análise de charges sobre movimentos sociais

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Disciplina: Análise do Discurso Docente: Roberto Leiser Baronas Discentes: Dinaura Batista da Silva Jean Carlos Dourado de Alcântara e Dinaura Greve dos Professores – interdiscursividade no gênero charge Este trabalho tem o propósito de analisar quatro textos não verbais do gênero charge, produzidos em épocas distintas e identificar, á luz da teoria da Análise do Discurso, aspectos interdiscursivos entre eles. Através de pistas, indícios e sinais buscaremos realizar uma leitura crítica, embasada nos acontecimentos históricos que antecederam e sucederam tais textos, oferecendo ao leitor uma compreensão significativa das representações que os chargistas fizeram dos fatos sociais em suas respectivas épocas. Inicialmente faz-se necessária uma breve consideração a respeito do gênero Charge. Trata-se de quadros iconográficos, geralmente carregados de aspectos humorísticos, representativos de uma época, suas práticas sociais e culturais, portanto contextuais, como forma de registros históricos. Por conta dessas características do gênero em questão, a leitura de tais textos exige do leitor habilidades que vão além dos aspectos linguísticos. Estamos falando de aspectos sociais e ideológicos que não estão presentes na superfície do texto e sim nos discursos que se manifestam nele. Sendo assim, no processo de produção de sentido para este tipo de enunciado, o leitor precisará mobilizar seu repertório cultural e assumir uma posição de

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Page 1: análise de charges sobre movimentos sociais

Disciplina: Análise do Discurso

Docente: Roberto Leiser Baronas

Discentes: Dinaura Batista da Silva

Jean Carlos Dourado de Alcântara e Dinaura

Greve dos Professores – interdiscursividade no gênero charge

Este trabalho tem o propósito de analisar quatro textos não verbais do gênero charge,

produzidos em épocas distintas e identificar, á luz da teoria da Análise do Discurso,

aspectos interdiscursivos entre eles. Através de pistas, indícios e sinais buscaremos

realizar uma leitura crítica, embasada nos acontecimentos históricos que

antecederam e sucederam tais textos, oferecendo ao leitor uma compreensão

significativa das representações que os chargistas fizeram dos fatos sociais em suas

respectivas épocas. Inicialmente faz-se necessária uma breve consideração a

respeito do gênero Charge. Trata-se de quadros iconográficos, geralmente

carregados de aspectos humorísticos, representativos de uma época, suas práticas

sociais e culturais, portanto contextuais, como forma de registros históricos. Por conta

dessas características do gênero em questão, a leitura de tais textos exige do leitor

habilidades que vão além dos aspectos linguísticos. Estamos falando de aspectos

sociais e ideológicos que não estão presentes na superfície do texto e sim nos

discursos que se manifestam nele. Sendo assim, no processo de produção de sentido

para este tipo de enunciado, o leitor precisará mobilizar seu repertório cultural e

assumir uma posição de leitor crítico para fazer inferências necessárias para

compreensão do texto. Outro ponto que é preciso frisar na leitura desse gênero

discursivo tem a ver com a autoria. Quando lemos uma charge, não se trata de um

discurso de um individuo, mas de uma identidade discursiva, de um grupo, que se

constitui e se pertence através dos discursos, das ideologias. E para finalizar essa

etapa inicial do trabalho, queremos salientar o aspecto dialógico constitutivo dos

discursos. Bakhtin afirma que o único discurso desprovido de “polifonia” seria o do

Adão mítico. Ou seja, todo enunciado ecoa duas ou mais vozes ideológicas, não

necessariamente concordantes, as vozes que o precedem, o já-dito, e as vozes que

podem segui-lo ulteriormente: o não-dito. Tais vozes são o ponto de contato entre os

discursos que formam a teia infinita da comunicação.

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Charge 011

Para obter uma compreensão mais adequada a respeito da charge 01 é preciso que

se faça uma retomada dos acontecimentos que antecederam a data de sua

publicação, bem como o meio pelo qual ela circulou. Esse texto e o próximo foram

postados na rede social facebook, no grupo “Somos técnicos administrativos e

exigimos respeito”, 25 dias após a deflagração da greve dos professores e técnicos

administrativos das Universidades Federais e Institutos Federais. O Grupo tem como

objetivo compartilhar as ações e informações sobre o movimento paredista. Na

charge, o filho conta ao pai que sua universidade se encontra em greve, este, numa

posição de certeza e, com o dedo em riste, como que acusando aquele de mentiroso,

por já ter uma opinião formada sobre o assunto, cuja fonte de informação que lhe dá

tanta convicção do que está falando é a televisão. Sem entrar no mérito do discurso

do autoritarismo do pai, queremos focar na crítica à mídia. Nesse texto está presente

o discurso da crítica que revela a vulnerabilidade da população à manipulação da

mídia por utilizar como única fonte de informação a televisão, sobretudo os canais da

chamada grande imprensa. Essa mesma grande imprensa que a partir dos anos 80 e

90, seguindo uma tendência mundial do capitalismo, o monopólio, se funde em

grupos corporativos empresariais, cuja prioridade passa a ser delineada pelo aspecto

econômico e não mais social. Dessa forma, com vistas a defender o capital, se utiliza

de estratégias, cada vez mais nociva, para manipular a opinião pública. E um desses

1 Disponível em http://www.facebook.com/groups/129060993864890, acesso em 08/07/2012

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artifícios é a omissão de informação. Desta forma, o movimento paredista dos

professores e técnicos das universidades federais, que pela sua natureza

anticonformista e contestadora denuncia o descaso da política neoliberalista com

educação, vem sendo negligenciado pela chamada grande imprensa. Senão vejamos,

a greve dos professores foi deflagrada no dia 17 de maio e os telejornais da grande

imprensa só começou a veicular em meados de junho, após as primeiras passeatas

por Brasília e pelo Brasil inteiro. Mais de 10 mil pessoas participaram da Marcha para

a Educação em Brasília, enquanto, no mesmo momento, varias manifestações

ocorriam nos Estados da Federação. As redes sociais divulgaram o evento até a

exaustão. Ficou insustentável manter o silêncio da grande imprensa, ignorando a

greve e as manifestações que se multiplicavam exponencialmente. A partir daí,

começaram a divulgar o movimento, mas de forma breve e tendenciosa, focando

apenas os prejuízos para a sociedade. Não que isso não devesse ser noticiado, mas

numa escala de importância, deveria vir depois dos motivos que levaram à greve.

Enquanto isso, a grande imprensa dava espaço para notícias sobre as celebridades

do show business.

Charge 022

Este texto dialoga com o anterior na medida em que está presente a voz da critica

que denuncia a grande mídia por manipular a opinião pública. E uma das maneiras de

fazer isso é desviando o foco de suas lentes para que a população fique alheia aos

2 Disponível em http://www.facebook.com/groups/129060993864890, acesso em 08/07/2012

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movimentos sociais que representa uma ameaça real ao sistema capitalista. A charge

faz essa crítica ao mostrar a mídia focando o resgate de um gato que subiu em uma

árvore, como se fosse notícia, enquanto no mesmo espaço acontece uma grande

manifestação dos professores em greve. Para exemplificar, lembremos o que

aconteceu em São Paulo, na greve de 2010, na qual os professores interinos daquele

estado reclamavam contra a avaliação pela qual tiveram que passar para poderem

assumir a sala de aula. Em forma de protesto, muitos professores apenas assinaram

a lista de presença e entregaram a prova em branco, tal qual fizeram os alunos

quando do provão em 1997, em que Paulo Renato de Souza era ministro da

educação do governo FHC. Resultado disso: as notas apontaram um nível

educacional baixíssimo dos professores daquele estado. Acontece que a mídia não

revelou esse “detalhe” nas reportagens, preferindo mostrar tão somente as notas

baixas, desmerecendo o nível de preparação dos professores, colocando a sociedade

contra os professores na época. Por que a mídia não questionou, de forma honesta,

esse fato? Provavelmente porque ouviria respostas que talvez não tivesse interesse

em publicar. Tal posicionamento da grande imprensa paulista provocou muitas

discussões sobre a necessidade dos professores passarem por formações

complementares, na verdade boa parte da opinião pública se colocou favorável ao

governo de São Paulo. Outro caso bastante conhecido de manipulação foi o que se

encontra na próxima charge.

Charge 033

3 Disponível em http://jornalismob.com/o-jornalismo-b-noticias, acesso em 10/07/2012

Page 5: análise de charges sobre movimentos sociais

Esse texto foi publicado no jornal online “Jornalismo b noticias”, no dia 25 de janeiro

de 2012, três dias depois da desocupação dos moradores de Pinheirinho em São

José dos Campos. A charge tinha como título “Recorte midiático no Pinheirinho”. A

compreensão do terceiro texto, apesar de ser mais simples, dada a proximidade com

os fatos, também precisa de inferências por parte do leitor para recuperar os já-ditos,

ou seja, o contexto sócio-histórico do qual ecoam as vozes discursivas presentes na

Charge. O texto se utiliza do discurso da indústria do entretenimento, quando coloca a

figura de um apresentador de talk show ao fundo, passando a clara ideia de

manipulação, edição, corte e sobreposição de imagens, recursos utilizados em

programas cujo interesse é entreter, iludir, produzir certos efeitos dissimuladores. De

modo que o resultado final, aquele mostrado na tela, passe uma ideia de que os

moradores é que são violentos e não a tropa de choque com seus tanques de guerra,

balas de borracha e bombas de efeito moral. Esse discurso se contrapõe ao discurso

da crítica social, que delata a falta de compromisso da grande imprensa com os

direitos humanos; que não divulgou o que de fato aconteceu: A prefeitura de São José

dos Campos assediavam os moradores com passagens para o norte-nordeste do

país, numa clara tentativa de limpeza social; crianças separadas dos pais e enviadas

ao conselho tutelar, numa ação de terrorismo psicológico; A ação de despejo foi

truculenta, os PM atiraram nos moradores com balas de borrachas e bombas,

enquanto estes viam suas casas sendo demolidas por tratores, contra os quais nada

podiam fazer. A grande imprensa não apurou nenhuma dessas denúncias, ao

contrário, reproduziam o discurso oficial, dando voz às autoridades que apareciam na

mídia dizendo que se tratou de uma “desocupação pacífica e bem-sucessedida, uma

atuação brilhante da tropa de choque”. Concorrendo com a voz da crítica, ecoa

também a voz do proprietário de terra, preocupado em consolidar o discurso do direito

à propriedade privada. Está presente nessa charge também o discurso do judiciário,

onde a máxima é “decisão da justiça se cumpre, não se discute”. Outro fato curioso

que também marca essa interdiscursividade é que o empresário da mídia,

representando o capital, se posiciona atrás da tropa de choque na ação de despejo,

de uma forma que lembra um titeriteiro, aquela pessoa que manipula marionetes,

passando a ideia de que o poder econômico é quem está no controle na verdade,

inclusive acima do poder político. Fato que será reforçado na charge a seguir.

Page 6: análise de charges sobre movimentos sociais

Charge 044

Esta charge foi publicada em janeiro de 2011, no site

http://www.ibamendes.com/2011/01/rede-globo-e-sua-omissao-na-diretas-ja.html, no

qual se encontra um artigo sobre a cobertura da Rede Globo na campanha das

Diretas Já. Provavelmente tirado de alguma publicação pró-diretas-já dos anos 80s. A

interdiscursividade está marcada nesse texto com a presença de três elementos

discursivos importantes: em terceiro plano as manifestações pró-diretas-já, ecoando a

voz do discurso da democracia, em segundo plano o “X” do proibido, da censura,

representando o discurso oficial da época, evocado pelos militares, e em primeiro

plano a logomarca da Rede globo, chancelando, o discurso oficial, mas

representando, na verdade, o discurso do poder econômico. Essa sequência de

imagem quer mostrar exatamente a ordem da hierarquia das identidades discursivas

ali representadas. O fato é que, assim, como nos outros textos, esta charge apresenta

também o discurso da crítica à grande imprensa, que mais uma vez omitiu da

sociedade o que realmente estava se passando desde novembro de 1983, quando o

Partido dos Trabalhadores reuniu mais de 10 mil pessoas na praça do Pacaembu, em

São Paulo, para pedir a volta da democracia. A partir daí, esses movimentos se

multiplicaram por todo o país, cada vez mais forte. Apesar disso, reinava o silêncio na

4 Disponível em http://www.ibamendes.com/2011/01/rede-globo-e-sua-omissao-na-diretas-ja.html, acesso em 10/07/2012

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TV Globo, ignorando um dos maiores movimentos sociais da história recente desse

país. Na emissora só havia espaço para as vozes do discurso oficial e econômico,

deixando de ecoar as vozes dos movimentos sociais que encampavam o discurso da

democracia. O ápice do boicote se deu em 25 de janeiro de 1984, quando cerca de

300 mil pessoas, reunidas em um enorme comício pelas diretas-já, o apresentador do

Jornal Nacional, na época Marcos Hummel, leu o seguinte texto: “Festa em São

Paulo, a cidade comemora seus 430 anos em mais de 500 solenidades. A maior foi

um comício na praça da Sé”, enquanto toda a imprensa noticiava o ato político, a

globo reduziu a relevância da informação focando a festa de aniversário e os shows

dos artistas. Só em março de 1984, na edição do dia 10, a Globo resolveu mostrar o

que realmente estava acontecendo no país, sob pena de perder o maior patrimônio

que uma empresa jornalística pode ter: a credibilidade. Assim a repórter escreveu a

matéria: "terça-feira, 10 de abril de 1984, em que não houve fila na porta dos cinemas

cariocas que exibiam o documentário Jango, de Sílvio Tendler, em vez de assistir, na

tela, às manifestações pró e contra que haviam marcado o governo de João Goulart,

o carioca preferiu fazer história: um milhão de pessoas tomou a Avenida Presidente

Vargas para pedir Diretas-Já". A partir daí, a Globo ganhou status de “protagonista”

no processo de redemocratização. Mas isso só aconteceu, segundo a fonte

supracitada, depois que a direção da TV percebeu que o regime militar estava ruindo

e existia a possibilidade de um nome conciliador e conservador para assumir o país

no novo regime democrático, no caso Tancredo Neves.

Considerações Finais

As quatro charges selecionadas mostram de uma forma clara que o discurso da

crítica social com relação à manipulação da mídia mantém vários pontos de contato

com outros discursos, como o do poder econômico e o da política oficial, entre outros.

Tais pontos de contato demonstram uma interdiscursividade presente entre os textos

analisados, embora não haja nenhuma referência textual de uma charge à outra. No

entanto dialogam entre si, na medida em que apresentam como fio condutor de suas

criticas sociais o discurso relacionado à manipulação da opinião pública pela grande

imprensa, que busca sempre dar voz ao poderio econômico e político. Vale ressaltar

que os textos que compõem o corpus analisado foram produzidos em momentos

históricos distintos, para se referir a fatos sociais distintos, isso para enfatizar a

relação dialógica presente nos discursos.

Page 8: análise de charges sobre movimentos sociais

Referências Bibliográficas

Perez, M. C & Possenti, S. (Orgs). Dominique Maingueneau Doze Conceitos em

Análise do Discurso. São Paulo – SP: Parábola, 2010

Maldidier, D. A inquietação do Discurso (Re)ler Michel Pêcheux Hoje. Campinas-SP:

Pontes, 2003.

FLORENTINA DAS NEVES SOUZA: “O JORNAL NACIONAL E AS ELEIÇÕES

PRESIDENCIAIS 2002 e 2006”. (Tese apresentada ao curso de Ciências da

Comunicação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo para

obtenção do título de Doutor. Área de Concentração – Estudo dos Meios e da

Produção Midiática. Orientador: Prof. Dr. Laurindo Leal Filho). Universidade de São

Paulo – USP. São Paulo, 2007. In http://www.ibamendes.com/2011/01/rede-globo-e-

sua-omissao-na-diretas-ja.html.