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nos dias atuais, a sífilis congênita continua sendo um importante desafio no campo da saúde pública, apesar da facilidade para o seu diagnósticoe tratamento.

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  • INTRODUOA sfilis uma doena relatada desde o sculo XV e que ainda

    hoje representa um srio desafio para a Sade Pblica. Na dcadade 1940 com a comercializao da penicilina, qual oTreponema pallidum suscetvel, acreditou-se na possibilidadede sua erradicao, o que no se concretizou. A partir dos anos1980 ela volta a ter destaque associada a novos fatores: uso dedrogas lcitas e ilcitas, prostituio, gravidez na adolescncia,migrao para os grandes centros urbanos e acesso limitado aoscuidados de sade1. Mais de 12 milhes de novos casos ao anoso registrados, especialmente nos pases em desenvolvimento2.A transmisso da sfilis congnita ocorre em praticamente todosos casos de mes com sfilis primria ou secundria no tratadas(70% a 100% e 90%, respectivamente)1. Ela pode acontecer emqualquer fase da gravidez ou estgio da doena materna.

    Segundo a Organizao Mundial da Sade, estima-se que asfilis determine 460.000 abortos ou natimortos e 270.000 recm-nascidos com a infeco congnita por ano3. Lima, em 2004,estudando a mortalidade por sfilis congnita em diferentesregies brasileiras demonstrou que em 30,8% dos casos nascidosvivos, o bito ocorreu ainda no primeiro dia aps o nascimento,com sobrevivncia alm do primeiro ms de apenas 18,8%4.Somente a identificao das gestantes afetadas precocemente e oseu tratamento podem modificar este cenrio.

    Compreendendo a gravidade do problema, o Ministrio daSade lanou em 1993 o projeto de eliminao da sfilis congni-ta, de acordo com a proposta formulada pela OrganizaoMundial de Sade e pela Organizao Pan-Americana de Sade5.Foi definida como meta uma incidncia menor ou igual a um casoem 1.000 nascidos vivos, que at hoje no foi atingida. Uma dasestratgias utilizadas para concretizar esta meta foi a criao dosGISC (Grupos de Investigao da Sfilis Congnita), um dos quaisfoi instalado em 2001 no Hospital da Sociedade Portuguesa deBeneficncia de Campos e que permitiu vislumbrar a magnitudedo problema em nosso municpio.

    DST J bras Doenas Sex Transm 2007; 19(3-4): 157-161 ISSN: 0103-4065

    ANLISE DE CASOS DE SFILIS CONGNITA NA MATERNIDADEDO HOSPITAL DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICNCIA

    DE CAMPOS, RJEVALUATION OF CONGENITAL SYPHILIS CASES AT THE MATERNITY OF THE HOSPITAL DA SOCIEDADE

    PORTUGUESA DE BENEFICNCIA DE CAMPOS, RJ

    Regina Clia SC Fernandes1, Paulo GCC Fernandes2, Talita Y Nakata2

    RESUMOIntroduo: nos dias atuais, a sfilis congnita continua sendo um importante desafio no campo da sade pblica, apesar da facilidade para o seu diag-nstico e tratamento. Objetivo: avaliar a abordagem diagnstica e o tratamento da sfilis materna e do recm-nascido na Maternidade do Hospital daSociedade Portuguesa de Beneficncia de Campos, RJ. Mtodos: reviso de pronturios e entrevistas com gestantes que atresentavam VDRL positivono parto ou na curetagem e anlise dos pronturios de seus recm-nascidos, no perodo de agosto de 2006 a abril de 2007. Resultados: houve uma pre-valncia de 1,18% (25/2.117) de gestantes com VDRL positivo. S 8% (2/25) das gestantes com VDRL positivo tiveram o diagnstico no primeirotrimestre. Em apenas 28% (7/25) dos casos o tratamento materno foi correto, em 40% dos casos (10/25) sequer foi realizado. Apenas 12% (3/25) dosparceiros foram tratados. Em 80% (16/25) dos casos os recm-nascidos foram assintomticos, mas se comprovaram alteraes sseas em 10% (2/25) epositividade do VDRL liqurico em 35% (7/25). Todos foram investigados e tratados corretamente. Concluso: houve reduo expressiva da positivi-dade do VDRL entre as gestantes para o perodo de estudo quando comparada com os dados de 2001 e 2003. Ainda persiste o desafio da captao pre-coce das gestantes e do seu tratamento apropriado, bem como de seus parceiros, que so fundamentais para o controle deste agravo.Palavras-chave: sfilis congnita, gestantes, recm-nascido, DST

    ABSTRACTIntroduction: congenital syphilis remains an important challenge to public health despite the availability of diagnosis and treatment. Objective:studying the diagnostic evaluation and the treatment of maternal syphilis as well as their newborns at the Maternity of the Hospital da SociedadePortuguesa de Beneficncia de Campos, RJ. Methods: revision of clinical records and interviews with pregnant women presenting positive VDRL atdelivery or submitted to curettage; revision of clinical records of their newborns, from August 2006 to April 2007. Results: the prevalence of positiveVDRL among pregnant women was 1.18% (26/2117). Only 8% (2/25) of positive VDRL pregnant women were identified at first trimester. In 28%(7/25) pregnants were correctly treated and treatment was not performed in 40% of the cases (10/25). Only 12% (3/25) of their partners were treated.Newborns were free of symptoms in 80% (16/25) of cases. Bone involvement was present in 10% (2/25) of newborns and positive VDRL in cere-brospinal fluid reached 35% (7/25). All babies were correctly investigated and treated. Conclusion: there was an expressive reduction in prevalenceof positive VDRL among pregnant women for the period of study as compared with data from 2001 and 2003. The challenge of precocious identifi-cation and correct treatment of pregnant women still remains, as well as their partners, fundamental aspects for disease control.Keywords: congenital syphilis, pregnant women, newborn, STD

    ARTIGO ARTICLE

    1Mdica Pediatra, Doutora em Doenas Infecciosas e Parasitrias, Professora daDisciplina de Pediatria da Faculdade de Medicina de Campos.2Alunos do sexto ano da Faculdade de Medicina de Campos. Bolsistas de IniciaoCientfica da Faculdade de Medicina de Campos.

  • Nos anos de 2003 e 2004 na mesma instituio foi avaliado operfil epidemiolgico das gestantes com VDRL positivo no partoou na curetagem6.

    E agora, em 2006/2007, pretendemos estudar como feita aavaliao e o tratamento da sfilis materna e do recm-nascidoque so fundamentais para o xito na preveno e tambm nodesfecho dos casos complicados por infeco fetal.

    OBJETIVODeterminar a prevalncia de VDRL positivo em gestantes

    admitidas para parto ou curetagem no Hospital da SociedadePortuguesa de Beneficncia de Campos, RJ; estudar a poca dodiagnstico da sfilis materna, seu tratamento e o de seu parceiro;avaliar os aspectos clnicos e laboratoriais dos recm-nascidosafetados, bem como a terapia a que foram submetidos.

    MTODOSEstudo transversal realizado no perodo de 1o de agosto de

    2006 a 30 de abril de 2007, na Maternidade do Hospital daSociedade Portuguesa de Beneficncia de Campos, RJ. Foramobtidos os dados analisados a partir dos pronturios e de entrevis-tas com gestantes admitidas para parto ou curetagem e pela con-sulta dos pronturios dos recm-nascidos. Todas as gestantesforam cientificadas sobre os objetivos da pesquisa e assinaramtermo de consentimento autorizando a utilizao e a divulgaodas informaes conseguidas.

    Foi adotada a definio de caso de sfilis congnita propostapelo Ministrio da Sade em 20047. Toda criana, ou aborto, ounatimorto de me com evidncia clnica para sfilis e/ou comsorologia no-treponmica reagente para sfilis com qualquertitulao, na ausncia de teste confirmatrio treponmico, reali-zada no pr-natal ou no momento do parto ou da curetagem, queno tenha sido tratada ou tenha recebido tratamento inadequado.

    Considerou-se como tratamento correto para a sfilis aquelepreconizado pelo Ministrio da Sade8: 2.400.000 UI de penicili-na benzatina na sfilis primria; na sfilis secundria e latente,4.800.000 UI; e para a terciria ou de estgio ignorado, 7.200.000UI. A investigao completa dos recm-nascidos compreendeuVDRL srico, hemograma completo, Rx de ossos longos eVDRL liqurico. O tratamento do recm-nascido com alteraesclnicas e/ou sorolgicas e/ou radiolgicas incluiu a penicilinacristalina 50.000 UI/kg/dose EV de 12 em 12 horas nos sete pri-meiros dias e na segunda semana de 8 em 8 horas por dez dias oua penicilina procana 50.000 UI/kg em dose nica diria por dezdias; em casos com alteraes liquricas sempre foi utilizada apenicilina cristalina nas doses anteriormente referidas e por dezdias; e em crianas sem alteraes radiolgicas, liquricas e comsorologia negativa, 50.000 UI/kg/dose nica de penicilina benza-tina pela via intramuscular.

    As variveis estudadas foram: poca do diagnstico materno;tratamento materno no pr-natal e no parto; tratamento do parcei-ro; manifestaes clnicas do recm-nascido; investigao labora-torial dos recm-nascidos por VDRL srico, Rx de ossos longos eVDRL liqurico e seus tratamentos.

    Consideraes ticasEsta pesquisa foi aprovada pelo Comit Regional de tica em

    Pesquisa em Humanos da Faculdade de Medicina de Campos(folha de rosto no 140.649).

    RESULTADOSA Tabela 1 demonstra a queda da prevalncia de VDRL posi-

    tivo entre gestantes admitidas para parto ou curetagem noHospital da Sociedade Portuguesa de Beneficncia de Campos,RJ, no perodo de 2001 a 2007.

    O diagnstico tardio da sfilis materna bem caracterizado naTabela 2, onde no perodo de 2006 a 2007 apenas 8% das ges-tantes dos casos de sfilis congnita tiveram o diagnstico no pri-meiro trimestre.

    Outro aspecto relevante para o controle da sfilis congnita otratamento correto da sfilis materna e o tratamento do parceiro(Tabela 3). Das gestantes analisadas e tratadas, s 47% o foramde forma correta e apenas 12% dos parceiros foram tratados.

    A Tabela 4 ilustra o perfil atual da sfilis congnita, 80% dosmenores caracterizados como casos de sfilis congnita foramassintomticos.

    A Tabela 5 mostra que 70% dos menores tiveram VDRL = 4;10%, alteraes sseas e 35% ,VDRL positivo no lquor. Foramconfirmados 36% dos casos (Tabela 6).

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    Tabela 1. Prevalncia de VDRL positivo entre gestantes admitidaspara parto ou curetagem na Maternidade do Hospital da SociedadePortuguesa de Beneficncia de Campos, RJ

    Gestantes Gestantes com VDRL

    Ano analisadas (n) positivo (n) Prevalncia (%)

    2001a 1.742 59 3,50 2003 1.705 26 1,52 2006/2007b 2.117 25c 1,18 a Perodo de janeiro a setembro de 2001.b Perodo de agosto de 2006 a abril de 2007.c Houve quatro casos de aborto e um natimorto.

    Tabela 2. Casos de sfilis congnita, segundo a poca do diagnsticoda sfilis materna, Maternidade do Hospital da Sociedade Portuguesade Beneficncia de Campos, RJ (agosto de 2006 a abril de 2007)

    Varivel n %

    Gestantes com VDRL positivo 25 100 Diagnstico da sfilis materna no primeiro trimestre 2 8 Diagnstico da sfilis materna no segundo trimestre 9 36 Diagnstico da sfilis materna no terceiro trimestre 8 32 Diagnstico no parto ou na curetagem 5a 20

    a Em um caso, a me teve VDRL negativo na gestao e no parto e o diagnstico desfilis congnita foi feito durante a investigao, porque o beb desenvolveu quadro desepse nos primeiros dias de vida.

  • DISCUSSOA sfilis congnita ainda causa de morbimortalidade perina-

    tal, apesar de ser prevenvel pelo diagnstico e pelo tratamentomaternos. Desde 1986 ela considerada doena de notificaocompulsria9, mas a subnotificao ainda elevada e, a partir de2005, a notificao obrigatria foi estendida ao perodo gestacio-nal numa tentativa de aumentar a visibilidade e o combate aoagravo10.

    O presente estudo revelou uma queda de prevalncia deVDRL positivo entre gestantes admitidas para parto ou cureta-gem, de 3,5% em 2001 para 1,18% no perodo de 2006 a 2007, oque deve ser creditado ao maior diagnstico da sfilis, antenatal edurante o pr-natal. Este valor inferior mdia para a regioSudeste identificada pelo Estudo Sentinela-Parturiente de 2004,que foi de 1,6%11. Saraceni et al., na cidade do Rio de Janeiro,tambm registraram queda de VDRL positivo durante a gestaode 4,7% em 1999 para 2,8% em 2004, fato creditado s campa-nhas para o aumento da testagem e intensificao da vigilnciaepidemiolgica12. No Esprito Santo, anlise de incidncia desfilis congnita no perodo de 2000 a 2005 revelou tambm umaqueda, porm bem mais discreta, de 5,32% em 2000 para 5,08%em 200613.

    Apesar da queda dos valores de VDRL positivo nas parturien-tes analisadas, ainda estamos distantes da meta para a eliminaoda sfilis congnita e isto particularmente srio no contexto degravidez na adolescncia, uso de drogas, no utilizao do pre-servativo, pandemia do HIV, comparecimento tardio ao pr-natale desinformao.

    O diagnstico tardio da doena materna, impedindo o seu tra-tamento e acompanhamento da resposta ao mesmo, bem como ainvestigao e o tratamento do parceiro foi a regra. Em apenas8% dos casos de sfilis congnita estudados, o diagnstico foiestabelecido no primeiro trimestre. Na cidade do Rio de Janeiro,no ano de 2003, 17%, e em 2004, apenas 19,6% das gestantestiveram diagnstico de sfilis no primeiro trimestre12. Como ocomparecimento ao pr-natal elevado, foi de 84,8% nos casosanalisados em 2003 e 2004 na mesma instituio6, acreditamosque, alm do desconhecimento da importncia do diagnsticoprecoce, possa haver dificuldade adicional em realizar pronta-mente o VDRL e no agendamento de nova consulta para que oobstetra possa definir o tratamento a ser institudo.

    Foi verificado que no grupo analisado 60% (15/25) das ges-tantes com sfilis foram tratadas e, em apenas 47% (7/15) destescasos, de forma correta. O tratamento no foi institudo nas notratadas (10/25) pela negatividade do exame inicial em 50%(5/10) dos casos, sendo que nenhuma destas gestantes foi subme-tida a um novo exame no ltimo trimestre, conforme recomen-dado pelo Ministrio da Sade. Isto ocorreu provavelmente pelachegada tardia ao pr-natal acrescida da possibilidade de demorano acesso aos exames realizados e a conseqente dificuldade emsua submisso anlise e interveno do mdico responsvelpelo acompanhamento pr-natal. Ainda entre as gestantes notratadas, 30% (3/10) no se submeteram ao exame de VDRL. Emum caso, 10% (1/10), a gestante no usou a medicao prescrita eem outro, 10% (1/10) o tratamento no chegou a ser prescritoporque o acesso ao resultado s se deu muito prximo ao parto,

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    Tabela 3. Casos de sfilis congnita, segundo o tratamento da sfilismaterna e dos parceiros, Maternidade do Hospital da SociedadePortuguesa de Beneficncia de Campos, RJ (agosto de 2006 a abrilde 2007)

    Varivel n %

    Tratamento no pr-natal Correto 7 28 Incorreto 8 32 No realizado 10 40 Tratamento no parto Correto 16 64 Incorreto 1 4 No realizado 8 32 Tratamento dos parceirosRealizado 3 12 No realizado* 22 88

    * Quatro parceiros no foram tratados porque o VDRL foi negativo.

    Tabela 4. Casos de sfilis congnita, segundo as manifestaes clni-cas e laboratoriais dos recm-nascidos, Maternidade do Hospital daSociedade Portuguesa de Beneficncia de Campos, RJ (agosto de2006 a abril de 2007)

    Manifestaes clnicas n %

    Assintomtico 16 80 Anemia 3 15 Alteraes sseas 2 8 Alterao liqurica 7 28

    Tabela 5. Casos de sfilis congnita, segundo os resultados da inves-tigao por VDRL de sangue perifrico, Rx de ossos longos eVDRL liqurico

    Varivel n %

    VDRL do sangue perifrico 1:4 14 70< 1:4 4 20Negativo 2 10 Rx de ossos longosSem alteraes 18 90 Com alteraes 2 10 VDRL do lquorNegativo 13 65 Positivo 7 35

    Tabela 6. Casos de sfilis congnita, segundo a classificao final,Maternidade do Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficnciade Campos, RJ (agosto de 2006 a abril de 2007)

    Varivel n %

    Confirmado 9 36Presumvel 14 56 Descartado 2 8

  • resultando a gestao em um natimorto. Tais resultados ratificama importncia de um pr-natal iniciado o mais breve possvel, dequalidade e resolutivo.

    O tratamento inicial ou retratamento da sfilis materna duranteo parto foi institudo em 68% dos casos (17/25) e em 32% (8/25)ele no chegou a ser iniciado na maternidade, sendo a paciente eseu parceiro referidos para a unidade responsvel por atendimen-to de portadores de doenas sexualmente transmissveis. Isto temcomo grave inconveniente a possibilidade de no haver adeso conduta e do advento de nova gestao com risco mais uma vezde infeco e morte fetal.

    O tratamento do parceiro indispensvel para que a gestantepossa ser considerada eficientemente tratada, e s ocorreu em12% (3/25) dos casos. Em 18% (4/22) dos parceiros no tratados,a justificativa para tal fato foi o VDRL ter sido negativo durantea investigao. Isto j tinha sido verificado em estudo anterior nainstituio quando apenas 9,1% dos parceiros foram tratados6 etambm em outros estudos nacionais1,12,14, com valor to baixoquanto 4,4% na microrregio de Sumar, So Paulo14.

    Fica bem claro do exposto: o retardo no diagnstico da sfilismaterna, nica forma de preveno da doena fetal; o tratamentotardio e incorreto da gestante; alm da baixa captao do parceiropara testagem e se necessrio tratamento. Penso que gestores eepidemiologistas a encontram uma importante rea para a atu-ao. H que se entender por que o diagnstico no feito no pri-meiro trimestre e por que em to pequeno nmero de casos asgestantes so reavaliadas no terceiro. A interface com oPrograma de Sade da Famlia e de Sade da Mulher deve serexplorada. H tambm que reciclar periodicamente os profissio-nais de sade para evitar condutas errneas no atendimento pr-natal, devendo eles tambm ser capacitados no aconselhamentopara a preveno das doenas sexualmente transmissveis.Apesar de todos os documentos relativos sfilis disponibiliza-dos pela Coordenao Nacional de DST e Aids, ainda persiste odespreparo dos profissionais de sade.

    Com relao ao quadro clnico apresentado pelos recm-nascidos caracterizados como casos de sfilis congnita, a exem-plo do que vem sendo referido na literatura na era ps-penicili-na15,16, 80% deles foram assintomticos. Donalsio et al., anali-sando casos de sfilis congnita na microrregio de Sumar, SoPaulo, encontraram 77,3% de casos assintomticos14. Entre oscasos notificados e investigados de sfilis congnita, no Brasil, noperodo de 1998 a 2006, 68,2% no apresentaram manifestaesclnicas17. Nos casos sintomticos verificamos que a anemia foi aalterao clnica mais comum. Fica assim demonstrado que ape-nas a testagem sistemtica da gestante poder levar ao diagnsti-co da doena fetal, na maior parte dos casos, nos dias atuais.

    Analisando os 25 casos de sfilis congnita, em 70% deles oVDRL foi = 1:4. Em dois casos (10%) foi comprovada alteraossea e tivemos positividade do VDRL liqurico em sete casos(35%), todos assintomticos.

    A positividade do VDRL liqurico classicamente associada sfilis congnita sintomtica18,19, mas pode estar presente em 8%de lactentes assintomticos19. H tambm que se considerar a pos-sibilidade descrita por diferentes autores de passagem de IgGmaterna da circulao para o espao subaracnideo18,20. No foi

    descrito nenhum acidente de puno. Nos sete casos com positivi-dade do VDRL no lquor, em trs oportunidades o tratamentomaterno no foi realizado; houve trs casos de tratamento incorre-to; e em apenas um caso ele foi realizado e corretamente. Todos,no entanto, foram tratados conforme a recomendao para neuros-sfilis no recm-nascido. Tal constatao chama a ateno para anecessidade de sistematicamente estudar o lquor de lactentesclassificados como casos de sfilis congnita e, quando isto nofor possvel, trat-los como se a neurossfilis estivesse presente.

    Finalmente, foi muito gratificante constatar que todos osrecm-nascidos foram perfeitamente investigados e tratados,segundo as recomendaes do Programa Nacional de DST e Aids8e encaminhados para seguimento em ambulatrio de referncia.

    CONCLUSOO presente estudo muito bem ilustra o espectro clnico e labo-

    ratorial da sfilis congnita, que persiste, apesar do esforo para asua eliminao por meio do diagnstico da sfilis na gestao, dadisponibilizao da terapia e da nfase na vigilncia epidemio-lgica. As diretrizes para o seu controle j so bem identificadase devem ser seguidas por gestores e profissionais de sade. Cadanovo caso deve ser sempre interpretado como uma falha em umdos pilares do processo.

    AgradecimentosO presente estudo recebeu o apoio financeiro da Faculdade de

    Medicina de Campos atravs do Programa de Bolsas de IniciaoCientfica. Nossa gratido ao Professor Dr. Enrique Medina-Acosta pelo auxlio na reviso do texto. Um agradecimento espe-cial s colegas da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal doHospital da Sociedade Portuguesa de Beneficncia de Campossob a coordenao de Dra. Patrcia Lizandro Albernaz, respons-veis pela investigao completa e pelo tratamento dos menorescasos de sfilis congnita.

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    Endereo para correspondncia:REGINA CLIA DE SOUZA CAMPOS FERNANDESRua Rafael Danuncio Damiano, 277Campos dos Goytacazes RJ.CEP: 28013-035E-mail: [email protected]

    Recebido em: 26/10/2007Aprovado em: 27/12/2007

    Anlise de Casos de Sfilis Congnita na Maternidade do Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficincia de Campos, RJ 161

    DST J bras Doenas Sex Transm 2007; 19(3-4): 157-161