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ARTIGO ORIGINAL Ciências Básicas e Experimental © Acta Scientiae Medica (2012) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO ISSN (on-line) 1983-6805 43 na pelve, onde os ovários encontram sua posição definitiva, geralmente no 9o mês de vida intra-uterina (Philocreon, 1999; Moore & Persaud, 2000). Anatomia dos ovários: considerações clínico-patológicas MARCIO ANTONIO BABINSKI Departamento de Morfologia, Instituto Biomédico – Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói RJ, Brasil RESUMO Este artigo de revisão sobre a anatomia clínica dos ovários tem o objetivo de servir de roteiro aos alunos que estão iniciando os diversos cursos na área de saúde e, como roteiro, não tem a pretensão de ser completo. A leitura das obras citadas na lista referências ampliará e solidificará os conhecimentos aqui auferidos, lembrando que a complementação com aulas práticas no laboratório é fundamental. Palavras-Chave: Anatomia, Ovários, Ensino. INTRODUÇÃO ANATOMIA DOS OVÁRIOS Os ovários formam o par de órgãos sexuais primários mulher que produzem os ovócitos (óvulos) e os hormônios sexuais, como estrógenos e progesterona. São por isso considerados órgãos importantes do aparelho reprodutor feminino e são homólogos com os testículos (Van- de-Graaff, 2003). Possuem duas funções distintas, porém intimamente relacionadas e interdependentes: a) a função reprodutiva, representada pela ovogênese; b) a função trófico-morfogenética, com ações hormonais (progesterona e estrogênio) de abrangência bem mais ampla que a primeira, pois atua em todo o ser da mulher, soma e psiquê, representada pela esteoroidopoiese (Philocreon, 1999; Young, 2001). Situação Os ovários estão situados na cavidade pélvica, em geral 8 a 10mm abaixo da abertura superior da pelve, na chamada fosseta ovárica (Figura 1,2). Seu eixo maior tem obliqüidade súpero-inferior, látero-medial e ântero-posterior. Encontram-se em posição ântero-lateral em relação ao reto, posterior ao ligamento largo e 15 a 20mm à frente da articulação sacroilíaca (Figura 3) (Testut, 1921; Latarjet & Liard, 1993; Williams et al., 1995). Esta situação é resultado de uma migração que, à semelhança do testículo, começa na região lombar medialmente ao mesonefro (Queiroz e silva, 1997; Moore & Persaud, 2000), mas, ao contrário deste detém-se Acta Sci Med. 2012; 5 (2): 43–52 Figura 1. Imagem de dissecção de cadáver, vista superior evidenciando a topografia das tubas uterinas e demais vísceras no interior da pelve (modificado de Rohen et al., 2002).

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ARTIGO ORIGINALCiências Básicas e Experimental

© Acta Scientiae Medica (2012)Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO ISSN (on-line) 1983-6805

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na pelve, onde os ovários encontram sua posição definitiva, geralmente no 9o mês de vida intra-uterina (Philocreon, 1999; Moore & Persaud, 2000).

Anatomia dos ovários: considerações clínico-patológicasMarcio antonio BaBinski

Departamento de Morfologia, Instituto Biomédico – Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói RJ, Brasil

RESUMO

Este artigo de revisão sobre a anatomia clínica dos ovários tem o objetivo de servir de roteiro aos alunos que estão iniciando os diversos cursos na área de saúde e, como roteiro, não tem a pretensão de ser completo. A leitura das obras citadas na lista referências ampliará e solidificará os conhecimentos aqui auferidos, lembrando que a complementação com aulas práticas no laboratório é fundamental.

Palavras-Chave: Anatomia, Ovários, Ensino.

INTRODUÇÃO

ANATOMIA DOS OVÁRIOS

Os ovários formam o par de órgãos sexuais primários mulher que produzem os ovócitos (óvulos) e os hormônios sexuais, como estrógenos e progesterona. São por isso considerados órgãos importantes do aparelho reprodutor feminino e são homólogos com os testículos (Van-de-Graaff, 2003). Possuem duas funções distintas, porém intimamente relacionadas e interdependentes: a) a função reprodutiva, representada pela ovogênese; b) a função trófico-morfogenética, com ações hormonais (progesterona e estrogênio) de abrangência bem mais ampla que a primeira, pois atua em todo o ser da mulher, soma e psiquê, representada pela esteoroidopoiese (Philocreon, 1999; Young, 2001).

SituaçãoOs ovários estão situados na cavidade pélvica, em geral 8 a 10mm

abaixo da abertura superior da pelve, na chamada fosseta ovárica (Figura 1,2). Seu eixo maior tem obliqüidade súpero-inferior, látero-medial e ântero-posterior. Encontram-se em posição ântero-lateral em relação ao reto, posterior ao ligamento largo e 15 a 20mm à frente da articulação sacroilíaca (Figura 3) (Testut, 1921; Latarjet & Liard, 1993; Williams et al., 1995). Esta situação é resultado de uma migração que, à semelhança do testículo, começa na região lombar medialmente ao mesonefro (Queiroz e silva, 1997; Moore & Persaud, 2000), mas, ao contrário deste detém-se

Acta Sci Med. 2012; 5 (2): 43–52

Figura 1. Imagem de dissecção de cadáver, vista superior evidenciando a topografia das tubas uterinas e demais vísceras no interior da pelve (modificado de Rohen et al., 2002).

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MorfologiaOs ovários apresentam variação relativamente ampla de forma,

volume e dimensões, não apenas quando considerados os vários períodos fisiológicos da mulher e.g., infância, puberdade-menarca, menacma, gestação, climatério-menopausa, ainda na mesma mulher, de um ovário para o outro, conforme o momento do ciclo (Philocreon, 1999; Guyton & Hall, 2002). Contudo, o ovário apresenta forma de amêndoa, é alongado no sentido craniocaudal e achatada no sentido transversal (Hollinshead & Rosse, 1991;Snell, 1999). A superfície é lisa nos extremos da vida e rugosa no menacma, devido às elevações decorrentes do desenvolvimento regular dos folículos ovarianos (Philocreon, 1999).

Nas mulheres pré-púberes, a face do ovário é coberta por uma lâmina lisa do epitélio superficial ovárico – uma lâmina simples de células cubóides – que dá à face uma aparência rósea (Van-de-Graaff, 2003) acinzentada e fosca (Moore & Persaud, 2001), contrastando com a face brilhante do mesovário do peritônio adjacente com o qual é contínua. Após a puberdade a superfície torna-se progressivamente fibrosada e distorcida com cicatrizes (Van-de-Graaff, 2003; Philocreon, 1999; Snell, 1999; Moore & Persaud, 2001) por causa da ruptura repetida dos folículos ováricos e da liberação dos ovócitos, que são parte da ovulação (Moore & Persaud, 2001). Isto lhe confere o aspecto de uma “ameixa seca”, exceto no período periovulatório, quando é fisiológica a mais ampla variação, devido à presença de folículos ovarianos em vários estádios de maturação ou de um corpo lúteo (Philocreon, 1999). Para Moore & Dalley (Moore & Persaud, 2001), as cicatrizes na superfície ovárica são menos freqüentes nas mulheres que estejam usando contraceptivos orais, que inibem a ovulação.

Os ovários são muito pequenos na criança, seu tamanho vai aumentando até a idade adulta, sofrendo regressão após a menopausa (Philocreon, 1999; Guyton & Hall, 2002). Estudos em ratos mostram que a desnutrição da mãe durante o período de lactação provoca atraso no desenvolvimento puberal com redução no crescimento dos ovários, útero e foliculogênese da prole (Faria et al., 2004; Brasil et al., 2005).

Embasados em valores obtidos por ultra-sonografia, o volume difere nas várias fases da vida da mulher, sendo de 2cc ou menos na infância, variável entre 3 e 20cc no menacma, reduzindo para o volume da infância após a menopausa (Philocreon, 1999). De maior interesse cirúrgico, e em relação à tuba uterina, verificam-se as faces lateral e medial; as margens, livre (posterior) e mesovárica (anterior ou hilar) e as extremidades, tubária (superior) e uterina (inferior) (Philocreon, 1999; Testut & Jacob, 1927).

Aspectos histológicos e funcionaisOs ovários de todos os mamíferos têm uma estrutura histológica básica

semelhante. Seu aspecto geral, entretanto, varia consideravelmente de acordo com as diferenças do ciclo ovariano das diferentes espécies e com o estágio do ciclo no qual o ovário é examinado (Young & Heat, 2001).

Na mulher sexualmente madura são estruturas sólidas que contém um estroma de suporte de tecido conjuntivo, dominado no córtex por muitas células que se assemelham aos fibroblastos com matriz intercelular e colágeno (Kerr, 2000), algumas contendo gotículas de lipídeos (Young & Heat, 2001). Feixes de células musculares lisas também

Figura 2. Vista lateral da situação das tubas uterinas e demais vísceras no interior da pelve (modificado de Drake et al., 2005).

Figura 3. Vista súpero-medial mostrando as reflexões do peritônio sobre a tuba uterina (Tu) e ovário (O) direito, onde se projeta entre a bexiga (B) e o útero (U) criando o recesso vesicouterino. Outra reflexão do peritônio é vista entre o reto (R) e o útero criando o recesso retouterino, o fundo de saco (de Douglas) (modificado de Drake et al. 2005).

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Nas mulheres sexualmente maduras são liberados ovócitos pelo processo da ovulação, de um modo cíclico, quer sazonalmente ou a intervalos regulares ao longo do ano. Esse ciclo é interrompido durante a gravidez. Tanto a ovulação quanto a produção dos hormônios ovarianos são controlados pela liberação cíclica dos hormônios gonadotrópicos, o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH) pela glândula hipófise anterior (pituitária) (Young & Heat, 2001; Guyton & Hall, 2002).

Fixação e relações anatômicasA face lateral dos ovários apresenta relações importantes com as

estruturas nobres da pelve no seu local anatômico: a fosseta ovárica. Esta face relaciona-se bilateralmente com as veias ilíacas externas, vasos ilíacos internos e ureteres (Figura 3), separada deles apenas pelo peritônio lateral da pelve (Figura 3,6,7), com o qual pode apresentar importantes alterações como resultado de variadas patologias (Testut & Jacob, 1927; Philocreon, 1999).

A face medial e margem livre (posterior) do ovário direito relacionam-se com as alças do intestino delgado e, à esquerda, também com o sigmóide. A margem mesovárica, local de penetração de vasos sanguíneos, linfáticos e nervos, continuando-se com o peritônio, é um dos meios de fixação do ovário: denominado hilo do ovário (Philocreon, 1999; Latarjet & Liard, 1993;Williams et al., 1995). Nesta margem estão os vasos ovarianos encobertos pela serosa e visíveis através dela, com as características que serão descritas adiante. Nesse ponto está situada a linha de Waldeyer, limite entre a serosa peritoneal e a túnica albugínea, o que faz do ovário um órgão intra-peritoneal (Philocreon, 1999).

estão espalhadas por todo estroma (Young & Heat, 2001). A medula apresenta um tecido frouxo com fibroblastos, elementos vasculares (ramos helicinos) e nervos. No ovário adulto, o córtex é pobremente vascularizado (Figura 4) e contém numerosos folículos primordiais, cada qual com um ovócito (célula germinativa) cercado por células achatadas do estroma, denominadas células foliculares ou granulosas (Kerr, 2000). Além desses folículos, também pode haver folículos pós-ovulatórios de vários tipos, a saber, os corpos lúteos (responsáveis pela produção de estrogênio e progesterona), os corpos lúteos antigos e degenerados (corpora albicans) e os corpos degenerados (atrésicos) (Figura 5) (Young & Heat, 2001). Como os testículos, o córtex superficial é mais fibroso que o córtex profundo e é freqüente chamado de túnica albugínea. No entanto, à diferença do testículo, esta não é uma cápsula anatomicamente distinta (Young & Heat, 2001).

Durante o crescimento do ovário fetal milhões de ovogônias são produzidas, porém nem todas originam ovócitos primários. Estas últimas células não procedem além da pró-fase da meiose, continuando interrompidas no estágio diplóteno até logo antes da ovulação. Para alguns folículos esta “suspensão de atividade” pode persistir por 45-50 anos ou mais. Muitos folículos morrem no ovário fetal e pós-natal, porém cerca de 400.000 permanecem viáveis (em ambos os ovários) a partir da puberdade (Kerr, 2000; Cormack, 1993).

Figura 4. Desenho esquemático dos folículos ovarianos (modificado de Testut, 1921).

Figura 5. Desenho esquemático da microcirculação ovariana, ramos arteriais helicinos (modificado de Testut, 1921).

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Cada ovário é fixado por quatro ligamentos: um na parede pélvica e três no órgão genital propriamente dito. Estes diferentes ligamentos deixam o ovário móvel, pois convergem até o hilo. Assim, esse órgão é capaz de acompanhar os movimentos de ascensão e descida do útero durante a gravidez e no pós-parto. Sua tração durante a cirurgia permite levá-lo a uma posição bem distante da original (Philocreon, 1999).

Ligamento suspensor do ovário (infundíbulo-pélvico): é o meio de fixação mais eficaz, formado por um meso que contém estroma fibromuscular e os vasos principais do ovário: artéria e veias e um envoltório peritoneal. É longo, descendo da altura de L2 para cruzar os vasos ilíacos comuns de cada lado, muito próximo e por diante dos ureteres, alcançando a extremidade tubária. Fixado à fossa ilíaca póstero-superiormente, chega à extremidade superior do ovário fixando-se ao mesmo tempo no infundíbulo da tuba uterina e no peritônio do ligamento largo, reunindo estes três elementos que o unem à abertura superior (Testut, 1921;Latarjet & Liard, 1993;Testut & Jacob, 1927).

Ligamento próprio do ovário (útero-ovariano) (Figura 6): é um curto cordão fibroelástico, medindo aproximadamente entre 2 a 3 cm, que une a margem anterior do ovário ao ângulo do útero, onde se insere posteriormente e acima da tuba uterina. É envolvido pelo peritônio da lâmina posterior do ligamento largo e contém a artéria uterina e ovárica, orientando o ovário e prendendo-o ao útero (Testut, 1921;Latarjet & Liard, 1993;Testut & Jacob, 1927).

Mesovário (Figura 7): é formado pela lâmina peritoneal posterior do ligamento largo que o une ao ovário. O peritônio detém-se em torno do hilo do ovário, onde se interrompe bruscamente em contato com o epitélio ovariano, seguindo a linha de Farre (Latarjet & Liard, 1993). Esta disposição proporciona a inclusão do ovário no meio intra-peritoneal sem o revestimento pelo peritônio, estando, pois, em contato com os órgãos intra-abdominais que estão envoltos por peritônio. As hemorragias que porventura possam ocorrer em sua superfície escoam diretamente na cavidade peritoneal; à sua superfície podem chegar metástases provenientes de outros órgãos abdominais ou dela podem sair metástases que irão fixar-se em outros órgãos e.g., intestinos, estômago. No mesovário encontram-se os vasos e os nervos para o ovário (Testut, 1921;Latarjet & Liard, 1993;Testut & Jacob, 1927).

Mesossalpinge (Figura 7): Estende-se da margem anterior do ovário ao infundíbulo da tuba uterina, assegurando contato íntimo entre esta e o ovário. Trata-se de um ligamento de coaptação e não de um meio de sustentação (Latarjet & Liard, 1993).

Vascularização e inervação Suprimento arterial

A principal irrigação arterial do ovário é feita pela artéria ovárica, ramo direto da artéria aorta abdominal, surgindo do contorno ântero-lateral da aorta e logo abaixo das artérias renais, à altura do disco intervertebral L2/L3. A artéria ovárica (comum) percorre com obliqüidade no sentido ínfero-lateral sob o peritônio parietal posterior até atingir o ligamento suspensor do ovário no interior de seu tecido conjuntivo. A partir desse ponto, percorre até o final do ligamento para bifurcar em

Figura 7. Desenho esquemático da relação anatômica das lâminas anterior e posterior do ligamento largo do útero com a tuba uterina (T), ovário, ligamento redondo (L), vascularização (Au= artéria uterina e Vu= veia uterina) e ureter (modificado de Drake et al., 2005).

Figura 6. Vista posterior do ligamento largo, relações tubo-ováricas e da fimbria ovárica com o ovário e mesossalpinge [modificado de Testut, 1921].

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ováricas anastomosadas: plexo pampiniforme. Essas veias ocupam o ligamento suspensor do ovário, ascendem até a região lombo-aórtica, onde termina na veia cava inferior à direita e na veia renal à esquerda (Philocreon, 1999; Testut & Jacob, 1927;Rouviére, 1961).

Drenagem LinfáticaDo hilo emergem cinco ou seis troncos linfáticos que seguem as

veias ováricas e terminam (Figura 9): à direita, nos linfonodos látero-aórticos subjacentes ao pedículo renal; à esquerda, nos linfonodos pré-aórticos também subjacentes ao pedículo renal e próximos a esse pedículo (Testut, 1921; Rouviére, 1961). Outros vasos linfáticos coletores terminam freqüentemente tanto à direita quanto à esquerda, em um elemento de cadeia média dos linfonodos ilíacos externos (de Marcille) (Rouviére, 1961).

artérias ovárica lateral e tubária lateral (Philocreon, 1999; Latarjet & Liard, 1993;Moore & Persaud, 2001;Testut & Jacob, 1927). Essa artéria recebe um ramo acessório ascendente das artérias uterinas, a artéria ovárica medial que se origina da artéria do fundo do útero onde se anastomosam criando um arco arterioso útero-ovárico ao longo do hilo do ovário (Figura 8). Sua importância respectiva é variável, assim como suas anastomoses (de Mocquot e Rouvillois) (Philocreon, 1999; Latarjet & Liard, 1993).

Drenagem venosaEm sua origem constituem uma rede complexa formada por vênulas

enroladas em espiral e compõem pseudoplexo (de Pouilhes). Como as artérias, essa rede é tributária de dois coletores (Figura 8): a) um coletor útero-ovárico, medial, drenado pelas veias uterinas e posteriormente pela veia ilíaca interna; b) um coletor “gonadal” formado por numerosas veias

Figura 8. Vista posterior da vascularização anastomótica tubo-ovárica (modificado de Testut, 1921).

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1988;Wilkins & Fleishmann, Burgie, 1958). Um dos ovários pode estar envolvido na hérnia inguinal e ainda posicionado no recesso reto-uterino (de Douglas) (Bergman et al., 1988), bem como, apresentar variações vasculares (Singh et al., 1998; Machnicki & Grzybiack, 1999)

Considerações clínico-cirúrgicasManusear os ovários e tubas uterinas é lidar com estruturas

biologicamente nobres, repletas e de variado significado pessoal e de simbolismo quase místico para cada mulher. Isto tem implicações no ato de decidir entre preservar ou retirar quaisquer deles (Philocreon, 1999).

A situação intrapélvica dos órgãos genitais femininos apresenta, por sua contigüidade com estruturas anatômicas nobres da região, importantes oportunidades de risco para o cirurgião (Philocreon, 1999), particularmente os ovários, situados na fossa ovárica, em contato direto com os vasos ilíacos internos, que podem variar na disposição (Cardinot et al., 2006) e os ureteres, mais profundamente situados com o nervo

InervaçãoA inervação autônoma (simpática) dos ovários é originada do 10o

e 11o nervos torácicos. Esses nervos alcançam o plexo pré-aórtico com trajeto que acompanham a artéria ovárica, formando um plexo peri-arterial denso, cuja origem se confunde com a dos nervos dos rins (Testut, 1921; Latarjet & Liard, 1993). Contudo, a inervação dos ovários é apenas para as redes vasculares e não para a substância folicular no interior do estroma (Van-de-Graaff, 2003).

A inervação somática, motora e sensitiva tem a mesma origem das outras vísceras abdominais, no plexo celíaco. As raízes nervosas destinadas aos ovários são provenientes de T10-T12 e L1 (Figura 10), sendo a dor de origem ovariana no baixo ventre, no ponto ovariano, situado a 2cm do centro do ligamento inguinal (de Poupart) e perpendicular a ele (Testut, 1921; Williams et al., 1995). Os nervos acompanhando os vasos penetram no ovário através do hilo, que é sustentando pelo ligamento útero-ovárico.

Variações AnatômicasA posição do ovário é extremamente variável, sendo freqüentemente

encontrado pendurado na escavação retouterina (de Douglas) (Bergman et al., 1988;). Durante a gravidez o aumento do útero traciona o ovário para cima em direção à cavidade abdominal. Após o parto, quando o ligamento largo está frouxo, o ovário ocupa uma posição variável na pelve (Philocreon, 1999; Snell, 1999).

As ectopias ovarianas são excepcionais, no entanto, em multíparas o ovário pode descer, ficando em posição mais inferior na pelve (Philocreon, 1999;Rouviére, 1961). As variações anatômicas no trato reprodutor são mais freqüentes nas mulheres do que nos homens, ocorrendo na maioria devido às falhas embriológicas que alteram a situação das tubas e ovários (Moore & Persaud, 2001; Moore & Persaud, 2000; Bergman et al., 1988).

No período embriológico, a migração do ovário incompleta ou com alterações no trajeto do abdômen para a pelve pode afetar a posição final do ovário, retendo-o em situação supra-pélvica, ao lado ou acima do músculo psoas maior (Bergman et al., 1988). Na migração ovárica, se ocorrer uma falha do ligamento próprio do ovário (homólogo do gubernaculum) para aderir ao útero, este pode seguir e passar parcialmente através do canal inguinal e ainda fixar-se no lábio maior da vulva (Bergman et al., 1988;Brancha, 1901). Quanto à forma do ovário adulto, algumas vezes pode se apresentar usualmente alongado, esferoidal, achatado, triangular e ou irregular.

Ovários supranumerários variando no tamanho não são freqüentes, ocorrendo em 2-5% das mulheres (Bergman et al., 1988). Por outro lado Testut (Latarjet, 1948) estudando 500 autópsias verificou que o percentual de ovários supranumerários é de 4,6%. A agenesia de um ou de ambos os ovários é uma condição extremamente rara (Bergman et al.,

Figura 9. Desenho esquemático da drenagem linfática do útero, tuba uterina e ovário segue principalmente aos linfonodos que margeiam os vasos ilíacos (modificado de Testut, 1921).

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Figura 10. Desenho esquemático da inervação do útero, tuba uterina e ovário (Netter, 2008).

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obturatório (Hollinshead & Rosse, 1991;Snell, 1999;Moore & Persaud, 2001). A proximidade entre os vasos ovarianos no ligamento suspensor dos ovários e os ureteres principalmente à direita, expõe ao risco de inclusão do ureter ao pinçar os vasos (Philocreon, 1999; Hollinshead & Rosse, 1991;Moore & Persaud, 2001;Testut & Jacob, 1927), principalmente se o tumor ovariano é de desenvolvimento dominante no sentido cranial, dissimulando o ligamento suspensor do ovário por distensão ou deslocamento (Philocreon, 1999).

O câncer avançado do ovário ainda é, infelizmente, o mais freqüentemente encontrado na clínica (Tempany et al., 2000; Ulbright, 2005), invadindo as estruturas vizinhas ou propagando-se ao peritônio pélvico, onde modifica profundamente os planos anatômicos e as reflexões viscerais e parietais (Philocreon, 1999).

Os ovários normais e sadios geralmente não podem ser palpados através dos exames vaginal ou abdominal. Contudo, os ovários são palpáveis pela vagina se estiverem aumentados ou deslocados (Van-de-Graaff, 2003;Latarjet & Liard, 1993). Muitos tipos de tumores benignos dos ovários causam aumento e dor localizada discreta. Os ovários se atrofiam durante a menopausa e o aumento destes órgãos neste período inspira preocupação (Van-de-Graaff, 2003).

AGRADECIMENTOO autor agradece ao Sr. Rafael Roquette pelos desenhos

esquemáticos utilizados neste artigo.

Conflito de Interesses

Nenhum declarado

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Autor Correspondente:Prof. Dr. Marcio A. BabinskiDepartamento de MorfologiaInstituto Biomédico, Universidade Federal Fluminense (UFF)Rua Prof. Ernani Mello, 101, São Domingos, Niterói, 24210-150, RJ, BrasilE-mail: [email protected]

Submetido para revisão em: 21 de janeiro de 2012Aceito após revisão em: 25 de Junho de 2012

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ABSTRACT

This review article on clinical anatomy of the ovaries aims to provide guidance to students who are starting the various courses in health and, as a script, does not pretend to be complete. Reading the works cited in the references list will expand and will solidify the knowledge received here, remembering that supplementation with practical lessons in the laboratory is essential.

Keywords: Anatomy, Ovary, Teaching.

Acta Sci Med. 2012; 5 (2): 43–52