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1 ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DOS PLANOS HORIZONTAIS NO CAMPUS SANTA MÔNICA UFU. Julia Figueiredo Cunha 1 RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão sobre os planos horizontais que compõem o espaço do Campus Santa Mônica da Universidade Federal de Uberlândia MG. Através da análise de como eles se apresentam e da forma como podem interferir no comportamento dos usuários no habitar do campus, é possível compreender sentidos implícitos nesses elementos e significados presentes em cada posicionamento. A determinação de um espaço a partir daquilo que é construído ou indicado interfere diretamente no modo de agir das pessoas, sugerindo os locais a percorrer, obstáculos e níveis de hierarquia. Palavras-chave: Planos horizontais, Espaço, Campus, Percurso. ABSTRACT The aim of this paper is presenting a reflection about the horizontal plans that is part of the Santa Monica Campusspace, Uberlandia’s Federal University MG. Analyzing how they present themselves and the way that they can interfere on campus users behavior, its possible to understand implicit senses at these elements and the meanings existents on each positioning. The spaces determination by what is constructed or indicated interfere directly on peoples way of acting, suggesting where to roam, obstacles and hierarchys levels. Keywords: Horizontal plans, Space, Campus, Route. 1 Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia.

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ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DOS PLANOS HORIZONTAIS NO CAMPUS SANTA

MÔNICA – UFU.

Julia Figueiredo Cunha1

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão sobre os planos horizontais que compõem o

espaço do Campus Santa Mônica da Universidade Federal de Uberlândia – MG. Através da

análise de como eles se apresentam e da forma como podem interferir no comportamento dos

usuários no habitar do campus, é possível compreender sentidos implícitos nesses elementos e

significados presentes em cada posicionamento. A determinação de um espaço a partir

daquilo que é construído ou indicado interfere diretamente no modo de agir das pessoas,

sugerindo os locais a percorrer, obstáculos e níveis de hierarquia.

Palavras-chave: Planos horizontais, Espaço, Campus, Percurso.

ABSTRACT

The aim of this paper is presenting a reflection about the horizontal plans that is part of the

Santa Monica Campus’ space, Uberlandia’s Federal University – MG. Analyzing how they

present themselves and the way that they can interfere on campus user’s behavior, it’s

possible to understand implicit senses at these elements and the meanings existents on each

positioning. The space’s determination by what is constructed or indicated interfere directly

on people’s way of acting, suggesting where to roam, obstacles and hierarchy’s levels.

Keywords: Horizontal plans, Space, Campus, Route.

1 Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia.

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1 INTRODUÇÃO

“O plano do piso constitui o elemento horizontal que sustenta a força

da gravidade à medida que nos movemos e que colocamos objetos

para nosso uso sobre ele. Pode constituir uma cobertura durável do

plano do solo ou um plano mais artificial, elevado, que transpõe o

espaço entre seus suportes. Em qualquer um dos casos, a textura e a

densidade do material de pavimentação influenciam tanto a qualidade

acústica de um espaço quanto a maneiro como nos sentimos à medida

que percorremos sua superfície.” (CHING, 2002.)

Um plano horizontal pode se configurar como um local demarcado no espaço, a partir de uma

alteração de nível ou, por outras características mais sutis, com uma mudança perceptível na

cor, tonalidade ou textura em relação ao seu entorno. Essa diferenciação é suficiente para dar

a essa elemento um caráter intencional, capaz de emitir um significado que dialoga com o

expectador através de sua forma. Pode se configurar como um convite à passagem, ao estar,

um elemento unificador entre duas partes. Entretanto, pode também se mostrar como um

obstáculo, definindo limites espaciais. É uma situação de destaque, como pode ser também de

reclusão.

Diante disso, estar atento às formas dos espaços que nos circunda e perceber como ele se

comporta em relação aos seus usuários, é uma maneira interessante de buscar interpretar o

meio, captando em seus elementos aquilo que é dito implicitamente. O espaço abriga as

pessoas e sugere o modo como elas devem se comportar, logo, a atitude de cada um ao

experimentar o local, é um verdadeiro reflexo de resposta ao que esse meio diz.

Neste trabalho, ao analisar o Campus Santa Mônica, da Universidade Federal de Uberlândia –

UFU, a partir de seus planos horizontais, busca-se entender como esse espaço percebe seus

usuários e como ele se apresenta a eles. O modo como as pessoas sentem-se em um

determinado local está intimamente ligado com a projeção do espaço construído, que também

se verifica nos elementos mais sutis que compõem o todo.

2 A RELAÇÃO BLOCO E USUÁRIO

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Ao apresentar um terreno irregular, o Campus Santa Mônica possui alguns dos seus blocos

tirando partido dessa característica para se posicionar no espaço. Há uma relação de elevação

ou de rebaixamento considerando o nível do pedestre que pode adquirir diversos sentidos para

a percepção desse local.

De acordo com Ching (2002), um espaço elevado pode servir como um retiro da atividade ao

seu redor, ser uma plataforma de observação ou um ponto de destaque em relação ao meio.

De forma análoga, o autor também analisa os planos rebaixados como uma alusão a sua

natureza introvertida, contrária ao do plano superior, trazendo uma qualidade de abrigo e

proteção. Porém, é importante ressaltar que o sentido dessa mudança de nível está

intimamente ligado ao grau até qual a continuidade espacial e visual é mantida entre esse

plano e os seus arredores. A escala é um fator determinante para a compreensão do

significado dessa colocação do elemento no espaço e o modo como esse edifício se relaciona

com os passantes e usuários.

Muitos dos blocos desse campus estão posicionados em plataformas elevadas em relação ao

nível do pedestre, onde o acesso é feito através de um lance de escadas que faz essa transição

entre o externo e o interno. Esta situação pode ser interpretada como uma marcação de

mudança de uso, na qual o ambiente de estudos está separado do espaço da rua. Ao mesmo

tempo, um sentido muito mais forte que é passado ao expectador é a ideia de destaque, na

qual o bloco se coloca em uma posição elevada, sendo um ponto de observação e

contemplação desse edifício na paisagem.

Figura 1: Acesso lateral bloco 3Q Figura 2: Acesso bloco 3E

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Outra situação interessante é a posição rebaixada de alguns níveis dos blocos em relação à

passagem do pedestre. Muitas dessas situações ocorrem quando a lateral considerada abriga

salas de aula o de reunião, gerando uma conotação de reclusão desses espaços em relação ao

meio externo. Permanece a marcação de mudança de uso, além de tornar mais forte a barreira

visual e, em alguns casos, a luminosa.

A sobreposição de planos em um bloco através de seus pavimentos ou acessos criando uma

permeabilidade visual é um importante fator de convívio e reconhecimento entre as pessoas

que frequentam o espaço. Planos mais elevados continuam a criar uma situação de destaque e

também uma plataforma para observação do espaço circundante. É uma possibilidade de

apreendê-lo melhor, além de se criar um local de estar que permita a contemplação.

Concomitante a isso, os planos rebaixados criam áreas mais introspectivas, muitas vezes que

demandam uma menor luminosidade e uma maior reserva. Um exemplo desse caso é o bloco

5O A, o qual possui quatro pavimentos, sendo um subterrâneo e outros dois elevados. O

subsolo é onde se localizam auditórios, sendo um local de menor circulação durante todo o

dia. Nos demais pavimentos, se localizam as salas de aula, que trazem um fluxo constante de

estudantes e professores, criando espaços de encontros e convivência.

Figura 3: Lateral bloco 3Q Figura 4: Lateral bloco 1I

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PERCURSOS E LOCAIS DE ESTAR

A diferenciação de um plano horizontal no solo através de textura, cor ou tonalidades é uma

característica comumente utilizada para a demarcação de espaços de circulação. Essa faixa

unificadora entre um ponto e outro se coloca como um convite à passagem do pedestre,

sugerindo por onde ele deve passar e repousar.

Na imagem abaixo, percebe-se a continuidade de uma faixa de piso em pedra diferenciado da

área que o circunda em grama, delimitando o espaço por onde o pedestre deve caminhar. O

simples alargar dessa faixa demarca que aquele local não é mais só uma via de passagem, mas

agora se configura também em um estar.

Figura 5: A continuidade visual e espacial é interrompida; o campo do plano elevado é isolado do plano de solo ou de piso; o plano elevado é transformado em um elemento de abrigo para o espaço situado abaixo. Fonte: (CHING, 2002.)

Figura 6: Bloco 5O A Figura 7: Bloco 5O A

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Um aspecto interessante dessa situação é o caráter de sugestão desse tipo de elemento

delimitador do espaço, sem que ele se torne um verdadeiro obstáculo à passagem. Um

exemplo disso são os caminhos espontâneos que se formam em certos locais, frutos do

percurso de pedestres que criam uma segunda opção através do pisoteio constante em uma

dada área do solo. Esse é o exemplo visualizado na imagem seguinte, em que um caminho de

terra é criado por entre a grama a partir do constante hábito dos usuários de passar por esse

local no intuito de diminuir a extensão a ser percorrida.

Figura 8: Percurso em pedra atrás do R.U. Figura 9: Mobiliário do bloco 1J

Figura 10: Percurso de terra criado espontaneamente atrás do bloco 1I

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Descontinuidades no percurso geradas a partir de pequenos desníveis podem criar situações

interessantes de estar. Segundo Ching (2002), quando esse desnível não se coloca como um

grande obstáculo à passagem e a continuidade visual é mantida, o acesso físico é facilmente

acomodado. O rebaixamento pode ser tomado como um espaço de sentar e descanso, o que

cria uma situação de confortável permanência no local, possibilitando maiores encontros entre

os usuários.

Para ilustrar essa situação, é possível mostrar dois locais diferentes em que o rebaixamento do

piso cria um ambiente de estar, mesmo que não tenha sido considerado esse uso intencional

no momento de concepção do projeto. Uma dessas situações é no bloco 5O A que, por se

localizar em frente a uma lanchonete, essa situação é ainda mais favorecida. Outro local é um

antigo espelho d’água desativado locado no saguão da biblioteca, que se torna um convite aos

estudantes para sentar-se e passar um tempo nesta área.

A CONTRADIÇÃO ENTRE PEDESTRES E VEÍCULOS

A relação entre pedestres e veículos torna-se conflitante em alguns casos quando um é

favorecido em detrimento do outro. A área do Campus Santa Mônica é extensa para ser

percorrida a pé e, sem condições que favoreçam essa caminhada, o percurso pode tornar-se

ainda mais cansativo.

O Campus Santa Mônica é uma área bastante arborizada, principalmente em sua área

central. Entretanto, encontra-se uma carência de um percurso voltado para o pedestre

justamente nos locais de maior sombra. Nos canteiros centrais, onde se localiza a maior parte

da massa arbórea do campus, o espaço mais favorecido são as vagas para o estacionamento de

Figura 12: Bloco 5O A Figura 11: Saguão biblioteca

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carros. Outro ponto que chama atenção é a predominância do nível da via de passagem de

automóveis em relação às travessias de pedestres. É necessário que o transeunte desça ao

nível da rua para atravessar de um lado para o outro da via ao passo que, seria mais

interessante, que o contrário ocorresse. Percebe-se, através de elementos como estes, uma

importância maior que é dada ao carro dentro do campus.

Recentemente foram criadas travessias elevadas em alguns pontos do campus da universidade

que facilitam o deslocamento do transeunte, fazendo com que este ocorra sempre em nível.

Deste modo, nesses locais é necessário que o veículo mude de nível para continuar o seu

percurso, ao contrário do que ocorre na maioria dos casos. Essa medida criou alguns espaços

interessantes na universidade como, por exemplo, um espaço mais amplo de passagem para o

pedestre que pode se transformar em uma ampla calçada e espaço de estar.

Figura 13: Pedestres atravessando próximo ao bloco 1I Figura 14: Ausência de árvores para o percurso do pedestre

Figura 15: Travessia elevada em frente ao bloco 3D

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Entretanto, percebe-se uma falta de planejamento na execução dessas travessias que, além de

serem desconfortáveis aos veículos devido a sua inclinação, não atendem por completo às

necessidades dos pedestres. Em muitos cruzamentos a elevação foi realizada sem que, em

suas laterais, não tenha uma calçada para a continuação do percurso do caminhante.

Figura 16: Travessia elevada com ausência de calçada para pedestres em frente ao bloco 1H

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se então que os planos horizontais exercem grande influência no significado de um

espaço, trazendo consigo sugestões implícitas de como o usuário deve se comportar. O espaço

construído é pensando e concebido de acordo com as intenções que se permite levar ao local,

delimitando certas áreas, abrindo outras para o convívio em grupo e favorecendo certo

público alvo.

Portanto, é necessário pensar em como todos esses elementos irão compor o espaço e que

significado eles darão a ele. Considerar o usuário e os possíveis usos do local é de extrema

importância durante a sua concepção e para que ele se adeque de forma satisfatória ao

cotidiano de cada um. Saber utilizar-se dos planos horizontais como elemento de composição

do meio e compreender o significado que eles apresentam em cada posicionamento é uma

criativa arma na criação.

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REFERÊNCIAS

CHING, Francis D. K. Arquitetura, forma, espaço e ordem. Martins Fontes, São Paulo, 2002.