análise dos critérios de avaliação

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O PROCESSO DE ESCRITURA DA REDAO DE VESTIBULAR: O ARGUMENTO COMO ELEMENTO DE SENTIDO ENTRE VESTIBULANDOS E AVALIADORES por

JANDIRA AQUINO PILAR

Dissertao apresentada ao Curso de Ps-graduao em Letras, Curso de Mestrado, da Universidade Federal de Santa Maria (RS) como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Letras.

SANTA MARIA, RS, BRASIL 2000

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Este trabalho dedicado a todos os meus alunos que, ao sarem das formas preestabelecidas, instigaram-me a buscar outras maneiras de ler o texto.

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AGRADECIMENTOS Professora Dr Dsire Motta-Roth, pela orientao que me possibilitou repensar a minha prtica e, principalmente por representar o marco de uma nova perspectiva terico-prtica no meu trabalho como professora de redao.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, em especial ao Professor Paulo Guedes, por ter cedido as redaes para este trabalho, demonstrando seu comprometimento com a pesquisa, verdadeiro elo entre a teoria e a prtica, que coloca a universidade como instncia dialgica de conhecimento.

Aos professores avaliadores que concederam as entrevistas, por contriburem para a realizao deste trabalho.

Aos Professores Mestres Maria Eullia Albuquerque e Roque Amadeu Kreutz, por se terem constitudo em referncia no meu caminho como professora de redao.

s Professoras Mestres Najara Pinheiro e Neiva Rebelo, pelas esclarecedoras.

leituras

s colegas de Mestrado, em especial Snia, Valria e Silvana, pelo companheirismo e pela amizade.

Coordenao, professores e funcionrias do Mestrado, pela competncia e profissionalismo.

s colegas da Escola Coronel Pilar, em especial Tania, pela confiana que depositaram na realizao deste trabalho.

Ao Lino, ao Germano e Mnica, por representarem, sempre, porto seguro nas minhas incertezas e pdium de chegada nas minhas realizaes.

meu pai (in memorium), minha me e aos meus irmos, pelo apoio e pela confiana que incentivaram a realizao dos meus sonhos.

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Sandra, pelo incentivo que me auxiliou a ver a chegada como uma certeza.

RESUMO O PROCESSO DE ESCRITURA DA REDAO DE VESTIBULAR: O ARGUMENTO COMO ELEMENTO DE SENTIDO ENTRE VESTIBULANDOS E AVALIADORESAutora: Jandira Aquino Pilar Orientadora: Professora Dr Dsire Motta-Roth

O processo de escritura da redao de vestibular tem sido objeto de preocupao para alunos, pais, e para ns, professores de redao de Ensino Mdio, tendo em vista que os problemas de desempenho na prova de redao podem contribuir para a perda da to sonhada vaga no Ensino Superior. Por outro lado, os livros que versam sobre o processo de escritura de redao de vestibular e, portanto, subsidiam o trabalho dos professores no apresentam referenciais para embasar um ensino de redao para o vestibular em toda a sua complexidade. Os critrios utilizados para avaliar as redaes no concurso vestibular, por sua vez, (publicados no Manual do Avaliador e no Manual do Candidato) no tm sido suficientes para minimizar a subjetividade pertinente avaliao de textos. Com o objetivo de compreender o processo de redao de vestibular e seu produto, realizamos entrevistas com cinco membros de equipes de avaliao de trs universidades para elicitar o que os avaliadores consideram um "texto satisfatrio" a partir do ponto de vista institucional. Alm disso, analisamos 09 redaes "nota dez", produzidas no concurso vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tentando determinar a relao entre texto e contexto. Levando em conta o trabalho de HALLIDAY & HASAN (1985) para analisar o gnero e a viso crtica do discurso de FAIRCLOUGH (1992), ns analisamos os textos primeiramente pelas caractersticas correspondentes trs variveis campo, teor e modo e segundo pela s adequao entre as expectativas da banca e os textos produzidos no momento do concurso. Nossa hiptese inicial era que as redaes consideradas satisfatrias deveriam manter uma estrutura regular que poderia ser definida em termos de TOULMIN (1958) como Tese, Dados e Garantias. Essa estrutura seria usada pelo candidato como dispositivo retrico para persuadir os examinadores de seu ponto de vista sobre os problemas discutidos por eles e, portanto, seria capaz de demonstrar a competncia discursiva do candidato. Os resultados mostram que essas redaes podem ter sido consideradas satisfatrias porque: 1) elas atendem adequao texto-tema, mantendo a

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coeso lexical (campo); 2) demonstram a habilidade persuasiva do autor atravs do uso de recursos de modalidade; e 3) elas foram estruturadas em termos de declaraes do ponto de vista do autor, sustentadas por Dados e Garantias, que estabelecem a relao entre a Tese e os Dados. A partir disso, podemos concluir que os livros sobre o ensino de redao precisam abordar aspectos relacionados ao processo de construo do argumento a fim de subsidiar um ensino de redao mais condizente com as reais necessidades dos alunos. UNIVERSIDADE DE SANTA MARIA CURSO DE PS-GRADUAO EM LETRAS Dissertao de Mestrado em Letras- Estudos da Linguagem Santa Maria, junho de 2000

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ABSTRACT

THE PROCESS OF ESSAY WRITING FOR THE UNIVERSITY ENTRANCE EXAMINATION: THE ARGUMENT AS A MEANING ELEMENT AMONG APPLICANTS AND EVALUATORS

Author: Jandira Aquino Pilar Advisor: Dsire Motta-Roth

The process of essay writing for the university entrance examination has been object of concern for students, parents and teachers of writing at the secondary level school, considering that the performance problems in the essay writing task may be decisive regarding university access. On the one hand, books that discuss the process of essay writing and, therefore, would support teachers, do not provide an adequate referential for essay teaching in all its complexity. The criteria applied to evaluate the essays in the university entrance examination, in turn, (published in the Evaluator's and in the Applicant's handbook) have not been enough to minimize the subjectivity in text evaluation. In order to understand the essay writing process and its product, we conducted interviews with five members of examining boards from three different universities to elicit the way examiners conceive a 'satisfactory text' from an institutional point of view. In addition, we analyzed 09 such essays for the entrance examination at UFRGS, trying to determined the exiting connections between text and context. Taking into account Halliday and Hasan 's (1985) framework to analyze genre and Faircloug's (1992) views on Critical Discourse Analysis, we analyzed the texts first for text features corresponding to the three variables field, tenor and mode and secondly for the adequacy between the examining board's expectations and the actual texts. Our initial hipothesis predicted that these essays could maintain a regular structure that can be defined in Toulmin's terms of argument construction: thesis, data, warrant. This structure would be used by the candidate as a rhetorical device to persuade the examiners of his/her point of view on the matter being discussed and therefore show his/her discursive competence.The results show that these essays might have been considered "satisfactory" because: 1) they covered the theme proposed by maintaing lexical cohesin (field); 2) they displayed the author's persuasive ability through the use

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of modality (tenor); and 3) they were structured in terms of a statement of the author's point view, supporting data and warrant to establish the connection between thesis and data. Thus, we may conclude that teaching materials need to approach aspects regarding the process of argument construction in order to build a rationale for essay writing teaching in accordance with stdent's actual needs.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CURSO DE PS-GRADUAO EM LETRAS Dissertao de Mestrado em Letras- Estudos da Linguagem Santa Maria, junho de 2000

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SUMRIO

RESUMO.............................................................................................................iv ABSTRACT.........................................................................................................vi LISTA DE TABELAS...........................................................................................x LISTA DE FIGURAS...........................................................................................xi LISTA DE ANEXOS...........................................................................................xii 1 INTRODUO..................................................................................................1 2 REVISO DE LITERATURA............................................................................6 Introduo........................................................................................................... 6 2. 1 A redao de vestibular no livro didtico.................................................6 2. 2 Os critrios de avaliao de redaes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul .................................................................................................16 2. 3. A redao de vestibular como um gnero textual ...............................22 2. 3. 1 A varivel contextual campo e a funo ideacional da linguagem..........30 2. 3. 2 A varivel contextual teor e a funo interpessoal da linguagem...........32 2. 3. 3. A varivel contextual modo e a funo textual da linguagem................35 Consideraes finais..........................................................................................39 3. METODOLOGIA ...........................................................................................41 3.1 Definio do universo de anlise.............................................................41 3.2 Critrios de delimitao do Corpus .......................................................41

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3.3 Critrios para levantamento e anlise dos dados..................................42 4. RESULTADOS.E DISCUSSO....................................................................50 4.1 O contexto da redao de vestibular

........................................................50 4.2 A redao de vestibular considerada satisfatria na UFRGS................56 4. 2.1 A funo ideacional da linguagem ...................................... ...................66 4. 2. 2 A funo interpessoal da linguagem ........................................................72 4. 2. 3 A funo textual da linguagem .............. ..................................................78 5. CONCLUSO, LIMITAES DO ESTUDO E FUTURAS

PESQUISAS........92 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................97

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LISTA DE TABELASTabela 2.1 Critrios de avaliao de redaes de vestibular da UFRGS, Parte 1.............................................................................................................................. 17 Tabela 2.2 Critrios de avaliao de redaes de vestibular da UFRGS, Parte 2.............................................................................................................................. 18 Tabela 2.3 Esquema apresentado por HALLIDAY..............................................29 Tabela 4.1 Indicativo das redaes que apresentaram a estrutura SituaoAvaliao ..............................................................................................................57 Tabela 4.2 Elementos redaes..........................58 de coeso encontrados nas

Tabela 4.3 Amostra dos itens utilizados para recuperar palavras-chave nas redaes................................................................................................................ 68

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Tabela 4.4 Demonstrativo dos itens responsveis pela coeso lexical na redao 1..............................................................................................................70 Tabela 4.5 Demonstrativo da estrutura argumentativa encontrada nas redaes................................................................................................................ 88

LISTA DE FIGURASFigura 2.1 Modelo de prova de redao que consta do livro didtico .........7 Figura 2.2 Prova de redao do Concurso Vestibular da UFRGS, 1996......10 Figura 2.3 Prova de redao do Concurso Vestibular da UFSM, 1999 .......13 Figura 2.4 Prova de redao.da UFSM, 1998 .................................................26 Figura 2.5 Texto produzido por aluno pr-vestibulando ..............................31 Figura 2.6 Modelo da estrutura do argumento...............................................38 Figura 3.1 Prova de redao do concurso vestibular da UFRGS, 1997.......46

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LISTA DE ANEXOSANEXO 1 As Redaes 1. Mudanas no Concurso Vestibular..................................................................99 2. A legitimidade do vestibular como avaliao..................................................100 3. Como selecionar os melhores.........................................................................101 4. Continuidade e Mudana no Vestibular..........................................................102

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5. Vestibular: mudar melhor.............................................................................103 6. Aperfeioamentos necessrios no vestibular..................................................104 7. A Estrutura do Vestibular ................................................................................105 8. O que que deveria ser avaliado....................................................................106 9. Vestibular: um teste para a vida?.....................................................................107 ANEXO 2 As entrevistas 1. Entrevista com o Avaliador A1 .........................................................................108 2. Entrevista com o Avaliador A2 .........................................................................117 3. Entrevista com o Avaliador B1..........................................................................123 4. Entrevista com o Avaliador B2..................................................................... 130 5. Entrevista com o Avaliador C1..........................................................................136

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INTRODUOA redao de vestibular, nos ltimos anos, tem preocupado tanto os alunos que prestam o concurso vestibular, quanto seus pais e ns, professores de redao do Ensino Mdio. Os problemas de desempenho na prova de redao, que podem resultar na perda da to sonhada vaga ao Ensino Superior, tm motivado uma cobrana em relao ao nosso trabalho, obrigando-nos a buscar subsdios para orientar o ensino e a aprendizagem da habilidade de redao de maneira que o aluno possa obter resultados satisfatrios no referido concurso. H, no entanto, uma carncia de estudos sobre o ensino e a aprendizagem de redao, especificamente no que se refere redao voltada para o concurso vestibular. Embora tenham aumentado significativamente as publicaes sobre o assunto nos ltimos anos (ver, por exemplo, TEIXEIRA,1996; SILVA, 1999; FARACO & MOURA, 1995; FIORIN & SAVIOLI, 1996), os materiais publicados no tm sido suficientes para orientar a prtica de ensino de redao em nossas escolas. Os livros que versam sobre redao de vestibular do nfase estrutura cannica do texto (introduo, desenvolvimento e concluso) em detrimento de elementos essenciais no processo de produo textual, como o objetivo comunicativo, a autoria, a relao do produtor do texto com o pblicoalvo. Alm disso, tambm no mencionam pressupostos tericos subjacentes, que poderiam servir de objeto de reflexo para o professor de redao aprofundar seus conhecimentos.

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Os critrios de avaliao de redao de vestibular, por sua vez, ainda que publicados nos Manuais dos Candidatos (ver, por exemplo, os da Universidade Federal de Santa Maria, publicados em 1997) ou dos Avaliadores (como, por exemplo, os da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, publicados em 1999), no definem palavras recorrentes como "clareza" e "consistncia", deixando a avaliao do texto, em relao ao contedo das idias do texto, merc da subjetividade do avaliador. Segundo FRANCO JNIOR, VASCONCELOS & MENEGASSI (p.103): os critrios que servem de parmetro para dizer se uma redao est boa ou ruim, se merece zero, dois, oito ou dez prendem-se usualmente ao grau de adequao da mesma ao padro culto (correo gramatical). Fora desse mbito, a intuio do professor que guia a avaliao da redao como sendo boa ou ruim (grifos dos autores). Tendo em vista algumas dificuldades encontradas no meu percurso como professora de redao no Ensino Mdio e em cursinhos pr-vestibulares e a conseqente necessidade de aprofundar os estudos sobre a escrita dos alunos vestibulandos, no sentido de oferecer-lhes subsdios para que possam atingir seus objetivos, esta pesquisa tem o objetivo de estudar a redao de vestibular como um texto que desempenha uma funo em um contexto especfico (HALLIDAY & HASAN, 1985, p. 10). De modo geral, no contexto do vestibular, a redao tem a funo de comprovar a competncia discursiva do candidato em adequar seu texto ao contexto da prova, no s em termos de correo gramatical, coeso, coerncia, registro culto da linguagem, mas tambm em termos de desenvolvimento do tema proposto sem tergiversaes, com vocabulrio adequado e com uma tese central sustentada por uma

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argumentao bem conectada, que possibilite o acesso do candidato ao Ensino Superior. Essas questes, no entanto, embora possam ser definidas em termos gerais, tanto nos livros didticos quanto nos critrios que regulamentam a avaliao de redao no concurso vestibular, ainda carecem de um tratamento mais detalhado e preciso. Tendo em mente esses fatores, selecionaram-se redaes de vestibular consideradas satisfatrias pela equipe de avaliao no concurso vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 1997. A inteno foi verificar como alunos vestibulandos organizam a linguagem para persuadir o leitor de que a sua argumentao adequada como resposta na prova de redao. Levando em conta que fornecer evidncias no sentido de sustentar uma tese intrnseco ao processo intelectual de demonstrar conhecimento e compreenso (CLARK & IVANIC, 1997, p.156), a hiptese norteadora do trabalho que, nas redaes consideradas satisfatrias pela equipe de avaliao de redao, h argumentos estruturados no sentido de asseverar uma tese ou ponto de vista. Argumentos so asseres, chamadas Teses, que so fundamentadas por Dados e Garantias que validam a nossa maneira de ver o mundo (TOULMIN, 1958, p.8). Considera-se que essa estrutura argumentativa ser encontrada em redaes que foram consideradas satisfatrias no contexto do concurso vestibular.

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Com o objetivo de estudar em maiores detalhes o contexto que cerca as redaes de vestibular, foram realizadas entrevistas com professores de equipes de avaliao de redaes. O objetivo das entrevistas foi verificar a viso de "experts" em avaliao de textos sobre critrios adotados nas correes. Para analisar as redaes, foram utilizados os pressupostos tericos da gramtica funcional (conforme propostos em HALLIDAY & HASAN, 1985), que relacionam texto e contexto, e da estrutura do argumento (conforme proposto em TOULMIN, 1958). As questes a serem respondidas pelo estudo so: 1) possvel afirmar, a partir da anlise das entrevistas, que a estruturao do argumento fator preponderante na avaliao de redaes de vestibular? 2) As redaes consideradas satisfatrias possuem argumentos nos termos que consideramos argumentos estruturados? Os resultados obtidos revelam que os candidatos ao concurso vestibular que elaboram textos considerados como satisfatrios pela banca so alunos assertivos que emitem opinio sobre a questo proposta como tema. Essa opinio apresentada em forma de Tese que fundamentada por Dados e Garantias. Para desenvolver o trabalho, este estudo apresenta-se dividido em quatro captulos, alm desta Introduo. O Captulo 2, que constituir a Reviso da Literatura, apresentar a fundamentao terica para o estudo. Nele, ser discutida a relao entre o texto e o contexto e a estrutura do argumento. No

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Captulo 3, ser descrita a Metodologia utilizada, com base nos critrios e procedimentos utilizados para a Delimitao do corpus, a Seleo e Anlise dos Dados das entrevistas e dos textos. O Captulo 4 apresentar a Discusso dos Resultados obtidos na anlise; e, por fim, o Captulo 5 apresentar a Concluso, as Limitaes do Trabalho e as Sugestes para Futuras Pesquisas.

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2 REVISO DA LITERATURA

Este captulo apresenta o referencial terico para a pesquisa. Primeiramente, ser feita uma reviso nos livros didticos que versam sobre redao de vestibular e, em seguida, sero discutidos os critrios de avaliao de redao de vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Por fim, a redao de vestibular ser apresentada como um gnero textual que, ao ser analisada em seu contexto a partir das variveis campo, teor e modo (HALLIDAY & HASAN, 1985), pode nos ajudar a compreender melhor o papel desempenhado pela linguagem no contexto do vestibular.

2. 1 A redao de vestibular no livro didticoNos livros didticos que versam sobre redao (ver, por exemplo, TERRA, 1996; DE NICOLA, 1998; SOUZA, 1994, entre outros), verifica-se uma tendncia ao ensino de redao para o vestibular sob a perspectiva da tipologia textual com base nos conceitos de narrao, descrio e dissertao. Nesses livros, o texto dissertativo ganha destaque, tendo em vista que o mais solicitado em concursos vestibulares, conforme ilustrado pela figura 2.1:

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Tarefa de Redao Leia o texto seguinte: "Vestibular: 'um mal necessrio' No Brasil, as escolas superiores adotam o mesmo princpio usado na Europa para a seleo dos candidatos: o nmero clausus, que fixa o total de alunos que cada curso pode receber. Mas l a situao diferente. As escolas superiores aplicam um exame de qualificao, que serve apenas para encaminhar o aluno a determinada escola: todos conseguem uma vaga no ensino superior, s que nem sempre nas escolas que pretendem. A Frana, por exemplo,substitui o vestibular pelo baccalaureat (bacharelado) e a Alemanha pelo abitur (habilitao). Esses exames servem de critrios para remanejar os alunos aprovados, que tm garantido um lugar no ensino superior. Nesses pases - lembra Guerra Vieira -, o Estado mantm um nmero de escolas superiores suficientes para atender toda a demanda. Outros, no entanto, decidiram acabar com o nmero de clausus. Resultado: o Instituto Nacional Politcnico, no Mxico, tem 150 mil alunos matriculados (na Escola Politcnica da USP existem apenas trs mil estudantes), fato que levou a uma total degenerao do ensino superior naquele pas". (Antnio Hlio Vieira, reitor da Universidade de So Paulo. O Estado de So Paulo,16 nov. de 1984) Redija, em prosa, uma dissertao expondo seu ponto de vista sobre a necessidade da existncia do nmero clausus para o ingresso nas universidades pblicas brasileiras. Voc deve apresentar sua posio, desenvolver sucintamente argumentos e chegar a uma concluso compatvel com a argumentao.

Figura 2.1 Tarefa proposta como prova de redao do concurso vestibular na FUVEST/ SP, extrada de DE NICOLA, 1998, p. 406. Assim como na tarefa da prova de redao da Figura 2.1, a redao de vestibular, nos livros didticos, tem-se caracterizado como um texto em que se desenvolvem raciocnios e apresentam-se argumentos para avaliar situaes propostas como tema (LEITE, AMARAL, FERREIRA & ANTNIO, 1997, p.378). Tendo isso como base, possvel afirmar que, nos livros didticos, a redao de vestibular pode ser definida como um texto em que o autor organiza o pensamento lgico para argumentar no sentido de convencer o leitor da validade de sua opinio sobre um determinado assunto. Apesar disso, os livros didticos que foram pesquisados do nfase estrutura formal do texto, sem fazer referncia estratgias de argumentao s que devem ser utilizadas por alunos vestibulandos para convencer a sua audincia-alvo. Nos livros didticos, a redao de vestibular associada a uma

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estrutura cannica, na qual cada pargrafo desempenha uma funo especfica no texto, sem que se considere a variabialidade do contexto (ver, por exemplo, DE NICOLA, 1998, p.327; CAMPEDELLI & SOUZA, 1998, p.196-7). De modo geral, os livros didticos apenas prevem uma introduo que apresenta a tese ou ponto de vista do autor, pargrafo(s) de desenvolvimento que aprofunda(m) os argumentos utilizados para defender a tese apresentada, e uma concluso que retoma o tema, permitindo ao leitor amarrar todos os fios do discurso (SERAFINI, 1994, p.74). Para FIGUEIREDO (1995, p.17), esses pargrafos funcionariam para dividir uma seqncia de informaes ou pensamentos em estgios que facilitariam a compreenso e a leitura do texto, possibilitando ao leitor acompanhar passo a passo a linha de raciocnio desenvolvida pelo escritor (idem, p.13.) Contudo, na prtica, a excessiva preocupao com a estrutura formal prejudica o processo de elaborao de textos. A experincia com ensino/aprendizagem de redao na escola de

ensino mdio e em cursos pr-vestibulares tem evidenciado que a preocupao com a estrutura leva os alunos a escreverem textos a partir de esquemas encontrados nos livros didticos (ver, por exemplo, GRANATIC, 1995, p.80, 88 e 94). Muitos deles utilizam frmulas preestabelecidas, as quais determinam que a tese deve estar na introduo, que o texto deve apresentar dois argumentos ou ainda que se devem apresentar aspectos positivos e negativos do tema no mesmo texto. Ao seguir essas frmulas, alunos vestibulandos deixam de considerar que o texto o resultado de uma reflexo pessoal,

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requisito imprescindvel

para que o autor do texto seja capaz de produzir

argumentos que possam convencer o leitor da validade de sua opinio sobre um determinado assunto. As "frmulas prontas" geram textos que se constituem na simples apresentao de causas e conseqncias de um fato, sem propiciar uma discusso aprofundada do assunto, ou resultam na exposio "descomprometida" de aspectos positivos e negativos de um tema, sem que o texto possua uma tese que demonstre o posicionamento do aluno e lhe possibilite argumentar para convencer o leitor. Conforme demonstra o resultado do levantamento bibliogrfico realizado, apesar de ressaltarem a importncia da tese e de argumentos para defend-la, os livros didticos no apresentam subsdios para que o professor possa orientar candidatos ao concurso vestibular na elaborao de textos argumentativos nos quais eles apresentem uma opinio pessoal e argumentos consistentes de maneira a persuadir os leitores da validade dessa opinio (tese). Os poucos livros que orientam o professor para o ensino do argumento em sua relao com o contexto comunicativo (ver BARBOSA, 1994, p.109 e FIORIN & SAVIOLI, 1996, p.284), ainda que o abordem como o resultado das relaes que se estabelecem entre falante/escritor e ouvinte/leitor, quando um tenta produzir efeitos de significado sobre o outro com o intuito de alcanar seus objetivos, no fazem referncia ao processo argumentativo utilizado por alunos que prestam o concurso vestibular. A tendncia em se priorizar a estrutura formal ou ainda de se estabelecer um roteiro para a escritura do texto, que se observa nos livros didticos,

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tambm percebida nas tarefas propostas como provas de redao em concursos vestibulares (ver PEIES/1998 da Universidade Federal de Santa Maria e Concurso Vestibular-1999 da mesma universidade, esse ltimo ilustrado pela Figura 2.3). Elas se caracterizam por esquemas que privilegiam a estrutura do texto.Leia a carta do leitor apresentada a seguir. PAINEL DO LEITOR Programa cor-de-rosa "Assistindo ao programa eleitoral pela TV, fico profundamente emocionado ao ouvir os candidatos aos vrios cargos. Todos cheios de boas intenes, todos querendo o melhor para seus Estados e para o pas,todos se sacrificando pelo bem do povo, e nada,, absolutamente nada em causa prpria. Como o Brasil privilegiado em ter tantos candidatos que s querem o bem-estar da populao. Com tanta gente boa sobrando por aqui, at que poderamos exportar alguns..." Fonte Folha de So Paulo,08.09.98. Vestibulando: Voc tem como tarefa redigir um texto dissertativo-argumentativo, em portugus padro, de 20 a 25 linhas, com ttulo, observando o roteiro a seguir. -Introduza o texto com as impresses causadas pela carta de Wander Zuccolotto. -Desenvolva o texto em duas etapas: 1) deixe clara a sua opinio sobre o programa eleitoral veiculado pelos meios de comunicao, justificando seu posicionamento; 2) apresente um perfil de um candidato com as qualidades que voc considera essenciais para ocupar qualquer cargo eletivo. -Conclua o texto mostrando como o eleitor pode contribuir para a permanncia ou transformao do quadro poltico do pas.

Figura 2.2 Tarefa proposta como prova de redao do vestibular na Universidade Federal de Santa Maria/ 1999.

Ainda que a sugesto de um esquema tenha por objetivo evitar a fuga ao tema ou ao tipo de texto solicitado (SILVA, 1999, p.14), ou que a estrutura formal no possa ser considerada uma 'forma' que aprisione ou que bitole a criatividade de quem escreve (idem, p.21), a prtica tem mostrado que, para

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muitos candidatos, difcil seguir tais roteiros para escrever redaes. Sem a prtica de redigir, muitos deles, quando tentam elaborar seus textos a partir de esquemas, perdem-se em frases isoladas, fazendo apenas uma leve referncia ao assunto solicitado na tarefa proposta; outros, de posse dos elementos conectores (nexos coesivos como conjunes, pronomes, palavras

denotativas), tentam fazer uma "colagem" que resulta em textos incoerentes. Isso quer dizer que o roteiro funciona muito bem somente para quem sabe o qu e como escrever; o aluno que no est inserido no processo de escritura de textos, portanto, provavelmente tambm enfrentar dificuldades na hora de elaborar a redao de vestibular. A partir disso, verifica-se que a orientao para a utilizao de elos coesivos, tambm enfatizada em livros didticos de maneira descontextualizada (ver, por exemplo, FARACO & MOURA, 1995, p.160), no suficiente para evitar que os textos tornem-se vazios de sentido, tendo em vista que, se a nfase recair sobre a forma, os textos talvez caream de um ponto de vista atravs do qual o candidato poderia oferecer uma argumentao consistente. Alm da priorizao da estrutura formal do texto, alguns autores cujos livros foram pesquisados classificam a dissertao em subjetiva e objetiva, associando essa classificao ao uso das pessoas gramaticais (ver, por exemplo, DE NICOLA, 1998, p. 329-334; SOUZA, 1994, p.174-5 e SILVA, 1999, p.16-7). Segundo os livros pesquisados, a dissertao "subjetiva" apresenta um aspecto mais literrio (SILVA, 1999, p.17) ou aborda temas em que o escritor pode usar a sua sensibilidade para passar ao leitor uma viso

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particular do tema (SOUZA, 1994, p.175). Para esses autores, ao escrever dissertaes "subjetivas", o candidato pode utilizar experincias pessoais ou imprimir uma viso estritamente pessoal ou autoral discusso do tema proposto. No caso da dissertao "objetiva", definida como aquela que tem carter universal, abstrato e cientfico (SILVA, idem), o autor deve defender seu ponto de vista de maneira impessoal (ver GRANATIC, 1995, p.126), utilizando verbos em terceira pessoa, isto , "ele" ou "eles", ou verbos impessoais (GRANATIC, 1995, p.126). No entanto, pode-se dizer que o uso da primeira pessoa (eu) no est meramente vinculado a temas objetivos ou subjetivos, mas sim opo do candidato pela utilizao de suas experincias na construo e fundamentao de seu ponto de vista. Dessa maneira, a produo de um texto mais ou menos "subjetivo" ou "objetivo", no depende unicamente da escolha da pessoa gramatical, mas depende do lugar onde o produtor do texto se situa para fazer a anlise do tema. Por exemplo, ao abordar um tema sem inserir suas experincias, o candidato provavelmente utilizar a terceira pessoa (ele, ela), tematizando o mundo ao seu redor (a solido, os outros). Por outro lado, caso se situar no centro da anlise, provavelmente utilizar a primeira pessoa (eu, ns). Alunos vestibulandos, entretanto, ao escreverem sobre temas solicitados em concursos vestibulares, sentem dificuldades em se colocar no centro da anlise e, por isso, costumam resistir utilizao de verbos em primeira pessoa do singular.

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Alm dessa questo, as generalizaes apresentadas nos livros didticos no atendem expectativas de alunos que prestam concurso s vestibular em universidades cuja prova de redao solicita textos que envolvam a narrao e a dissertao, demonstrada na Figura 2.3.O ser humano capaz de experienciar uma grande variedade de estados emocionais. Assim, podemos estar tristes, ou ansiosos, ou eufricos, etc. Muitas vezes no sabemos por que estamos nos sentindo desta ou daquela maneira. H ocasies, inclusive, em que no sabemos sequer definirmos o que sentimos. As emoes so, por natureza, muito complexas. O sentimento de solido um claro exemplo da complexidade das emoes humanas. Em primeiro lugar, defini-lo no to simples como pode parecer primeira vista. Solido significa ausncia de companhia. Podemos nos sentir solitrios mesmo estando cercados de pessoas; por outro lado, muitas vezes, sozinhos, no sentimos solido. Outro aspecto controverso desse sentimento diz respeito ao seu valor para indivduo. Ser que a solido sempre prejudicial, ou ela pode trazer, tambm benefcios? Sua dissertao tratar deste tema: a solido. Procure caracterizar esse sentimento e identifique um episdio ou um momento na sua vida em que voc tenha se sentido solitrio. Discuta as possveis causas e conseqncias dessa experincia, buscando avaliar o papel que ela exerceu na formao de sua personalidade. Lembre-se de que voc est sendo solicitado a redigir um dissertao, texto que se caracteriza por um esforo de reflexo racional em torno de um tema. Valha-se de sua experincia como ponto de partida, mas apresente-a inserida num texto argumentativo e organizado dissertativamente.

Figura 2.3 Tarefa apresentada como motivao na Prova de Redao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Concurso vestibular de 1996.

Conforme se pode observar na Figura 2.3, a tarefa proposta como prova de redao no vestibular da UFRGS possibilita a produo de um texto que misture narrao e dissertao, sem que o aluno-candidato possa perder de vista a anlise e a avaliao do tema proposto na prova, caracterstica do texto dissertativo. Com base nisso, pode-se dizer que a tipologia textual abordada nos livros didticos, no que se refere redao de vestibular, parece carecer de definies mais precisas.

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Com base no levantamento bibliogrfico realizado, pode-se considerar que os livros didticos que abordam a redao de vestibular so insuficientes para ensinar a produo textual em toda sua complexidade. A maioria deles atm-se ao aspecto formal do texto sem aprofundar o ensino de elementos retricos que atenderiam subjetividade do autor. Esses elementos esto relacionados autoria, isto , presentificao do autor no texto (CLARK & IVANIC, 1997, p.134) e o seu comprometimento com a tese que defende, o qual pode ser avaliado pelo uso de elementos retricos que do ao texto o carter exortativo. Esse comprometimento fator imprescindvel no processo de produo textual, tendo em vista que "o texto a representao do escritor, resultante da sua histria de vida e da forma como ele atua no contexto em que est inserido" (MEURER, 1997, p.16-7). Segundo CLARK & IVANIC (1997, p.134), o processo de escritura de texto no pode ser desvinculado da identidade do escritor. Portanto, preciso considerar o comprometimento do escritor com o assunto tratado no texto bem como os conflitos que ele enfrenta entre o que ele gostaria de dizer e o que lhe imposto pelas convenes. O ensino de elementos retricos, responsveis pela subjetividade do autor e de aspectos que envolvem a estruturao do texto pode nos oferecer condies de ensinar a redao de vestibular como um evento discursivo em que um escritor busca agir sobre o leitor para persuadi-lo de que capaz de produzir uma argumentao coerente sobre um dado tema na forma de um texto escrito.

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Segundo FAIRCLOUGH (1992, p.4), evento discursivo compreende as prticas sociais em que se utilizam discursos especficos para se estabelecer relao entre os membros de um dado contexto. Para o autor, discurso um modo de ao, uma maneira de as pessoas agirem sobre o mundo e sobre os outros (p.63). O discurso, para ele, uma decorrncia dos trs aspectos que fazem parte da esfera social (o texto, a interao e o contexto). Levando em conta que as prticas socias esto presentes em todas as instncias da sociedade, podemos dizer que a prova de redao no contexto do concurso vestibular configura-se como um evento discursivo em que se engajam candidatos e banca de avaliao, cada qual buscando alcanar determinados objetivos. A configurao desse evento discursivo prev que o candidato demonstre a sua habilidade de escrever um texto argumentativo, e que a banca aja como um leitor crtico avaliando-o atravs desse texto. Vista sob essa perspectiva, a redao de vestibular pode ser entendida como um gnero textual que pode ser estudado e analisado por suas dimenses contextuais e textuais. Essa questo ser discutida em maiores detalhes na seo 2.3 deste captulo. Antes, porm, discutiremos os critrios que regulamentam a avaliao de redaes, com o objetivo de descrever como so recepcionados os textos produzidos no momento do concurso. Uma vez que as redaes analisadas em nosso trabalho so pertencentes Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sero discutidos os critrios desta Instituio (publicados no Manual do Avaliador, 1999).

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2. 2 Os critrios de avaliao das redaes de vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)Os critrios que regulamentam a avaliao de redaes de vestibular da UFRGS esto divididos em duas partes. A Parte 1 contm itens que avaliam o texto quanto estrutura e ao contedo, e a Parte 2 avalia a expresso lingstica. Ao contrrio do livro didtico, que enfatiza a estrutura formal do texto, os critrios que regulamentam a avaliao de redao de vestibular da UFRGS enfatizam aspectos que se referem ao contedo das idias do texto. Com base nos critrios e nas orientaes publicadas no Manual do Avaliador (1999), podemos considerar a redao de vestibular da UFRGS como um texto que tem a funo de avaliar a capacidade argumentativa dos alunoscandidatos ao ensino superior. Para comprovar sua capacidade argumentativa, os candidatos necessitam discutir temas recorrentes na sociedade com base na reflexo, na anlise e na avaliao do tema, geradas pela sua experincia pessoal (Manual do Avaliador, 1999, p.4). A seguir discutiremos os critrios de avaliao de redao da UFRGS, os quais so demonstrados abaixo (Tabelas 2.1 e 2.2).

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1-ESTRUTURA E CONTEDOTPICO 1. ngulo de abordagem: 1.1 Clareza Nvel excelente 3 Percebe-se claramente o ponto de vista do autor sobre o tema, ou no incio, ou ao longo do texto. ntegra a abordagem do tema construda a partir do ponto de vista, que se mantm ao longo do texto sem contradies ou disperses. O texto revela esforo pela autoria, ou por um ponto de vista criativo e original, ou por suas idias incomuns ou incomumente relacionadas; por isso, desperta interesse. Os pargrafos so semanticamente autnomos, bem divididos, tendo em sua maioria mais de uma frase cada, todas elas convergentes com o tpico tratado. H um uso adequado e preciso de nexos, de modalizadores, dos tempos verbais, de referncias anafricas e da substituio lexical. Predomina nitidamente o carter dissertativo sobre as partes descritivas ou narrativas, que esto a servio da dissertao. A argumentao clara, coerente e consecutiva. Os aspectos em que o contedo foi dividido esto concatenados e apresentam dinmica perceptvel; por isso, o texto progride semanticamente. A anlise considera dimenses qualificadas do tema. abrangente e crtica. O texto revela manejo adequado dos processos bsicos do conhecimento e transita ordenadamente entre parte e todo, argumento e tese, simples e complexo, concreto e abstrato, prximo e distante. Evidencia-se riqueza no texto; h frases complexas, vocabulrio variado, recursos retricos bem usados. 2 1 0 O autor no expressa claramente o seu ponto de vista. O texto se exime de ter idias, tergiversa. O texto deixa idias soltas, que no convergem ou se contradizem. O que se promete no cumprido. Nvel pssimo

1. 2 Consistncia

1. 3 Autonomia

O ponto de vista adotado banal a apenas constata obviedades. As idias que o sustentam trabalham no plano do senso-comum e so relacionadas de forma previsvel.

2. Estrutura do Pargrafo

No h diviso de pargrafos, ou a diviso arbitrria, no refletindo organizao semntica.

3. Coeso textual

O texto no faz uso de recursos de coeso para qualificar-se, ou emprega-os inadequadamente.

4. Carter dissertativo

O texto no define seu carter dissertativo claramente. Narrao e/ ou descrio se sobrepem dissertao. No se distingue o caminho da argumentao. Argumentos maiores e menores no esto hierarquizados, ou so circulares. No h relao de anterioridade ou posterioridade entre eles. A anlise superficial e desinformada, considerando apenas dimenses triviais do assunto. O texto no processa adequadamente o material que mobiliza; perde-se em detalhes, quando deveria trabalhar no plano geral.

5. Competncia da argumentao

6. Criticidade

7. Organicidade

8. Qualidade estilstica

O texto repetitivo e/ou trabalha com chaves, tem vocabulrio pobre e/ou inadequado; suas frases so supersimplificadas ou supercomplexificadas.

Tabela 2.1 Critrios de Avaliao de Redaes de vestibular da UFRGS, Parte 1, publicados no Manual do Avaliador, 1999.

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2- EXPRESSO1. Convenes ortogrficas: ortografia, maisculas e minsculas, acentuao, trema, hfen, aspas, parnteses, separao de slabas .At 2 erros = 2; 3 a 4 erros = 1; 5 ou mais erros = 0 2. Morfossintaxe: concordncia nominal e verbal, regncia nominal e verbal (portanto crase e paralelismo de regncia). No h erros = 4; 1 a 2 erros = 3; 3 a 4 erros = 2; 5 a 6 erros = 1 3. Pontuao: uso de sinais de pontuao, exceto casos de fragmento de frase e frases siamesas. No h erros = 4; 1 a 2 erros = 3; 3 a 4 erros = 2; 5 a 6 erros =1 ; 7 ou mais erros =0 4. Sintaxe: omisso de elementos da orao, referncia, uso de tempos verbais, problemas de ordenao sinttica (colocao de pronomes e ambigidade sinttica), fragmento de frase, frases siamesas, paralelismo, problemas de hierarquia entre principal e subordinada. No h erros = 5; 1 a 2 erros = 4; 3 a 4 erros = 3; 5 a 6 erros = 2; 7 a 8 erros = 1; 9 ou mais erros = 0 5. Semntica: impreciso e inadequao no uso de nexos, impreciso e inadequao vocabular, ambigidade semntica, impropriedade de registro- hipercorreo e informalidade- falso paralelismo; repetio. No h erros = 5; 1 a 2 erros = 4; 3 a 4 erros = 3; 5 a 6 erros = 2; 7 a 8 erros = 1; 9 ou mais erros = 0

Tabela 2.2 Critrios de Avaliao de Redaes de Vestibular da UFRGS, Parte 2, publicados no Manual do Avaliador, 1999.

Nas tabelas 2.1 e 2.2, possvel perceber a nfase dada ao contedo do texto na avaliao das redaes de vestibular da UFRGS. Dos oito itens avaliados na Parte 1 (Tabela 1), quatro avaliam a estrutura do texto: o Item 2, que trata da estrutura do pargrafo, o Item 3, que trata da coeso textual, o item 4, que trata do carter dissertativo do texto e o item 8, que trata da qualidade estilstica. Os outros itens avaliam o candidato pela sua capacidade de refletir sobre o tema e de elaborar um ponto de vista consistente sobre ele. Porm, enquanto os itens que avaliam a estrutura formal do texto so melhor definidos e explicitados no Manual, os itens que se referem ao contedo carecem de maior definio. O Item 1, que avalia o ngulo de abordagem escolhido pelo candidato, apesar de subdividido em subitens como "clareza", "consistncia" e "autonomia", no trazem definio desses termos. A "clareza" do ponto de vista, por exemplo, tratada no Manual como "a maneira do

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candidato

considerar

o

problema

apresentado"

(p.6),

bem

como

a

"consistncia", descrita no Manual como a "abordagem ntegra do tema, sem contradies ou disperses" (p.7), no explicitam quais elementos lingsticos so capazes de demonstrar ao avaliador a clareza do ponto de vista do candidato e a recorrncia do tema, sem contradies ou disperses. Tambm o subitem que se refere autonomia do ngulo de abordagem (1.3), apesar de avaliar o esforo pela autoria ou por um ponto de vista criativo e original, no esclarece o que seriam "idias incomuns ou incomumente relacionadas" (p.7) em um texto produzido por alunos recm-sados do Ensino Mdio. A no explicitao desses elementos, a falta de definio de palavras recorrentes como "clareza" e "consistncia" bem como a falta dos pressupostos tericos que dem embasamento aos itens que avaliam o contedo das idias do candidato deixam, de certa maneira, a avaliao do texto, nesse aspecto, merc da subjetividade do avaliador. Abordando o problema, SERAFINI (1994, p.134) relata que alguns avaliadores tm tendncia a examinar os textos pela riqueza das idias; outros levam em conta a ortografia, a gramtica, a pontuao; outros ainda se

interessam mais pela organizao do texto e pela anlise dos problemas apresentados, havendo tambm aqueles corretores que do bastante crdito questo da originalidade. Com base nisso, podemos dizer que, enquanto os itens formais, que avaliam a estrutura, so analisados com mais objetividade, os itens retricos, que avaliam a capacidade persuasiva do candidato ainda carecem de maior

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definio. Para um dos avaliadores que foram entrevistados para este trabalho, por exemplo, muito difcil dizer o que original. At por que o universo de pessoas que esto fazendo o vestibular no tem experincia de mundo e nem de vida para ser original. A originalidade estaria nessa capacidade muito pouco possvel em uma pessoa de 16 ou 17 anos de pensar o mundo e dar uma opinio pessoal. (B1). Tambm h carncia, na grade de avaliao, de explicitao dos elementos lingsticos que podem ser utilizados para identificar o nvel de criticidade dos candidatos (Item 6). Se o candidato avaliado por sua capacidade de "participar do debate que se trava na cultura em que est inserido" (p.10), os critrios poderiam conter itens que explicitassem como possvel reconhecer esse dilogo entre o candidato e o mundo ou ainda quais os elementos de linguagem utilizados pelos candidatos podem demonstrar nvel de assertividade capaz de persuadir a banca avaliadora. Ainda assim, a questo autoral foi considerada singular nos critrios de avaliao da UFRGS, tendo em vista que critrios de avaliao de redaes de outras universidades (conforme critrios de avaliao da UFSM/SM e

FURG/RG) no contm itens especficos para avaliar a autoria nas redaes. A questo da autoria, nos critrios de avaliao da UFRGS, pode ser percebida no item 5, da grade. Atravs desse item, os argumentos empregados por alunos-candidatos que prestam o concurso vestibular na Instituio so avaliados especificamente em sua relao com o ponto de vista apresentado sobre o tema em questo. Alm disso, percebe-se que esses argumentos

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avaliados, para serem considerados satisfatrios, devem estar hierarquizados, concatenados entre si (conforme p.9 do Manual do Avaliador, 1999). No mesmo sentido, salienta-se a conexo existente entre os itens que avaliam o contedo das redaes, a qual permite uma anlise mais globalizada do texto. Conforme se pode ver na grade de avaliao, os Itens 1, 5, 6, e 7 avaliam a capacidade demonstrada pelo candidato de escolher um ngulo de abordagem para discutir o tema e apresentar argumentos para defend-lo. Dessa maneira, o ngulo de abordagem pode ser avaliado mais objetivamente na sua relao com os argumentos apresentados e a sua hierarquizao (conforme Manual do Candidato, p. 9). Assim, a competncia de argumentao do candidato (avaliada no Item 5, da Parte 1) pode ser analisada e definida como clara, coerente e consecutiva (conforme Item 5, da Parte 1). Deve-se ressaltar ainda a consistncia entre os critrios que regulamentam a avaliao das redaes da UFRGS e a prova de redao de vestibular desta Universidade (ver Captulo 3, da Metodologia). A

preponderncia do ponto de vista e a necessidade de argumentos para defend-los esto em relao direta com a solicitao de experincias pessoais na tarefa proposta na prova e podem se constituir em um fator determinante para que alunos-candidatos sejam mais assertivos ao produzirem seus textos. A comparao dos critrios que avaliam as redaes de vestibular da UFRGS com o ensino de redao a partir dos livros didticos demonstrou que esses ltimos no contemplam aspectos relevantes em relao redao de vestibular, conforme proposto por essa instituio. Pelo contrrio, h

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desconexo entre o ensino de redao nos livros didticos e o texto que, de acordo com os itens da grade de avaliao, "esperado" pela comunidade universitria. Essa desconexo indica que os livros didticos, ainda que sejam importante material nas aulas de redao, dada a variedade de textos possveis de serem utilizados em atividades de sala de aula, no podem constituir-se em nico material de referncia para aulas de redao e tampouco substituir a pesquisa atravs da qual o professor pode compreender o fenmeno da linguagem em situaes reais de uso. Partindo dessa perspectiva, a seo seguinte apresentar a redao de vestibular como um gnero textual que pode ser estudado e analisado em seu contexto a partir das variveis contextuais campo, teor e modo (conforme HALLIDAY & HASAN, 1995). Ao propor essa abordagem, buscamos discutir algumas questes no explicitadas nos livros didticos que sero abordadas na anlise das redaes.

2. 3 A redao de vestibular como um gnero textualA redao de vestibular um texto argumentativo que, no contexto do concurso vestibular, desempenha a funo de comprovar a competncia discursiva do candidato. Para demonstrar sua competncia, o aluno deve elaborar uma tese e argumentos consistentes sobre o tema proposto na prova, comprovando a sua capacidade de ler e interpretar as instrues da tarefa

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proposta, construindo, a partir dela, um texto coerente e coeso, de maneira a garantir seu ingresso no Ensino Superior. Nesse sentido, podemos dizer que a redao, no contexto do vestibular, constitui-se em linguagem funcional (HALLIDAY & HASAN, 1985, p.10), tendo em vista que busca evidenciar o bom desempenho na produo de um texto que estabelea a interlocuo entre o candidato e os avaliadores. Sem a possibilidade de comunicao face a face e, portanto, sem utilizar recursos como as interrupes ou as expresses faciais que evidenciam a necessidade de ajustar o discurso ao contexto em que a situao comunicativa ocorre, o candidato deve organizar o texto de maneira que possa negociar significados com uma banca-leitora que se constitui em sua audincia-alvo. Para configurar-se como um todo coerente e coeso, a redao escrita no momento do concurso apresentar elementos atravs dos quais se possa identificar sobre o que se escreve, quem so os participantes envolvidos no evento discursivo e como o texto se organiza para que cumpra seu objetivo comunicativo: convencer a audincia-alvo da habilidade argumentativa do candidato de modo a possibilitar o acesso deste universidade. Assim, pode-se dizer que uma redao de vestibular apresentar itens lexicais relacionados economia, poltica, educao, ao humor. Esses itens identificaro o engajamento do candidato nas discusses sobre os temas da atualidade que constam das provas de redao dos concursos vestibulares. Da mesma maneira, considerando-se que os participantes do evento discursivo banca de avaliadores e alunos recm-sados do Ensino Mdio

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esto em uma relao de assimetria, na qual o avaliador tem maior autoridade, podemos prever que, na redao de vestibular, no haver vocativos ou pronomes de tratamento que permitiriam ao autor do texto dirigir-se ao leitor em simetria. Quanto organizao do texto, provvel que sejam utilizados elementos de coeso "endofricos" (anfora e catfora), responsveis pela recuperao de itens no interior do texto, ou "exofricos", que remetem a elementos que esto fora do texto, mas que podem ser recuperados pelo contexto (HALLIDAY & HASAN, 1976). Exemplo: 1) Hoje estamos enfrentando mais uma batalha em nossas vidas. Talvez no seja uma simples batalha, mas sim uma guerra. Consagram-se vencedores nessa guerra, como nas demais, somente os melhores. Essa guerra injusta precisa ser modificada para no trazer mais tantas decepes para quem no consegue vencla. (Fragmento de redao de vestibular, UFRGS, 1997) No exemplo, o primeiro elemento de coeso sublinhado (nessa guerra) recupera uma expresso j referida no texto (a guerra, representada pelo concurso vestibular). Ao mesmo tempo, chama a ateno do leitor, reafirmando o carter competitivo do concurso vestibular. J o segundo elemento (como nas demais) remete o leitor para fora do texto, mas, como elemento de coeso exofrico, ele recupera o contexto, induzindo o leitor a considerar o nvel competitivo do concurso amplamente reconhecido na sociedade. Os elementos de coeso, demonstrados no exemplo acima, representam maneiras de se recuperar, ao longo do texto, os elementos responsveis pela manuteno da tese ou ponto de vista. Em redaes de vestibular,

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provavelmente sero encontrados tambm itens coesivos que estabelecem elos semnticos entre as partes do texto atravs de sinonmias, hiponmias e repeties de maneira a conectar as sentenas para que o texto forme um todo coeso (HOEY, 1991, p.8); ou ainda conjunes ou palavras denotativas, mecanismos coesivos que conectam partes do texto, estabelecendo relaes lgicas entre as idias apresentadas. Levando em conta essas formas especficas que se referem ao contedo, relaes entre os participantes e organizao do texto, as quais s permitem ao texto desempenhar a sua funo, podemos dizer que a redao de vestibular um gnero textual que pode ser identificado por formas e convenes especficas, que visam atender a objetivos especficos no contexto do vestibular. Ao fazermos essa afirmativa, tomamos como base os estudos sobre gneros, propostos por BAKHTIN (1997, p.280), que nos colocam diante da definio de gnero como formas estveis de enunciados que caracterizam as situaes especficas de utilizao da lngua nas atividades humanas. Segundo BAKHTIN (idem, ibidem), essas formas estveis de enunciados refletem as condies especficas e as finalidades de cada uma das atividades humanas em termos de contedo temtico, de seleo de recursos lingsticos (lexicais, gramaticais e textuais) e de construo composicional. No caso da redao de vestibular, essas formas estveis parecem expressas nas tarefas propostas nas provas de redao dos concursos vestibulares, conforme possvel perceber na Figura 2.4:

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HUMOR O humor necessrio, seja como expresso da alegria de viver, seja como forma de anlise crtica do homem e da vida. PROPOSTA DE REDAO - Voc concorda com a afirmativa acima? Posicione-se, expressando sua opinio a respeito das manifestaes humorsticas das pessoas- rindo ou fazendo rir - frente a situaes da realidade. Sua tarefa produzir um texto dissertativo-argumentativo, defendendo sua tese com argumentos claros e convincentes. Seu texto dever ter, no mnimo, 20 linhas e, no mximo, 25. No se esquea de dar-lhe um ttulo. Ao passar a limpo sua redao, use caneta azul ou preta.

Figura 2.4 Tarefa proposta como motivao para a elaborao da prova de redao do Concurso Vestibular da UFSM, 1998. Levando em conta a tarefa proposta como tema, os textos dos alunos vestibulandos que prestaram o concurso deveriam apresentar argumentos organizados no sentido de avaliar contrria ou favoravelmente a situao proposta como tema, no que se convenciou chamar linguagem culta formal. Os fragmentos abaixo, extrados de uma redao produzida no concurso vestibular da UFSM, 1998 apresentam o tema (o humor) e o avaliam atravs de uma tese (sublinhada nos fragmentos). Isso constituiu uma regularidade e

permitiu que esses textos fizessem sentido entre os professores avaliadores e os alunos vestibulandos.

Exemplos: 2) Em tempos de capitalismo selvagem e escndalos de corrupo, o homem encontra formas de rir. Afinal, as manifestaes humorsticas podem ser tanto uma vlvula de escape para as tenses da realidade quanto uma poderosa arma para o desenvolvimento da conscincia social.

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3) No mundo contemporneo em que o estresse ganha espao, rir representa a vlvula de escape para compensar as agruras do dia-a-dia. Alm disso, exercer o bom humor uma forma inteligente de administrar os obstculos da vida. Pode ser uma relao compensatria ficar assistindo a um programa de humor para relaxar e esquecer dvidas ou problemas conjugais, mas ajuda.

Os textos produzidos atenderam a propsitos especficos. Os alunos escreveram o texto, nos moldes preestabelecidos do concurso (texto com 20-25 linhas, manifestando uma opinio sobre o tema, linguagem culta formal, etc) porque a redao um pr-requisito para seu ingresso no Ensino Superior, e os avaliadores a leram para selecionar e classificar os candidatos. Esses objetivos de alunos vestibulandos e professores avaliadores bem como as regularidades de forma, linguagem, contedo, que so utilizadas na situao especfica do concurso, podem ser vistos como maneira de caracterizar um gnero. As concepes de gnero propostas por BAKHTIN (1997, p.280) so compartilhadas por HALLIDAY & HASAN (1985), que tambm o associam a textos produzidos em um dado contexto com um objetivo especfico. Segundo os autores, o modo como a linguagem est organizada tem sido determinado pelas funes que desempenha em um determinado contexto. Assim, o contexto o ambiente no-verbal onde o texto se desdobra, e o texto produto desse contexto. O contexto pode ser reconhecido pelas variveis campo, teor e modo (HALLIDAY & HASAN, 1985), e o texto pode ser identificado pela realizao em termos lingsticos das escolhas lxico-gramaticais feitas por um indivduo de

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acordo com a funo, com o tipo de interao que deseja estabelecer nesse ambiente. Os elementos do contexto possuem calibragens que permitem a identificao da atividade social que est ocorrendo (campo), quem so os participantes (teor) e a estruturao do texto (modo). Dependendo da situao comunicativa, a varivel campo pode ter o valor de um pedido ou censura, a varivel teor pode indicar uma relao entre pais e filhos ou entre patro e empregado, e a varivel modo pode ser associada ao texto falado ou escrito (HALLIDAY & HASAN, idem, p.55). Os elementos do contexto materializam-se no texto, ou seja, os traos do contexto so realizados pela linguagem e podem ser analisados pelas funes ideacional, interpessoal e textual. A primeira capaz de explicitar a que o texto se refere, a segunda representa os participantes e as relaes entre eles, e a terceira explicita o papel desempenhado pela linguagem no contexto comunicativo. O esquema de HALLIDAY & HASAN (idem, p.26), indicado na Tabela 2.3, mostra como esto relacionados texto e contexto.

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SITUAO caracterstica do contexto

Campo do discurso (o concurso vestibular) funo interpessoal Teor do discurso (vestibulandos e avaliadores) funo textual Modo do discurso (o carter pblico do concurso) Tabela 2.3 Esquema apresentado por HALLIDAY & HASAN, 1985, p.26 que mostra a relao entre texto e contexto.

TEXTO componente funcional do sistema semntico funo ideacional

Conforme indicado no esquema, cada um dos elementos contextuais campo, teor e modo so sinalizados no texto respectivamente atravs das funes ideacional, interpessoal e textual . A estreita relao entre texto e contexto permite prever como os textos que ocorrem em uma dada situao de comunicao esto estruturados. Isso porque a Configurao Contextual determina os elementos obrigatrios e opcionais que compem a Estrutura Potencial do Gnero GSP e essa a estruturao da atividade social materializada no texto (conforme HALLIDAY & HASAN, 1985, p. 59-61). Ao mesmo tempo que o contexto determina a estrutura do texto, o texto fornece pistas sobre a configurao contextual. Passaremos a discutir as variveis contextuais campo, teor e modo e as categorias de anlise do texto, no sentido de explicitar como as variveis contextuais se relacionam com as funes ideacional, interpessoal e textual, respectivamente, nas redaes de vestibular.

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2. 3. 1 A varivel contextual campo e a funo ideacional da linguagem Na redao de vestibular, a varivel campo refere-se condies de s elaborao e leitura do texto no que se refere tarefa proposta como tema na prova, elaborao de um argumento a favor ou contra a idia contida na proposta, geralmente a partir de assuntos de interesse geral e atual. Essa varivel contextual refere-se ao acontecimento, natureza da ao social na qual as pessoas esto engajadas. Associada varivel campo do texto, a funo ideacional da linguagem trata do contedo das idias do aluno-candidato. Ao analis-la no texto, podemos identificar os temas que constam da tarefa proposta na prova. Levando em conta que as provas de redao dos concursos vestibulares da maioria das universidades brasileiras (conforme Concurso Vestibular da PUCRS 1995, 1999, da UFSM, 1999 e 2000 e UFPel, 2000 e outros) constam de uma tarefa que prope a discusso de temas sociais, como crises polticas, problemas econmicos, reformulaes na educao, a necessidade do humor na sociedade atual, podemos identificar esses temas no vocabulrio, isto , no emprego de substantivos, adjetivos, verbos que indicam a natureza do tema abordado. Segundo HALLIDAY & HASAN (1985, p.80), a progresso remtica nos textos pode ser realizada atravs de hipnimos, hipernimos, sinnimos e antnimos. Dessa maneira, os temas solicitados em concursos vestibulares podem ser identificados por palavras-chave do mesmo campo semntico que delimitam o tema e evitam tangenciamentos ou disperses. A funo ideacional

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da linguagem permite, assim, identificar a adequao do texto instrues da s prova de redao. Com base nessas palavras-chave, possvel reconhecer nas redaes de alunos pr-vestibulandos a adeso ou a fuga ao tema. A Figura 2.5 mostra um texto que foi elaborado tendo como motivao a seguinte frase: Preconceitos: formas vlidas de super-los (PUCRS, 1995).Em qualquer parte do mundo, existe o preconceito, seja ele racial, cultural, contra deficientes fsicos ou mentais, entre ricos e pobres. Como a sociedade evolui a cada dia, buscamos diferentes formas para efetivamente superar os preconceitos, pois eles agridem os direitos humanos e destroem os ideais de igualdade entre os povos. Vrios organismos governamentais e no-governamentais foram criados para conscientizar a populao mundial do grave crime que o preconceito. Em vrios pases, o indivduo que expressa algum tipo de racismo, pode ser acusado e ir preso como um criminoso comum. A priso em si no reprime o preconceito, mas impe sociedade a necessidade de debater e esclarecer dvidas sobre o problema. Outro problema ocorre com os deficientes fsicos e mentais. Na maioria das vezes, so humilhados e rejeitados pela sociedade.Neste caso, falta a ns o mnimo de respeito e dignidade, pois, apesar de um defeito, essas pessoas tambm so seres humanos e necessitam, vezes, apenas de compreenso e de uma oportunidade para se reajustarem na s sociedade. Em virtude disso, percebe-se que o preconceito s ser superado com uma conscientizao de toda a populao, no s para constar como um modelo de organizao social, mas sim, para beneficiar o ser humano em sua totalidade

Figura 2.5 Texto produzido por aluno pr-vestibulando em sala de aula. A funo ideacional da linguagem permitiu o reconhecimento das palavras "preconceito" e "superao" como palavras-chave, determinantes, no caso da tarefa proposta, para a elaborao de um texto que propusesse maneiras de superar o preconceito e desenvolvesse argumentos no sentido de comprovar a validade da sugesto. No caso do texto da Figura 2.5, a anlise da funo ideacional possibilitou verificar que o texto no atendeu instrues da prova, tendo em s vista que no aprofundou aspectos solicitados na tarefa proposta e no apresentou formas efetivas de superao do preconceito. H descries das situaes em que ocorrem os preconceitos, mas o aluno que elaborou o texto

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no apresentou uma tese e no desenvolveu argumentos para comprovar de que maneira os preconceitos podem ser superados. A primeira varivel do contexto campo e a categoria do texto funo ideacional correlacionam-se de maneira que a varivel do contexto permite o reconhecimento da situao comunicativa concurso vestibular PUCRS/1995 e a segunda possibilita identificar o contedo das idias do candidato sobre o assunto tratado. A seguir, apresentaremos a segunda varivel contextual teor e a funo interpessoal, no sentido de explicitar como elas se relacionam e como essa relao contribui para que a redao de vestibular possa constituir-se em gnero textual.

2. 3. 2 A varivel contextual teor e a funo interpessoal da linguagem O varivel teor do contexto indica a relao entre os candidatos e os professores de equipe de avaliao, uma audincia-alvo desconhecida e invisvel, com quem o aluno tem uma relao institucionalizada de autoridade e assimetria (nos termos de HALLIDAY & HASAN, 1985, p.57). Como as aes sociais so institucionalizadas, os membros que participam delas desempenham funes interpessoais que, no desdobramento da ao, determinam a hierarquia que existe entre os participantes bem como o efeito persuasivo que um deles tenta exercer sobre o outro (HALLIDAY & HASAN, idem). No texto do vestibular, a funo interpessoal da linguagem pode indicar as relaes de assimetria entre alunos-candidatos e professores avaliadores.

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Para COSTA VAL (1991, p.50), essa relao de assimetria faz com que alunos vestibulandos, ao escreverem seus textos, submetam-se ao que imaginam ser a vontade do avaliador. Assim, apesar de verbos em primeira pessoa do singular ou a apresentao de experincias pessoais se constiturem em uma maneira de escritores asseverarem seu compromisso com a proposio expressa (CLARK & IVANIC, 1997, p.157-8), esses dois elementos no so comuns em redao de vestibular. Alunos pr-vestibulandos preferem o emprego de verbos em primeira pessoa do plural (ns) e, com isso, talvez buscam fazer com que os leitores compartilhem de sua viso de mundo. Para CLARK & IVANIC (1997, idem, p.165), escritores dos mais diferentes gneros freqentemente empregam o "ns" para simular que ambos (escritor e leitor) tm o mesmo posicionamento. Segundo as autoras, essa uma maneira de escritores conquistarem seus leitores para que participem de seu posicionamento: se escritores esto escrevendo para persuadir um grupo de leitores resistentes sobre suas vises, eles necessitam tratar o dilogo com seus leitores diferentemente de uma audincia que aceite suas idias. Outro elemento que revela as relaes que se estabelecem entre o escritor e o leitor so os recursos de modalidade. Esses recursos indicam em que medida o autor engaja-se no assunto tratado, assumindo com maior ou menor certeza as suas afirmaes. Com a modalidade dentica, por exemplo, escritores podem demonstrar at que ponto acreditam que as proposies que defendem so obrigatrias. Esse tipo de modalidade apresenta-se numa escala que varia entre o que

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obrigatrio, proibido, permitido ou facultativo fazer (HALLIDAY, 1994, p.357). Com o seu uso, escritores vo atravs de comandos, ofertas e sugestes estabelecendo relaes com o interlocutor, no sentido de assegurar que ele compartilhe das proposies expressas. O uso da modalidade dentica pode ser manifestada atravs dos verbos modais dever, precisar, necessitar, permitir, ou ainda atravs de advrbios que estabelecem a mesma relao de obrigatoriedade, de necessidade, de permisso como realmente,

necessariamente, obrigatoriamente. A modalidade epistmica, por sua vez, expressa a variao entre a probabilidade e a usualidade, atravs de graus intermedirios de possibilidade das asseres serem verdadeiras. O grau de probabilidade expresso por meio de advrbios como certamente, provavelmente e possivelmente; o grau da usualidade dado por expresses como freqentemente, usualmente e algumas vezes (HALLIDAY, 1994, p.356-7). Ao utilizar um grau intermedirio entre os plos positivo e negativo, o escritor no impe explicitamente sua opinio, dando ao texto um carter menos impositivo (conforme REBELO, 1999, p.96). Atravs dos auxiliares modais, pode ser expressa uma inteno ambgua, ou seja, aquele que enuncia pode estar querendo se manifestar tanto abertamente quanto de maneira encoberta. Usando uma forma que parece pouco incisiva, o escritor pode estar disfarando uma opinio e arquitetando o convencimento justamente pela maneira branda de expressar-se. Isso significa

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que o escritor, ao no conduzir o enunciado assertivamente, d-lhe um tom no autoritrio e dissimula sua inteno. Outra forma que escritores utilizam para marcar sua presena nos textos o uso de marcadores de atitudes (VANDE KOPPLE, 1985, p.82-9), os quais lhes permitem fazer avaliaes do contedo proposicional do texto em termos de conceitos bom e ruim, ou positivo e negativo. Ou seja, os marcadores de atitudes permitem ao escritor demonstrar sua opinio sobre aquilo que discute ou seu juzo de valor em relao a determinado assunto. Atravs deles, o escritor sugere ao leitor que certa ao deve ou pode ser realizada de determinada maneira. A atitude do escritor pode ser expressa sob a forma de advrbios, de adjetivos e de expresses que possibilitem indicar ao leitor, de forma direta, o que o autor pensa sobre o que discute. A segunda varivel contextual teor e a funo interpessoal da linguagem correlacionam-se nos textos de maneira que atravs de elementos lingsticos como os recursos da modalidade, os marcadores de atitudes, o uso do pronome ns, pode-se identificar as relaes de simetria ou assimetria existentes entre os participantes da situao comunicativa. A seo seguinte trata da terceira varivel contextual modo e da funo textual da linguagem.

2. 3. 3 Avarivel contextual modo e a funo textual da linguagem A varivel contextual modo associada a elementos como o carter pblico do concurso vestibular, o meio escrito, a necessidade de o candidato

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formular uma discusso argumentativa ou persuasiva no texto e o fato de a redao ser a totalidade da atividade relevante para o evento se efetivar, no havendo outra atividade relevante acontecendo no momento da prova (conforme HALLIDAY & HASAN, 1985, p.14). Essa varivel contextual pode ser associada funo textual da linguagem, que est relacionada organizao retrica do texto, isto , maneira como as informaes so organizadas para que a linguagem alcance o seu objetivo (idem, p.27-8). Conforme j mencionado, a funo da redao de vestibular convencer a banca da habilidade argumentativa do aluno na lngua escrita, o que pode possibilitar o seu acesso Universidade. Assim, para que a redao de vestibular exera a sua funo, o candidato deve avaliar o tema atravs de uma tese e apresentar argumentos que possibilitem banca aderir sua opinio. Nesse sentido, o argumento uma propriedade da linguagem (PCORA, 1992, p.88) e pode ser considerado o elemento que estabelece a interlocuo entre o candidato e os professores avaliadores. A partir disso, pode-se dizer que o reconhecimento do sentido do texto por meio dos argumentos apresentados implica o reconhecimento de uma ao entre sujeitos de linguagem (idem, ibidem). Para BRETON (1999, p.32), argumentar implica uma relao de comunicao em que o orador dispe de uma opinio e a transporta at um auditrio para que dela compartilhe. Por isso, argumentar tambm escolher os aspectos que tornam a opinio aceitvel para um dado pblico. Segundo o

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autor, a transformao de uma opinio em argumento em funo de um auditrio particular precisamente o objeto da argumentao (idem, p.32). Compartilhando dessa opinio, GUEDES (1994, p.384) salienta que, ao se adotar um posicionamento, preciso apresentar provas a favor da posio que se assumiu ou ainda provar que a posio contrria est equivocada. Para o autor,

o texto precisa MOSTRAR mais do que meramente DIZER. Nenhum leitor tem obrigao de acreditar na seriedade e na honestidade de qualquer autor. Pelo contrrio, quanto mais experiente vai ficando o leitor, mais ele percebe que deve colocar sob suspeita cada palavra de cada texto que l. O autor que precisa mostrar-se digno de crdito, no pela solenidade de seus juramentos, mas pela eficincia de seus argumentos, (...), pelo conhecimento que o seu texto produz (idem, ibidem).

Dessa maneira, como em toda situao comunicativa, no concurso vestibular, os argumentos construdos para defender um posicionamento precisam constituir teses bem fundamentadas que resistam crticas e s possam validar uma maneira particular de ver o mundo (TOULMIN, 1958, p.8). A tese apresentada, portanto, deve vir acompanhada de dados e garantias no sentido de dar suporte para as opinies apresentadas nos textos (idem,ibidem). Segundo TOULMIN (1958, p.100), os dados so as informaes apresentadas em forma de fatos, estatsticas e ocorrncias sobre os quais se fundamentam as afirmaes. As garantias so proposies que explicitam em que medida os fatos, as ocorrncias ou as estatsticas se relacionam tese ou ponto de vista. Segundo o autor, a Tese, os Dados e as Garantias juntos marcam as fases de um argumento padro, desde a sua declarao inicial at a

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concluso. Assim, para TOULMIN (idem, p.99), um argumento vlido poderia ser representado conforme o exemplo da Figura 2.6.

O riso nossa vlvula de segurana. (TESE)

Como numa panela de presso, quando a situao se torna difcil de agentar, rimos. Buscamos o distanciamento do mundo em desenhos animados ou comdia; quando isto no acontece, contamos piada ou lembramos casos engraados (DADOS)

Quem pensa em relaxar sem encontrar motivos para gargalhadas ou ao menos sorrisos? (GARANTIAS)

Figura 2.6 Estrutura do argumento em redao produzida no concurso vestibular (UFSM, 1998) a partir do modelo de TOULMIN (1958, p. 99).

A tese "o riso nossa vlvula de segurana", que foi apresentada no texto, justificada pelos dados apresentados atravs dos exemplos. A garantia do argumento est na relao que existe entre o "relaxamento possibilitado pela gargalhada ou pelo sorriso", que demonstra por que as informaes apresentadas pelos dados servem para justificar a tese. Assim, a tese "o riso nossa vlvula de segurana" estabelece uma comparao que esclarecida pelos fatos apresentados como dados e explicitada pela pergunta retrica que desafia o leitor a negar que, ao vivenciar a situao apresentada nos dados, est utilizando o riso como uma maneira de "escapar" dos problemas do cotidiano.

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A terceira varivel contextual modo e a funo textual da linguagem correlacionam-se de maneira que a organizao retrica do texto fator preponderante para que ele desempenhe a sua funo no contexto do concurso vestibular. Considerando essas questes, podemos avaliar que, em situao de vestibular, no a escolha de palavras isoladas que reflete o campo, nem a escolha de frases ou pargrafos que faz com que o texto desempenhe a sua funo no contexto do vestibular, mas sim a capacidade que o candidato deve demonstrar de construir um texto que se constitua em um todo de significado, capaz de persuadir a audincia-alvo de que ele est capacitado para ingressar na universidade. Para isso, ele deve manifestar a sua opinio e utilizar argumentos capazes de persuadir os avaliadores.

Consideraes finais Este captulo teve a finalidade de levantar algumas questes sobre a redao de vestibular. Para tanto, realizamos um levantamento bibliogrfico nos livros didticos sobre redao de vestibular e traamos um viso panormica dos critrios que regulamentam a avaliao de textos no concurso vestibular da UFRGS. Esses procedimentos objetivaram compreender como se d o ensino e aprendizagem de redao em nossas escolas via livro didtico e tambm a maneira como so recepcionados os textos no contexto do concurso vestibular. O levantamento realizado nos livros didticos demonstrou que o ensino e aprendizagem de redao deixa margem do processo de ensino de produo

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textual elementos considerados fundamentais no processo de escrita de textos: a presena do autor no texto e seu objetivo comunicativo. Por outro lado, os critrios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul demonstram que a avaliao de redaes est ancorada na capacidade que o candidato deve possuir de revelar-se autor do seu texto. Nesse sentido, o texto produzido deve utilizar elementos de argumentao pertinentes para persuadir a banca avaliadora. As consideraes feitas sobre as sees 2.1 e 2.2 da Reviso de Literatura justificaram a escolha do construto terico estudado na seo 2.3, o qual fundamentar a anlise das redaes produzidas no concurso vestibular da UFRGS.

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METODOLOGIA

O presente captulo subdivide-se em trs subsees: a primeira apresenta os critrios utilizados para a definio do universo de anlise dos textos; a segunda apresenta os critrios de delimitao do corpus, e a terceira explicita os procedimentos adotados para o levantamento e anlise dos dados.

3.1 Definio do universo de anlise Para a anlise do gnero redao de vestibular, o universo escolhido foi a UFRGS por ter sido a universidade que deu acesso aos textos. O Professor Paulo Guedes, coordenador da equipe de avaliao de redaes do vestibular da UFRGS, cedeu cpias de 40 redaes produzidas no concurso vestibular de 1997 e 1998, pertencentes ao Banco de Dados de Pesquisas sobre redao daquela universidade.

3. 2 Critrios de delimitao do corpus Dentre os 40 textos cedidos, foram selecionados apenas aqueles cuja tarefa de redao proposta consistia em responder pergunta "Que reformulaes deve haver no vestibular da UFRGS?", do vestibular de 1997, em funo da questo estar diretamente relacionada ao assunto da dissertao (vestibular). Para delimitar mais o trabalho, foram escolhidas as 09 redaes que obtiveram nota dez naquele concurso vestibular, para, assim, verificar-se como

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se apresentam textos considerados plenamente satisfatrios para a equipe de avaliao. Tambm foram realizadas entrevistas com membros da equipe de avaliao de redao de vestibular de trs universidades. Embora os textos analisados sejam da UFRGS, os membros entrevistados pertencem a trs instituies: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC/SP). A escolha desses trs universos para a realizao das entrevistas objetivou ampliar a dimenso da avaliao de redaes com o intuito de ver se os comentrios a respeito dos critrios de avaliao so localizados na instituio foco deste trabalho ou se so generalizveis. Em relao redaes, no se sentiu necessidade dessa generalizao porque s alunos pr-vestibulandos prestam o concurso nas mais diversas instituies do pas e, por isso, as redaes que constituem o corpus deste trabalho podem ser consideradas frutos de vrios contextos. No decorrer da anlise, as universidades sero nomeadas como A, B e C e os avaliadores como A1, A2, B1, B2 e C1 respectivamente. Selecionados os textos e definido o roteiro para as entrevistas a partir dos critrios j mencionados, procedeu-se ao levantamento e anlise dos dados. 3. 3. Critrios para levantamento e anlise dos dados Os dados nas redaes foram levantados e analisados tendo como pano de fundo os depoimentos dos avaliadores.

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As entrevistas foram realizadas, em princpio, procurando cobrir trs pontos: a experincia do avaliador, a dinmica da equipe de correo e a organizao textual desejvel para a equipe de avaliao. Para isso, as perguntas foram feitas a partir de um roteiro de ordem flexvel que poderia variar de acordo com o ritmo de cada entrevistado. Os pontos abordados nas entrevistas visaram definir as calibragens das variveis do contexto, campo, teor e modo no gnero redao de vestibular. Bloco 1: 1) H quanto tempo o senhor corrige redaes? 2) O senhor trabalha em outras IES? 3) O que o trouxe para essa rea de correo?

Bloco 2: 1) Quantas pessoas trabalham na equipe? 2) Como realizado o trabalho em equipe?

Bloco 3: 1) Quais so os critrios estabelecidos pela banca? 2) Quais so os critrios estabelecidos pelo senhor? 3) Qual o conceito de texto bem estruturado? 4) O que um texto coerente a partir dos critrios de avaliao? 5) Como o texto desejvel para a banca de avaliao de redaes? 6) Qual o conceito de argumento para a banca? 7) Como so estruturados os argumentos? A coleta de dados das entrevistas visou definir a configurao contextual do gnero redao de vestibular, tendo em vista a necessidade de se delinear uma imagem mais precisa do avaliador e da dinmica de correo, bem como

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do conjunto de critrios que cada um desses participantes do gnero "redao de vestibular" levam em considerao ao desempenhar seu papel de avaliador. Assim, no primeiro bloco, buscou-se definir tanto o tempo e a diversidade de experincias em correo, quanto os critrios que o qualificaram como avaliador (se por convite, concurso, etc) e seu envolvimento com a rea (por exemplo, se faz pesquisa na rea ou a correo uma atividade isolada de sua prtica acadmica ao longo do ano). Pareceu-nos importante explorar essa dimenso pois, em funo das respostas, poderamos expandir questes como: o senhor/senhora nota diferenas nos critrios de correo de uma universidade para outra? ou de uma dcada para outra? de uma instituio para outra? Quais? A resposta a esse tipo de questo poderia auxiliar a definio dos atuais critrios usados por avaliadores na correo (tanto se considerando diferenas entre instituies, quanto diferenas ao longo de diferentes dcadas) bem como o papel do avaliador como participante do processo de produo, leitura e avaliao de redao. O segundo bloco de perguntas buscava elicitar dados referentes dinmica de correo, focalizando o grau de sistematizao, individualidade e subjetividade da correo. Objetivamos, aqui, compreender melhor o que se passa no local de correo, conforme a viso dos prprios participantes do evento. Esses dois primeiros blocos forneceram dados importantes para que definssemos a varivel contextual teor (ver seo 2.3.2).

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Por ltimo, o terceiro bloco tinha por foco o objeto da avaliao, a redao, e os critrios de abordagem desse objeto. Tentamos verificar em que medida h consenso entre a instituio e o avaliador (perguntas 1 e 2) e em que medida h uma concepo uniforme do que seja um texto "bem estruturado" e de que modo questes como "coeso", "coerncia", "estrutura" (questes 3, 4 e 5) so abordadas pela banca. Uma vez que a hiptese do estudo previa a configurao do texto em torno de uma estrutura relativamente consistente com o Modelo proposto por TOULMIN (ver seo 2.3.3), as questes 6 e 7 procuraram obter informaes sobre essa questo do ponto de vista do avaliador. Buscou-se analisar sobre o que escrevem os alunos no concurso vestibular. Assim, foram coletados como dados, nas entrevistas, palavras citadas pelos avaliadores que possam ser associadas a temas da atualidade. Ao coletar esses dados, considerou-se que tarefas propostas pelas universidades partem de fatos, dados, opinies e argumentos sobre fatos presentes no cotidiano do leitor de jornais e revistas (conforme SILVA, 1999, p.13-4) e que alunos que prestam o concurso vestibular necessitam estar bem informados. Nas redaes analisadas, foram considerados dados indicadores de coeso e coerncia o uso de palavras-chave como 'vestibular' e

'reformulaes', que remetem ao tema proposto na prova de redao do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no ano de 1997: Que reformulaes deve haver no concurso vestibular da UFRGS?. A tarefa

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proposta que gerou as redaes que foram analisadas neste trabalho est demonstrada na Figura 3.1:H muitas discusses sobre a reformulao do Concurso vestibular. Alguns propem sua extino sumria; outros defendem que seja substitudo por concursos isolados, para as diversas carreiras acadmicas; outros ainda advogam sua reformulao parcial, sugerindo pequenos ajustes na forma atual ou propondo a exigncia de questes apenas discursivas em todas as provas. Como membro da comunidade na qual esse concurso realizado, voc certamente tem muito a dizer sobre a adequao do vestibular ao tipo de candidato que normalmente presta os exames. Alm disso, ainda que jamais se tenha preocupado antes com o vestibular, voc est, nesse momento envolvido com ele. Voc acha que o vestibular, na sua forma atual, seleciona de maneira eficaz os futuros alunos da UFRGS, valorizando adequadamente seus conhecimentos, habilidades e aptides? Ou voc acredita que possa haver uma maneira melhor de faz-lo? Lembre-se de que qualquer proposta relativa ao vestibular, se eventualmente adotada pela Universidade teria reflexos extraordinrios na sociedade como um todo, e no ao seu bem individual que a Universidade visa, e sim ao da coletividade. Pois bem: sua redao dever desenvolver sua resposta questo que reformulaes deve haver no concurso vestibular da UFRGS?. Para isso, parta de sua experincia pessoal, enuncie a(s) reformulao (es) que considera necessria (s) e apresente motivos para sua proposta. Desde logo, fique claro que, para fins de atribuio de nota, no ser avaliado o mrito de suas opinies, mas sim sua capacidade de redigir um texto correto e articulado sobre o tema. Lembre-se de que voc est sendo solicitado a redigir uma dissertao, texto que se caracteriza por um esforo de reflexo racional em torno de um tema. Valha-se de sua experincia como ponto de partida, mas apresente-a articulada em um texto argumentativo, organizado dissertativamente. A dissertao deve ter a extenso mnima de 30 linhas e mxima de 60 considerando letra de tamanho regular. Inicialmente, utilize a folha de rascunho e, depois, passe a limpo na folha de redao, sem rasuras e com letra legvel, o que voc escreveu. Utilize caneta; lpis, apenas no rascunho.

Figura 3.1 Prova de Redao do Concurso Vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS/1997.

Considerando que, ao escreverem seus textos, alunos vestibulandos precisam asseverar seu ponto de vista no sentido de persuadir a banca da validade de sua opinio, nas entrevistas, foram considerados dados palavras como autonomia, tese, ponto de vista que nos permitissem: 1) identificar em que medida alunos vestibulandos podem manifestar sua presena autoral na prova de redao e 2) definir a funo interpessoal nas redaes (ver seo 2.3.2).

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Nos textos, foram analisados como dados, o uso da primeira pessoa do singular (eu), da primeira pessoa do plural (ns) bem como os elementos lingsticos marcadores de modalidade como " preciso", " necessrio", "certamente", " provvel", provavelmente", que demonstram como os alunos produtores de redaes consideradas satisfatrias asseveram seu ponto de vista para construir seu argumento nos textos. Tambm foram considerados dados os marcadores de atitudes. Essas marcas, fornecidas por adjetivos, substantivos, expresses atitudinais ou advrbios, permitem ao escritor fazer avaliaes do contedo proposicional do texto em termos de conceitos bom e ruim ou positivoe negativo (VANDE KOPPLE, 1985) Os marcadores de atitudes permitem ao escritor demonstrar sua opinio sobre aquilo que discute ou o juzo de valor que possui em relao a determinado assunto. Para analisar como a redao de vestibular est estruturada, os dados levantados nas entrevistas foram palavras ou expresses utilizadas pelos avaliadores entrevistados que remetem organizao do texto, coeso, coerncia e aos recursos lingsticos de expresso. Assim, palavras-chave como "estrutura", "paragrafao", "estgios do texto", nos depoimentos, sinalizaram a organizao macroestrutural (coerncia) do texto e palavras como "conjunes", "retomadores", "coeso lexical" sinalizaram a microestrutura (coeso) do texto.

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Nos textos, os dados foram analisados tendo em vista aspectos da estrutura global. Nessa estrutura global, as partes do texto foram analisados em relao situao, ao problema, soluo e avaliao (HOEY, 1994). A estrutura problema-soluo, descrita por HOEY (1994) apresenta, em suas partes, componentes lingsticos que sinalizam para a situao, o problema, a soluo e a avaliao da situao. A primeira parte desse modelo insere o leitor na situao que est estabelecida; a segunda apresenta o problema que requer uma resposta; a terceira deve apresentar a soluo para o problema apresentado, e a quarta apresenta a avaliao da soluo apresentada. Para analisar aspectos da microestrutura dos textos, os dados foram analisados em relao aos elementos de coeso endofricos e exofricos, s conjunes e aos elementos lingsticos que do progresso ao texto. Levando em conta que alunos vestibulandos necessitam elaborar um texto argumentativo, com o intuito de convencer a banca de que a sua opinio vlida, tentou-se detectar, nas entrevistas, o que a banca espera em termos de estrutura do argumento. Foram considerados dados palavras como "tese", "hierarquizao", "exemplificaes", "dados estatsticos" que remetessem organizao da opinio do autor em termos de Tese, Dados e Garantias. A Tese, nas redaes analisadas, est relacionada sugestes de s reformulaes para o concurso vestibular da UFRGS (conforme tarefa proposta no vestibular da UFRGS/1997, neste captulo).

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Os Dados, nas redaes analisadas, foram considerados em relao s exemplificaes, causas, conseqncias, experincias pessoais utilizadas para fundamentar a Tese. Como