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ANÁLISE DOS PADRÕES DISCURSIVOS DE UM PROFESSOR DE CIÊNCIAS EM UMA ATIVIDADE EXPERIMENTAL COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Nanci Miksza Vivian 1 ; Gisele Maria de Andrade de Nobrega 2 RESUMO Este trabalho teve como objetivo analisar os padrões discursivos de um professor de ciências em uma aula experimental com leveduras ( Saccharomyces cerevisiae) utilizadas no preparo de pães. Foram analisados episódios extraídos de uma aula com alunos da 6ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública do Estado do Paraná. Os dados foram coletados mediante gravações em vídeo nas quais os alunos trabalharam organizados em grupos. Para a análise dos dados utilizou-se uma estrutura analítica idealizada por Mortimer e Scott (2002), que possibilita a investigação dos seguintes aspectos: intenções do professor; conteúdo do discurso; abordagem comunicativa; padrões de interação e intervenções do professor. Ao final da análise foi possível evidenciar os padrões discursivos que emergiram da interação entre professor e alunos e como a abordagem comunicativa e os padrões de interação, promovidos pelo professor, encaminharam o aluno na (re)estruturação de suas idéias mediante a manipulação dos materiais e visualização do resultado esperado. Palavras-chave: Ensino de Ciências. Discurso do Professor. Atividades experimentais. Interações Discursivas. ABSTRACT This work had as objective to analyze the discursive standards of a professor of sciences in an experimental lesson with yeasts (Saccharomyces cerevisiae) used in the bread preparation. In this research were extracted episodes of a sequence of five classes where were analyzed with students of the 6 th grade of the Fundamental Teaching public school from Paraná/Brazil. The data were collected by video recordings in which the students worked organized in groups. For the analysis of the data an analytic structure was used idealized by Mortimer and Scott (2002) that makes it possible the investigation of the following aspects: the teacher‟s intentions; speech content; communicative approach; discourse patterns; and teacher‟s interventions. At the end to the analysis was possible to evidence the discursive patterns that emerged of the interaction between teacher and students and how the communicative approach and the interaction patterns, promoted by the teacher, which directed to the students in the (re)structuration of their ideas by means of the manipulation of the materials and visualization of the waited result. Keywords: Science teaching. Teacher‟s discourses. Experimental activities. Discursive interactions. 1 Professora PDE/Titulado/2008. 2 Orientadora/UEL-Dpto de Biologia Geral. 2

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ANÁLISE DOS PADRÕES DISCURSIVOS DE UM PROFESSOR DE CIÊNCIAS EM

UMA ATIVIDADE EXPERIMENTAL COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Nanci Miksza Vivian1; Gisele Maria de Andrade de Nobrega2

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo analisar os padrões discursivos de um

professor de ciências em uma aula experimental com leveduras (Saccharomyces

cerevisiae) utilizadas no preparo de pães. Foram analisados episódios extraídos de

uma aula com alunos da 6ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública do

Estado do Paraná. Os dados foram coletados mediante gravações em vídeo nas

quais os alunos trabalharam organizados em grupos. Para a análise dos dados

utilizou-se uma estrutura analítica idealizada por Mortimer e Scott (2002), que

possibilita a investigação dos seguintes aspectos: intenções do professor; conteúdo

do discurso; abordagem comunicativa; padrões de interação e intervenções do

professor. Ao final da análise foi possível evidenciar os padrões discursivos que

emergiram da interação entre professor e alunos e como a abordagem comunicativa

e os padrões de interação, promovidos pelo professor, encaminharam o aluno na

(re)estruturação de suas idéias mediante a manipulação dos materiais e visualização

do resultado esperado.

Palavras-chave: Ensino de Ciências. Discurso do Professor. Atividades

experimentais. Interações Discursivas.

ABSTRACT

This work had as objective to analyze the discursive standards of a professor of

sciences in an experimental lesson with yeasts (Saccharomyces cerevisiae) used in

the bread preparation. In this research were extracted episodes of a sequence of five

classes where were analyzed with students of the 6th grade of the Fundamental

Teaching public school from Paraná/Brazil. The data were collected by video

recordings in which the students worked organized in groups. For the analysis of the

data an analytic structure was used idealized by Mortimer and Scott (2002) that

makes it possible the investigation of the following aspects: the teacher‟s intentions;

speech content; communicative approach; discourse patterns; and teacher‟s

interventions. At the end to the analysis was possible to evidence the discursive

patterns that emerged of the interaction between teacher and students and how the

communicative approach and the interaction patterns, promoted by the teacher,

which directed to the students in the (re)structuration of their ideas by means of the

manipulation of the materials and visualization of the waited result.

Keywords: Science teaching. Teacher‟s discourses. Experimental activities.

Discursive interactions.

1 Professora PDE/Titulado/2008.

2 Orientadora/UEL-Dpto de Biologia Geral.

2

2

1 INTRODUÇÃO

O ensino em ciências tem sido alvo de muitas pesquisas, passando de um

enfoque psicológico com ênfase no processo individual de aprendizagem para uma

abordagem sociológica aproximando-se da aprendizagem contextual e coletiva.

Estas pesquisas estão focalizadas, inicialmente, no princípio da mudança conceitual

em que concepções espontâneas poderiam ser substituídas pelos conceitos

científicos e, depois, nos estudos referentes às concepções prévias dos alunos.

De acordo com Driver (1983) as idéias prévias estão presentes em todas as

situações de aprendizagem. Nas atividades práticas, essas idéias influenciam as

observações e as inferências que constroem. Salienta que “[...] uma assimilação ou

uma mudança conceitual não acontece em curto período de tempo, a estruturação

necessária de idéias pode requerer anos e não uma ou duas lições podendo ser

necessário adotar uma concepção evolutiva a longo prazo”. (Driver, 1988)

Mortimer e Scott (2002) acrescentam que os conceitos espontâneos não são

substituídos por conceitos científicos, mas reestruturados no âmbito da sala de aula

e que ambos permanecem vinculados ao indivíduo que pode explicitá-lo de acordo

com o contexto em que for utilizado.

Como resultado, os vários estudos em educação em ciências têm sinalizado

sobre a importância das interações discursivas que ocorrem na sala de aula com o

objetivo de ampliar os conceitos significativos aos alunos e, neste caso, o processo

de aprendizagem é visto como uma (re)construção das concepções já vinculadas ao

seu cotidiano no espaço comunicativo/social da sala de aula.

Conforme Santos, Mortimer e Scott (2001) “As interações discursivas tornam-

se essenciais na sala de aula. O processo de mediação torna-se mais efetivo

quando ocorre de forma dialógica [...] e depende das condições de produção das

interações humanas. [...] Na sala de aula a linguagem é um importante instrumento

de mediação dos processos de ensino e de aprendizagem”.

Kuhn (1993) (Apud Santos, Mortimer e Scott, 2001) salienta que para

desenvolver a prática argumentativa é fundamental que os alunos compreendam a

importância do pensamento científico e afirma que "a compreensão do

conhecimento científico não é um processo natural, sendo portanto, papel da escola

empreender a prática argumentativa" regularmente nas aulas de ciências. Sugere

ainda que a mesma pode ser empregada como forma de aproximação entre os

pensamentos científico e cotidiano.

3

Driver e Newton (1997) ressaltam a importância da argumentação, para o

ensino e afirmam que esta prática ajuda a desenvolver a compreensão dos

conceitos científicos, os alunos vão entrando no mundo da ciência à medida que

apresentam necessidade de utilizar os instrumentos conceituais e procedimentos

que a cultura científica construiu. Em segundo lugar, pode oferecer uma visão para

que o aluno entenda melhor a racionalidade da ciência, analisando seu processo de

construção, o qual adquire sentido em um contexto de conhecimento já aceito.

Há consenso entre os pesquisadores em educação de que a construção do

conhecimento científico é um processo de intensa negociação entre alunos e

professores a fim de validar e tornar significativa alguma teoria ou fenômeno.

Nessa perspectiva, a interação dialógica na sala de aula é um processo de

comunicação e a linguagem utilizada poderá propiciar a (re)construção do

conhecimento pelo aprendiz. Todavia, caberá ao professor mediar esse complexo

processo de ensino argumentativo que é ao mesmo tempo sistematizador de

conceitos e socializador no sentido das relações entre os pares. Em acordo com a

afirmação de Mortimer e Scott (2002), de que “as interações discursivas são

consideradas como constituintes do processo de construção de significados”.

Assim, através de atividades argumentativas, além de tomarem consciência de

suas próprias idéias, os alunos podem tentar o uso de uma nova linguagem com

características da cultura científica. A forma com que os alunos explicam um

determinado fenômeno, a linguagem e os exemplos por eles utilizados na

argumentação também os coloca em contato com características de construção

coletiva de novos conceitos, e demonstram o caráter provisório dos mesmos.

Os estudos direcionados às concepções prévias dos alunos encontram outro

direcionamento que Mortimer e Scott (2002) traduzem da seguinte maneira: "Essa

'nova direção' para a pesquisa em educação em ciências sinaliza um deslocamento

dos estudos sobre o entendimento individual dos estudantes sobre fenômenos

específicos para a pesquisa sobre a forma como os significados e entendimentos

são desenvolvidos no contexto social da sala de aula”.

Assim, os aspectos contextuais devem ser considerados ao se investigar o

desenvolvimento de idéias na sala de aula e indicam que a linguagem utilizada na

interação é o instrumento mais importante que o professor e alunos dispõem para a

estruturação das idéias. Para os alunos compreenderem o papel da linguagem

científica é necessário que a utilizem nas suas explicações em sala de aula.

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2 DESENVOLVIMENTO

2.1 INVESTIGAÇÕES SOBRE O DISCURSO EM SALA DE AULA DE CIÊNCIAS

A prática discursiva em sala de aula de ciências tem sido objeto de estudo em

pesquisas relativas tanto aos aspectos discursivos do professor como entre alunos

ou na interação entre ambos.

A sala de aula passa a ser um espaço para a comunicação, reestruturação de

significados, articulação de idéias e de possíveis analogias que podem levar o aluno

a pensar e refletir sobre os pontos relacionados aos conceitos que traz consigo.

Assim a argumentação é vista como estratégia criada na interação social.

Os estudos sobre a forma como os significados e entendimentos são

desenvolvidos na sala de aula têm adotado a perspectiva teórica relacionada à

corrente socio-histórica ou sociocultural na qual o processo de conceitualização está

relacionado com a construção de significados (Vygotsky, 1987), ressaltando que o

foco está no processo de significação como afirmam Mortimer e Scott (2002, p. 01)

“Os significados são vistos como polissêmicos e polifônicos criados na interação

social e então internalizados pelos indivíduos”.

Na estrutura analítica elaborada por Mortimer e Scott (2002) para analisar o

discurso do professor em sala de aula, os fenômenos da linguagem são

compreendidos a partir de uma abordagem comunicativa oriunda da obra de Bakhtin

(1986); Bakhtin/Voloshinov (1997) com o objetivo de examinar: 1) como os

professores dão suporte ao processo de construção de significados, pelos

estudantes, em aulas de ciências, e 2) como os diferentes tipos de discurso podem

auxiliar a aprendizagem dos alunos.

A linguagem social caracteriza o discurso de um grupo específico, (os

cientistas, os alunos, os professores, ...) estas formas mais ou menos estáveis de

enunciados caracterizam os gêneros de discurso ligados ao contexto em que

determinado discurso é produzido.

Gervai (1996) afirma segundo Bakhtin (1929), que o discurso de um sujeito é

sempre permeado pelo discurso de outros sujeitos. Essa visão coloca a linguagem

como caminho para a construção conjunta de significados e negociação de

conceitos, tornando a análise do discurso parte integrante desse processo.

Mercer (1997) enuncia que um dos objetivos do ensino seria o desenvolvimento

do pensamento crítico pelo aluno e nisso há uma relação entre o pensamento e o

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comunicar idéias. Por sua vez, Candela (1998) ressalta que "a linguagem teria um

papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo" e Jiménez-Aleixandre e

colaboradores (1998) confirmam que a comunicação pode conduzir o aluno ao

aprendizado (Apud Scarpa, 2000).

Mortimer e Machado (Apud Mortimer e Smolka, 2001) tornam clara a

articulação entre Bakhtin (enunciados) e Vygotsky (linguagem como mediadora da

ação) integrando sua análise com a teoria da equilibração de Piaget. A equilibração

está relacionada à construção de conceitos científicos e à superação de conflitos

que podem surgir na interação discursiva entre os integrantes da sala de aula.

Segundo esses autores, não há construção de conhecimento individual e percebe-se

o professor como sendo o mediador do processo.

Através da argumentação na sala de aula o aluno pode se apropriar de

conceitos científicos sem, contudo, eliminar as suas concepções alternativas,

usando-as no contexto apropriado conservando múltiplos significados para um

mesmo conceito.

Há autores que afirmam a possibilidade de que as idéias prévias dos

estudantes ultrapassam ao processo de aprendizagem de conceitos científicos, elas

permanecem e não são eliminadas por outros conceitos teóricos, podendo inclusive,

“coexistir em uma só pessoa paralelamente, sendo utilizadas conforme o contexto”

(Chi, 1991). Solomom (1983) afirma que “não há meios para se extinguir as noções

cotidianas”. Scott (1987, 1991), ao analisar as idéias de alunos do ensino médio

sobre matéria, conclui que paralelamente a esse conceito parece existir o

desenvolvimento de explicações alternativas que podem ser utilizadas em

momentos, situações e contextos diferentes (Apud Mortimer,2000).

Mortimer (1996) argumenta que os indivíduos não possuem uma versão única

para um determinado conceito, mas aquilo que ele denomina „Perfil Conceitual‟, ou

seja, um conjunto de diferentes explicações para um mesmo conceito, os quais não

são necessariamente compatíveis entre si.

O que o aluno aprende na sala de aula depende da influência das idéias que

traz consigo e através destas o professor terá um ponto de partida para mediar a

reestruturação das mesmas. Complementam Mortimer e Machado (2001), “a forma

com que o professor intervém nas discussões dos alunos é fundamental seja qual

for o objetivo almejado na realização de uma atividade”. Também é inegável que

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trabalhar com pequenos grupos de alunos em sala de aula, possibilita a socialização

e facilita a exposição e a circulação de idéias entre os alunos.

Ao intervir no grupo de alunos o professor poderá conduzir as discussões de

maneira planejada solicitando esclarecimentos, relacionando falas, resgatando

conceitos esquecidos que gerem explicações e generalizações sobre os dados

apresentados pelos participantes e também valorizando a fala desses alunos como

elemento fundamental no processo de (re)elaboração conceitual.

Mortimer e Machado (1997) enfatizam que o processo discursivo encadeará

conflitos cognitivos e propiciará a superação dos mesmos.

Conflitos, contradições e a conscientização das contradições, tema de grande

interesse nas pesquisas em Educação em Ciências, surgem no plano social da sala

de aula. Aguiar e Mortimer (2003) investigaram como as contradições emergem e

são resolvidas no ambiente social da sala de aula. Os conflitos são citados como

condição prévia para mobilizar os alunos no desenvolvimento de idéias científicas.

Estes autores em acordo com a teoria sócio-interacionista compreendem os conflitos

como um diálogo entre diferentes culturas, diálogo este nem sempre harmônico.

Sendo entendido como diálogo o conflito resulta não só da interação entre o

sujeito e o conhecimento, mas também das exigências epistemológicas introduzidas

no discurso entre professor e alunos, como confirmam os próprios autores (op.cit.)

que nas aulas de Ciências, freqüentemente, os conflitos “emergem como resultado

de uma longa e paciente intervenção do professor”.

Segundo Driver e colaboradores (1999), tanto a pesquisa educacional como a

perspectiva piagetiana vêem os significados de conceitos como sendo feitos por

indivíduos e declaram que estes dependem do esquema de conhecimento atual do

indivíduo. As concepções que as pessoas trazem do seu contexto correspondem,

em maioria, a criações culturais elaboradas antes de freqüentar a escola.

Da mesma forma Coll e Onrubia (1998) afirmam:

[...] o aluno constrói significados relativos aos conteúdos escolares como resultado de uma dinâmica interna própria, mas a natureza cultural dos conteúdos marca a direção na qual esse processo construtivo deve ser orientado a partir do exterior, através da intervenção do professor. O aluno é o responsável final pela sua aprendizagem ao atribuir significado aos conteúdos, mas é o professor quem, com a sua intervenção, determina que as atividades das quais o aluno participa possibilitem uma orientação adequada do processo de construção, assim como um maior ou menor grau de amplitude e profundidade dos significados construídos.(In: Coll e Edwards, p. 78)

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Capecchi e Carvalho (2002) buscaram a síntese dos componentes presentes

nos argumentos através da análise da argumentação dos alunos utilizando uma

estrutura de Driver e Newton, que é, segundo as autoras, um método de análise

para a compreensão da argumentação dentro do pensamento científico e para

estudar a forma como o professor conduziu o discurso em sala de aula. As autoras

enfatizam que a maneira com que o professor intervém na interação junto aos

alunos é fundamental para se alcançar o objetivo proposto. Assim sendo, os alunos

se conscientizam das suas próprias concepções e adquirem uma linguagem

científica através da oportunidade de interação discursiva em sala de aula.

Segundo Capechi e Carvalho (2000), “... as aulas de Ciências possuem

linguagem característica própria que é comentada e trabalhada na exposição de

idéias e na apreensão de conceitos”. No contexto da pesquisa, os aspectos da fala

da professora indicam a presença de diferentes gêneros discursivos e os padrões

discursivos sofreram alternâncias entre as tendências elicitativas (I-R-F) e avaliativas

(I-R-A). Assim o processo argumentativo na sala de aula foi impulsionado pelas

intervenções da professora e através delas os alunos chegaram às elaborações com

justificativas e refutações.

Mortimer e Machado (Apud Mortimer e Smolka, 2001) ao incorporem a

dimensão sociointeracionista à análise do processo de ensino destacam que:

[...] a construção do conhecimento em sala de aula é mediada pela linguagem e que o discurso produzido na interpretação das atividades é no mínimo tão importante quanto às próprias atividades realizadas pelos alunos. O ensino não pode ser visto simplesmente como um processo de reequilibração (Piaget, 1975), no qual a exposição dos sujeitos a situações de conflito levaria à superação das concepções prévias e a construção de conceitos científicos. O reconhecimento e a superação de contradições passam necessariamente por um processo de interações discursivas, na qual o professor tem um papel fundamental como representante da cultura científica. Nesse sentido, aprender ciências é visto como um processo de “enculturação” (Driver et al. 1994), ou seja, a entrada numa nova cultura, diferente da cultura de senso comum. (p. 109)

Para que aconteça a “enculturação”, é necessário que os estudantes tenham a

oportunidade de expor suas idéias e possam adquirir segurança e envolvimento com

as práticas científicas sob a mediação consciente do professor na responsabilidade

de conduzir o processo discursivo.

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Santos, Mortimer e Scott (2001) ressaltam que para Bakhtin (1991) a cognição

depende das condições sociais de produção das interações e não apenas do

indivíduo, pois o sentido da palavra não está contido nela, mas está inserido no

contexto em que ela acontece. O diálogo é o meio propício para a aproximação

entre as idéias dos integrantes. Compreender o enunciado significa empreender

ações dialógicas, em que uma palavra contrapõe-se a outra (contrapalavra).

De acordo com os autores (op.cit.) na interação sócio-cultural, o professor deve

apresentar o conhecimento sistematizado a seus alunos. Para Wertsch (1998), a

posição natural do professor em sala de aula é de autoridade e como tal deve guiar

o discurso na sala de aula.

Segundo Scott (1998) “nas aulas diárias e costumeiras de ciências a fala do

professor tem inegavelmente a função de autoridade para ensinar conceitos

científicos". Ou seja, o padrão de perguntas convencionais das aulas de ciências é

do tipo IRF avaliativo (IRA). (Iniciação do professor; Resposta do aluno; Avaliação do professor).

As idéias de Lotman (1998), sobre a compreensão da mediação do professor

na perspectiva sócio-cultural, distinguem duas funções de um texto, aqui entendido

como dialógico discursivo e escrito ou falado, sendo primeira a função de transmitir

significados e a segunda a de gerar novos significados e denominados por Wertsch

(1991), respectivamente, como função dialógica e função unívoca.

Assim sendo, as duas funções do texto sugerem a intencionalidade do

professor frente aos seus objetivos. Quando a intenção é de transferir significados o

discurso torna-se unívoco, de autoridade e demanda fidelidade ao que já foi dito,

assim, o padrão discursivo é descrito como sendo IRF avaliativo (IRA). Quando a

intenção do professor está no sentido de gerar novos significados o discurso é

dialógico, compartilhado, múltiplas vozes (entendimentos) são ouvidas e

consideradas e o padrão discursivo é descrito como sendo IRF elicitativo.

Mortimer (1998) e Scott (1998) (apud. Santos, Mortimer e Scott, 2001, p.143)

indicam a alternância dos dois tipos de discurso no contexto social da sala de aula e

salientam a importância dessa alternância para desenvolver, no aluno, o

pensamento conceitual no plano intramental.

Pretende-se, com este, analisar os padrões discursivos de uma professora de

Ciências nas interações com alunos da 6ª série do Ensino Fundamental.

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3 REFERENCIAL ANALÍTICO

3.1. UMA FERRAMENTA PARA ANALISAR AS INTERAÇÕES E A PRODUÇÃO DE

SIGNIFICADOS EM SALAS DE AULA DE CIÊNCIAS (Mortimer e Scott, 2002)

Mortimer e Scott (2002) desenvolveram uma estrutura analítica visando “analisar

a forma como os professores podem agir para guiar as interações que resultam na

construção de significados em sala de aula de aula de ciências” focalizando a idéia de

Bakhtin (1986) de que os “padrões de discurso que prevalecem nas salas de aula de

ciências são muito distintos e, como tal, constituem um gênero de discurso3 estável.

Essa estrutura de análise está baseada em cinco aspectos inter-relacionados

que focalizam o papel do professor.

ASPECTOS DA ANÁLISE

Focos do ensino 1. Intenções do professor

2. Conteúdo

Abordagem 3. Abordagem comunicativa

Ações 4. Padrões de interação

5. Intervenções do professor

Quadro 1 – Aspectos considerados na estrutura analítica. Fonte: Mortimer e Scott, 2002.

3.1.1 As Intenções do Professor

Seguindo os princípios vigotskianos, os autores consideram que o ensino de

ciências produz um tipo de “performance pública” na sala de aula, a qual conforme

Leach and Scott, 2002 (In: Mortimer e Scott, 2002, p.03) é dirigida pelo professor a

quem cabe planejar e apresentar as atividades que constituem as aulas de ciências

cujo objetivo está em desenvolver a “estória científica no plano social da sala de aula”.

3.1.2 O Conteúdo do Discurso de Sala de Aula

O conteúdo do discurso foi estruturado, segundo seus autores, em categorias

fundamentadas da linguagem social (Bakhtin, 1986) da ciência escolar, baseando-se

3 “Para Bakhtin, a linguagem acompanha ou pode acompanhar todas as atividades humanas. Haverá tantos gêneros de

discurso quantas atividades humanas. Desse ponto de vista, os “gêneros” caracterizam-se por aquilo que se faz com a linguagem: mostrar, descrever, explicar”. M.C.P.Souza e Silva. Enunciados Interrompidos: São eles Inacabados? In: Brait, B. (org) Bakhtin Dialogismo e Construção do Sentido. Campinas, SP: Ed. Unicamp.2005. p. 180

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na distinção entre descrição (enunciados sobre o que é diretamente observável referindo-

se a um sistema, objeto ou fenômeno), explicação (enunciados que fazem uso de algum

mecanismo ou modelo aplicado a um fenômeno específico) e generalização (envolve o uso

de descrições ou explicações independentes de um contexto específico).

3.1.3 Abordagem Comunicativa

A abordagem comunicativa fornece a noção de “como” o professor trabalha as

intenções e o conteúdo por meio das diversas formas de intervenções pedagógicas

resultando em diferentes padrões de interação.

Identificam-se quatro classes de abordagem que definem o discurso em duas

dimensões: o dialógico ou de autoridade e o discurso interativo ou não interativo.

Essas duas dimensões geram as seguintes classes de abordagem que se

relacionam com o papel do professor ao conduzir o discurso na sala de aula: (1)

Interativo/dialógico; (2) Não interativo/dialógico; (3) Interativo/de autoridade; (4)

Não interativo/de autoridade.

3.1.4 Padrões de Interação

Esse aspecto da estrutura analítica especifica os padrões de interação que

emergem na medida em que professor e alunos alternam falas e/ou enunciados.

Além das tríades I-R-A (Iniciação do professor, Resposta do aluno, Avaliação do professor)

outros padrões são observados. É o caso de interações em que o professor apenas

sustenta um enunciado feito pelo aluno, por meio de intervenções curtas que muitas

vezes repetem parte do que o aluno acabou de falar, ou fornece um feedback para

permitir que ele prossiga e elabore um pouco melhor sua fala. Essas interações

originam cadeias de turnos de fala triádicas e/ou não triádicas do tipo I-R-F-R-F.

3.1.5 As Intervenções do Professor

Essa dimensão da estrutura analítica procura mostrar como o professor intervém

para desenvolver o tema da aula e o disponibiliza para os alunos.

Esse aspecto baseia-se em seis(6) formas de intervenções (Scott, 1998) e

especifica o foco das intenções e as ações do professor durante a interação ao

explorar(1) as idéias dos alunos, selecionar(2), marcar(3) e compartilhar(4) os dados

significativos explicitados no contexto tornando-os disponíveis, além de checar(5) e

rever(6) o entendimento e os progressos obtidos na interação.

11

4 O PAPEL DA EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Conforme as Diretrizes Curriculares de Ciências para o Ensino Fundamental,

as atividades experimentais estão presentes no ensino de Ciências desde sua

origem e são estratégias de ensino fundamentais, pois podem contribuir para a

superação de obstáculos na aprendizagem de conceitos científicos, não somente

por propiciar interpretações, discussões e confrontos de idéias entre os estudantes,

mas também pela natureza investigativa. Entende-se por atividade experimental

toda prática cujo objetivo inicial é a observação seguida de demonstração ou

manipulação, utilizando-se dos recursos necessários ao tipo de atividade.

As atividades experimentais possibilitam ao professor, mediador do processo

ensino-aprendizagem, criar dúvidas, problematizar o conteúdo, contribuir para que o

aluno construa suas hipóteses, amplie e reconstrua seus conceitos e, estimula, no

aluno, a capacidade de observar fenômenos, de maneira mais detalhada, para

estabelecer relações mais amplas sobre eles. E permite, ainda, que o professor

perceba as dificuldades dos alunos em interpretar tais fenômenos devido à falta de

atenção e a lacunas teórico-conceituais.

Gaspar (2005) enumera vantagens das atividades experimentais sobre as

atividades teóricas e enfatiza que a quase unânime participação dos alunos nas

atividades experimentais pode ser explicada principalmente por dois motivos: “a

possibilidade da observação direta e imediata da resposta, que envolve efetivamente

o aluno com a atividade; o aluno, livre de argumentos de autoridade, obtém uma

resposta isenta diretamente da natureza”. Estes motivos garantem o

desencadeamento de uma interação social mais rica, motivadora e eficaz.

De acordo com Cachapuz e colaboradores, 2005. (Apud Cunha et al, 2005), os

experimentos assumem um papel importante na didática das ciências, ...de maneira

a possibilitar a exploração das idéias prévias dos alunos, a busca por informação de

forma crítica e a análise de situações problemas.

Carvalho e colaboradores (1998) salientam que a importância do trabalho

prático é inquestionável na Ciência e deveria ocupar lugar central em seu ensino e,

que uma atividade de Ciências fundamenta-se na ação dos alunos. Essa ação, não

deve se limitar à simples manipulação ou observação. A resolução de um problema

pela experimentação deve envolver também a reflexão, relatos, discussões,

12

ponderações e explicações. O professor, por sua vez, é o responsável pela

mediação entre o conhecimento e o aluno.

O objetivo das atividades experimentais de demonstração, selecionadas nessa

pesquisa, está no sentido de que os alunos resolvam os problemas que lhes são

colocados, agindo primeiramente sobre os objetos oferecidos e depois que

estabeleçam relações entre o que fazem e como o objeto reage à sua ação.

É na conscientização de suas próprias ações e nas explicações causais que o

aluno tem oportunidade de construir seu entendimento a respeito dos fenômenos e,

quando incentivado a falar sobre os resultados obtidos estará também iniciando a

conceituação sobre os mesmos.

Por meio das ações discursivas nas interações com seus pares e com o

professor o aluno pode, ao testar suas hipóteses, iniciar o processo cognitivo,

trabalhar com significados e produzir o encadeamento e a organização de idéias.

Nesse caso específico as explicações não serão científicas, mas "lembramos

que o processo cognitivo evolui sempre numa reorganização do conhecimento[...] e

este é adquirido por aproximações sucessivas, que permitem a reconstrução dos

conhecimentos que o aluno já tem” (Carvalho e colaboradores. 1998).

Quando o aluno discute e propõe soluções para um problema ele está

colocando a sua visão de mundo e isto o levará, mais tarde, ao entendimento do

conhecimento científico. Os autores (op.cit.) reafirmam que “a conceitualização é um

processo que se inicia com a reconstrução da própria ação, e depois vai evoluindo

para as seqüências exteriores, permitindo uma elaboração gradativa de noções

necessárias para a explicação dos fenômenos”.

O desenvolvimento de experimentos em sala de aula pode ser visto como uma

estratégia viável e coerente com a própria natureza do ensino de Ciências, em que o

aluno pode desenvolver observações e superar obstáculos e constatar resultados,

passando para construção de hipóteses e formação de conceitos que a própria

observação possibilita.

Na prática docente a inserção de atividades experimentais apresenta-se como

uma importante estratégia de ensino e aprendizagem, quando mediada pelo

professor de forma a desenvolver o interesse nos alunos.

13

5 METODOLOGIA DE PESQUISA E ATIVIDADES PROPOSTAS

O problema consistiu em analisar as interações discursivas entre a professora

e alunos em aulas de Ciências com a finalidade de investigar a forma como a

professora pode agir para guiar as interações que resultam na (re)estruturação de

conceitos significativos para os alunos.

As aulas foram planejadas e desenvolvidas em duas etapas; a primeira

consistiu em revisar, em aula expositiva, com auxílio de cartazes e fotografias

ampliadas das células da levedura em momento de reprodução, o tema “Reino

Fungi” e na segunda etapa foram realizados experimentos práticos com leveduras

Sacharomyces cerevisiae que constituem o fermento biológico utilizado no preparo

de pães. Com duração prevista de 50 minutos para cada.

Na primeira etapa da aula a professora fez uma revisão4 sobre o Reino Fungi e

seus filos salientando o filo ascomiceto do qual as leveduras Saccharomyces

cerevisiae fazem parte, suas características principais, reprodução, respiração e

habitat. Para tanto se utilizou de cartazes explicativos e outros com fotografias

ampliadas das células da levedura em momento de reprodução e respiração. A

professora introduziu esta aula a partir da Teoria da Abiogênese, sobre os

experimentos de Francesco Redi, Antony Von Levanhoeck e Robert Hooke, com a

invenção do microscópio e lentes polidas, até o século XIX com Louis Pasteur e sua

Teoria dos Germes que derrubou definitivamente a Abiogênese fato que deu grande

ênfase ao estudo dos seres microscópicos.

Enfatizou-se, também, o processo respiratório aeróbio e reprodução das

leveduras que constituem o fermento biológico utilizado no preparo de pães com o

objetivo de que os alunos compreendessem que as leveduras, assim como outros

seres vivos, retiram energia dos alimentos para poderem crescer, respirar e

reproduzirem-se e, por conseguinte eliminam substâncias, entre elas o C02.

Portanto, na segunda etapa de aula, o experimento destina-se a que esses

alunos possam visualizar a formação dos gases eliminados pelas leveduras durante

o seu metabolismo. Estes gases ficarão aprisionados no interior de um balão de

borracha colocado no gargalo de um frasco que contém, em seu interior, uma

4 A professora titular da sala de aula em questão já havia ministrado o conteúdo “Reino Fungi” antes da

implementação deste projeto pela professora PDE-Titulado/2008. Havendo, portanto, a necessidade de revisar o conteúdo dado. Por isso o tempo destinado à essa revisão na primeira etapa da aula foi de apenas 50 min.

14

mistura energética (açúcar e/ou farinha de trigo), fermento biológico e água

(aproximadamente 37°C) durante o tempo destinado á aula.

A amostra foi composta de uma classe com 22 alunos com faixa etária entre 11

a 12 anos da 6ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual do

interior do estado do Paraná em setembro de 2008.

A professora explicou o objetivo da aula e pediu para que formassem grupos

com quatro integrantes. Os grupos se formaram espontaneamente, e um deles foi

selecionado, aleatoriamente, para que fossem feitas as gravações em vídeo durante

a realização das atividades, nesse segundo momento da aula.

O grupo selecionado foi formado por quatro alunos (Al1, Al2, Al3 e Al4). Havia,

na sala de aula mais quatro grupos de alunos. Salientamos que estes alunos nunca

tiveram este tipo de abordagem, ou seja, serem filmados durante uma atividade.

A metodologia empregada para a tomada de dados se baseou na segunda

etapa da aula, durante a atividade experimental com o grupo selecionado. A aula foi

transcrita na íntegra e episódios relevantes aos objetivos da aula, obedecendo à

seqüência dos turnos de fala, foram analisados utilizando-se para tanto da estrutura

analítica idealizada por Mortimer e Scott (2002).

6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Neste segundo momento da aula destinado à atividade experimental a intenção

da professora está voltada a que os alunos manipulem os materiais disponíveis,

testem suas hipóteses e visualizem o resultado obtido, através da experimentação

de demonstração, no sentido de encaminhá-los ao entendimento sobre a formação

de gases, basicamente o CO2, durante o processo de respiração da levedura

Saccharomyces cerevisiae que constitui o fermento biológico utilizado no preparo de

pães e que faz a massa do pão “crescer” durante o seu preparo.

Profª. Hoje nós faremos um experimento com o fermento biológico utilizado no

preparo de pães. Nesse experimento vocês vão poder observar e visualizar a

formação de gases a partir da respiração aeróbica desses fungos, as leveduras

unicelulares, que eu falei para vocês na aula anterior.

Profª. Com esse material que está aí na mesa de vocês, vocês conseguirão ver e sentir a formação de gases, por que o gás vai ficar preso na bexiga.

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-Os alunos misturam os ingredientes. Colocam estas misturas em frascos PET de

refrigerante (250ml) e em seguida colocam uma bexiga (balão de borracha) no

gargalo de cada um dos dois frascos.

Profª. Muito bem! Marquem aí que este frasco (frasco1) tem fermento, açúcar e

água a 37°C e aquele (frasco2) farinha de trigo, fermento e água a 37°C. Agora

teremos que esperar um pouco para ver o que acontecerá com as misturas. (A

professora atende, também, aos outros grupos na sala de aula)

Profª. Se vocês quiserem fazer outros com farinha de trigo e açúcar ou só fermento com água. Podem fazer! Estou deixando mais duas bexigas com vocês. Tem mais frasquinhos ali ó! (garrafas PET de 250ml) Podem variar á vontade!

- Os alunos, por iniciativa própria, fazem outra mistura contendo açúcar, farinha de trigo, fermento biológico e água a 37°C(frasco 3).

EPISÓDIO 1 Profª. Eu gostaria que vocês prestassem atenção à temperatura da água dentro dos

frascos, se ela está mudando e se está mudando a maneira dessa mistura se apresentar (aponta para os dois frascos).

Profª. Vocês perceberam que neste frasco 2 a mistura está descendo, decantando e neste outro (frasco 1) a mistura está subindo até a superfície.

Todos. Sim. Profª. Por que está acontecendo isso? Al1. Por causa do material. Profª. Será que são substâncias diferentes? Todos. São. Profª. Estes produtos servem de alimento para a levedura? Todos. Servem. Profª. Olha a bexiga! (pudemos visualizar a bexiga do frasco 1 subindo, embora ainda

meio murcha). O que estamos vendo nesse momento aí? Al1. A levedura já está formando gases e ele já foi para dentro da bexiga. Al2. Aumentou o ar dentro da garrafinha. Al3. Uia! É mesmo!

- A bexiga(frasco1) subiu por inteiro, Al4 levou um susto. Al3 riu da reação da colega. Profª. Não tem como o ar escapar então ele fica aprisionado na bexiga, né?

-Há uma intensa movimentação dos alunos na sala de aula, a formação de

gases dentro frasco e da bexiga ocorre em pouco tempo, com isso os alunos se

sentem motivados para elaborar outras misturas, ou seja, estão agindo sobre os

objetos para testar suas hipóteses.

Profª. E o fermento é formado por seres vivos? Todos. Sim. Profª. Vocês sabem o nome deles? - Al1 tenta se lembrar e diz algo parecido.

Profª. Olha! Tá escrito no quadro. Todos. Saccharomyces cerevisiae (lêem no quadro).

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Profª. Muito bem! Quando vocês vão ao supermercado sempre lêem os rótulos dos produtos que compram?

Todos. Sim. Profª. Então, Al1, por favor, pegue aquela embalagem do fermento biológico, ali na

outra mesa, e veja qual é o nome do ingrediente que esse fermento é feito. Al1. Saccharomyces cerevisiae e não contém glúten. Al2. Saccharomyces cerevisiae. Profª. Não contém glútem significa que não contém uma proteína, um ingrediente da

farinha de trigo nesse fermento. Só contém o Saccharomyces cerevisiae. Isso significa o quê?

Al3. Que só tem o fermento. Al4. Que o fermento é puro. Profª. Isso mesmo! Que só existem esses seres vivos. Muito bem! - A professora seleciona e marca os significados na intervenção com a intenção de

que os alunos saibam que o fermento é formado integralmente por seres vivos. - Al3 segura o frasco1, presta atenção na reação que acontece aí e o entrega a Al1

que mostra aos outros a formação de bolhas na superfície da mistura.

- Os alunos tomam a iniciativa de fazer outra mistura e colocam somente fermento

biológico e água em um saco plástico pequeno( frasco 4).

- Al2 levanta o frasco 2 que contém fermento/farinha de trigo/ água e comenta que a

bexiga está quase igual quando foi colocada (no início do experimento).

- Al3 Levanta o saco plástico(frasco 4) que contém somente água e fermento e diz:

Al3. Esse aqui vai demorar mais.

- Al4 pega o material da mão de Al3 e o coloca sobre a mesa. Al1 se abaixa e olha

atentamente para o frasco1 e diz:

Al1. A bexiga tá mais cheia. - Todos olham e comparam com os outros frascos.

Al2. Isso ainda tá morno. (diz pra Al4 referindo-se ao frasco1)

Al3. Esse aqui também tá morno. (diz ao colocar a mão no frasco2)

- A professora dá uma pausa, valorizando a interação do grupo, e depois diz:

Profª. Olha esse daqui! (aponta o frasco 3). Será que este que tem farinha, açúcar e

fermento, vai fazer a bexiga subir antes que o frasco que contém somente

farinha de trigo e fermento (frasco 2) que nós misturamos antes?

OBS: As misturas do frasco 1 e 2 foram colocadas ao mesmo tempo enquanto que a

do frasco 3 foi colocada um pouco depois.

- A bexiga do frasco1 já subiu e continua enchendo;

- A bexiga do frasco2 ainda não subiu, mas há o início de formação de gases;

- A bexiga do frasco3 ainda não subiu, mas percebe-se que irá subir antes do

que a do frasco2.

Todos: Vai.

Profª. Por que será? O quê está acontecendo aí?

Al1. Porque quando tem açúcar a levedura se alimenta mais rápido do que quando

só tem farinha.

17

-Essa foi uma maneira que a aluna encontrou para colocar a sua idéia de que o

açúcar é um alimento mais energético que a farinha de trigo.

Profª. E quando ela se alimenta ela libera.,,, ela faz o quê?

- Enquanto fala, a professora vai até o quadro e mostra aos alunos um cartaz que

contém fotografias ampliadas da levedura em reprodução.

Al3. Ela libera gases.

Profª. Muito bem! Ela libera os gases. E qual é esse gás?

Todos. Gás carbônico.

Al1. O CO2.

Profª. É mais ou menos isto aqui que está acontecendo? (mostra a fotografia no cartaz

para que os alunos possam visualizar o que está acontecendo na mistura)

Todos. É.

Profª. ... É isso mesmo que as leveduras estão fazendo. Lembra que eu falei na aula

anterior que uma vai dando origem a outras e assim sucessivamente?

Todos. Certo.

Al2. Olha aí! A bexiga do frasco3 tá subindo ó!

Profª. Que legal! Isso é um ser vivo que está se multiplicando... se reproduzindo.

Al4. Esse aqui tá borbulhando.

Profª. Por que tá borbulhando?

Al2. Tá fazendo gases.

Profª. Quando ele está borbulhando significa que ele está respirando e se

reproduzindo. Olhem aqui! Se fosse lá no ambiente nós não veríamos o gás

sendo eliminado, mas esse, como tem a bexiga estamos podendo ver e sentir.

O conteúdo do discurso da professora, nos momentos iniciais da aula, está no

sentido de explorar as idéias dos alunos quanto ao foco do estudo, para tanto

estabelece uma abordagem I/D com um padrão de interação IRF com intervenção

no sentido de compartilhar significados e selecioná-los, em especial quando

considera uma resposta do aluno, nesse caso, a professora também tenta mobilizar

os alunos para a troca de idéias e maior interação entre os participantes.

EPISÓDIO 2

Profª. Na receita do pão que vai um pouco de açúcar na massa?

Al1. Vai. Al2. Não sei. Al3. Sim. Al4. Vai.

Profª. Mas o pão é salgado? Como é isso? Então porque açúcar na massa do pão?

Al1. Prá massa poder crescer.

Profª. E quem é que está se alimentando desse açúcar?

Al1. A levedura. Al3. A levedura.

- Percebe-se que por influência de Al1 os outros alunos já se referem ao fermento

como sendo levedura. Isto demonstra que eles já estão incorporando aos seus

18

conceitos prévios que as leveduras são seres vivos, possuem características

próprias e como tal possuem metabolismo.

Profª. Dá pra gente perceber isso aí no nosso experimento?

Todos. Dá.

Al4. Professora, quando minha mãe faz pão ela faz uma bolinha de massa e coloca

na água dentro de um copo. Depois a bolinha (de massa) sobe e explode.

Profª. Por que a bolinha sobe?

Aluno de outro grupo. Por que quando ela começa a formar o ar dela, ela sobe.

Al1. Professora, ela contém ar dentro dela?

Profª. Ela não contém ar e sim ela forma gases quando está se reproduzindo. Por

exemplo, quando você está se alimentando, seu organismo precisa de energia

e vai tirar essa energia do alimento. Você elimina calor para o ambiente, então

calor e água nós eliminamos para o ambiente. Mesma coisa a levedura está

fazendo. Quando ela (a levedura) está se alimentando, irá se reproduzir e

formar gás carbônico.

Al1. Certo.

Profª. Nós não jogamos gás carbônico para fora do corpo quando estamos

respirando? Ela (a levedura) também está respirando o oxigênio e eliminando o

gás carbônico. Quando você respira você fabrica energia para seu corpo e

quando ela respira, ela produz energia para viver e se reproduzir. Certo?

Todos. Certo.

-Os alunos fazem outra mistura (frasco 5) que contém fermento, farinha de trigo,

açúcar e água bem gelada.

- A professora atende, agora, aos outros grupos de alunos na sala de aula e ao

retornar ao grupo selecionado segura o frasco4 e faz com que os alunos

percebam que a mistura composta por fermento e água esquentou um pouco.

- Os alunos consentem o fato e o frasco 4 (saco plástico) passa de mão em mão

para que pudessem “sentir” a temperatura.

Profª. Isso significa que as células vivas estão trabalhando o tempo todo e por isso

produzem também o calor.

Al2. É o metabolismo?

Profª. Justamente! Isso mesmo. Trabalham tanto que chega a aumentar a

temperatura e a mantém, depois, por um certo tempo.

- Nem cinco minutos se passaram e percebem que no frasco5 já há gás aprisionado.

Profª. Olha! Já começou a formação de gases, embora a bexiga ainda não tenha

subido. Quais são as possibilidades que vocês estão testando?

19

Todos. Cinco (5) jeitos.

Profª. São cinco possibilidades? Quais são? E a

temperatura da água?

Todos. Fermento, açúcar e água a 37°C (frasco1, bexiga

branca)

Fermento, farinha e água a 37°C (frasco2 bexiga verde).

Fermento, açúcar, farinha e água a menos de 37°C

(frasco3 bexiga alaranjada).

Al1. Fermento e água a mais ou menos 36°C, porque

demorou um pouco para fazer (frasco4 saco plástico).

Al4. Fermento, açúcar, farinha de trigo e água bem gelada (frasco5 bexiga rosa) que

foi colocado por último.

Profª. Muito bem! Vocês perceberam que em todos os frascos há a formação de ...

Todos. Gases.

Profª. Isso significa que em todos os frascos tem alimento para a célula (levedura)?

Todos. Tem.

Profª. A célula da levedura é unicelular ou pluricelular?

Todos. Unicelular.

Profª. Muito bem! Será que uma única célula pode se reproduzir várias vezes?

Todos. Sim.

Profª. Sim. Até ela perder a capacidade dela de se reproduzir certo?

Todos. Certo.

A abordagem comunicativa encaminha-se de I/D para I/A e avanços

significativos conquistados pelos alunos em direção ao entendimento são percebidos

no âmbito social da sala de aula.

A intenção da professora está voltada para introduzir o tema nas questões

cotidianas dos alunos, para tanto estabelece uma abordagem comunicativa I/A com

padrão de interação IRA ao guiá-los no entendimento daquilo que acontece

rotineiramente em suas casas.

Ao mesmo tempo propicia oportunidade e suporte para que eles produzam

significados individuais, internalizando as idéias que foram colocadas, pelo grupo,

guiados pela intervenção professora no plano social da sala de aula.

EPISÓDIO 3

Profª. Existem muitos tipos de leveduras na natureza, como vimos na aula anterior.

Elas servem para fazer pão, cerveja, vinho e o homem utiliza a levedura para

fazer vinagre também. O vinagre, na verdade, é um segundo processo em que,

primeiro, o material se transforma em álcool e depois se transforma em ácido,

que é o vinagre. Eu tenho uma receita de vinagre caseiro, que faço,é de maçã

e trarei pra vocês qualquer dia desses, ta?

Todos. Tá.

Al1. Vinagre feito em casa?

Foto 1: PDE/2008. N.M.V

20

Profª. Sim, isso é uma prova de que a levedura está no ar atmosférico e em todos os

lugares. Eu posso fazer uma mistura de frutas, no caso a maçã, triturada e

misturada em água e deixar por uns 30 dias aí eu terei uma bebida alcoólica e

se eu deixar fermentando por mais 30 dias terei um bom e natural vinagre. Só

temos que evitar a contaminação deste produto por bactérias e insetos.

- Todos os alunos da sala de aula prestam bastante atenção. Nesse momento não

há outro ruído a não ser a fala da professora.

Profª. Posso fazer o fermento do pão também a partir das coisas que vou utilizar

para fazer o pão. A farinha vai servir de alimento para a levedura que está no

ar, no ambiente. Então, as leveduras, a Saccharomyces cerevisiae estão no ar,

então eu posso fazer, em casa, o fermento sem precisar comprar o fermento no

supermercado.

Al4. A minha vó faz professora.

Profª. Ela faz e deixa no vidro, né? (usa-se deixar o fermento já feito, em vidro ou litro,

dentro da geladeira e só retirá-lo quando for utilizar)

Profª. Por que ela faz isso? Deixa no vidro (dentro da geladeira).

Al4. Não sei.

Profª. Por que é difícil e demorado fazer fermento naturalmente na primeira vez.

Al1. Professora, se eu colocar água, farinha e açúcar vai formar fermento?

Profª. Vai sim. Eles vão servir de alimento para as leveduras. Vai demorar um pouco

por que não tem tantas células de leveduras como tem nesse que compramos

no supermercado. Mas aquelas que caírem na mistura vão se reproduzindo até

formar a quantidade necessária para fazer o pão. Mais ou menos 3 ou 4 dias.

Mas nós podemos sim, fazer o fermento em casa.

Al1. Tá. Vou falar pra minha mãe.

Profª. Há mais ou menos 12000 anos começou assim, como eu falei na aula

anterior, que eles “esqueceram” a massa de água e farinha em uma pedra ou

sei lá onde, né?...e perceberam que aquela massa cresceu e o pão ficou mais

macio para se comer. E depois deixavam a massa crescer para depois colocá-

la sobre as pedras para assar com o calor do Sol ou em fogueiras.

Al3. Porque a gente tem que cobrir a massa do pão para ele crescer?

Profª. Cobrimos a massa do pão para não escapar o calor porque nele as leveduras

se reproduzem mais rápido e liberam mais rapidamente os gases que fazem a

massa do pão crescer.

Profª. Mas a Al1, tem razão se a gente deixar farinha de trigo, açúcar e água no

tempo, no ambiente, vejam a nossa cozinha é um ambiente. Não é?

Al1. Por que quando a gente vai fazer pão ou outra coisa a gente cobre a massa?

Profª. Cobrimos a massa para ela não perder calor. Com o calor a levedura se

reproduz mais rapidamente e se ela se reproduz mais rápido, mais

rapidamente ela forma gases e a massa aprisiona os gases e...

Al1. ...e faz o pão crescer.

21

O discurso vai se modificando progressivamente conforme os significados

conquistados pelos alunos em direção ao entendimento e aos objetivos propostos.

A ação de socializar com os demais colegas os fatos ocorridos com o fermento

biológico em suas casas, no cotidiano, demonstra que eles já relacionam algumas

idéias do conhecimento científico escolar com as idéias de senso comum.

A intenção da professora está centrada em marcar elementos significativos

para o aluno a partir de uma abordagem comunicativa I/A com padrões de

intervenção IRA para colocar no plano social da sala de aula a relação do

conhecimento cotidiano com elementos do conhecimento científico.

EPISÓDIO 4

Profª. Então. Por que a massa do pão cresce?

Al4. Por causa do gás carbônico.

Profª. A farinha de trigo contém um elemento chamado glúten, esse elemento

quando molhado forma uma massa pegajosa e elástica, aí o fermento se

multiplicando, a levedura se reproduzindo formará gases, esses gases não têm

por onde escapar e então estica a massa. Esse gás vai ter força para fazer a

massa subir. Por isso a massa do pão cresce.

Al2. Legal.

Profª. Os gases vão ter força para levantar a massa do pão, assim como fez a

bexiga subir. (mostra os experimentos sobre a mesa) Olha aí, podem colocar a

mão, vejam como essa (frasco1) está bem cheia e consegue esticar a borracha

da bexiga.

- Os alunos colocam a mão e apertam as bexigas para sentir a quantidade de gases

dentro desses balões.

- Enquanto isso Al1 e Al4 verificam o tamanho das bexigas nos frascos 1 e 3.

Profª. Quando nós começamos o experimento havia mais ou menos células do que

agora? Mais ou menos?

Todos. Menos (falam alto).

Profª. O que aconteceu? Porque as células aumentaram em número?

Al1. Porque elas se alimentaram das coisas que a gente colocou e se reproduziu.

Profª. Será que tem na natureza alguma coisa que a gente percebe que acontece a

mesma coisa?

Al2. Tem. Al1. Tem.

Profª. O quê?

Al1. Bactérias, por exemplo. ( a aluna se refere à reprodução)

Profª. Bactérias também se reproduzem?

Al3. Sim. Al4. Sim. Al1. Rapidamente.

22

Profª. É isso mesmo, elas se reproduzem e rapidamente. O que está acontecendo

com o alimento dentro do nosso corpo?

Al1. Esses alimentos quando estão diluindo dentro do nosso estômago eles fabricam

substâncias que são absorvidas pelas células e elas se multiplicam e fazem

nosso corpo crescer.

Profª. Porque você acha que seu corpo cresceu? Pergunta dirigida a Al3.

Al3. Por causa do alimento.

Profª. Quando você era pequenininha tinha o mesmo número de células que tem

agora ou tinha menos?

Todos. Tinha menos.

- A professora mostra os frascos com as leveduras sobre a mesa.

Profª. E aqui ó! Nós fornecemos alimentos para as leveduras?

Todos. Sim.

-Neste momento da aula, os alunos devem dar explicações causais e ao fazê-lo

também o fazem mentalmente, internalizando o processo e, é por intermédio

da ação e da mediação da professora que os alunos chegam ao objetivo.

Profª. O que vocês acham que vai acontecer neste frasco(5) com água gelada?

Al1. A levedura não vai se reproduzir ou vai se reproduzir muito pouco por causa da

falta de calor.

Profª. Muito bem! Mas vai chegar uma hora em que esta mistura vai chegar numa

temperatura ideal para a levedura se reproduzir?

Todos. Vai.

Profª. Então se nós tivéssemos a mesma mistura só que em uma a água estaria a

37°C e na outra a 20°C daria diferença nas bexigas? Todos. Vai.

Profª. Qual (bexiga) subiria mais rápido?

Al3. A de 37°C.

A intenção da professora está dirigida a que os alunos estabeleçam alguma

relação significativa sobre a transformação da matéria em energia ao relacionarem o

fenômeno analisado com o seu próprio organismo, isto é, entendem que um

organismo cresce por causa do aumento do número de células e atribuem este fato

ao aproveitamento da energia contida nos alimentos.

A intervenção da professora propiciou a inclusão de conceitos mais amplos do

que aqueles que os alunos já possuem. Estabelecem-se padrões de interação IRA

com intervenções dirigidas a marcar e compartilhar significados quando é

introduzido um novo termo ou a diferença entre dois significados e durante a

abordagem comunicativa I/A encaminhou os alunos para as explicações causais a

respeito do fenômeno e na apropriação de idéias próprias do conhecimento escolar

para alunos desta faixa etária.

23

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os aspectos discursivos entre a professora e os alunos mostraram-se, durante

a análise, cercados de variáveis que demonstram a complexidade das interações

constituídas a partir do contexto e do objetivo de ensino.

Estas atividades não objetivam o conflito cognitivo. O discurso promovido pela

professora conseguiu que esses alunos avançassem nos significados de suas

concepções no sentido do conhecimento escolar, internalizando-os.

Este tipo de atividade permite que os alunos comecem a estruturar algumas

relações referentes à respiração, reprodução dos seres vivos e transformação e

conservação de energia. Não se espera que eles sistematizem conceitos científicos,

mas que suas descrições, explicações e possíveis generalizações estejam no

sentido de relacionar que os seres vivos necessitam de condições ideais para sua

reprodução.

A estrutura analítica (Mortimer e Scott, 2002) utilizada é um instrumento que

auxilia na análise sobre como o professor pode agir para guiar as interações que

resultam na (re)construção das idéias dos alunos em sala de aula. Com enfoque nas

ações, abordagens e intervenções do professor na sala de aula.

Durante a atividade experimental a intenção da professora esteve de acordo

com os objetivos e encaminhamentos metodológicos. A professora explorou através

de perguntas, encaminhou e trabalhou as idéias dos alunos no sentido de engajá-los

no desenvolvimento da atividade oferecendo ainda, suporte para a produção de

significados individuais ou em comum e na explicitação dos mesmos.

O aspecto discursivo relativo à abordagem comunicativa, nas classes

interativa/dialógica e interativa/de autoridade, promovida pela professora

demonstrou como o discurso foi conduzido. Esse aspecto foi fundamental para o

encaminhamento gradual das idéias dos alunos e como lhes foi dado a possibilidade

de (re)estruturar os conceitos referentes ao conteúdo discutido.

A inclusão de idéias de senso comum dos alunos na discussão é favorecida

por uma abordagem comunicativa I/D e um padrão de interação IRF que permite aos

alunos expressarem idéias, incluindo-as no processo de construção dos significados.

A abordagem interativa dialógica (I/D) predominou no primeiro episódio. A

abordagem de autoridade (I/A) predominou nos demais episódios da atividade nos

quais a professora dirigiu a intervenção com a evidente intenção de selecionar,

24

explorar e verificar os significados obtidos na interação a respeito do foco de ensino

a fim de manter a narrativa sobre o conteúdo explorado.

A tomada de consciência na interação forneceu indicativos sobre a

necessidade de mudança do tipo de abordagem e padrão de interação para a

continuidade da aula, portanto, a estruturação dos enunciados, durante as

explicações, parece mover-se juntamente com a ultrapassagem da mudança da

abordagem comunicativa interativa/dialógica (I/D) para interativa/de autoridade (I/A).

A elaboração das descrições e explicações empíricas, pelos alunos, decorreu

não da atividade em si, mas a partir da abordagem da professora que na interação

os conduziu à percepção do “como” e “por que” aconteceu o fenômeno.

Evidencio-se, durante a primeira etapa da aula, que esses alunos não sabiam

que o fermento biológico utilizado no preparo de pães é constituído por seres vivos.

Relacionado a isso se observou avanços significativos na explicitação de idéias

pelos alunos, nas quais foram incorporadas palavras como “reprodução”, “levedura”,

“metabolismo”. Em sua maioria, as descrições e explicações elaboradas estão

relacionadas à linguagem social da sala de aula com uma clara transformação nos

enunciados sobre suas concepções prévias progredindo para enunciados mais

estruturados no sentido da explicação empírica sobre o fenômeno em questão.

Conforme Vivian (2006), conclui-se que os padrões discursivos e a abordagem

comunicativa são independentes da „estória científica‟ desenvolvida na atividade

experimental, e dependem das intenções e das formas de intervenção promovidos

pela professora. Não há um modelo a ser seguido, há uma variação de situações,

portanto, não existe uma regra pré-estabelecida para guiar as abordagens

comunicativas e os padrões de interação entre professores e alunos na sala de aula.

Tornar evidente os padrões discursivos promovidos pela professora com

alunos na faixa etária entre 11e12 anos nos parece importante para o entendimento

sobre as concepções que os alunos já possuem e trazem para a escola.

Para a professora PDE Titulado/2008 e pesquisadora desse trabalho, a análise

dos dados contribuiu de forma significativa no sentido da responsabilidade quanto ao

planejamento e encaminhamento das aulas de ciências.

De modo geral essas considerações não devem ser compreendidas como

generalizáveis, mas como especificamente aspectos desta mostra no intuito de

contribuir para a compreensão de uma parte constitutiva de situações de ensino.

25

8. REFERÊNCIAS

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Atividade Discursiva em uma Aula de Ciências. Investigações em Ensino de

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único.

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