análise do conceito espontâneo de grupo...

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Joaquim Aguiar Análise do conceito espontâneo de grupo económico* A grande curiosidade que se constata em torno da problemática dos grupos económicos não é acompanhada pela análise rigorosa das suas condições teóricas, o que provoca flu- tuações do respectivo conceito e, sobretudo, desvios de análise prática, que podem pro- duzir sérias distorsões a uma racionalidade óptima das relações económicas. Este texto inicia uma investigação sobre as condições teóricas daquele conceito, interrompendo-se temporariamente na definição do espaço pró- prio do conceito prático de grupo económico. I DETERMINAÇÃO DA ESPONTANEIDADE 1. Considerações introdutórias O obiectivo desta investigarão (de onde se retira agora um primeiro texto) consiste na elucidação integral das bases teóricas e dos processos metodológicos que orientaram a realização de um trabalho sobre grupos económicos em Portugal e definiram as condições possíveis de interpretação dos dados existentes e dos * Este texto constitue a primeira secção da introdução a um trabalho colectivo sobre grupos económicos em Portugal. Desta característica decorre que nem todos os desenvolvimentos do argumento possam estar contidos no espaço do texto agora publicado; decorre, ainda, que a responsabilidade pelo argumento, na sua forma geral, não pertence apenas ao autor, mas também aos outros componentes do colectivo que o deduziu: J. Veloso de Sousa, An- tónio Cabral, José Alfaia, Reinaldo Vasconcelos e J. Brandão de Brito. Acrescente-se que os erros de transposição das análises colectivas ver- bais para o texto que aqui se apresenta são de exclusiva responsabilidade do autor.

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JoaquimAguiar

Análise do conceitoespontâneo de grupoeconómico*

A grande curiosidade que se constata emtorno da problemática dos grupos económicosnão é acompanhada pela análise rigorosadas suas condições teóricas, o que provoca flu-tuações do respectivo conceito e, sobretudo,desvios de análise prática, que podem pro-duzir sérias distorsões a uma racionalidadeóptima das relações económicas. Este textoinicia uma investigação sobre as condiçõesteóricas daquele conceito, interrompendo-setemporariamente na definição do espaço pró-prio do conceito prático de grupo económico.

I

DETERMINAÇÃO DA ESPONTANEIDADE

1. Considerações introdutórias

O obiectivo desta investigarão (de onde se retira agora umprimeiro texto) consiste na elucidação integral das bases teóricase dos processos metodológicos que orientaram a realização de umtrabalho sobre grupos económicos em Portugal e definiram ascondições possíveis de interpretação dos dados existentes e dos

* Este texto constitue a primeira secção da introdução a um trabalhocolectivo sobre grupos económicos em Portugal. Desta característica decorreque nem todos os desenvolvimentos do argumento possam estar contidos noespaço do texto agora publicado; decorre, ainda, que a responsabilidade peloargumento, na sua forma geral, não pertence apenas ao autor, mas tambémaos outros componentes do colectivo que o deduziu: J. Veloso de Sousa, An-tónio Cabral, José Alfaia, Reinaldo Vasconcelos e J. Brandão de Brito.

Acrescente-se que os erros de transposição das análises colectivas ver-bais para o texto que aqui se apresenta são de exclusiva responsabilidadedo autor.

resultados obtidos. Este objectivo pressupõe uma análise críticados conceitos e esquemas de análise utilizados o que, por seulado, exige a elaboração de uma análise diferencial que os situedevidamente no campo (espaço) teórico disponível. Trata-se, pois,de estudar criticamente os conceitos e métodos existentes para otratamento da questão dos grupos económicos, localizá-los emfunção da sua potência analítica e tentar derivar, daí, as razõesdos conceitos propostos e do método com eles consequente, utili-zados neste trabalho. Trabalharemos, para isso, com um esquemade referenciação topológica — estudo das distâncias existentesentre os vários conceitos disponíveis em lunçao ua sua coerênciacientífica e da sua operacionalidade para a compreensão do objectoreal constituído pelos grupos económicos — sobre o qual procura-remos aeimear o nosso percurso teórico e pratico e, simultanea-mente, estabelecer uma comparação crítica com os conteúdosobjectivos de alguns percursos normalmente utilizados nestas aná-lises; trata-se, portanto, de estabelecer uma topologia conceptualque permita apontar os vazios existentes em certas formulaçõespara, desse modo, estabelecer as razões que estão na base dametodologia proposta.

Em quaiquer tentativa de resolução (científica) de um pro-blema, haverá sempre que distinguir o modo como o problema écolocado (é a questão da definição da incógnita) do complexo deconceitos e méiodo que procura atingir a compreensão e a expli-cação (o conhecimento) desse problema. O modo como se defineo problema pode derivar de uma posição empírica ou de umaposição teórica elaborada; no primeiro caso, limitamos a incógnitaà exterioridade e procuramos esclarecer as formas da sua exis-tência prática, visível; no segundo caso, procuramos ir mais longeno sentido da complexidade e atingir as formas da existênciateórica do problema enquanto questão que contempla as formaspráticas como casos particulares. Como é natural, o complexo deconceitos e método que se utiliza num ou noutro caso é diferentee será possível estabelecer uma distância de cada um desses com-plexos à essência do problema. É necessário passarmos de umrelativismo permanente (e inconsequente) para a caracterizaçãoobjectiva (teórica) dos limites concretos de uma determinadaanálise (referenciação topológica das distâncias ao objecto, o queexige uma clara explicitação dos componentes essenciais desseobjecto). O que se procura realizar é a passagem das opaddadesdas aparências^ sempre relativas, para a transparência dos váriosníveis objectivosy encobertos por essas aparências. A linha primor-dial deste primeiro capítulo orienta-se, pois, para a elucidação docampo conceptual utilizado, ao mesmo tempo que define as con-dições de referenciação nítida de outros conceitos disponíveis nodomínio de análise onde o problema da decisão económica e dosgrupos económicos está localizado.

Á clarificação deste éòíiceíto âe passagem, funáamental paraa compreensão da estrutura científica como um complexo de rela-ções conceptuais distinto da estrutura imediatamente visível, serátentada, numa primeára aproximação, através da análise do signi-ficado do conceito espontâneo do grupo económico. Utilizaremos,como exemplo, uma definição que nos parece muito característicadas várias noções mais divulgadas no tratamento deste problemae que serviu de base para um conhecido estudo sobre os «GruposEconómicos no Brasil» \ O espontaneismo dessa definição não édeterminado pela frequência com que é utilizado, nem tão poucopelo carácter pouco elaborado da sua formulação, pois ainda assimpoderia ser um conceito adequado à análise; não é também ori-ginado por uma preocupação divulgadora, pois é inegável que aintenção expressa dos seus proponentes (destes autores ou dos quecom o mesmo conceito têm ligações objectivas demonstráveis) écontrair uma análise com estatuto científico, determinando umconceito que seja explicativo e compreensivo da problemáticaglobal representada pelos grupos económicos. A definição propostaserá denominada espontânea apenas se for possível encontrar umadistância objectiva entre o conteúdo do conceito e os conteúdosconcretos detectáveis no interior da problemática «grupos econó-micos»; simultaneamente, essa justificação do que o constituicomo espontâneo exige o preenchimento do vazio que ele delimita(o efeito de uma distância positiva entre o conceito abstracto ea observação concreta ) através da passagem para outro conceitomais elaborado. Portanto, o exemplo utilizado terá uma categoriaprivilegiada de indutor da clarificação das ilusões teóricas e/ oudas deformações ideológicas que se observam nalguns estudossobre esta problemática, sendo, simultaneamente, a base para de-senvolvimentos subsequentes das exigências analíticas objectivasque o problema contém.

A definição dada nesse estudo é a seguinte:

«Entendemos por grupo económico todo o conjuntorelativamente poderoso de empresas interligadas pelocapital e/ ou pelo poder de decisão de dirigentes co-muns, sempre que os vínculos existentes entre asmesmas sejam mais fortes do que aqueles porventuramantidos com outros grupos ou empresas isoladas».

Deixando de lado a questão da definição daquilo que é um«conjunto relativamente poderoso», que terá a sua resolução

i Revista do Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Brasil,vol. I, n.° 2, Julho/Dezembro de 1982 e vol. II, n.° 1, 1&6Õ,

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evidente nâ, escolha de Um limiar quantitativo mínimo, Variávelcom cada estrutura económica nacional e, até, com o objectivodo esuiao em que é utmzaua essa aeimição, detennamo-nos naleitura daquilo que, de um modo objectivo, identifica o grupoeconómico. Isto é, o que nos importa é a elucidação das caracterís-ticas que diferenciam um grupo económico de todas as outrasorganizações económicas que não atingem esse estatuto, pois aise encontram, no espaço construído por esta definição, as com-ponentes essenciais do conceito de grupo económico.

Dentro de uma visão topológica que se preocupa com a análisedas d/istâncias, isto é, com a estrutura diferencial objectiva definidapela distância exiscente entre o conceito, como abstractizaçãoteórica do facto real, e esse facto real, na sua concretizaçãohistórica, e que constitui o objecto final da produção teórica,diremos que um conceito é espontâneo se a distância que o separada aparência, isto é, da forma exterior sob que o facto real apa-rece, for mínima; de facto, a existência de uma ligação muito di-recta com a estrutura formal (exterior) indicará que o conceitoconsiderado ainda está muito ligado a «impurezas» objectivasque se encontram no facto histórico, ou seja, que o conceito aindanão ultrapassou o nível do imediato para atingir a profundidadeabstracta, elaborada para além das aparências e, por vezes, mesmocontra elas. Exactamente porque existe essa função crítica, pode-mos afirmar que essa profundidade abstracta é a única que podedar conta dos fundamentos essenciais do objecto real estudado.Dito de outro modo, a focalização no empírico condiciona a análiseaos limites da evidência do que é imediatamente visível, o que pro-vavelmente implica que pouco se terá afastado dos domínios davisão espontânea; a visão científica, aquela que abandona, pelomenos temporariamente e sempre de um modo crítico, os domíniosdo imediato, exige um percurso fundamental por níveis abstractospara que, posteriormente, se recupere o facto na sua epiderme(aparência) justificando-o na sua totalidade, que é reconstituídapela análise complexa elaborada nesse percurso intermediário.Tudo isto implica, portanto, que a distância em relação a estruturaformal (epidérmica) seja voluntária e cientificamente aumentada,para que diminua, objectivamente, a distância ao núcleo do factoestudado, isto é, para que se desenrole um processo (científico)que nos permita a aproximação da estrutura informal (não~apa-rente), que é a significativa do facto na sua totalidade complexa.

No texto acima citado, o facto histórico «grupo económico»é definido em termos de duas características inclusivas — interli-gação de empresas pelo capital e/ou pelo poder de decisão — e deum factor de isolamento de qualquer grupo em relação a todosos outros — os vínculos existentes entre as mesmas são mais fortesdo que aqueles porventura mantidos com outros grupos ou em-presas isoladas. Uma primeira constatação que se extrai desta

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enumeração caracterológica é o seu estrito empirismo; preferem tactos formais, isto é, realidades conhecidas e conheci-veis2 na sua evidência exteriorizada, aparente. São, claramente,características detectáveis nas publicações emanadas dos órgãosempresariais, considerados e utilizados apenas enquanto tais. Con-tudo, é nítido que neste campo de análise (como na generalidadedas estruturas sociais e, de uma maneira talvez mais flagrante,no nível individual) coexistem dois planos fundamentais, a quecnamaremos o plano formal e o plano informal, por analogia coma teoria psicanalítica, que distingue entre o plano do conscientee os planos do sub-consciente e do inconsciente: o primeiro seráaquele em que se elabora a análise directa e imediata (objectivi-dade de primeiro grau) do facto ou estrutura de factos conside-rada; é a expressão literal, a história contada e lida (analisada)no modo por que é contada. O segundo plano procura atingir o quepermanece encoberto, aquilo que é dissimulado como consequênciade uma determinada funcionalidade e que encontrará um elementoobjectivo no modo como é contada essa história; a diferença entreo «por que» e o «como» é fundamental: através do «como» atingi-mos a razão da história, a origem do dissimulado, enquanto no «porque» somos sistematicamente devolvidos à história contada, en-quanto dado objectivo e incriticável. Sem nos interrogarmos, direc-tamente, sobre as fundamentações metodológicas e pluri-discipli-nares que se interrelacionam na dedução desta distinção, procure-mos clarificá-la com o exemplo concreto do conceito de «grupoeconómico».

2. Grupo económico, estratégia e espontaneidade

Será genericamente admitido que todo o grupos económicodispõe de (e produz) uma estratégia, no sentido de dispor de umplano unificado, mais ou menos rígido, mais ou menos elaborado,que orienta as actividades, coexistentes no tempo, de várias unida-

2 Uma das condições mais frequentemente referidas para que se atinjaa cientificidade é, certamente, a exigência da factualidade, da referência afactos objectivos que confirmem ou infirmem as relações teóricas propostas oucriticadas. A este nível de generalidade, concordamos com a necessidade dessacondição. No entanto, ela não é a única condição1 do estatuto científico';será, até, uma condição secundária, se o objecto de análise inclui como estru-tura fundamental a estrutura estratégica; neste caso, é evidente (por defini-ção) que os factos exteriorizados (e são esses que transmitem o carácter fac-tual ao estudo) não são significativos enquanto se mantiverem encerrados noslimites que eles próprios definem; ou melhor, serão arpenas significativo» deuma ausência, apontam para a distância objectiva em relação ao facto essen-cial. No caso que nos interessa, e aipena® como indicação, poderemos dizer queos factos referidos na definição citada não atingem as exigências da detecçãoda estrutura estratégica, como veremos.

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des espacíalmente diferenciadas (indíca-se, nó óónceíto de «unida-des produtivas», a hipótese de serem, também, funcionalmentediferenciadas, no sentido de realizarem produções e desempenharempapéis estratégicos distintos). A funcionalidade dessa estratégiaapresenta, como um dos seus componentes característicos, umdeterminado efeito-surpresa (a que está directamente relacionadoum efeito-ocnltação anterior) em relação a outras unidades produ-tivas e a outras instâncias da estrutura social. Simultaneamente,a estratégia do grupo económico constitui-o como unidade actuante,isto é, define-o na sua prática e, consequentemente, é parte inte-grante e essencial do conceito genérico do grupo económico. Estaconsideração é, só por si, suficiente para concluir que uma definiçãode grupo económico que não inclua o nível estratégico e a conse-quente elucidação das suas condições perdeu uma das dimensõesessenciais que estruturam o conceito na sua multiplicidade objec-tiva; e, repare-se, esta objectividade não é, ainda, uma objectivi-dade elaborada teoricamente, uma objectividade de segundo grau:ela não ultrapassou o nível da visão imediata, na medida em quea existência de uma estratégia é sempre constante em qualquergrupo económico.

Aprofundando um pouco mais estas considerações, podemosafirmar que uma estratégia concreta, exactamente porque um dosseus elementos integrantes é a ocultação, nunca poderá ser visívelenquanto tal, isto é, enquanto estratégia; de facto, uma estratégiaque se conhece é, apenas, um plano, isto é, a exteriorização tácticade uma estrutura diacrónica complexa que comporta várias hipó-teses tácticas, eventualmente possíveis com um mesmo valor pro-babilístico. Portanto, sendo visível nos seus efeitos — a práticaobjectivada — a estratégia não é observável nos seus fundamen-tos, naquilo que a define enquanto estratégia. Deste modo, é pos-sivel concluir que a simples referência a «poderes de decisão dedirigentes comuns», única indicação que nos poderia levar a vis-lumbrar, ainda que a uma distância considerável, a noção deestratégia, é manifestamente insuficiente para dar conta da noçãode estratégia enquanto prática ocultamente programada e en-quanto factor de surpresa. O que os poderes de decisão de diri-gentes comuns referem situa-se ou no nível de possibilidades dedefinição de estratégias (o que, manifestamente, não é a estra-tégia) ou no nível formal dos conceitos de propriedade que, comoprocuraremos mostrar, nada têm a ver com a estratégia económicaraeional dos grupos económicos8; além disso se essas possibilida-

3 A posição de dirigente de um grupo económico transporta uma indi-cação importante para a dedução de uma forma provável de estratégia defi-nida $>ara ess-e grupo; de facto, é possível afectar a uma determinada pessoaum certo comportamento no passado e que, consequentemente, se poderiaextrapolar, sob certas condições restritivas, para o futuro; neste sentido, é

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des e esôês controles sâo conhecidos, então nâo são factores esàen-dais da noção de estratégia, embora sejam, certamente, elementosacessórios importantes para a sua análise (ex-post).

O controle de propriedade, consubstanciado numa estruturaaccionaria que garante ao detentor maioritário (ou a um grupo deaccionistas que, colectivamente, atinjam uma posição maioritária)um concreto direito de decisão, ou um direito de posse que trans-mite, por natureza titular, o direito de disposição, define-se aonível aa estrutura jurídica; consequentemente, restringe-se aosdireitos, sejam de decisão ou de disposição, sobre uma certa ma-terialidade que, no caso que nos interessa, é um conjunto deunidades produtivas. Contudo, como acontece com todos os direi-tos, não estão garantidas, pela sua simples existência enquantodireitos, nem a sua efectivação nem tão pouco a forma concretaque essa efectivação, se acontecer, irá assumir. Isto é, restringindoo conceito de poder de decisão aos direitos de dirigentes comuns,pode acontecer que, de facto, nunca se chegue à realidade do poderobjectivo mas, antes, se fique limitado à noção, muito menospotente e nalguns casos inútil, de direito de tomar decisões. Poroutro lado, mesmo que esse direito seja efectivado, não é possíveldefinir a priori, pela simples distribuição de títulos de accionistaou de títulos de propriedade individual, qual será a forma específicaem que se vai concretizar esse poder de decisão, ou seja, qual seráa estratégia definida como relação complexa entre a estruturatécnico-económica em que o problema se define e o direito depropriedade referido. Por esta via, nunca se poderá ir além deatribuir um índice probabilístico ao comportamento dos dirigentesconsiderados, e partir daí para a elaboração do seu comportamentonormal; no entanto, é visível que esta forma de resolver a questãoestratégica torna equivalentes todas as situações problemáticas,no sentido técnico-económico e no sentido político, que originama necessidade da elaboração estratégica. De facto, ou nos conten-

fundamental conhecer quais as pessoas que estão na posição objectiva depoderem influenciar a estratégia do grupo. Mas este facto sugere-nos duasconsiderações: primeiro, nâo sào o® poderes de decisão de dirigentes comunsque identificam a estratégia, mas, antes, é a afectação de um índice probabi-lístico (subjectivo) a certas pessoas que, num certo contexto económico-social,permite estabelecer uma presunção de estratégia: aquela que, provavelmente,essas pessoas definiriam no interior desse contexto, tendo em conta aquiloque o analista conhece dos seus comportamentos passados; segundo, a cres-cente complexidade da decisão económica obriga a que esta seja tomada nointerior de corpos técnicos, dispondo de uma lógica própria e que, generica-mente, não aparecem exteriorizadas nos nomes dos dirigentes. De qualquerdas formas, a teoria da estratégia não se baseia na estratégia da pessoaenquanto tal, pois ou é elaborada em termos da visão do analista (estratégiada teoria da estratégia) ou é determinada em função da relativa homogenei-zação das decisões dos corpos técnicos das unidades produtivas perante formasproblemáticas concretas (teoria da homogeneização do proceso decisório dastecnoestruturas).

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tamos com uma definição de normalidade de comportamento ex-tremamente genérica — e, então, a questão continua por resolver —ou aplicamos a mesma tipologia de comportamento a diferentesproblemáticas, que podem ser radicalmente distintas entre si, oque equivaleria a inutilizar o conceito e a função de estratégia.Esta é uma das maneiras, e não a única, por que se pode demons-trar a extrema fragilidade de uma conceituação de grupos econó-micos que utiliza a noção de poderes de decisão de dirigentescomuns como elemento fulcral.

Os efeitos que uma definição, como a que agora se analisa,produz, nesta parte restrita, merecem ser analisados, até porqueisso possibilita a sua localização no espaço teórico disponível. Asligações pessoais estabelecidas entre empresas por intermédio dedirigentes comuns pouco podem fundamentar; de facto, essas indi-vidualidades bem definidas no plano nominativo, apenas podemconstituir bases para um estudo pessoalizado dos dirigentes deempresas, na medida em que uma análise dos seus comportamentospassados e recentes poderia permitir a elucidação de um hipotéticoprojecto ou, se quisermos, poderia possibilitar, através de uma«psicanálise selvagem», determinar as motivações profundas dessaspessoas e extrapolar, daí, uma tendência futura. No entanto, não sevê muito bem como é que uma metodologia deste tipo conseguirádistinguir as posições de direcção objectivas das que transportammeras conotações honoríficas, patrimonialísticas ou familiares, oque constitui uma limitação, interna ao método, muito considerá-vel. Ainda como limitação interna ao método, constata-se a suainadequação às relações económicas contemporâneas; de facto,a crescente complexidade destas num modo que explicitaremosmais à frente, implica a sua não-compatibilidade com estratégiaspessoalizadas, nomeadamente se estas têm origem — como estemétodo parece propor, na medida em que não refere outras —apenas num vínculo jurídico de propriedade. Depois, a crescenteinternacionalização das estruturas económicas e, consequente-mente, dos grupos económicos, vem tornar extremamente impro-vável essa tentativa de estudo de estratégias que considere comosua base fundamental a análise dos comportamentos pessoais quesurgem do espaço das relações jurídicas.

No entanto, esta derivação dos vazios deixados por este ele-mento da definição do conceito de grupo económico permite-nos,sem dificuldade, clarificar o efeito que ele preenche. O que asligações pessoais entre as unidades produtivas permitem atingir,no campo global teórico dos grupos económicos, é a identificaçãodo grupo como conjunto de certas empresas, embora não seja ga-rantia de exaustibilidaãe da detecção dos componentes reais dogrupo. Ainda aqui se terá de pôr a distinção entre o plano formale o plano informal: o que se identifica através dessas ligações é,ainda, uma estrutura formal: aquilo que é conhecível pelas publi-

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surgidas do próprio grupo; ainda nao será aí que encontra-remos a significação do grupo económico enquanto tal. O que secapta é aquilo que, sem qualquer esforço teórico, se deixa sercaptado. E, nessa permissão, está integralmente localizada a insu-ficiência desse significado. Portanto, qualquer que seja o desenvol-vimento que se imprima ao estudo destas ligações, nunca podere-mos abandonar os limites, muito estreitos, das estruturas formais;dentro desses limites, o máximo de significação possível não ultra-passa a identificação de algumas unidades produtivas como inte-gradas num determinado grupo económico, sem que isso constituagarantia de que não existam outras empresas inseridas no mesmogrupo mas que, formalmente, não têm dirigentes comuns.

Analisemos, seguidamente, o que está incluido na segundacaracterística da definição citada, ou seja, o que significam asligações estabelecidas entre empresas por intermédio do capital.A noção de capital que aqui se contempla é, obviamente, a çlecapitai financeiro, isto é, refere-se ao conjunto de investimentos,em termos monetários (pois só assim aparecem na informaçãoconsultável — e consultada — que são os balanços anuais), queuma empresa (ou grupo de empresas) faz noutra, seja sob a formade investimentos directos, seja sob a forma de comparticipaçãotitular. Sem referir a questão do coeficiente informativo que umbalanço contém, analisemos este elemento definitório em termosda sua importância na elucidação da estratégia. É indiscutívelque um investimento denota, sempre, uma preocupação estratégica;portanto, existirá aqui uma referência estratégica, mas definidaem termos ex-post. Desde logo, é possível afirmar que essa consta-tação não identifica a estratégia global do grupo porque é umefeito de estratégia e não a estratégia na sua origem, que é o quenos interessa como caracterização do conceito de grupo económicoenquanto conceito adequado a uma prática actuante. Por outrolado, na medida em que a informação transmitida não estabeleceuma relação objectivável entre o capital financeiro e o capitaltécnico, nem tão pouco a afectação específica do capital financeirono interior das funções da empresa, não é possível diferenciarum efeito de estratégia expansionista — desenvolvimento dessaunidade produtiva — de um efeito equilibrador — resolver dificul-dades financeiras dessa unidade — ou de um efeito de oportuni-dade — aquisição de uma unidade em condições vantajosas —, e t cPortanto, mesmo ao nível de efeitos, a indicação que de um balançose pode extrair não atinge o estatuto de efeito global da estratégia,mas é apenas um efeito entre muitos outros. Se agora introduzir-mos a questão do coeficiente informativo de um balanço, conclui-seque a relevância deste elemento para a elucidação do conceito degrupo económico está seriamente comprometida.

Deste modo, as características propostas não permitem ultra-passar o nível formal, aparente, exteriorizado, de uma realidade

que, como estrutura complexa e organizada, encontra os seus fun-damentos objectivos no nível profundo da informalidade.

Recordando o que atrás se disse, não podemos deixar deconcluir que o factor de isolamento de um grupo económico emrelação a outros, tal como é definido no texto citado, não apresentaqualquer significação científica; ele é, apenas, o efeito final dasinsuficiências detectadas nas duas características definidoras doconceito de grupo económico.

Podemos, portanto, concluir que o espontaneísmo dessa defini-ção encontra a sua razão na estrita limitação ao plano que cha-mámos formal e o seu efeito deformador no facto de o conceitode grupo económico ser, basicamente, constituído por dimensõesocultas, informais que estão ausentes desta definição. Simultanea-mente, e sem que isto constitua qualquer paradoxo, a visão espon-taneista está carregada de opacidade, como se vê no facto deapontar para um objecto falso, inexistente apesar de aparente;a transferência do conceito do grupo económico só será atingívelquando se considerar o que há de informal no interior desseconceito. E preciso, pois, aumentar a distância em relação ao realaparente.

O plano formal limita-se a recolher e a sistematizar elementosque se mantêm íntegros, que conservam a forma inicial com queapareceram. Nesse sentido, é possível afirmar que, enquanto res-tritos ao plano formal, estamos a reproduzir uma história que jáfoi contada e, quando muito, a estabelecer uma teoria cujos limitesestão pré-demarcados por esses elementos; por isso, estamos empleno nível ideolóaico, aquele eme, sob a aparência de ciência,satisfaz a necessidade do próprio grupo económico, pois conservao modo por que o grupo transmitiu a sua história e as suas razões.

No momento (teórico) em que essa relação se constata, somosobrigados a caminhar para o plano informal, e o primeiro passoé constituído pela interrogação «como é que o grupo económicoconta a sua história?», que nos conduz a esta outra «porque é quea conta?», intermediária para a noção informal fundamental: ahistória contada é um efeito da estratégia e, portanto, está con-dicionada (determinada) pela definição da estratégia. E esta nãoé contada pelos elementos do plano formal4.

4 É possível encontrar nesta conclusão o esipaço de uma distinção muitoimportante: a que se define na separação entre uma definição estritamenteoperacional (que procura, sobretudo, tornar visível o fenómeno na aparênciadas constatações) e uma definição teórica (que se autodetermina na coerênciarigorosa do seu espaço problemático). O que procuramos clarificar, nestetexto, é , quando se trata uma questão com a complexidade que se encontrancs grupos económicos, a impossibilidade de nos limitarmos à utilização dedefinições exclusivamente operacionais, exactamente porque elas preservama opacidade que se procura ultrapassar.

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nA DISTÂNCIA Ã APARÊNCIA: REFERÊNCIA À QUESTÃO

TECNOLÓGICA

1. Questões prévias

Este percurso analítico ao longo de uma noção espontâneado que define um grupo económico permitiu-nos, para além de umacrítica localizada sobre uma certa maneira de estudar os gruposeconómicos, fazer, ainda, ressaltar a noção de estratégia; eviden-temente que o nível a que o conceito de estratégia foi introduzidonão é suficiente para dar conta da sua complexidade, como vere-mos quando tratarmos, especificamente, a noção de estratégia;contudo, mesmo a esse nível pouco elaborado, ele desempenha umpapel fulcral, na medida em que é ele que serve de fio condutorà acção prática do grupo e, consequentemente, será essencial paraa sua compreensão. Será esta a linha que procuraremos agoraseguir, numa tentativa de abandono do real objecto-aparente paraatingirmos o real objecto-científico.

Uma primeira constatação parece clara: se a estratégia é umfactor privilegiado na definição e localização, no espaço topológicosocial, do grupo económico, se é, até, uma condição essencialpara a constituição do conceito, é nítido que a produção de estra-tégias não é a razão essencial que preside à formação de um grupoeconómico. Um grupo é uma entidade complexa prática, isto é,desenvolve uma acção concreta, enformada por uma estratégiaque tem em conta a sua composição como entidade complexa, asua posição relativa no interior do campo topológico social e asua finalidade objectiva como entidade prática; neste sentido, arazão essencial do grupo económico é a sua actividade práticaenquanto produção económica, a produção de objectos com umaconotação económica5. Isto significa, desde logo, que a elucidaçãoda problemática económica é essencial para a compreensão dogrupo económico, até porque só assim é possível entender, nassuas dimensões objectivas, o significado da estratégia; portanto,se a estratégia, como já vimos, é parte integrante e fundamentaldo conceito de grupo económico, isto é devido a uma determinaçãomais profunda, a económica, que a condiciona e na qual se situaa sua funcionalidade e a sua explicação.

Levanta-se, aqui, uma questão importante: sendo claro queo objectivo essencial de uma estrutura económica é a produção

5 0 sentido preciso desta frase refere-se ao conteúdo económico de umgxuipo específico enquanto grupo económico. Ma® será claro que toda a activi-dade económica transporta uma dimensão especial de poder, manifestadanecessariamente ao nível da estrutura 4o mercado.

económica, pode-se perguntar se o objectivo do grupo económiconão será, de facto, a racionalização das ligações entre unidadesprodutivas, o que levantaria a hipótese, acima afastada, de sera estratégia o produto próprio de um grupo económico. Um modode nos aproximarmos da raiz da resposta a esta questão está noestabelecimento de uma distinção entre «concentração» e «grupoeconómico») muito embora, como veremos mais detalhadamenteem parte posterior deste estudo, existam vários pontos de contactoentre estes dois conceitos práticos, a sua origem e o seu efeitosão diferentes. O fenómeno da concentração tem a sua origemnas interrelacões tecnológicas no interior de uma certa função deprodução global, que tornariam mais rentável, para a estruturaeconómica global, uma certa agregação (até espacial) de váriasunidades produtivas; a origem está, pois, localizada na existênciade certas relações de dominação no interior do espaço tecnológico;o seu efeito é a criação de pólos de desenvolvimento, cuja essênciaestá na localização, em dado espaço geo-económico, de unidadesque estão numa relação de mútuo desenvolvimento. O fenómenodos grupos económicos, considerando o fenómeno da concentraçãocomo base material, transcende-o para atingir a dominação nosentido global, que inclui o factor tecnológico e o factor políticoda decisão.

Temos, pois, dois tipos de estratégia: na concentração, o quese elabora £ uma estratégia tecnológica aue procura definir amáxima eficiência na combinatória das técnicas e unidades produ-tivas ; no grupo económico, a estratégia define-se em função do es-paço económico global, quer como espaço tecnológico, quer comoespaço monetário, quer como espaço político, elementos indissolú-veis da prática do grupo económico. Por outras palavras, o grupoeconómico encontra na estrutura global do mercado a sua condiçãode existência, pois é sobre essa estrutura que recai a sua acçãocomo tentativa de dela extrair uma vantagem máxima; as unidadesconcentradas procuravam o máximo de produtividade independen-temente da estrutura global do mercado, que não é apenas tecno-lógica mas é, ainda, monetária e política. Neste sentido, o objec-tivo essencial do grupo económico é um,a produção económicacontrolada em todos os seus níveis, o que indica que inclui adimensão tecnológica, isto é, a lógica da concentração, como ele-mento importante da sua estratégia, mas nunca se limitando a ela.

2. Estrutura económica, matriz de «input-output» © grupo econó*mico

A dimensão económica, a estrutura económica, será por nósentendida, a um nível genérico, como a coexistência de um deter-minado estado de desenvolvimento das forçais produtivas — ho-mens, técnicas de produção e de organização da divisão do tra-

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balho — com uma concreta relação social de produção, onde sesituam as relações de propriedade6 e as relações de apropriaçãoreal7. Tendo em conta esta relação estática e passando para umaanálise dinâmica, diremos que a estrutura económica é constituídapela contradição (ou pela expectativa de contradição) existenteentre o desenvolvimento das forças produtivas e a dinâmica, menosrápida e invariante nos pontos cruciais, das relações de produçãocaracterísticas do modo de produção dominante numa determinadaformação social. Diremos, pois, que o económico é constituído poruma base material técnica (estrutura das forças produtivas) e poruma base relacional (estrutura das relações de produção) funcio-nalizadas dialècticamente para a obtenção de um certo produto.No entanto, e como é subjacente à noção de contradição acimareferida, as razões que orientam cada um destes movimentos sãodistintas, pelo que o movimento final terá de ser uma composiçãodestas duas forças, eventualmente com intensidades e orientaçõesdiferentes. Portanto, um grupo económico, integrado na dimensãoeconómica, ao elaborar a sua estratégia com vista à obtenção deuma certa produção económica e ao estabelecimento de uma deter-minada relação de poder no interior do mercado global, terá deconsiderar estes dois movimentos que são partes constituintesdo campo real em que essa estratégia se vai efectuar. É a influên-cia da composição da estrutura económica e da contradição queenvolve na conceituação do grupo económico que desenvolveremosem seguida.

A primeira linha do percurso consistirá na análise do que sãoas forças produtivas, do significado do seu desenvolvimento e dograu de influência específico de que dispõem (estudo que envolvea compreensão da distinção entre causalidade simples e determi-nação e, entre determinação e sobredeterminação, distinção que,no entanto, só poderá ser desenvolvida em texto posterior). Acrescente complexidade das estruturas económicas contemporâneas— facto aparente e objectivo que será admitido na sua aparência,isto é, sem derivação dos seus fundamentos — implica que cadasector da actividade económica dependa, de uma forma cada vezmais estreita, de todos os outros sectores, e de alguns de umaforma irrecusável, para que o seu desenvolvimento seja possívele racionalizado (coerência inter-sectorial que é a condição decoerência de toda a estrutura económica) e, reciprocamente, queos produtos de cada sector sejam, cada vez mais, destinados, di-

6 As relações de propriedade definem as relações de produção propria-mente ditas, considerando o detentor de capital, por direito de decisão ou pordireito de disposição, isto é, o não-trabalhador, como proprietário do produtoatravés da posse dos meios de produção ou da forma de trabalho ou dos dois.

7 A relação de apropriação real refere-se à relação do trabalhador comos meios de produção, constituindo o que se chama o processo 4e trabalho.

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recta ou indirectamente, a todos os outros sectores. Na base destacrescente integração das actividades industriais8 está um desen-volvimento acentuado da divisão do trabalho, a que corresponde,em relação directa, uma especialização muito aprofundada de cadaunidade produtiva.

A raiz teórica desta constatação reside na interrelacionaçaatecnológica mais complexa entre as várias funções de produçãoconcebíveis para cada produto, na medida em que a complexidadeda técnica produtiva, juntamente com os elevados níveis da pro-dução das modernas economias e com as estratégias de produçãoque daí derivam, exigem um forte grau de conjugação dos meiosde produção necessários (logo, também das suas origens), o eme.se repercute no seu utilizador (unidade produtiva); deve-se aindaacrescentar que uma complexidade semelíiante, embora de origemdiferente, é constatável nos mercados contemporâneos, o que per-mite compreender que a interrelacionação objectiva, final, sejaum cruzamento destas múltiplas complexidades verticais e hori-zontais.

Um dos instrumentos analíticos que permitem a compreensãoprofunda deste facto e constitui a sua tradução teórica e a suaobjectivação prática é o quadro das relações inter-industriais, amatriz de input-output. Aí é possível encontrar, para uma certa4estrutura económica, qual a medida das interrelações objectivasque existem entre os vários sectores produtivos, permitindo a loca-lização topológica, para essa estrutura económica, dos lugares decada sector no interior da estrutura produtiva; para cada sectoré possível encontrar a sua característica de especificidade em teivmos dos outros sectores.

Qualquer que seja a versão matricial utilizada — matriz doscoeficientes técnicos, estruturada em valores físicos, ou matriz dastransacções, construída com apoio nos valores monetários — a in-formação fundamental vem definida em termos da base técnicada produção. De facto, o que se contempla na matriz é um quadrorelacional de produtos que é definido dessa maneira específicaporque é essa, exactamente, a combinação possível para um dadamomento (estado histórico) de uma estrutura económica. Não setrata de encontrar, enquanto localizados no estudo da matriz, acombinação óptima dos sucessivos inputs, dependente das melhorescondições de aproveitamento das disponibilidades produtivas; amatriz não conduz, directamente, à compreensão integral de umespaço económico, pois não é mais do que a fotografia das relaçõestécnicas, directas ou através do mercado, que determinam as rela^

8 0 âmbito deste trabalho situa-se ao nível da produção do sector indus-trial; neste sentido, as derivações que aqui se fazem restringem-se a essedomínio, embora seja possível ajustar estas conclusões à realidade da estru-tura económica global, do sistema produtivo total.

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ÇÕes entre os sectores no interior da estrutura económica. O queaqui se procura estudar, tendo em conta o objecto deste texto,é até que ponto é importante a base técnica, concretamente exis-tente, para a delimitação rigorosa do espaço económico, únicamaneira de atingir as localizações específicas de qualquer unidadeprodutiva no interior da racionalidade possível que é definidanesse espaço económico.

O desenvolvimento das forças produtivas, desenhado exterior-mente numa evidente evolução e complexificação tecnológicas,exige, de uma forma cada vez mais premente, a racionalização dadivisão do trabalho; a dimensão óptima das unidades produtivas é,cada vez mais, calculada em função da especialização da sua funçãode produçãoj é com essa complexificação da actividade surge aimpossibilidade, material ou económica, de uma mesma unidadeassegurar a produção integrada de um determinado produto. Peloeontrário, o que se observa é a exigência (técnica) de uma cadeiade produção, que se traduz, na realidade de uma estrutura econó-mica, numa cadeia de unidades produtivas combinadas de tal modo<jue seja atingível uma eficiência máxima em função do horizontetecnológico e organizacional disponível. A divisão do trabalho,se a restringirmos às relações técnicas, refere-se à ligação neces-sária entre os inputs exigidos para que uma determinada unidadeprodutiva possa atingir um certo output: trata-se, pois, de umacadeia de integração, que pode ser originada nas compras ou nasvendas. De facto, uma mesma unidade produtiva pode desenvolverá sua actividade até ao ponto em que satisfaz totalmente as neces-sidades de uma certa fracção de consumidores, quer se trate deconsumidores finais ou intermediários (consumo produtivo); é oéaso, por exemplo, da produção de equipamento técnico muitoespecializado, em que uma única unidade pode satisfazer total-iríente as exigências de um imenso espaço económico, que podeatingir a dimensão mundial. Repare-se, no entanto, que este pro-duto é, em si mesmo, já uma consequência da divisão do trabalho,pois para que a unidade que o produz possa estar nesta situaçãoprivilegiada é necessário que o seu produto não tenha sucedâneoimediato, quer pela sua originalidade (controle de patentes, porexemplo) quer porque a magnitude dos investimentos, ou as carac-terísticas do processo técnico, necessários para essa produção,tornam impossível e desnecessária a constituição de novas unida-des concorrentes.: Uma outra consequência da especialização pode traduzir-se,pêlo contrário, no facto de uma unidade produtiva satisfazerapenas as necessidades de um único utilizador; neste caso, assiste-«se à integração da actividade da primeira unidade na actividadeda segunda. Aqui, a primeira unidade perde a sua autonomia, ten-dendo a tornar-se úm departamento técnico da segunda unidade,constituindo com ela um coajunto integrado.

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Destas considerações podemos concluir que a racionalidadetecnológica da produção contemporânea, exigindo uma grandedivisão do trabalho e a consequente especialização da actividadedas unidades produtivas, condiciona o grau de autonomia de cadaunidade no interior do espaço económico. Isto é, existe uma basetécnica, que define a estrutura objectiva da actividade produtivaque tem de ser classificada antes de podermos caracterizar o com-plexo que é a estrutura económica, que constitui, por sua vez, abase do espaço económico e é, consequentemente, uma parte daracionalidade organizacional desse espaço.

Na matriz das relações inter-industriais encontramos contem-plada esta base técnica, na medida em que, nesse quadro, se esta-belecem as relações objectivas, para essa estrutura económica,entre as unidades produtivas; isto significa que na matriz se de-senha uma cadeia técnica que indica o sentido e o tipo das ligaçõesentre os sectores para uma determinada época histórica da produ-ção material. No entanto, uma matriz do input-output nunca émais do que a constatação de uma realidade, isto é, nunca atingea dimensão do possivel, na medida em que não pode ser objectode técnicas dinamizadoras; enquanto relação tecnológica, a matrizfornece apenas dados estatísticos (para além de os fornecer comum atraso considerável, pois só é construível depois de um inqué-rito exaustivo às unidades produtivas e os seus resultados têm,ainda, um longo período de tratamento antes de atingir a suaforma definitiva). Contudo, apesar desta deficiência ser inerenteao próprio instrumento, a sua utilidade não é seriamente compro-metida: a dinamização pode ser conseguida, não pelo tratamentoda matriz em si, rras antes pela utilização de outra matriz auetraduza uma situação objectiva mais avançada do que a que deuorigem à matriz considerada, conseguindo-se, assim, uma visãoaproximada do que serão as novas relações inter-industriais, tendoem conta que o desenvolvimento tecnológico tem característicasuniversais relativamente uniformes9. No entanto, e em termos deoperacionalidade, o desvio existente entre os dados de uma matrizque tenha sido construída a partir da realidade de 1964, por exem-plo, e os dados objectivos das relações inter-industriais de 1971nunca será tão grande que invalide totalmente a instrumentalidadeda matriz; e quando casos de alteração profunda forem detectáveisnum ou noutro sector, ainda será possível tentar um ajustamento

9 Esta dinamização aparente apresenta, no entanto, um grave inconve-niente. A matriz de input-output não refere apenas a estrutura tecnológicatal como é definida no momento, pois transporta, também, o peso das estru-turas passadas, com todas as deficiências e erros de combinação que a essepassado estão inerentes. Isto justifica que diferentes passados impliquemdiferentes matrizes o que impede a aplicação mecanicista die outras matrizes*como tentativa de previsão de quais serão as relações interindustriais nopresente de uma outra estrutura económica.

às novas condições, especialmente se a matriz estiver já ordenadapor blocos.

Quanto à impossibilidade de atingir as dimensões do possível(que desempenham um papel crucial na elaboração das estratégias)parece-nos que a matriz, enquanto cadeia técnica, define já ointervalo de variância dessas dimensões; de facto, se para umadada estrutura económica as relações interindustriais objectivassão as que se encontram explicitadas na matriz, é imediato que seas quisermos melhorar (actualizando-as em relação a matrizes deoutros países) ou alterar em certos pormenores (como efeito deuma politica económica), essas modificações estão implícitas nointerior da matriz dada, já que ela apenas traduz a base do que seprocura modificar. Esta é, nos seus fundamentos, a lógica da con-centração industrial. De facto, a concentração industrial procuramaximizar a eficiência de uma estrutura produtiva reduzindo osdesfazamentos de decisão ou de espaço que introduzem rupturasno processo da combinatória intersectorial; o ponto de partida deuma decisão que procure atingir este fim será, sempre, um conheci-mento das relações interindustriais existentes nessa estrutura eco-nómica e daquelas que seriam possíveis se a estrutura económicafosse alterada. O primeiro conhecimento será determinante se apolítica da concentração se basear nas unidades existentes, procu-rando concentrar o seu processo decisório; a proposta de novasrelações será determinante se a política de concentração tiver comoobjectivo a constituição de novas unidades produtivas num certoespaço geo-económico. De qualquer forma, as modificações intro-duzidas pela política da concentração industrial estarão sempredirectamente relacionadas com uma dada matriz de base, pois éessa a que caracteriza a estrutura que será objecto de umatentativa de alteração.

Mas há uma outra cadeia, até agora ainda não referida, eque se encontra também inscrita no espaço delimitado pelas rela-ções intersectoriais: trata-se da cadeia económica. A diferençaexistente entre a cadeia técnica e a cadeia económica caracteriza-sepela existência, na segunda, dos elementos gerais da racionalidadeeconómica, ou seja, pelas dimensões gerais do lucro económico;isto significa que a cadeia económica, englobando todos os dadossignificativos da cadeia técnica, constitui o elemento básiico daestratégia económica enquanto decisão de produção para certasunidades produtivas, distribuídas no espaço económico. A decisãode produção é caracterizada na sua forma — quais matérias pri-mas, que técnicas, que produtos — e na sua função — qual o valorpossível dessa produção em termos da estratégia global definidapelo poder de decisão que controla ou influencia essas unidadesprodutivas. Embora a cadeia técnica seja um dado irrecusável,pois é ela que determina as combinações tecnológicas possíveisno horizonte científico disponível, a forma concreta dessa combi-

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nação, entendida como técnica produtiva no interior da unidadede produção e como distribuição no espaço económico das unidadesque constituem a cadeia técnica, e a sua função económica, ou seja,a actividade que se traduz num objecto economicamente valorado,originam-se numa lógica mais geral; é esta lógica que justifica aforma concreta da cadeia económica.

Em termos mais sintéticos, a cadeia técnica é constituída peloestado de desenvolvimento das forças produtivas, enquanto que acadeia económica envolve também a estrutura das relações de pro-dução e, em particular, as relações de propriedade enquanto estasdeterminam, de uma forma fundamental no interior do sistemacapitalista, a estratégia da decisão económica.

3. Decisão técnica, decisão económica e unidade económica

Estas considerações permitem estabelecer uma distinção entredecisões técnicas e decisões económicas. Como para toda e qualquerdecisão, existe um percurso racional aue possibilita a passagemdas condições objectivas para o projecto possível, tendo em contaa imporcancia relativa dessas condições; no entanto, as condiçõesobjectivas são distintas para cada um dos dois tipos de decisão eacresce, ainda, que o percurso racional que estrutura a passagemé, também, distinto e por razões que têm a ver com a forma dedefinição das condições objectivas. A decisão técnica contemplao universo tecnológico disponível e as unidades produtivas exis-tentes para caracterizar a situação objectiva; o percurso lógico quedesenvolve a partir daqui traduz-se na optimização da combinaçãotecnológica e das relações necessárias entre as unidades produ-tivas, de tal forma que se atinja um máximo de eficiência produ-tiva na conjugação das matérias primas com as técnicas produtivasdisponíveis; o projecto que assim se define é o que origina a teoriada concentração industrial, enquanto decisão de ligações de unida-des produtivas, num certo espaço, que maximize as economiastécnicas de produção e distribuição. Podemos dizer que se tratade uma lógica técnica pura, no sentido de não haver distorçõesintroduzidas pela instância política.

A decisão económica, por seu lado, parte do projecto tecnoló-gico enquanto dado estrutural para atingir a forma concreta querevestirá a produção e a função que essa produção desenvolveno interior da estrutura de propriedade existente; isto é, a decisãoeconómica admite como condições objectivas o universo tecnoló-gico, as unidades produtivas existentes, a relação âe mercado,e a estrutura de propriedade que condiciona as ligações tecnoló-gicas e distributivas possíveis entre essas unidades com vista àrealização de um certo produto destinado a um mercado. A suaracionalidade estrutura-se em termos do interesse que uma certa

produção, com determinadas unidades produtivas e para uma certatecnologia, terá, para uma determinada estrutura de propriedade.O seu resultado, o produto decisório, consiste na escolha concretado tipo e níveis da produção em função das unidades produtivascontroladas, controláveis ou a construir, da combinação tecnoló-gica específica, dos controles possíveis dos mecanismos de distri-buição tendo em vista uma optimização, num dado intervalo detempo, dos interesses originados numa dada estrutura de proprie-dade. Este tipo de decisão inclui já, de uma forma muito clara,a dimensão política, ausente, em princípio, da decisão técnica.Por outro lado, a decisão económica inclui como dado de base aracionalidade da decisão técnica. Estas diferenças, que constituemrazão suficiente para a sua distinção, tornam-se ainda mais clarasse pensarmos que a base técnica determina, tendencial ou pro~babilisticamente, as formas e os limites de evolução das relaçõesde produção que constituem o centro específico da elaboração dadecisão económica: basta pensarmos na «ilusão de propriedade»qtie se constata no caso de um latifundiário que imponha umatécnica tradicionalista na sua «propriedade» se esta estiver inte-grada numa estrutura económica que defina, na produção agrícola,uma mecanização intensa; é evidente que esta propriedade apenastem conotação jurídica e que a contradição que assim se define coma lógica económica implicará a destruição dessa relação depropriedade.

Evidentemente, esta determinação só tem sentido desde quedesprezemos alguns casos individuais de empresas isoladas quesejam eventuais excepções desta relação de determinação; de facto,o caso isolado pode desenvolver uma lógica própria caminhandopor alguns espaços temporariamente vazios, deixados inocupadospela lógica dominante. No entanto, para o nosso estudo e, gene-ricamente, para todo aquele que analisar as estruturas económicasglobais e espaços económicos, é evidente que estas distorções iso-ladas não têm significado autónomo e não poderão, por isso, cons-tituir negação das relações aqui expostas. No entanto, é necessárioter em atenção que são possíveis, mesmo a nível global, distorçõestemporárias à lógica dominante que explicita a determinação dadecisão económica pela base técnica da produção; nestes casos,teremos de justificar a razão que preside à alteração momentâneado centro da dominação. Mas estas possíveis excepções não pareceminvalidar a forma da relação definida entre a decisão técnica e adecisão económica.

Da distinção estabelecida e da forma da relação consideradaenjtre estes dois tipos de decisão poderemos passar para a decisãoagregada, aquela que é definida tendo em conta a unificação da'cadeia técnica e da cadeia económica numa cadeia funcional essen-cial. A influência determinante é a que se define ao nível da basetécnica da produção, que inclui o factor tecnológico e o factor

humano, devendo ter-se em conta que a influência maior ou menorde cada um destes factores dependerá do estádio da evoluçãotecnológica considerado; concretamente, o factor tecnológico serátanto mais influente quanto maior for o grau de automação dacadeia funcional. Isto significa que o conjunto funcional, definidapor várias unidades produtivas que reproduzem as ligações intet--industriais, tem a sua racionalidade determinada pela base técnicaem que assenta o processo produtivo; portanto, qualquer decisãoque tenha em conta o conjunto na sua actividade complexa teráque incluir, e de uma forma privilegiada, a racionalidade técnicada produção e, nalguns casos de maior evolução do desenvolvimentodas forças produtivas, a racionalidade tecnológica estrita. Ndentanto, não é possível generalizar esta conclusão de forma aafirmar que, em todas as decisões económicas que respeitem oconjunto funcional, a base técnica será sempre a estrutura domi-nante, isto é, aquela que justifica, para essa decisão concreta, aforma específica que esta assumiu. Muitas vezes acontece, e emespecial no sistema capitalista, que a razão dominante é a estru-tura da propriedade ou, o que é o mesmo, que a origem de umadecisão concreta se situa na racionalidade originada na estruturado lucro.

Um conjunto funcional definido no interior de um sistemacapitalista reproduz uma racionalidade individualizada, isto é,que procura maximizar a vantagem do conjunto em si, conside-rando os outros conjuntos apenas como elementos redutores daspotencialidades estratégicas; por isso mesmo, a razão estratégia;derivada num certo momento, pode atribuir mais peso ao controlede um outro conjunto do que à máxima eficiência produtiva do*coniunto que é fonte da estratégia. Neste caso, a estrutura domi-nante seria política (pois é definida em termos de contrôíe) e nãtítécnica, muito embora esta permaneça sendo a determinante náv

medida em que ela é a condição básica e irrecusável de toda e1

qualquer estratégia de controle. De facto, basta pensar que se umaestratégia for definida sem considerar a base técnica ela fica W^QJdiatamente exposta a uma contra-resposta que assente em melhorescondições de produção e que destrua, por essa vantagem, os ganhog(políticos) temporários da primeira estratégia.

Há, portanto, uma cadeia funcional essencial, que conjugaa cadeia técnica e a cadeia económica, e que constitui o campode racionalidade das decisões económicas enquanto estas respeitama realidade do conjunto funcional; essa cadeia funcional exige adistinção entre factor determinante e factor dominante e obriga,ainda, a que se construa uma explicação específica para os casos-de correspondência e de divergência entre factor deteiThinantee factor dominante. Voltaremos a esta questão num texto poste-rior; por agora, tentaremos explicitar melhor o conceito de con-junto funcional ou conjunto orgânico de unidades 'produtivas.

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A noção de conjunto orgânico deriva da noção de integraçãodas actividades económicas; este conceito, que é pacífico quantoao seu sentido geral, levanta, no entanto, o importante problemada caracterização dos seus limites e da sua racionalidade. Defacto, a integração económica, seja entendida em termos de esuacogeográfico, seja em termos de espaço económico (integração devarias unidades produtivas geogràticamente diferenciadas nummesmo núcleo de decisões económicas), é produto de uma certalógica económica que a define nos seus interesses e a caracterizanos seus limites funcionais (os que dependem da racionalidadetecnológica), económicos (os que dependam da racionalidade eco-nómica) e que é condicionada pelas estruturas da formação socialem que o processo integrativo é levado a cabo. De um modo geral,a integração económica pressupõe um conjunto de actividadesintegradas que, satisfazendo uma mesma função económica outécnica, se completam mutuamente de tal forma que a produtivi-dade global é superior ao somatório das produtividades isoladasde cada unidade produtiva. Daqui decorre que o limite da inte-gração económica é determinado pelo carácter específico das fun-ções de cada unidade integrada no interior da sequência produtivae o teste fundamental da satisfação dessa especificidade, isto é,o teste da correcção da integração, consiste num custo total menorda produção integrada do que o que é necessário para uma pro-dução atomizada.

As formas sob as quais aparece o processo da integraçãosão as seguintes:10

— Integração unilmear, que corresponde à entrada de umaunidade de produção numa sequência produtiva no interior daqual perde toda a autonomia económica. A actividade desta uni-dade é totalmente comandada pelas necessidades da «unidadecabeça» (isto é, da unidade que realiza ou que esgota os produtosda unidade integrada).

— Integração multilinear, que corresponde à ligação de váriasunidades de produção a uma outra unidade económica. Esta últimapode realizar operações de transformação ou operações de trans-porte ou de distribuição; pode ser a única em contacto com o«resto» da economia, quer para escoar os produtos do conjuntointegrado, quer para simultaneamente escoar estes produtos efornecer ao conjunto integrado os produtos de que este necessita.Isto pode levar a criar condições de gestão a partir da unidade«cabeça» (ou «unidade terminal») das unidades filiadas, querestas produzam um mesmo tipo de produto ou produtos com-plementares.

— Multi-integração, que corresponde à ligação regular de vá-

10 Charles BETTELHEIM, La tramition vera 1'économique socialiste,pp. 73-74.

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rias unidades produtivas a várias unidades utilizadoras que absor-vem a totalidade da produção das unidades filiadas. Pode ser esteo caso de explorações agrícolas que se dedicam à policultura e queescoam cada tipo de produto para transformadores diferentes,cada um dos quais controla a parte que lhe diz respeito da activi-dade produtiva destes policultivadores. Talvez fosse preferívelfalar de «integração ramificada» ou «integração em reseaux», emvez de empregar a expressão «multi-integração», na medida emque esta integração se efectua em vários direcções e segundo li-nhas que, eventualmente, se sobrepõem a diversos níveis. Ê pos-sível que este tipo de integração em «reseaux» corresponda melhor,no momento actual, à natureza das forças produtivas modernas emcertos sectores, na medida em que o estado de desenvolvimentodas forças produtivas, caracterizado por uma intensa divisão dotrabalho e por uma multiplicidade de utilizações alternativas paraalguns produtos, implica uma rede de relações cruzadas muitocomplexas.

Neste sentido, derivado da teoria da integração, consideramoso conjunto orgânico como o complexo económico formado por umaestrutura de decisão económica e pela cadeia funcional essencialque conjuga, num conjunto funcional, a cadeia técnica e a cadeiaeconómica; portanto, o que distinguirá o conjunto essencial doconjunto orgânico é a existência fundamental, neste último, deuma estrutura de decisão económica de onde deriva a formulaçãoestratégica e a coordenação interfuncional. Torna-se claro que,na realidade, existem apenas conjuntos orgânicos, muito emboraestes se iam definidos sobre a base representada pelos coniuntosfuncionais que os determinam. No entanto, é também evidenteque não é necessária a correspondência total entre os conjuntoseconómicos concretamente existente e os conjuntos orgânicos de-terminados pelos conjuntos funcionais essenciais. As distânciasexistentes entre estes dois conceitos justificam-se pelo tipo das rela-ções de produção existentes no interior do espaço económico e quecondicionam, de uma forma fundamental, o tipo de aproveitamentodo estado e da evolução das forças produtivas; nomeadamente,no caso dos espaços económicos capitalistas ou para-capitalistas,a relação de propriedade determina uma importante distorçãodos conjuntos orgânicos (teóricos), pois o estatuto de proprietárionão é historicamente derivado em relação directa com a funciona-lidade tecnológica da produção. Por outro lado, mesmo nos espa-ços económicos que atravessam uma fase de transição para a orga-nização socialista, a evolução lenta das relações de produção nãopermite a correspondência estrita dos dois conjuntos teóricos deunidades produtivas considerados.

Esta distância, introduzida pelas relações de produção vi-gentes num concreto espaço económico, revela-se extremamentesignificativa na medida em que possibilita a distinção entre unir

dade económica e unidade jundica. O conceito dê unidade econó-mica está directamente relacionado com o de conjunto orgânico;é um vasto conjunto produtivo que inclui várias unidades de pro-dução interligadas pelo seu funcionamento corrente, pela utilizaçãodos produtos da investigação e pela política de investimentos, emsuma, um conjunto produtivo onde existe uma definição colectivada decisão, ou seja, onde existe uma estratégia complexa aplicávela cada uma das unidades e ao conjunto. Tendo em conta, por outrolado, a relação muito estreita que se aceitou entre o conjuntoorgânico e a teoria da integração, poderemos ainda dizer que estecentro de decisões económicas constitui a instância social commais capacidade para definir a estratégia mais eficiente do pontode vista colectivo (recorde-se que o teste da integração foi definidocomo a realização da produção integrada a um custo total menordo que o que era exigido pela produção atomizada; se excluirmosalguns casos marginais em que a lógica global de uma estruturasocial pode indicar uma preferência na manutenção de um maiorcusto numa zona económica localizada, poderemos afirmar que,genericamente, a um menor custo total corresponde uma maiorvantagem colectiva; neste sentido, e enquanto centro de decisõeseconómicas, a unidade económica é a instância mais importantena definição da estratégia do conjunto integrado).

Quanto à unidade jurídica, a sua definição baseia-se numestatuto de propriedade, na qualidade documental que relacionauma pessoa, uma família ou um conjunto de accionistas, a umadada unidade produtiva, A unidade jurídica, a que também estáatribuído um poder de decisão e a elaboração de uma estratégia,tem a sua origem na estrutura da relação de propriedade e a suafunção ainda se dirige para a satisfação das exigências que deri-vam dessa mesma estrutura. Ora isto equivale a dizer que não há,no caso da unidade jurídica, uma correspondência necessária entrea estratégia definida e a estratégia colectiva óptima; posto deoutro modo, a unidade jurídica não respeita necessariamente alógica da integração, o que permite afirmar, por extensão, quenão é obrigatoriamente compatível com o estado do desenvolvi-mento das forças produtivas que, como vimos através da comple-xidade da produção económica contemporânea, exige uma rígidadivisão de trabalho e a integração das unidades produtivas emconjuntos funcionais significativos.

Na medida em que não há uma equivalência teórica ou práticaentre estas duasl noções, é fácil percebermos que, num espaçoeconómico onde esteja definida uma estrutura da propriedade ouonde se verifique um desfasamento entre as relações de produçãoe o estado de desenvolvimento das forças produtivas (por exemplo,se existir uma gestão burocratizada do processo de trabalho quenão corresponda às exigências da racionalidade tecnológica) adistância entre os conjuntos económicos existentes e os conjuntos

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orgânicos pode ser muito grande. O efeito desta distância traduz--se, como é evidente, numa menor eficiência colectiva da estruturaprodutiva e, ainda, num desperdício relativo das possibilidadesdessa estrutura mesmo que ela exista no interior de um espaçoeconómico capitalista (isto é, onde está definida uma estrutura dapropriedade). Quanto ao maior custo social da actividade produ-tiva, no caso de não haver adequação entre a unidade económicae a unidade jurídica, supomos não ser necessário insistir; cmantoao prejuízo relativo parece-nos que será útil uma melhor reflexãosobre as suas razões, muito embora elas estejam implícitas naconstrução anterior.

A génese da unidade jurídica assenta, basicamente, em pro-cessos de transmissão, de aquisição ou de construção de unidadesprodutivas (ou de controle significativo sobre elas) que se desen-volvem ao longo de um intervalo de tempo normalmente extenso.Esta extensão, agravada ainda pelo eventual carácter «passivo»da aquisição e construção de novas unidades, produz uma forteresistência da unidade jurídica em relação às sucessivas fases dodesenvolvimento das forças produtivas. A. extensão do período emque o processo de transmissão se desenvolve dá relevância à hipó-tese de uma unidade jurídica ser constituída por um aglomeradode unidades produtivas cuja ligação pouco ou nada significa emfunção da estrutura tecnológica contemporânea; neste caso, o poderde decisão que se exerce sobre estas unidades não tem uma eficáciaautónoma^ na medida em que, como já vimos, a determinante (emúltima instância) dessa eficácia é a estrutura das relações tecno-lógicas que, como é óbvio, não podem ser controladas por umaunidade jurídica que não se adepue à unidade económica. Em ter-mos da estratégia da unidade jurídica (enquanto relação de proprie-dade), é nítido que a sua acção não é maximizada, até porquenunca pode ser maximizado o interesse de uma estrutura que nãose auto-domina; a unidade jurídica estará, pois, dependente deestratégias que lhe são alheias ou, no caso de não haver nenhumaunidade jurídica adequada a uma unidade económica, estará aindadependente do desenvolvimento autónomo das forças produtivasoriginado na evolução internacional das relações tecnológicas. Dequalquer forma, a distância que assim se define entre a estratégiapossível para a unidade jurídica e a estratégia possível (e óptima)para a unidade económica mede o prejuízo relativo para a unidadejurídica.

Nos casos de aquisição ou construção de novas unidades, oproblema da extensão do intervalo de tempo (a idade das instala-ções), embora possível, não deverá ser o dominante para a análisedos desperdícios relativos das possibilidades da estrutra económicaconcreta em que a unidade jurídica actua. A aquisição ou a cons-trução de novas unidades são produto de uma decisão económicaactual e não a consequência de um processo cuja lógica é insti-

tucional (o direito sucessório); portanto, a questão ãa adequaçãoterá de ser posta em termos de adequação de decisão e já não emtermos de sujeitos. O carácter «passivo» dessa decisão justifica-sese a decisão de aquisição ou construção se tiver tomado em funçãodos interesses do sujeito jurídico (por exemplo, numa lógica delucro a curto prazo) e não em função da racionalidade da unidadeeconómica; se isso acontecer, é evidente que não se atingirá acorrespondência com o estado do desenvolvimento das forças pro-dutivas e que essas unidades, quando expostas à concorrência deum espaço económico mais vasto e integrado, sofrerão as pesadasconsequências de terem desperdiçado a maior eficiência que lhesera possível se tivessem actuado em termos de unidade económica.

4. Conclusão do primeiro nível de investigação

Depois de termos identificado a relação tecnológica como abase de uma estratégia óptima da unidade económica, ou seja,como a base da estratégia da unidade económica enquanto tal(enquanto conjunto orgânico que satisfaz as exigências da cadeiafuncional essencial, ou seja, que satisfaz a conjugação da cadeiatécnica com a cadeia económica), poderemos retomar o discursocrítico sobre o conceito de grupo económico. De uma maneiraagora mais completa, repete-se a afirmação anterior que atribuiao conceito citado de grupo económico a categoria de espontâneo;de facto, nenhumas das características incluídas nesse conceito sãosuficientemente potentes para atingir a racionalidade da estratégiados grupos económicos. Acresce, agora, que não são, sequer, indi-cadoras da estrutura objectiva em que essa racionalidade se baseia.No entanto, ainda não existem elementos suf icentes para dominarcom precisão o conceito objectivo que procuramos, pelo que seránecessário estabelecer um novo percurso que tentará definir adiferença entre os conceitos de unidade económica e de grupoeconómico, através da análise da função da estratégia.

O estudo que fizemos em termos de unidades produtivas e derelações tecnológicas utilizou um sentido do conceito de dominaçãomuito restrito, na medida em que se limita a estabelecer o sentidodas relações intersectoriais em função do universo tecnológicoobjectivo. Mas é óbvio que no interior de um espaço económicoexistem outras noções de dominação que não se circunscrevem àdominação estritamente técnica. De facto, as decisões de produçãonão se limitam à definição concreta da combinação tecnológicanecessária para a obtenção de determinados montantes de produto(aproveitamento das relações de dominação tecnológica entre osvários sectores complementares na sequência produtiva) mas inci-dem, também, em problemas de adequação do produto às neces-sidades objectivas de uma estrutura social num dado momento

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histórico. As questões que aqui se defrontam são, por exemplo,as decisões sobre prioridades de produção, tipos de organizaçãoao nível da instância decisória no interior do conjunto orgânico,tipos de desenvolvimento global da estrutura económica, tipos deprioridade para os vários sectores da estrutura social (sectoreseconómicos, educacional, militar, etc.)... No interior de uma es-trutura social concreta, as relações que se estabelecem entre ainstância económica e todas as outras (política, ideológica) sãocomplexas e, nesse sentido, interrelacionadas de tal forma quenão é possível estudar qualquer uma delas sem ter em conta ainterinfluência das outras. Portanto, a restrição utilizada no tra-tamento desta primeira noção de dominação, que a limitou à ins-tância tecnológica (interna à instância económica), reduziu a signi-ficação do conceito a um intervalo que não é operacional desdeque se considere a realidade da estrutura social. Mas a introduçãoda multiplicidade real exige uma hierarquização das determinaçõesentre as várias instâncias, pois esse é o único modo de sairmosdos círculos viciosos das interrelações sucessivas, cuja circulari-dade acaba por destruir a possibilidade de definir as determinações,ou seja, o sentido da causalidade dialéctica. Utilizando como tes-te ilustrativo dessa hierarquização o conceito de conjunto produ-tivo orgânico, podemos afirmar que a relação determinante é atecnológica, na medida em que a satisfação dessa condição é cons-tituinte da organicidade do conjunto produtivo; no entanto, évisível que o conjunto orgânico, interiormente coerente para umestado determinado das forças produtivas, está também inseridonuma estrutura social complexa, e não há razão necessária queexija que todos os níveis da estrutura social sejam rigorosamentecompatíveis com o conjunto orgânico; pelo contrário, o que éconstatável historicamente é a existência de contradições na estru-tura social mesmo quando é possível estabelecer conjuntos orgâ-nicos, pelo menos na aparência exterior; é o caso, por exemplo,do bloqueamento das estruturas burocráticas (instância política)dos sistemas que se encontram em fase de transição para estru-turas globais socialistas; ou, noutro contexto teórico e prático,é o caso da distorção que o programa político da guerra doVietnam introduz no programa de desenvolvimento da estruturaeconómica dos Estados Unidos. Isto significa que, mesmo ao nívelóptimo dos conjuntos orgânicos (enquanto inseridos nos espaçoseconómicos conhecidos) haverá a necessidade de uma actividadecompensadora de contradições que se exercerá, globalmente, aonível da instância política, o que exige o estabelecimento de umaestratégia que tenha em conta as condições da dominação emsentido global. Esta distinção não é mais do que a explicitaçãoda distância possível entre factor determinante e factor domi-nante ; é porque essa diferença existe, ou é, pelo menos, concebível,que se torna necessário complementar a racionalidade tecnológica

(análise das forças produtivas) com uma racionalidade política(análise das distorções provocadas no primeiro nível pelas relaçõesde produção e pelas condições do nível político e do nível ideoló-gico). Se pensarmos, em seguida, no caso do sistema capitalistacompreenderemos melhor a necessidade da noção de dominaçãoem sentido lato.

Aí, para além da dificuldade de convergência da unidadeeconómica e da unidade jurídica, isto é, para além da rigidez dosistema face à necessidade de constituição dos conjuntos orgânicos,subsiste a afirmação (ideológica) da liberdade concorrencial, ouseja, existe a defesa da falta de planificação económica que serepercute, evidentemente, na falta de planificação da estruturasocial; isso significa que o papel político, ou seja, a função equi-libradora desempenhada pelo Estado através dos canais de politi-cização (nomeadamente os partidos políticos e os mecanismos depressão existente no interior destes partidos) tem uma impor-tância crucial no funcionamento estabilizado da estrutura socialglobal. Assim se justifica que o centro de decisão que agregadeterminadas unidades produtivas procure resolver as incompati-bilidades possíveis com outras unidades produtivas através damediação da dominação política, isto é, não se limite a uma ra-cionalidade tecnológica que não encontra eco institucional, masprocure, antes, preencher por si mesmo o vazio deixado pelafalta de planificação das instâncias superiores (isto é, pela instân-cia política).

Como subproduto curioso desta actividade de preenchimentode vazio, pode-se referir o tipo de comportamento da «tecnoestru-tura», tal como é caracterizado por J. K. GALBRAITH: a homoge-nização deste comportamento, originado numa forma comum deanálise das situações (que ainda é uma base tecnológica, emboracom incidências na instância ideológica), possibilita a constituiçãode um planeamento ad hoc> originado na forte probabilidade deconvergência ou de compatibilidade das decisões emanadas dediferentes centros. Esta é uma forma objectiva de suplantar ainstância política enquanto instituição (o Estado), para realizaras suas funções de uma maneira objectivamente eficaz, emboranão declarada. Essa actividade será tanto mais eficaz quanto maiso poder de decisão se exercer sobre conjuntos de unidades produ-tivas que se aproximem de (ou incluam) conjuntos orgânicos,primeiro porque a coerência dessa decisão será auto-sustentada(as condições de compatibilidade são, em grande parte, internasao conjunto) e, segundo, porque o poder de influência dessa decisãoserá maior (na medida em que controla uma sequência produtivaintegrada).

De tudo isto podemos inferir que uma decisão económica nãose limita a efeitos ao nível do tecnológico mas que, por necessidadeteórica e prática, atinge o nível mais complexo da instância polí-

tica, respeitando, contudo, a base essencial constituída pelo estadode desenvolvimento das forças produtivas.

Na teoria das formações socialistas, a influência das relaçõesde propriedade na determinação da estratégia produtiva tenderáa reduzir-se a zero, pelo que a decisão económica se circunscreveráa opções situadas na instância económica. Por outro lado, é im-portante recordar que a coerência teorizada nesta instância exigirá(no interior da teoria) uma coerência global em toda a estruturasocial. Isto é o mesmo que dizer que, nestas formações, as unidadeseconómicas, determinadas em função do estado do desenvolvimentodas forças produtivas, são no interior da teoria necessariamentecoincidentes com os conjuntos orgânicos essenciais e, ainda, queapenas poderão existir conjuntos orgânicos. Desta maneira, acadeia funcional essencial, que representa a base da estratégiadas unidades económicas, tende para a cadeia técnica que, paraalém de ser determinante, passa também a ser dominante (nãoesqueçamos que no estado de desenvolvimento das forças produ-tivas está incluído o estado de desenvolvimento das relações sociaisenquanto relações de trabalho; deste modo, a satisfação integraldas condições da divisão do trabalho e do processo de trabalhoassegurarão a convergência do determinante e do dominante, poisessa satisfação integral assegura a racionalidade máxima de umaestrutura da sociedade).

Por análise diferencial, é imediato referir que nas outrasformações sociais, isto é, naquelas onde não é aplicável a teoriadas formações socialistas, existirá uma distância objectiva entreo conceito de unidade económica e o conceito de unidade jurídica(nula na formação socialista) ou entre o conceito de conjuntoorgânico (equivalente a unidade económica) e um qualquer con-junto de unidades produtivas interrelacionadas por uma estratégiacomum. Esta distância, que o desenvolvimento histórico das forçasprodutivas tenderá a fazer diminuir, constitui a diferença entreunidade económica e grupo económico, conceito que explicita arealidade de unidades produtivas interrelacionadas por uma estra-tégia comum. Embora esta não seja, ainda, a definição rigorosaprocurada, é possível já considerar que o conceito de grupo econó-mico se obtém por análise diferencial a partir do conceito deunidade económica, na medida em que é para este que aqueletende (enquanto resolução optimal da questão da eficiência econó-mica) ; deste modo, isolam-se elementos muito importantes darealidade dos grupos económicos como a racionalidade tecnológica,a adequação (tendencial) do sujeito jurídico ao sujeito económico,a necessidade e o efeito da estratégia enquanto aglutinação dosvários níveis da decisão (nível tecnológico, nível patrimonial, nívelpolítico) com vista à minimização das distorções do grupo econó-mico em relação à unidade económica. Por outro lado, é agoramais visível a reduzida relevância, para o estudo dos grupos

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económicos, da análise autónoma do sujeito jurídico, isto é, dasrelações de propriedade que ligam varias unidades produtivas. Defacto, o nível patrimonial é apenas um entre vários, e nunca é odeterminante (embora possa ser dominante nalguns casos espe-cíficos; contudo, a probabilidade de isso acontecer, a longo prazo,e para um número significativo de grupos, é reduzida, porque,por motivos já expostos, o factor pessoal é dificilmente compatívelcom a complexidade das estruturas produtivas contemporâneas);além disso, a importância crescente da homogeneização técnicado processo de decisão — papel da «tecnoestrutura» — torna poucoviável a existência consistente de verdadeiros «capitães de indús-tria» em número significativo para exigir uma autonomia de aná-lise a este nível .

O conceito de grupo económico que temos procurado esclareceraparece, agora e com clareza, como um conceito prático. Ê umconceito que não explica a problemática dos grupos económicosmas que apenas define, com algum rigor, o campo onde a análisedeve ser feita. Para compreender esta noção de conceito práticobasta pensar que várias acções são possíveis para um dado grupoeconómico existente num certo espaço ou, ainda, que a probabili-dade de efectivação da sua estratégia nunca atinge o valor 1.Como afirma ALTHUSSER, O perigo dos conceitos práticos residena possibilidade de nos aparecerem como soluções para problemasque apenas designam, questões a que dão um nome específico,mas que não resolvem integralmente, na medida em que a suarelevância primordial é prática e não teórica.

Um exemplo flagrante de conceito prático é, certamente,aquele que designámos de «espontaneista» na primeira parte desteartigo: ao definir a problemática dos grupos económicos em termosde estruturas de propriedade, procura resolver uma questão queé incorrecta, mesmo ao nível da sua designação. No esforço dederivação de um conceito mais adequado (que designe mais cor-rectamente o respectivo espaço de análise) tornou-se-nos necessárioum conceito teórico que sirva de contraponto ao conceito práticoque procuramos definir: a noção de unidade económica é, simulta-neamente, definidora do espaço de análise e explicativa do pro-blema a resolver. Com isto consegue-se, por comparação, localizaro espaço próprio do conceito de grupo económico; mas isso não ésuficiente para definir o seu conceito teórico rigoroso.