analise real_notas aula cederj
DESCRIPTION
notas aula cederjTRANSCRIPT
-
Prefacio
O texto que ora introduzimos tem como proposito servir de Notas de
Aula para o curso de Analise Real do CEDERJ. O texto e dividido em aulas.
Sao 32 aulas cujos temas serao descritos mais adiante. Cada aula contem
uma serie de exerccios propostos. Algumas aulas contem ao final secoes
entituladas Prossiga:. . . . Essas secoes sao textos complementares e nao
fazem parte do conteudo propriamente dito das aulas. Elas servem para
saciar a curiosidade de leitores mais empenhados com relacao a questoes
surgidas no texto da aula ou a topicos relacionados com essas questoes.
As referencias basicas para a elaboracao destas Notas sao os livros
[1, 2, 3, 4] que compoem a bibliografia. Claramente, por tratar-se de uma
materia tao fundamental, objeto de inumeras obras, dentre as quais grandes
classicos da literatura matematica, diversas outras referencias alem dessas
quatro explicitamente citadas terao infludo, talvez de modo menos direto.
Como o proposito do texto e somente o de servir de guia para um curso
com programa bem definido, nao houve de nossa parte nenhuma tentativa
de originalidade. Assim, em grande parte, nosso trabalho se resumiu a fazer
selecao, concatenacao e edicao de material extrado das referencias citadas,
a` luz do programa a ser desenvolvido no curso.
A seguir damos a lista dos temas das aulas que compoem o curso.
Modulo 1:
Aula 1: Preliminares: Conjuntos e Funcoes.
Aula 2: Os Numeros Naturais e o Princpio da Inducao.
Aula 3: Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-Enumeraveis.
Aula 4: Os Numeros Reais I.
Aula 5: Os Numeros Reais II.
Aula 6: Sequencias e Limites.
Aula 7: Operacoes e Desigualdades com Limites de Sequencias.
1
-
Aula 8: Sequencias Monotonas e Subsequencias.
Aula 9: Criterio de Cauchy e Limites Infinitos.
Aula 10: Series Numericas.
Aula 11: Convergencia Absoluta e Nao-Absoluta de Series.
Aula 12: Limites de Funcoes.
Aula 13: Teoremas de Limites de Funcoes.
Aula 14: Funcoes Contnuas.
Aula 15: Combinacoes de Funcoes Contnuas.
Aula 16: Funcoes Contnuas em Intervalos.
Modulo 2:
Aula 17: Continuidade Uniforme.
Aula 18: Limites Laterais, Limites Infinitos e no Infinito.
Aula 19: Funcoes Monotonas e Funcao Inversa.
Aula 20: A Derivada.
Aula 21: A Regra da Cadeia.
Aula 22: O Teorema do Valor Medio.
Aula 23: O Teorema de Taylor. Maximos e Mnimos Locais. Funcoes Con-
vexas.
Aula 24: Integral de Riemann.
Aula 25: Funcoes Integraveis a Riemann.
Aula 26: O Teorema Fundamental do Calculo.
Aula 27: Sequencias de Funcoes.
Aula 28: Cambio de Limites.
Aula 29: Funcoes Exponenciais e Logaritmos.
Aula 30: Funcoes Trigonometricas.
Aula 31: Topologia na Reta.
Aula 32: Conjuntos Compactos.
CEDERJ 2
-
Bibliografia
[1] Avila, G.- Analise Matematica para Licenciatura; 2a edicao. Ed. Edgar
Blucher, Sao Paulo, 2005.
[2] Bartle, R.G., Sherbert, D.R.- Introduction to Real Analysis; Third Edi-
tion. John Wiley & Sons, New York, 2000.
[3] Lima, E.L.- Analise na Reta; 8a edicao. Colecao Matematica Univer-
sitaria, Instituto de Matematica Pura e Aplicada-IMPA, 2006.
[4] Rudin, W.- Principles of Analysis; Third Edition. McGraw-Hill Ko-
gakusha, Ltd., 1976.
3
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
Aula 1 Preliminares: Conjuntos e Funcoes
Metas da aula: Fazer uma breve recordacao dos fatos basicos sobreconjuntos e funcoes. Apresentar uma introducao a` pratica de demonstracao
de proposicoes matematicas, ponto central em todo o curso.
Objetivos: Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
Saber o significado matematico e o uso dos principais smbolos e dasoperacoes da teoria elementar dos conjuntos;
Saber os conceitos basicos relacionados a` nocao de funcao entre doisconjuntos bem como as operacoes de composicao, inversao e restricao;
Demonstrar proposicoes simples envolvendo conjuntos e funcoes.
Introducao
Iniciamos nosso curso de Analise Real recordando as nocoes de conjunto
e funcao. Esta aula deve portanto ser vista como uma aula de recapitulacao
de fatos ja aprendidos em cursos anteriores. Vamos aproveitar para introduzir
algumas notacoes que serao utilizadas ao longo de todo curso.
Conjuntos
Admitimos como familiares o conceito (intuitivo) de conjunto, signifi-
cando colecao, famlia etc., assim como as operacoes elementares entre con-
juntos, nomeadamente, a uniao AB, a intersecao AB e a diferenca, A\B,entre dois conjuntos quaisquer A e B. O conjunto A \B tambem e chamadoo complementar de B em relacao a A. Lembremos as notacoes usuais:
x A, significa que x e um elemento ou membro de A,
e
A B, significa que todo elemento do conjunto Ae tambem um elemento do conjunto B,
ou seja, que o conjunto A e um subconjunto do conjunto B. A negacao de
x A se denota por x / A, que se le x nao pertence a A ou x nao e um
5CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
elemento (ou membro) de A. Outrossim, e importante ressaltar o significado
da igualdade entre dois conjuntos:
A = B, significa A B e B A,
isto e, A e B possuem exatamente os mesmos elementos.
Assim, para provarmos que o conjunto A esta contido no conjunto B,
isto e, A B, devemos provar que para todo x, se x A, entao x B. Poroutro lado, para provarmos que A = B, devemos provar que para todo x, se
x A, entao x B e, reciprocamente, se x B entao x A, ou seja, x Ase e somente se x B.
Ao longo do curso de Analise Real estaremos sempre lidando com con-
juntos que sao subconjuntos do conjunto dos numeros reais, R, cujas pro-
priedades fundamentais serao estudadas de modo sistematico mais adiante.
Dentre esses subconjuntos de R, cabe destacar o conjunto N dos numeros
naturais, o conjunto Z dos numeros inteiros e o conjunto Q dos numeros
racionais. De modo um tanto informal, podemos descrever esses conjuntos
assim:
N := {1, 2, 3, },Z := { ,3,2,1, 0, 1, 2, 3, },Q := {r : r = p
q, p, q Z, q 6= 0}.
Aqui usamos a notacao := que deve ser lida igual, por definicao. Temos,
portanto,
N Z Q R.
Denotamos por o conjunto vazio, isto e, o conjunto que nao possui nenhumelemento. Temos que, para todo conjunto A, A.
No que segue, usaremos a palavra proposicao no sentido de sentenca
matematica, que pode ser expressa atraves de uma formula matematica ou
uma declaracao textual, ou ainda uma combinacao dessas duas formas, e
que, em geral, podera depender de uma ou mais variaveis. Como exemplos
citamos: x A ou x B; x > 2 e x < 3; x N e x = 2k para algum k Netc. Usaremos a letra P para denotar uma proposicao qualquer e, quando
quisermos enfatizar o fato dessa proposicao depender de uma variavel x,
denotaremos P [x].
Grosso modo, as regras para a formacao de conjuntos sao as seguintes:
CEDERJ 6
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
1. A descricao explcita dos membros do conjunto na forma de uma lista
delimitada a` esquerda e a` direita pelas chaves { e }, respectivamente.Por exemplo, {a, b, c, d}, {1, 2, 3} etc. Nem sempre e possvel descre-ver um conjunto listando-se seus elementos e por isso frequentemente
utilizamos os modos alternativos a seguir.
2. A formacao de novos conjuntos a partir de conjuntos ja previamente
definidos. Em geral, para essa construcao usamos uma expressao da
forma {x : P}, que se le o conjunto dos x tais que P, onde P e umaproposicao envolvendo x e os conjuntos previamente definidos. Por
exemplo, se A e B sao conjuntos, entao podemos definir os seguintes
conjuntos:
(a)
A B = {x : x A ou x B},
o membro a` direita le-se: conjunto dos x tal que x pertence a A
ou x pertence a B;
(b)
A B = {x : x A e x B},
o membro a` direita le-se: conjunto dos x tal que x pertence a A e
x pertence a B;
(c)
A \B = {x : x A e x / B},
o membro a` direita le-se: conjunto dos x tal que x pertence a A e
x nao pertence a B;
(d)
AB = {(a, b) : a A e b B},
o membro a` esquerda e chamado o produto cartesiano do conjunto
A pelo conjunto B e o membro a` direita le-se: conjunto dos pares
ordenados (a, b) com a pertencente a A, e b pertencente a B. A
rigor, para mantermos o padrao de descricao estabelecido acima,
{x : P}, deveramos escrever A B = {x : x = (a, b), com a A e b B}. A primeira forma, mais concisa, deve ser entendidacomo uma abreviatura desta ultima.
7CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
(e) Dado o conjunto A, podemos definir o conjunto P(A), cujos ele-mentos sao exatamente todos os subconjuntos de A, incluindo eo proprio A. Assim, temos
P(A) = {x : x A}.
Por exemplo,
P({1, 2}) = {, {1}, {2}, {1, 2}}.
(f) Um caso particular importante dessa forma de se obter novos con-
juntos a partir de conjuntos ja previamente definidos e a des-
cricao de um novo conjunto como subconjunto de um conjunto
conhecido, atraves de uma proposicao ou formula P que deve ser
satisfeita por todos os elementos do novo conjunto. Por exemplo,
o conjunto P dos numeros naturais pares pode ser definido por
P := {x : x N e existe k N tal que x = 2k}.
A forma geral para a definicao de um subconjunto A de um con-
junto previamente definido B por meio de uma proposicao P e:
{x : x A e x satisfaz P}. Em geral, usa-se de fato a notacaomais concisa {x A : x satisfaz P} ou {x A : P [x]}. No casodos numeros naturais pares, P e existe k N tal que x = 2k.Assim, na forma concisa, temos
P = {x N : x = 2k, para algum k N}.
De modo mais informal e mais conciso ainda, poderamos escrever
tambem P = {2k : k N}. Analogamente, o conjunto I dosnumeros naturais mpares e definido por I := {x N : x =2k 1, para algum k N}, ou ainda I = {2k 1 : k N}.
3. Ainda uma outra forma, muito particular, de definir conjuntos, e atraves
da introducao de um axioma que estabeleca a existencia de um con-
junto satifazendo determinadas propriedades bem especificadas. Por
exemplo, o conjunto dos numeros naturais N pode ser definido dessa
forma, como veremos na proxima aula. O conjunto R dos numeros reais
tambem pode ser definido seguindo esse metodo, chamado metodo axi-
omatico, como veremos mais adiante. E claro que o recurso a esse pro-
cedimento envolve uma discussao bastante delicada, de carater logico,
CEDERJ 8
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
sobre a consistencia do axioma introduzido com os demais previamente
admitidos na teoria; e, portanto, utilizado apenas em casos excepcionais
e somente por especialistas muito experientes. Os dois exemplos de
(possvel) adocao desse procedimento que acabamos de dar, para a
construcao de N e R, pertencem a` Historia da Matematica.
O curso de Analise Real constitui uma otima oportunidade de se apren-
der, atraves de leitura e muitos exerccios, a entender e, principalmente, a pro-
duzir as chamadas demonstracoes ou provas matematicas. A teoria rigorosa
do que venha a ser uma autentica prova matematica pertence ao domnio da
Logica, a qual escapa dos objetivos do presente curso.
No entanto, nao e em absoluto necessario um profundo conhecimento
de Logica Matematica para ser capaz de entender e de produzir provas
matematicas. Para tanto, uma introducao elementar como a oferecida pelo
curso de Matematica Discreta e mais do que suficiente.
Como um primeiro exemplo de demonstracao, vamos agora enunciar e
provar as famosas regras de De Morgan da teoria elementar dos conjuntos.
Exemplo 1.1
(Identidades de De Morgan) Sejam A, B e C conjuntos. Entao valem as
igualdades
A \ (B C) = (A \B) (A \ C) e A \ (B C) = (A \B) (A \ C).
Prova: Provemos a primeira igualdade. Para tanto, temos de mostrar que
A \ (B C) e (A \B) (A \C) possuem os mesmos elementos, ou seja, quepara um x qualquer, se x A \ (B C), entao x (A \ B) (A \ C) e,reciprocamente, se x (A \B) (A \ C), entao x A \ (B C).
Em outras palavras, temos de mostrar que, para qualquer que seja x,
vale que x A \ (B C) se, e somente se, x (A \B) (A \ C).Com efeito, suponhamos que x A\(BC). Entao, x A e x / BC
(por que?). Assim, vale x A e vale x / B e x / C (por que?).Portanto, vale x A e x / B e vale x A e x / C, ou seja, x A \B
e x A \ C.Por conseguinte, x (A \B) (A \C) (por que?), e assim fica provada
a implicacao (lembremos que p q se le se p, entao q)
x A \ (B C) = x (A \B) (A \ C),
9CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
que mostra que
A \ (B C) (A \B) (A \ C). (por que?)
Para provar a recproca, suponhamos que x (A \ B) (A \ C). Entao,x (A \B) e x (A \ C). Segue da que vale x A e x / B e vale x A ex / C, isto e, vale x A e nao vale x B ou x C (por que?).
Portanto, vale x A e nao vale x B C, isto e, vale x A ex / B C. Segue que x A \ (B C) e fica provada a implicacao recproca
x (A \B) (A \ C) = x A \ (B C),
que mostra que
(A \B) (A \ C) A \ (B C),
e com isto fica provada a primeira igualdade.
A prova da segunda igualdade se faz de maneira inteiramente analoga;
mesmo assim vamos fornece-la para que voce va se habituando com o modo
de proceder.
Provemos entao inicialmente que se x A \ (B C), entao x (A \B) (A \ C). Com efeito, suponhamos que x A \ (B C).
Entao, x A e x / B C, ou seja, vale x A e nao vale x B ex C.
Assim, vale x A e vale x / B ou x / C.Portanto, ou vale x A e x / B, ou temos x A e x / C, isto e, ou
x A \B ou x A \ C.Segue da que x (A \B) (A \ C), o que prova a implicacao
x A \ (B C) = x (A \B) (A \ C)
que equivale a dizer que
A \ (B C) (A \B) (A \ C).
Para provar a inclusao oposta, suponhamos que x (A\B)(A\C). Entao,ou vale x (A \B), ou vale x (A \ C).
No primeiro caso, x A e x / B; no segundo, x A e x / C. Juntandoos dois casos, temos que vale x A e vale x / B ou x / C, isto e, vale x Ae nao vale x B e x C.
CEDERJ 10
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
Portanto, vale x A e vale x / (B C), ou seja, x A \ (B C), oque prova a implicacao recproca
x (A \B) (A \ C) = x A \ (B C)e, por conseguinte, mostra que tambem vale a inclusao oposta
(A \B) (A \ C) A \ (B C).Isto conclui a demonstracao da segunda igualdade.
A demonstracao que acabamos de ver esta escrita de um modo bem
mais extenso do que o necessario. A razao e que procuramos enfatizar os
detalhes de cada passagem sem saltar mesmo os passos mais obvios. Em
geral, no que segue, nao perderemos tanto tempo com as inferencias mais
imediatas, deixando que voce mesmo preencha as lacunas francamente mais
evidentes.
Num contexto em que todos os conjuntos com os quais se trabalha sao
subconjuntos de um mesmo conjunto U (por exemplo, no curso de Analise
Real, U = R), e costume se usar uma notacao mais simples para o comple-
mentar de um conjunto qualquer A, contido em U , em relacao ao conjunto
U (a`s vezes chamado conjunto-base ou conjunto-universo). Nesse caso, em
vez de U \A, denotamos o complementar de A em relacao a U simplesmentepor Ac. Podemos entao tomar como definicao Ac := {x : x / A}, omitindoo fato, subentendido, de que x U .Exerccios 1.1
1. Prove que (Ac)c = A. De modo mais geral, prove que
A \ (A \B) = A B.
2. De a demonstracao para as seguintes relacoes basicas envolvendo as
operacoes de uniao e intersecao de conjuntos, descritas abaixo:
1) A B = B A2) A B = B A,3) (A B) C = A (B C)4) (A B) C = A (B C),5) A (B C) = (A B) (A C)6) A (B C) = (A B) (A C).
11CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
3. Prove as proposicoes
1) A B e C D = A C B D2) A B e C D = A C B D.
4. As relacoes 3) e 4) do exerccio (2), chamadas propriedades associativas
da uniao e da intersecao de conjuntos, respectivamente, permitem que
escrevamos simplesmente ABC, assim como ABC, para denotara uniao e a intersecao de tres conjuntos quaisquer. De modo mais geral,
podemos considerar a uniao e a intersecao de um numero qualquer, n,
de conjuntos A1, A2, . . . , An. Nesse caso, e comum usarmos a notacao
nk=1
Ak := A1 A2 An,n
k=1
Ak := A1 A2 An.
Mais precisamente, a definicao para essas unioes e intersecoes de n
conjuntos seria:
nk=1
Ak := {x : x Ak, para algum k {1, . . . , n} },n
k=1
Ak := {x : x Ak, para todo k {1, . . . , n} }.
Prove as seguintes generalizacoes das identidades de De Morgan:
1)
(n
k=1
Ak
)c=
nk=1
(Ak)c,
2)
(n
k=1
Ak
)c=
nk=1
(Ak)c,
5. Baseando-se no exposto no exerccio anterior, de as definicoes para
k=1
Ak e
k=1
Ak e prove as generalizacoes correspondentes para as iden-
tidades de De Morgan.
Sugestoes e Respostas:
A` guisa de incentivo, vamos dar um esboco da solucao do exerccio (1),
primeira parte, do exerccio (2), item 5, e da primeira parte do exerccio (6).
Voce esta convidado a fornecer os detalhes para as solucoes a seguir.
Comecemos pelo exerccio (1).
CEDERJ 12
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
Temos x (Ac)c x / Ac nao e verdade que x / A x A.Assim, conclumos que x (Ac)c x A, que e o que teramos quedemonstrar (por que?).
Quanto ao exerccio (2), item 5, temos x A (B C) x Ae x B C vale x A e vale x B ou x C vale x A ex B ou vale x A e x B (por que?) vale x A B ou valex AC x (AB) (AC). Assim, conclumos x A (B C) x (A B) (A C), que e o que precisavamos demonstrar.
Finalmente, em relacao ao exerccio (6), quanto a`s questoes relativas a`
uniao dos conjuntos, temos o seguinte. Primeiramente, a definicao de
k=1
Ak
e dada, naturalmente, por
k=1
Ak := {x : x Ak, para algum k N}.
A identidade de De Morgan (6), item 1, se prova do modo seguinte. Antes de
mais nada, lembre que a negacao de uma sentenca da forma existe x para o
qual vale P [x] ou para algum x, vale P [x] e dada por qualquer que seja
x, nao vale P [x] ou para todo x, nao vale P [x].
Analogamente, a negacao de uma sentenca da forma qualquer que seja
x, vale P [x] ou para todo x, vale P [x] e dada por existe x para o qual
nao vale P [x] ou para algum x, nao vale P [x].
Apenas por curiosidade, mencionamos que, em smbolos matematicos,
essas afirmacoes se traduzem por
(x)P [x] (x) P [x], (x)P [x] (x) P [x].
Aqui, P [x] denota uma proposicao ou formula dependendo da variavel x, e
P denota a negacao da proposicao P .Passemos a` solucao do exerccio em questao. Temos que x
(
k=1
Ak
)c nao e verdade que x
k=1
Ak nao e verdade que existe k N tal que
x Ak qualquer que seja k N, x / Ak x
k=1
(Ak)c (por que?), que
e o que precisavamos demonstrar.
13CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
Sobre Quantificadores
A proposito da solucao do exerccio (6), descrita anteriormente, cabe
lembrar que os quantificadores (para todo ou qualquer que seja) e (para algum ou existe um) podem aparecer juntos numa mesma sentenca
aplicados a variaveis distintas. As seguintes sentencas servem de exemplo:
para todo x e para todo y vale P [x, y], ( (x)(y)P [x, y] )para todo x existe um y tal que vale P [x, y], ( (x)(y)P [x, y] )existe um x tal que para todo y vale P [x, y], ( (x)(y)P [x, y] )existe um x e existe um y tal que vale P [x, y], ( (x)(y)P [x, y] )
Aqui, P [x, y] denota uma formula ou proposicao dependendo das variaveis x
e y. Por exemplo, P [x, y] poderia ser x2 + y2 = 1, ou |x y| < 5, etc.A negacao da primeira das sentencas anteriores seria
existe um x e existe um y tal que nao vale P [x, y],
( (x)(y) P [x, y] )
e a negacao da segunda seria
existe um x tal que para todo y nao vale P [x, y],
( (x)(y) P [x, y] ).
Voce esta convidado a fornecer a negacao para as outras duas sentencas
anteriores.
Uma sentenca da forma qualquer que seja x, se x A entao vale P [x],que em smbolos matematicos se escreve
(x)x A P [x],
em geral e expressa na forma contrada qualquer que seja x A, vale P [x],que em smbolos matematicos se escreve
(x A)P [x].
Da mesma forma, uma sentenca do tipo existe um x, x A e vale P [x],que em smbolos matematicos se escreve
(x)x A e P [x],
CEDERJ 14
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
em geral e expressa na forma contrada existe um x A para o qual valeP [x], que em smbolos matematicos se escreve
(x A)P [x].
Sendo assim, a negacao de uma sentenca da forma qualquer que seja x A,vale P [x] e simplesmente dada por existe um x A para o qual nao valeP [x] (lembre-se de que a negacao de se p, entao q e p e nao q) . Em
smbolos matematicos isso se expressa da forma
(x A)P [x] (x A) P [x].
As mesmas observacoes se aplicam a sentencas iniciadas por varios quantifi-
cadores aplicados a diversas variaveis distintas, sendo uma para cada quan-
tificador. Por exemplo, considere a sentenca matematica para todo > 0,
existe um > 0, tal que para todo x R, se |x 1| < entao |x2 1| < ,que em smbolos se escreve
( > 0)( > 0)(x R)(|x 1| < |x2 1| < ).
A proposito, e sao letras gregas chamadas delta e epsilon, respectiva-
mente. A negacao desta sentenca seria existe um > 0 tal que, para todo
> 0, existe um x R para o qual |x 1| < e |x2 1| . Em smbolosteramos
( > 0)( > 0)(x R)(|x 1| < e |x2 1| ).
Como ficaria a negacao da sentenca matematica qualquer que seja >
0, existe N0 N tal que, para todo n N, se n > N0, entao 1n < ?Voce saberia escrever esta sentenca, assim como a sua negacao, em smbolos
matematicos?
Sobre letras gregas
Por tradicao ou pelas necessidades da notacao, e habitual em cursos de
matematica mais avancados, incluindo o de Analise Real, o uso de letras do
alfabeto grego, alem das do alfabeto latino. Acima, introduzimos duas delas,
(delta) e (epsilon) que reaparecerao com muita frequencia ao longo do
curso. Outras letras gregas que tambem poderao aparecer sao as seguintes:
(alpha), le-se alfa;
15CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
(beta), le-se beta;
(gamma), le-se gama;
(Gamma), le-se gama maiusculo;
(Delta), le-se delta maiusculo;
(eta), le-se eta;
(phi, de imprensa), le-se fi;
(phi, cursivo), le-se fi;
(psi), le-se psi;
(kappa), le-se capa;
(lambda), le-se lambda;
(mu), le-se mu;
(nu), le-se nu;
(omega), le-se omega;
(Omega), le-se omega maiusculo;
pi (pi), le-se pi;
(Pi), le-se pi maiusculo;
(rho), le-se ro;
(sigma), le-se sigma;
(Sigma), le-se sigma maiusculo (utilizado como smbolo para so-matorio);
(tau), le-se tau;
(xi), le-se csi;
(zeta), le-se zeta.
CEDERJ 16
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
Funcoes
Uma funcao f de um conjunto A num conjunto B, que denotamos
f : A B, e uma regra de correspondencia que a cada x A associa umunico elemento y B, que denotamos por f(x). Costuma-se representarpictoricamente uma funcao generica como na figura 1.1.
/ I(f)
f
A = D(f) B
I(f)
Figura 1.1: Funcao f : A B.
Assim, uma funcao f : A B determina um subconjunto em A B,chamado o grafico de f , que tambem denotaremos por f , com a propriedade
que, para todo x A, existe um unico y B tal que (x, y) f e denotamosy = f(x). Em particular, se (x, y) f e (x, y) f , entao y = y = f(x).
A expressao regra de correspondencia utilizada na definicao de funcao
dada acima, embora bastante intuitiva, carece de uma formulacao matematica
mais precisa.
A maneira de expressar essa nocao intuitiva de um modo matematica-
mente rigoroso e fornecida pelo grafico f AB. Assim, podemos definir,de modo matematico preciso, uma funcao como sendo o seu grafico.
Mais claramente, temos a seguinte definicao.
Definicao 1.1
Uma funcao f de um conjunto A num conjunto B e um subconjunto de ABcom a propriedade que, para todo x A, existe um e somente um y B talque (x, y) f , e denotamos y = f(x).
O domnio da funcao f : A B, denotado por D(f), e o conjunto A.Assim, D(f) = A. O conjunto B e algumas vezes chamado contra-domnio
da funcao f . Chamamos imagem de f , e denotamos I(f), o subconjunto de
17CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
B constitudo pelos valores f(x), com x A. Assim temos,
I(f) = {y B : existe x A tal que y = f(x)}.
Dado um subconjunto X A, definimos a imagem de X pela funcaof : A B, denotada por f(X), por
f(X) = {y B : existe x X tal que y = f(x)}.
Em particular, I(f) = f(A) e, para todo X A, temos f(X) B. Oconjunto f(X) tambem e chamado imagem direta do conjunto X por f .
Em geral, teremos I(f) ( B, onde a notacao E ( F significa que E
esta estritamente ou propriamente contido em F , ou seja, E esta contido em
F mas existe pelo menos um elemento de F que nao e membro de E.
Dado um subconjunto Y B, definimos a pre-imagem (ou imageminversa) de Y pela funcao f , denotada por f1(Y ), por
f1(Y ) = {x A : f(x) Y }.Exemplo 1.2
A funcao f : R R definida por f(x) = x2 tem domnio D(f) = R eimagem I(f) = {x R : x 0}. Neste caso, temos A = R, B = R eI(f) ( B = R. A imagem do intervalo [2, 2] e o intervalo [0, 4]. Assim,f([2, 2]) = [0, 4], como voce mesmo pode verificar desenhando uma porcaoadequada do grafico de f .
Exemplo 1.3
Sejam E,H subconjuntos de A e f uma funcao de A em B. Provemos a
identidade
f(E H) = f(E) f(H).Com efeito, temos que y f(E H) y = f(x) para algum x E H y = f(x) para algum x E ou y = f(x) para algum x H y f(E) ouy f(H) y f(E) f(H).Exemplo 1.4
Voce seria capaz de demonstrar a validade da relacao
f(E H) f(E) f(H) ?
Observe que para a funcao f : R R definida por f(x) = x2, E = [2, 0],H = [1, 2], temos f(E) f(H) = [1, 4] e f(E H) = f() = . Portanto, epossvel acontecer que f(E H) ( f(E) f(H).
CEDERJ 18
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
Exemplo 1.5
Dada uma funcao f : A B e conjuntos C,D B, pedimos a voce quedemonstre a validade das relacoes:
1. f1(C D) = f1(C) f1(D),
2. f1(C D) = f1(C) f1(D).
Portanto, a operacao de tomada da pre-imagem de subconjuntos do contra-
domnio se comporta bem tanto em relacao a` uniao quanto em relacao a`
intersecao.
Definicao 1.2
Dizemos que uma funcao f : A B e injetiva, ou que f e uma injecao, se,para quaisquer x1, x2 A, com x1 6= x2, vale f(x1) 6= f(x2).
Dizemos que f e sobrejetiva, ou que f e uma sobrejecao de A sobre B,
se I(f) = B, isto e, se para todo y B existe ao menos um x A tal quef(x) = y.
Se f : A B e ao mesmo tempo injetiva e sobrejetiva, dizemos que fe bijetiva ou que f e uma bijecao de A sobre B.
Assim, para provar que uma funcao f : A B e injetiva, devemosmostrar que a hipotese de que f(x1) = f(x2), com x1, x2 A, leva a` conclusaoque x1 = x2.
Exemplo 1.6
Seja f : R \ {2} R dada por f(x) = x/(x 2). Entao f e injetiva. Comefeito, se f(x1) = f(x2), com x1, x2 R\{2}, entao x1/(x12) = x2/(x22),de onde segue, multiplicando-se ambos os membros por (x1 2)(x2 2), quex1(x2 2) = x2(x1 2). Da temos, x1x2 2x1 = x2x1 2x2, ou seja,2x1 = 2x2, de onde se conclui que x1 = x2.Definicao 1.3 (Composicao de funcoes)
Dada uma funcao f : A B e uma funcao g : B C, definimos a funcaocomposta gf : A C pondo, para todo x A, gf(x) = g(f(x)). Observeque so e possvel definir a funcao composta g f quando I(f) D(g)!Exemplo 1.7
Seja f : [0,) R, dada por f(x) = x, e g : R R, dada por g(x) =x2 1. Entao podemos definir g f : [0,) R que, para x [0,), edada por g f(x) = g(f(x)) = (f(x))2 1 = (x)2 1 = x 1. Observe
19CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
que, embora a expressao x 1 esteja bem definida para qualquer x R, odomnio da funcao g f e o intervalo [0,), ja que f nao esta definida em(, 0).Exemplo 1.8
Se f e g sao as funcoes definidas no exemplo anterior, entao nao e possvel
definir a composta f g ja que I(g) 6 D(f). No entanto, se h : [1, 1] Re definida por h(x) = x2 1 (observe que h e g sao definidas pela mesmaformula mas D(h) 6= D(g)), entao podemos definir f h : [1, 1] Rque e dada por f h(x) = f(h(x)) = x2 1, que esta bem definido parax [1, 1].
No exemplo que acabamos de dar, vemos uma situacao em que e in-
teressante considerar a restricao de uma determinada funcao (g, no referido
exemplo) a um subconjunto do seu domnio ([1, 1] e R, respectivamente, noexemplo mencionado).
Em outras circunstancias, torna-se interessante considerar a restricao
de uma determinada funcao nao injetiva a um intervalo onde a mesma e
injetiva, como no caso da funcao f : R R, com f(x) = cos(x), que restritaao intervalo [0, pi] se torna injetiva. Esses fatos motivam a definicao a seguir.
Definicao 1.4
Dada a funcao f : A B e E A, definimos a restricao de f a E, denotadapor f |E, como a funcao de E em B definida por f |E(x) = f(x), para todox E.
Quando f : A B e uma bijecao, e possvel definir uma funcao g :B A tal que g f(x) = x, para todo x A. A funcao g que satisfaz essapropriedade e chamada a funcao inversa de f e denotada por f1. Podemos
definir a inversa de uma bijecao f : A B de modo mais preciso recorrendoao grafico de f .
Definicao 1.5
Seja f : A B uma bijecao, isto e, para todo x A existe um unico y Btal que (x, y) f e para todo y B existe um unico x A tal que (x, y) f .Definimos a funcao inversa de f , que denotamos f1 : B A, por
f1 := {(y, x) B A : (x, y) f}.Exemplo 1.9
A funcao f : R\{3} R\{2} dada por f(x) = 2x/(x3) e bijetiva (prove!).Sua inversa f1 : R \ {2} R \ {3} e dada por f1(y) = 3y/(y 2). Basta
CEDERJ 20
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
verificar que, para todo x R \ {3}, temos 3f(x)/(f(x) 2) = x. De fato,temos
3f(x)
f(x) 2 =3 2x
x32x
x3 2 =
6xx3
2x2(x3)x3
=6x
x32x2x+6
x3
=6x
x 3x 3
6= x.
A formula f1(y) = 3y/(y2) e facilmente obtida escrevendo-se y = 2x/(x3) e, a partir dessa equacao, determinando-se x como funcao de y. Assim,
multiplicando-se ambos os lados da equacao y = 2x/(x 3) por (x 3),obtemos y(x 3) = 2x, ou seja, yx 3y = 2x, e da, somando-se 3y 2xa ambos os membros da ultima equacao, segue que yx 2x = 3y, isto e,x(y 2) = 3y, donde se conclui que x = 3y/(y 2).
O resultado seguinte fornece uma formula para a pre-imagem de um
conjunto pela funcao composta de duas funcoes.
Teorema 1.1
Sejam f : A B e g : B C funcoes e seja H um subconjunto de C. Entaotemos
(g f)1(H) = f1(g1(H)).
Prova: A prova ficara como um otimo exerccio que voce nao deve deixar de
fazer (veja, exerccio 11 a seguir). Observe a troca na ordem das funcoes.
Exerccios 1.2
1. Seja f(x) := 1/x2, x 6= 0, x R.
(a) Determine a imagem direta f(E) onde E := {x R : 1 x 2}.(b) Determine a imagem inversa f1(G) onde G := {x R : 1 x
4}.
2. Seja g(x) := x2 e f(x) := x+2 para x R, e seja h a funcao compostah := g f .
(a) Encontre a imagem direta h(E) de E := {x R : 0 x 1}.(b) Encontre a imagem inversa h1(G) de G := {x R : 0 x 4}.
3. Seja f(x) = x2 para x R, e seja E := {x R : 1 x 0} eF := {x R : 0 x 1}. Encontre os conjuntos E \F e f(E) \ f(F )e mostre que nao e verdade que f(E \ F ) f(E) \ f(F ).
4. Mostre que a funcao f definida por f(x) := x/x2 + 1, x R, e uma
bijecao de R sobre {y : 1 < y < 1}.
21CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
5. Para a, b R com a < b, de um exemplo explcito de uma bijecao deA := {x : a < x < b} sobre B := {y : 0 < y < 1}.
6. De um exemplo de duas funcoes f, g de R sobre R tais que f 6= g evale:
(a) f g 6= g f ;(b) f g = g f .
7. (a) Mostre que se f : A B e injetiva e E A, entao f1(f(E)) =E. De um exemplo para mostrar que a igualdade nao precisa ser
valida se f nao e injetiva.
(b) Mostre que se f : A B e sobrejetiva eH B, entao f(f1(H)) =H. De um exemplo para mostrar que a igualdade nao precisa valer
se f nao e sobrejetiva.
8. Mostre que se f e uma bijecao de A sobre B, entao f1 e uma bijecao
de B sobre A.
9. Prove que se f : A B e bijetiva e g : B C e bijetiva, entao acomposta g f e uma bijecao de A sobre C.
10. Sejam f : A B e g : B C funcoes.
(a) Mostre que se g f e injetiva entao f e injetiva.(b) Mostre que se g f e sobrejetiva, entao g e sobrejetiva.
11. Prove o Teorema 1.1.
Prossiga: Nota sobre a Teoria dos Conjuntos
Um dos grandes feitos da Matematica do final do seculo XIX e incio do
seculo XX foi a fundamentacao logica rigorosa para a teoria dos conjuntos,
isto e, a formulacao de um sistema de axiomas a partir dos quais se tornou
possvel desenvolver, de modo aparentemente consistente, toda a teoria dos
conjuntos.
Uma das serias dificuldades encontradas na realizacao de tal obra re-
sidiu na propria definicao do que venha a ser um conjunto, a qual se mostrou
necessaria. O fato e que qualquer tentativa de se deixar completamente
a cargo da intuicao o conceito de conjunto, ou de se dar a esta entidade
CEDERJ 22
-
Preliminares: Conjuntos e FuncoesMODULO 1 - AULA 1
uma definicao simples, proxima da intuicao, esbarra invariavelmente no risco
de dar origem imediata ao surgimento de paradoxos. Isto ficou demons-
trado claramente pelo filosofo e matematico ingles Bertrand Russel (1872-
1970), em 1902, ao comentar a forma livre como o conceito havia sido deixado
por outro grande filosofo-matematico da epoca, o alemao Gottlob Frege
(1848-1925), numa obra importante sobre os fundamentos da aritmetica, pu-
blicada havia pouco tempo.
Em resumo, a forma proposta por Frege admitia a possibilidade de se
definir um conjunto R atraves da proposicao: R e o conjunto de todos os
conjuntos que nao pertencem a si mesmo. Em notacao matematica, essa
definicao se escreveria R := {x : x / x}. O resultado de tal especificacaopara R e a conclusao paradoxal de que R R se e somente se R / R.
Para evitar situacoes semelhantes, entre outras providencias, grandes
matematicos da epoca, dentre os quais citamos, em especial, David Hilbert
(1862-1943), concluram ser necessaria a distincao entre o que se pode chamar
classe ou colecao, que em geral nao se define, deixando-se como uma nocao
meramente intuitiva, e o conceito de conjunto, que passou a ser definido ri-
gorosamente como qualquer classe que pertenca a uma outra classe. Assim,
por definicao, a classe x e um conjunto se, e somente se, existe uma classe y
tal que x y.Alem disso, outra medida que se mostrou conveniente, nesse sentido,
foi a introducao de um axioma-esquema (isto e, um esquema de formacao de
axiomas) que, grosso modo, estabelece que e sempre verdade uma afirmacao
da forma
y, y {x : P [x]} se e somente se y e um conjunto e P [y].Lembre-se de que o smbolo significa para todo ou qualquer que seja.Aqui, P [y] denota a formula obtida substituindo-se em P [x] toda ocorrencia
da letra x pela letra y. Por exemplo, se P [x] e a formula x / x, entao P [R] ea expressao R / R. O fato nada obvio no axioma acima e o aparecimento dasentenca y e um conjunto, cuja importancia pode se constatar a partir da
propria classe R, proposta por Russel, mencionada acima, como explicamos
a seguir.
De fato, esse axioma-esquema implica, em particular, que R R(= {x :x / x}) se e somente se R e um conjunto e R / R. Desta equivalencia resultasimplesmente queR nao e um conjunto, ja que, do contrario, valeria R RR / R o que e impossvel. Assim, conclui-se que a classe R nao e um conjuntoe o paradoxo de Russel deixa de existir. Apenas a ttulo de curiosidade,
23CEDERJ
-
ANALISE REAL
Preliminares: Conjuntos e Funcoes
mencionamos que o fato de que R nao e um conjunto tambem decorre de um
outro axioma da teoria dos conjuntos, chamado axioma da regularidade, cujo
enunciado omitiremos por ser muito tecnico, do qual decorre diretamente o
fato de que, para toda classe x, vale que x / x, o qual e, na verdade, uma dasprincipais razoes para a introducao de tal axioma. Portanto, pelo mencionado
axioma da regularidade, R coincide com a colecao de todas as classes e, em
particular, nao pertence a nenhuma outra classe.
Essas e outras providencias, nos fundamentos da teoria dos conjuntos,
eliminaram paradoxos mais evidentes como o de Russel e, a bem da verdade,
ate os dias de hoje, nao se tem notcias de descoberta de paradoxos na teo-
ria. Contudo, isto nao significa que a possibilidade de que algum paradoxo
venha a ser encontrado no futuro esteja definitivamente descartada . . . Um
tal achado nao seria nem um pouco bem-vindo ja que a teoria dos conjuntos
serve de base para todas as demais teorias da Matematica.
A proposito, gostaramos de mencionar brevemente aqui um fato ab-
solutamente surpreendente provado pelo genial matematico austraco Kurt
Goedel (1906-1978), num celebre artigo publicado em 1931, quando tinha
apenas 25 anos (!). Goedel provou que um sistema de axiomas qualquer, que
possibilite a construcao dos numeros naturais com suas propriedades usuais,
e que nao admita contradicoes (isto e, nao contenha proposicao que seja
verdadeira juntamente com sua negacao), dara sempre origem a proposicoes
cujo valor-verdade nao e possvel de ser determinado. Isto e, havera sempre
alguma proposicao cuja validade ou falsidade nao se pode provar com um
numero finito de passos, partindo dos axiomas do sistema. Esse resultado
de Goedel foi, sem duvida, um marco fundamental da Matematica do seculo
XX.
CEDERJ 24
-
Os Numeros Naturais e o Princpio da InducaoMODULO 1 - AULA 2
Aula 2 Os Numeros Naturais e o Princpio
da Inducao
Metas da aula: Apresentar os numeros naturais e suas propriedadesbasicas. Apresentar o Princpio da Inducao Matematica e algumas de suas
aplicacoes.
Objetivos: Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
Saber a definicao dos numeros naturais atraves dos axiomas de Peano,bem como o seu uso na demonstracao das propriedades elementares das
operacoes com esses numeros;
Saber usar o Princpio da Inducao Matematica na demonstracao deproposicoes elementares envolvendo os numeros naturais.
Introducao
Nesta aula vamos estudar o conjunto dos numeros naturais que e a
base fundamental para a construcao do conjunto dos numeros reais. Vamos
aprender o Princpio da Inducao Matematica que e um instrumento funda-
mental para a demonstracao de proposicoes sobre os numeros naturais e sera
utilizado frequentemente ao longo de todo o curso.
Os numeros naturais
O conjunto dos numeros naturais, N = {1, 2, 3, . . . }, e definido a partirdos seguintes axiomas:
1. N possui um elemento que denotamos por 1; isto e, postula-se que
1 N.
2. Existe uma funcao s : N N satisfazendo:
(a) s e injetiva, isto e, dados j, k N, s(j) = s(k) se e somente sej = k;
(b) s(N) = N \ {1}.
Para cada numero natural k, s(k) e chamado sucessor de k e denota-se
s(k) = k + 1. Portanto, (b) afirma que 1 e o unico elemento de N que
nao e sucessor de nenhum outro numero natural.
25CEDERJ
-
ANALISE REAL
Os Numeros Naturais e o Princpio da Inducao
3. Se A N e tal que 1 A e s(A) A, isto e, k A implica k + 1 A,entao A = N.
Os 3 axiomas acima sao conhecidos como Axiomas de Peano em hom-
enagem ao matematico italiano Giuseppe Peano (1858 - 1932), criador,
entre outras coisas, da logica simbolica, que foi quem primeiro os formulou.
O terceiro axioma e conhecido como Princpio da Inducao Matematica. Ele
pode ser traduzido para o seguinte enunciado mais diretamente utilizado nas
aplicacoes.
Teorema 2.1 (Princpio da Inducao Matematica)
Seja P uma proposicao acerca dos numeros naturais. Suponhamos que P
seja tal que:
1. P [1] vale, isto e, 1 verifica a proposicao P ;
2. Se P [k] vale, entao vale P [k + 1], isto e, se k verifica a proposicao P ,
entao seu sucessor k + 1 tambem a verifica.
Entao, P e valida para todos os numeros naturais.
Prova: Denotemos por A o conjunto dos numeros naturais satisfazendo P .
Entao, por hipotese, temos 1 A; e se k A entao k + 1 A. Pelo terceiroaxioma de Peano temos que A = N, que e o que teramos que demonstrar.
As provas matematicas em que se aplica o Teorema 2.1 sao chamadas
provas por inducao. Em 2, no enunciado do Teorema 2.1, a hipotese de que
P [k] e valida e chamada hipotese de inducao. Como primeiro exemplo de
prova por inducao, vamos demonstrar que, para todo k N, vale s(k) 6= k.Neste caso, a propriedade P [k] e s(k) 6= k. Com efeito, 1 6= s(1), pois 1 naoe sucessor de nenhum numero natural; em particular, 1 nao e sucessor de si
proprio. Logo vale P [1]. Alem disso, se, para um certo k N, vale s(k) 6= k,entao, pela injetividade da funcao s, s(s(k)) 6= s(k), isto e, s(k+ 1) 6= k+ 1,e, portanto, vale P [k+1], o que conclui a prova por inducao de que s(k) 6= k,para todo k N.
Como s : N N \ {1} e uma bijecao, existe a sua funcao inversas1 : N \ {1} N que a cada k N \ {1} associa o numero s1(k) cujosucessor e k. Denotamos s1(k) = k 1, para k N \ {1}.
O terceiro axioma de Peano implica, em particular, que todos os numeros
naturais podem ser obtidos a partir de 1 tomando-se reiteradamente sem
CEDERJ 26
-
Os Numeros Naturais e o Princpio da InducaoMODULO 1 - AULA 2
cessar (comecando-se pelo proprio 1) a aplicacao sucessor s que tambem de-
notamos + 1, obtendo sucessivamente 1 + 1, 1 + 1 + 1, 1 + 1 + 1 + 1 etc. Osnomes e as notacoes para a sequencia de sucessores de 1 no sistema decimal
usual sao bastante familiares a todos nos:
2 := 1 + 1,
3 := 1 + 1 + 1,
4 := 1 + 1 + 1 + 1,
5 := 1 + 1 + 1 + 1 + 1,
6 := 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1,
7 := 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1,
8 := 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1,
9 := 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1,
10 := 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1,
A adicao de numeros naturais
Por meio da aplicacao + 1 podemos facilmente definir a operacao deadicao ou soma de dois numeros naturais quaisquer. Intuitivamente, podemos
estabelecer que a soma do natural j com o natural k e obtida aplicando-se k
vezes a transformacao + 1 a j, isto e,
j + k = j+1 + 1 + + 1 k vezes
. (2.1)
A rigor, a definicao de soma de dois numeros naturais que acabamos de dar
esta imprecisa do ponto de vista logico, ja que recorremos a` expressao k
vezes cujo significado matematico ainda nao foi definido. O procedimento
mais correto e definir essa operacao passo a passo fazendo uso do princpio
da inducao. Assim, primeiro definimos
j + 1 := s(j), (2.2)
o que esta de acordo com a notacao j+1 que adotamos para o sucessor de j,
s(j). Uma vez que ja temos a definicao de j+ k para k = 1, podemos definir
recursivamente
j + (k + 1) := (j + k) + 1. (2.3)
27CEDERJ
-
ANALISE REAL
Os Numeros Naturais e o Princpio da Inducao
Isto significa que se ja tivermos definido, para um certo k N, quem ej + k, resultara tambem imediatamente definido, atraves de (2.3), quem e
j+(k+1). Chama-se esse procedimento de definicao por inducao (indutiva)
ou definicao por recorrencia (recursiva).
Usando o Princpio da Inducao podemos provar que a operacao de
adicao de numeros naturais definida acima tem as propriedades de associa-
tividade, comutatividade e a lei do corte. Mais especificamente, para todos
j, k, l N, valem:1. (j + k) + l = j + (k + l); (associatividade)
2. j + k = k + j; (comutatividade)
3. se j + l = k + l, entao j = k. (lei do corte)
Por exemplo, para provar a associatividade basta uma simples inducao em
l N. Para l = 1 a propriedade decorre diretamente de (2.3). Supondo apropriedade valida para um certo l N, temos (j+k)+(l+1) = ((j+k)+l)+1(por (2.3)) e ((j+k)+ l)+1 = (j+(k+ l))+1 (pois vale P [l]) e, de novo por
(2.3), (j + (k+ l)) + 1 = j + ((k+ l) + 1) = j + (k+ (l+ 1)), onde na ultima
igualdade usamos P [1]. Logo, se vale (j + k) + l = j + (k + l), vale tambem
(j + k) + (l + 1) = j + (k + (l + 1)), o que conclui a prova por inducao da
associatividade da adicao.
Para provar a propriedade da comutatividade, provamos primeiro que,
para todo j N, vale j + 1 = 1 + j, fazendo inducao em j. Para j = 1 aigualdade e trivial. Supondo que vale para um certo j N, prova-se facil-mente que vale para j + 1, usando-se a definicao de adicao e a hipotese de
inducao, P [j]. Em seguida, fixando j N arbitrario, fazemos uma novainducao em k N para provar que j+ k = k+ j, para todo k N. Voce cer-tamente sera capaz de dar agora os detalhes da demonstracao da propriedade
da comutatividade.
Finalmente, a prova da lei do corte tambem decorre de uma inducao
simples em l N. Com efeito, fixados j, k N, arbitrarios, se tivermosj + 1 = k + 1 entao, decorre da injetividade da funcao s que j = k e,
portanto, vale P [1]. Supondo que valha P [l], para um certo l N, isto e, quej+ l = k+ l j = k, temos j+(l+1) = k+(l+ l) (j+ l)+1 = (k+ l)+1(pela associatividade) e, como vale P [1], (j + l) + 1 = (k + l) + 1 j + l =k + l j = k, onde a ultima implicacao e a hipotese de inducao P [l]. Logotemos que se vale P [l] vale P [l+ 1], o que conclui a prova por inducao da lei
do corte para a adicao de numeros naturais.
CEDERJ 28
-
Os Numeros Naturais e o Princpio da InducaoMODULO 1 - AULA 2
A propriedade da associatividade nos permite escrever simplesmente
j + k + l em lugar de (j + k) + l ou j + (k + l).
A ordem entre os numeros naturais
O resultado seguinte exibe uma propriedade da adicao dos numeros
naturais que da origem a` nocao de ordem usual entre os mesmos.
Teorema 2.2
Dados dois numeros naturais quaisquer, m e n, uma, e somente uma, das
possibilidades abaixo e valida:
1. m = n;
2. Existe d N tal que m+ d = n;
3. Existe d N tal que m = n+ d.
Prova: Se um dos dois numeros, m ou n, e igual a 1, digamos m = 1, entao
a terceira possibilidade e vazia, ja que se tivermos 1 = n + d, para certos
n, d N, entao 1 seria sucessor de n + (d 1), ou de n, caso d = 1, o quee impossvel.
Alem disso, vemos que se m = 1, entao as duas primeiras possibilidades
sao mutuamente excludentes, isto e, no maximo uma delas ocorre, ja que se
1 = n, entao nao pode valer 1 + d = n, para nenhum d N, pois neste caso1 seria sucessor de d o que e impossvel.
Agora, supondo que para um m N qualquer, fixado, as tres possibili-dades acima sao mutuamente excludentes, qualquer que seja n N (essa e ahiotese de inducao P [m]), podemos provar que o mesmo deve valer quando
tomamos m+ 1 em lugar de m.
Com efeito, para isso supomos por absurdo que duas delas ocorram si-
multaneamente, usamos a associatividade da adicao e/ou a lei do corte, para
provar que isso implicaria a negacao da hipotese de inducao P [m], chegando
assim a uma contradicao. Conclumos entao que vale P [m+ 1], o que prova
que as possibilidades 1, 2 e 3 do enunciado sao sempre mutuamente exclu-
dentes.
Para concluir a prova do teorema devemos provar que uma dessas pos-
sibilidades sempre ocorre. Para tanto, dado um n N arbitrario, definimos
29CEDERJ
-
ANALISE REAL
Os Numeros Naturais e o Princpio da Inducao
o conjunto X(n) por
X(n) = X(n) {n} X+(n),
com
X(n) = {m N : m+ d = n, para algum d N},X+(n) = {m N : m = n+ d, para algum d N}.
Observe que, pelo que ficou provado acima, a intersecao de quaisquer dois
entre os tres conjuntos, X(n), {n} e X+(n), e vazia. O objetivo entao emostrar que X(n) = N para todo n N. Provamos primeiro que X(1) = N.Neste caso, como observado acima, temos X(1) = . Claramente, temos1 X(1). Alem disso, supondo k X(1), para um certo k N, provamosque k + 1 X(1). Com efeito, se k X(1) entao, ou k = 1, e nesse casok+1 X+(1), ou k X+(1), e nesse caso k = 1+d, para algum d N. Noultimo caso, temos k+1 = (1+ d)+1 =(pela associatividade)= 1+(d+1),
e assim fica provado que k X(1) k + 1 X(1). Pelo terceiro axiomade Peano (Princpio da Inducao) segue que X(1) = N. A prova de que
X(n) = N, para todo n N, decorrera novamente do Princpio da Inducaose mostrarmos que X(k) = N X(k+1) = N. Deixamos isso como exercciopara voce fazer.
Definicao 2.1
Dizemos que o natural m e menor que o natural n, ou que n e maior que n,
e denotamos m < n, se existe d N tal que m + d = n. A notacao n > mequivale a m < n e a notacao m n significa m < n ou m = n. Se m < n,o numero natural d tal que m+ d = n e denotado nm. Observe que essanotacao e coerente com a notacao n 1 para o antecessor de n.
A relacao < tem as propriedades:
1. Se m < n e n < p entao m < p; (transitividade)
2. Se m < n e p N entao m+ p < n+ p; (monotonicidade)
3. Dados dois numeros quaisquer m,n N vale uma, e somente uma, dasseguintes possibilidades: ou m < n, ou m = n, ou n < m. (tricotomia)
A terceira propriedade e o proprio Teorema 2.2 reescrito de forma dis-
tinta. A primeira e a segunda propriedade decorrem diretamente da definicao
de
-
Os Numeros Naturais e o Princpio da InducaoMODULO 1 - AULA 2
Com efeito, se m < n e n < p entao existem d1 e d2 tais que m+d1 = n
e n+ d2 = p. Decorre da que (m+ d1) + d2 = p, isto e, m+ (d1 + d2) = p e,
portanto, m < p. Quanto a` segunda, se m < n, entao m+d = n, para algum
d N, assim n+ p = (m+ d) + p = (m+ p) + d e, portanto, m+ p < n+ p.
O seguinte resultado e uma consequencia imediata do Teorema 2.1.
Teorema 2.3 (Princpio da Inducao Matematica (segunda versao))
Seja n0 N e seja P [n] uma proposicao acerca dos numeros naturais n n0.Suponhamos que:
1. A proposicao P [n0] e verdadeira;
2. Para todo k n0, a proposicao P [k] implica P [k + 1].Entao, P [n] e valida para todo n n0.
Prova: Se n0 = 1, entao o enunciado acima e o proprio Teorema 2.1. Se n0 >
1, entao, para cada n N, consideramos a proposicao Q[k] = P [(n01)+k].Entao, a hipotese 1 do enunciado afirma que vale Q[1], ao passo que a
hipotese 2 afirma que Q[k] implica Q[k+1]. Pelo Teorema 2.1 segue que vale
Q[k], para todo k N, isto e, vale P [n] para todo n n0.
O produto de numeros naturais
O produto de dois numeros naturais, m n, m,n N, pode ser definidorecursivamente, como ja foi feito para a adicao, da seguinte forma:
m 1 = m,m (n+ 1) = m n+m.
As duas linhas acima constituem o modo rigoroso de expressar a definicao
informal bastante conhecida:
m n := m+m+ +m n vezes
.
No que segue, frequentemente, denotaremosmn simplesmente pormn, comoe usual.
Usando o Princpio da Inducao, como fizemos para o caso da adicao,
podemos provar as seguintes propriedades bem conhecidas satisfeitas pelo
produto de numeros naturais. Deixamos a voce, como exerccio, a demons-
tracao de tais propriedades. Para todos m,n, p N temos:
31CEDERJ
-
ANALISE REAL
Os Numeros Naturais e o Princpio da Inducao
1. (mn)p = m(np); (associatividade)
2. mn = nm; (comutatividade)
3. Se mn = mp entao n = p; (lei do corte)
4. Se m < n entao mp < np; (monotonicidade)
5. m(n+ p) = mn+mp. (distributividade)
Dado qualquer m N, definimos mk, para todo k N, estabelecendoque m1 = m e mk+1 = m mk. Analogamente, o fatorial de um numeronatural n e definido indutivamente pondo-se 1! = 1 e (n+ 1)! = (n+ 1) n!.Expresso de modo menos formal, temos
mk = m m m k vezes
, n! = n(n 1) 2 1.
O Princpio da Boa Ordenacao
Dado um conjunto A N, dizemos que m0 e o menor elemento de A,ou e o elemento mnimo de A, se m0 m, para todo m A. E imediatoverificar que o elemento mnimo, quando existe, e unico. Com efeito, se m0
e m1 sao dois elementos mnimos de A, entao m0 m1, pois m0 e mnimo,e m1 m0, pois m1 tambem e mnimo. Logo, m0 = m1.
Se considerarmos o proprio conjunto N, vemos que 1 e o elemento
mnimo de N, ja que, para todo m N, ou m = 1, ou m e o sucessorde algum outro numero natural, o qual e menor que m.
Analogamente, M0 A e chamado o maior elemento de A, ou o e-lemento maximo de A, se m M0, para todo m A. A prova de queo elemento maximo de A N e unico, quando existe (!), e feita de modoidentico ao que foi feito para provar a unicidade do mnimo. Nem sempre
um subconjunto nao-vazio de N possui elemento maximo. O proprio N nao
o possui, ja que para todo m N, m+ 1 N e m < m+ 1.No entanto, em relacao ao mnimo, vale o seguinte princpio fundamen-
tal.
Teorema 2.4 (Princpio da Boa Ordenacao)
Se A N e A 6= entao A possui um menor elemento.
Prova: Dado n N, denotemos Jn := {k N : 1 k n}. Seja A umsubconjunto nao-vazio de N. Como A e nao-vazio, N\A 6= N. Se 1 A, entao
CEDERJ 32
-
Os Numeros Naturais e o Princpio da InducaoMODULO 1 - AULA 2
1 e o elemento mnimo de A, ja que 1 e o elemento mnimo de N. Suponhamos,
entao, que 1 / A, isto e, 1 N \A. Seja X := {n N : Jn N \A}. ComoJ1 = {1}, temos 1 X, ja que estamos supondo que 1 N \ A. Se paratodo m X tivermos m+ 1 X entao, pelo Princpio da Inducao, teremosX = N, o que implicara N \ A = N e da A = , contrariando a hipotese deque A e nao-vazio. Assim, deve existir m0 X tal que m := m0 + 1 / X.Afirmamos que m, assim definido, e o elemento mnimo de A.
Com efeito, se p < m, entao p Jm0 N\A, e, portanto, p / A. Logo,para todo p A devemos ter m p, o que demonstra que m e o elementomnimo de A e conclui a prova.
A seguir damos alguns exemplos mais praticos de demonstracoes por
inducao. Neles faremos livre uso das propriedades dos numeros reais ja
bastante conhecidas por voce (uma exposicao mais formal sobre essas pro-
priedades sera feita mais adiante).
Exemplos 2.1
(a) Para cada n N, a soma dos n primeiros numeros naturais e dada por
1 + 2 + + n = 12n(n+ 1). (2.4)
Com efeito, chamemos P [n] esta formula. Nesse caso, P [1] e 1 = 121 2
que, portanto, e verdadeira. Suponhamos agora que valha P [k], isto e,
1 + 2 + + k = 12k(k + 1).
Somando (k+1) a ambos os membros desta equacao, obtemos uma nova
equacao cujo o membro esquerdo e 1+2+ +(k+1), que e o membroesquerdo da formula P [k+1]. Por outro lado, apos somarmos (k+1) a`
equacao P [k], o membro direito da nova equacao e 12k(k+1)+(k+1) =
12(k + 1)(k + 2). Assim, somando (k + 1) a` equacao P [k] obtemos
1 + 2 + + (k + 1) = 12(k + 1)(k + 2),
que nada mais e que P [k + 1]. Assim, pelo Princpio da Inducao
Matematica (Teorema 2.1), segue que P [n], isto e, a equacao (2.4),
e verdadeira para todo n N.
33CEDERJ
-
ANALISE REAL
Os Numeros Naturais e o Princpio da Inducao
(b) Para cada n N, a soma dos quadrados dos n primeiros numerosnaturais e dada por
12 + 22 + + n2 = 16n(n+ 1)(2n+ 1). (2.5)
De novo, chamando P [n] esta formula, vemos que P [1] e 1 = 16 1 2 3
e, portanto, e verdadeira. Suponhamos que valha P [k]:
12 + 22 + + k2 = 16k(k + 1)(2k + 1).
Somando (k + 1)2 a ambos os membros da equacao P [k] obtemos
12 + 22 + + k2 + (k + 1)2 = 16k(k + 1)(2k + 1) + (k + 1)2
=1
6(k + 1)(k(2k + 1) + 6(k + 1))
=1
6(k + 1)(2k2 + 7k + 6)
=1
6(k + 1)(k + 2)(2k + 3).
O membro esquerdo da primeira equacao desta cadeia de equacoes e o
membro direito da ultima equacao coincidem com os membros esquerdo
e direito de P [k+1]. Portanto, temos que P [k] implica P [k+1]. Logo,
pelo Princpio da Inducao Matematica, conclumos que (2.5) vale para
todo n N.
(c) Dados dois numeros a, b N, a > b, provaremos que a b e um fatorde an bn, para todo n N. Com efeito, para n = 1 a afirmacao eobvia. Suponhamos entao que valha P [k]: a b e um fator de ak bk.Entao temos
ak+1 bk+1 = ak+1 abk + abk bk+1= a(ak bk) + (a b)bk.
Pela hipotese de inducao (vale P [k]), conclumos entao que vale P [k+1].
De novo, pelo Princpio da Inducao, vemos que a afirmacao vale para
todo n N. Como aplicacao, deduzimos, por exemplo, que 13n 8ne divisvel por 5, 17n 13n e divisvel por 4, etc., qualquer que sejan N.
(d) A desigualdade 2n > 2n + 1 e verdadeira para n 3 (observe que elanao vale para n = 1, 2). De fato, chamando de P [n] a desigualdade,
CEDERJ 34
-
Os Numeros Naturais e o Princpio da InducaoMODULO 1 - AULA 2
vemos que vale P [3] ja que 23 = 8 > 7 = 2 3 + 1. Suponhamos quevalha P [k]: 2k > 2k + 1. Levando em conta que 2k + 2 > 3 para todo
k N, apos multiplicar P [k] por 2, temos
2k+1 > 2(2k + 1) = 4k + 2 = 2k + (2k + 2) > 2k + 3 = 2(k + 1) + 1,
e assim obtemos P [k + 1]. Portanto, pelo Teorema 2.3 conclumos que
a desigualdade vale para todo n 3.
(e) A desigualdade 2n (n + 1)! pode ser estabelecida pelo Princpio daInducao Matematica. De fato, inicialmente observemos que vale P [1],
ja que 21 = 2 = 2 1 = 2!. Supondo que valha P [k], isto e, 2k (k+1)!,multiplicando P [k] por 2, e usando o fato que 2 k + 2, segue que
2k+1 2(k + 1)! (k + 2)(k + 1)! = (k + 2)!,
o que nos da que vale P [k+ 1]. Portanto, o Teorema 2.1 implica que a
desigualdade vale para todo n N.
A seguinte versao do Princpio da Inducao Matematica e, a`s vezes, bas-
tante util. Alguns autores a chamam Princpio da Inducao Forte. Usamos
a notacao habitual {1, 2, . . . , k} para denotar o conjunto Jk = {j N : 1 j k}.Teorema 2.5 (Princpio da Inducao Forte)
Seja S um subconjunto de N tal que
(1) 1 S.
(2) Para todo k N, se {1, 2, . . . , k} S, entao k + 1 S.
Entao S = N.
Prova: Consideremos o conjunto X = N \ S. Provaremos por contradicaoque X = . Suponhamos entao que X 6= . Entao, pelo Princpio da BoaOrdenacao, X possui um elemento mnimo m0. Como, por (1), 1 S, temosm0 > 1. Por outro lado, como m0 e o menor elemento de X = N \ S, temosque {1, . . . ,m0 1} S. Decorre entao de (2) que m0 S, o que nos dauma contradicao e conclui a prova.
Exerccios 2.1
35CEDERJ
-
ANALISE REAL
Os Numeros Naturais e o Princpio da Inducao
1. Prove que1
1 2 +1
2 3 + +1
n(n+ 1)=
n
n+ 1para todo n N.
2. Prove que 13 + 23 + + n3 = [12n(n+ 1)
]2para todo n N.
3. Prove que 3 + 11 + + (8n 5) = 4n2 n para todo n N.
4. Prove que 12 + 32 + + (2n 1)2 = (4n3 n)/3 para todo n N.
5. Prove que 12 22 + 32 + + (1)n+1n2 = (1)n+1n(n + 1)/2 paratodo n N.
6. Prove que n3 + 5n e divisvel por 6 para todo n N.
7. Prove que 52n 1 e divisvel por 8 para todo n N.
8. Prove que n3 + (n+ 1)3 + (n+ 2)3 e divisvel por 9 para todo n N.
9. Prove que vale o binomio de Newton: dados a, b R, para todo n N,vale
(a+ b)n = an +
(n
1
)an1b+
(n
2
)an2b2 + +
(n
n 1)abn1 + bn,
onde(
nk
)= n!/k!(nk)!. (Sugestao: verifique que (n
k
)+(
nk+1
)=(
n+1k+1
).)
10. Prove a desigualdade de Bernoulli: dado x R, x > 1, para todon N vale
(1 + x)n 1 + nx.
11. Prove que n < 2n para todo n N.
12. Prove que 2n < n! para todo n 4, n N.
13. Prove que 2n 3 2n2 para todo n 5, n N.
14. Prove que 1/
1 + 1/
2 + + 1/n > n para todo n > 2, n N.
15. Sejam os numeros xn definidos do seguinte modo: x1 := 1, x2 := 2 e
xn+2 :=12(xn+1 + xn) para todo n N. Use o Princpio da Inducao
Forte (Teorema 2.5) para mostrar que 1 xn 2 para todo n N.
CEDERJ 36
-
Os Numeros Naturais e o Princpio da InducaoMODULO 1 - AULA 2
Prossiga: Numeros Inteiros e Racionais
Vamos descrever sucintamente como o conjunto dos numeros inteiros
Z e o conjunto dos numeros racionais Q sao definidos a partir de N e como
sao definidas a adicao, a multiplicacao e a ordem entre esses numeros. Men-
cionaremos, omitindo as provas, algumas propriedades satisfeitas pelas ope-
racoes e pela ordem definidas para os inteiros. Abordaremos mais detalhada-
mente essas propriedades em breve, quando estivermos estudando os numeros
reais.
O conjunto Z e definido adicionando-se a N o elemento 0, chamado
zero, e, para cada k N, o elemento k, chamado menos k. Define-se aadicao entre dois inteiros quaisquer estabelecendo que a mesma coincide com
a adicao em N, quando ambos os numeros pertencem a N, e pondo-se alem
disso:
0 + s = s+ 0 := s, para todo s Z,(j) + j = j + (j) := 0, para todo j N,(j) + (k) := (j + k), para todos j, k N,(j) + k = k + (j) := k j se j, k N e j < k,(j) + k = k + (j) := (j k) se j, k N e j > k,
onde denotamos (j k) := d, com d = j k.Verifica-se facilmente que a adicao de inteiros assim definida satisfaz:
r + s = s+ r (comutatividade) e (r + s) + t = r + (s+ t) (associatividade).
A ordem em Z e definida estabelecendo-se que r < s se r + d = s
para algum d N. Em particular, 0 < n e n < 0, para todo n N.A transitividade (r < s e s < t r < t), a monotonicidade (r < s r+ t < s+ t) e a tricotomia (uma e so uma das alternativas e valida: r < s,
r = s, ou r > s) valem quaisquer que sejam r, s, t Z como e facil verificar.A multiplicacao em Z e definida estabelecendo-se que ela coincide com
a multiplicacao em N, quando ambos os numeros pertencem a N, e pondo
0 s = s 0 := 0, para todo s Z,(j) (k) = (k) (j) := j k, para todos j, k N,(j) k = j (k) := j k, para todos j, k N.
Pode-se provar sem dificuldade que a multiplicacao em Z, assim definida,
e comutativa, associativa e distributiva em relacao a` adicao: r s = s r
37CEDERJ
-
(comutatividade), (rs)t = r(st) (associatividade), r(s + t) = rs + rt (dis-
tributividade).
Alem disso, nao e difcil verificar que se r < s entao r t < s t, se t > 0(isto e, se t N) e r t > s t, se t < 0 (isto e, se (1) t N).
Finalmente, se, para todo s Z, definirmos s = (1) s, temos quevalem as equacoes s+ (s) = (s) + s = 0 e (s) = s.
O conjunto Q dos numeros racionais e formado por objetos da formap
qonde p, q Z e q 6= 0, convencionando-se que p
q= r
sse e somente se
p s = r q. Definem-se a soma e a multiplicacao de numeros racionais comovoce ja conhece bem:
p
q+r
s=ps+ qr
qs,
p
q rs
=p rq s .
As operacoes assim definidas sao comutativas e associativas, e vale tambem
a distributividade da multiplicacao em relacao a` adicao. Denota-se
pq
:= (1) pq
=pq
ep
q rs
:=p
q+(rs
)=p
q+rs.
Define-se a ordem entre os racionais estabelecendo-se quep
q> 0 se
p q > 0 e pq>r
ssep
q rs> 0.
Se x, y, z Q, verifica-se sem muita dificuldade que: (i) x < y e y < zimplica x < z; (ii) x < y entao x + z < y + z; (iii) x < y entao xz < yz se
z > 0 e xz > yz se z < 0; (iv) uma e so uma das alternativas e valida: x < y,
x = y, ou x > y.
Se x Q \ {0} e x = pq
define-se x1, chamado o inverso de x, por
x1 :=q
p. Verifica-se sem dificuldade que x1 e o unico racional satisfazendo
x x1 = 1.
-
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-EnumeraveisMODULO 1 - AULA 3
Aula 3 Conjuntos Finitos, Enumeraveis e
Nao-Enumeraveis
Metas da aula: Apresentar a definicao de conjunto finito e de numerode elementos de um conjunto finito. Definir conjunto enumeravel e conjunto
nao-enumeravel.
Objetivos: Ao final desta aula, voce devera ser capaz de:
Saber o significado e o uso da definicao matematica de conjunto finito,bem como demonstrar fatos simples envolvendo esse conceito;
Saber o significado e o uso da definicao matematica de conjunto enu-meravel, bem como demonstrar fatos simples envolvendo esse conceito.
Introducao
O Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos da America, no ano
de 2005, foi calculado em 12.452.000.000.000 (doze trilhoes, quatrocentos e
cinquenta e dois bilhoes) de dolares e o do Brasil, no mesmo ano de 2005,
foi calculado em 795.000.000.000 (setecentos e noventa e cinco bilhoes) de
dolares. Essas estimativas deram aos EUA e ao Brasil, respectivamente, a 1a
e a 11a posicao na classificacao das maiores economias do mundo.
O fato para o qual queremos chamar atencao aqui nao tem nada a ver
com economia.
O ponto que queremos ressaltar e que, no nosso dia-a-dia, por exemplo,
na leitura de um jornal, podemos nos deparar com numeros tao grandes que
nenhum ser humano na face da Terra seria capaz de contar 1, 2, 3,. . . , ate
chegar a eles, sem saltar nenhum numero intermediario, simplesmente porque
seriam necessarios centenas ou milhares de anos para faze-lo, estimando-se
que levassemos, digamos, em media, 1/2 segundo para recitar cada um deles.
Mesmo assim, voce nao hesitaria em afirmar prontamente que os numeros
referentes aos PIBs citados representam quantidades finitas, seja la o que isso
realmente signifique em ultima instancia.
O fato e que a nocao de conjunto finito e extremamente primitiva, e o ser
humano criou sistemas numericos capazes de representar qualquer quantidade
finita muito antes de se preocupar em obter uma definicao matematica precisa
do que venha ser conjunto finito. Muito ao contrario, a definicao que se
39CEDERJ
-
ANALISE REAL
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-Enumeraveis
procurou dar em tempos muito mais recentes (ha menos de um seculo e meio)
tinha, diante de si, o desafio de possibilitar a demonstracao matematica de
fatos absolutamente evidentes para o senso comum como, por exemplo, o de
que a uniao de uma quantidade finita de conjuntos finitos e um conjunto
finito. Afinal, temos certeza de que um trilhao e uma quantidade finita
porque sabemos que um trilhao corresponde a mil grupos de um bilhao de
elementos e, por sua vez, um bilhao corresponde a mil grupos de um milhao,
que por sua vez corresponde a mil grupos de mil etc.
Conjuntos Finitos e Infinitos
Por ora basta de discussao informal; vamos a` definicao matematica.
Definicao 3.1
1. Dizemos que o conjunto vazio tem 0 elementos.
2. Se n N, dizemos que um conjunto A tem n elementos se existe umabijecao do conjunto Jn := {1, 2, . . . , n} sobre A. Se A tem n elementos,dizemos que n e a cardinalidade de A e denotamos, n = #(A), ou
n = card(A).
3. Um conjunto e dito finito se, ou e vazio, ou tem n elementos para algum
n N.
4. Um conjunto A e dito infinito se ele nao e finito.
Como a inversa de uma bijecao e uma bijecao, segue que o conjunto
A tem n elementos se, e somente se, existe uma bijecao de A sobre Jn. Do
mesmo modo, como a composisao de duas bijecoes e uma bijecao, temos que
um conjunto A tem n elementos se, e somente se, existe uma bijecao de A
sobre um outro conjunto B que possui n elementos. Alem disso, um conjunto
C e finito se, e somente se, existe uma bijecao de C sobre um conjunto D
que e finito.
Uma vez apresentada a definicao matematica do que venha ser um
conjunto ter n elementos e preciso, antes de mais nada, que se verifique a
unicidade deste n, isto e, que um mesmo conjunto nao pode possuir, de acordo
com a definicao, mais de um numero n de elementos. Alem disso, poderia
acontecer que, com a definicao dada, fosse possvel mostrar que N e finito,
o que iria contrariar a nocao primitiva que temos desse conceito. Assim, e
CEDERJ 40
-
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-EnumeraveisMODULO 1 - AULA 3
preciso mostrar que a definicao acima implica que N e infinito, como manda
o senso comum.
Teorema 3.1 (Unicidade)
Se m,n N e m < n, entao nao pode existir uma bijecao f : Jm Jn. Emparticular, se A e finito, entao #(A) e um numero unico.
Prova: Suponhamos, por absurdo, que existam m,n N, com m < n, talque existe uma bijecao f : Jm Jn. Entao, o conjunto C dos n N para osquais existe m < n tal que existe uma bijecao entre Jm e Jn e nao-vazio.
Pelo Princpio da Boa Ordenacao esse conjunto possui um menor ele-
mento n0. Assim, existem m0 < n0 e uma bijecao f : Jm0 Jn0 . Claramenten0 > 1, pois do contrario nao haveria m N com m < n0. Se f(m0) = n0entao f |Jm01 e uma bijecao entre Jm01 e Jn01, o que contradiz o fato den0 ser o menor elemento de C. Por outro lado, se f(m0) 6= n0, tomemosm1 Jm0 tal que f(m1) = n0 e n1 Jn0 tal que f(m0) = n1. Definimosg : Jm0 Jn0 pondo g(m0) = n0, g(m1) = n1, e g(m) = f(m), para todom Jm0 \ {m1,m0}. Claramente, g e uma bijecao, dado que f o e. Entao,temos que g|Jm01 e uma bijecao entre Jm01 e Jn01, o que nos da novamenteuma contradicao e prova a primeira parte do teorema.
Quanto a #(A) ser um numero unico, se isso nao fosse verdade exis-
tiriam m,n N, com m < n, e duas bijecoes f : Jm A e g : Jn A.Nesse caso, f g1 seria uma bijecao de Jm sobre Jn o que contradiz a parteja provada do teorema. Logo, #(A) e um numero unico.
Teorema 3.2
O conjunto N dos numeros naturais e um conjunto infinito.
Prova: Suponhamos por absurdo que N e finito. Nesse caso existe m N euma bijecao f : Jm N. Seja n := f(m). Definimos g : N N \ {n} pondog(k) = k, se k < n, e g(k) = k + 1, se k n. Entao g e uma bijecao (porque?). Por outro lado, como f e bijecao, entao h := f |Jm1 e uma bijecaoentre Jm1 e N \ {n}. Logo, g1 h e uma bijecao de Jm1 sobre Jm o quenos da uma contradicao em vista do Teorema 3.1. Logo, N e um conjunto
infinito.
O proximo resultado estabelece algumas propriedades elementares de
conjuntos finitos e infinitos.
Teorema 3.3
41CEDERJ
-
ANALISE REAL
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-Enumeraveis
(a) Se A e um conjunto com m elementos e B e um conjunto com n ele-
mentos, e se A B = , entao A B tem m+ n elementos.
(b) Se A e um conjunto com m elementos e C A e um conjunto com 1elemento, entao A \ C e um conjunto com m 1 elementos.
(c) Se C e um conjunto infinito e B e um conjunto finito, entao C \ B eum conjunto infinito.
Prova: Provemos (a). Seja f uma bijecao de Jm sobre A e g uma bijecao
de Jn sobre B. Definimos h : Jm+n A B pondo h(i) := f(i), parai = 1, . . . ,m, e h(i) = g(i m), para i = m + 1, . . . ,m + n. Voce poderaverificar sem dificuldade que h e uma bijecao de Jm+n sobre A B.
A demonstracao de (b) segue diretamente de (a). A prova de (c) segue
tambem de (a), mas por contradicao, supondo, por absurdo, que C e um
conjunto infinito, B e um conjunto finito e que C \ B e um conjunto finito.Os detalhes dessas demonstracoes sao deixados para voce como exerccio
(veja Exerccio 2 ao final desta aula).
O fato de que um subconjunto de um conjunto finito tambem e um
conjunto finito e intuitivamente obvio mas precisa ser demonstrado partindo-
se da definicao dada acima. Como veremos, a prova, embora simples, requer
um pouco mais de trabalho que o esperado.
Teorema 3.4
Suponhamos que A e B sejam conjuntos e que A B.
(a) Se B e um conjunto finito entao A e um conjunto finito.
(b) Se A e um conjunto infinito entao B e um conjunto infinito.
Prova: Provemos, inicialmente, (a). Se A = entao ja sabemos que Ae finito e nada ha para demonstrar. Suponhamos entao que A 6= . Aprova sera feita por inducao sobre o numero de elementos de B. Se B tem
1 elemento, entao o unico subconjunto nao-vazio de B e ele proprio. Logo
A = B e, portanto, A e finito.
Suponhamos que todo subconjunto de um conjunto com n elementos
e finito; essa e a proposicao P [n] cuja veracidade tomamos como hipotese.
Provemos que, neste caso, vale P [n + 1], isto e, que todo subconjunto de
um conjunto com n+ 1 elementos e finito. Seja, entao, B um conjunto com
CEDERJ 42
-
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-EnumeraveisMODULO 1 - AULA 3
n+ 1 elementos, A B e seja f : Jn+1 B uma bijecao. Se f(n+ 1) / A,entao A B1 := B \ {f(n+ 1)} e, pelo tem (b) do Teorema 3.3, B1 tem nelementos. Logo, pela hipotese de inducao P [n], nesse caso A e finito. Por
outro lado, se f(n + 1) A, entao A1 := A \ {f(n + 1)} e subconjunto deB1 que tem n elementos. Logo, A1 e finito. Mas entao, pelo tem (a) do
Teorema 3.3, A = A1 {f(n+ 1)} e finito.A afirmacao (b) e a contrapositiva de (a). Recordemos que a contra-
positiva de uma proposicao da forma p q e a proposicao q p eque essas duas proposicoes sao equivalentes, isto e, possuem tabelas-verdade
identicas.
Conjuntos Enumeraveis
Os conjuntos infinitos sao divididos em duas classes complementares: a
dos que sao enumeraveis e a dos que sao nao-enumeraveis.
Definicao 3.2
Diz-se que um conjunto A e enumeravel se ele e finito ou se existe uma bijecao
f : N A. No segundo caso, diremos que A e infinito enumeravel, quandoquisermos enfatizar o fato do conjunto ser infinito, que decorre imediatamente
da existencia da referida bijecao e do fato de que N e infinito. A bijecao f de
N sobre A e chamada uma enumeracao dos elementos de A e, denotando-se
ak = f(k), podemos escrever A = {a1, a2, a3, }. Diz-se que um conjuntoA e nao-enumeravel se ele nao e enumeravel.
Pelas propriedades das bijecoes, e claro que A e infinito enumeravel
se e somente se existe uma bijecao de A sobre N. Outrossim, A e infinito
enumeravel se, e somente se, existe uma bijecao de A sobre um conjunto B
que e infinito enumeravel. De modo mais geral, A e enumeravel se, e somente
se, existe uma bijecao de A sobre um conjunto B enumeravel.
Exemplos 3.1
(a) O conjunto P = {2n : n N} dos numeros naturais pares e infinitoenumeravel, ja que f : N P definida por f(n) = 2n, para n N, euma bijecao de N sobre P. Do mesmo modo, o conjunto dos numeros
naturais mpares I = {2n 1 : n N} e infinito enumeravel, ja queg : N I definida por g(n) = 2n 1 e uma bijecao de N sobre I.
43CEDERJ
-
ANALISE REAL
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-Enumeraveis
(b) O conjunto Z dos numeros inteiros e enumeravel.
Podemos descrever uma enumeracao para Z de modo esquematico na
forma
01
, 12
, 13
, 24
, 25
, 36
, 37
, .
Isto e, o 1 e aplicado sobre 0, os numeros naturais pares sao aplica-
dos sobre os inteiros negativos e os numeros naturais mpares sobre os
inteiros positivos, ou seja, os numeros naturais. A bijecao correspon-
dente, f : N Z, e definida de modo explcito por
f(k) =
(k1)2, se k e mpar
k2, se k e par
.
(c) A uniao de dois conjuntos enumeraveis disjuntos e um conjunto enu-
meravel.
Sejam A e B conjuntos enumeraveis, com A B = . Se A e B saofinitos AB e finito pelo Teorema 3.3 e, portanto, e enumeravel. Se umdeles, digamos, A, e finito, com A = {a1, . . . , ap}, e o outro, B, e infinitoenumeravel, com B = {b1, b2, b3, . . . }, entao definimos uma bijecao f :N A B pondo f(k) := ak, para k = 1, . . . , p, e f(k) := bkp, parak > p. Portanto, AB e infinito enumeravel. Finalmente, se A e B saoinfinitos enumeraveis, com A = {a1, a2, a3, . . . } e B = {b1, b2, b3, . . . },definimos uma bijecao f : N A B pondo f(k) = a (k+1)
2
, se k e
mpar, e f(k) = b k2, se k e par. De modo esquematico representamos
essa enumeracao na forma
a11
, b12
, a23
, b24
, a35
, b36
,
Teorema 3.5
Todo subconjunto A N e enumeravel.
Prova: Se A e finito entao A e enumeravel, por definicao, e nada ha para
provar. Se A e infinito, definimos uma bijecao f de N sobre A pondo f(1) :=
a1, onde a1 e o menor elemento de A, f(2) := a2, sendo a2 o menor elemento
de A\{a1}, e assim por diante. Isto e, supondo que f(1) := a1, . . . , f(n) := antenham sido definidos, com a1 < a2 < < an, definimos f(n + 1) := an+1,onde an+1 e o menor elemento de A\{a1, . . . , an}. Afirmamos que f : N Aassim definida e uma bijecao. Claramente f e injetiva pois f(m) < f(n), se
CEDERJ 44
-
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-EnumeraveisMODULO 1 - AULA 3
m < n. Em particular, f(N) e um conjunto infinito enumeravel pois f e
uma bijecao de N sobre f(N). Por outro lado, se houvesse a A tal quea / f(N), entao a seria necessariamente maior que todos os elementos def(N) e, portanto, teramos f(N) Ja, o que, pelo Teorema 3.4(a), contradizo fato de f(N) ser infinito.
O resultado a seguir mostra que subconjuntos de conjuntos enumeraveis
tambem sao conjuntos enumeraveis.
Teorema 3.6
Suponhamos que A e B sao conjuntos e que A B.
(a) Se B e enumeravel, entao A e enumeravel.
(b) Se A e nao-enumeravel, entao B e nao enumeravel.
Prova: Provemos inicialmente (a). Se B e finito, entao A e finito, pelo
Teorema 3.4(a), e, portanto, e enumeravel. Suponhamos entao que B e
infinito enumeravel. Nesse caso, existe uma bijecao g : B N, de B sobreN. Pondo h := g|A, temos que h e uma bijecao de A sobre um subconjuntode N, isto e, h e uma bijecao de A sobre um conjunto enumeravel, pelo
Teorema 3.5. Logo, A e enumeravel.
A afirmacao (b) e equivalente a (a) pois e a sua contrapositiva.
Teorema 3.7
As seguintes afirmacoes sao equivalentes.
(a) A e um conjunto enumeravel.
(b) Existe uma sobrejecao de N sobre A.
(c) Existe uma injecao de A para N.
Prova: (a)(b) Se A e finito, existe uma bijecao f de algum conjunto Jnsobre A e entao definimos g : N A por
g(k) :=
f(k), para k = 1, . . . , n,f(n), para k > n.
Entao, g e uma sobrejecao de N sobre A. Se A e infinito enumeravel, entao
existe uma bijecao f de N sobre A, a qual e, em particular, uma sobrejecao
de N sobre A.
45CEDERJ
-
ANALISE REAL
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-Enumeraveis
(b)(c) Se f e uma sobrejecao de N sobre A, definimos g : A N pondog(a) igual ao menor elemento do conjunto nao-vazio de numeros naturais
f1(a) := {n N : f(n) = a}. Como f(g(a)) = a, segue que g e injetiva(por que?).
(c)(a) Se g e uma injecao de A para N, entao g e uma bijecao de A sobreg(A) N. Pelo Teorema 3.6(a), g(A) e enumeravel, donde se conclui que oconjunto A e enumeravel.
Teorema 3.8
O conjunto N N e infinito enumeravel.
Prova: Lembremos que N N consiste de todos os pares ordenados (m,n)com m,n N. Obtemos uma enumeracao para os elementos de N N demodo esquematico na forma:
(1, 1)1
, (1, 2)2
, (2, 1)3
, (1, 3)4
, (2, 2)5
, (3, 1)6
, (1, 4)7
, ,
no sentido crescente da soma m+ n e de m (Fig. 3.1).
(2,3)
(1,2)
(1,3)
(1,4)
(1,1) (2,1)
(2,2)
(3,1) (4,1)
(3,2)
Figura 3.1: Enumeracao de N N pelo processo diagonal
A formula explcita para a bijecao de N sobre N N representada es-quematicamente como acabamos de descrever sera dada na secao Prossiga
ao final desta aula.
CEDERJ 46
-
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-EnumeraveisMODULO 1 - AULA 3
Uma outra forma de mostrar que N N e enumeravel e a seguinte.Voce deve se lembrar de que um numero natural e dito primo se os unicos
numeros naturais dos quais ele e multiplo sao o 1 e ele proprio. Pode-se
provar sem dificuldade que todo numero natural admite uma unica decom-
posicao em fatores primos (veja Exerccio 14, abaixo). Observe entao que a
funcao g(m,n) := 2m3n e uma injecao de N N para N, como consequenciada unicidade da decomposicao dos numeros naturais em fatores primos. As-
sim, pelo Teorema 3.7(c), N N e enumeravel. De passagem, observamosque, como e usual, escrevemos, de forma mais simples, g(m,n) em vez de
g((m,n)).
Teorema 3.9
O conjunto dos numeros racionais Q e infinito enumeravel.
Prova: Lembre-se de que Q e definido por Q = {mn
: m,n Z, n 6= 0}.Ja provamos que Z e (infinito) enumeravel e, portanto, Z \ {0} tambeme, pelos Teoremas 3.6(a) e 3.3(c). Assim, existem bijecoes g1 : N Z eg2 : N Z \ {0}. Entao, G((j, k)) = (g1(j), g2(k)) e uma bijecao de N Nsobre Z(Z\{0}) (por que?). Como NN e enumeravel, entao Z(Z\{0})e enumeravel. Portanto, existe uma bijecao h1 : N Z (Z \ {0}).
Agora, a funcao h2 : Z (Z \ {0}) Q definida por h2(m,n) = mne uma sobrejecao de Z (Z \ {0}) sobre Q (por que?). Logo f := h2 h1e uma sobrejecao de N sobre Q. Pelo Teorema 3.7(b) conclumos que Q e
enumeravel. Como Q contem N e este ultimo e infinito, segue tambem que
Q e infinito.
A Figura 3.2 representa o esquema do processo diagonal para enu-
meracao dos elementos de Q implicitamente empregado na prova anterior.
O proximo resultado estabelece que a uniao de uma colecao (possivel-
mente infinita) enumeravel de conjuntos enumeraveis e tambem um conjunto
enumeravel.
Teorema 3.10
Se Am e um conjunto enumeravel para cada m N, entao a uniao A :=
m=1Am e enumeravel.
Prova: Em vista do Teorema 3.7, precisamos apenas mostrar que existe
uma sobrejecao de N sobre A. Para cada m N, seja gm uma sobrejecaode N sobre Am; tal sobrejecao existe ja que Am e enumeravel. Definimos
47CEDERJ
-
ANALISE REAL
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-Enumeraveis
14
21
22
23
31
32
41
11
12
13
Figura 3.2: Enumeracao de Q pelo processo diagonal.
g : N N A porg(m,n) = gm(n).
Afirmamos que g e uma sobrejecao; deixaremos a voce a demonstracao sim-
ples desse fato (veja Exerccio 8, abaixo). Como N N e enumeravel, existeuma bijecao e, portanto, uma sobrejecao f : N N N, donde g f e umasobrejecao de N sobre A. Aplicando o Teorema 3.7 outra vez, conclumos
que A e enumeravel. Observe que o caso da uniao de uma colecao finita de
conjuntos enumeraveis A1, . . . , An decorre do que acabamos de provar; basta
fazer Ak = An, para k = n+ 1, n+ 2, . . . .
Para concluir, vamos enunciar e provar um belssimo teorema devido
a Georg Cantor (1845-1918) a quem tambem devemos a ideia genial do
processo diagonal para mostrar que N N e Q sao enumeraveis. A provaque daremos e igualmente devida a Cantor e tambem envolve um raciocnio
diagonal, como veremos.
Teorema 3.11 (Teorema de Cantor)
Se A e um conjunto qualquer, entao nao existe nenhuma sobrejecao de A
sobre o conjunto P(A) de todos os subconjuntos de A.
CEDERJ 48
-
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-EnumeraveisMODULO 1 - AULA 3
Prova: Suponhamos que g : A P(A) e uma sobrejecao. Para cada a A,g(a) e um subconjunto de A e, portanto, a pode ou nao ser um elemento de
g(a). Entao, definimos o conjunto
D := {a A : a / g(a)}.
Como D e subconjunto de A e, por conseguinte, D P(A), e como g esobrejecao, entao D = g(a0) para algum a0 A. Devemos ter a0 D, oua0 / D. Se a0 D, entao, como D = g(a0), a0 g(a0), o que contradiza definicao de D. Da mesma forma, se a0 / D, entao a0 / g(a0) e, peladefinicao de D, devemos ter a0 D, o que tambem nos da uma contradicao.Portanto, nao pode existir uma tal sobrejecao.
O Teorema de Cantor implica, em particular, que P(N) e nao-enumeravel,ja que nao pode existir uma bijecao de N sobre P(N).Exerccios 3.1
1. Prove que um conjunto A e finito se, e somente se, existe uma bijecao
de A sobre um conjunto finito B.
2. De os detalhes da prova das partes (b) e (c) do Teorema 3.3.
3. Seja A := {1, 2} e B := {a, b, c}.
(a) Determine o numero de injecoes diferentes de A para B.
(b) Determine o numero de sobrejecoes diferentes de A para B.
4. Exibir uma bijecao uma bijecao entre N e todos os numeros mpares
maiores que 11.
5. Exiba uma bijecao entre N e um seu subconjunto proprio.
6. Prove que A e enumeravel se, e somente se, existe uma bijecao de A
sobre um conjunto B enumeravel.
7. De um exemplo de uma colecao enumeravel de conjuntos finitos cuja
uniao nao e finita.
8. Prove que a funcao g : N N A, definida na demonstracao doTeorema 3.10 e de fato uma sobrejecao.
49CEDERJ
-
ANALISE REAL
Conjuntos Finitos, Enumeraveis e Nao-Enumeraveis
9. Prove que o conjunto dos numeros primos e infinito enumeravel. (Dica:
Para provar que esse conjunto e infinito, argumente por contradicao.)
10. Obtenha uma representacao N = A1 A2 An tal que osconjuntos A1, A2,. . . , An, . . . sejam infinitos e dois a dois disjuntos.
11. Use o Princpio da Inducao Matematica para provar que se A tem n
elementos entao P(A) tem 2n elementos.
12. Seja A N infinito. Prove que existe uma unica bijecao crescentef : N A (m < n f(m) < f(n)). (Dica: Para provar a existenciade uma tal funcao use reiteradas vezes o Princpio da Boa Ordenacao
e o fato de que A e infinito.)
13. Prove que a colecao F(N) de todos os subconjuntos finitos de N eenumeravel.
14. Prove que todo numero natural possui uma unica representacao como
produto de potencias de numeros primos. (Dica: Use o Princpio da
Inducao Forte para mostrar que existe uma tal representacao. A uni-
cidade decorre da definicao de numero primo e do fato que se n e um
multiplo de m, entao todo divisor de m e um divisor de n. )
15. Inspirado pela demonstracao do Teorema de Cantor, prove que o con-
junto das funcoes f : N {0, 1} e nao-enumeravel.
Prossiga: O Processo Diagonal de Cantor.
Como os grandes genios do futebol, Cantor era totalmente investido
daquele sentimento diagonal do homem-gol, evocado nos versos da cancao
O futebol de Chico Buarque. Em um punhado de momentos de pura
genialidade, Cantor recorreu a ataques pela diagonal para furar bloqueios
que guardavam verdadeiras maravilhas matematicas atras de si.
Vamos a seguir determinar mais precisamente a bijecao f : N NNrepresentada pictoricamente na Figura 3.1 e com i