar nos principais e mais recorrentes dentro dessa
literatura: importância das gerações se importarem com as próximas, mercado de capitais
perfeito, ausência de crescimento econômico, impostos lump sum e expectativas
racionais. Basicamente, são estes os elementos que dão unidade ao modelo.
O primeiro pressuposto mais importante que deve ser melhor detalhado é a questão de as
futuras gerações se preocuparem com as demais, fazendo com que as famílias possuam
um horizonte infinito. O modelo apresentado por Barro (1974) parte dessa ideia inicial de
que os agentes da geração presente pensam não somente no seu consumo presente, como
no consumo de seus descendentes.
13 Impostos lump slum são impostos que independem do crescimento econômico, como será visto mais
adiante.
70
Mas, nota-se, que os agentes não precisam pensar de maneira infinita, de modo que os
pais apenas pensem no consumo dos filhos, e, assim, sucessivamente.
Obtém-se assim super-neutralidade sem que seja necessário que cada
indivíduo se preocupe direta ou indiretamente com todos os familiares
distantes. É apenas necessário que ele se preocupe com o seu consumo
e de seus filhos (Marinheiro, 1996b, p.12).
Kotlikoff e Summers (1980, p.33) citam inúmeras formas de transferências de recursos
inter-geracionais: pais que emprestam recursos abaixo da taxa de juros de mercado para
que seus filhos possam comprar uma casa ou uma empresa, pais que sustentam seus filhos
durante e após a faculdade, ou a avó que dá à neta um presente caro de seu casamento ou
mesmo o anel de casamento são todas formas de considerar transferência inter-geracional.
Como seria feita essa ligação entre as gerações atuais e as próximas? Basicamente, o meio
de relacioná-las é através de heranças/recursos deixados pelas gerações antigas. Nesse
sentido, quais seriam os motivos para prover recursos para filhos e suas consequentes
linhas sucessórias? Seater (1993, p.148) descreve algumas delas. Uma primeira
aproximação seria a de que os pais utilizam herança como forma de atrair a atenção dos
filhos, pois caso eles fossem desobedientes, então, haveria estímulos para não destinar
recursos futuros a eles, ou as crianças podem ameaçar reduzir seu próprio bem-estar. O
financiamento do governo via impostos ou via dívida pode ter impactos na economia:
“Em ambos casos, troca de dívida-por-impostos altera o ponto de ameaça dos pais e/ou
dos filhos e, portanto, tem impactos reais, negando a equivalêcia ricardiana” (ibid)
As transferências intergeneracional não precisam ser extensas, bastando
que que elas sejam baseadas em alturismo realizada na margem por
muitas pessoas. E, também, os recursos não precisam ser transferidos
após a morte, mas podendo ser dissipados em educação dos filhos, por
exemplo. Número de pessoas sem filhos é menor, porque as famílias
com mais filhos do que a média tendem a ver sua renda decair diante
de aumento dos déficits, o que acaba gerando efeitos pequenos ou quase
nulos (Barro, 1989, p.41).
Para que o modelo funcione é necessário, portanto, que os agentes sejam altruístas, ou
seja, o único motivo pelo qual os agentes destinam recursos a seus descendentes é que
eles se importam e desejam deixar um legado para seus descentes. Isso porque,
comportamentos que não sejam altruístas levam a resultados não-ricardianos:
Esses motivos não altrutistas para herança acima expostos não causam
compensações uma-por-uma de alteração nos impostos futuros,
necessária para a Equivalência Ricardiana. Não está claro que apenas
heranças altruístas podem gerar a Equivalência Ricardiana, mas
71
altruísmo é único motivo examinado formalmente até agora que
conseguiu fazê-lo (Seater, 1993, p.148-149)
Esse presuposto de que as transferências inter-geracionais são relevante para a economia
pode ser encontrado/ancorado no estudo de Kotlikoff e Summers (1980), no qual eles
argumentam que a hipótese de ciclo de vida, em que os indivíduos poupam na juventude
– ou na idade ativa, melhor dizendo – é irrelevante para explicar a acumulação de capital
nos Estados Unidos, pois esta é melhor explicada pelas transferências entre gerações:
As transferências intergeracionais parecem ser o elemento
principal que determina a acumulação de riqueza nos EUA. As
nossas melhores estimativas do estoque de riqueza de
transferência de 1974, depois de permitir a acumulação do ciclo
de vida entre esposas é de aproximadamente 3 trilhões de dólares
(ibid, p.37)
Outro elemento fundamental para que a Equivalência Ricardiana funcione é que os
mercados de capitais sejam perfeitos, de modo a não haver restrições de crédito para os
agentes. “Quando ineficiências no mercado privado de capitais cria dificuldade ou
impossibilidade para que os consumidores obtenham empréstimos, empréstimo ao
governo pode ter efeitos reais.”(Berheim, 1987, p.269).
Pode-se definir restrição de liquidez de maneira aproximada como uma incapacidade de
os agentes conseguirem obter empréstimos diante de sua renda futura, assim, o consumo
será determinado pela sua própria renda corrente (Hubbard e Judd, 1986, p.5-6). Como
explica Marinheiro (1996a, p.60), o horizonte de consumo dos agentes é bem mais curto
do que suas próprias vidas, em função do fato de que eles não conseguem transferir o
consumo que eles realizariam no futuro para o presente.
Essa ideia de mercados de capitais perfeitos se baseia na Hipótese dos Mercados
Financeiros (HME). Mercado eficiente é aquele, no qual os preços refletem totalmente
(fully reflection) a informação disponível (Fama, 1970, p.1). Este mesmo autor (ibid, p.1;
Lima, 2003, p.29) ressalta que existem três formas, nos quais a HME pode aparecer: fraca,
em que os preços passados não parecem refletir preços futuros; a semi-forte, na qual os
preços dos títulos se ajusta quase que imediatamente às informações; e, por fim, a forma
forte, em que os investidores com acesso monopolista (ou privilegiado) às informações
relevantes para a formação de preços.
Segundo Lima (2003, p.29), a consequência é a de que o preço de uma ação ou título
corresponde ao seu preço correto, ou justo, de modo sua determinação seria decorrente
72
do risco que esse ativo possui. Como explica Aldrighi e Milanez (2005, p.44), os
resultados do modelo de mercado eficientes são de Randon Walk, ou passeio aleatórios,
nos quais os preços dos ativos financeiros independem dos preços passados, ou seja, como
o preço de um ativo possui todas as informações necessárias sobre seus fundamentos,
então, possíveis mudanças de preços ocorrem apenas quando novas informações surgem.
Consequentemente, não é possível obter ganhos acima do mercado, pois investidor não
consegue obter acesso privilegiado às informações, visto que elas já estão incorporadas
nos preços.
A Hipótese dos Mercados Eficientes mostra que não existem custos de transação no
mercado de capitais, pois todas as informações estão disponíveis para os agentes,
“Portanto, não se justificaria despender tempo e recursos para obter informações
públicas com o propósito de conseguir retornos acima do retorno médio do mercado,
uma vez que essas informações já estariam incorporadas nos preços” (Aldrighi e
Milanez, 2005, p.44).
A inexistência de custos de transação faz com que não haja restrições de liquidez, visto
que os preços dos ativos no mercado financeiro – tais como ações e títulos – refletem o
preço correto ou indicam, corretamente, os fundamentos dos ativos. Nesse sentido, não
há como haver, dentro desse modelo, restrição de liquidez, o qual só aconteceria se os
preços não pudessem se ajustar corretamente por existirem falhas, ou seja, se os preços
não refletissem, de maneira adequada, seus fundamentos.
Segundo Seater (1993, p.151), a Equivalência Ricardiana só é invalidada se a dívida
pública (ou o governo) realmente introduz diferencial com o qual o setor privado não
consegue lidar. Esse autor cita dois exemplos emblemáticos, o primeiro em que os custos
de transação para o governo são menores do que para o setor privado, então, a restrição
de liquidez é minimizada, de modo que os agentes podem ter melhor acesso a recursos.
Dessa forma, para agentes com restrição de liquidez, a dívida pública constitui riqueza,
algo que para Barro (1974), não o é. Outro exemplo, é de que se existe um problema de
seleção adversa, aumentando o risco de determinados agentes, o governo poderia ser mais
eficiente em coletar pagamento de indivíduos com maior risco.
Marinheiro (1996a, p.60) mostra, também, se os agentes possuem restrição de liquidez, o
aumento da dívida pública – ocasionada por uma redução de impostos - permite que os
indivíduos tenham acesso a recursos (fundos) que anteriormente não tinham. Nesse
73
sentido, a restrição de liquidez, em decorrência de falhas no mercado financeiro e de
capitais, faz com que a Equivalência Ricardiana não funcione.
Nessas circunstâncias, mesmo que sejam consumidores/contribuintes a
pagar impostos no futuro, eles irão aumentar seu consumo atual.
Através da emissão de dívida pública o governo oferece a possibilidade
das famílias aumentarem o seu consumo presente, obtendo fundos a
uma taxa de juros que não conseguiriam obter no mercado de capitais
[itálico original] (Marinheiro, 1996a, p.60)
A ausência de crescimento econômico é considerado um pressuposto para fazer funcionar
a Equivalência Ricardiana. Contudo, não é um crescimento econômico, mas um
crescimento abaixo da taxa de juros real. Como mostram Marinheiro (1996a, p.54-55) e
Barro (1976, p.343-344), se a taxa de juros for maior do que a taxa de crescimento da
economia, Equivalência Ricardiana se sustenta, visto que seria necessário cobrar
impostos no futuro para pagar os juros da dívida pública, pois a renda arrecadada não
seria suficiente para cobrir as obrigações futuras.
Contudo, o ponto a salientar é que, dentro dessa visão, o crescimento econômico é dado,
em decorrência dos fatores-de-produção existentes na economia, como capital e trabalho.
Dessa forma, nota-se que não existe multiplicador, de modo que a economia não pode
crescer além do que é já determinado previamente pelos recursos existentes. É por isso
que, por exemplo, um gasto público inicial não consegue se pagar sem a necessidade de
maiores tributos, pois sem o multiplicador, a renda já está dada de antemão. Qualquer
elevação do déficit e da dívida pública precisa ser coberta com novos aumentos de
impostos.
Consideramos, portanto, a ausência do multiplicador um pressuposto importante para que
a Equivalência Ricardiana se sustente, visto que, desse jeito, a renda se torna estática, em
que qualquer aumento da dívida pública leva à crença de que haverá maiores impostos no
futuro, neutralizando os efeitos da política fiscal.
Se houvesse efeito multiplicador, a renda poderia se elevar acima daquela em que não
ocorreu um gasto exógeno, e não haveria motivos para que os agentes tivessem de poupar
hoje para pagar impostos no futuro. Ou seja, a não existência do multiplicador é
fundamental para que a Equivalência Ricardiana se sustente.
Pressuposto que é considerado importante são os chamados impostos lump sum. Estes se
caracterizam por impostos uniformes cobrados sobre os indivíduos, em que
74
Não poderão existir diferenciações com base na destreza, riqueza,
rendimento ou despesa. No caso da aplicação de um imposto lump sum
não existe nenhum imposto marginal. Dessa forma, nenhuma
transacção deixaria de ser efectuada devido à existência do imposto. Se
existisse uma taxa marginal os contribuintes poderiam fazer variar o
montante de imposto variando o volume de actividade. (Marinheiro,
1996a, p.63)
Ou seja, é um imposto considerado neutro, pois não afeta a eficiência econômica, visto
que ele incide de maneira igual sobre todos os agentes da economia. Esse pressuposto é
importante, pois a forma como se cobra imposto pode alterar o comportamento dos
indivíduos, de modo a prejudicar a Equivalência Ricardiana. Por exemplo, um imposto
que incida sobre riqueza, irá desestimular a poupança e a acumulação de capital, porque
os agentes sabem que se acumularem muito riqueza hoje serão cobrados mais no futuro
(Marinheiro, 1996a, p.63-64), Nesse caso, ao invés de pouparem mais no presente para
pagarem impostos no futuro, eles podem até consumir mais, o que invalidade a
Equivalência Ricardiana.
Outro exemplo interessante dado por Marinheiro (ibid, p.64) é de impostos que incidem
sobre rendimentos. Comparando dois indivíduos: um jogador de futebol, cujos
rendimentos presentes são altos, mas no futuro serão baixos, e um estudante de medicina,
para quem sua renda futura será maior, haverá diferenças de opiniões quanto à forma de
financiamento do governo. No primeiro caso, o jogador de futebol prefere a dívida
pública, pois os impostos recairão menos sobre ele, enquanto o estudante de medicina
prefere impostos no presente, visto que, pelo fato de sua renda ser baixa hoje, a tributação
incidirá menos sobre ele do que no futuro – caso o governo opte pela dívida pública.
Nesse sentido, a forma como o governo se financia não é irrelevante ou idêntica para os
agentes, como afirma a Equivalência Ricardiana.
E por fim, último pressuposto importante de discutir com maiores detalhes é o das
expectativas racionais. Snowdow e Vane (2005, cap.5) descrevem que os agentes irão
maximizar o máximo possível de informações – inclusive seus erros – de modo que eles
não a errarem sistematicamente. Como aponta Taylor (1983, p.393), os agentes aprendem
com o passado e utilizam toda informação disponível a eles.
Como explicam Snowdow e Vane (2005, cap.5), as expectativas acerca do futuro são as
mesmas daquelas previstas na própria teoria econômica. Mesmo que as expectativas
racionais não indiquem que os agentes conhecem perfeitamente o futuro, mas que eles
75
levam em consideração o que eles acreditam ser a teoria econômica “correta”, de modo
que os erros que acontecem são fruto de informação incompleta.
Eu gostaria de sugerir que as expectativas, já que são previsões
informadas de eventos futuros, são essencialmente as mesmas que as
previsões da teoria econômica relevante. Correndo o risco de confundir
essa hipótese puramente descritiva com um pronunciamento sobre o
que as empresas devem fazer, chamamos tais expectativas de
"racionais" (Muth, 1961, p.316).
Os agentes formulam suas expectativas futuras, diante do quadro de informações
disponíveis, de modo a coincidir com as expectativas previstas para o comportamento de
uma determinada variável ou política econômica. Dessa forma, os agentes podem se
antecipar à própria política econômica, de modo a neutralizá-la. Vejamos como as
expectativas racionais são importantes para fundamentar a Equivalência Ricardiana.
Quando governo realiza um déficit, financiado por dívida pública, os agentes, conhecendo
a teoria econômica “correta14”, acreditam que haverá maior cobrança de impostos no
futuro e por isso poupam hoje para pagar essas obrigações futuras. Por conhecerem o
futuro, os agentes se antecipam à política econômica, neutralizando-a.
Caso os agentes não fossem racionais, tal como descrito, a formulação de expectativas
poderia ser diferente, de modo que o aumento do déficit e da dívida pública – decorrente
de uma redução de impostos - fizesse com que os agentes interpretassem essa elevação
como aumento da renda disponível e aumentassem o consumo hoje. Por isso, a
incorporação das expectativas racionais é fundamental para solidificar a ideia da
Equivalência Ricardiana.
Esses pressupostos são importantes para entender a construção da teoria da Equivalência
Ricardiana. Contudo, a base desse modelo pode ser encontrada no chamado equilíbrio
geral walrasiano. Originalmente desenvolvido por Walras, o equilíbrio geral busca
mostrar a interdependência entre os agentes, de modo que, por meio de suas relações
indiretas – via oferta e demanda de bens -, é possível atingir um equilíbrio ótimo na
economia.
14 A teoria “correta” seria a proposta pelos Novos-Clássicos, em que, políticas expansionistas não geram os
resultados esperados: no âmbito da política monetária, aumento na quantidade de moeda ofertada só levará
à inflação, e na política fiscal, vale a Equivalência Ricardiana, em que déficits públicos levam a maiores
impostos no futuro. Sabendo disso, portanto, os agentes neutralizam a política econômica.
76
Como aponta Silva (2009, p.6), o equilíbrio geral é um instrumento que relaciona
equilíbrio, produtos e preços. Assim, o equilíbrio expressa auto-organização das forças
do sistema econômica, de modo a enfatizar que há equilíbrio entre os agentes. Os produtos
são a finalidade da atividade econômica e os preços são o meio pelo qual se mensura o
processo de troca de produtos.
O equilíbrio geral pode ser pensado por meio de um exercício de abstração, como uma
feira de domingo. Nesse caso, temos consumidores que são ao mesmo tempo produtores
de bens. Em decorrência da divisão do trabalho, cada agente individual produz um certo
tipo de bem. Nessa feira, esses produtores-consumidores interagem de modo a vender sua
produção para obter mercadorias que satisfaçam suas necessidades. O mecanismo que
regula essa relação de compra e venda são os preços relativos, os quais determinam o
equilíbrio entre o que é ofertado e demandado.
Como nesse modelo ninguém quer voltar com a mercadoria que produziu, mas deseja
outras que lhe satisfaçam as necessidades, eventuais excessos de demanda ou de oferta
são corrigidos até o momento em que todos estão satisfeitos.
Segundo Elsner, Heinrich e Schwardt (2016, cap.5), o que o equilíbrio geral demonstra é
que dada uma dotação – na forma de mercadorias- o consumidor-produtor terá uma
alocação – aquilo com que ele sai do mercado – que aumente sua utilidade, sendo o preço
relativo o indicativo de quanto indivíduo irá trocar. Portanto, se a economia está em
equilíbrio, sabe-se que esse equilíbrio é estável e único.
No mercado de trabalho, esse equilíbrio fica evidente. Os trabalhadores ofertam mão-de-
obra por um determinado preço, enquanto os empresários ofertam trabalho a um
determinado salário. A interação entre os agentes faz com que se chegue a um salário de
equilíbrio, em que todos os trabalhadores que desejam trabalhar por um dado salário
encontram emprego, ou seja, atinge-se o chamado pleno emprego. O equilíbrio geral é
esse mecanismo de ajuste no mercado, em que todos saem ganhando.
Essa situação de perfeito equilíbrio, em que todos os agentes maximizam suas utilidades
é denominado de Pareto-ótimo, em que ninguém pode melhorar sua situação sem que
outro piore. Na ausência de qualquer intervenção no mercado, temos um equilíbrio
perfeito. Temos, portanto, a essência do equilíbrio geral, a qual é a base para os modelos
econômicos neoclássicos, no qual a Equivalência Ricardiana se encaixa.
77
Os modelos ortodoxos de crescimento econômico15, ao incorporarem o equilíbrio geral,
colocam que as possibilidades para que a economia cresça dependem da tecnologia (Jones
e Vollarth, 2015, p.119), o que, por sua vez, é resultado da disponibilidade dos fatores-
de-produção existente na economia, como trabalho e capital.
Nesse sentido, se o crescimento da economia depende dos recursos existentes e da busca
por tecnologia por parte das empresas, a atuação estatal, por meio da política fiscal, acaba
por não gerar impactos na economia, no sentido de fomentar o crescimento econômico e
na geração de emprego. Essa negação do papel do Estado como um agente capaz de
incentivar a economia decorre do próprio equilíbrio geral. Por isso, esta última é a base
fundamental da Equivalência Ricardiana.
Como já apresentado, na Equivalência Ricardiana, os agentes se antecipam à política
econômica. Quando o Estado realiza um déficit público, e com isso cobra mais impostos
nos futuros, a atuação estatal prejudica o equilíbrio geral, visto que as a relação entre os
consumidores-produtores é afetada, pois há uma inferência externa aos processos de
ajustamentos de mercado. Ao retirar recursos da economia, por meio de impostos ou
dívida pública, a alocação de recursos sofre mudanças.
Contudo, o mecanismo da Equivalência Ricardiana, em que os agentes poupam para
cobrir o pagamento de impostos futuros garante o equilíbrio intertemporal da economia e
mantêm, de certa forma, a Eficiência de Pareto: no futuro, o Estado, por meio da
arrecadação de impostos, irá equilibrar o seu orçamento, assim como, os agentes, por
terem poupado no período anterior, conseguirão arcar com essa tributação de modo
adequado. O ato de poupar, enquanto o governo realiza um déficit, é o mecanismo pelo
qual o equilíbrio da economia é atingido no tempo.
Imaginando que os agentes não poupassem, mas consumissem diante do desequilíbrio
fiscal, teríamos uma situação que, no momento futuro, o governo aumentaria os impostos
para cobrir seu déficit, contudo as famílias não conseguiram pagar os tributos, visto que
não pouparam no momento anterior. Nesse sentido, a economia estaria em pleno
desequilíbrio.
Como, no pensamento neoclássico, a economia sempre estará nesse equilíbrio geral e
haverá eficiência no sentido de Pareto, a poupança cumpre, na Equivalência Ricardiana,
15 Apresentamos apenas de maneira sintetizada a discussão sobre crescimento econômico. Para explicações
detalhadas e com diversidade de modelos ver Jones e Vollarth (2015).
78
o papel de realizar o equilíbrio intertemporal da economia, de modo que todos os agentes
consigam maximizar utilidades – as famílias pagando os impostos e o Estado cobrindo
seu déficit. Por isso que podemos argumentar que a base por detrás da Equivalência
Ricardiana é o equilíbrio geral walrasiano.
Feita a análise dos pressupostos, o passo seguinte é apresentar o modelo de Barro (1974),
pioneiro nessa discussão sobre Equivalência Ricardiana.
2.3 Modelo de escolha Intertemporal
Barro (1974) apresenta um modelo de sobreposição de gerações para demonstrar que a
dívida pública não constitui um efeito riqueza para agentes, mas, ao contrário, mantém
inalterado tanto o consumo quanto o investimento. Isso porque, os agentes da geração
anterior irão poupar mais para deixar inalterado o consumo posterior da geração
subsequente, pois o aumento da dívida será financiando via impostos.
O modelo se constitui de dois períodos, em que o indivíduo é jovem e, posteriormente, se
torna idoso. Esses dois períodos constituem a geração, com N pessoas, a qual uma vai
sucedendo a outra. Membros de cada geração trabalham apenas enquanto jovens e
recebem salário (w). As expectativas sobre w em futuros períodos estão em valor presente
e cada agente detém ativos (A) ativos, sendo que títulos do governo são uma forma
adicional de ativos que eles podem ter. A taxa de retorno dos ativos (r) será paga uma vez
a cada período e as expectativas de retorno desses ativos estão em valor presente.
Assim, o indivíduo da geração terá como restrição orçamentária a seguinte equação:
𝐴1𝑦
+ 𝐴00 = 𝑐1
𝑜 + (1 − 𝑟)𝐴10 (1)
𝐴1𝑦
representa a dotação quando jovem, e 𝐴00 a doação recebida da geração anterior, o que
permitirá um certo consumo quando velho 𝑐𝑜 e o que, excluindo taxa de retorno, ele
deixará para a geração futura (geração 2) - (1 − 𝑟)𝐴1𝑜. De outro lado, pensando para
geração 2, temos que a dotação será:
𝑤 = 𝑐2𝑦
+ (1 − 𝑟)𝐴2𝑦
(2)
Para quando ele for idoso,
𝐴2𝑦
+ 𝐴10 = 𝐶2
𝑜 + (1 − 𝑟)𝐴2𝑜(3)
79
Nesse sentido, como a geração anterior se preocupa com a posterior, é o fato que explica
a doação 𝐴10 para a geração 2. Portanto, a utilidade da geração 1 deve incorporar a
utilidade da geração 2 (𝑈𝑖+1∗ )
𝑈𝑖 = 𝑈𝑖(𝑐𝑖𝑦
, 𝑐𝑖0, 𝑈𝑖+1)(4)
A solução, para geração 1, estará em
𝑐10 = 𝑐1
0(𝐴1𝑦
+ 𝐴𝑜𝑜 , 𝑤, 𝑟)(5)
𝐴1𝑜 =
1
1−𝑟(𝐴1
𝑦+ 𝐴0
𝑜 − 𝑐1𝑜) = 𝐴1
0(𝐴1𝑦
+ 𝐴𝑜𝑜 , 𝑤, 𝑟)(6)
E para a geração 2:
𝑐2𝑦
= 𝑐2𝑦
(𝐴1𝑜 , 𝑤, 𝑟)(7)
𝐴2𝑦
=1
1−𝑟(𝑤 − 𝑐2
𝑦) = 𝐴2
𝑦(𝐴1𝑜 , 𝑤, 𝑟)(8)
Assim, a restrição que a geração 2 possui depende da doação da geração 1, dos salários
recebidos menos o consumo e da taxa de juros.
𝑐2𝑜 = 𝑐2
𝑜(𝐴2𝑦
+ 𝐴1𝑜 , 𝑤, 𝑟)(9)
𝐴20 =
1
1−𝑟(𝐴2
𝑦+ 𝐴1
𝑜 − 𝑐2𝑜) = 𝐴2
0(𝐴2𝑦
+ 𝐴1𝑜 , 𝑤, 𝑟)(10)
A dotação da geração 2 quando estão idosos depende dos ativos que eles obtiveram
quando novos – ou seja, que eles acumularam durante o período em que estiveram
trabalhando - somando com aqueles recebidos da geração anterior, mais os salários e os
juros.
Desse modo, a restrição orçamentária de ambos indivíduos na fase idosa (da geração 1 e
da geração 2) estão sujeitos à dotação de quando jovens e do que receberam da geração
anterior, mais salários e retorno dos ativos. Nesse sentido, nota-se que as gerações levam
em conta a necessidade de deixar recursos futuros para seus descendentes.
Contudo, para compreender a Equivalência Ricardiana é preciso ver como a dívida
pública impacta esse modelo. Há várias formas de demonstrar a Equivalência Ricardiana.
80
Primeiro vamos utilizar a argumentação do próprio Robert Barro e depois analisaremos
outros modos de apresentação.
Para Barro (1974), a restrição dos consumidores 1 é dada pela dotação – sendo 𝐴1𝑦
+
𝐴10 as doações brutas da geração 1 quandos são novos e idosos, respectivamente - que
possuem:
𝐴1𝑦
+ 𝐴10 + 𝐵 = 𝑐1
0 + (1 − 𝑟)𝐴10(11)
Em que B representa os impostos a serem cobrados. Para a geração 2, a restrição é:
𝑤 = 𝑐2𝑦
+ (1 − 𝑟)𝐴2𝑦
+ 𝑟𝐵,(12)
Em que rB são os juros que devem ser pagos pela emissão da dívida pública inicial. Para
o próximo período da geração 2, ou seja, quando estiverem velhos, a restrição será:
𝐴2𝑦
+ 𝐴10 = 𝑐2
𝑦+ (1 − 𝑟)𝐴2
0 + 𝐵,(13)
B representa o pagamento do principal da dívida. Combinando as duas restrições para
geração 2 tem-se que, segundo Marinheiro (1996a, p.39):
𝐴2𝑦
=𝑤 − 𝑟𝐵 − 𝑐2
1 − 𝑟
E ao substituir na equação anterior obtemos:
𝑤 − 𝑟𝐵 − 𝑐2𝑦
+ (1 − 𝑟)𝐴10 = (1 − 𝑟)𝑐2
0 + (𝐴 − 𝑟)2𝐴20 + (1 − 𝑟)𝐵, (14)
De onde se pode deduzir:
𝑤 + (1 − 𝑟)𝐴01 − 𝐵 = 𝑐2
𝑦+ (1 − 𝑟)2𝐴0
2(15)
A função utilidade da geração 2 será, portanto:
𝑈2 = 𝑓𝑖[(1 − 𝑟)𝐴01 − 𝐵, 𝑤, 𝑟] (16)
Na qual, (1 − 𝑟)𝐴01 − 𝐵 é a herança líquida dada pela geração 1 à geração 2.
Desse modo, a utilidade da geração 1 será dada pelo seu consumo quando jovem, quando
idoso e da utilidade esperada de seus descendentes da geração 2, a qual depende,
fundamentalmente, da doação líquida da geração 1:
𝑈1 = 𝑈1(𝑐1𝑦
, 𝑐10, 𝑈2) = (1 − 𝑟)𝐴1
0 − 𝐵, 𝑐1𝑦
, 𝐴1𝑦
+ 𝐴00, 𝑤, 𝑟(17)
81
Com os valores os 𝑐1𝑦
, 𝐴1𝑦
+ 𝐴00, 𝑤, 𝑟 como dados, o problema fundamental da geração 1
é determinar a doação líquida ótima para seus descendentes [(1 − 𝑟)𝐴10 − 𝐵]. Assim,
qualquer deslocamento de B (como aumento da dívida pública, decorrente de redução de
impostos) só irá elevar o montante de doação bruta (𝐴10) necessário para manter a doação
líquida estável.
(...) qualquer mudança marginal em B seria atendida unicamente por
uma mudança em 𝐴10: que mantenha o valor do legado líquido, (1 - r)
𝐴10: - B. Esta resposta em 𝐴1
0; manterá inalterados os valores de
𝑐10, 𝑐2
𝑦, 𝑐2
0𝑒𝐴02. Portanto, os níveis de utilidade alcançados pelos
membros das gerações 1, 2, etc., não serão afetados pela mudança em
B (Barro, 1974, p.1103)
Após esse primeiro modelos apresentado por Barro no início dos anos 1970, podemos
encontrar outras formas de representar matematicamente essa questão intertemporal na
questão do comportamento dos agentes, diante da política fiscal.
2.4 Outras representações da Equivalência Ricardiana
Além do modelo apresentado por Barro, é possível encontrar em outros artigos e livros-
textos outras formas de representação da Equivalência Ricardiana, cuja apresentação
corrobora a conclusão de Barro de que déficit público não possui impacto nenhum sobre
a economia.
Blanchard e Fischer (1989, cap.2) apresentam de forma um pouco diferente os impactos
da dívida pública no orçamento dos agentes privados, mas, cujo resultado corrobora a
Equivalência Ricardiana. Segue-se o modelo tal como apresentado por esses autores.
Apesar de se financiar por impostos, o governo pode tomar emprestado do setor privado,
sendo a dívida do governo paga com a mesma taxa que o capital se os agentes a tem no
portifólio. Assim, gt é a dívida per capita: a restrição é:
𝑏𝑡
𝑑𝑡+ 𝑛𝑏𝑡 = 𝑔𝑡 − 𝜏𝑡 + 𝑟𝑡𝑏𝑡(18)
Em que 𝑏𝑡
𝑑𝑡 é a dívida per capita, nbt é o montante da dívida, os quais com o aumento da
população podem fazer a dívida flutuar sem aumento da dívida per capita. O lado direito
da equação os excessos de gastos do governo – compras de bens e serviços (déficit
primário), além de pagamentos de juros da dívida pública.. A restrição do governo indica
que o governo só pode tomar emprestado quando os gastos superam as receitas.
82
Integrando e impondo uma condição NGP, dado restrição intertemporal do orçamento
temos que:
𝑏0 + ∫ 𝑔𝑡
𝛿
0
𝑅𝑡𝑑𝑡 = ∫ 𝜋𝑡
𝛿
0
𝑅𝑡𝑑𝑡 (19)
Essa equação mostra que o valor presente dos impostos é igual ao valor presente do gasto
governamental mais uma dívida inicial (𝑏0). Nesse sentido, yh o governo escolhe gastar
ou cobrar impostos de acordo com o valor presente do superávit primário g – t.
A presença do governo afeta a restrição orçamentária das famílias:
𝑐𝑡 +𝑑𝑎𝑡
𝑑𝑡+ 𝑛𝑎𝑡 = 𝑤𝑡 + 𝑟𝑡𝑎𝑡 − 𝜏𝑡, (20)
Em que at = kt – bpt + bt, ou seja, mostrando que as famílias podem emprestar e tomar
emprestado a uma taxa rt, assim como o governo. Agora, se a restrição era dada pelos
salários e pela taxa de juros, com a introdução do governo adiciona-se impostos. A nova
restrição orçamentaria intertemporal das famílias será:
∫ 𝑐𝑡𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡 = 𝑘0 − 𝑏𝑝0 + 𝑏0 + ∫ 𝑤𝑡
𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡 − ∫ 𝜋𝑡
𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡 (21)
O valor presente do consumo deve ser igual a soma da riqueza não humana (relacionado
a ativos financeiros) – k0 - bp0 e b0 e a riqueza humana que é o valor dos salários menos
tributos. A restrição do governo indica que para uma dada trajetória dos gastos do governo
– g0 – o governo deve cobrar impostos a um dado valor presente, de modo que não precisa
estar com o orçamento equilibrado o tempo todo. Começando com um balanço
equilibrado, isso pode levar à redução dos impostos em um certo período, tomando
emprestado das famílias, e elevando impostos no futuro para pagar juros e a dívida.
Colocando a restrição governamental na restrição das famílias na equação acima:
∫ 𝑐𝑡𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡 = 𝑘0 − 𝑏𝑝0 + ∫ 𝑤𝑡
𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡 − ∫ 𝑔𝑡
𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡
16 (22)
16
Como temos que
𝑏0 + ∫ 𝑔𝑡𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡 = ∫ 𝜋𝑡
𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡, é só substituir ∫ 𝜋𝑡
𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡 𝑝𝑜𝑟 𝑏0 + ∫ 𝑔𝑡
𝛿
0𝑅𝑡𝑑𝑡, de modo que a dívida
pública b0 se cancela com o b0 da riqueza não humana dos agentes, comprovando, através desse modelo
que dívida pública e nem impostos impactam na riqueza das famílias.
83
Nem a dívida nem impostos aparecem na restrição das famílias, apenas os gastos do
governo. Nesse sentido, para uma dada trajetória dos gastos do governo, tanto se financiar
via impostos quanto pela dívida pública não exerce impactos sobre a realocação da
riqueza dos agentes. Esse modelo intertemporal está de acordo com a equivalência
ricardiana:
Uma redução dos impostos, e portanto, do aumento do déficit hoje,
deve, de acordo com a restrição do orçamento do governo, leva ao
aumento dos impostos no futuro. De acordo com a restrição das
famílias, a corrente redução e a elevação futura é exatamente
compensada entre si no valor presente, deixando a restrição
orçamentária inalterada (Blanchard e Fischer, 1989, p.56)
A conclusão desse modelo, tanto de Barro (1974) quanto o apresentado por Blanchard e
Fischer (1989, cap.2), é que nem a dívida pública nem os impostos constituem parte da
riqueza dos agentes. Nesse sentido, não existe efeito-riqueza quando o governo aumenta
a renda disponível dos agentes ou quando emite dívida pública, pois, neste segundo caso,
os agentes interpretam a emissão de dívida não como ganho financeiro, mas apenas como
impostos futuros.
Azaridis (1994, p.303-306) também apresenta um modelo para explicar a Equivalência
Ricardiana.
Em uma economia sem dívida pública, a política fiscal é dada por P = (gt, tt1, t
t-12). O
equilíbrio fiscal ocorre quando gt = tt1 + tt-1
2 (1+n). Cada indivíduo h enfrenta no período
t uma restrição orçamentária dada por:
ct1h + c
t2/Rt+1 < e1h - t
t + e2h – tt2/Rt+1. (23)
O equilíbrio dos fatores satisfaz z(Rt+1, tt, t
t2) = 0.
Dívida pública temporária no exemplo principal da política fiscal é idêntico a P para todos
os períodos, exceto para mudanças nos impostos t = T e t = T + 1. Em t = T, temos baixos
impostos em relação ao orçamento equilíbrio, b > 0. Em t = T + 1 corresponde à elevação
de impostos acima do caso de um orçamento equilibrado.
Suponha que o corte de impostos beneficie o mesmo grupo de pessoas para os quais mais
tarde irá ocorrer a elevar de impostos. Denominamos de T. Todas as demais gerações
enfrentam a mesma situação. Geração T, por outro lado, tem na juventude os impostos
reduzidos para tT1 – b e quando estiverem velhos terão os impostos elevados para tT
2 +
84
RT+1b, onde RT+1 é juros sobre empréstimos contraídos em T. O valor presente após os
impostos do orçamento para cada membro h da geração T é:
𝑒1ℎ − (𝑡1𝑡 − 𝑏) +
𝑒2ℎ+𝑡2
𝑡−𝑅𝑇+1𝑏
𝑅𝑇+1=: e1h - t
t + e2h – tt2/Rt+1 (24)
Isso mostra que o impacto da elevação da dívida pública, fruto da redução de impostos, é
a mesma coisa que o orçamento equilibrado. Como explica Azaridis (1994, p.305), a
menos que os consumidores sofram com restrição de liquidez ou mercados de créditos
imperfeitos, a demanda não irá responder à política de financiamento do governo nem a
taxa de juros de equilíbrio. Dessa forma, dívida pública não acarreta riqueza adicional,
pois ela aumenta o orçamento daqueles que tiveram os impostos reduzidos, e reduz a
riqueza daqueles que terão de arcar com os impostos futuros.
Orçamento equilibrado do governo não gera impactos nenhum na economia, pois da
mesma forma que se expande o gasto, há transferências de recursos para o próprio
governo. O que se nota é que a elevação da dívida pública, decorrente de uma política de
redução de tributos, não impacta na economia, pois do mesmo jeito que um determinado
grupo se beneficia da redução de impostos, de outro lado, outro grupo necessita poupar
com o intuito de pagar os tributos futuros. Mesmo dentro de uma geração, uma redução
de impostos na juventude levará ao aumento de tributos na velhice, de modo que os
impactos dessa política inexistem. Apenas transferência para o momento posterior o fardo
de se pagar impostos.
Este autor analisa um pouco diferente a Equivalência Ricardiana, pois ele coloca o ônus
da dívida pública na forma de maiores impostos no futuro para os jovens em detrimentos
dos mais velhos.
Quanto mais rápida cresce a dívida pública enquanto a geração está
viva, maior será o subsídio obtém essa população; dívida pública
nacional, depois de tudo, representa poupanças planejadas pelos mais
jovens para servirem aos passivos do governo realizado pelos mais
velhos. Os impostos suportados pelos jovens têm o mesmo efeito sobre
os subsídios geracionais que o aumento da dívida; de fato, o que se
mostra ser importante para cada geração é a evolução da soma da dívida
pública nacional acrescida de impostos para os mais jovens e não o
tamanho de cada componente individual (Azaridis, 1994, p.303-304).
Assim, não há ganhos permanentes com essa política de redução de impostos nem de
elevação da dívida pública, pois tudo se compensa: “Dívida pública nacional eleva a
85
riqueza da geração para quem os impostos foram reduzidos, e reduz a riqueza da geração
que pago pelo término da dívida” (ibid, p.306).
Hermann (2002, p.7) parece corroborar com a afirmação de que a elevação da dívida
pública, para cobrir um déficit público, tem o mesmo impacto de um orçamento
equilíbrado: “Ou seja, o efeito macroeconômico seria exatamente o mesmo de uma
política fiscal de orçamento equilibrado, em que dG=dT (dT = variação da arrecadação
de impostos), cujo multiplicador é igual a 1” (ibid).
Como essa autora explica (ibid), sendo dY=dG +dC, de modo que dC = dcYd, com c a
propensão marginal a consumir e YD a renda disponível. Teremos que dYd = dY-dG.
Dessa forma, dY=dG. Como existe esta última igualdade, dYD =0, ou seja, o déficit
público não possui qualquer impacto sobre a renda, visto que ônus recairá sobre as
gerações futuras.
Apresentado todo o conceito e o arcabouço que sustentam a Equivalência Ricardiana, o
próximo passado é discutir como ela estrutura a ação da ação da política fiscal, ou seja,
quais são as implicações em termos de recomendação para a efetuação da política fiscal
da Equivalência Ricardiana.
2.5 Implicações de política econômica
Segundo Lopreato (2013), não é porque a política fiscal deixa de ter um papel de incentivo
à demanda e aumento da renda que ela deixa de ter sua importância. Segundo ele, haveria
uma nova função para política fiscal, a qual deveria ser voltada para construir serviços
produtivos, sem gerar déficits, que permitam aumentar a produtividade do setor privado,
pois são os investimentos destes que elevam o emprego e a renda.
Como veremos mais à frente, ainda que a Equivalência Ricardiana não seja consenso
dentro do próprio pensamento mainstream sobre política fiscal, o ceticismo quanto ao
poder da política fiscal influenciar na economia fez com que os autores do mainstream
delegassem um papel secundário para ela (Blanchard, Dell’Ariccia e Mauro, 2010, p.5).
Apesar de não se encontrar na literatura sobre Equivalência Ricardiana como deveria ser
executada a política fiscal, é possível perceber que política fiscal não deve adotar medidas
discricionárias, pois ela não gerará impactos na economia, visto que os agentes podem se
antecipar a ela e neutralizar seus impactos. Assim, a discussão sobre Equivalência
Ricardiana se encaixa na questão de que a política fiscal deve estar sujeita a regras.
86
Os novos-clássicos alteram a óptica de atuação da política fiscal e
negam seu papel de instrumento de manipulação da demanda agregada,
privilegiando a defesa de regras, credibilidade de regimes de política
econômica, a consistência intertemporal das medidas adotadas e a
estabilidade econômica, embora aceitem que exista espaço de
intervenção governamental, com a oferta de bens ao setor privado
(Lopreato, 2013, p.45-46).
Como a perspectiva de amento do déficit público e da dívida pública afetam a expectativa
dos agentes, o Estado deve procurar manter o orçamento equilibrado. Segundo Oliveira
apresenta (2012, p.56) são dois os principais “pecados” que o Estado não deve cometer:1)
irresponsabilidade fiscal, através de sucessivos déficits públicos, sendo necessárias
instituições que controlem e fiscalizem o gasto e 2) não deve haver desequilíbrio
patrimonial, ou seja, o Estado deve garantir a estabilidade da dívida pública pagando os
juros da dívida, ainda que isso signifique renunciar às políticas públicas – sociais, por
exemplo.
A política passou a desempenhar a tarefa de fiadora da estabilidade
macroeconômica e a estar sujeita a regras em condições de garantir a
credibilidade ao comportamento do setor público e assegurar a
sustentabilidade das contas públicas (Arantes e Lopreato, 2017, p.7)
A manutenção do orçamento equilibrado visa sustentar a estabilidade da dívida pública
de modo intertemporal para evitar a própria Equivalência Ricardiana. Ao evitar déficits e
a elevação da dívida pública no presente, não haverá riscos para as gerações futuras terem
de arcar com aumento de impostos para pagar por esse desequilíbrio orçamentário.
Ainda segundo Lopreato (2013, p.46), o papel da política fiscal se desvincula das antigas
concepções e passa a não ter papel nenhum na sustentação da demanda, nem para corrigir
falhas de mercado, como propunha. O governo deve orientar as políticas públicas na
oferta de serviços produtivos, sem ferir a sua restrição orçamentária, e contar com a
resposta do setor privado.
A política fiscal, dentro do arcabouço da Equivalência Ricardiana, volta-se para o
equilíbrio orçamentário, como forma de gerar expectativas positivas para os agentes e
abandona qualquer papel reservada à política fiscal como fomentador da demanda na
economia. Nesse sentido, a política fiscal possui um papel totalmente passivo nas
determinações econômicas. As medidas fiscais, nesse sentido, devem se ater aos seus
87
impactos intertemporais e não para gestão da demanda agregada, como apresenta Dos
Santos (2011, p.67)17.
Uma consequência direta para política econômica é que a política monetária se torna o
principal instrumento de política econômica, colocando a política fiscal em segundo
plano. A política monetária, por meio do manejo da taxa de juros, se torna o principal
instrumento de estabilização da economia (no caso, estabilização é meramente da
inflação).
[A política monetária] ganhou status de principal instrumento utilizado
pelas autoridades para influenciar tanto a trajetória das variáveis
macroeconômicas quanto o comportamento dos agentes. A política
monetária é enxergada como “a” política de estabilização nesse
consenso (Dos Santos, 2011, p.28-29).
Diante desse quadro, a Equivalência Ricardiana abre espaço para a discussão sobre
austeridade fiscal expansionista18, em que política fiscal contracionista impulsiona
crescimento econômico posterior. Segundo Alesina e Ardagna (1998, p.4-5), o equilíbrio
orçamentário, principalmente via redução de gastos públicos, gera um efeito riqueza na
economia, em que, os agentes percebendo como permanente essa diminuição sentem que
a sua renda disponível futura aumentará, visto que não precisarão pagar impostos – já que
a dívida pública se estabilizaria -, de modo que eles passam a consumir no presente,
estimulando a economia:
Aumento de impostos e/ou redução de gastos públicos percebidos como
permanente, pela remoção do risco do incremento e dos custos de
ajustamentos fiscais no futuro, gera um efeito riqueza positivo. Os
consumidores antecipam um aumento em suas rendas permanentes
futuras e assim podem induzir ao aumento no consumo privado corrente
e na demanda agregada (Alesina e Ardagna, 2009, p.4)
Se em momentos agudos de crise, o Estado aumentar o gasto público e reduzir impostos,
via aumento da dívida pública, os agentes irão interpretar essa política fiscal expansionista
como encargos futuros a serem pagos, de modo que eles reduzem seu consumo hoje,
17 “Quando os macroeconomistas do Novo Consenso olham para a política fiscal, a preocupação que se
instala se refere aos efeitos que suas mudanças impõem nos agregados e sobre a dinâmica intertemporal e
não no que se refere à estabilização no curto prazo. As questões relacionadas ao curto prazo são atribuídas
à política monetária, enquanto cabe à política fiscal a responsabilidade pelos assuntos estruturais, que
remetem ao “funcionamento da economia” aos quais se convencionou chamar de “fundamentos” (ibid) 18 Como veremos no capítulo 3, a ideia de austeridade fiscal expansionista está relacionada com a discussão
de que uma política fiscal contracionista, especialmente a redução do gasto público, gera efeitos positivos
na economia – como aumento do consumo e do investimento -, podendo até mesmo tirá-la de uma eventual
crise. Para maiores detalhes ver os estudos pioneiros no assunto Giovazzi e Pagano (1990) e Alesina e
Ardagna (1998)
88
neutralizando a ação estatal. O meio mais eficiente para sair da crise, segundo essa
perspectiva, é contraindo os gastos públicos.
Essa ideia de que contração fiscal gerará resultados expansionistas retira, então, qualquer
papel do Estado em atuar por meio de instrumentos fiscais: se nem em momentos de crise
a política fiscal seria eficiente, não há como reservar nenhum papel a ela em qualquer
momento, visto que sempre ela será ineficiente. Ou seja, a melhor política fiscal é não
fazer nada.
A austeridade fiscal expansionista, ao colocar o efeito riqueza sobre o consumo como um
de desses canais de transmissão19, se utiliza o arcabouço da Equivalência Ricardiana – de
que redução permanente da dívida leva ao aumento do consumo hoje – para prescrever
medidas fiscais contracionistas e negar qualquer papel positivo à política fiscal.
O pensamento econômico da corrente mainstream considera estabilidade econômica
como, fundamentalmente, controle da inflação, algo bem diferente do que vimos em
Keynes, para quem a volatilidade está associada com variações no investimento. Diante
desse cenário teórico, em que a política fiscal não é capaz de influenciar a demanda, e a
atuação das autoridades econômicas tem como objetivo central o controle inflacionário,
é nítido como a ação fiscal foi sendo deixada em segundo plano.
Como explica Lopreato (2013, p.67), a tarefa da política fiscal, nesse quadro, é garantir a
efetividade da política monetária e ser uma âncora de estabilidade para outras variáveis
macroeconômicas. Expectativas de deterioração das contas públicas geram instabilidade,
antes mesmo de ocorrer, visto que os agentes incorporam as expectativas no
comportamento de preços.
Feita a discussão teórica, há uma ampla literatura que discute os resultados empíricos da
Equivalência Ricardiana, muitos dos quais fazem a crítica. Inicialmente, vamos
condensar alguns estudos que provaram, de modo empírico, a existência da Equivalência
Ricardiana.
19 Veremos no próximo capítulo que o outro canal de transmissão é a taxa de juros, algo que não guarda
relação com a Equivalência Ricardiana, visto que, para esta, a política fiscal não altera variáveis reais.
89
2.6 Estudos empíricos sobre a validade da Equivalência Ricardiana
Como o modelo da Equivalência Ricardiana é algo muito controverso e polêmico, vamos
buscar apresentar alguns estudos que buscaram comprovar sua validade, através de
análises desse modelo para alguns países.
Um primeiro estudo a ser mencionado é de Bender Filho (2014, p.369), o qual analisou a
validade da Equivalência Ricardiana para a economia brasileira. A hipótese não foi
rejeitada com 5% de significância, consequentemente, no período entre 1997 e 2011 a
neutralidade do déficit público foi confirmada. Segundo esse autor, uma das explicações
é a estabilidade econômica pela qual o Brasil passou nesse período, o que permitiu maior
grau de certeza quanto à condução da política econômica por parte dos agentes:
Uma explicação para a não rejeição dessa hipótese pode estar no
contexto econômico de estabilidade encontrado na economia brasileira
nos anos recentes, sobremaneira a partir do ano de 2000, o que
possibilitaria aos agentes a maior certeza quanto à política
governamental, bem como seus efeitos sobre a economia (ibid, p.370)
Contudo, por, justamente, ter sido um período de relativa estabilidade econômica, próprio
autor faz ponderação sobre os resultados encontrados argumentando sobre a necessidade
de novos estudos nesse campo, fundamentalmente, sobre outros períodos.
Giorgioni e Holden (2003) fizeram um modelo para tentar encontrar evidências da
Equivalência Ricardiana para países em desenvolvimento. Eles encontram que o déficit
público é significante para o consumo em apenas um país de dez analisados20, e a dívida
pública é significante em apenas três países, mas com sinal negativo. Dessa forma, eles
encontram validam o modelo de Equivalência Ricardiana, mas ressaltam que o problema
é mais complexo, dentro da própria literatura, e que limitações nos dados disponíveis
sobre os países estudados foram importantes para os resultados encontrados.
Afzal (2012), em seu estudo sobre Equivalência Ricardiana no Paquistão entre os anos
1960-2009, encontra evidências que corroboram o modelo de neutralidade da dívida
pública. Desse modo, variáveis econômicas, tais como renda, consumo, receitas e gastos
do governo não possuem relação de longo prazo:
Renda real, consumo real, as despesas governamentais e as receitas
públicas reais, embora não estacionárias, não estão cointegradas, o que
implica que o relacionamento de longo prazo não existe entre as
20 Os países analisados nesse estudo foram: Burundi, El Salvador, Etiópia, Honduras, India, Marrocos,
Nigéria, Paquistão, Sri Lanka e Zimbábue
90
variáveis consideradas. A causalidade vai da renda real para o consumo
real, a despesa pública real e a receita real do governo (Afzal, 2012,
p.262)
Evans (1988) fez um estudo para analisar se os consumidores norte-americanos seriam
“ricardianos”. Em uma de suas análises, ele procurar ver os impactos no consumo, diante
do corte de impostos realizados no primeiro trimestre do governo Kennedy-Johnson, e no
governo Reagan. Em ambos os casos, o consumo não se elevou, mesmo com redução dos
impostos:
(...) nos quatro trimestres que levaram ao corte de impostos Kennedy-
Johnson em 1964: I e ao corte de impostos Reagan em 1981: III. Mesmo
que ambos os cortes de impostos reduzam massivamente as taxas de
imposto sobre o rendimento pessoal, o consumo não aumentou
significativamente em antecipação de qualquer corte de impostos. Na
verdade, a antecipação do corte de impostos Reagan pode ter um
consumo reduzido (Evans, 1988, p.994)
Se o aumento da dívida pública ou mesmo o aumento do déficit do governo são neutros,
então, além de não causar impacto no consumo, a taxa de juros não seria afetada. Pelo
fato dos agentes “preverem” o comportamento futura de uma elevação da dívida pública
como aumento de impostos futuros, a poupança dos agentes faz com que nem mesmo a
taxa de juros seja afetada.
Evans (1985) faz uma análise para os Estados Unidos do impacto do aumento da dívida
pública sobre a taxa de juros. Ao analisar três períodos (Guerra Civil, I Guerra Mundial
e pós-II Guerra Mundial), esse autor demonstrou que, apesar do déficit público ter se
expandido fortemente durante esses períodos, as taxas de juros não se elevaram como
esperado, devido à poupança privada ter aumentado, tal como previsto pela Equivalência
Ricardiana.
O que precisa ser explicado é por que, em mais de um século da história
dos EUA, grandes déficits nunca foram associados a altas taxas de
juros, por que o grande aumento do déficit durante a Primeira Guerra
Mundial foi associado a um grande aumento quase igual na economia
privada, Por que a economia privada mudou-se no período do pós-
guerra para compensar mudanças no déficit e por que grandes déficits
aparentemente não produziram alta demanda agregada. A explicação
que parece mais consistente com essas observações é a de Barro (Ibid,
p.85)
Reynolds (2002) chega a mesma conclusão de Evans, ao analisar relação das taxas de
hipoteca com os déficits governamentais nos anos 1980 e 1990, nos quais os primeiros se
reduziram, enquanto os segundo se elevaram.
91
as taxas de hipotecas subiram em 1974 e 1980, quando os déficits
orçamentários eram bastante pequenos e a inflação foi alta. O déficit foi
muito maior em 1983 - 87, mas as taxas de hipoteca caíram junto com
a inflação. Depois de a economia entrou em recessão em 1990-91, o
déficit cresceu substancialmente até 1993, mas as taxas de hipoteca
recusou (Ibid, p.2)
Em seu estudo empírico, Knadler (2004) chega a resultados ricardianos. Primeiramente,
ele encontrou que os déficits públicos não causam impacto na poupança privada. Além
do mais, ao replicar as equações de Evans (1985), Knadler encontrou resultados
ricardianos para o impacto do déficit público sobre a taxa de juros, ou seja, de que o
primeiro não gera nenhum sobre a segunda:
No entanto, o que é importante é que minha regressão alcançou a
mesma conclusão que Evans: que o déficit faz não tem um efeito
estatisticamente significativo sobre a taxa de juros; Minha estatística t
sobre o déficit foi de apenas 1,122 (Knadler, 2004, p.66).
Contudo, esse mesmo autor (ibid, p.66-67), utilizando outra regressão encontrou
resultados diferentes, para os quais o déficit público possui impacto sobre a taxa de juros.
Desse modo, segundo ele, um aumento de US$1 bilhão no déficit público leva ao aumento
de 0,1 pontos percentuais na taxa de juros. Por isso ele conclui que a relação entre déficit
público e taxa de juros, comprovando ou não a Equivalência Ricardiana é apenas uma
questão de metodologia a ser utilizada:
Por conseguinte, a conclusão deste trabalho deve ser que, como a
descoberta do Relatório do Tesouro de 1984, a prova empírica da
relação entre déficits e taxas de juros é muito uma questão de
metodologia econômonométrica, com diferentes métodos que podem
provar tanto a Ricardiana ou a visão tradicional dos déficits (ibid, p.67)
Os estudos buscam comprovam que um déficit público é ineficiente para afetar tanto o
consumo dos agentes quanto a taxa de juros, afirmando o caráter ineficaz da política
fiscal. Como visto pelos pressupostos da Equivalência Ricardiana, o gasto público é
constante, de modo que, ao que nos indica, o déficit público é resultado de redução de
impostos e não de aumento dos gastos do governo. Assim, reduzir impostos (ou emitir
dívida para compensar redução de impostos), dentro dessa visão da Equivalência, não
gera impactos na economia.
Dessa forma, em nossa interpretação desses resultados, esses estudos apenas comprovam
que reduzir impostos não é eficaz como forma de estimular a economia. Não
encontramos, dentro da literatura analisada, nenhum estudo validando Equivalência
92
Ricardiana a partir de uma lógica do aumento do dispêndio público, mas, apenas, tratando
de déficit público. Ao que nos parece, a Equivalência Ricardiana apenas demonstra que
reduzir impostos não gera impactos na economia, mas não traz nenhuma evidência sobre
ineficácia do gasto público.
Nessa parte, buscamos apresentar alguns estudos emprícios que tratam da questão da
Equivalência Ricardiana. Alguns estudos tratam mais sistematicamente do impacto do
gasto público sobre a economia, enquanto alguns focaram na relação entre taxa de juros
e déficit público. Como visto, ainda que haja estudo que busquem comprovar a
Equivalência Ricardiana, ela não parece ser um consenso dentro do próprio pensamento
ortdoxo, de modo que devemos explorar como essa ideia está inserida dentro do debate
econômico.
2.7 Equivalência Ricardiana no debate ortodoxo21
Há várias críticas, dentro da própria teoria convencional, à Equivalência Ricardiana e elas
são variadas: vão desde estudos que procuram estudar a validade desses conceitos em
diversos países, principalmente, naqueles em desenvolvimento, na análise de outros
modelos de decisão de consumo, e crítica aos pressupostos da Equivalência Ricardiana.
É importante adentrar no pensamento ortodoxo e em seus estudos para compreender como
a Equivalência Ricardiana se insere, de modo a verificar qual a sua relevância em termos
de teoria.
Nosso foco, nessa parte, será trazer as várias formas de questionamento desse modelo
dentro do debate econômico. Para tanto, mostraremos o modelo de dívida pública trazido
por Blanchard e Fischer (1989, cap.3), o qual não apresenta resultado ricardiano. Por
outro lado, tratemos algumas discussões empíricas, aplicando a Equivalência Ricardiana
a determinados países. E por fim, traremos uma discussão sobre o conceito crowding out
na política fiscal, o qual se contrapõe à Equivalência Ricardiana.
2.7.1 Modelos de gerações interpostas (overlapping model)
Blanchard e Fischer (1989, cap.3) utilizam um outro modelo para demonstram resultado
não-ricardianos, de modo que é uma outra forma de ver o impacto dos modelos de
21 Entendemos ortodoxia, justamente, como o pensamento dominante na economia, a qual é a fonte dos
livros-textos e que está presente nos principais centros de economia.
93
gerações intertemporais. A diferença entre o modelo de Ramsey e os de ciclo de vida é
que os impostos são cobrados em diferentes tempos e para diferentes pessoas. Vejamos:
A restrição do orçamento governamental é a mesma para ambos modelos.
𝑑𝐵(𝑡)
𝑑𝑡= 𝑟(𝑡)𝐵(𝑡) + 𝐺(𝑡) − 𝑇(𝑡) (25)
lim𝑛→∞
𝐵(𝑧) exp[− ∫ 𝑟(𝑢)𝑑𝑢𝑧
𝑡] = 0 (26)
Integrando, temos a restrição orçamentária do governo.
𝐵(𝑡) = − ∫ [𝐺(𝑧) − 𝑇(𝑧)]𝑧
𝑡exp −{∫ [𝑟(𝑢)𝑑𝑢]
𝑧
𝑡𝑑𝑧} (27)
O governo afeta o consumo dos agentes de três formas: através do seu próprio consumo,
da cobrança de impostos e da dívida pública.
𝐶(𝑡) = (𝑝 + 𝜃)[𝐻(𝑡) = 𝑉(𝑡) (28)
𝑉(𝑡) = 𝐵(𝑡) + 𝐾(𝑡) (29)
𝐻(𝑡) = ∫ [𝑌(𝑧) − 𝑇(𝑧)]𝑡
exp {− ∫ [𝑟(𝑢) + 𝑝]𝑧
𝑡𝑑𝑢}𝑑𝑧 (30)
𝑑𝑉
𝑑𝑡= 𝑟(𝑡)𝑉(𝑡) − 𝐶(𝑡) − 𝑇(𝑡)(31)
A riqueza financeira, portanto, inclui tanto a dívida do governo quanto outros ativos. A
riqueza humana é valor presente descontado da renda da não-taxa de juros menos
impostos, descontados por r + p. Agora, por exemplo, analisando uma redução dos
impostos considerando elevação no tempo t+s.
𝑑𝑇(𝑡 + 𝑠) = {exp [∫ 𝑟(𝑢)𝑑𝑢𝑡+𝑠
𝑡]} 𝑑𝑇(𝑡) (32)
Desse modo, um aumento nos impostos no tempo posterior (t+s) será igual à redução
inicial no tempo t, composto pela taxa de juros. Desse modo, com a dívida B não sendo
afetada, essa redução dos impostos possui efeito na demanda agregada, em decorrência
da elevação no consumo, por causa de impactos na riqueza humana.
𝑑𝐻(𝑡) = −𝑑𝑇(𝑡) − 𝑑𝑇(𝑡 + 𝑠)exp {∫ [𝑟(𝑢) + 𝑝]𝑧
𝑡𝑑𝑢}𝑑𝑧, (33)
Ou usando a restrição do governo
𝑑𝐻(𝑡) = −𝑑𝑇[𝜏 − exp(−𝑝𝑠)] (34)
94
Desse modo, como a redução de impostos no tempo t, ou seja, dT(t)<0, então a riqueza
humana dos agentes é elevada, e consequentemente, seu consumo. Além do mais, quanto
mais se estender o período em que serão cobrados os impostos (s), maior o efeito-riqueza.
Segundo os autores, o ponto elementar é que esse efeito sobre a realocação dos impostos
vem das diferentes taxas de desconto na restrição orçamentária do governo (r) e da
definição de riqueza humana (r+p), visto que p é a probabilidade de o indivíduo morrer,
refletindo que parte dos impostos é deixada para que outras gerações pagarem.
Dessa maneira 𝜏 − exp(−𝑝𝑠)é simplesmente a probabilidade de não ter que pagar os
impostos futuros quando o governo os cobrar. A exceção é quando p=o, ou seja, se os
indivíduos vivessem eternamente – visto que p é a probabilidade de morte dos agentes -,
de modo que o deslocamente da cobrança de impostos não exerceria impactos sobre a
riqueza das pessoas e, portanto, não teria elevação de consumo.
Para que a Equivalência Ricardiana funcione, dentro desse modelo de gerações
superpostas, os indivíduos precisam acreditar que vão viver infinitamente, ou seja, eles
precisam imaginar que recairão sobre eles mesmos os impostos futuros. Quanto mais
longo período para o qual o governo elevará os impostos, maior será o impacto da política
fiscal na economia. Blanchard (2004, p.562) argumenta que, ao menos no curto prazo, o
déficit público pode ter alguma influência na economia:
Portanto, é seguro concluir que os déficits orçamentários têm um efeito
importante sobre a atividade econômica – embora, talvez um efeito
menor do que pensamos antes de examinar o argumento da equivalência
ricardiana. No curto prazo, os déficits maiores possivelmente levarão a
uma demanda maior e a um produto maior. No longo prazo, a dívida
pública mais elevada reduz a acumulação de capital e,
consequentemente, diminui o produto.
Como argumentam os autores, se os indivíduos possuem horizontes mais curto – ou
finitos -, então a Equivalência Ricardiana falha. Somente, se os indivíduos tiverem
horizontes infinitos, em que p=0, é que essa proposição faz sentido. Nesse sentido, o que
se nota dessa discussão sobre as duas modelos gerações interpostas é que a Equivalência
Ricardiana não é um consenso dentro do pensamento ortodoxo, inclusive, sendo mais
uma exceção – como visto no último modelo, quando p=0 – do que uma regra em geral
2.7.2 Estudos empíricos
95
Uma análise mais profunda sobre o debate acerca da política fiscal na visão ortodoxo e
dos modelos mais recentes de escolha intertemporal indicam que a Equivalência
Ricardiana não é um consenso. Seed e Khan (2012, p.1433-1435) fazem uma síntese da
literatura sobre Equivalência Ricardiana aplicada a diversos países, cujo resultado é que
em alguns modelos ela parece ser funcionada, mas para uma série de estudos, elas foram
inconclusivas.
Nesse mesmo trabalho apontado, os autores buscam realizar um modelo econométrico
para buscar evidência da Equivalência Ricardiana no Paquistão. No teste de vetor com
restrições, a hipótese da Equivalência Ricardiana foi rejeitada:
Tendo em vista esses resultados, a validade da hipótese da Equivalência
Ricardiana não pode ser favorecida no caso do Paquistão. Isto implica
que um aumento do déficit não é totalmente acomodado por um
aumento da poupança privada para uma certa despesa (ibid, p.1443)
O argumento desses autores (ibid, p.1444) é que, provavelmente, um aumento no déficit
público do governo, com aumento de seu endividamento, não faz as pessoas aumentarem
suas poupanças internas, mas, sim, faz surgir a necessidade de maior poupança externa.
Eles concluem argumentando que o governo utiliza três formas de financiamento de
maneira simultânea: cobrança de impostos, dívida interna e externa, de modo que
dificilmente o governo vai apenas se endividar e não cobrar impostos. Além do mais, a
renda disponível já está no nível de subsistência em países periférico, nesse sentido,
aumentos no déficit do governo não impactam o consumo, pois as pessoas possuem um
padrão estável de consumo. Consequentemente, a política fiscal pode gerar impactos na
economia.
As pessoas geralmente seguem um determinado caminho padrão de
despesas e, portanto, a substituição da dívida por impostos tem pouco
impacto no nível de consumo das famílias. Isso significa que a política
fiscal pode desempenhar um papel efetivo para estabilizar a economia
em certa medida, o que, por sua vez, leva à validade da hipótese de
déficit gêmeos (ibid, p.1444)
Outro estudo interessante para o caso da Nigéria (Datom e Omotosho, 2017), os cálculos
econométricos apontam que para cada aumento de 1% da renda disponível, o consumo
privado aumenta 0,34%. Ou seja, se o governo reduz impostos, fazendo com que a renda
disponível se eleve, ao invés dos agentes contraírem seu consumo, como previsto pela
Equivalência Ricardiana, há aumento do consumo. Além do mais, esse autor mostra que
para cada aumento de 1% no gasto do governo, o consumo se eleva 0,56%,, assim como
96
aumento de 1% na dívida pública, eleva o consumo em 0,29%, ou seja, a dívida pública
é considerada riqueza. Desse modo, no caso da Nigéria, a política fiscal possui impacto
importante na economia.
Drakos (2001) realizou um estudo analisando a Equivalência Ricardiana para a Grécia.
Segundo suas conclusões (ibid, p.10), existe uma correlação entre aumento da dívida
pública e aumento da poupança privada, contudo, esta não compensa totalmente a
primeira – ou seja, não seria uma relação um-para-um, em que, por exemplo, aumento de
1% no déficit do governo leva a ao aumento em 1% na poupança privada. Como explica
esse autor, os agentes ainda vêm os títulos do governo como fonte de riqueza e, por isso,
diante de um aumento da dívida pública, eles passam a consumir uma parte de sua renda.
A explicação para Equivalência Ricardiana não ser válida, neste caso, é a existência de
restrição de liquidez por parte do setor privado, o que abre espaço para que os títulos
públicos possam servir como riqueza para os agentes.
Adji e Alm (2016) rejeitaram a Equivalência Ricardiana para a Indonésia. Segundo esses
autores (ibid, p.11) o consumo agregado é muito mais sensível com a renda corrente do
que com dívida pública. Além do mais, encontram relação positiva entre taxas de juros e
aumento do déficit público e entre déficit público e déficit no balanço comercial,
invalidando a Equivalência Ricardiana para o caso indonésio.
O estudo de Belingher e Moroainu (2015), no qual tentam buscar evidências para
economia da Romênia entre os anos de 2004 e 2012 é bem interessante. Seus resultados
invalidam a hipótese da Equivalência Ricardiana, e, também, encontram relação positiva
entre aumento dos gastos do governo e aumento do consumo.
Os resultados deste modelo estão invalidando a existência da
equivalência ricardiana na Romênia, para o período analisado (2004q4
- 2012q3). Assim, a taxa de crescimento dos gastos governamentais são
capazes de influenciar a taxa de crescimento do consumo das famílias.
Este resultado sustenta a proposta de recuperação de Keynes: para
aumentar consumo, é necessário aumentar os gastos governamentais
(ibid, p.169)
Niple (2006) realizou um estado para investigar se a equivalência ricardiana valeria para
os condados dos Estados Unidos e sua conclusão é negativa. Em seu modelo, os
consumidores não alteram seus hábitos de consumo em decorrência do aumento do déficit
público. Para ela não há, portanto, uma relação entre déficit público e consumo.
97
Os resultados da minha regressão não suportam a teoria da equivalência
ricardiana. Os consumidores a nível de um município não mudarão
hábitos de consumo para pagar impostos futuros quando o governo do
município tiver um déficit. Este modelo contradiz o modelo original de
Barro, bem como a crença keynesiana de que só o bem pode advir de
déficits orçamentários. Em vez disso, não mostra nenhuma relação entre
déficits e taxas de consumo (ibid, p.10)
Sua argumentação (ibid, p.10-11) consite em afirmar que os consumidores encaram
dívida pública como riqueza adicional, sem que eles tenham necessidade de cortar seus
gastos com consumo diante de elevação de impostos no futuros. Este autor (ibid, p.11)
exemplica com caso em que um município emite títulos públicos com a finalidade de
constuir escolas ou para realizar compras de material escolar e etc. Se os pais veem que
eles não precisarão comprar material escolar, pois a própria escola irá oferece-lo, então a
renda disponível se eleva e eles poderão gastar com alguma outra coisa, mantendo o nível
de consumo na economia.
Hayo e Neumeier (2017) realizaram uma estudo empírico, voltado para análise do
comportamento dos consumidores na Alemanha. Por meio de 2.000 observações, eles
rejeitaram a proposição da Equivalência: apenas 7% dos consumidores alteram seu
comportamento de consumo – reduzindo-o – diante do aumento do déficit público,
enquanto 18% fazem o contrário do que argumenta a Equivalência Ricardiana, e mais ou
menos dois terços não alteram o consumo nem a poupança.
Esses autores se utilizaram de informações adicionais de um sub-grupo que tiveram
redução nas contribuições sociais obrigatórias, de modo que eles foram divididos em três
categorias: Ricardianos – para quem valeria a ideia da Equivalência Ricardiana -, anti-
Ricardianos e os indecisos. O resultado foi:
Desse subgrupo da população, 36% se enquadram na categoria
"ricardiana", enquanto 46% e 18% são "anti-ricardianos" e "não claros",
respectivamente. Isso implica que, mesmo quando se concentrar nos
entrevistados que provavelmente tenham mais influência sobre as
decisões de consumo doméstico e levando em consideração suas
expectativas futuras em relação à mudança de imposto, dois terços não
se comportam de acordo com RET [ Ricardian Equivalence Theory –
Teorema da Equivalência Ricardiana] (ibid, p.24)
Eles concluem afirmando que resultados não-ricardianos são mais a norma do que a
exceção: “No entanto, nosso resultado sugere que o comportamento não-ricardiano é
ainda mais prevalente do que é geralmente assumido em modelos macroeconômicos e
98
que reflete a norma e não a exceção, pelo menos em nosso conjunto de dados” (ibid,
p.24). Desse modo, o padrão para economia é que a expansão da dívida pública possua
impactos nas variáveis econômicas ao contrário do que preconiza o teorema da
Equilvaência Ricardiana.
Fang (2010) também não encontrou evidências da Equivalência Ricardiana para o caso
da China. Segundo ele, os títulos públicos chineses são vistos como investimentos
seguros, com pouco risco, obtendo, inclusive, um retorno maior do que os depósitos
bancários. Por isso, a expansão da dívida pública acaba por estimular o consumo dos
indivíduos chineses. Além do mais, com uma forte tradição de frugalidade e de poupança,
a emissão de títulos públicos permite elevar uma demanda suprimida. Dessa forma, gasto
público possui efeitos mais duradouros na economia, enquanto a redução de impostos
possui um efeito apenas no curto prazo – contrarindo a Equivalência Ricardiana – mas
sem gerar resultados positivos no futuro:
O impacto estável, contínuo e positivo aparece na despesa fiscal,
enquanto a flutuação positiva e negativa óbvia na tributação, que tem
pouco efeito sobre a produção em longo período. Todos os itens acima
indicam política fiscal com a expansão das despesas do governo, pois o
principal instrumento tem efeitos de expansão estáveis e duradouros na
economia nacional. Mas a redução de impostos apenas estimula a
economia em curto prazo e é ineficaz em longo prazo. Portanto, a
Proposição de Equivalência Ricardiana não está correta na economia
chinesa (Fang, 2010, p.212)
Berheim (1987, p.293-299) se concentrou em um estudo para 23 países e rejeitou a
hipótese da Equivalência Rcardiana. Segundo seus resultados, dos 23 países, 15
mostraram ter relação positiva entre consumo privado e aumento do déficit público. Além
do mais, quanto mais forte o déficito, mais forte essa relação. Como o estudo aponta, dos
16 países que experimentaram déficit acima de 1% do PIB, 11 déficit e consumo se
moveram no mesmo sentido. Dos 7 países, cujo o déficit acima de 3% do PIB, 6 tiveram
aumento do consumo privado.
As várias outras equações e regressões do estudo apontam, em menor ou maior grau, que
déficit píublico eleva o consumo privado. Em uma de suas regressões, o resultado indica
que um déficit (deficit-for-taxes swap) de 1%, eleva o consumo em 0,37%, e que um
aumento da dívida público em 1%, eleva o consumo em 0,06%. Por isso, o autor
argumenta que esses resultados são mais keynesianos do que ricardianos (ibid, p.72) e
conclui: “Em geral, a análise de dados entre países apoia a visão de que os déficits
99
governamentais estimulam o consumo privado. A robustez desta conclusão com relação
a especificações alternativas, estimativas técnicas e amostras é bastante impressionante”
(ibid, p.73)
Mohabbat e Ashaf (2003) procuraram evidências sobre Equivalência Ricardiana em
países da América Sul – Costa Rica, Guatemala, Uruguai e El Salvador. Segundo esses
autores, a neutralidade da dívida é rejeitada, pois ela gera impactos na economia, não só
em termos de quem irá pagá-la, futuramente. Quando há uma considerável necessidade
do governo de captar fundos para financiar a dívida pública, isso leva à pressão sobre taxa
de juros, sobre a inflação e ao balanço de pagamentos. Esse movimento leva à redução
do investimento e do consumo, de modo que a economia entra em uma espiral negativa,
só sendo reativada, através de uma política fiscal contraciclica:
Na medida em que a dívida nacional não é neutra no seu efeito sobre a
economia, pode-se encontrar algum consolo em que uma política fiscal
anticíclica judiciosa pode ser razoavelmente eficaz em alocando
recursos de forma mais eficiente (ibid, p.8)
Notamos a partir desse ponto é que dentro do próprio pensamento ortodoxo, a
Equivalência Ricardiana sofre críticas, por meio de estudos empíricos. Dessa forma, para
a visão convencional de economia, a pergunta que resta é: a política fiscal pode afetar a
economia?
2.7.3 Impactos de curto prazo da política fiscal
A Equivalência Ricardiana nega qualquer efeito da política fiscal tanto no curto quanto
no longo prazo. Nesse sentido, ela não deve ser utilizada, em hipótese nenhuma, para
fomentar a demanda agregada, nem mesmo em momentos de crise. Inclusive, ao
contrário, os gastos, principalmente, devem ser cortados. Mas será que a visão mais geral
do pensamento ortodoxo defende essas ideias?
Mankiw e Elmendorf (1998) distinguem duas análises sobre política fiscal. Uma delas é
a denominada de alternativa, que é, basicamente, a ideia de Equivalência Ricardiana. De
outro lado, eles denominam de visão convencional - a visão mais aceita sobre política
fiscal. Essa visão convencional divide a economia em dois períodos: curto e longo prazo,
de modo que a atuação do governo afeta a economia de modo diverso nesses dois
períodos.
100
No curto prazo, segundo estes autores (ibid, p.15), em decorrência da rigidez de preços e
salários22, o déficit público pode gerar impactos positivos sobre a demanda agregada ao
elevar a renda da comunidade. Portanto, diante de um quadro recessivo, cortar impostos
ou aumentar os gastos do governo faz com que a demanda da economia se eleve. Ela seria
“keynesianas” no curto prazo.
Já no longo prazo, a economia tenderia ao modelo clássico. Desse modo, podemos dizer
que vale a ideia de crowding out (substituição) entre déficit público e o investimento e
consumo privado. Mankiw e Elemendorf (1998, p.15-18) utilizam a equação
macroeconômica de S + (T-G) = I + NX, em que S é a poupança privada, T-G a poupança
pública, sendo que a soma de ambas é a poupança nacional, I investimento e NX são as
exportações líquidas23. Dessa forma, se o déficit público aumenta (reduzindo a poupança
pública), a poupança privada aumenta, o que irá reduzir os recursos disponíveis para o
investimento, e as exportações declinam, pois, o câmbio se valoriza em decorrência do
aumento da taxa de juros, levando ao aumento do déficit público.
O que se nota é que, dentro da visão convencional, a política fiscal possui impacto no
curto prazo, ao elevar a demanda agregada. No longo prazo, vale a ideia de que o déficit
público substitui o investimento privado e leva ao aumento do déficit em transações
correntes. Se no primeiro momento, a atuação da política fiscal pode ser positiva, no
segundo, ela é negativa. Mas, nota-se que, de qualquer forma, ela possui impactos
importantes na economia e não é totalmente ineficaz, tal como pressupõe a Equivalência
Ricardiana.
Dentro da própria teoria convencional ou ortodoxa, a Equivalência Ricardiana parece não
ser um consenso, sendo considerada uma exceção e defendida por poucos economistas.
Como explica Lopreato (2006, p.21) poucos economistas defendem a Equivalência
Ricardiana, de modo que o consenso na política fiscal é a de que o caminho para reduzir
a taxa de juros está na redução do déficit público.
Desse modo, ainda que Mankiw e Elendorf (1998, p.43-44) reconhecem a importância da
Equivalência Ricardiana, pois seus defensores seriam economistas brilhantes e que essa
ideia ajuda na compreensão da dívida pública, ao que nos parece, dentro do debate
22 A rigidez de preços e salários impede que o mercado se ajuste de modo automático, fazendo com que a
economia encontre dificuldades em se autoequilibrar no curto prazo. 23 Ou seja, são as exportações menos as importações. É o superávit ou o déficit em conta corrente.
101
econômico, ela tem sido deixada de lado, enquanto a teoria convencional, de que déficits
possuem impacto no curto prazo, mas que, no longo, ela diminui o investimento (via
aumento da taxa de juros) e a renda – efeito crowding out - tem sido mais aceita dentro
do próprio debate econômico. Na nossa visão, a Equivalência Ricardiana parece estar em
espectro mais radical da concepção ortodoxa sobre política fiscal.
Contudo, as implicações de política econômica são as mesmas tanto para a Equivalência
Ricardiana quanto para a visão convencional de crowding out, segundo a tipologia de
Mankiw e Elendorf (1998). Equilíbrio fiscal e sustentabilidade da dívida pública são as
recomendações para a atuação da política fiscal, pois a adoção de instrumentos fiscais
expansionistas são prejudicais no curto prazo (Equivalência Ricardiana) e no longo prazo
(crowing out) para a economia.
Conclusão
Nesse capítulo, buscamos detalhar a ideia de Equivalência Ricardiana, segundo a qual,
aumento do déficit do governo, financiando por títulos público, equivale a aumento de
impostos na percepção dos agentes. Desse modo, as famílias regem ao aumento do déficit
público, elevando a poupança para cobrir eventuais aumentos de impostos futuros para o
pagamento da dívida pública. Nesse sentido, mesmo que a dívida seja cobrada apenas na
geração posterior, os agentes poupam para repassar recursos a seus descendentes, de
modo que elas possam pagar os tributos.
Dessa forma, como a redução da poupança pública leva ao aumento da poupança privada
na mesma proporção, o déficit público não gera impactos nenhum na economia: consumo,
taxa de juros e balanço comercial não são alterados. A política fiscal é
complementarmente ineficaz para impactar as variáveis da economia.
O ponto fundamental é que a política fiscal é ineficaz e não possui dinamismo. Isso
porque, os agentes interpretam elevação do déficit público como aumentos de impostos
futuros, reduzindo seu consumo hoje. Isso ocorre, porque não há efeito multiplicador
capaz de elevar a renda, visto que ela é dada.
Vimos, também, que para poder gerar esses resultados, a Equivalência Ricardiana
necessita de alguns pressupostos importantes, como mercados financeiros perfeitos, ou
seja, sem constrangimentos de liquidez, impostos lump slum, e que as famílias são
altruístas com seus descendentes.
102
Portanto, no modelo concebido por Barro (1974), a dívida pública não exerce nenhum
impacto sobre a riqueza das famílias, pois elas repassam recursos para seus descendentes,
de modo a cobrir os futuros aumentos de impostos. Assim, a política fiscal não exerce
nenhuma influência na economia, no sentido de afetar variáveis como demanda, taxa de
juros e balanço de pagamentos, de forma que ela deve estar sujeita a regras, visto que ela
ainda é importante para manter a dívida pública em uma trajetória sustentável. Ou seja, a
política fiscal serve mais como um “farol” para guiar as expectativas dos detentores da
dívida do que para afetar variáveis econômicas.
Alguns estudos apresentam que não existe nenhuma relação entre taxa de juros e déficit
público, o que valida a hipótese da Equivalência Ricardiana. Além do mais, outros
estudos apresentam que esse modelo é válido para alguns países, como Paquistão e Brasil.
Contudo, dentro da própria teoria convencional, a Equivalência Ricardiana parece ser
uma exceção ou uma visão mais radical sobre política fiscal, adotado por poucos
economistas. O modelo apresentado por Blanchard e Fischer (1989, cap.3) apresenta um
modelo, no qual Equivalência Ricardiana é uma exceção, só sendo válida quando a vida
dos agentes for infinita. Além do mais, outros estudos mostram que esse modelo não pode
ser aplicado para alguns países, como Nigeria, por exemplo, em decorrência da restrição
da liquidez nos mercados financeiros, contradizendo uma das hipóteses mais importantes.
A Equivalência Ricardiana é defendida por poucos economistas dentro do próprio
arcabouço ortodoxo, visto que prevalece ideia de que, ao menos no curto prazo, política
fiscal influencia variáveis reais da economia
Não obstante a importância teórica atribuida à Equivalência Ricardiana
são poucos os que a defendem. O pensamento atualmente aceito –
concordando com visão monetarista – vê no controle do déficit público
o caminho necessário à redução da taxa de juros (...) (Lopreato, 2006,
p.21)
A teoria convencional sobre política fiscal defende que o déficit público, no curto prazo,
gera impactos positivos para economia, através da elevação da demanda agregada,
enquanto que no longo prazo, aumento do déficit público leva ao aumento da taxa de
juros, reduzindo o investimento e elevando o déficit da balança comercial. Mesmo assim,
como visto, Mankiw e Elendorf (1998) consideram esse modelo importante para
compreensão dos impactos da dívida pública, e, portanto, não deveria ser completamente
abandonado.
103
Contudo, é preciso notar que as implicações da Equivalência Ricardiana são importantes
dentro do pensamento convencional. A recomendação de política econômica é a de
equilíbrio fiscal, com o intuito de manter a dívida pública em uma trajetória estável. Por
mais que se questionem seus pressupostos e seus resultados empíricos, a política fiscal
não deve ser um instrumento de fomento à atividade econômica, especialmente, de longo
prazo, mas deve ser crível para manter as expectativas positivas dos agentes quanto à
evolução das contas públicas.
De qualquer modo, procuramos mostrar nesse capítulo que na Equivalência Ricardiana a
política fiscal não exerce qualquer influência sobre a economia, nem gera dinamismo,
pois, diante de seus pressupostos, os agentes econômicos conseguem se antecipar à
política fiscal e neutralizá-la. Nesse sentido, ao invés do crowding in entre ação fiscal do
Estado e gasto privado, há uma relação de neutralidade entre eles, bem diferente do que
pregou Keynes.
No próximo capítulo, procuraremos ver como se colocam no debate pós-crise de 2008
tanto as ideias da Equivalência Ricardiana como as de Keynes: será que a primeira foi
sendo deixada de lado em detrimento da segunda? Esse é um dos questionamentos do
próximo capítulo.
104
Capítulo 3 – Pensamento de Keynes e a Equivalência Ricardiana no
debate pós-crise de 2008
Introdução
A crise de 2008 foi profunda e severa não só para os Estados Unidos como para todo o
resto do mundo. Diante da gravidade da situação, as autoridades não poderiam deixar
simplesmente o “mercado funcionar”, mas precisavam dar uma resposta mais incisiva. A
memória da Grande Depressão de 1930 ecoou para os governos.
Como discutido no capítulo 2, a política fiscal dentro do pensamento ortodoxo ocupava
um papel passivo, enquanto a política monetária era o principal instrumento de política
econômica a ser utilizado para fomentar ou desacelerar a economia. As ideias de
equilíbrio orçamentário e da austeridade fiscal, tanto no curto quanto no longo prazo,
estavam muito presentes no pensamento econômico desde os anos 1970-1980.
Nos modelos econômicos e de negócios não havia, inclusive, a possibilidade de uma crise
de grandes proporções ocorrer24. Um exemplo é do economista novo-clássico Robert
Lucas, o qual afirmou em 2003, que o problema das depressões estava resolvido25. A
política monetária, por si mesma, conseguiria estabilizar a economia, e o equilíbrio fiscal
possibilitava o investimento e o consumo, pois, seguindo a Equivalência Ricardiana, não
haveria necessidade de cobrar impostos no futuro.
Contudo, a crise econômica, além de pegar os economistas de surpresa, fez com que o
pensamento ortodoxo tivesse de se ajustar à nova realidade. Como forma de estimular a
economia, as taxas de juros foram reduzidas a praticamente zero, sem possibilidade de
diminuir mais. Sem poder utilizar a política monetária como combate à crise econômica,
começou-se a discutir a possibilidade de a política fiscal ser eficaz em estimular a
economia para resolver a recessão.
Abriu-se, portanto, um espaço, dentro do pensamento ortodoxo, para discutir a eficácia e
o dinamismo da política, no sentido de ela gerar uma sequência de impactos positivos na
economia, de modo a sair da crise. As ideias de Equivalência Ricardiana e,
24 A possibilidade de crise dentro desses modelos estava no que se chama “evento de cauda”, em que em
uma curva estatística de distribuição normal (de distribuição “gaussiana”, a qual tem forma de sino), quanto
mais mais próxima das caudas, menores chances de tal evento acontecer, visto que a maior parte das ações
se situa no meio da dsitribuição. 25 A afirmação de Lucas pode ser vista no artigo de Krugman (2009, p.1).
105
consequentemente, de equilíbrio fiscal permanente foram sendo deixadas de lado, ao
menos no curto prazo, e a política fiscal de cunho keynesiano26 foi resgatada por
economistas antes críticos27 de ações fiscais mais ativas (Farrell e Quiggin, 2011, p.16-
18) e pelas próprias autoridades governamentais:
Uma das principais razões pelas quais o keynesianismo se tornou a
política du jour foi desde que logo as ideias neoliberais dominantes
negavam que uma crise daquelas fosse possível. Portanto, quando se
deu, tinha de abrir espaço para ideias que dissessem que esses
acontecimentos eram iniveitáveis caso se deixasse os mercados
regularem a si mesmo, que é a tese keynesiana (Blyth, 2017, p. 90)
A revisão dentro do pensamento mainstream coloca uma questão: até que ponto há
semelhanças entre o papel da política fiscal reservado nesse período de crise e daquele
proposto por Keynes, assim como até que ponto as ideias de Equivalência Ricardiana
foram deixadas de lado.
Ao entrar e detalhar o debate pós-crise dentro do pensamento ortodoxo, buscamos
comparar o que discutimos nos capítulos 1 e 2 com a literatura recente sobre política
fiscal, e ver qual será a tendência teórica da discussão sobre as ações fiscais: se para o
pensamento de Keynes ou se ainda haverá forte presença da Equivalência Ricardiana e
suas consequentes implicações para a política econômica.
Essa análise comparativa entre o pensamento de Keynes e da Equivalência Ricardiana em
relação à literatura pós-crise é um exercício importante visando entender para qual
caminho está sendo direcionado o papel da política fiscal e seus efeitos na economia. Será
que ela vai ser reconhecida como um instrumento eficaz para evitar e/ou salvar as crises
econômicas, como discutido por Keynes, ou será que ela ainda continuará sendo
considerada limitada em afetar a economia, como propõe a Equivalência Ricardiana?
Por mais que esse capítulo tenha como foco uma análise teórica e comparativa, essa
discussão é importante, pois podemos não só ver qual será o caminho teórico reservado à
política fiscal, como, a partir desses novos desenvolvimentos, se comportarão os
formuladores de política de política econômica. Ou seja, as autoridades econômicas
26 É preciso salientar que, como veremos no decorrer do capítulo, quando se fala em keynesianismo, trata-
se de uma visão de que gasto público e o déficit fomentam a demanda agregada. Contudo, segundo
discutimos no capítulo 1, essa é uma visão incompleta do pensamento de Keynes, o qual dava à política
fiscal uma visão mais complexa e de longo prazo. No trabalho de Farrell e Quiggin (2012), o termos
keynesianismo é utilizado nesse primeiro sentido. 27 Farrell e Quiggin (2012) citam Martin Feldstein e Richard Posner como os economistas críticos que
mudaram de lado, assim como FMI.
106
utilizarão os instrumentos fiscais como uma forma de evitar a volatilidade na economia,
tal como pregado por Keynes, ou seguirão as recomendações da Equivalência Ricardiana
e da visão convencional de manter o equilíbrio fiscal a qualquer custo? As políticas
públicas, portanto, dependem desse debate.
O intuito do capítulo não é fazer uma revisão completa da literatura, mas trazer as ideias
que se têm discutido em termos de política fiscal no pós-crise e relacioná-las com a
discussão feita sobre a visão de Keynes e da Equivalência Ricardiana.
Esse capítulo está dividido em três seções: a primeira apresentamos a recente discussão
sobre o papel da política fiscal em momento de crise. Na segunda, vemos como a literatura
recente lida com a Equivalência Ricardiana. E por fim, na última seção, comparamos a
visão recente com o pensamento de Keynes, tal como apresentado no capítulo 1.
No que tange à Equivalência Ricardiana, buscamos ver como ela está inserida nesse
debate. Assim, a questão é: diante da crise econômica, o debate em torno da política fiscal
a traz à tona ou ela tem sido rejeitada, de modo que há diferença entre financiar o déficit
público por meio de dívida pública e impostos, e se redução de tributos estimula a
economia.
Um outro ponto a ser analisado nesse capítulo é ver como a discussão sobre importância
da política fiscal na crise está relacionada com a que fizemos no capítulo 1 sobre a visão
de Keynes em torno da questão fiscal. Dessa forma, a principal pergunta será: a política
fiscal é recomendada como uma política de estabilização de longo prazo, tal como
defendido por Keynes, ou como uma medida positiva apenas em momentos de grave crise
econômica?
3.1 Volta do debate sobre política fiscal
Discutimos no capítulo 2, que a política fiscal foi perdendo seu status como fomentadora
da demanda e de redução da volatilidade do investimento, tal como proposto por Keynes,
e passou a ter um papel passivo, servindo apenas como um guia para manter as
expectativas dos agentes, por meio da sustentabilidade da dívida pública. Nesse cenário,
a política monetária, com seu papel de estabilizar a inflação, se tornou elemento central
para política econômica.
Blanchard, Dell’Aricicia e Mauro (2010, p.5) colocam a política fiscal como subordinada
à política monetária e com papel limitado em afetar positivamente a economia. Isso
107
porque, a política monetária, por meio dos ajustes na taxa de juros, conseguiria manter a
estabilidade da economia e afetaria mais diretamente a demanda da economia. Nesse
sentido, para que utilizar a política fiscal, se, além de não afetar a economia, ela só levará
ao aumento de dívida, como prevê a Equivalência Ricardiana?
Como resultado, o foco foi principalmente na sustentabilidade da dívida
e nas regras fiscais projetadas para alcançar tal sustentabilidade. Na
medida em que os formuladores de políticas adotaram uma visão de
longo prazo, o foco nas economias avançadas foi o pré-posicionamento
das contas fiscais para as consequências iminentes do envelhecimento.
Nas economias de mercado emergentes, o foco era reduzir a
probabilidade de crises inadimplentes, mas também estabelecer
configurações institucionais para restringir as políticas fiscais pró-
cíclicas, de modo a evitar ciclos de expansão e colapso (Blanchard,
Dell’Aricicia e Mauro, 2010, p.6)
Essa visão, de subordinação da política fiscal, perdurou até a crise econômica de 2008.
Como aponta Lopreato (2014, p.2-3), a discussão sobre ação fiscal avançou, no pós-crise,
quanto a necessidade de seu uso não apenas como estabilizador automático, mas com
possibilidades de ajudar na resolução da crise econômica, diante da ineficiência da
política monetária em cumprir seus objetivos em um cenário, no qual a taxa de juros está
próxima de zero.
Eggerston (2010, p.60-61) coloca que em um cenário de taxa de juros próxima a zero,
sem intervenção estatal, a economia tende para deflação e redução do produto, visto que
sem a possibilidade de reduzir a taxa de juros nominal, a real tende a se elevar e
desestimular o investimento e o consumo. Assim, diante desse quadro, mesmo com taxas
de juros próxima de zero, a autoridade monetária não consegue evitar processo de
deflação, o que gera impactos negativos para retomada da atividade econômica.
Nota-se que o intuito de reduzir a taxa de juros para níveis mínimos possíveis, em vias de
estimular a demanda da economia (como visto, pelo aumento da inflação e redução da
taxa de juros real) não se consegue cumprir o objetivo de retomada da economia. Isso
ocorre, porque quando a taxa de juros está em seu limite inferior, ocorre o que se chama
de armadilha da liquidez (conceito proposto por Keynes, inclusive), em que o aumento
da oferta de moeda não é traduzido em demanda por outros ativos, mas, ao contrário, é
retido pelos agentes. Dessa forma, o preço dos demais ativos (reais ou financeiros) não
se eleva, o que tende a levar a um processo de deflação.
108
Na “armadilha”, a taxa de juros atinge um patamar em que a moeda
torna-se perfeitamente substituível por ativos que rendem juros,
permitindo que os agentes entesourem a oferta monetária ao invés de
usá-la para aumentar a demanda. Reduções nas taxas de juros abaixo
desse patamar não têm nenhum efeito sobre a demanda agregada (Dos
Santos, 2011, p.86)
Dentro desse contexto, portanto, a política fiscal ganha mais importância do que em outras
situações em que a economia está funcionando bem.
Com a insuficiência das medidas de política monetária e com a previsão
de uma crise de grande magnitude sobre a economia real, houve um
chamado geral para a utilização imediata de políticas fiscais da
expressão que a crise demandasse. O chamado vinha desde a academia,
passava pelas instituições internacionais (como o FMI e o BIS) e se
apresentava fortemente nas reuniões e encontros dos líderes mundiais à
época (Dos Santos, 2011, p.119).
O debate atual em torno da importância da política fiscal como instrumento importante
para retomada da demanda e da própria economia se insere nessa questão da incapacidade
da política monetária de estimular o movimento econômico. Desse modo, nota-se que as
ideias propostas por Keynes em torno da política fiscal voltaram a ganhar força, como
escreveu Anatole Kalestky no Japan Times em 2014:
Assim, os seis anos desde 2008 forneceram forte suporte empírico para
a visão keynesiana supostamente fora de moda de que o endividamento
do governo é mais poderoso do que a política monetária para estimular
economias severamente deprimidas e tirá-las da recessão (Kalestky,
2014, p.1)
Farrel e Quiqquin (2011, p.16) argumentam que houve “ascensão” do keynesianismo na
recomendação das políticas econômicas a serem adotadas para tirar a economia da crise.
Todas essas recomendações representaram um retorno a uma ampla
análise keynesiana do sriscos enfrentados pelas economias nacionais.
Sob a teoria keynesiana, a política fiscal ativa pode ser nenecessária
para sair de uma armadilha de liquidez, situação em que a política
monetária para aumentar a liquidez e baixar as taxas de juros) são
efetivamente inúteis. Se o governo está disposto a gastar dinheiro
para impulsionar a demanda agregada, pode romper a armadilha
109
da economia ao impulsionar a demanda agregada e, assim, ajudar
a economia a retornar à estabilidade (ibid, p.17-18)
Nesse sentido, a discussão sobre política fiscal indica que, em momentos de crise, ela
possui um papel importante como estímulo econômico. Desse modo, medidas fiscais
discricionárias podem afetar as variáveis reais da economia, especialmente, a demanda e
a renda. Dentro desse quadro, como se coloca a Equivalência Ricardiana nesse debate
sobre política fiscal no pós-crise de 2008?
3.2 Equivalência Ricardiana nesse debate: financiamento e redução de impostos
Blanchard, Dell’Aricicia e Mauro (2010, p.5) afirmam que um dos motivos para o
ceticismo quanto à política fiscal vinham da Equivalência Ricardiana. Apesar, de como
apontado no capítulo 2, a Equivalência Ricardiana como teoria ser apresentada mais
como exceção do que regra no pensamento ortodoxo, sua crítica à política fiscal ajudou
a moldar o pensamento de como ela deveria ser executada.
A partir da crise econômica de 2008, e o consequente debate sobre como executar a
política fiscal em situação de armadilha da liquidez, a Equivalência Ricardiana parece ter
sido deixada de lado como fator explicativo para a questão da eficácia e dinamismo da
política fiscal. Fundamentalmente, a ideia de que o déficit público não é capaz de afetar
positivamente a economia e que medidas fiscais discricionárias não deveriam ser
adotadas em hipótese nenhuma, foram rejeitadas no que tange ao horizonte de curto prazo
na economia, em que pode haver crises econômicas.
Alguns estudos têm questionado a Equivalência Ricardiana. O ponto principal da crítica
é que a dívida pública, em um cenário de crise, afeta variáveis reais, tais como consumo
e o investimento, inclusive, porque os indivíduos olham para o presente, devido ao alto
endividamento, e não para o futuro.
Devereaux (2010, p.2) afirma que há necessidade de se entender com maior realismo o
papel desempenhado pela política fiscal em um cenário que a política monetária é
ineficiente, sendo necessário deixar de lado pressupostos da Equivalência Ricardiana,
principalmente, e utilizar modelos com horizonte finito e não infinito.
110
Esse autor aponta que, em situações “normais”, a política monetária funciona de modo
adequado, a Equivalência Ricardiana é válida, ou seja, o financiamento via impostos ou
dívida pública é indiferente ao público. De outro lado, em situação de armadilha da
liquidez, a dívida pública exerce efeito-riqueza para os agentes. O desejo de poupar dos
agentes faz com que os títulos públicos se tornem atraentes, podendo incentivar a
demanda agregada, evitando, por exemplo, que ela caia.
Mas em um mundo com consumidores de horizonte finito, a questão da
dívida governamental de fato fornece um veículo poupança por parte
do setor privado. Isso satisfaz parte de seu aumento no desejo de
economizar e, como resultado, coloca um limite no grau em que a
demanda e o consumo agregados precisam cair. Efetivamente, nossos
resultados sugerem que esse papel macroeconômico da questão da
dívida pública pode desempenhar um papel importante em um pacote
de estímulo econômico durante uma armadilha de liquidez (Devreaux,
2010, p.4)
Dentro desse contexto, outro pressuposto da Equivalência Ricardiana é eliminado,
segundo o qual dívida pública não possui diferencial em relação aos demais ativos
financeiros. Em um cenário em que os agentes estão endividados e o estão em boa parte
porque o preço dos ativos está caindo, então, a dívida pública se torna atraente aos
desejam ficar com liquidez.
A dívida pública ganha importância como forma de financiar um déficit público, que, em
condições de crise, ajuda a fomentar a demanda tanto em consumo quanto investimento,
permitindo com que a economia possa sair dessa espiral negativa de crise econômica.
O ponto é que nessa situação de crise, os agentes estão contrangidos pela liquidez (algo
que fere um dos pressupostos mais importantes da Equivalência Ricardiana). Eles
precisam se desalavancar reduzindo suas dívidas. Segundo Lopreato (2014, p.6), a
Equivalência Ricardiana não vale nesse momento: consumo e investimento passam a ser
mais determinados pela renda e lucro corrente e não pela expectativa de lucros e renda
futura, de modo que o gasto privado se relaciona com a situação corrente e não futura. É
uma questão, meramente, temporal sobre a renda.
111
Se os agentes estão com dificuldades em liquidar suas dívidas no momento presente, não
faria sentido eles reduzirem seu consumo – já estagnado – e pouparem – sendo que não
há poupança – para pagarem tributos no futuros ou deixarem recursos para seus herdeiros
para que estes o façam. Nesse sentido, a emissão de dívida pública como forma de
sustentar déficit – seja por meio de gastos ou redução de impostos, nesse contexto – se
torna um elemento importante e a política fiscal passa a importar.
A expansão fiscal é vista como um instrumento temporário,
necessário para sustentar o produto e a renda durante o
movimento de desalavancagem. O pagamento da dívida pública
acumulada nesse processo deve ser postergado para quando
ocorrer a recuperação da economia e não se colocar como óbice
à expansão dos gastos públicos (Lopreato, 2014, p.6).
Se no período de crise, em virtude do alto endividamento, os agentes olham para a renda
e o lucro presente, e não para o futuro, então a política fiscal pode ter impacto
expansionista no curto prazo, permitindo aumento do consumo e do investimento, ao
contrário do impacto nulo defendido pela Equivalência Ricardiana.
Se as famílias estão endividadas hoje, elas não tem condições de poupar, de modo que
para elas o que importa é o momento presente e não o futuro. Desse modo, se o gasto
público permite elevar a demanda e o emprego, assim como a redução de impostos eleva
a renda disponível hoje, os agentes conseguem reduzir suas dívidas, pois com emprego e
renda dpisnível maior eles conseguem arcar com seus compromissos, reativando a
capacidade de consumo da economia de modo geral.
Ressalta-se que financiamento do déficit público por meio de aumento de impostos possui
um impacto negativo, tal como explica Dos Santos (2011, p.122), pois diante de uma
demanda agregada já muito baixa e insuficiente, a elevação de tributos, como forma de
financiar o déficit público, tende a reduzir a renda disponível e deprimir ainda mais o
consumo. Por isso, o que se nota é que, em tais circunstâncias, a melhor forma de se
financiar é por meio da expansão da dívida pública.
Desse modo, Devreaux (2010, p.4) afirma que em condições normais, a Equivalência
Ricardiana prevalece, enquanto que na situação da armadilha da liquidez, existem efeitos
reais sobre economia:
112
Como corolário, o modelo implica que este efeito de equilíbrio real28
pode ser insignificante em tempos normais, mas desempenha um
papel não trivial durante uma armadilha de liquidez. Novamente, no
entanto, um requisito chave para que funcione é que a equivalência
ricardiana falhe (ibid).
Dessa forma, se a Equivalência Ricardiana não é válida para períodos de crise, a redução
de tributos e o aumento do gasto público podem, também, se tornar medidas eficazes para
tirar economia da crise. Contudo, não existe consenso sobre essa questão na literatura
pós-crise, de modo que há um debate. Por outro lado, o que se nota dessa discussão é que
a ideia da Equivalência Ricardiana – e sua questão intertemporal - vai sendo abandonada,
no que se refere ao curto prazo da economia.
Além da discussão sobre o papel dos gastos públicos, que a seção seguinte irá trazer com
mais detalhes, há um intenso debate dentro da teoria convencional sobre o papel da
redução dos tributos como instrumento para retirar a economia da crise.
Eggerston e Krugman (2012) trabalham com situação em que pessoas e empresas estão
endividadas, de modo que elas necessitam reduzir o consumo. Eles utilizam modelo, em
que colocam a questão do impostos sendo dividida entre tomadores de empréstimos e
poupadores. Segundo eles (ibid, p.1493-1495), reduções de impostos podem ser
expansionistas se a maior tributação futura for cobrada dos tomadores de empréstimos.
Uma redução de impostos hoje financiada por impostos sobre os mutuários no futuro fará
com que os poupadores aumentem seu consumo hoje, diante do fato de não terem de
poupar para pagar impostos no futuro, dando um caráter expansionista. Ainda que, o
efeito para os tomadores de empréstimo seja nulo, o impacto expansionista advém dessa
redistribuição do peso dos impostos futuros dos poupadores para os mutários:
A razão para isso [impacto expansionista] é que, embora o tomador de
empréstimo gaste cada dólar adicional de renda no curto prazo, o gasto
do poupador depende de sua renda futura atual e esperada. Como um
aumento nos impostos sobre o tomador no futuro (em relação ao nosso
28 O termo equilibrio real, segundo nossa interpretação, se refere ao efeito real gerado pela dívida pública.
113
experimento político anterior) transfere dinheiro do tomador para o
poupador no longo prazo, o consumo de curto prazo do poupador
aumenta (ibd, p.1493)
Dessa forma,
O choque de desalavancagem pode, em princípio, ser completamente
desfeito por um corte de impostos dirigido ao consumidor no curto
prazo que é suficientemente grande para compensar totalmente a
desalavancagem necessária, desde que esse corte de impostos seja
financiado por um aumento correspondente nos impostos de longo
prazo sobre o mutuário (ibid)
O que se nota dessa discussão feita por esses autores é que, diante de uma situação de alto
endividamento, a forma como é dada a distribuição dos impostos futuros afeta de modo
diverso os agentes, fazendo com que redução de impostos hoje possa ter impacto
expansionista, algo negligenciado pela Equivalência Ricardiana.
Ainda que seja financiada pelos tomadores de empréstimos – gerando um impacto nulo
no longo prazo -, o impacto expansionista sobre o consumo permite a retomada do
crescimento econômico, gerando renda para que os próprios tomadores de empréstimos
possam se desalavancar no momento presente.
Se, portanto, a Equivalência Ricardiana não vale em períodos em que vigora o limite da
taxa de juros próxima a zero (ou com alto endividamento), então, realizar um déficit por
meio de redução de impostos poderia ser uma medida válida, visto que a questão
intertemporal proposta pelo modelo ricardiano não se sustenta nessas condições.
Contudo, não parece ser consensual a eficácia da redução de tributos em períodos de crise.
Bilbiie, Monocelli e Perotti (2012, p.21) argumentam que uma redução de impostos pode
ter impactos positivos sobre a economia, quando há uma redistribuição da carga dos
impostos dos mutuários (aqueles que tomam emprestados) para os poupadores (que detém
títulos públicos e ações das empresas), e preços são rígidos. Uma diminuição nos tributos
permite que o consumo dos mutuários se eleve. Com as firmas não conseguem elevar os
preços diante da expansão da demanda, elas irão reagir elevando a produção e com isso
contratando mais mão-de-obra.
114
Consequentemente, haverá elevação do salário real e diminuição dos lucros, fazendo com
que os poupadores precisem ofertar mais trabalho, diante de efeito negativo sobre renda
decorrente da queda no lucro das empresas. Dessa forma, eles irão trabalhar mais do que
os mutuários estão dispostos, permitindo sustentar o consumo.
Kaszab (2016, p.378-381) apresenta modelo em que divide dois tipos de consumidores:
os Ricardianos (referente à Equivalência Ricardiana), os quais acreditam que redução de
impostos hoje levará ao aumento no futuro, de modo que eles poupam e não consomem,
e os não-ricardianos, os quais realizam gastos de acordo com a renda corrente disponível.
Segundo ele, redução de impostos faz com que o consumo dos não-ricardianos se eleve,
induzindo as empresas aumentarem mais a produção, pois os preços são considerados
rígidos. Assim, as empresas elevam a demanda por trabalho, assim como, o corte de
impostos sobre trabalho eleva o salário real antes dos tributos, criando incentivo para que
os sindicatos aumentem a oferta de mão-de-obra.
Por outro lado, redução de impostos sobre trabalho gera um impacto negativo para renda
dos Ricardianos, visto que essa redução de impostos será paga com impostos futuros, por
isso reduzem seu consumo presente. Dessa forma, eles irão ofertar mais mão-de-obra para
conseguir obter recursos para pagar os impostos futuros. Devido aos sindicatos, tanto
ricardianos quanto não-ricardianos trabalham a mesma quantidade de horas. Daqui resulta
que a oferta de trabalho deve ter aumentado mais do que a demanda de trabalho. Com o
aumento da oferta de trabalho, há uma queda do salário real fazendo com que o lucro
aumente e como ricardianos são donos das empresas – por meio de ações -, o aumento da
renda com lucro faz com que eles não precisem reduzir tanto o seu consumo para pagar
impostos no futuro.
Mankiw (2008) defende política de redução de impostos sobre a folha de salários.
Segundo ele, uma redução desse tipo irá inteiramente para o trabalhador, de modo que
haverá incentivo ao consumo e elevação da demanda agregada. Além do mais, com
rigidez de salários, essa política incentiva a contratação de mais trabalhadores, dado que
reduz o custo de contratação.
Dessa forma, estes estudos apresentado acima procuram validar a redução de impostos
como medida importante e eficiente para resolver o problema da crise econômica,
principalmente, pelo seu impacto sobre a demanda agregada da economia.
115
Contudo, há algumas críticas à eficácia da redução de impostos. Perotti (2016, p.168) faz
algumas ressalvas quanto aos impactos positivos da redução de impostos, pois essa
diminuição possui impactos negativos sobre a distribuição de renda, afetando os mais
pobres. Ele não explica como isso poderia ser ruim para os mais pobres, mas se pode
imaginar que ele está falando de redução de impostos para os ricos ou de eventuais
aumentos de impostos no futuro.
A crítica à redução de impostos como medida adequada para resolver a crise econômica
abandona as ideias ricardianas sobre a questão intertemporal. Eggerston (2010, p.76-80)
realiza a crítica, mas aponta que o corte de impostos não é eficaz para sustentar a demanda
agregada e fazer com que a economia sai de uma espiral deflacionária.
Segundo ele, o impacto da redução de impostos sobre economia em situação normal é:
pessoas desejam trabalhar mais em função de poderem ter mais dinheiro no bolso. Isso
reduz os salários reais, fazendo com que as empresas contratem mais. Assim, a oferta da
economia se eleva. Essa elevação da oferta faz com que se gere pressões deflacionárias,
e o Banco Central, seguindo a Regra de Taylor, reduz a taxa de juros, fomentando o
consumo e investimento. No caso de a taxa de juros estar no seu limite máximo, redução
de preços gera uma espiral deflacionária sem a qual o Banco Central não consegue reagir
reduzindo a taxa de juros, o que eleva a taxa de juros real, induzindo redução do consumo
e investimento.
Dessa forma, impostos sobre oferta (por exemplo, redução de impostos sobre salários),
não gera efeitos positivos sobre a demanda agregada, mas, ao contrário, aumenta a oferta,
e não pressiona a inflação. Como nessa situação em que a taxa de juros está em seu limite
máximo, deflação é algo negativo, pois mantém a taxa de juros real mais elevada, a
política de redução de impostos sobre elementos da oferta não é uma política positiva
para sair da crise.
Contudo, ainda segundo Eggerston (2010, p.83-85), redução de impostos de forma
temporária sobre vendas pode ter impacto positivo. Segundo ele, ao diminuir a tributação
sobre vendas (ou sobre o consumo) temporariamente, isso permite elevar a demanda
agregada, visto que o consumo hoje se torna, relativamente, mais barato do que no futuro.
Essa pressão sobre a demanda eleva a inflação, reduz a taxa real de juros, possibilitando
aumento de investimento e até do consumo.
116
Dentro da literatura discutida, não há consenso sobre o impacto da redução de impostos
como medida eficiente para resolver a crise econômico. Contudo, o maior ou menor
impacto da redução de impostos em uma situação de crise econômica não está relacionada
com a questão intertemporal proposta pela Equivalência Ricardiana, mas com seu
resultado em relação à demanda agregada. Isso quer dizer que, dentro dos debates sobre
política fiscal, ao que nos parece, a Equivalência Ricardiana tem ficado de lado.
Se a dívida pública pode afetar variáveis reais, assim como redução de impostos pode ser
benéfica, para alguns autores, para estimular a economia. Nosso próximo passo é analisar
o debate pós-crise sobre a questão do gasto público. Se a literatura selecionada parece ter
se afastado da Equivalência Ricardiana, será que a discussão econômica tem se
aproximado do pensamento de Keynes tal como apresentamos no capítulo 1? É essa
pergunta que tentaremos responder na próxima seção.
3.3 Gasto público como remédio para sair da crise
Se, como vimos, a Equivalência Ricardiana parece ter sido deixada de lado na discussão
sobre crise econômica – pelo menos, nesse contexto -, nosso próximo passo é ver como
o debate atual pensa a questão do gasto público comparando-o com a visão de Keynes:
será que ela se aproxima ou não? Esse é o ponto que queremos abordar nessa seção.
Eggerston (2010, p.80-81) diferencia o impacto do gasto público em tempos normais e
nos períodos de crise. No primeiro caso, o gasto público elevaria a demanda agregada e
teria efeitos sobre a oferta, visto que como o governo retiraria recursos do consumo das
pessoas – efeito substituição entre o gasto público e o gasto privado -, elas ofertariam
mais mão-de-obra e com queda dos salários reais, a oferta aumentaria. Como existe esse
efeito-substituição, o autor encontrou um multiplicador baixo, de apenas 0,48.
Por outro lado, segundo esse autor (ibid, p.81-83), a adoção de uma política fiscal no
limite inferior da taxa de juros, temos gasto público aumenta tanto os preços quanto a
oferta. Ainda que ainda que haja um efeito deflacionário, decorrente do aumento da oferta
de trabalho, esse efeito é muito pequeno. O autor estima um multiplicador de 2,3.
Mas por que esse multiplicador é tão grande? A principal razão para queda do produto e
da inflação é fruto de expectativas de queda do produto e de deflação no futuro. Os
agentes esperam que a política fiscal seja utilizada até a recessão acabar, o que gera
117
expectativas positivas para os agentes. O anúncio da política fiscal é mais importante que
o anúncio do tempo que durará.
Como aponta Wolf (2015, p.67), a situação de crise é diferente daquela em que ocorre
quando o déficit público se expande em condições de elevado emprego, o que causa
elevação da taxa de juros e redução do investimento. Por outro lado, como na crise
famílias e empresas reduzem seus gastos, é necessário atuação fiscal mais pujante para
impulsionar a economia:
O recurso ao colchão fiscal (a capacidade de deixar o déficit fiscal subir
em resposta a uma recessão puxada pelo setor privada) foi essencial
dessa vez [na crise de 2008], porque mesmo uma política monetária
fortemente expansionista era insuficiente para evitar as alterações dos
setores familiar e empresarial para superávit. Sabemos que ela era
insuficiente porque as autoridades monetárias iniciariam essa política.
Essa é uma situação em que a política fiscal keynesiana se torna
relevante (ibid, p.66-67)
Blanchard, Dell’Ariccia e Mauro (2010, p.9) ressaltam a importância da política fiscal na
atual situação de crise por dois motivos: a limitação da política monetária por meio do
afrouxamento monetário possui certos limites, em decorrência da limite zero da taxa de
juros, e pelo fato de a perspectiva da recessão ter um horizonte mais largo faz com que os
estímulos fiscais sejam eficientes, apesar das defasagens entre suas implementações e
resultados.
Ainda que a questão da política fiscal tenha ganhado relevância para estes autores, eles
colocam os marcos da política fiscal dentro do chamado “espaço fiscal”, segundo qual
alto endividamento reduziria o impacto das medidas fiscais. Por isso, seria fundamental
não realizar políticas pró-cíclicas durante o auge do ciclo econômico. Nesse sentido, o
impacto da política fiscal ocorre mediante as circunstâncias excepcionais. Assim,
medidas discricionárias, durante situações “normais”, não são tão eficientes:
A resposta fiscal agressiva foi garantida dadas as circunstâncias
excepcionais, mas expôs ainda algumas desvantagens da política fiscal
discricionária para mais flutuações “normais” - em particular atrasos na
formulação, promulgação e implementação de medidas fiscais
apropriadas (Blanchard, Dell’Ariccia e Mauro, 2010, p.9)
118
Feldstein (2009, p.6) aponta que dois problemas que poderiam ser vistos em tempos
normais, não são problemáticos em tempos de crise: primeiro, o aumento do gasto público
não levará ao aumento da taxa de juros, visto que a política de “dinheiro fácil” realizado
pelo Quantitative Easing29 tendem a manter as taxas de juros baixas. Em segundo lugar,
as defasagens do gasto público não são um problema, em decorrência da longa duração
da própria crise. Ou seja, o tempo de realização do gasto público acompanharia o
movimento da crise.
Contudo, esse mesmo autor ressalta que, por mais a política fiscal cumpra um papel
importante para saída da crise, ela não pode ser duradoura:
Mas, embora uma boa política fiscal possa contribuir para acabar com
a recessão, o trabalho pesado terá que ser feito com o aumento dos
gastos do governo. Para ser eficaz, esses gastos devem ser grandes,
rápidos e direcionados para aumentar a atividade agregada e o emprego.
Quão grande depende da forma dos gastos e do tempo (ibid, p.7)
Por mais que se considere a necessidade do uso do gasto público, ele deve ser, dentro da
visão mainstream, grandes, rápidos e direcionados. A questão da rapidez do gasto
entende-se que ele deve ser voltado para o curto prazo e apenas para estimular a demanda
agregada no presente. O próprio autor afirma que se os altos gastos públicos realizados
em 2009 continuarem elevados para 2010 e 2011, o seu elemento de política anti-ciclica
perde eficiência.
A velocidade dos gastos é uma consideração importante. Um projeto
que começa em 2009, mas continua gastando em alto nível em 2011 e
2012, provavelmente não será tão útil quanto um instrumento
anticíclico, com o qual se gasta rapidamente e é finalizado (Feldstein,
2009, p.8).
Freedman et al (2009, p.8) fazem uma análise interessante sobre a questão da política
fiscal. Eles calcularam multiplicadores para alguns tipos de políticas fiscais, tais como
29 Quantitative Easing foi a política monetária não-convencional de compra de títulos de longo prazo
realizado pelo Banco Central norte-americano (FED), com o intuito de influenciar as taxas de juros de
longo prazo. Assim, ao comprar esses títulos, houve forte injeção de moeda, especialmente, nos bancos.
119
transferências e gastos públicos com investimento. Os resultados apontam um
multiplicador fiscal muito maior para gastos com investimento (1,6) do que para
transferências (0,3), em decorrência de seus efeitos sobre a demanda agregada na
economia.
Contudo, justamente, pelos seus efeitos sobre a demanda da economia, os gastos públicos
tendem a elevar a inflação (ibid, p.9), o que em um primeiro momento pode ser benéfico
para evitar a deflação, mas tende a elevar a taxa de juros, reduzindo efeito multiplicador
no momento posterior.
Esse aumento na taxa de juros real tende a contrabalancear os efeitos
estimulantes das ações fiscais e, juntamente com essa redução na
magnitude do tamanho da ação fiscal no segundo ano, os resultados
são de menores efeitos no PIB real no segundo ano (ibid, p.9)
Esses autores apontam (ibid, p.12), tal como visto a posição da teoria convencional, que
existe relação de médio e longo prazo de crowding out entre déficit público – ou aumento
da dívida – e o próprio investimento privado, gerando impactos negativos na economia.
Por isso, seriam necessários instrumentos e medidas de credibilidade para a política fiscal
no médio e longo prazo (ibid, p.17).
Saraiva, de Paula e Modenesi (2018, p.20) apresentam, de modo crítico, que a visão dos
autores da teoria convencional – ou do Novo Consenso Macroeconômico, como eles
chamam – delega um papel apenas de preservação da ordem econômica às políticas
monetária e fiscal e não de importância para o próprio funcionamento da economia, sendo
a política fiscal importante apenas nos momentos de crise.
Mesmo reconhecendo maior papel da política fiscal em momentos de crise, ela é
considerada um instrumento problemático em períodos normais, de modo que ela deve
ser submetida a rígidas regras e sempre limitada pela questão do espaço fiscal. Não há
espaço dentro dessa análise para compreensão de que o gasto público é dinâmico, no
sentido, inclusive, de gerar suas próprias receitas.
A política fiscal, dentro da literatura selecionada, deve servir como um remédio para a
crise, mas nunca pode ameaçar a credibilidade, de modo que no longo prazo o déficit
público e a dívida pública devem estar sempre controlados. Nega-se, assim, o dinamismo
da política fiscal que apontamos em Keynes de que a política fiscal deve ser voltada para
120
o longo prazo e que ela possui capacidade de gerar suas próprias receitas. Na visão
convencional, esses pontos não aparecem.
Não se pode dizer, dessa forma, que as discussões em torno da política fiscal tal como
realizada pela visão convencional se aproxima de Keynes. Mesmo que o debate traga
novamente um papel importante para as ações fiscais, a forma como deve ser conduzida
– apenas no curto prazo e levando em conta a credibilidade – distancia a revisão da visão
convencional da proposta por Keynes e tal qual discutimos no primeiro capítulo e
aproxima, no longo prazo, da Equivalência Ricardiana.
Dessa avaliação, nota-se que ainda persiste a visão de que a política fiscal deve ser
utilizada apenas em um período de exceção, de modo que em tempos normais, ela não é
tão eficiente. O gasto público deve ser voltado para resolver a crise, e não como um
instrumento de evita-las.
Lopreato (2014, p.13-18), aponta que mesmo havendo uma direção em torno de consenso
sobre a importância da política fiscal para tirar a economia da crise, ainda há divergências
quanto ao seu uso. Este autor apresenta a existência de três visões sobre essa questão: a
hawk view, a dove view, e Woodpecker View.
A dove view considera o que mostramos acima, ressaltando a importância do gasto
público como elemento fundamental para lidar com a crise econômica. Paul Krugman é
um dos mais importantes autores dessa corrente. Em seu livro “Um Basta à Depressão
Econômica!”, ele faz uma discussão sobre as causas e como tirar a economia da crise. No
que tange ao primeiro, Krugman (2012, p.20) aponta que o problema estaria no dínamo
da economia (e não no motor) e que a crise seria apenas um problema técnico, no sentido
de que não seria estrutural à economia capitalista.
Seja como for, o ponto é que o problema não está no motor as economia,
que contonia tão poderoso como antes. Em vez disso, estamos falando
basicamente de um problema técnico, de um problema de organização
e de coordenação (...). Resolva-se esse problema técnico e a economia
rugirá de volta (ibid, p.20)
E qual o problema desse dínamo? O problema estaria justamente na falta de demanda
(ibid, p.26-27), em que as pessoas deixam de consumir, de modo que ao não gastarem,
121
elas não geram renda30, pois o dispêndio de um é a receita de outrem. Dessa fora, se o
setor privado não gasta, então é necessário que o governo gaste:
A situação básica da economia dos Estados Unidos continua a mesma
desde 2008, o setor privado não está disposto a gastar o suficiente para
fazer uso de toda a capacidade produtiva do país e, portanto, para
empregar milhões de americanos que querem trabalhar, mas não
encontram emprego. A maneira mais direta de fechar essa lacuna é o
governo gastar onde o setor privado não quer gastar (Krugman, 2012,
p.194).
Segundo Lopreato (2014, p.15-16), essa visão é crítica à austeridade realizada por vários
governos, principalmente, dos países europeus a partir de 2010. Segundo ele, para esses
autores, em uma situação de armadilha da liquidez, o corte de gastos leva à redução do
PIB, assim como redução dos gastos privados. A deterioração econômica leva à queda
das receitas, o que pode gerar dúvidas sobre a capacidade de sustentar a dívida pública
no futuro (redução da renda). Por isso, essa corrente defende maiores gastos públicos e
faz a crítica à austeridade fiscal.
De Long e Summers (2012, p.1 e p.37) argumentam em favor da utilização da política
fiscal diante de uma situação em que há muita capacidade ociosa e taxa de juros de
encontra no limite inferior, pois o efeito multiplicador irá elevar as receitas do governo
no longo prazo, evitando o aumento da dívida.
Nossa análise demonstra simplesmente que o estímulo fiscal adicional,
mantido durante um período em que as circunstâncias econômicas são
tais que os efeitos multiplicadores e histerese são significativos e depois
removidos, facilitará em vez de exacerbar a restrição orçamentária de
longo prazo do governo (ibid, p.37)
Contudo, para esses autores, a política fiscal só possui impacto positivo nesse momento
particular de crise, sendo que em tempos normais, em que não existe armadilha da
liquidez, a política fiscal se torna ineficaz como instrumento de estimulo à economia:
É por isso que enfatizamos que, fora dos períodos de baixa
extraordinários em que o limite inferior de zero restringe as taxas de
juros, acreditamos que a suposição correta é de que o multiplicador
fiscal é efetivamente zero. Os aumentos na demanda vão se sobrepor às
restrições de oferta. E, na medida em que isso não acontece, os
aumentos na demanda serão compensados pela política monetária. Com
um multiplicador zero relevante em termos de políticas, os julgamentos
30 “Coletivamente, a população mundial está tentando comprar menos do que é capaz de produzir, gastar
menos do que ganha. Isso é possível para um indivíduo, mas não para o mundo como um todo. E o resultado
é a devastação a nosso redor” (Krugman, 2012, p.27)
122
sobre políticas fiscais devem basear-se em alocações e não em políticas
de estabilização (ibid, p.38).
Ausentes as condições que restringem a política monetária – seu limite inferior de taxa
de juros -, a política fiscal é neutralizada pelos aumentos da taxa de juros (efeito crowding
out). Por isso, a política fiscal é um instrumento importante como forma de alocar e
fomentar recursos no momento em que há capacidade ociosa, mas ela não deve ser
utilizada como política de estabilização em momentos de inexistência de crise. As
medidas fiscais devem ser localizadas e não ser utilizadas de modo permanente como
forma de evitar a volatilidade da economia.
A premissa de nossa análise é que a política fiscal expansionista pode
ser oportuna e temporária. Assim, pode ser entregue quando a saída é
severamente deprimida e o limite inferior nominal zero a prende, e
para quando a economia se recupera. Portanto, este é um caso apenas
para quando estímulo fiscal pode ser entregue de maneira oportuna e
temporária (ibid, p.38-39)
De qualquer forma, essa visão rejeita a austeridade fiscal como política a ser adotada em
momentos de crise, visto que, em situação de crise, o estimulo fiscal é importante como
forma de sair dela. Contudo, há autores que defendem o corte de despesas e aumento dos
tributos como forma de incentivar a economia.
A Hawk View é formada por economistas que defendem a austeridade fiscal como forma
de recuperação da economia, já discutida, brevemente, no capítulo anterior. Esses autores
utilizam a ideia de contração fiscal expansionista, em que austeridade não gera impactos
recessivos na economia, podendo ser até mesmo expansionista. (Lopreato, 2014, p.13-
14).
A hipótese de contração fiscal expansionista foi desenvolvida por Giavazzi e Pagano
(1990) ao estudarem os efeitos de ajustes fiscais em algumas economias europeias. Eles
chegaram à conclusão de que medidas associadas a corte de gastos ao invés de terem
efeitos contracionistas – como defende a visão de Keynes – geram, ao contrário, bases
para uma expansão econômica.
Alesina e Ardagana (1998, p.5) argumentam que um dos meios pelos quais uma
consolidação fiscal se torna expansionista é o canal da taxa de juros. Segundo eles, há
dois equilíbrios: o equilíbrio “ruim” ocorre quando a dívida pública cresce rapidamente e
os investidores demandam um prêmio de risco mais alto, o que eleva a taxa de juros. O
123
equilíbrio “bom” acontece quando a dívida pública cai, o prêmio de risco é eliminado,
impulsionando queda da taxa de juros. A contração fiscal faz com que a se passe do
equilíbrio “ruim” para o “bom”, tendo como resultado redução da taxa de juros.
Um canal adicional que origina os efeitos expansionistas de uma
contração fiscal é o argumento da “credibilidade” sobre as taxas de
juros. Em elevados (ou em rápido crescimento) níveis de dívida, a
dívida pública deve ser vendida a um prêmio, devido ao risco de
inflação, de calote ou riscos de consolidação. Uma consolidação fiscal,
se percebida como permanente e com sucesso, pode trazer uma discreta
redução da taxa de juros (ibid, p.5)
Ou seja, se o Estado contrai os gastos, de modo a reduzir o déficit e colocar em patamares
aceitáveis a dívida pública, esse prêmio de risco se reduz, de modo que os agentes não
irão cobrar elevada taxa de juros para financiar o governo, abrindo espaço para reduzi-
las. Essa redução da taxa de juros estimularia os componentes da demanda agregada
sensíveis à taxa de juros (Kleis e Mossinger, 2016, p.3) como investimento e o consumo.
Ressalta-se que, conforme discutido no capítulo 2, a austeridade fiscal, via redução de
gastos públicos, gera um efeito riqueza positivo sobre os agentes, os quais, vendo essa
contração fiscal como permanente, sentem que não precisarão arcar com impostos no
futuro, fazendo com que suas rendas disponíveis ao longo da vida se elevem, causando
alterações positivas no consumo no momento presente.
Diante do quadro exposto, Alesina e Ardagna (2009, p.17), os principais autores dessa
corrente, argumentam que redução do gasto público possui menor impacto recessivo do
que, por exemplo, elevação de impostos. Assim, segundo eles, ajustes fiscais movidos
por corte de despesas não impactam o produto, podendo até levar ao seu crescimento no
momento posterior.
Nossos resultados sugerem que os cortes são mais expansivos do que
os aumentos nos casos de um estímulo fiscal. Para os ajustes fiscais,
mostramos que os cortes de gastos são muito mais eficazes do que os
aumentos de impostos na estabilização da dívida e evitação de
desacelerações econômicas. De fato, descobrimos vários episódios em
que os cortes de gastos adotados para reduzir os déficits foram
associados a expansões econômicas, e não a recessões (Alesina e
Ardagna, 2009, p.3)
Dentro do debate sobre a importância da política fiscal, essa corrente parece ser a mais
“radical”, no sentido de realizar a crítica e negar o papel do gasto público como
instrumento de política econômica para enfrentar a crise.
124
Essas ideias ganharam maior força na Europa, especialmente, em decorrência das
elevadas relações dívida/PIB nos países europeus periféricos. Na Irlanda essa relação
atingiu 110% do PIB em 2011, na Itália tivemos 100% e na Grécia foi de 165%. Nesse
sentido, diante desse quadro, instituições como FMI e Banco Central Europeu ofereceram
ajuda a esses países em troca da adoção de cortes de gastos31.
Como argumenta Blyth (2017, p.113-114), a austeridade como política a ser adotada para
sair da econômica começou a ganhar força tanto na literatura, mas, principalmente, na
prática, em decorrência da forte elevação das dívidas públicas, com maior destaque para
o caso grego. Desse modo, o único meio para resolver essa questão fiscal, seria abandonar
políticas de cunho keynesiano e realizar cortes de gastos:
A oposição às políticas keynesianas intensificou-se na primavera de
2010, quando a crise grega se torna notícia, apesar de a Grécia ser
responsável por apenas 2,5% do PIB total da zona do euro. No Reino
Unido, na Alemanha e nos Estados Unidos, os políticos a favor da
austeridade concnetraram-se na crise grega como uma metáfora dos
perigos do keynesianismo. “Tornar-se grego” passou a ser uma história
assustadora para justificar cortes nos respetitivos países” (ibid, p.114).
Nesse sentido, mesmo que o debate econômico dentro do pensamento ortodoxo ainda gire
em torno da eficácia do gasto público como instrumento para resolver a crise econômica,
as ideias de austeridade ainda possuem uma certa força não só nessa discussão como na
aplicação de políticas econômicas, principalmente, na Europa.
Ainda utilizando a apresentação de Lopreato (2014), a terceira visão podemos considerar
como uma intermediária entre as duas apresentadas até aqui. Ela defende rígido controle
fiscal para evitar a expansão da dívida pública e o descontrole das contas públicas, mas,
ao mesmo tempo, defende medidas de curto prazo de reativação da demanda para impedir
que a crise se aprofunde.
A combinação de reformas estruturais e de medidas a favor do
crescimento é vista como central na estratégia: ataca o problema de falta
de demanda de curto prazo e evita o efeito negativo do ajuste durante o
período de travessia até alcançar os resultados das ações de longo prazo
(Lopreato, 2014, p.17).
Essa corrente mostra de modo mais claro como a política fiscal possui um caráter de
exceção: ela deveria ser utilizada em momentos de crise e em curto prazo, de modo que
31 Segundo Blyth (2017, p.113), em 2010, a Grécia recebeu ajuda de 110 bilhões de euros em troca de corte
de 20% nas remunerações do setor público, 10% nas pensões e aumentar os impostos. A Irlanda, no mesmo
ano, recebeu 85 bilhões de euro para cortar 26% dos gastos públicos.
125
medidas mais a longo prazo estariam relacionadas com ajustes fiscais. O debate, portanto,
ainda está inserido em uma visão, na qual a política fiscal não possui dinamismo a longo
prazo, como apresentado no capítulo 1 quando analisamos o pensamento de Keynes.
Como visto, para Keynes a política fiscal é dinâmica, pois o gasto público hoje gera
efeitos a longo prazo, incluindo o próprio equilíbrio fiscal em termos intertemporais. Ela,
portanto, não deve ser pensada apenas como um instrumento para tirar a economia da
crise a curto prazo, mas deve ser pensada a longo prazo, por meio do investimento
público, para evitar que as próprias crises venham a se tornar graves ou mesmo acontecer.
Mesmo a questão dos impostos, em que o aumento da carga tributária feita de modo
progressivo, é um importante instrumento de redistribuição de renda e de alteração na
propensão marginal a consumir a longo prazo da economia.
O debate atual sobre política fiscal, ainda que retome a discussão sobre sua importância,
ela está inserida apenas como um instrumento útil a curto prazo e para resolver a crise
econômica. Ainda prevalece a visão de que o importante é a sustentabilidade da dívida
pública a longo prazo e não como um instrumento para evitar as flutuações da demanda
agregada na economia e tornar as expectativas dos agentes mais favoráveis.
Enfim, a discussão dos itens propostos sugere certo afastamento do
consenso teórico prevalecente no momento anterior. Em circunstâncias
particulares, a política pode se transformar em instrumento útil, quando
adotado com restrições, sem abrir mão do cuidado com o déficit e a
dívida, por meio de brechas previstas nas regras fiscais, que autorizem
o emprego de gastos públicos no combate à crise. O avanço teórico
talvez se limite à aceitação de que o uso da expansão fiscal é viável
como instrumento nos raros momentos em que a economia global se
encontra em situações excepcionais. No restante do tempo continuam
arraigadas as velhas convicções (Lopreato, 2014, p.23).
Notamos nessa discussão que boa parte da literatura sobre política fiscal no pós-crise
coloca esse instrumento como eficaz para retomada do crescimento econômico, contudo
essa eficácia está restrita a uma dimensão temporal de curto prazo, sem efeitos
prolongados, mas ao contrário, quanto mais tempo se postergar a atuação das medidas
fiscais, pior serão seus resultados, inclusive, podendo ter impactos nulos.
Ressalta-se que a base da discussão da teoria convencional está assentada no equilíbrio
geral walrasiano, em que oferta e demanda se equilibram, de modo que os agentes
obtenham a máxima satisfação. Nesse sentido, se no quadro de crise, voltado para curto
126
prazo, há desequilíbrio, em que a demanda está abaixo da oferta, a política fiscal é
instrumento eficaz para resolver esse problema.
Justamente, pelo fato de a visão ortodoxa reconhecer o equilíbrio geral, e que este ocorre
no longo prazo, é que os impactos da política fiscal ficam restritos ao curto prazo, quando
há possibilidades de desequilíbrio. Ainda prevalece, no fundo, a questão de que, no longo
prazo as condições de crescimento estão dadas pelos recursos existentes na economia e
pela tecnologia, de modo que o Estado não é capaz de interferir positivamente na
expansão da economia.
O reconhecimento de que as forças de mercado fazem com que a economia atinja o
equilíbrio, oferece um papel bem mais limitado à política fiscal e a própria atuação. O
que importa é a credibilidade e sustentabilidade fiscal. Desse modo, as implicações
Equivalência Ricardiana e necessidade de manter o equilíbrio fiscal a qualquer custo
prevalecem no longo prazo.
Conclusão
Nesse capítulo, procuramos analisar o atual debate sobre política fiscal ocorrido pós-crise
de 2008. Situamos a Equivalência Ricardiana e o pensamento de Keynes nesse contexto,
em que a discussão voltou a dar maior importância para a política fiscal diante da
gravidade da crise econômica.
Nesse sentido, primeiro analisamos como a literatura recente lida com a Equivalência
Ricardiana. Com a crise econômica, diante da restrição de liquidez do crédito, as famílias
e empresários não conseguem reduzir suas dívidas. Dessa forma, esses agentes deixam
de olhar para renda futura e se atém à corrente, eliminando o caráter intertemporal de suas
ações. A dívida pública, ao financiar o déficit público e servir como uma alternativa de
alocação de riqueza (em razão da deflação dos ativos), pode alterar variáveis reais, visto
que famílias ao contrário de reduzirem seu consumo, o aumentam.
Essa crítica à Equivalência Ricardiana abriu espaço para se discutir a redução de impostos
como um importante instrumento de política fiscal para retirar a economia da crise. Ainda
que outros autores questionem essas medidas, eles não o fazem por meio da Equivalência
Ricardiana, mas pelo fato de não conseguir evitar a espiral deflacionária, natural em
período de crise.
127
No tocante à eficácia da política fiscal, fundamentalmente, o gasto público, começou a
ganhar maior importância como instrumento maior combate à crise econômica. Vários
autores, ligados ao mainstream econômico, argumentaram em favor do dispêndio público
como instrumento fundamental, visto que a política monetária perdeu sua eficácia de
alterar a demanda agregada ao atingir o limite inferior de taxa de juros zero.
À primeira vista, essa volta da importância do gasto público como ferramenta decisiva
para alterar a demanda remete ao próprio pensamento de Keynes, o qual defendia o
dispêndio público não só para sair da crise, como para evitar a volatilidade da economia.
Assim, uma de nossas questões foi: será que a visão mainstream estaria se aproximando
de Keynes?
Nossa resposta é que não, pois, dentro dessa nova discussão, a política fiscal só é eficiente
e necessária em momentos de crise para retirar a economia de sua espiral negativa. O
dispêndio público só é capaz de atuar de modo positivo para economia, quando,
justamente, a política monetária perde sua capacidade de afetar a demanda.
Quando a situação volta ao “normal” no sentido de a economia não estar mais em um
cenário de crise e a não existência da chamada armadilha da liquidez, a política fiscal
volta a ser um papel secundário. Por isso, os autores analisados defendem a sua utilização
de modo temporário, bem diferentemente do caráter permanente do uso do gasto público
como forma de evitar a volatilidade da economia.
Além do mais, ainda existe dentro da literatura mainstream autores que defendem a
austeridade e a necessidade de equilíbrio orçamentário mesmo em um cenário de crise.
Eles defendem a ideia de contração fiscal expansionista, segundo a qual o corte de gastos
públicos e aumento de impostos (com preferência pelo primeiro) faz com que a economia
se estimulada, por meio da redução da taxa de juros.
O que se percebe ao analisar de modo mais profundo o debate econômico em torno da
política fiscal é que, excetuando os defensores da austeridade expansionista, os
instrumentos fiscais, tanto redução de impostos quanto aumento dos gastos públicos,
geram impactos positivos, contudo, estão restritivos a um horizonte temporal de curto
prazo.
No longo prazo, ainda que não descrito de modo explícito, parece prevalecer as
implicações da Equivalência Ricardiana: a política fiscal deve estar restrita ao equilíbrio
128
fiscal para manter a sustentabilidade da dívida pública, de modo que os agentes não
tenham que arcar com impostos futuros e, dessa forma, neutralizando a própria atuação
fiscal.
Nosso ponto é que o atual debate sobre política fiscal, ainda que vários autores tenham
acenado para a austeridade fiscal, parece ter dado a ela maior importância como
instrumento de fomento à economia. Contudo, sua eficácia e dinamismo, no sentido de
gerar impactos positivos na economia no curto e longo prazo, estão atreladas apenas em
momentos de crise econômica, em que a política monetária se torna incapaz de afetar a
própria economia. Nesse sentido, o que vemos é que, dentro de um quadro mais geral, a
política fiscal é algo secundário, mesmo tendo deixado de lado a Equivalência Ricardiana.
Assim, o próprio pensamento de Keynes, lembrado por vários economistas durante a
crise, ainda continua ignorado.
129
Conclusão
Neste presente trabalho, procuramos analisar o dinamismo e a eficácia da política fiscal
no sentido de como ela impacta a economia como um todo. Após a publicação da Teoria
Geral de Keynes, em 1936, a política fiscal ganhou importância como instrumento para
evitar que novas crises viessem a acontecer, e de fato ela foi utilizada pelos governos
como uma ferramenta de estimulo econômico. Dentro da chamada Síntese Neoclássica
não parecia haver discordância quanto ao papel reservado a esse tipo de política.
O pensamento original de Keynes sobre política fiscal indica que esta é um importante
instrumento para fomentar a economia, seja para tirá-la de uma eventual crise como para
evitá-la. Ele defendia que o gasto público, principalmente, em setores de infraestrutura, é
benéfico, pois possui efeitos multiplicadores elevados, gerando aumento de renda e,
consequentemente, se pagando no médio e longo prazo. Assim, a política fiscal é eficaz,
porque afeta a demanda e o estoque de capital na economia, ao mesmo tempo é dinâmica,
pois gera efeitos secundários, como o aumento das receitas fiscais.
Por outro lado, este autor rejeitava a redução de impostos como forma de estimular a
economia, pois, os agentes poderiam poupar e, simplesmente, não gastar. Dessa forma,
no pensamento de Keynes, o gasto público é preferível à diminuição de tributos, visto que
seu impacto seria mais direto.
Por fim, Keynes preferia que o Estado se financiasse por meio de dívida pública e não
por elevação pura e simples de impostos. Segundo ele, o financiamento via emissão de
dívida teria como efeito positivo de um lado, não deprimir consumo e, de outro por conta
de que o título público serve como alternativa para alocação de recursos financeiros
ociosos quando a preferência pela liquidez do público é exacerbada. Indo um pouco mais
além, seria ainda mais preferível o endividamento via emissão de títulos junto aos bancos,
pois, assim, não haveria transferências de recursos da poupança privada para o setor
público, visto que os bancos poderiam emitir moeda de crédito para adquirir esses títulos.
Contudo, a partir de meados dos anos 1960 e 1970, com as ideias keynesianas perdendo
força, o consenso sobre o papel da política fiscal foi sendo alterado, tomando um novo
rumo: medidas governamentais, como gasto público ou redução de impostos, são
incapazes de afetar a economia. Abria-se espaço para diminuição do papel do Estado na
economia.
130
Dentre as ideias que questionam a eficácia da política fiscal em afetar a economia está a
Equivalência Ricardiana, proposta inicialmente por Robert Barro. Segundo esse conceito,
déficit público, causado por redução de impostos e financiado por dívida pública, não
impacta o cenário econômico, pois os agentes interpretam que deverão pagar mais
impostos no futuro e por isso mantém o consumo inalterado, assim como a taxa de juros.
Nesse sentido, a política fiscal não possui nenhum efeito.
Isso abriu espaço para que as autoridades focassem apenas em manter a trajetória da
dívida pública estável como forma de não alterar as expectativas dos agentes racionais. O
foco deixou de ser a utilização dos instrumentos fiscais como forma de fomentar a
economia e evitar crises para atuar como um farol, indicando aos detentores de títulos
públicos que não haverá calotes e nem aumentos de impostos no futuro.
Dentro desse contexto, medidas discricionárias são rejeitadas em troca da adoção de
regras de condução, como exemplo mais claro a manutenção de superávits primários. O
equilíbrio orçamentário passa ser o centro gravitacional da atuação da política fiscal. De
outro lado, a política monetária, por meio de ajustes na taxa de juros, passa a ser o
instrumento principal de gestão da demanda e de estabilização. A política fiscal se torna
secundária, portanto.
Contudo, com a crise econômica de 2008, os governos adotaram, inicialmente, medidas
fiscais como forma de evitar seu aprofundamento. Como apontamos no capítulo 3, dentro
da literatura econômica, inclusive no pensamento ortodoxo, e na discussão pública, a
política fiscal voltou a ganhar maior peso. Com a incapacidade da política monetária, em
decorrência de seu limite inferior de zero, de gerir a demanda e fomentá-la, o foco voltou
para os impactos positivos tanto do gasto público como da redução de impostos. Não à
toa, a Equivalência Ricardiana foi fortemente questionada e ideias como de incentivar o
dispêndio governamental e seu consequente efeito multiplicador ganharam importância
mais recentemente.
Notamos que a discussão girou em torno de três pontos: financiamento do gasto público
ou da redução de impostos, a eficácia do gasto e questão temporal. No primeiro caso, a
dívida pública, ao contrário do que pressupõe a Equivalência Ricardiana, a dívida pública
pode exercer um impacto positivo, visto que em um contexto de alto endividamento dos
agentes, eles deixam de se preocupar com a renda futura e se importam com o momento
presente. Assim, com o déficit público sendo financiado pela dívida pública, as famílias
131
conseguem se desalavancar, estimulando o consumo e o investimento. Além do mais,
aumentar impostos é ruim, pois reduz ainda mais o consumo já estagnado. Nesse sentido,
há uma diferenciação clara entre dívida pública e impostos. Essa discussão está em
consonância com a proposta de Keynes: a forma de financiamento importa para que a
política fiscal seja eficaz.
Por outro lado, a literatura recente, com exceção da visão de austeridade expansionista,
reconhece que o gasto público é um importante instrumento para retirar a economia da
crise. Avalia-se não só apenas a existência de elevados multiplicadores fiscais em
períodos de crise, como o dispêndio público, em um cenário de taxa de juros próxima a
zero, evita um cenário de deflação, permitindo, com isso, a recuperação do investimento
e do consumo. O gasto público é eficaz, nesse sentido.
Mesmo assim, diferentemente do que proposto por Keynes, a adoção desses instrumentos
fiscais deve ficar reservado apenas aos momentos de crise, enquanto que, em situações
normais, a disciplina e o papel secundário devem ser mantidos pelas autoridades. Assim,
a política fiscal só é eficaz no curto prazo e de modo específico. No mais, vigora a ideia
de que ela é ineficaz no longo prazo. Ou seja, os resquícios da Equivalência Ricardiana
ainda se mantêm no pensamento econômico mainstream, quando se trata de longo prazo.
Além do mais, o que se nota dessa discussão é que não há diferenciação entre quais gastos
são mais eficazes. Para o pensamento ortodoxo apresentado no debate pós-crise,
independe a forma como o dispêndio é realizado – seja investimento público ou gasto
corrente -, visto que o único objetivo da política fiscal é apenas tirar a economia da crise,
eliminando qualquer papel mais ativo no longo prazo.
Dessa forma, é natural que a questão temporal fique restrita apenas ao curto prazo. Como
apresentamos, a base de todo pensamento ortodoxo é o equilíbrio geral. Se as próprias
forças de mercado levam ao equilíbrio da economia no longo período, então não há
qualquer papel ativo para a política fiscal, restando apenas manter a trajetória sustentável
das contas públicas para manter as expectativas racionais dos agentes positivas.
Como no longo prazo não há desequilíbrios, como no caso do mercado de trabalho, e o
crescimento econômico decorre, exclusivamente, dos fatores existentes na economia e
das empresas que promovem o progresso técnico, não cabe à política fiscal ajudar a
fomentar a economia. Nesse sentido, os impactos das ações fiscais se restringem a
situações específicas pelas quais passa a economia.
132
Podemos interpretar que esse debate sobre política fiscal no pós-crise adotou um caminho
intermediário entre a Equivalência Ricardiana e Keynes, no sentido de que não nega a
eficácia e o dinamismo da ação fiscal no curto prazo, mas reserva um papel secundário
no longo prazo. Os instrumentos fiscais, fundamentalmente, o gasto público, só
conseguem gerar resultados positivos em momentos de crise e em tempo limitado, mas
não o fazem em períodos mais distante no tempo, sobrando apenas a necessidade da
disciplina fiscal, independentemente das oscilações na economia, segundo aponta a
literatura mainstream na discussão pós-crise.
Apresentado de modo sumário o caminho percorrido por nosso trabalho, destacamos que
nosso objetivo era realizar crítica da Equivalência Ricardiana, por meio da análise de
Keynes sobre a eficácia e o dinamismo da política fiscal, no sentido de que ela é capaz de
influenciar a economia, gerando efeitos positivos tanto no curto quanto no longo prazo.
Procuramos demonstrar que a influência da política fiscal é muito mais complexa do que
supõe o simplismo da Equivalência Ricardiana, a qual se utiliza de muitos pressupostos
– inclusive irrealistas - para poder se concretizar. Para Keynes, a forma como é realizada
e financiada a política fiscal pode gerar impactos diferentes.
Mostramos que, pela existência do multiplicador fiscal e do gasto público impactar
positivamente o gasto privado, um eventual déficit público inicial não se traduzirá em
aumentos de impostos no futuro, pois o próprio gasto público gera suas próprias receitas.
A renda, nesse sentido, não é dada, como pressupõe a Equivalência Ricardiana, mas ela
é fruto do gasto e se eleva acima daquela que prevalecia antes do dispêndio inicial. É isso
que permite o dinamismo do gasto público.
Inclusive, Keynes mostrava uma clara preferência por financiar a despesa pública por
meio de títulos públicos ao invés de impostos, pois aqueles seriam alternativas de
alocação da riqueza dos agentes, enquanto a elevação indiscriminada do segundo geraria
redução da renda e do consumo. Nesse sentido, importa, sim, como o governo financia
seu déficit, segundo Keynes.
E por fim, se Keynes rejeitava a redução de impostos como forma de estímulo econômico,
ele defendia elevação de impostos progressivos – como sobre altas rendas e heranças –
como forma de alterar a distribuição de renda, tornando-a menos desigual e,
consequentemente, elevando a propensão a consumir da comunidade. Dessa forma, se na
Equivalência Ricardiana aumentos de impostos futuros não alteram o consumo, para
133
Keynes se houver aumento da tributação de modo progressivo o consumo irá se elevar e
não se estagnar.
Ressaltamos que a política fiscal para Keynes é bem mais complexa do que se supõe e
sua leitura muito mais rica do que as análises tradicionais feitas pelo próprio
keynesianismo ortodoxo. Existe uma lógica e, pode-se assim dizer, uma hierarquia em
termos de impactos na forma como governo realiza seu gasto – ou déficit – e como se
financia. Gerar simples déficits econômicos não é política fiscal saudável, inclusive, é
forma grosseira de interpretar Keynes. Pior ainda quando do déficit é gerado por gastos
como pagamento de juros que não geram qualquer efeito sobre o emprego e a renda,
tampouco qualquer efeito multiplicador, portanto, nunca se pagará.
Utilizando o arcabouço proposto por Keynes, vemos o quanto a forma como a política
fiscal executada é fundamental para impactar de modo positivo ou negativo a economia.
As análises sobre a forma como as medidas fiscais fluem sobre a economia devem levar
em conta as condições econômicas, assim como a política fiscal é realizada pelas
autoridades.
A política fiscal é um instrumento fundamental para reduzir – e tentar evitar – as
oscilações da economia. Quando executada por meio de gastos públicos e voltados para
aumento de estoque de capital, assim como adoção de uma tributação mais progressiva,
a ação fiscal possui efeitos positivos não só no curto prazo quanto no longo prazo.
Imaginando uma situação de grave crise econômica e elevado desemprego, não faz
sentido os agentes pouparem pensando no futuro, inclusive, porque eles não possuem
recursos para pouparem, pois, como discutido no capítulo 1, a renda – e
consequentemente a poupança – é resultado de gastos com investimento privado e
público.
Nessa situação, com consumo já estagnado devido ao desemprego, qualquer aumento na
renda decorrente da política fiscal servirá para os agentes gastarem e não,
necessariamente, guardarem, principalmente, os mais pobres que necessitam consumir o
básico ou mesmo pagar dívidas. Em um cenário de gravidade econômicos, os agentes
pensam mais no curto prazo do que no longo prazo.
De outro lado, a Equivalência Ricardiana parece presumir que toda forma de gasto
público é improdutiva. Contudo, ao contrário, o investimento público é importante não
134
apenas para fomentar o investimento privado e o emprego da comunidade, mas gera um
estoque de capital a ser utilizado pelas futuras gerações. A construção de estradas, portos,
aeroportos e etc. serão importantes para elevar a produtividade da economia no futuro.
Ou seja, os benefícios do gasto público hoje – financiado por dívida – serão usufruídos
pelas gerações futuras, as quais poderão viver em uma economia muito mais abundante.
Em função de sua eficácia e de se prolongar no longo prazo, a política fiscal é dinâmica,
pois seus efeitos não se reduzem ao curto prazo, mas, ao contrário, possui impactos
intertemporal. O gasto público além de gerar suas próprias receitas no médio e longo
prazo, permite construir bases para uma economia mais próspera e rica, de modo que os
agentes no momento presentes não precisam poupar recursos para seus descendentes, pois
estes não precisarão arcar com maior fardo dos impostos, já que suas rendas – via efeito
multiplicador - serão mais elevadas do que a de seus parentes no presente.
Pensando em termos de formulações de política econômica, nossa discussão e seus pontos
apresentados indicam possíveis caminhos. Adotando essa perspectiva proposta por
Keynes, políticas públicas que visem não apenas o crescimento da economia, mas a
diminuição das volatilidades intrínsecas da própria economia brasileira, pensar o desenho
de uma política fiscal nos moldes desenhados por Keynes é importante.
Se, como vimos, o investimento público é eficaz, no sentido de gerar impactos positivos
na economia, e dinâmico, uma estratégia calcada nesse elemento pode gerar resultados
positivos a curto e longo prazo para as economias, especialmente, para aquelas que
possuem deficiências em setores de infraestrutura, como no caso brasileiro e de outros
países em desenvolvimento.
Dar maior importância ao Estado na gestão econômica, e nesse caso, colocar a política
fiscal como um instrumento importante para sua realização, não se leva, naturalmente, à
substituição do gasto privado, como pressupõe a Equivalência Ricardiana e a visão
convencional de crowding out. Ao contrário, bem desenhada, política fiscal é um
complemento importante para o melhorar o ambiente no qual o setor privado toma suas
decisões não só no sentido de manutenção da eficiência marginal do capital mais elevada,
como pode ajudar a reduzir custos, no caso da infraestrutura. Desse modo, o gasto público
e privado não são rivais, mas complementares.
Inclusive, ao manter as expectativas de demanda futura mais altas, tornando
investimentos lucrativos, a atuação fiscal por parte do Estado possui um papel elementar
135
no próprio crescimento econômico, pois incentiva a realização dos investimentos,
inclusive em tecnologia – ainda que o gasto público não seja o único determinante para
tal. Além do mais, o próprio aumento do estoque de capital torna a sociedade mais rica.
Nesse sentido, a política fiscal, quando bem executada, é capaz de ajudar no crescimento
de longo prazo da economia.
E é preciso, ainda, que a política fiscal não deve ser utilizada apenas como um expediente
de curto prazo, voltado para resolver eventuais desequilíbrios momentâneos, como crise
econômica. Ela deva ser pensada como permanente e sua intensidade, no sentido de
maiores dispêndios, ajustadas de acordo com o ciclo econômico. O ponto fundamental
que queremos ressaltar é que as ações fiscais são importantes, justamente, para evitar que
novas crises econômicas de maior intensidade venham a acontecer. A política fiscal, nesse
sentido, é um colchão para amenizar as flutuações bruscas da economia, ainda que nunca
as elimine.
Reconhecer essa visão de Keynes, é mostrar que a economia não tende por suas próprias
forças – pelos mecanismos de mercado – atingir o equilíbrio, tal como proposto pelo
equilíbrio geral walrasiano. A existência da moeda e da incerteza, e o modo como esses
elementos afetam a tomada de decisões de criação de emprego e renda, podem dificultar
o investimento, possibilitando a existência do desemprego involuntário, o que é um claro
ponto de existência de desequilíbrio – neste caso, no mercado de trabalho - na economia.
Em uma economia monetária, tal como Keynes e demais autores alinhados com ele, a
volatilidade do investimento, fruto da moeda e da incerteza, colocam a necessidade de
um agente externo ao setor privado que possa gastar quando este último se retrai, inclusive
complementando-o e fomentando-o. Dessa forma, a política fiscal como um instrumento
permanente de atuação econômica é imprescindível em uma economia capitalista, pois
seu impacto não se restringe apenas a um curto período de tempo, mas no longo prazo,
também.
Diante dessa análise apresentada no trabalho, podemos concluir, também, que a disciplina
fiscal não deve ser um fim em si mesmo, mas resultado de uma política fiscal capaz de
ser dinâmica e eficaz em estimular a economia, gerando, inclusive suas próprias receitas
no futuro. Inclusive, próprio equilíbrio orçamentário é resultado de uma economia, em
que não haja grandes oscilações e o nível de emprego e renda sejam elevadas, e a política
fiscal é importante para atingir esses objetivos.
136
Se desejamos que no futuro crises econômicas como a de 2008 venham a ocorrer na
mesma intensidade, os economistas devem olhar com mais cuidado para a política fiscal
como instrumento fundamental para a economia e não como mero farol para manutenção
das expectativas dos agentes.
137
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