analise de alguns conceitos

241
.--.., . ,,"". . v. ANALISE DE ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ETICA DE KANT

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Q.\~ • ~\ J /
BRE tTICA E EVUCAÇÃO.
PROFESSOR ORIENTAVOR:
Te~e ap~e~entada ~omo ~equi~ito pa~
~ial pa~a a obtenção do g~au de Me~ t~e em Edu~ação.
R-i.o de Janei~o Fundação Getúlio Va~ga~
In~tituto de E~tudo~ Avançado~ em Edu~ação
Vepa~tamento de Filo~o6ia da Edu~ação
1979
11
_ L_ _ _ _ __
. l
SUMÃRIO
uma ética do conhecimento científico.
Controvérsias sobre a doutrina kantiana. In
fluências recebidas por Kant: Racionalismo
e Pietismo. Os moralistas ingle~es. A "de-
marche" kantiana no tratamento das questões
éticas "
O valor absoluto conferido ã boa vontade. A
intenção moral. A boa vontade como
racional. O argumento teleologico.
A relação da lei ã vontade humana. O dever
como constrangimento. Dualismo kantiano: se
paração radical entre razão e sensibilidade
Dever de virtude e dever de direito. As
ações passíveis de julgamento moral. A prá-
tica do dever pelo dever.
na da felicidade. Análise
dever. O respeito como sentimento moral.
111
1
21
29
objetividade ética. A determinação da vo~
tade pela representação da lei. A univer-
salidade da lei. A noção de ser racional
em geral. Crítica de Schopenhauer. A abri
gação moral. O carater formal da lei mo­
ral. A impossibilidade de um conhecimento
total dos nossos móbiles morais. O aprio­
r1smo em relação ã lei moral.
CAPíTULO IV - OS IMPERATIVOS HIPOTfTICOS E
O IMPERATIVO CATEGÓRICO
perfeição da vontade humana. Os imperati­
vos hipotéticos. O imperativo categórico.
A possibilidade dos imperativos hipotéti­
cos, como prepOS1çoes analíticas. A possi­
bilidade do imperativo categórico como pr~
posição sintética a priori. O enunciado do
imperativo categórico. Suas três fórmulas.
A noção de natureza como tipo para a natu­
reza inteligível. A humanidade como fim em
Sl. Analise dos exemplos. Controvérsias so
bre a na;:ão de imperativo categórico.
CAPíTULO V - REINO DOS FINS
Noção de fim. A natureza racional como um
fim em si. O homem como sujeito moral. O
reino dos fins como natureza inteligível.
Os seres raC10na1S participam desse mundo.
Função dos membros e função do chefe no
reino moral. O acordo das vontades sob
leis comuns. O reino dos fins como um ideal
possível pela autonomia da vontade.
IV
40
48
71
ralidade. A razao como legisladora
versal. A dignidade do homem, que
ve obediência ã sua própria lei.
ra1s da heteronomia. Crítica aos
-so
As
p10S .. .
de-
mo-
da
mento moral. O conceito ontológico de pe~
feição. O conceito teológico de perfei
çao.
Crítica ao empirismo e ao racionalismo. O
"em si" e os fenômenos. As coisas em S1
como causas dos fenômenos. As coisas em
si como incognoscíveis; a preocupaçao com
a objetividade. Objetividade e subjetivi­
dade: conci I iação. Noção de "nouneno", co
mo conceito problematico e
A dedução transcendental. A metafísica co
mo uma necessidade natural do espírito hu
mano. A ilusão do conhecimento metafísico.
As idéias não são construções arbitrarias
da razao. A exigência do incondicionado
na ordem teórica. As ideías: - . as propr1as
categorias puras elevadas ao absoluto. A
exigência do incondicionado na ordem pra-
tica. Os usos ... , .
da razão: Existência de Deus, Liberdade e
Imortalidade.
V
-1
Os conceitos cosmológicos. Sua dedução a
partir da tábua das categorias, As anti­
nomias matemáticas. As antinomias dinâmi
caso Os interesses prático e especulati­
vo das teses. O interesse especulativo
das antíteses.
DA RAZÃO PURA
causalidade incondicionada. A liberdade
sas em si. O fundamento transcendental dos
fenômenos. Caráter empírico e caráter in­
teligível.Conciliação da tese e da antíte
se. A apercepçao nao empírica. A questão
da possibilidade lógica e da possibilida­
de real da liberdade. O conceito negativo
da liberdade estabelecido pela Dialética.
A liberdade prática fundada na idéia trans
cendental da liberdade. A relação prática
entre o caráter sensível e o caráter inte
ligível do homem. O conceito positivo de
liberdade. A liberdade prática ao nível
da Metodologia. A conexão entre a moral e
a felicidade. A questao da necessidade ln
terna das leis morais.
TOS DA METAF1SICA DOS COSTUMES
A liberdade como um conceito ~poditicamente
certo da razão pura prática. A vontade como
uma espécie de causalidade dos seres vivos.
Identidade entre a vontade livre e a vonta­
de submissa a leis morais. A idéia de liber
dade e o princípio da autonomia da vontade.
A identidade entre a liberdade e a moralida
de. O problema da má escolha. O princípio
da moralidade como proposição sintética. A
síntese da vontade e da razão, possível me­
diante a noção de mundo inteligível. A ~m­
possibilidade duma prova teórica da liberd~
de. A liberdade como a única possibilidade
de pensar um ser como racional. O interesse
pela lei moral é puro e não patológico. A
identidade entre o querer e o dever
duta moral. A distinção entre mundo
na con- ~
A li~erdade como uma idéia da razao e ~nco~
noscível.
DA RAZÃO PRÃTICA
tica. Kant retoma a idéia de liberdade es­
tabelecida nos Fundamentos. A impossibili­
dade de demonstrar a liberdade por via ps~
cológic~A impossibilidade de chegar ã ver­
dadeira universalidade mediante as genera­
lizações empíricas. O uso prático da razao.
O uso imanente da razão como o único legít~
mo. A determinação objetiva do conceito de
liberdade conferido pela ordem prática. A
crítica kantiana ao emp~r~smo de Hume. A le
gitimidade do uso prático das categorias do
VII
145
princípios empíricos. A faculdade superior
de desejar. Distinção entre princípios f0E..
mais e princípios materiais. O primado da
lei moral. O "factum rationis". O a1can-
ce da afirmação: "Tu deves, portanto, tu
podes". A lei moral é a lei da causalida­
de pela liberdade. Síntese da lei e da li
herdade possível mediante a noção de auto
nomia. A lei moral como "ratio cognoscen­
di" da liberdade. A liberdade como "ratio
essendi" da lei. O mundo supra-sensível c~
mo o mundo do entendimento puro. Relação
da liberdade com o livre arbítrio e a ne-
cessidade. Crítica à .visa'oJ clássica de
Deus como legislador supremo.
DOS DA RAZÃO PURA PRÁTICA .
A Dialética da razão pura prática. A idéia
do Soberano Bem como objeto total da ra­
zão pura prática. Refutação da moral clás­
sica do Bem. A posição kantiana. Os postu­
lados na ordem teórica. Os postulados na
ordem prática, como condições de realiza -
ção do Soberano Bem. A realidade objetiva
conferida pela ordem prática, às idéias da
razão. O Soberano Bem como objeto da razão
prática. A sua realização corresponde a uma
necessidade da razão. A crença racional.
Os postulados da existência de Deus, da
imortalidade e da liberdade. A liberdade
postulada como tIres facti".
sistematico da proposta etica de Kant, como subsídio para
uma reflexão crítica sobre a questão etica na atualidade,
fizemos uma analise das principais obras de Kant, perti­
nentes ã questão. Esta analise foi apoiada por consider~
ções de autores, tidos como classicos, no estudo da filo-
sofia kantiana, visando, sobretudo, a aclarar
tos fundamentais de sua filosofia pratica.
os concei-
sofia, detectando os conceitos em sua origem e nas cir ~
cunstâncias específicas, em que foram introduzidos no S1S
tema, o que nos esclareceu bastante a respeito de sua na­
tureza. Este metodo não foi, contudo, único, nem seguido
rigidamente, pois, uma vez que o objetivo foi esclarecer
os conceitos fundamentais da moral kantiana e suas articu
lações, para chegar, enfim, a uma visão de conjunto, hou­
ve, frequentemente, necessidade de utilizar uma obra ulte , r10r, para esclarecer noções anteriores. Alem disso, se o
que pretendíamos era ressaltar a unidade e coerencia do
sistema, não cabia a apreciação dos conceitos, tomados
isoladamente das diferentes obras.
Pensamos ter seguido a própria "de.ma.Jtc.he." do
pensamento kantiano, situando os seguintes conceitos basi
cos: a boa vontade, o dever, a lei moral, os imperativos
hipoteticos e o imperativo categórico, o reino dos fins,
a autonomia da vontade, a liberdade, o soberano bem e os
postulados da razão pratica, Alem disso, nos detivemos nas
concepçoes da Crítica da Razão Pura, que apresentavam uma
relação direta com a solução do problema etico: as antino
m1as, a distinção entre fenômenos e coisas em si
ideias da razao.
IX
as
o
que julgamos o sentido essencial da proposta ética de Kant.
Ele não pretendeu fundar uma nova moral, mas buscou, para
uma questão de fato (o fato moral), um fundamento, uma JU~
tificação. Tal fundamento, Kant o encontrou na própria ra­
zão do homem. Esta é a inovação fundamental do kantismo,
no que diz respeito ã filosofia prática: a experiência mo­
ral é a experiência da autonomia da vontade. Moral é liber
dade.
x
as seguintes abreviaturas:
C R P
C R Pr
F M C
C F J
Moeurs
Les progres de la Metaphysique
en Allemagne depuis Leibniz et Wolff_
Doctrine de la Vertu
uma reflexão muito ampla a respeito das exigencias eticas
atuais. Impressionada com o fato de que a etica compartilha
com o nosso tempo de uma instabilidade radical, e com as
consequencias sociais desse fenômeno, defrontamo-nos com
questoes concernentes ao relatismo e absolutismo eticos.
Pensávamos que se não houvesse um princípio objetivo como
fundamento, esvaziar-se-ia o próprio sentido da palavra va­
lor, pois o que só vale para mLm ou para alguns nao pode
ter o interesse social e humano, indispensável a qualquer
proposta etica, que pretenda satisfazer às exigências eti -
cas de uma sociedade.
Nessa ordem de preocupações, propusemo-nos a in -
vestigar a etica e a moral, não apenas enquanto têm sido
objeto da reflexão filosófica em todos os tempos, mas tam -
bem na medida em que despertam, hoje, o interesse de cien -
tistas e epistemólogos que, apreensLvos com os rumos da .~ .
CLenCLa, intentam recolocar a controvertida questao do huma
nismo. Por aí, pode-se depreender a complexidade da tarefa I que estamos nos propondo.
Em busca de um ponto de apOLO seguro para esse ti
po de reflexão, julgamos poder tomar, como referência, a
proposta etica de Kant, porque, a partir de um conhecimento
ainda precário, já nos parecia que, em Kant, a exigência
dum absoluto etico corresponde a uma rigorosa exigência de
objetividade, sem ceder a um dogmatismo comprometedor. Pro­
curamos seguLr a evolução do seu pensamento, mas detivemo
nos nas obras do chamado período crítico, em que aparece a
formulação de uma etica madura,e, segundo nos pareceu, coe­
rente com o conjunto do siitema teórico de Kant. Nosso obj~
tivo ficou, entao, face à complexidade do pensamento Kanti~
no, mais restrito. Não que desistíssemos de nos propor a
questão das exigências éticas atuais. Mas julgamos que,
2
para 1SS0, ser1a necessário, já que optamos pelo estudo da
proposta de Kant, como ponto de referência, que empreendês­
semos uma análise cuidadosa dos conceitos fundamentais de
sua ética.
Selecionamos, tentando seguir a pr~pria "demanehe" do pensamento Kantiano, alguns conceitos básicos: a boa
vontade, o dever, a lei moral, os imperativos, o reino dos
fins, a autonomia da vontade, a liberdade, o soberano bem
e os postulados. Detivemo-nos também, ainda que sumariamen­
te, no estudo das antinomias, da distinção entre fenômenos
e coisas e si e das idéias da razao, que podem ser conside­
rados pressupostos para a solução do problema ético.
Buscamos segu1r a evolução hist~rica da filosofia
prática de Kant, detectando os conceitos nas circunstâncias
específicas de sua emergência no sistema. No entanto, nao
segu1mos este metodo rigidamente. Face ao nosso prop~sito
de esclarecer os conceitos fundamentais da moral Kantiana ,
e suas articulações, como tentativa de chegar a uma V1sao
de conjunto, fez-se necessário, frequentemente, um estudo
mais abrangente das diferentes obras, que tratam, direta ou
indiretamente, da questão ética.
literal da filosofia prática de Kant. Não vamos utilizar n~
nhum método de inserção hist~rica, ainda que reconheçamos a
importância de um estudo desse tipo. Os aspecto hist~rico e
objeto apenas de algumas considerações, a título introdut~-
rio.
tativo dessa doutrina: Fichte, Heidegger, Schopenhauer,
Herman Cohen, Hegel, Bergson, Husserl, Scheler, para nao ci
tar senão os mais importantes.
3
dores reveste-se da maior importância, quando se quer ava -
liar a influência do pensamento de Kant. No entanto, um tal
estudo extrapolaria os limites do nosso trabalho, com o
qual pretendemos apenas nos iniciar no estudo da
prática de Kant.
do nosso estudo, das análises de alguns autores, que apre-
sentam a doutrina de Kant, visando, fundamentalmente, a
análise conceitual e ã coerência interna de suas obras. A
esse respeito, consideramos oportuno transcrever a observa­
ç~o de Rousset: "O hi~~o~iado~ da 6ilo~o6ia que p~e~enda
ap~e~en~a~ uma imagem 6iel e expli~a~iva da dou~~ina Kan~ia
na, ~ubme~e-~e a dua~ ob~igaçõe~: duma pa~~e, e~que~e~, ~an
~o quan~o po~~Ivel, a~ ~~an~6o~maçõe~ pó~-Kan~iana~ da~ de~
~obe~~a~ ~~I~i~a~, a~ que~~õe~, a~ objeçõe~, e, ~ob~e~udo ,
a~ evidên~ia~, que a~ 6azem apa~e~e~ ~omo in~u6i~ien~e~ ou
in~oe~en~e~; de ou~~a pa~~e, ~o~~e~ o ~i~~o da banalidade,
na medida em que ~ po~~Ivel que Kan~, ao p~eço duma longa
pe~qui~a e duma e~~olha ~evolu~ionã~ia, ~enha ~omen~e pen~a
do ~om e~6o~ço o que no~ en~inou a pen~a~ 6a~ilmen~e"3. Afi
nal, foram muitas as inovações da crítica Kantiana que se
tornaram aquisições importantes no trabalho de cientistas e
epistemologos. Basta citar, a título de exemplo, o fato de
concebermos o conhecimento como uma construç~o devida
iniciativa do sujeito, a ideia de que o mundo conceptual
-, a
-e
relativamente independente da realidade empírica, e, por ou
tro lado, o realce dado ã operaç~o sintetica da inteligên -
C1a, que permite estabelecer correlações entre o sujeito e
o dado empírico. As vulgarizações do Kantismo, na opiniao - - 4 de Rousset, nem sempre ajudam a sua compreensao.
Em face de tais considerações, propomo-nos a co -
nhecer, no limite, evidentemente, do nosso estudo, o que e
Kantiano em Kant. N~o desejamos, ao menos nesse trabalho de
iniciaç~o, discutir suas soluções. Tal discuss~o exigiria
4
um aprofundamento que -so nos será possível mediante a conti
nuação do estudo da doutrina Kantiana, à luz de outros auto
res e de outro enfoque metodológico.
Algumas considerações gerais, referentes ao modo
como vemos a situação da ética em nossos dias, podem indi -
car o contexto no qual, inicialmente, nos situamos.
Modernamente, a concepção de uma ética subsidiária
do progresso científico e tecnológico, ao lado da generali
zada idéia de que os malefícios do progresso são o preço
inevitável dos seus benefícios, têm levantado, crescentemen
te, a questão de uma ética para o nosso tempo, que restaur 7 em toda amplitude, as interrogações básicas relativas aos
fins desse mesmo progresso, que, hipostasiado, parece ser,
cada vez mais, um fim em si mesmo. Há, inegavelmente, uma
inquietação crescente face à situação do homem no mundo
atual, subjacente ao sentimento de que deve haver uma saíd&
Tal saída é vislumbrada, sob muitos aspectos, como reativa­
çao da dimensão ética da vida humana, cuja acentuada fragi­
lidade está a exigir a busca de uma base mais sólida e
compatível com os problemas que ora Vlvemos. A preocupação.
com esta questao parece estar presente em um numero crescen
te de filósofos, cientistas e educadores.
Por outro lado, observa-se uma desconsideração da
qtiestao ética na prática científica, política e educacional
de nossos dias, que seria o indício de que nos comportamos
como se esta questao já estivesse resolvida. No entanto, o
cara ter macroscópico dos problemas que o progresso científi
co e tecnologico assume no mundo atual e, por outro lado, a
expectativa criada em torno da ciência, como capaz de res -
ponder às indagações do homem moderno, levantam a questao
da dimensão etica da ciência, como absolutamente irresolvi-
da.
5
tem sido, talvez, a mais controvertida do pensamento human~
ainda que pareça haver um consenso quanto ã magnitude do
problema.
problema fundamental e controvertido. As grandes formulaçõ~
do pensamento grego, devidas a Platão e Aristóteles, reve
Iam ja duas possíveis abordagens, opostas em suas grandes
linhas, conquanto um estudo mais profundo pudesse detectar
certas convergências. Em Platão, a ética fundamenta-se no
conceito de Bem, como realidade última, transcendente e
paradigmatica. Em Aristóteles, o Bem ja não é transcenden -
te, mas imanente ã própria essência racional do homem: não
é nmime~i~n, mas plenitude de realização da essência humana.
Buscando ambos a verdadeira felicidade, Platão a concebe c~
mo contemplação, enquanto Aristóteles integra contemplação
e açao, realizando a síntese dos três generos possíveis de
vida: nbio~ po.e.Ltik.o~n, nbio~ .teoJte.tik.o~n e nbio~ apo.e.au~ -
.tik.o~ n .
dos fundamentos últimos de todas as coisas. As sínteses que
propoe não visam apenas a um fim teórico, especulativo, mas
envolvem também uma exigência pratica, servindo para a vida
na medida em que toda concepção de valores se apoia numa
visão do mundo.
cebendo diferentes nomes, como Bem, Soberano Bem, Felicida­
de, Perfeição. Para muitos, o valioso era o Racional, para
outros, relacionava-se ao sentimento. Pode-se também afir -
mar que sempre coexistiram varios tipos de valorações, como
as valor ações éticas, estéticas e religiosas. O conceito de
valor parece bastante generico para englobar os ma~s dife -
rentes temas, de tal forma que, como observa Raymond Ruyer
6
"ao ab~i~ um liv~o ~ob~e o valo~, n~o ~e ~abe ~e ~e~a: 1)
um t~atado de teologia ILo~~iKy); 2) um t~atado de p~ieolo­ gia ~ob~e a~ tendêneia~ e inte~e~~e~ IR. B. Pe~~y); 3) um
t~atado de ~oeiologia IBugle); 4) um t~atado de eeonomia p~
lItiea IF~. Pe~~oux); 5) um t~atado de lõgiea ILalande); 6)
um t~atado de mo~al ISehele~); 7) um t~atado de 6ilo~o6ia ge~al IR. Polin) ou 8) um t~atado de 6I~iea ge~al IKBhle~)~5
Se alguns desses tipos de valor ações já possuem
uma delimitação precisa, tal não e o caso da etica, cujo
objeto e natureza não são ainda estabelecidos de forma segu
ra e definitiva. Atualmente, tematizam-se, -nao apenas as
questões de conceito, objeto e delimitação da etica, mas
ate mesmo de sua possibilidade. Nesta última hipótese, ins­
crever-se-ia, a nosso ver, a proposta de Jacques Monod, de
uma etica baseada no conhecimento científico, que represen­
taria uma proposta de supressão da valoração etica, uma
vez que o "deve~ ~e~" se prefiguraria objetivamente no domí
n10 do que e, podendo, como tal, ser explicado cientifica -
mente. Diz Monod: " ... uma etiea do eonheeimento, que eolo­
que o eonheeimento, em pa~tieula~, o da 6i~iologia e da p~~
eologia em p~imei~o plano, e ee~tamente mai~ eapaz que
qualque~ out~a de 6o~mula~, não ~õ um g~ande ~i~tema etieo
~ob~e o qual a~ ~oeiedade~ po~~am 6unda~, po~ exemplo, um ~i~tema polltieo, ma~ tambem eapaz de 6o~mula~ uma mo~al
pe~~oal, in6initamente mai~ viável, que aquela que ainda no~ e p~opo~ta"6. Ora, parece haver um certo acordo, entre
os que tratam da questão axiológica, de que as ações pura -
mente instintivas, ou guiadas exclusivamente pelas tendin -
cias subjetivas, sóse tornam realmente eticas, na medida
em que se ordenam segundo um conjunto de normas derivadas
de alguma instância superior. No caso de ser esta instância
o próprio conhecimento científico do homem, a questao das
normas do agir humano deixaria de pertencer ao campo da
valoração etica, para 1nscrever-se no campo da validação
epistemológica.
I I
tese de que e possível justificar cientificamente os jui­
zos morais, mediante a utilização da lógica e dos conheci
mentos científicos 7
• A questão, contudo, não e simples, e
não se pode, pois, dar uma resposta simples. Uma etica que
empregasse os conhecimentos científicos do homem e da SOC1e
dade, nem por 1SS0, teria garantido o seu estatuto de . -C1en-
cia, haja visto todo o questionamento epistemológico de . . - . 8 que sao alvo, hOJe, as C1enC1as humanas.
Espera-se, tambem, modernamente, que um ma10r r1-
gor nos estudos eticos advira com a conversão da etica num
estudo analítico dos conceitos morais. Na opinião de Bunge,
a analise linguística, procedendo a toda a investigação
científica, evita que "no.ó e..xtJtavie..mo.ó e..m p.óe..udo-pJtob.te..ma.ó'~ Caberia ã etica analítica aclarar, definindo em função de
termos mais fundamentais, os predicados "ambZguo.ó" e "ob.óc.~
Jto.ó", que figurariam no discurso moral, tais como "be..m" ,
"va.tio.óo", "pJte..fie..JtZve...t" e "de..ve..". Teria ainda a função de
investigar em que medida "a.ó e..xpJte...ó.óoe...ó va.toJtativa.ó e.. infio~
mativa.ó .óão tJtaduzZve..i.ó, .óe..m pe..Jtda de.. .óignifiic.ado e.. de..
e..fie..ito pJt~tic.o, e..m oJtaçõe...ó e..nunc.iativa.ó"lO. Tal conversibi­
lidade teria, segundo Bunge, de transformar os preceitos em
proposições verificáveis, permitindo a elaboração de uma
moral sem dogmas. Por outro lado, este procedimento levaria
ao questionamento da dicotomia entre o fato e o valor, afi~
mada por quase todos os axi~logosll. Diz Bunge: "A difie..Jte..n­
ça e..ntJte.. 'não fiaJt~.ó x' e.. '.óe.. fiaze...ó x, te.. Oc.oJtJte..Jt~ y' e.. , pJt~ - - - . ,,12 moJtdia.tme..nte.., .togic.a, nao pJtagmat~c.a •
Os estudos meta-eticos estão apenas começando,
mas, segundo seus adeptos, ja estariam suscitando questoes,
que convertem em problematicos os sistemas eticos anterio -
res. Acentua-se a idéia de que é preciso fundar uma ética -ma1S adequada ao nosso tempo, uma vez que as concepçoes do
passado são criticadas como ilógicas, dogmaticas ou senti -
mentalistas, alem de desconsiderarem a realidade humana 13 .
8
dos sociológicos, etnológicos e antropológicos. Alimenta­
mos a esperança de que tais estudos possam nos indicar uma
saída para a atual situaçao de crise dos valores. No entan
to, essas ciências, como ciências dos fatos, partem de da­
dos empíricos, e, embora envolvam todo um trabalho de re­
construção conceptual, de formulação teórica, sempre vol -
tam aos fatos, como fonte última de confirmação de
hipóteses. Em seu caminho metodológico, o máximo que
suas
tais
sao informações fidedignas a respeito dos fatos, ou hipót~
ses explicativas fecundas para o trabalho atual dos técni­
cos ou para o trabalho ulterior da ciência. Nenhuma respo~
ta final, nenhuma indicação segura, que possa nos levar,
do fato, ao valor.
se existe um conhecimento ético, este não poderia ser do
mesmo genero das ciências fáticas. Seria, então, toda teo­
ria ética de ordem metafísica? Ora, sabemos a que ficou r~
duzida a metafísica depois da crítica Kantiana. Seria ne -
cessário renunciarmos à pretensão à ética, como conhecimen
to? Neste caso, o que colocaríamos em seu lugar? A fé nas
religiões reveladas? Ou o fundamento racional proposto por
Kant? Preferimos esta última hipótese. Por isso, pretende­
mos empenhar-nos no estudo da ética Kantiana, para tentar
saber em que medida responde a algumas dificuldades que
encontra toda aquele que se propoe a pensar, com real inte
resse e coerencia, o problema ético.
Consideramos que o estudo do sistema ético de
Kant pode se converter num poderoso instrumento de avalia­
çao da questão ética na atualidade, na medida em que a
sua proposta ética implicaria, precisamente, a condenação
do dogmatismo, do misticismo e de seu invariável componen­
te - a ilogicidade.
dos conceitos éticos que aparecem nas obras posteriores a
1871, que evidenciariam as conquistas propriamente críti -
cas, sem nos reportarmos às obras consideradas pré-críti
caso
xar de considerar as influências que se exerceram sobre o
pensamento de Kant, como também não podemos negligenciar a
propria personalidade do filósofo, pois, nele, parece ter
existido um acordo profundo entre o homem e o filósofo. É
comum estabelecer-se uma estreita conexão entre as concep­
ç~es teoricas e as disposiç~es pessoais do filosofo. Qual
teria sido o traço dominante de sua personalidade? "PaJl.e.c.e.,
cUz Bou-tJl.oUX, que. 60-i.. uma d-i...6po.6-i..ç.ã.o a.6e. daJl. a .6ua pJl.O­
pJz.-i..a le.-i.. e. a c.on.6~de.Jl.aJl. uma -tal le.-i.. -i..nv-i..oláve.l e. .6agJl.ada.
lnde.pe.ndên~a, ind~v~duai-i...6mo, i-i..óe.Jl.dade. in-te.Jl.ioJl., e., ao me..6mo -te.mpo, Jl.e..6pe.-i..-to, ne.c.e..6.6idade., c.ul-to ã le.-i..; o un-i..ve.Jl.-
.6al no -i..nd-i..v-i..dual: e..6-te. c.aJl.á-te.Jl. .6e. e.nc.on-tJl.a. e.m -todM M
man~ 6e..6 -taç. õe..6 da a-t~v-i.. dade. de. K an-t. N M 9 Jl.an de..6, c.o mo nM pe.que.na.6 c.o-i...6a.6, al-i..a a Jl.e.gJl.a ã i-i..be.Jl.dade., a. d-i...6c.-i..pi-i..na ã
. -" 14 e.manc..<.pa.ç.ao •
Kant rompeu com o dogmatismo teologico e metafí­
sico, mas so o fez ã custa dum grande esforço de reflexão,
do qual resulta uma nova versao do conhecimento. Às conclu
s~es céticas de Hume, contrapõe .uma nova teoria do conheci
mento, que permitirá a legitimação da ciência. Às ilusões
da metafísica tradicional, contrapõe a única via possível
para a solução dos problemas metafísicos: a via prática.
Com efeito, a ambição de Kant teria sido a de legitimar a
metafísica, fundando-a em novas bases. Ao empreender tal
projeto, ele recusa o método tradicional da metafísica, r~
jeita a metafísica dogmática. Mostrando que o conhecimento
não pode ultrapassar os limitis duma experiência possível,
Kant nega a possibilidade da metafísica como conhecimento.
No entanto, defende a idéia de que, se não é possível co -
nhecer os objetos metafísicos, é possível pensá-los. Assim,
I I I I I 1 í I 1
I I ! I I I I j i
I J I I I
I I ! j
tornou-se viável o projeto de fundar a metafísica na razão
prática. É mediante essa via prática, e não pelas luzes da
razão especulativa, que o homem pode afirmar a existência
de Deus, a liberdade e a imortalidade da alma.
Nessa busca de solução para os problemas éticos,
Kant mostrou-se receptivo às idéias do seu tempo, não para
adotá-las passivamente, mas para avaliá-las em profundida­
de. "Ele. plLome.t-ta., d-tz BlLun.6ehtüeg, .6e.1L O Sha.6te..6buILY a.le.- - H • ,,15 ma.o, O ume. plLu.6.6-<..a.no . Durante um certo tempo, ele rece
beu, de fato, a influência da doutrina do ".6e.nt-tme.nto mo -
1La.-t" d a e s c o 1 a in g I e s a. P o de - se, a q u ~, a p r e e n d e r, t am b é m ,
a i n f 1 u ê n c i a d e c i s i va das i d é i as d e R o u s s e a u: " Eu e.1La., d-t z
Kant, eulL-to.6O e. áv-tdo de. e-têne-ta.; eoloea.va. ne.la. a honlLa. do
home.m, e. de..6plLe.za.va a. ple.be. -tgnolLa.nte.. Rou.6.6e.a.u eha.mou- me. ã olLde.m: En.6-tnou-me. a. ne.gl-tge.ne-ta.1L uma. va.nta.ge.m va. e. a. eo­
loea.1L na. bonda.de. mOILa.1 a. ve.lLdade.-tILa. d-tgn-tda.de. do home.m.
RoU.6.6e.a.u 60-t, de. a.lguma. 601Lma., o Ne.wton da. olLde.m mOILa.I;
de..6eoblL-tu, no e.le.me.nto mOlLal, o que. 6a.z a. un-tda.de. da. na.tu­
ILe.Za. humana; da me..6ma. 601Lma. que. Ne.wton e.neontlLou o plL-tne[­
p-to que. un-t6-tea. e.ntlLe. .6-t toda..6 a..6 le.-t.6 da na.tulLe.za 6[.6-tea. Além d-t.6.6o te.ve. a. -tdé-ta. de. que. a..6 vonta.de..6 pode.m e. de.ve.m
a.g-t1L uma..6 .6oblLe. a..6 outlLa..6, que. 0.6 home.n.6 de.ve.m tlLa.ba.lha.1L
pa.lLa .6ua. e.duea.ção mútua. A v-tlLtude., de..6de. e.ntão, não e. mU.6 eoloeada. na. pe.1L6e.-tção -tnd-tv-tdua.l, ma..6 na..6 jU.6ta..6 1Le.1a.
çoe..6 e.ntlLe. 0.6 home.n.6,,16. Kant situou, aqui, os pontos pr~~ cipais da influência que recebeu de Rousseau. Vivamente im
pressionado com a Profissão de Fé do Vigário Saboiano, ad~
ta a doutrina do sentimento moral. Mas foi por pouco tempo.
Ao refletir sobre os problemas da especulação e da práti -
ca, segundo as inspiraçoes rousseaunianas e empiristas, le
vadas ao extremo por Hume, era inevitável, como observa
BrunschtJicg, que ".6e. lLe.ve.Ia..6.6e. a. -tnee.lLte.za., a. -tn.6ta.b-tUda­
de. da. doutlL-tna. .6 e.nt-tme.nta.l"l 7 • Rousseau colocava-se, "na.
olLde.m da. v-tda., -t1L1Le.dutZve.1 ã olLde.m ea.IL.te..6-ta.na. da. -tnte.le.e -
tua.l-tda.de.,,18. Hume, se reabilitava o instinto, não o fazia
11
com a segurança do dogmatismo, mas no quadro mesmo de uma
teoria cética do conhecimento. Rousseau refere-se ã cons -
ciincia como a um instinto divino, colocando-se "na linha
da mZ~tlca c~l~tã, em que a con~clêncla e~tã acima da lel"19. Ora, segundo Kant, "o p~lmado da con~clêncla, abo­
lindo a lei, acaba po~ de~ t~ul~ a p~õp~d. mo~al "20 • r: preciso que a sinceridade da consci~ncia seja confirmada '
pela pritica efetiva das aç~es morais. Em Rousseau, "a
con~clêncla, gula ln6alZvel do lndlv[duo, a autonomia,
p~lncZplo adequado do e~tado, apa~ecem completamente exte­ ~o~e~ uma ã out~a, ~enão lncompatZvel~. Kant a~ 6unda, uma e out~a, na lnte~loMdade da pe~~oa mo~al ... "21. Recon
duz a vontade individual ã vontade geral, mediante a obe -
diincia'a mesma lei da razão. r: enquanto individual que a
vontade se submete ã lei. f enquanto universal que é 1egi~
1adora.
afirmação da supremacia da lei, confere ã moral um conteú­
do de racionalidade. Mostra-se, assim, fiel ao espírito do
seu tempo: ã razão caberia a síntese final de todo o sa­
ber.
pelo racionalismo e pelo pietismo co~tra a ortodoxia do
ensino reinante. Ambos combatiam, por motivos diferentes,
o tipo de ensino reinante, dogmático e estreito, a esteri­
lidade das discussões teo16gicas, a corrupção nas idéias e
nos costumes. Segundo De1bos, "o ~aclonall~mo que havia to
mado ã 6llo~061a e ã ciência mode~na~ ~ua~ ln~pl~aç~e~ e
~ua~ tendêncla~ ge~al~, tinha, 61nalmente, encont~ado, na
~
1 J
rano, procura despertar a fe, mediante a prática da reli -
giao, como experiência subjetiva, vivida em profundidade
e nao ma~s traduzida em atos duma religiosidade apenas ex­
terior. Ambos, pietismo e racionalismo, pretendiam, pois
combater o tipo de ensino vigente, mas, nem por isso, est~
vam imbuídos dos mesmos propositos. O pietismo, buscando o
revigoramento da fé cristã, tornava-se, por vezes, até hos '1 d dI'· ~. 23 .. t~ aos pro utos a cu tura c~ent~f~ca • O rac~onal~smo
ao contrário, exaltando a ciência, desconfiava da invoca -
ção religiosa e das exigências duma vida voltada para o so
brenatural. Kant viveu, desde o in!cio, o antagonismo e~ -
tre o ideal racionalista contido nos ensinamentos de LeibÚz
e Wo 1 ff ,e .0 i d e a 1 r e 1 i g i o s o d o p i e tis mo. E s s a s i tua ç ã o de
controversia e antagonismo imprime su.as marcas na evolução
do seu pensamento.
Kant, mesmo convencido de que so o racionalismo pode fun -
dar a certeza, reconhece a insuficiência do seu método. Ma
nifestando a tendência cr!tica do seu pensamento, opos- se
às demonstraç~es 40gmáticas da escola wolffiana: ã sua
pretensão racionalista de um saber inteiramente independen
te da"experiência, contrapoe a concepção de que, sem a
experiência, nao há conhecimento. A busca do fundamento da
ciência, como da moral, deve partir dos fatos, ainda que
tais fatos tériham de ser esclarecidos ã luz da razao. r, pois, a partir do fato da ciência. do fato moral
' .. que
No que diz respeito ã questao moral, ele parte
dos julgamentos morais que os homens emitem n. vida comum,
para buscar, a seguir, os seus princ!pios. Esclarece, con-
tudo~ que nao se trata, aí, dum fato empírico, mas do fato
único da razão. Não é como os homens agem moralmente, mas
como julgam moralmente. Esses julgamentos morais repousam
em noçoes a priori, que Kant pôde deduzir dos elementos es
senciais da ordem prática. Nessa busca de fundamentação da
13
moral, há certos resultados da Crítica da Razão Pura que e
preciso levar em consideração. Um deles é a restrição do
nosso conhecimento ao limite duma experiência possível. Ne
gando a possibilidade do conhecimento dos objetos supra­
sensíveis, Kant denuncia o caráter ilusório da metafísica
clássica, que pretendia, justamente, conhecer estes obje -
tos. Mostra também que a ordem da natureza é regida pela
lei da causalidade mecânica. Exclui, portanto, da série
dos acontecimentos naturais, qualquer possibilidade dum
ato livre, único que poderia ser qualificado moralmente.
" E.6 t e..6 ne..6 u.tt a do.6, d.i z B o utn o ux, .6 ã.o mui t o 9 na - ve..6 pana a mona.t, ponque. a.6 noçõe..6 mona-l.6 Qomun.6 pane.Qe.m
ne.que.ne.n pne.Qi.6ame.nte. e..6te..6 obje.to.6 .6upna-.6e.n.6Ive.i.6, Qujo
Qonhe.ume.nto no.6 é. ne.QU.6 ado; admitindo-.6 e. Ve.u.6 > a .tibe.nda­
de. e. a imonta-fidade., dã-.6e. Qonta da obnigaçã.oJda .6ançao mo
na.t, do aQondo da vintude. e. da óe..tiQidade.. Ma.6 .6e. e..6te..6 ob
je.tO.6 .6ã.o inQogno.6Qlve.i.6, o óundame.nto da mona.t n~o pode. -
nia .6e.n .6e.nã.o o .6e.ntime.nto, e. nã.o um Qonhe.Qime.nto, e. a mo­
na.t .6enia, ent~o, e.6.6e.nQia.tmente. mI.6tiQa e.m .6e.u pninQlp~o 1 + ,,24 b .. e. .6ua uon-1..e. . Ora~ sa emos o quanto Kant reJe1tava o
misticismo e a iluminação, que não cessou de denunciar nos
h . . -. S h d b 25 I· son os do V1S10nar10 c we en org . Por outro ado, a1nda
segundo o resultado da Crítica da Razão Pura, não se pode­
r1a fundar a moral na natureza, porque esta só poderia le­
var a uma moral do êxito, da felicidade pessoal, da utili­
dade, não do dever e da obrigação que supõe um agente li -
vre.
A saída desse 1mpasse, que permitiria fundar a
moral na razao e nao no sentimento, ou na natureza, evitan
do, também, o erro da metafísica dogmática, ser1a a concek
çao duma razao pura prática, que nao estaria,como a razao
técnica, limitada a raciocinar sobre objetos dados, mas
que seria, pelas representações, causa dos seus objetos. A
moral seria, pois, o produto da razão pura. Daí, o proble­
ma prático colocado por Kant e ao qual julga ter dado uma
resposta positiva: a razão pura pode, por si mesma, ser
prática?
14
certos procedimentos metodo15gicds. ~artindo do fato moral,
não segue o metodo psicol5gico, uma vez que nao está inte­
ressado em explicar como os fatos morais se produzem na
consciência. Ora, o metodo psicol5gico não levaria a nada
alem disso, uma vez que se detém na investigação dos pro -
cessos psíquicos reais, ou seja, da gênese psicologica de
certas noções. Kant, ao contrário, quer analisar o conteú­
do objetivo das noções morais até encontrar um fundamento,
um princípio explicativo. Ao lado deste procedimento, bus­
ca, sinteticamente, deduzir, destas noções gerais e de
seus princípios, noçoes menos gerais, que se refiram dire­
tamente ao fato dado, ou seja, ao fato moral. Segundo
Boutroux, nos Fundamentos da Metafísica dos Costumes, Kant
adota ainda um outro procedimento, que se poderia chamar
dedução hipotetica: esta consistiria em se propor, hipote­
ticamente, u,m! princípio, deduzir dele as consequências, e,
em seguida, confrontá-las com a realidade dada 26
. Kant te­
ria proposto, dessa forma, o conceito de boa vontade, como
condição necessária e suficiente do valor moral. Deste con
ceito, deduziu a idéia de dever, ao definir a boa vontade
como a von tade de agl. r por de ve r.
Kant an ali s a, a se gui r, a ideia de deve r, e mos-
concei to implica -. de ob ri gação moral, tra como es te a noçao
ou seja, da obediência a uma lei que cons i de ramos ab s o lu ta,
mas ã qual, entretanto, não obedecemos necessariamente. A
identidade entre a vontade e a lei seria privilégio apenas
de seres puramente racionais, não se podendo, neste caso,
qualificar a necessidade do ato moral como um dever. Nos
seres humanos, nos qual.S ã racionalidade se associa a
sensibilidade, a obediência ã lei da razão é um constrangi
mento, uma obrigação. Mas não se trata, aqul., duma obriga­
ç ã o imposta p e I ot e m o r , mas ditada pelo respeito. A p r e s e n
ça da lei no ser humano engendra, pois, o respeito.
Kant estabelece, assim, que a vontade obedece a
lei moral por respeito e não por constrangimento exterior
15
ou por interesse. É prec1so que, interiormente, a vontade
esteja de acordo com a lei, que seja, p01S, uma boa vonta-
de . Como nos seres . .
necessariamente, a lei moral torna-se, neste caso, um imp~
rativo.
Kant rejeita as mora1S da heteronomia, porque,
nestas, o acordo das vontades só pode se dar mediante a
busca do prazer ou da felicidade ou mesmo do bem como obj~
to de intuição. Com efeito, os gregos concebiam a moral,
de certa forma, como uma arte, destinada a completar, pela
ação, a obra da natureza. O homem virtuoso seria sábio o
bastante para nao se contrapor ã ordem natural. A sabedo­
r1a era, entao, o caminho da virtude, e a virtude, o me10
de alcançar a felicidade. Em Kant, ao contrário, há uma
separação entre a ordem natural e a ordem moral, entre o
conhecimento, limitado ã espera fenomênica, e a moral, que
penetra a região dos "noumeno~". O princrpio da moral Kan­
t i an a c on t r a r i a, t a mb é m , a m o r a I c r i s t ã, cu j o mo d e I o é a
perfeição divina: "~ede pefT..6ei:to~ c.omo vo~~o Pai c.ele~:te e
pefT..6ei:to". "E c.omo o homem, ab andonado a~ ~ UM pfT..ÔpJz.iM
6ofT..ç~, é impo:ten:te pafT..a fT..ealizafT.. e~~a :tafT..e6a, a fT..eligião
lhe pfT..ome:te o ~Oc.OfT..fT..O da gfT..aça. O 6undamen:to da monal c.ni~
:tã é, pon:tan:to, Veu~, c.omo 6im e c.omo meio. Em Kan:t, ao
c.on:tnãnio, Veu~, o inc.ogno~c.Zvel, não pode ~efT.. o 6undamen­ :to da monalidade. O pon:to de pan:tida da mOfT..al não pode ~e
enc.on:tnafT.. ~enão na pfT..ôpJz.ia fT..azão. MOfT..al é, nec.e~~aJz.iamen - :te,. au:tonomia". 27
Contrapondo-se a todos os sistemas anteriores de
moral, Kant chega, aSS1m, ao princípio supremo da moralida
de, o princípio da autonomia da vontade. Culmina, aqu1, o
seu esforço de análise, que o levou a definir os conceitos
básicos de seu sistema prático: o dever, a lei moral, o 1m
perativo categórico, a liberdade, a autonomia.
No entanto, a questão crucial não parece ter S1-
do ainda resolvida: a questão da própria possibilidade do
imperativo categórico. Esta questão envolve toda a proble-
16
pr10r1. Com efeito, os princípios da moralidade são sinté­
ticos a priori. são a pr10r1, porque universais e necessã­
r10S. são sintéticos, porque pretendem unir "noç~e~ hete~o
gênea~, eomo a da vontade e da lei, do ~nd~v~dual e do un~ve~~al ( ... J o que não ~e eoneebe ~enão med~ante uma ope~açao ~i.ntê.üea da intel~9€ne~a"28. Kant não poderia,
seguindo como até aqui, o método analítico, chegar ã solu­
ção desse problema. Recorre, então, ao método sintético.
Afirma como real o que, antes~ era tido como problemático,
ou seja, a realidade da liberdade: "Todo ~e~, que não pode a9~~ ~enão ~ob a ~dê.~a de l~be~dade, ê., po~ ~~~o me~mo, do ponto de v~~ta p~ã.t~eo, ~ealmente, l~v~e "29;" a l~be~­ dade ê. ~eal, po~que e~ta i.dê.~a man~6e~ta-~e pela lei. mo ~al"30. O conceito de 1iberdade~ que permanecia ao nível
da Crí ti ca da Razão Pu ra, como inde te r.min ado e p rob 1 emá ti­
co, uma simples idéia reguladora da razão, adquire, graças
ã lei moral, uma realidade objetiva. A lei moral é a ratio
cognoscendi da liberdade, e esta é a ratio essendi daquela.
Essa passagem do método analítico ao método S1n­
tético teria sido legítima? Ou Kant não chegou jamais a
resolver a questão da possibilidade do imperativo categóri
co, e, pois, da moralidade, entendida como um sistema de
juizos a priori? Teriá tido mais sucesso se tivesse recor- 31
rido ao método histórico, como pretendem ?lguns? Ou se-
ria mais exato tentarmos compreender o problema tal como
Kant o colocou? Se o problema histórico é, com efeito, o
problema colocado por alguns moralistas a1emãB~ como
Hartmann, Paulsen, não é certamente, o de Kant. Ele nao
quer saber como e porque os fatos são produzidos; chega
mesmo a dizer '~u~, ainda que um ~nico ato moral não tives-
se jamais se efetuado, a questão moral continuaria sendo
legítima. O problema que Kant coloca é o da busc~ do funda
mento dos julgamentos morais. Este não e um problema histó
r1CO. Como não é psicológico, nem metafísico no sentido
dogmitico do termo. t analitico: ele procura o que faz "a
17
Após analisar, em toda sua pureza, as idéias mo­
rais, Kant estabelece as suas condições de realizaçao: os
postulados da razao prática. Mediante estes postulados,
pretende reafirmar os objetos da metafísica tradicional: a
existência de Deus, a imortalidade da alma e a liberdade.
No entanto, nenhum dogmatismo da antiga metafísica subsis­
te. Fiel aos 'res~ltados da Crítica da Razao Pura, Kant es­
tabelece que, no domínio prático, o saber deve dar lugar
ã crença, a uma crença fundada numa necessidade da própria
razao. Se a ~xistência de Deus, a imortalidade e a liberda
de nao podem ser conhecidas, podem, no entanto, ser pensa­
das: sao Idéias da razao.
Os postulados sao as condições de realizaçao do
Soberano Bem; proposto como termo da vida moral.
Pretendemos seguir Kant nesta "dema/tc.he" que va1
da análise da boa vontade até ã doutrina do Soberano Bem e
dos postulados, que restabelecem, mediante a própria críti
ca, a legitimidade do ideal humano de busca da felicidade.
I i
I J
18
1 - Evidentemente, não pretendemos dar conta deste projeto
de estudo duma só vez. ~ um trabaiho a ser feito em
muitas etapas. O tema desta dissertaçao é apenas uma
de las.
set, Ferdinand Alquié, Giles Deleuze, Philonenko, em
cujas análises apoiamos mais diretamente o presente es
tudo.
té. Paris, J. Vrin, 1967, p. 11.
4 - Ib i d. p. 11.
5 - Ruyer, Raymond. La filosofia deI valor. México, Fondo
de Cultura, 1969, p. 8.
6 - Monod, J~cques. A ciincia, valor supremo do homem. Pa­
ris, Raison Prisent, nov./dec., 1967 ..
7 - Cf. Bunge, Mario. Etica y Ciencia. Buenos Aires, Siglo
Veinte, 3 ed, 1976, p. 13.
8 - Cf. Foucault, Michel. As palavras e as coisas. Lisboa,
Portugalia, 1966, cap. 10.
10 - Ibid, p. 18.
Aires, Paidos, 1970, p. 16.
19
14 - Boutroux, ~mi1e. La phi1osophie de Kant. Paris, J.
Vrin 1965, p. 273.
Armand Co11in, 1924, p. 166.
16 - Kant. Observations sur 1e sentiment du beau e du su­
blime. Paris, J. Vtin 1970.
17 h J.
18 - Ibid. p. 167.
20 - Ibid. p. 168.
21 - Ibid. p. 169.
moeurs. Introduction. Paris, De1agrave, 1969, p. 3 e
4.
24 - Boutroux, op. cito p. 291 e 292.
25 - Kant. Reves d'un Visionnaire. Paris, J. Win, 1967
26 - Cf. Boutroux. op. cito p. 298.
27 - Ib i d. p. 293.
20
30 - Kant. Critique de la Raison Pratique. Presses, 1971,
p. 2.
31 - Cf. M. Ruyssen. Revue de Metaphysique et de Mora
1e. Paris, Co1in, 1898.
A doutrina da boa vontade é exposta no início do
texto da primeira seçao dos Fundamentos da Metafísica dos
Costumes. Kant a considera uma verdade fundamental, que
estaria inteiramente contida na consciência comum. A boa
vontade, diz ele, é a ~nica coisa boa sem restriçio, neces
sária para tornar bons todos os dons, tanto materiais,
quanto espirituais. Todo homem, segundo Kant, julga moral­
mente, e o objeto deste julgamento é a boa vontade, cUJa
idéia estaria presente no julgamento comum dos homens.Kant -nao estabelece, pois, teoricamente, este conceito, mas ap~
nas evoca a pureza de intençio, que constitui a própria e~
sência da boa vontade, que a consciência comum segue como
regra, para julgar moralmente, tanto os talentos do espíri
to, quanto os dons da fortuna, e, até mesmo, as qualidades
da alma. l Hã, assim, um valor incondicionado na boa vonta­
de, que se define pela bondade de nossa disposiçio inter -
na, independente da consideração de qualquer fim que o
homem se proponha. '!O que 6az com que a boa vontade ~eja
tal não ~ão ~ua~ ob~~ ou ~eu~ êxito~, não é ~ua aptidão
pa~a atingi~ e~te ou aquele 6im p~opo~to; é ~omente o que­ ~e~, ou ~eja; é, em ~i me~ma, que ela é "boa".2 Nio é abso­
lutamente pela utilidade ou inutilidade das ações que se
pode julgá-la. Mesmo se a boa vontade fracassa, permanece
inteiramente boa, pois, em se tratando da boa vontade, tr~
ta-se, ao mesmo tempo, do emprego de todos os meios dispo­
níveis para o seu êxito, e, neste caso, o seu possível fra
casso decorreria independente da vontade do sujeito. A
intenção permanece, pois, o elemento característico da mo­
ralidade. Mas esta tem de ser uma firme intenção, que su­
põe sempre o esforço dirigido ã realização do ato que a
traduz. É evidente que Kant não pretendeu isolar a inten - ~ 3 çao dos atos que podem ou devem traduz1-la de fora. Se
22
uma pura intenção é essencial ã vontade, para que esta se­
ja considerada boa sem restrição, não basta, contudo, para
defini-la. "(O) valon ab~olu~o da boa von~ade, como
não no~ ~n~noduz numa monal de ~~mple~ vele~dade ou
monal de nac~l~dade. E~ta ~upo~~~ão dum nnaca~~o da
~al,
numa
boa
von~ade, de v~do a c~ncun~ ~â.nua~ ex~en~one~, nã.o é ~ enao
um mé~odo de 'anáU~e, de~tinado a no~ mo~~nan que o valon . - " 4 -monal ne~~de, un~camen~e, na ~n~en~ao. A boa vontade nao
se confunde com o simples desejo, mas exige o emprego de
todos os meios que estiverem em nosso poder; se, apesar
disso, a boa vontade fracassa, é evidente que o valor mo
ral do ato não se altera, pois
a pureza de intenção.
Segundo Alquié, há um aspecto obscuro na teoria
Kantiana da boa vontade, na medida em que Kant não teria
esclarecido se a reflexão sobre os meios que levariam a
escolha do mais adequado ã sua realização, estaria também / - 5 --inclu~da na açao moral. No entanto, o proprio Alquie, que
aponta a dificuldade, a esclarece: "ne~~e ca~o, não neca~­
nZamo~ numa monal u~~U~á~a, ~n~elec~ual, do cálculo, que e, ev~den~emen~e, o que Kan~ quen ev~~an?"6 Kant não exclui
da moralidade o estudo e a escolha dos meios, mas não a
reduz ã maior ou menor sagacidade nesta escolha. A morali­
dade não pode ser referida a alguma coisa que lhe seja ex­
terior. Kant rejeita, não apenas ,uma moral subordinada ã
inteligência e aos conhecimentos, mas ainda a idéia de que
a virtude possa estar relacionada a uma ordem de perfeição
intuitivamente apreendida pela razão. Rejeita também a
idéia de uma moral utilitária, que relaciona a vontade aos
fins. A vontade não pode se relacionar, moralmente, -senao
ã sua disposição interna, dependendo apenas do puro querer.
Para esta idéia do valor absoluto da boa vontade,
afirmada a partir da consciência comum, Kant busca uma pr~
va e um fundamento. A prova é dada mediante o argumento t~
leológico. A natureza delegou ã razão o governo de nossa 7 vontade. A boa vontade aparece como uma vontade submissa,
23
unicamente, à lei da razão, nada ma1S sendo que vontade r~
cional. Em nome de que, pergunta Alquié, Kant efetua este
salto, afirmando que a boa vontade não só é o bem em si,
mas é a própria razão? E esclarece: "Kant e~e pode~ e6e­ tua~ e~te ~alto em nome do~ ~e~ po~tulado~. Com e6e~to,
pa~a ele, nada há, no homem, ~enão, de um lado, uma ~en~~­
b~l~dade e901~ta, e, de out~o lado, a ~azão. Se, po~~, a
boa vontade nada tem a ve~ eom uma ~en~~b~l~dade e901~ta , ela e pu~a ~azão".8
- -Pode-se supor, conquanto estas noçoes nao este -
jam ainda explicitadas no texto dos Fundamentos, que Kant
relaciona a sensibilidade tão diretamente a um fim, quanto
a moralidade a um princípio. Uma inclinação só se define
em relação a seu fim; um desejo é sempre o desejo de algu­
ma coisa, sendo, nesta medida, uma inclinação material.
Ora, se a boa vontade não tira seu valor de um fim, é evi­
dente que seu princípio não pode ser a inclinação, mas a -raz ao.
Para mostrar que a idéia do valor absoluto da
boa vontade não é ilusório, Kant utiliza, como argumento ,
a idéia de finalidade da natureza: "Na eon~Ut~ç.ão natu - ~al de um ~e~ o~9an~zado, ~~to e, num ~e~ eon~t~tuldo em o~dem a um 6~m, que é a v~da, aee~tamo~,eomo p~nelp~o, que nele não ~e eneont~a nenhum Õ~9ão que não ~eja o ma~~
eonven~ente. e adequado ã. 6~nal~dade a que. ~e de.~Una" .. 9
Kant invoca a ordem natural das coisas, tal como
pode ser concebida pela razao; toma a idéia de natureza no
sentido de providência, e afirma que se esta tivesse por
fim apenas -a nossa felicidade, teria tomado a si, nao ape-
nas a escolha dos fins, mas ainda a dos meios, e, com sa -
bia prudência, teria confiado ambas as coisas ao instinto.
Quando Kant utiliza este argumento da finalidade,
que é simplesmente regulador, não está pretendendo forne - 10
cer uma prova dogmática, como mostra Delbos.
24
Se as ideias, diz ele, não podem produzir um co-
nhecimento conforme às suas exigências, têm, ao menos, a
virtude de excluir o objeto que as contradiz, e, ao mesmo
tempo, o direito de sistematizar, segundo seu ponto de
vista, a ordem da natureza: e, portanto, legítimo afirmar
que a função da razão não e, seguramente, a de ser determi
nada pela finalidade, mas a de estar de acordo com ela.
"Some.nte., a:te. e.ntão, .6e. de.6-i.n-i.u ma.l uma tal 6unç.ão, pOlLque. .6e. v-i.u, no que. .6e. ehama e-i.v-i.l-i.zaç.ão, na halLmon-i.a ne.ee..6.6a -
Jt-i.a e. -i.me.d-tata da lLazao e. da 6e.l-i.e-i.dade., a malLea e. o e.6e.-i.­
to da olLde.m ve.lLdade.-i.lLa dM eo-i..6a.6; de..6de. que. 60-i., ao eon -
tlLãlL-i.o, lLe.eonhe.e-i.do, eom Rou.6.6e.au, que. a eultu.lLa da lLazão,
be.m longe. de. tOlLnalL o home.m ma-t.6 6e.l-i.z, lhe. alLlLe.bata o go­ zo da 6e.l-i.e-i.dade. natulLal, é plLe.e-i..60 adm-i.t-i.lL que. o pape.l da
lLazao pode. .6e.lL, ne.m e.nge.ndlLado, ne.m eond-te-i.onado pOlL tal
obje.to. Em outlLO.6 te.lLmO.6, a lLazão não e. uma 6aeuldade. e..6p~
e-L6-i.eame.nte. plLát-i.ea .6e.não .6e. a vontade. qu.e. e.la gove.lLna po- -lI 11 de. .6e.lL boa pOlL .6-i. .60. Neste ponto, Kant se afasta da
chamada Filosofia das Luzes, que predominou na Alemanha du
rante boa parte do seculo XVIII. Segundo esta filosofia, a
felicidade do homem estaria assegurada pelo advento da ra­
zão (razão aplicada, razão técnica). A ciência seria a fon
te da felicidade. Não atribuindo ã razão esta finalidade .~
que o instinto alcança~ com maior êxito, e, pelo contrã
rio, julgando que a razão, quanto mais cultivada, mais . 12
afastaria o homem do "ve.lLdade.-i.lLo eonte.ntame.nto", Kant
evoca a evidência da consciência moral como tal. Busca su­
perar o naturalismo das teorias da epoca, não por um argu­
mento direto, não de acordo com o metodo que emprega na l~ seção da FMC, mas por um argumento indireto, que, admitin­
do, hipoteticamente, o ponto de vista oposto, não visa se­
nãoAdemonstrar sua falsidade. Com efeito, se o fim da von­
t a d e f os s e a f e 1 i c i da de, o in s ti n.t o, p o r s i s õ, b as t a r i a .
No entanto, em nosso mundo, não tempos, para ag1r, apenas
instintos, mas também a razão, razão prática em sentido g~
ral, cuja verdadeira destinação não e, pois, a felicidade,
mas a moralidade.
I f i
utilizado na argumentação de Kant, torna este texto da
FMC obscuro, uma vez que não sabemos se há de fato uma
natureza, uma finalidade. No entanto, como observa Delbos,
"e..6ta c.onc.e.pção te.R.e.oR..õg,i,c.a 60,i, u.ma da..6' c.onv,i,c.çõe..6 ma.-i..6
l.ntima.6 e. ma.-i..6 c.On..6tante..6 de. Kant; .6e., .6e.gu.ndo a ClÚtic.a ,
e.R..a não .6e.~ve. pa~a c.onhe.c.e.~ a natu.~e.za (a 6,i,na.e-<-dade. não
6igu.~a e.nt~e. a..6 c.a.te.go~,i,a..6 do e.nte.n d-<-me.nto; e..6 .lã. .e-<-gada. ao
u..6 o p u.~ame.l1te. ~e. 9 u.R. a do ~ da.6 ,i, dê.,i, a..6 da ~a z ao, ou., c.om o K ant
o e..6tabe.R..e.c.e.~ã. mai.6 ta~de., de.c.o~~e. de. u.ma 6ac.u.R.dade. p~õ­
p~a, ,i,nte.~me.d-<-ã~a e.nt~e. o e.nte.nd-<-me.nto te.õ~,i,c.o e. a ~azao
p~ã.t,i,c.a, a 6ac.u.R.dade. de. ju.R.ga~), não e. me.no~, c.omo e..6qu.e.ma
,i,de.aR.., ,i,nd-<-.6pe.n.6ã.ve.R. ã ~azão pa~a .6e. ~e.p~e..6e.nta~ a na.tu.~e.­
za e.m .6u.a ma.-i.o~ u.n,i,dade. p0.6.61ve.R.; e., .6ob e..6te. a..6pe.c.to, e.x­
c.R.. u.,i, to da .6 u.p 0.6 ,i, ç ã o do 9 m ãti c. a .6 o b ~e. a..6 c. o ,i,.6 a.6 q u. e. a c. o n t~a d,i,~ am " • 14
Se, como argumenta Kant, o fim da razão não é a
felicidade, e se , no entanto, nos foi dada como faculdade
prática, que deve, por isso, exercer influência sobre a
vontade, sua verdadeira destinação deverá se~ a de produ -
Z1r uma vontade boa em si mesma e nao ser apenas meio para
uma outra intenção. "E.6ta vontade. não .6e.~ã, na ve.~dade., o ún,i,c.o be.m, ne.m o be.m .lotaR..; ma..6 ê., e.nt~e.tanto, ne.c.e..6.6a~a­
me.nte., o be.m .6u.p~e.mo, c.ond-<-ção de. qu.e. de.pe.nde. todo ou.t~o
be.m,me..6mo toda a.6pi.~ação ã 6e.R..,i,údade.".15 Não é o bem to -
tal, porque, como tal, exigiria também a posse da felicida
de, mas ê o bem supremo, porque e o bem moral, e, aSS1m, a
condição ã qual deve se subordinar, até mesmo, a busca da
felicidade. A, virtude, como Kant repete frequentemente,
o que nos torna dignos de ser felizes.
-e
tal como se encontra na consciência popular, Kant o estab~
lece como fato de razão, apoiando-se sempre na evidência' . -. 1 . - 16 . -. -da conSC1enC1a mora. Segundo Alqu1e, esta eV1denc1a e,
afinal, o único argumento dado por Kant ao pretender reali
zar a "pa.6.6 age.m do c.onhe.c.ime.nto mo~aR. da ~azão popu.R.a~ ao
26
mesmo tempo, diz Alquié, sumário e forte. Sumário, se o
analisarmos do ponto de vista dialético, na medida em que
se baseia em postulados discutíveis, como, por exemplo, a
separação, no homem, do que e sensibilidade e do que é ra­
zao. Como sabemos, em Kant, a sensibilidade se reduz ao
amor de si, ...
determinado por môbiles sensíveis; sô a razao pode, nes te
caso, ser dete~minante. O aspecto sumário da argumentação
Kantiana residiria na fragilidade dos seus postulados, con
forme observação de Alquié. No entanto, me parece que,
aqui, o fato funda o postulado e não o contrário: os ho­
mens julgam moralmente, e, quando o fazem, convertem uma
máxima em princípio universal. Este é um ato racional. O
próprio ato de julgar sup~e esta separação afirmada por
Kant. Além disso, se considerarmos que o fato moral é irre
cusável, que o valor da boa vontade não pode, efetivamente,
ser reduzido a nenhum outro, que nos encontramos diante de
um fato que nenhuma psicologia, nenhuma antropologia, nenh~
ma história, podem verdadeiramente explicar, reconhecemos
a força da argumentação Kantiana, que utiliza a evidência
do fato moral contra toda experiência empírica. Pela expe­
riência moral, como experiência metafísica, atingimos um
absoluto, que não pode ser reduzido a nenhum sistema, qual
quer que seja. Os homens julgam moralmente. Isto não pode
ser contestado. O que Kant pretende é reivindicar, para e!.
te fato, uma existência de direito. Daí a força da propos­
ta Kantiana. Não quer inventar um novo sistema de moral,
mas legitimar, mediante uma rigorosa explicação filosófi -
ca, o que já existia implícito na consciência comum dos
homens.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS
1 - Kant refere-se aos talentos do espírito e às qualida -
des de temperamento, como coisas boas e desejáveis,
mas que "pode.m tOJtn.aJt-.6e., também, e.xtJte.mame.n.te. mau.6 e.
6un.e..6to.6, .6e. a von.tade., que. de.ve. 6aze.Jt U.60 de.le..6, e. QU
ja..6 d..t.6po.6..tç.õe..6 pJtõpJt..ta..6, pOJt ..t.6.6 o, .6 e. Qhama QaJtã.te.Jt ,
n.ão 60Jt ab.6olutame.n.te. boa." FMC. p. 88.
Pelo temperamento, o homem é afetado, em sua ma­
neira de agir, pelo estado geral do organismo. Pelo ca
ráter, a vontade se determina por princípios práticos,
prescritos pela razão. Em Kant, segundo Delbos, "o te.m
pe.Jtame.n.to Jtep~e..6e.n.ta o que. a n.atuJte.za 6az do home.m, e.
o QaJtã.te.Jt o que. o home.m 6az de..6..t me..6mo." FMC, p.88,
nota de Delbos.
Os dons da natureza, o poder, a r1queza, a conS1
deração, e, mesmo, a saúde, podem se converter em pre­
sunção, se a boa vontade não dirigir para fins univer­
sais a influincia que estas vantagens tim sobre a aI -
ma. Cf. FMe, p. 88.
Parece haver um consenso em que, nestes casos,
pode haver um bom ou mau uso; mas, para Kant, mesmo
certas qualidades que eram consideradas verdadeiras
virtudes pelos moralistas antigos, como a moderação
nas emoções e nas paixões, auto-domínio e calma, refle
xão, não são morais em si mesmas. Cf. FMC, p.89; Cf.
Alquié, p. 20.
3 - Delbos, Victor. La Philosophie Pratique de Kant. Paris,
P re s s e s, 3 e d, 196 9, p. 260.
4 - Alquié, Ferdinand. La Morale de Kant, Les lours de Sor
bonne. Paris, Centre de Documentation Universitaries,
p. 20.
I ~
6 - Ibid. p. 21.
7 - FM C , op. c i t. p. 9 O •
8 - Alquié, op. cit. p. 22.
9 - FMC~ op. cit. p. 90.
10 - C f. Del b os, op. c i t. p. 262.
11 - Ib i d. p. 2 62 .
-12 - FMC p. 92. Segundo Kant, desde que a razao se ocupe de
nossas necessidades, as multiplica e as agrava. Além
disso, quanto mais cultivada, menos pode encontrar no
que se ch~ma as alegrias da vida, o verdadeiro conten­
tamento. Cf. Delbos, op. cit. p. 261.
Kant utiliza o termo platônico misologia, ou se­
Ja, ódio à razão, que seria experimentado por todos os
que fazem do uso da razão a maior experiência. Cf. FMC
p. 92; Cf. Delbos, op. cit. p. 261.
13 - Alquié. op. cit. p. 24.
14 - FMC. op. cit. p. 90, nota de Delbos.
15 - Ibid. p. 93.
fr
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, 1 ! I
diretamente ao conceito de dever. Com efeito, urna vez que
'na~ no~~a~ eondiçõe~, toda vontade não é boa neee~~a~ia­
mente, nem ~em di6ieuldade, o eoneeito de boa vontade não
~ e p~e~ta~ã. a uma anã.li~ e exata, ~ enão ~ e eonduzido a um
out~o eoneeito, que engloba,eom a boa vontade, o~ ob~tã.e~
lo~ ou a~ limitaçõe~ que e~te eneont~a - e~te novo eonee~
to ~e~ã. o de deve~:J A boa vontade i a que age por dever.
O dever implica a submissão à lei moral, que i própria de -toda boa vontade, mesmo de urna vontade santa, mas nao se
reduz a urna tal submissão, porque, em se tratando do de-
ver humano, nao traduz, simplesmente, a presença da lei,
mas o choque entre a boa vontade e as tendincias. '~ eon­
eeito de deve~ é ja, em ~i me~mo, o eoneeito dum eon~t~a~
gimento do liv~e a~bZt~io pela lei!,2 De fato, os seres
racionais-finitos, corno os homens, em que a razão coexis­
te com a sensibilidade, não exercendo sobre esta urna 1n­
fluincia imediata, tim de empreender urna dura luta para
que sua vontade se torne urna boa vontade. Vemos aqu1,
mais urna vez, marcada a presença da separação que, em
Kant, i radical, entre a razão e a sensibilidade; corno es
ta se reduz ao amor de si, ao egoísmo, i inimiga da virt~
de; para ser virtuoso, o homem deve sair vitorioso de sua
luta contra a sensibilidade. "A~ tendê.neia~ da. natu~eza
e~iam, po~tanto, no eo~ação do homem, ob~tã.eulo~ ao eum­
p~imento do deve~ e, também, 6o~ça~ opo~ta~ (em pa~te, p~
de~o~a~), que o homem deve ~e julga~ eapaz de eombate~ e venee~ pela ~azão, não ~omente no 6utu~o, ma~ também, no
in~tante me~mo em que pen~a nela~; em out~o~ te~mo~, o ho
mem deve ~e julga~ eapaz de pode~ o que a lei lhe o~dena, ineondieionalmente, eomo o que deve 6aze~:,3 Kant chama co
ragem (~ortitudon/a 6o~ça e a deei~ão ~e6letida de opo~
uma ~e~i~tê.neia a um adve~~ã.~io pode~o~o, ma~ inju~to;,,4
1 t
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I
esta coragem e virtude("virtus, fortitudo moralis"), quando
se trata do adversário que a intenção moral encontra em nós
mesmos.
Kant se refere, na Doutrina da Virtude, a dois
tipos de deveres: o dever de virtude e o dever de direito.
Neste, o constrangimento e exterior; naquele, -e pessoal,
porque se trata apenas da representação da lei. Aqui, o
conceito de dever se torna um conceito etico, implicando a
determinação interna da vontade (os móbiles).
do direito envolve apenas a condição formal da
A doutrina
Em compensação, a etica nos oferece ainda uma materia (um
objeto do livre arbítrio), um Fim da razão pura, que esta
apresenta, ao mesmo tempo, como um fim objetivamente neces- 5 sário, quer dizer, como um dever para os homens.
Relativamente ao dever, como conceito etico., Kant
distingue três tipos possíveis de ação - contrário ao de-
ver, conforme ao dever, mas para a qual os homens não têm
nenhuma inclinação e, conforme ao dever e, ao mesmo tem-
po, a uma inclinação imediata. Os dois primeiros tipos -nao apresentam dificuldade para serem julgados, o que nao
ocorre com o terceiro, em que e difícil discernir se os ho
mens foram levados a praticar -a açao por dever, por incli-
nação ou por tendência egoísta. Ass~m, pode ocorrer, e,
freqUentemente, -ocorre, que as açoes sejam conformes ao de
ver, mas não praticadas por dever. O valor moral estaria
ligado ã prática do dever pelo dever e não por inclinação,
e mesmo a despeito de toda inclinação contrária.O conceito
de dever supõe a realização de um ato inteiramente livre
de qualquer comprometimento pessoal ou social, ou mesmo de
qualquer particularidade da natureza humana e que, embora
possa trazer benefício, nao e praticado com este fim, mas
tao somente por dever. Em Kant, o princípio do dever, en-
quanto derivado da razão pura, nao pode se conciliar com a
doutrina da felicidade, porque, nesta, o dever não determi­
naria imediatamente a vontade, exigindo a mediação da feli
cidade que, neste caso, ser1a o verdadeiro princípio motor,
que conduziria o homem a agir virtuosamente. 6
31
Kant analisa vários tipos de ações cumpridas segundo o de­
ver, considerando, não a conformidade exterior, mas o aco~
do interno entre seu móbil e o dever; Nesta análise, fi-
ca definido que a condição essencial da ação moral está li
gada ã recusa de toda inclinação como móbil
O primeiro exemplo, do me~cado~ p~evenido,
determinante.
que estabelece
um preço fixo para todos, é um "exemplo de ação conforme ao
dever, para a qual o sujeito não é levado por nenhuma 1n­
clinação imediata, decidindo-se por uma inclinação indire­
ta, que é um cálculo de interesse.,,7 Kant afirma que, ne~ te caso,'~e i lealmente ~e~vido, ma~ i~to n~o i ainda ~u6f
ciente pa~a que daI ~e ~eti~e a convicção de que o me~ca­
do~ ~e tenha conduzido po~ deve~ e po~ p~incIpio de p~obi­
dade; ~ eu inte~e~~ e o exigia ... ,,8 Segundo Alquié
há, neste exemplo, uma hipótese que Kant não considera: -e
a de que este mercador ame seus clientes e que, por isto,
seja honesto. Resta saber se não se incidiria ai no que
Kant chama de amor patológico, derivado das inclinações, e
que, como tal, não pode ser ordenado. A - . un1ca forma de
amor que pode ser ordenado é o amor prático, que
da vontade.
conformes ao dever, mas, a respeito das quais, e
se perguntar se elas lhe são também interiormente
preciso
confor-
mes - o sujeito pode cumpri-las tanto por inclinação imedi \\ ata, quanto por dever. ~;. , ,,\.
Considerando o exemplo daquele que faz o bem aos
outros, sem que a isto seja levado por uma inclinação 1me­
diata, afirma Kant:"i aqu-<.., p~eci~amente, que apa~ece o va
lo~ do ca~ãte~, valo~ mo~al que i incompa~avelmente o mai~
alto, poi~ con~i~te em 6aze~ o bem, não po~ inclinaç~o,
d ,,9
Kant fala ainda do suicídio e declara que conse~
var a vida é um dever que se cumpre, em geral, não por de-
ver, mas por inclinação imediata, não tendo, neste
valor moral.
No entanto, alguem própria vida, quando . -se conserva a Ja
dever, - -nao a ama, por so entao a sua maxima tem valor mo-
ral. 10
apenas enfatizar a noção de dever, fazendo-a ressaltar em
meio a tudo que, por ma1S que se lhe assemelhe exteriormen
te, a contraria, têm ocasionado algumas interpretações de
sua doutrina, que não resistem a uma análise mais aprofun-
dada. Fala-se muito do rigorismo Kantiano: sua doutrina
seria excessivamente rigorosa, na medida em que pretende
que as açoes, para serem morais, não apenas desconsiderem 11 as inclinações, mas, ainda, lutem contra elas. Assim, a
boa vontade, ou a vontade de agir por dever, não se revela I _
seguramente senao quanto esta em luta com as disposições
naturais, e parece bem que Kant termina por fazer, do cara-
ter que permite reconhecê-la, o caráter mesmo que a cons-
titui. Dai, o rigorismo de sua moral. Pelo desfavor em que
ele parece lançar os bons sentimentos espontâneos e a ale-
gria de viver, pela rude austeridade que parece impor ao
cumprimento do dever, este rigorismo não deixou de provo -
car vivas repugnancias. o carater, a educação, o pais de
origem, ate mesmo a idade do filósofo, foram responsabili- 12
zados. No entanto, são muitos os estudiosos da obra Kan
tiana 13
o rigor decorre'do próprio objetivo da análise teórica que
Kant realiza, que ê distinguir o dever da inclinação que
lhe e conforme. o problema que ele se propõe ê o de esta-
belecer o fundamento moral. Poderia a moral ser fundada
sobre as inclinações ou, mais precisamente, sobre a idéia
que representa o maior contentamento possível de todas as
inclinações, sobre a ideia da felicidade? Kant rejeita 1n
sistentemente uma tal possibilidade. A moral e uma . -C1en-
cia pura, uma Metafísica dos Costumes e, -como tal, nao po-
de proceder, num mínimo que seja, segundo determinações
sensíveis. Kant combate a concepção de Wolff que admitia
uma harmonia direta entre a faculdade inferior e a faculda
I I
I f !
num círculo vicioso inevitável. "o eudemonista, com efei
to, não pode esperar ser feliz (ou gozar duma felicidade
interior), senao se está consciente de ter observado o de
ver; e nao pode ser conduzido a observar seu dever, senao , 14
vendo, de antemão, que se tornará feliz assim fazendo~ A
ideia de felicidade não poderia ser uma ideia racional p~
ra. "Há contradição entre a materia e a forma desta ideia.
Por sua forma, coloca um todo absoluto, o maximum de bem
estar possível para o presente e para o futuro; ela exigi
determinada, o ria, portanto, se devesse ser exatamente
pleno conhecimento de todas as condições que podem nos
tornar felizes. Na falta desta consciência, nos conten-
tamos com observações e regras empíricas. Por sua materia,
portanto, a ideia de felicidade não se compoe senão de da
dos particulares, mais ou menos justamente generalizados.
Ela -e, afinal, um ideal, nao da -razao, mas da imaginação,
ideal totalmente incerto que o homem, em busca do prazer,
sacrifica, prontamente, a uma inclinação mais poderosa e
de satisfação mais segura; ideal totalmente indetermina­
do e, embora cada um deseje, sem nenhuma dúvida, ser fe­
liz, ninguem pode, entretanto,dizer, com justeza, o que,
em consequencia, deseja e quer verdadeiramente.,,15 A se
vera condenação do princípio da felicidade não signifi­
ca, contudo, absolutamente, que Kant recuse ao homem o di
reito ã felicidade. Veremos, mais adiante, que a felici
dade ê uma das condições do soberano bem, ao qual a ra-
zão tende necessariamente. Kant tambem não condena as
inclinações em si mesmas, nem julga que, para se ag1r mo
ralmente, seja necessário estar em desacordo com todas
as disposições naturais. O que, em verdade, pretende ê mostrar que o princípio da moralidade ê totalmente inde­
pendente das inclinações e da busca da felicidade. Da
mesma forma, não se pode dizer que, para Kant, seja imo-
ral,ou moralmente indiferente, conservar a vida, fazer
bem aos amigos ou procurar a felicidade. Ele observa ap~
nas que, nestes casos, ê difícil saber se as ações deri-
34
As noções precedentes podem ser resumidas nas
três proposições em que Kant precisa o conceito de dever:
na primeira proposição, afirma que, para possuir valor
moral, a ação deve se realizar por dever. Na segunda pr~
posição, que "uma ação c.umpJz.ida pOJz. deveJz. :tiJz.a .6eu va.toJz.,
não do a.tvo a .6eJz. a.tc.ançado poJz. e.ta, ma.6 da máxima que
a de:teJz.mina; não depende, pOJz.:tan:to, da Jz.ea.tidade do obj~
:to da ação, ma.6 .6omen:te do pJz.inc.Zpio do queJz.eJz., .6egundo
o qua.t a ação e pJz.oduzida,.6em .tevaJz. em c.on.6ideJz.ação ne­ nhum do.6 obje:to.6 da 6ac.u.tdade de de.6ejaJz."l~ Com efeito,
a ação cumprida por dever não pode ser caracterizada por
seus objetos, uma vez que a realidade destes atesta ape-
nas uma conformidade exterior ao dever. Como, no entan-
to, é preciso que a vontade seja determinada por alguma
forma co~sa, resta-lhe, como princípio determinante, a
do querer em geral, uma vez que todo princípio material
lhe foi tirado. o valor moral não resulta dos fins e mo
biles da vontade, mas do princípio segundo o qual ela se
determina que, sendo interior aos objetos de nossas ~n-
clinações, -e independente deles. A vontade está coloca
da entre seu princípio a pJz.ioJz.i e seus mõbiles a pO.6 :te-
Jz.ioJz.i. O princípio a priori é formal porque e uma regra,
cuja universalidade deriva da pura forma da - -razao; os m~
biles a posteriori são materiais, porque são fornecidos
pelos objetos ou pela matéria da faculdade de desejar.
ter c ei,ra -A proposiçao, em que Kant prec~sa o
conceito seguinte: "O deveJz. - nec.e.6.6idade de dever e a e a
de c.umpJz.iJz. uma açao poJz. Jz.e.6 pei:to - .t .,,17 aqui a e-<.. Aparecem
duas noçoes novas, a de respeito e a dê lei, que desemp~
nharão importante papel na doutrina Kantiana da moral. A
lei moral, sendo um conceito puramente intelectual, pode
servir de mõbil graças ao sentimento de respeito, que se
liga diretamente ã representaçao da lei. Este importante
papel atribuído ao sentimento de respeito pode ser me­
lhor compreendido graças ã análise da vontade humana, co
t I
I I
35
mo vontade dum ser~ em que a razão está associada à sensi
bilidade. Uma tal vontade tem motivos e móbiles. É prec~
so, portanto, que haja motivos e móbiles morais. Caso con
trário, não estaríamos satisfazendo às estritas condições
da moralidade. Assim, a lei moral, da qual, no plano mo-
ral, tudo decorre, deve ser, não apenas o princípio for­
mal de determinação, mas ainda, o princípio material, ob­
jetivo,e o princípio subjetivo, ou seja, o móbil. A ques­
tão do móbil, como observa Alquie,"ê muito mai.6 e.mbaJtaça!!:.
te. que. a do motivo. No que. ~on~e.Jtne. ao motivo, o de..6dobJta
me.nto, de. que. .60 o .6e.Jt Jta~ional ê ~apaz la Jtazão não .6 e.
.6e.paJta, e.m Kant, de. uma ~e.Jtta ~on.6~iên~ia de. .6il pe.Jtmite.
Jte..6olve.Jt a que..6tão. O age.nte. mOJtal, paJta .6e. de.te.JtminaJt .60
pe.la 60Jtma da Jtazão, pode. pJtoje.taJt e..6ta 60Jtma diante. de.
.6i paJta 6aze.Jt de.la um motivo. Ei.6 aI pOJtque. Kant de.~laJta
que. .6e.Jt moJtal ~on.6i.6te. e.m .6e. Jte.pJte..6e.ntaJt a pJtopJtia le.i e.m
todo o .6e.u JtigoJt e. .6ua autoJtidade. e. 6aze.Jt de..6ta Jte.pJte..6e.n-
tação o pJtin~Ipio de.te.Jtminante. da vontade.:'18 Aqui, -nao
salmos jamais do plano da -razao. No que concerne ao -mo-
bil, no entanto, trata-se de operar a síntese da lei mo­
ral e da sensibilidade. Estamos aqu1, repete Alquie, dian
te. de. uma .6ituação e.xtJte.mame.nte. de.li~ada, uma ve.z que. tu­
do o que. Kant diz e. Jte.diz, ê que. pJte.~i.6ame.nte. a .6e.n.6ibili
dade. ê 6e.~hada .6obJte. .6i, que. ê amoJt de. .6i, que. ê, puJta e.
.6imple..6me.nte.,e.goI.6mo. Como, poi.6, e.n~ontJtaJt, ne..6ta .6e.n.6i
bilidade., um mobil mOJtal? ~ ~laJto