anderson - balanço do neoliberalismo

6
28/8/2014 BALANÇO DO NEOLIBERALISMO file:///C:/Users/Helder/Downloads/BALAN%C3%87O%20DO%20NEOLIBERALISMO.mht 1/6 BALANÇO DO NEOLIBERALISMO ( http://www.politica.pro.br/Cursos/curso_crises_aula1.htm ) *Perry Anderson Comecemos com as origens do que se pode definir do neoliberalismo como fenômeno distinto do simples liberalismo clássico, do século passado. O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o Partido Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria. A mensagem de Hayek é drástica: "Apesar de suas boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna". Três anos depois, em 1947, enquanto as bases do Estado de bem-estar na Europa do pós-guerra efetivamente se construíam, não somente na Inglaterra, mas também em outros países, neste momento Hayek convocou aqueles que compartilhavam sua orientação ideológica para uma reunião na pequena estação de Mont Pèlerin, na Suíça. Entre os célebres participantes estavam não somente adversários firmes do Estado de bem-estar europeu, mas também inimigos férreos do New Deal norte-americano. Na seleta assistência encontravam-se Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. Aí se fundou a Sociedade de Mont Pèlerin, uma espécie de franco-maçonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniões internacionais a cada dois anos. Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. As condições para este trabalho não eram de todo favoráveis, uma vez que o capitalismo avançado estava entrando numa longa fase de auge sem precedentes – sua idade de ouro –, apresentando o crescimento mais rápido da história, durante as décadas de 50 e 60. Por esta razão, não pareciam muito verossímeis os avisos neoliberais dos perigos que representavam qualquer regulação do mercado por parte do Estado. A polêmica contra a regulação social, no entanto, tem uma repercussão um pouco maior. Hayek e seus companheiros argumentavam que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período, promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam as sociedades ocidentais. Esta mensagem permaneceu na teoria por mais ou menos 20 anos. A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais. Esses dois processos destruíram os níveis necessários de lucros das empresas e desencadearam processos inflacionários que não podiam deixar de terminar numa crise generalizada das economias de mercado. O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa "natural" de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Desta forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avançadas, então às voltas com uma estagflação, resultado direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a intervenção anticíclica e a redistribuição social, as quais haviam tão desastrosamente deformado o curso normal da acumulação e do livre mercado. O crescimento retornaria quando a estabilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido restituídos. A hegemonia deste programa não se realizou do dia para a noite. Levou mais ou menos uma década, os anos 70, quando a maioria dos governos da OCDE – Organização Européia para o Comércio e Desenvolvimento – tratava de aplicar remédios keynesianos às crises econômicas. Mas, ao final da década, em 1979, surgiu a oportunidade. Na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do bem-estar escandinavo,

Upload: helder

Post on 16-Nov-2015

17 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

neoliberalismo

TRANSCRIPT

  • 28/8/2014 BALANO DO NEOLIBERALISMO

    file:///C:/Users/Helder/Downloads/BALAN%C3%87O%20DO%20NEOLIBERALISMO.mht 1/6

    BALANO DO NEOLIBERALISMO

    ( http://www.politica.pro.br/Cursos/curso_crises_aula1.htm )

    *Perry Anderson

    Comecemos com as origens do que se pode definir do neoliberalismo como fenmeno distinto do simples liberalismoclssico, do sculo passado. O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na regio da Europa e da Amricado Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reao terica e poltica veemente contra o Estado intervencionista e debem-estar. Seu texto de origem O Caminho da Servido, de Friedrich Hayek, escrito j em 1944. Trata-se de um ataqueapaixonado contra qualquer limitao dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaaletal liberdade, no somente econmica, mas tambm poltica. O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o PartidoTrabalhista ingls, s vsperas da eleio geral de 1945 na Inglaterra, que este partido efetivamente venceria. A mensagemde Hayek drstica: "Apesar de suas boas intenes, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo desastreque o nazismo alemo uma servido moderna".

    Trs anos depois, em 1947, enquanto as bases do Estado de bem-estar na Europa do ps-guerra efetivamente seconstruam, no somente na Inglaterra, mas tambm em outros pases, neste momento Hayek convocou aqueles quecompartilhavam sua orientao ideolgica para uma reunio na pequena estao de Mont Plerin, na Sua. Entre osclebres participantes estavam no somente adversrios firmes do Estado de bem-estar europeu, mas tambm inimigosfrreos do New Deal norte-americano. Na seleta assistncia encontravam-se Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins,Ludwig Von Mises, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros. A se fundou aSociedade de Mont Plerin, uma espcie de franco-maonaria neoliberal, altamente dedicada e organizada, com reuniesinternacionais a cada dois anos. Seu propsito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as basesde um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. As condies para este trabalho no eram de todofavorveis, uma vez que o capitalismo avanado estava entrando numa longa fase de auge sem precedentes sua idade deouro , apresentando o crescimento mais rpido da histria, durante as dcadas de 50 e 60. Por esta razo, no pareciammuito verossmeis os avisos neoliberais dos perigos que representavam qualquer regulao do mercado por parte doEstado. A polmica contra a regulao social, no entanto, tem uma repercusso um pouco maior. Hayek e seuscompanheiros argumentavam que o novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste perodo, promovido peloEstado de bem-estar, destrua a liberdade dos cidados e a vitalidade da concorrncia, da qual dependia a prosperidade detodos. Desafiando o consenso oficial da poca, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo na realidadeimprescindvel em si , pois disso precisavam as sociedades ocidentais. Esta mensagem permaneceu na teoria por mais oumenos 20 anos.

    A chegada da grande crise do modelo econmico do ps-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avanado caiunuma longa e profunda recesso, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflao,mudou tudo. A partir da as idias neoliberais passaram a ganhar terreno. As razes da crise, afirmavam Hayek e seuscompanheiros, estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimentooperrio, que havia corrodo as bases de acumulao capitalista com suas presses reivindicativas sobre os salrios e comsua presso parasitria para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais.

    Esses dois processos destruram os nveis necessrios de lucros das empresas e desencadearam processos inflacionriosque no podiam deixar de terminar numa crise generalizada das economias de mercado. O remdio, ento, era claro: manterum Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todosos gastos sociais e nas intervenes econmicas. A estabilidade monetria deveria ser a meta suprema de qualquergoverno. Para isso seria necessria uma disciplina oramentria, com a conteno dos gastos com bem-estar, e arestaurao da taxa "natural" de desemprego, ou seja, a criao de um exrcito de reserva de trabalho para quebrar ossindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindveis, para incentivar os agentes econmicos. Em outras palavras,isso significava redues de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Desta forma, uma nova esaudvel desigualdade iria voltar a dinamizar as economias avanadas, ento s voltas com uma estagflao, resultadodireto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a interveno anticclica e a redistribuio social, asquais haviam to desastrosamente deformado o curso normal da acumulao e do livre mercado. O crescimento retornariaquando a estabilidade monetria e os incentivos essenciais houvessem sido restitudos.

    A hegemonia deste programa no se realizou do dia para a noite. Levou mais ou menos uma dcada, os anos 70, quando amaioria dos governos da OCDE Organizao Europia para o Comrcio e Desenvolvimento tratava de aplicar remdioskeynesianos s crises econmicas. Mas, ao final da dcada, em 1979, surgiu a oportunidade. Na Inglaterra, foi eleito ogoverno Thatcher, o primeiro regime de um pas de capitalismo avanado publicamente empenhado em pr em prtica oprograma neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou presidncia dos Estados Unidos. Em 1982, Khol derrotou oregime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do bem-estar escandinavo,

    http://www.politica.pro.br/Cursos/curso_crises_aula1.htm

  • 28/8/2014 BALANO DO NEOLIBERALISMO

    file:///C:/Users/Helder/Downloads/BALAN%C3%87O%20DO%20NEOLIBERALISMO.mht 2/6

    caiu sob o controle de uma coalizo clara de direita, o governo de Schluter. Em seguida, quase todos os pases do norte daEuropa ocidental, com exceo da Sucia e da ustria, tambm viraram direita. A partir da, a onda de direitizao dessesanos tinha um fundo poltico para alm da crise econmica do perodo. Em 1978, a segunda guerra fria eclodiu com ainterveno sovitica no Afeganisto e a deciso norte-americana de incrementar uma nova gerao de foguetes nuclearesna Europa ocidental. O iderio do neoliberalismo havia sempre includo, como componente central, o anticomunismo maisintransigente de todas as correntes capitalistas do ps-guerra. O novo combate contra o imprio do mal a servidohumana mais completa aos olhos de Hayek inevitavelmente fortaleceu o poder de atrao do neoliberalismo poltico,consolidando o predomnio da nova direita na Europa e na Amrica do Norte. Os anos 80 viram o triunfo mais ou menosincontrastado da ideologia neoliberal nesta regio do capitalismo avanado.

    O que fizeram, na prtica, os governos neoliberais deste perodo? O modelo ingls foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o maispuro. Os governos Thatcher contraram a emisso monetria, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente osimpostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram nveis de desempregomassivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislao anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente esta foiuma medida surpreendentemente tardia , se lanaram num amplo programa de privatizao, comeando por habitaopblica e passando em seguida a indstrias bsicas como o ao, a eletricidade, o petrleo, o gs e a gua. Esse pacote demedidas o mais sistemtico e ambicioso de todas as experincias neoliberais em pases de capitalismo avanado.

    A variante norte-americana era bem distinta. Nos Estados Unidos, onde quase no existia um Estado de bem-estar do tipoeuropeu, a prioridade neoliberal era mais a competio militar com a Unio Sovitica, concebida como uma estratgia paraquebrar a economia sovitica e, por esta via, derrubar o regime comunista na Rssia. Deve-se ressaltar que, na polticainterna, Reagan tambm reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as taxas de juros e aplastou a nica greve sria desua gesto. Mas, decididamente, no respeitou a disciplina oramentria; ao contrrio, lanou-se numa corridaarmamentista sem precedentes, envolvendo gastos militares enormes, que criaram um dficit pblico muito maior do quequalquer outro presidente da histria norte-americana. Mas esse recurso a um keynesianismo militar disfarado, decisivopara uma recuperao das economias capitalistas da Europa ocidental e da Amrica do Norte, no foi imitado. Somente osEstados Unidos, por causa de seu peso na economia mundial, podiam dar-se ao luxo do dficit massivo na balana depagamentos que resultou de tal poltica.

    No continente europeu, os governos de direita deste perodo amide com fundo catlico praticaram em geral umneoliberalismo mais cauteloso e matizado que as potncias anglo-saxnicas, mantendo a nfase na disciplina oramentria enas reformas fiscais, mais do que em cortes brutais de gastos sociais ou enfrentamentos deliberados com os sindicatos.Contudo, a distncia entre estas polticas e as da social-democracia governante anterior j era grande. E, enquanto a maioriados pases no norte da Europa elegia governos de direita empenhados em vrias verses do neoliberalismo, no sul docontinente territrio de De Gaulle, Franco, Salazar, Fanfani, Papadopoulos, etc. , previamente uma regio muito maisconservadora politicamente, chegavam ao poder, pela primeira vez, governos de esquerda, chamados de euro-socialistas:Miterrand, na Frana; Gonzlez, na Espanha; Soares, em Portugal; Craxi, na Itlia; Papandreou, na Grcia. Todos seapresentavam como uma alternativa progressista, baseada em movimentos operrios ou populares, contrastando com alinha reacionria dos governos de Reagan, Thatcher, Khol e outros do norte da Europa. No h dvida, com efeito, de quepelo menos Miterrand e Papandreou, na Frana e na Grcia, genuinamente se esforaram para realizar uma poltica dedeflao e redistribuio, de pleno emprego e de proteo social. Foi uma tentativa de criar um equivalente no sul da Europado que havia sido a social-democracia do ps-guerra no norte do continente em seus anos de ouro. Mas o projetofracassou, e j em 1982 e 1983 o governo socialista na Frana se viu forado pelos mercados financeiros internacionais amudar seu curso dramaticamente e reorientar-se para fazer uma poltica muito prxima ortodoxia neoliberal, com prioridadepara a estabilidade monetria, a conteno do oramento, concesses fiscais aos detentores de capital e abandono dopleno emprego. No final da dcada, o nvel de desemprego na Frana socialista era mais alto do que na Inglaterraconservadora, como Thatcher se gabava amide de assinalar. Na Espanha, o governo de Gonzlez jamais tratou de realizaruma poltica keynesiana ou redistributiva. Ao contrrio, desde o incio o regime do partido no poder se mostrou firmementemonetarista em sua poltica econmica: grande amigo do capital financeiro, favorvel ao princpio de privatizao e serenoquando o desemprego na Espanha rapidamente alcanou o recorde europeu de 20% da populao ativa.

    Enquanto isso, no outro lado do mundo, na Austrlia e na Nova Zelndia, o mesmo padro assumiu proporesverdadeiramente dramticas. Sucessivos governos trabalhistas ultrapassaram os conservadores locais de direita comprogramas de neoliberalismo radical na Nova Zelndia, provavelmente o exemplo mais extremo de todo o mundocapitalista avanado, desmontando o Estado de bem-estar muito mais completa e ferozmente do que Thatcher na Inglaterra.

    O que demonstravam estas experincias era a hegemonia alcanada pelo neoliberalismo como ideologia. No incio, somentegovernos explicitamente de direita radical se atreveram a pr em prtica polticas neoliberais; depois, qualquer governo,inclusive os que se autoproclamavam e se acreditavam de esquerda, podia rivalizar com eles em zelo neoliberal. Oneoliberalismo havia comeado tomando a social-democracia como sua inimiga central, em pases de capitalismo avanado,provocando uma hostilidade recproca por parte da social-democracia. Depois, os governos social-democratas semostraram os mais resolutos em aplicar polticas neoliberais. Nem todas as social-democracias, bem entendido. Ao final dos

  • 28/8/2014 BALANO DO NEOLIBERALISMO

    file:///C:/Users/Helder/Downloads/BALAN%C3%87O%20DO%20NEOLIBERALISMO.mht 3/6

    anos 80, a Sucia e a ustria ainda resistiam onda neoliberal da Europa. E, fora do continente europeu, o Japo tambmcontinuava isento de qualquer presso ou tentao neoliberal. Mas, nos demais pases da OCDE, as idias da Sociedade deMont Plerin haviam triunfado plenamente. Poder-se-ia perguntar qual a avaliao efetiva da hegemonia neoliberal nomundo capitalista avanado, pelo menos durante os anos 80. Cumpriu suas promessas ou no? Vejamos o panorama deconjunto. A prioridade mais imediata do neoliberalismo era deter a grande inflao dos anos 70. Nesse aspecto, seu xito foiinegvel. No conjunto dos pases da OCDE, R taxa de inflao caiu de 8,8% para 5,2%, entre os anos 70 e 80, e a tendnciade queda continua nos anos 90. A deflao, por sua vez, deveria ser a condio para a recuperao dos lucros. Tambmnesse sentido o neoliberalismo obteve xitos reais. Se, nos anos 70, a taxa de lucro das indstrias nos pases da OCDE caiuem cerca de 4,2%, nos anos 80 aumentou 4,7%. Essa recuperao foi ainda mais impressionante na Europa Ocidental comoum todo, de 5,4 pontos negativos para 5,3 pontos positivos. A razo principal dessa transformao foi, sem dvida, aderrota do movimento sindical, expressado na queda drstica do nmero de greves durante os anos 80 e numa notvelconteno dos salrios. Essa nova postura sindical, muito mais moderada, por sua vez, em grande parte era produto de umterceiro xito do neoliberalismo, ou seja, o crescimento das taxas de desemprego, concebido como um mecanismo natural enecessrio de qualquer economia de mercado eficiente. A taxa mdia de desemprego nos pases da OCDE, que havia ficadoem torno de 4% nos anos 70, pelo menos duplicou na dcada de 80. Tambm este foi um resultado satisfatrio. Finalmente,o grau de desigualdade outro objetivo sumamente importante para o neoliberalismo aumentou significativamente noconjunto dos pases da OCDE: a tributao dos salrios mais altos caiu 20% em mdia nos anos 80, e os valores das bolsasaumentaram quatro vezes mais rapidamente do que os salrios.

    Ento, em todos estes itens, deflao, lucros, empregos e salrios, podemos dizer que o programa neoliberal se mostrourealista e obteve xito. Mas, no final das contas, todas estas medidas haviam sido concebidas como meios para alcanar umfim histrico, ou seja, a reanimao do capitalismo avanado mundial, restaurando taxas altas de crescimento estveis,como existiam antes da crise dos anos 70. Nesse aspecto, no entanto, o quadro se mostrou absolutamente decepcionante.Entre os anos 70 e 80 no houve nenhuma mudana nenhuma na taxa de crescimento, muito baixa nos pases da OCDE.Dos ritmos apresentados durante o longo auge, nos anos 50 e 60, restam somente uma lembrana distante.

    Qual seria a razo deste resultado paradoxal? Sem nenhuma dvida, o fato de que apesar de todas as novas condiesinstitucionais criadas em favor do capital a taxa de acumulao, ou seja, da efetiva inverso em um parque deequipamentos produtivos, no apenas no cresceu durante os anos 80, como caiu em relao a seus nveis j mdios dos anos 70. No conjunto dos pases de capitalismo avanado, as cifras so de um incremento anual de 5,5% nos anos 60,de 3,6% nos anos 70, e nada mais do que 2,9% nos anos 80. Uma curva absolutamente descendente.

    Cabe perguntar por que a recuperao dos lucros no levou a uma recuperao dos investimentos. Essencialmente, pode-se dizer, porque a desregulamentao financeira, que foi um elemento to importante do programa neoliberal, crioucondies muito mais propcias para a inverso especulativa do que produtiva. Durante os anos 80 aconteceu umaverdadeira exploso dos mercados de cmbio internacionais, cujas transaes, puramente monetrias, acabaram pordiminuir o comrcio mundial de mercadorias reais. O peso de operaes puramente parasitrias teve um incrementovertiginoso nestes anos. Por outro lado e este foi, digamos, o fracasso do neoliberalismo , o peso do Estado de bem-estar no diminuiu muito, apesar de todas as medidas tomadas para conter os gastos sociais. Embora o crescimento daproporo do produto bruto nacional consumida pelo Estado tenha sido notavelmente desacelerado, a proporo absolutano caiu, mas aumentou, de mais ou menos 46% para 48% do PNB mdio dos pases da OCDE durante os anos 80. Duasrazes bsicas explicam este paradoxo: o aumento dos gastos sociais com o desemprego, que custaram bilhes ao Estado, eo aumento demogrfico dos aposentados na populao, que levou o Estado a gastar outros bilhes em penses.

    Por fim, ironicamente, quando o capitalismo avanado entrou de novo numa profunda recesso, em 1991, a dvida pblicade quase todos os pases ocidentais comeou a reassumir dimenses alarmantes, inclusive na Inglaterra e nos EstadosUnidos, enquanto que o endividamento privado das famlias e das empresas chegava a nveis sem precedentes desde a IIGuerra Mundial. Atualmente, com a recesso dos primeiros anos da dcada de 90, todos os ndices econmicos tornaram-semuito sombrios nos pases da OCDE, onde, presentemente, h cerca de 38 milhes de desempregados, aproximadamenteduas vezes a populao total da Escandinvia. Nestas condies de crise muito aguda, pela lgica, era de se esperar umaforte reao contra o neoliberalismo nos anos 90. Isso aconteceu? Ao contrrio, por estranho que parea, o neoliberalismoganhou um segundo alento, pelo menos em sua terra natal, a Europa. No somente o thatcherismo sobreviveu prpriaThatcher, com a vitria de Major nas eleies de 1992 na Inglaterra. Na Sucia, a social-democracia, que havia resistido aoavano neoliberal nos anos 80, foi derrotada por uma frente unida de direita em 1991. O socialismo francs saiu bastantedesgastado das eleies de 1993. Na Itlia, Berlusconi uma espcie de Reagan italiano chegou ao poder frente de umacoalizo na qual um dos integrantes era um partido oficialmente facista at recentemente. Na Alemanha, o governo de Kohlprovavelmente continuar no poder. Na Espanha, a direita est s portas do poder.

    Mas, para alm desses xitos eleitorais, o projeto neoliberal continua a demonstrar uma vitalidade impressionante. Seudinamismo no est ainda esgotado, como se pode ver na nova onda de privatizaes em pases at recentemente bastanteresistentes a elas, como Alemanha, ustria e Itlia. A hegemonia neoliberal se expressa igualmente no comportamento departidos e governos que formalmente se definem como seus opositores. A primeira prioridade do presidente Clinton, nos

  • 28/8/2014 BALANO DO NEOLIBERALISMO

    file:///C:/Users/Helder/Downloads/BALAN%C3%87O%20DO%20NEOLIBERALISMO.mht 4/6

    Estados Unidos, foi reduzir o dficit oramentrio, e a segunda foi adotar uma legislao draconiana e regressiva contra adelinqncia, lema principal tambm da nova liderana trabalhista na Inglaterra. O temrio poltico segue sendo ditado pelosparmetros do neoliberalismo, mesmo quando seu momento de atuao econmica parece amplamente estril oudesastroso. Como explicar esse segundo alento no mundo capitalista avanado? Uma de suas razes fundamentais foiclaramente a vitria do neoliberalismo em outra rea do mundo, ou seja, a queda do comunismo na Europa oriental e naUnio Sovitica, de 89 a 91, exatamente no momento em que os limites do neoliberalismo no prprio Ocidente tornavam-secada vez mais bvios. Pois a vitria do Ocidente na guerra fria, com o colapso de seu adversrio comunista, no foi otriunfo de qualquer capitalismo, mas o do tipo especfico liderado e simbolizado por Reagan e Thatcher nos anos 80. Osnovos arquitetos das economias ps-comunistas no Leste, gente como Balcerovicz na Polnia, Gaidar na Rssia, Klaus, naRepblica Tcheca, eram e so seguidores convictos de Hayek e Friedman, com um menosprezo total pelo keynesianismo epelo Estado de bem-estar, pela economia mista e, em geral, por todo o modelo dominante do capitalismo ocidental doperodo ps-guerra. Estas lideranas polticas preconizam e realizam privatizaes muito mais amplas e rpidas do quehaviam sido feitas no Ocidente. Para sanear suas economias, aceitam quedas de produo infinitamente mais drsticas doque haviam sido aceitas no Ocidente. E promovem graus de desigualdade sobretudo de empobrecimento da maior parteda populao muito mais brutais do que tnhamos visto nos pases do Ocidente.

    No h neoliberais mais intransigentes no mundo do que os "reformadores" do Leste. Dois anos atrs, Vaclav Klaus,primeiro-ministro da Repblica Tcheca, atacou publicamente o presidente do Federal Reserve Bank dos Estados Unidos nogoverno Reagan, Allan Greenspan, acusando-o de demonstrar debilidade e frouxido lamentveis em sua poltica monetria.Em artigo para a revista The Economist, Klaus foi incisivo: "O sistema social da Europa ocidental est demasiadamenteamarrado por regras e pelo controle social excessivo. O Estado de bem-estar, com todas as suas transferncias depagamentos generosos desligados de critrios, de esforos ou de mritos, destri a moralidade bsica do trabalho e osentido de responsabilidade individual. H excessiva proteo e burocracia. Deve-se dizer que a revoluo thatcheriana, ouseja, antikeynesiana ou liberal, parou numa avaliao positiva no meio do caminho na Europa ocidental e precisocomplet-la". Bem entendido, esse tipo de extremismo neoliberal, por influente que seja nos pases ps-comunistas, tambmdesencadeou uma reao popular, como se pde ver nas ltimas eleies na Polnia, na Hungria e na Litunia, ondepartidos ex-comunistas ganharam e agora governam de novo seus pases. Mas, na prtica, suas polticas no governo nose distinguem muito daquela de seus adversrios declaradamente neoliberais. A deflao, a desmontagem de serviospblicos, as privatizaes de empresas, o crescimento de capital corrupto e a polarizao social seguem, um pouco menosrapidamente, porm com o mesmo rumo. A analogia com o euro-socialismo do sul da Europa evidente. Em ambos os casosh uma variante mansa pelo menos no discurso, seno sempre nas aes de um paradigma neoliberal comum na direita ena esquerda oficial. O dinamismo continuado do neoliberalismo como fora ideolgica em escala mundial est sustentadoem grande parte, hoje, por este "efeito de demonstrao" do mundo ps-sovitico. Os neoliberais podem gabar-se de estar frente de uma transformao scio-econmica gigantesca, que vai perdurar por dcadas.

    O impacto do triunfo neoliberal no leste europeu tardou a ser sentido em outras partes do globo, particularmente, pode-sedizer, aqui na Amrica Latina, que hoje em dia se converte na terceira grande cena de experimentaes neoliberais. De fato,ainda que em seu conjunto tenha chegado a hora das privatizaes massivas, depois dos pases da OCDE e da antigaUnio Sovitica, genealogicamente este continente foi testemunha da primeira experincia neoliberal sistemtica do mundo.Refiro-me, bem entendido, ao Chile sob a ditadura de Pinochet. Aquele regime tem a honra de ter sido o verdadeiro pioneirodo ciclo neoliberal da histria contempornea. O Chile de Pinochet comeou seus programas de maneira dura: desregulao,desemprego massivo, represso sindical, redistribuio de renda em favor dos ricos, privatizao de bens pblicos. Tudoisso foi comeado no Chile, quase um decnio antes de Thatcher, na Inglaterra. No Chile, naturalmente, a inspirao tericada experincia pinochetista era mais norte-americana do que austraca. Friedman, e no Hayek, como era de se esperar nasAmricas. Mas de se notar que a experincia chilena dos anos 70 interessou muitssimo a certos conselheiros britnicosimportantes para Thatcher, e que sempre existiram excelentes relaes entre os dois regimes nos anos 80. O neoliberalismochileno, bem entendido, pressupunha a abolio da democracia e a instalao de uma das mais cruis ditaduras militares dops-guerra. Mas a democracia em si mesma como explicava incansavelmente Hayek jamais havia sido um valor centraldo neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava Hayek, podiam facilmente tornar-se incompatveis, se a maioriademocrtica decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econmico de dispor de sua renda e de suapropriedade como quisesse. Nesse sentido, Friedman e Hayek podiam olhar com admirao a experincia chilena, semnenhuma inconsistncia intelectual ou compromisso de seus princpios. Mas esta admirao foi realmente merecida, dadoque diferena das economias de capitalismo avanado sob os regimes neoliberais dos anos 80 a economia chilenacresceu a um ritmo bastante rpido sob o regime de Pinochet, como segue fazendo com a continuidade da polticaeconmica dos governos ps-Pinochet dos ltimos anos.

    Se o Chile, nesse sentido, foi a experincia-piloto para o novo neoliberalismo dos pases avanados do Ocidente, a AmricaLatina tambm proveu a experincia-piloto para o neoliberalismo do Oriente ps-sovitico. Aqui me refiro, bem entendido, Bolvia, onde, em 1985, Jeffrey Sachs j aperfeioou seu tratamento de choque, mais tarde aplicado na Polnia e na Rssia,mas preparado originariamente para o governo do general Banzer, depois aplicado imperturbavelmente por Victor PazEstenssoro, quando surpreendentemente este ltimo foi eleito presidente, em vez de Banzer. Na Bolvia, no fundo da

  • 28/8/2014 BALANO DO NEOLIBERALISMO

    file:///C:/Users/Helder/Downloads/BALAN%C3%87O%20DO%20NEOLIBERALISMO.mht 5/6

    experincia no havia necessidade de quebrar um movimento operrio poderoso, como no Chile, mas parar a hiperinflao.E o regime que adotou o plano de Sachs no era nenhuma ditadura, mas o herdeiro do partido populista que havia feito arevoluo social de 1952. Em outras palavras, a Amrica Latina tambm iniciou a variante neoliberal "progressista", maistarde difundida no sul da Europa, nos anos de euro-socialismo. Mas o Chile e a Bolvia eram experincias isoladas at ofinal dos anos 80.

    A virada continental em direo ao neoliberalismo no comeou antes da presidncia de Salinas, no Mxico, em 88, seguidada chegada ao poder de Menem, na Argentina, em 89, da segunda presidncia de Carlos Andrs Perez, no mesmo ano, naVenezuela, e da eleio de Fujimori, no Peru, em 90. Nenhum desses governantes confessou ao povo, antes de ser eleito, oque efetivamente fez depois de eleito. Menem, Carlos Andrs e Fujimori, alis, prometeram exatamente o oposto daspolticas radicalmente antipopulistas que implementaram nos anos 90. E Salinas, notoriamente, no foi sequer eleito, masroubou as eleies com fraudes.

    Das quatro experincias viveis desta dcada, podemos dizer que trs registraram xitos impressionantes a curto prazo Mxico, Argentina e Peru e uma fracassou: Venezuela. A diferena significativa. A condio poltica da deflao, dadesregulamentao, do desemprego, da privatizao das economias mexicana, argentina e peruana foi uma concentrao depoder executivo formidvel: algo que sempre existiu no Mxico, um regime de partido nico, com efeito, mas Menem eFujimori tiveram de inovar na Argentina e no Peru com uma legislao de emergncia, autogolpes e reforma da Constituio.Esta dose de autoritarismo poltico no foi factvel na Venezuela, com sua democracia partidria mais contnua e slida doque em qualquer outro pas da Amrica do Sul, o nico a escapar de ditaduras militares e de regimes oligrquicos desde osanos 50. Da o colapso da segunda presidncia de Carlos Andrs.

    Mas seria arriscado concluir que somente regimes autoritrios podem impor com xito polticas neoliberais na AmricaLatina. A Bolvia, onde todos os governos eleitos depois de 1985, tanto de Paz Zamora, quanto de Sanchez Losada,continuaram com a mesma linha, est a para comprovar o oposto. A lio que fica da longa experincia boliviana esta: hum equivalente funcional ao trauma da ditadura militar como mecanismo para induzir democrtica e no coercitivamente umpovo a aceitar polticas neoliberais das mais drsticas. Este equivalente a hiperinflao. Suas conseqncias so muitoparecidas. Recordo-me de uma conversa que tive no Rio de Janeiro, em 1987, quando era consultor de uma equipe do BancoMundial e fazia uma anlise comparativa de cerca de 24 pases do Sul, no que tocava a polticas econmicas. Um amigoneoliberal da equipe, sumamente inteligente, economista destacado, grande admirador da experincia chilena sob o regimede Pinochet, confiou-me que o problema crtico no Brasil durante a presidncia de Sarney no era uma taxa de inflaodemasiado alta como a maioria dos funcionrios do Banco Mundial tolamente acreditava , mas uma taxa de inflaodemasiado baixa. "Esperemos que os diques se rompam", ele disse, "precisamos de uma hiperinflao aqui, paracondicionar o povo a aceitar a medicina deflacionria drstica que falta neste pas". Depois, como sabemos, a hiperinflaochegou ao Brasil, e as conseqncias prometem ou ameaam como se queira confirmar a sagacidade deste neoliberalindiano.

    A pergunta que est aberta se o neoliberalismo encontrar mais ou menos resistncia implementao duradoura dosseus projetos aqui na Amrica Latina do que na Europa ocidental ou na antiga Unio Sovitica. Seria o populismo ouobreirismo latino-americano um obstculo mais fcil ou mais difcil para a realizao dos planos neoliberais do que asocial-democracia reformista ou o comunismo? No vou entrar nesta questo, uma vez que outros aqui podem julgar melhordo que eu. Sem dvida, a resposta vai depender tambm do destino do neoliberalismo fora da Amrica Latina, ondecontinua avanando em terras at agora intocadas por sua influncia. Atualmente, na sia, por exemplo, a economia dandia comea, pela primeira vez, a ser adaptada ao paradigma liberal, e at mesmo o Japo no est totalmente imune spresses norte-americanas para abolir regras. A regio do capitalismo mundial que apresenta mais xitos nos ltimos 20anos tambm a menos neoliberal, ou seja, as economias do extremo oriente Japo, Coria, Formosa, Cingapura, Malsia.Por quanto tempo estes pases permanecero fora da esfera de influncia do neoliberalismo? Tudo que podemos dizer queeste um movimento ideolgico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido nopassado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo omundo sua imagem, em sua ambio estrutural e sua extenso internacional. Eis a algo muito mais parecido ao movimentocomunista de ontem do que ao liberalismo ecltico e distendido do sculo passado.

    Nesse sentido, qualquer balano atual do neoliberalismo s pode ser provisrio. Este um movimento ainda inacabado. Porenquanto, porm, possvel dar um veredicto acerca de sua atuao durante quase 15 anos nos pases mais ricos domundo, a nica rea onde seus frutos parecem, podemos dizer assim, maduros. Economicamente, o neoliberalismofracassou, no conseguindo nenhuma revitalizao bsica do capitalismo avanado. Socialmente, ao contrrio, oneoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora no todesestatizadas como queria. Poltica e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcanou xito num grau com o qual seusfundadores provavelmente jamais sonham, disseminando a simples idia de que no h alternativas para os seus princpios,que todos, seja confessando ou negando, tm de adaptar-se a suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoriaconvencional conseguiu um predomnio to abrangente desde o incio do sculo como o neoliberal hoje. Este fenmenochama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhes de pessoas no acreditem em suas receitas e resistam a seus

  • 28/8/2014 BALANO DO NEOLIBERALISMO

    file:///C:/Users/Helder/Downloads/BALAN%C3%87O%20DO%20NEOLIBERALISMO.mht 6/6

    regimes. A tarefa de seus opositores a de oferecer outras receitas e preparar outros regimes. Apenas no h como preverquando ou onde vo surgir. Historicamente, o momento de virada de uma onda uma surpresa.

    ___________________

    ANDERSON, Perry. Balano do neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Ps-neoliberalismo: aspolticas sociais e o Estado democrtico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, pp. 09-23.