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LEISE CRISTINA BIANCHINI ANÁLISE DA IMPLANTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO EM LONDRINA-PR: CONCEPÇÃO, LIMITES E POSSIBILIDADES DO MACROCAMPO ESPORTE E LAZER Londrina 2016

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  • LEISE CRISTINA BIANCHINI

    ANLISE DA IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO

    PROGRAMA MAIS EDUCAO EM LONDRINA-PR:

    CONCEPO, LIMITES E POSSIBILIDADES DO

    MACROCAMPO ESPORTE E LAZER

    Londrina

    2016

  • LEISE CRISTINA BIANCHINI

    ANLISE DA IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO PROGRAMA

    MAIS EDUCAO EM LONDRINA-PR: CONCEPO, LIMITES E

    POSSIBILIDADES DO MACROCAMPO ESPORTE E LAZER

    Relatrio de Pesquisa apresentado ao Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade Estadual de Londrina, como requisito obteno do ttulo de Mestre em Educao. (rea de concentrao: Educao Escolar Ncleo: Polticas Educacionais) Orientadora: Profa. Dra. Eliane Cleide da Silva Czernisz

    Londrina 2016

  • Ficha de identificao da obra elaborada pelo autor, atravs do Programa de GeraoAutomtica do Sistema de Bibliotecas da UEL

    BIANCHINI, LEISE CRISTINA.

    ANLISE DA IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO PROGRAMA MAISEDUCAO EM LONDRINA-PR : CONCEPO, LIMITES E POSSIBILIDADES DOMACROCAMPO ESPORTE E LAZER / LEISE CRISTINA BIANCHINI. - Londrina, 2016.182 f. : il.

    Orientador: Eliane Cleide da Silva Czernisz.Dissertao (Mestrado em Educao) - Universidade Estadual de Londrina, Centro de

    Educao Comunicao e Artes, Programa de Ps-Graduao em Educao, 2016.Inclui bibliografia.

    1. Polticas Pblicas Educacionais - Teses. 2. Programa Mais Educao - Teses. 3.Macrocampo Esporte e Lazer - Teses. 4. Educao Fsica - Teses. I. Czernisz, ElianeCleide da Silva. II. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Educao Comunicao eArtes. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.

  • LEISE CRISTINA BIANCHINI

    ANLISE DA IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO PROGRAMA

    MAIS EDUCAO EM LONDRINA-PR: CONCEPO, LIMITES E

    POSSIBILIDADES DO MACROCAMPO ESPORTE E LAZER

    Relatrio de Pesquisa apresentado ao Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade Estadual de Londrina, como requisito obteno do ttulo de Mestre em Educao. (rea de concentrao: Educao Escolar Ncleo: Polticas Educacionais)

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________________ Profa. Dra. Eliane Cleide da Silva Czernisz Universidade Estadual de Londrina - UEL

    ____________________________________ Profa. Dra. Isaura Monica Souza Zanardini

    Universidade Estadual do Oeste do Paran - UNIOESTE

    ____________________________________ Profa. Dra. Maria Jos Ferreira Ruiz

    Universidade Estadual de Londrina - UEL

    ____________________________________ Profa. Dra. Marleide Rodrigues da Silva

    Perrude Universidade Estadual de Londrina - UEL

    Londrina, 29 de Fevereiro de 2016.

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho pessoa que a razo dos meus dias, pelo apoio incondicional, acreditando sempre nos meus sonhos.

  • AGRADECIMENTOS

    Meus sinceros agradecimentos a minha orientadora Prof. Dr. Eliane Cleide

    da Silva Czernisz, por compartilhar seus conhecimentos, pelo exemplo de respeito,

    seriedade, rigor terico e humanidade. Seu apoio e confiana possibilitaram-me

    desenvolver este estudo. Registro a ela meu respeito e admirao.

    s professoras, Prof. Dr. Isaura Monica Souza Zanardini, Prof. Dr. Maria

    Jos Ferreira Ruiz e Prof. Dr. Marleide Rodrigues da Silva Perrude que

    constituram as Bancas de Qualificao e de Defesa, pela leitura deste trabalho e

    valiosas sugestes para redao final.

    Secretaria Estadual de Educao do Estado do Paran e ao Ncleo

    Regional de Assis Chateaubriand, pelo afastamento das atividades para a realizao

    deste trabalho.

    s pessoas que compem o Ncleo Regional de Educao de Londrina e

    entrevistados das Escolas analisadas, pelas entrevistas concedidas, que permitiram

    a realizao e concluso do presente estudo.

    Aos meus pais, Carlos Bianchini e Ivone Buranello Bianchini (in memorian)

    por investirem todos os esforos possveis na minha educao e por acreditarem no

    meu potencial, deixando-me livre para realizar minhas escolhas.

    minha irm Elaine e ao meu sobrinho Carlos Antho pelo apoio, realizando

    as transcries das entrevistas.

    Aos amigos Vilma Rinaldi Bisconsini, Tnia Regina Casado e Aguinaldo

    Romanini, os quais me incentivaram no somente com palavras, mas tambm, em

    momentos oportunos, com seus conhecimentos, contribuindo para o meu

    crescimento acadmico e profissional.

    Aos meus amigos, simplesmente pela amizade. Isso me basta.

    A todos os professores que acreditam em uma educao que possibilite a

    emancipao humana e lutam por isso.

    Enfim, ao meu bom Deus.

  • BIANCHINI, Leise Cristina. Anlise da implantao e implementao do Programa Mais Educao em Londrina-Pr: concepo, limites e possibilidades do Macrocampo Esporte e Lazer. 2016. 182f. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2016.

    RESUMO

    Nesta pesquisa, discute-se a implantao da educao integral e em tempo integral, um constante desafio, com o objetivo de analisar de que maneira ocorreram a implantao e a implementao do Programa Mais Educao em duas escolas estaduais da cidade de Londrina, no Estado do Paran. Para tanto, procurou-se responder seguinte problemtica: Como ocorreu a implantao e implementao do Programa Mais Educao nestas escolas de Londrina-Pr? Como foi desenvolvido o Macrocampo Esporte e Lazer? Que papel tem assumido? Quais as condies reais da escola para a implantao e implementao deste macrocampo no Programa Mais Educao? Que relao este macrocampo estabelece com a Educao Fsica? Buscou-se, a partir da anlise do Programa Mais Educao, discutir as intencionalidades, concepes e condies concretas de realizao do Programa como poltica pblica nacional, especificamente no que se refere s aes do Macrocampo Esporte e Lazer neste contexto. O estudo se faz importante, visto que a proposta de educao integral um assunto polmico e contraditrio na sociedade capitalista, considerando o atual contexto de exigncia de mudanas da condio de um pas pouco desenvolvido para a posio de em desenvolvimento, o qual pressupe investimento em educao. Trata-se de uma investigao com abordagem qualitativa, na qual foram realizadas pesquisa bibliogrfica, anlise documental e entrevista, com base em um roteiro semiestruturado, com as equipes diretiva, pedaggica, e professores graduados em Educao Fsica que atuam em atividades do Macrocampo Esporte e Lazer no Programa Mais Educao de duas escolas pblicas estaduais que, desde 2010, desenvolvem experincias de jornada ampliada com o Programa Mais Educao no municpio de Londrina-PR. Pelos resultados obtidos, observa-se que o Programa Mais Educao e, consequentemente, seu Macrocampo Esporte e Lazer, e as aulas de Educao Fsica denotam uma viso salvacionista da educao e do esporte, como soluo para os problemas sociais, escamoteando suas causas. Depreende-se, ainda, que a escola, no neoliberalismo, tornou-se um local para resoluo de questes sociais abandonadas pelo Estado. Os dados nos mostram que as atividades do Macrocampo Esporte e Lazer do Programa Mais Educao, na grande maioria das vezes, so as atividades preferidas por parte dos alunos, uma vez que proporcionam maior adeso, auxiliam na no evaso e frequncia dos mesmos ao Programa, dando-lhe sustentao. Foi possvel perceber, tambm, que as atividades do Macrocampo Esporte e Lazer se distanciam da Cultura Corporal como objeto de estudo e ensino, conforme preconizado nas Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao Bsica para a Rede Estadual de Ensino do Estado do Paran, aspecto que refora diferenas entre as aulas do turno regular e as atividades do Macrocampo Esporte e Lazer do Programa Mais Educao. PALAVRAS-CHAVE: Polticas Pblicas Educacionais. Programa Mais Educao. Macrocampo Esporte e Lazer. Educao Fsica.

  • BIANCHINI, Leise Cristina. Analysis of implantation and implementation of the Mais Educao Program in Londrina-PR: conception, limits and possibilities of the Sports and Leisure Macrocampo. 2016. 182f. Dissertation (Education Masters) State University of Londrina, Londrina, 2016.

    ABSTRACT

    This research argues the implantation of integral education and in full time, a constant challenge. It aims to analyse in which way implantation and implementation of the Mais Educao Program occur in two state schools in the city of Londrina in the state of Paran. Therefore, we searched to answer the following problematic: How did the implantation and implementation of the Mais Educao Program in schools of Londrina-PR? How was the Macrocampo Sport e Leisure developed? What role has it taken? What are the real conditions of the school for the implantation and implementation of this Macrocampo in the Mais Educao Program? What relation does this Macrocampo establishes with the Physical Education? It has searched from the analysis of the Mais Educao Program to discuss the intentions, conceptions and concrete conditions of realization of the Program as a national public policy, specificly regarding the actions of the Sport and Leisure Macrocampo in this context. The study is made important since the full time education proposition is a controversial and contradictory in capitalist society, considering the current context of the demand for changes in conditions of a underdeveloped country into the status of in develepment, which presupposes an investment in education. It is an investigation with a qualitative approach. Bibliographic research was made, documental analysis and interview, based in a semi structured script, with the principal staff, the pedagogical and teachers trained in Physical Education who perform activities in the Sports and Leisure Macrocampo within the Mais Educao Program of two state public schools which since 2010 have been developing experiences with extended hours with the Mais Educao Program in the city of Londrina-PR. With the obtained results it is noted that the Mais Educao Program and consequently its Sport and Leisure Macrocampo as well as Physical Education lessons show a salvationistic view of education and sports as solution to social problems, pilfering its causes, and that the school, within neoliberalism, has become a place for the resolution of social matters which the government has abandoned. Data has shown that activities of the Sport and Leisure Macrocampo of the Mais Educao Program most of the times are the students favourite activities since they provide greater adhesion, aid in non-circumvention and their frequency to the Program, giving it support. It was also possible to realize that the activities of the Sport and Leisure Macrocampo distant themselves of the Body Culture as object of study and teaching as recommended by the Curriculum Guidelines of Basic Education for the State Network of Paran State Education, aspect which reinforces differences between lessons of the regular shift and the activities of the Sport and Leisure Macrocampo of the Mais Educao Program. KEY WORDS: Public Educational Policies. Mais Educao Program. Sport and Leisure Macrocampo. Physical Education.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Mapa das regies e bairros da cidade de Londrina ...............................128

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Dissertaes e Teses utilizadas ...........................................................27

    Quadro 2 - Macrocampos Escolas Urbanas (2010 2014) ....................................86

    Quadro 3 - Macrocampos Escolas do Campo (2010 2014) ................................87

    Quadro 4 - Instrues para regulamentao da Educao Integral .......................121

    Quadro 5 - Escolas Estaduais do Ncleo Regional de Educao de Londrina que

    aderiram ao Programa Mais Educao em 2010......................................... ...........125

    Quadro 6 Atividades do Macrocampo Esporte e Lazer desenvolvidas pelas

    Escolas Estaduais do NRE de Londrina no ano de 2010 ........................................126

    Quadro 7 Macrocampos e Atividades ofertadas pela Escola 2 no ano de 2010..142

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ANPED Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

    BNCC Base Nacional Curricular Comum

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CEE/PR Conselho Estadual de Educao do Paran

    CELEM Centro de Lnguas Estrangeiras Modernas

    CMEI Centros Municipais de Educao Infantil

    CONAE Conferncia Nacional de Educao

    CONFEF Conselho Federal de Educao Fsica

    DCE Diretrizes Curriculares Estaduais

    DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

    DCOEB/PR Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao Bsica para a Rede

    Estadual de Ensino do Paran

    DEIDHUC Diretoria de Educao Integral, Direitos Humanos e Cidadania

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    EDF Educao Fsica

    FHC Fernando Henrique Cardoso

    FUNDEB Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de

    Valorizao dos Profissionais da Educao

    FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

    de Valorizao do Magistrio

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica

    IDHM ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

    IES Instituies de Ensino Superior

    IFMS Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Mato Grosso

    do Sul

    LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MARE Ministrio da Administrao e Reforma do Estado

    MCT Ministrio da Cincia e da Tecnologia

    ME Ministrio do Esporte

    MEC Ministrio da Educao

    MEL Macrocampo Esporte e Lazer

  • MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

    MINC Ministrio da Cultura

    MMA Ministrio do Meio Ambiente

    NRE Ncleo Regional de Educao

    ONGs Organizao No-Governamental

    OSCIP Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    PBF Programa Bolsa Famlia

    PCN Parmetros Curriculares Nacionais

    PDE Plano de Desenvolvimento da Educao

    PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

    PME Programa Mais Educao

    PNAE Programa Nacional de Alimentao Escolar

    PNE Plano Nacional de Educao

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

    PROUNI Programa Universidade para Todos

    PSS Processo Seletivo Simplificado

    PST Programa Segundo Tempo

    QPM Quadro Prprio do Magistrio

    RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educao Infantil

    SECAD Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade

    SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica

    SAEP Sistema de Avaliao da Educao Bsica do Paran

    SEB Secretaria de Educao Bsica

    SEED Secretaria Estadual de Educao do Estado do Paran

    SINAES Sistema Nacional de Avaliao do Ensino Superior

    UEL Universidade Estadual de Londrina

    UEM Universidade Estadual de Maring

    UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFPR Universidade Federal do Paran

    UnB Universidade de Braslia

    UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paran

    UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .......................................................................................... 16

    2 POLTICAS PARA A EDUCAO: O PAPEL DO ESTADO E OS

    PLANOS DE GOVERNO .......................................................................... 36

    2.1 O Estado e a Educao ............................................................................ 37

    2.2 Planos de Governo Federais ..................................................................... 48

    2.3 Planos de Governo do Estado do Paran ................................................. 55

    3 PROGRAMA MAIS EDUCAO ............................................................. 70

    3.1 O PME: surgimento e adeso ................................................................... 70

    3.2 Desenvolvimento histrico do PME: principais documentos ..................... 74

    3.2.1 Plano de Desenvolvimento da Educao: Razes, Princpios e Programas

    2007 .......................................................................................................... 75

    3.2.2 Portaria Normativa Interministerial n 17, de 24 de Abril de 2007 ............. 76

    3.2.3 Decreto Presidencial n 7.083, de 27 de Janeiro de 2010......................... 78

    3.2.4 Educao integral/educao integrada e(m) tempo integral: concepes e

    prticas na educao brasileira - Mapeamento das experincias de

    jornada escolar ampliada no Brasil - Srie Mais Educao/2010.............. 79

    3.2.5 Manual Operacional da Educao Integral/MEC 2010-2014 .................... 80

    3.2.6 Programa Mais Educao Passo a Passo/2011 .................................... 88

    3.2.7 Financiamento do PME e o Plano Nacional de Educao (2014-2024) .... 90

    4 O MACROCAMPO ESPORTE E LAZER E SUA RELAO COM A

    EDUCAO FSICA ................................................................................. 92

    4.1 Panorama Histrico da Educao Fsica .................................................. 92

    4.2 A Educao Fsica e as Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao

    Bsica para a Rede Estadual de Ensino do Paran (DCOEB/PR) ......... 102

    4.2.1 A Educao Bsica nas Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao

    Bsica para a Rede Estadual de Ensino do Paran (DCOEB/PR) ......... 104

    4.2.2 Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao Bsica para a Rede

    Estadual de Ensino do Paran da disciplina de Educao Fsica ........... 107

    4.2.2.1 Contedos Estruturantes da Educao Fsica segundo as DCOEB/PR . 111

  • 4.3 O Macrocampo Esporte e Lazer do PME: concepo e aproximao com a

    disciplina de Educao Fsica ................................................................. 115

    5 O PROGRAMA MAIS EDUCAO EM ESCOLAS DE LONDRINA-PR120

    5.1 Os Programas de ampliao da jornada escolar no Estado Paran ....... 120

    5.2 Programa Mais Educao em Londrina .................................................. 123

    5.3 Levantamento de dados nas escolas ...................................................... 127

    5.3.1 Caracterizao da Escola Estadual 1 ...................................................... 128

    5.3.1.1 Dados da Entrevista com a Equipe Diretiva da Escola 1 ........................ 129

    5.3.1.2 Dados da Entrevista com a Equipe Pedaggica da Escola 1 .................. 132

    5.3.1.3 Dados da Entrevista com o Professor que atuou na atividade do

    Macrocampo Esporte e Lazer no PME da Escola 1 ................................ 137

    5.3.2 Caracterizao da Escola Estadual 2 ...................................................... 141

    5.3.2.1 Dados da Entrevista com a Equipe Diretiva da Escola 2 ........................ 142

    5.3.2.2 Dados da Entrevista com a Equipe Pedaggica da Escola 2 .................. 148

    5.3.2.3 Dados da Entrevista com o Professor que atuou na atividade do

    Macrocampo Esporte e Lazer no PME da Escola 2 ................................ 160

    CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 165

    REFERNCIAS ....................................................................................................... 169

    ANEXOS ................................................................................................................ 178

    ANEXO A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ..................................... 179

    ANEXO B Roteiro de Entrevista ........................................................................... 181

  • 16

    1 INTRODUO

    O texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei n 9394/96

    (LDBEN), prev a ampliao da jornada escolar, em seus Artigos 34 e 87. No Artigo

    34, aponta que [...] a jornada escolar no ensino fundamental incluir pelo menos

    quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado

    o perodo de permanncia na escola. No pargrafo 2, afirma que, [...] o ensino

    fundamental ser ministrado progressivamente em tempo integral, a critrio dos

    sistemas de ensino. J no Artigo 87, em seu pargrafo 5, conclama para que sejam

    [...] conjugados todos os esforos objetivando a progresso das redes escolares

    pblicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo

    integral (BRASIL, 1996, p. 124).

    A lei aborda e aponta sobre uma progressiva ampliao do tempo de

    permanncia dos estudantes nas escolas no sentido de ofertar escolas de tempo

    integral. Passados quase 20 anos aps a promulgao da LDBEN o assunto

    continua sendo discutido a partir de programas que so encaminhados pelo governo

    federal e desenvolvidos em redes de ensino estaduais e municipais. Como exemplo,

    destacamos um Programa criado no ano de 2007, momento do segundo governo de

    Lus Incio Lula da Silva. Ressalta-se no contexto recente o Plano Nacional de

    Educao Lei N 13005/2014 (PNE) que destaca na Meta 6 a ampliao da

    jornada escolar, sendo o Programa Mais Educao (PME), objeto de estudo da

    presente dissertao o principal indutor.

    Observa-se no PME que muitos termos so encontrados nos documentos

    adjetivando a ampliao do tempo e permanncia escolar como: jornada ampliada,

    ampliao da jornada escolar, escola em tempo integral, escola integral, escola

    integral e em tempo integral, educao em tempo integral, educao integral. Tais

    termos nos levam a uma compreenso equivocada deles ou at compreendendo-os

    como sinnimos. Comentaremos sobre tais termos com o intuito de discern-los.

    Entendemos que os termos jornada ampliada e ampliao da jornada escolar

    possuem o mesmo significado. Silva em sua tese de doutorado faz uma discusso

    ampla e importante sobre o assunto e relata: Diferentes autores trabalham com

    diferentes terminologias, sendo possvel depreender que, ao se referirem

    educao integral, fazem referncia ao aspecto da formao de sujeitos (SILVA,

    2014, p. 93), e que:

  • 17

    Cabe enfatizar que estas terminologias no so utilizadas isoladamente. No geral, um mesmo autor as usa em um nico texto, por vezes justificando suas opes e outras de forma indistinta, considerando a impossibilidade em abordar a discusso sobre a ampliao da jornada escolar e desconsiderar os aspectos referentes a um determinado tipo de formao. No s a literatura do universo acadmico apresenta esta caracterstica, como as propostas e documentos norteadores ao abordarem o tema deixam transparecer certa dubiedade entre o que se pretende em termos de concepo (educao integral) e o que diz respeito forma para a implantao da proposta (escola de tempo integral) (SILVA, 2014, p. 94).

    A autora afirma,

    [...] a ampliao da jornada escolar est relacionada a um aumento da carga horria a ser ofertada pela escola pblica brasileira tradicionalmente sedimentada na oferta de turnos parciais, enquanto que a educao integral est diretamente relacionada a uma ideia de formao plena dos sujeitos (SILVA, 2014, p. 22).

    Entende-se que ampliar o tempo de permanncia do aluno na escola equivale

    a criar as condies de tempo e de espaos para efetivar o conceito de formao

    integral dele. preciso, porm, ressaltar que a inteno da poltica de educao

    integral deve seguir para alm da ampliao de tempos, espaos e oportunidades

    educacionais. Ela deve buscar favorecer a aprendizagem na perspectiva da

    cidadania, da diversidade, do respeito aos direitos humanos e da garantia de acesso

    aos conhecimentos cientficos, historicamente elaborados, e que necessitam ser

    trabalhados pela escola pblica, como condio de superao das diferenas

    sociais, dando aos estudantes possibilidade de transformao desta realidade. Para

    isso, preciso que a escola tenha condies fsicas, materiais e humanas para

    atender a proposta.

    O Governo Federal, para induzir a ampliao da jornada escolar e a

    organizao curricular, na perspectiva da Educao Integral, instituiu, por meio da

    Portaria Normativa Interministerial n 17, de 24 de abril de 2007, e pelo Decreto

    Presidencial 7083/2010, o PME, que, integra as aes do Plano de Desenvolvimento

    da Educao (PDE).

    O PME, direcionado para redes pblicas de educao bsica de Estados,

    Distrito Federal e Municpios, objetiva contribuir para a formao integral de

    crianas, adolescentes e jovens. Para tanto, o documento Manual Operacional

    (2014) prope a implementao de atividades socioeducativas. Este mais um

  • 18

    termo encontrado num documento orientador do PME. Concordamos com Silva

    (2014), que discutindo o assunto, entende por atividades socioeducativas, aquelas

    [...] que se desenvolvem por meio de aes e processos no vinculados ao sistema de mritos e nveis tpico do sistema escolar formal e possibilita aprendizagens articuladas que contribuem para o desenvolvimento pessoal e social de crianas e adolescentes, atualizando e complementando conhecimentos j trazidos por estes de sua vivncia familiar e experincia cultural (SILVA, 2014, p. 19).

    De acordo com o Manual Operacional (BRASIL, 2013) essas atividades que

    sero desenvolvidas no contraturno escolar so organizadas a partir de

    macrocampos1, visto que so sete para as escolas urbanas2: Acompanhamento

    pedaggico; Comunicao, uso de mdias e cultura digital e tecnolgica; Cultura,

    artes e educao patrimonial; Educao ambiental, desenvolvimento sustentvel e

    economia solidria e criativa/educao econmica (educao financeira e fiscal);

    Esporte e lazer; Educao em direitos humanos; Promoo da sade. E, sete para

    as escolas rurais:

    [...] Acompanhamento pedaggico; Agroecologia; Iniciao cientfica; Educao em direitos humanos; Cultura, artes e educao patrimonial; Esporte e lazer; Memria e histria das comunidades tradicionais (BRASIL, 2013, p. 25-26).

    Cada um deles agrega suas atividades especficas e cada estabelecimento de

    ensino faz sua opo de atividade de acordo com o interesse de sua comunidade

    escolar, obedecendo claro, aos critrios estabelecidos pelo Manual Operacional do

    Programa. Considerando-se a especificidade deste trabalho, que discute o

    Macrocampo Esporte e Lazer e sua relao com a Educao Fsica no PME,

    entendemos ser necessrio, apresent-lo. Sua ementa diz tratar-se de:

    Atividades baseadas em prticas corporais, ldicas e esportivas, enfatizando o resgate da cultura local, bem como o fortalecimento da diversidade cultural. As vivncias trabalhadas na perspectiva do esporte educacional devem ser voltadas para o desenvolvimento integral do estudante, atribuindo significado s prticas desenvolvidas com criticidade e criatividade. O acesso prtica

    1 Entende-se, conforme os documentos do PME, que os macrocampos so grupos de atividades

    afins. 2 Alteraes ocorreram no Manual Operacional de 2012, o qual estipulou macrocampos especficos e

    diferenciados para as escolas rurais. J no Manual Operacional de 2013, alguns macrocampos das escolas urbanas foram acoplados, unidos, passando de dez para sete. O detalhamento desta questo ser feito no captulo 2.

  • 19

    esportiva por meio de aes planejadas, inclusivas e ldicas visa incorpor-la ao modo de vida cotidiano (BRASIL, 2014, p. 15)

    A escolha das atividades que sero desenvolvidas no PME de suma

    importncia, pois, como preconiza o documento Passo a Passo (BRASIL, 2011)3,

    estas devem estar pautadas no PPP da escola e ter relao com o que a escola j

    realiza, devendo considerar os diferentes saberes [...] sem ficar restrito ao ambiente

    de sala de aula e aos contedos que representam os conhecimentos cientficos

    (BRASIL, 2011, p. 24). Portanto, essas atividades consideram os diferentes saberes

    e podem ser desenvolvidas extra muros escolares, alm de ter relao com a cultura

    local e com as experincias j desenvolvidas pela escola, preconizando as

    concepes adotadas pelo PPP da mesma.

    O interesse em compreender o Macrocampo Esporte e Lazer e sua relao

    com a Educao Fsica no processo de implantao e implementao do PME tem

    origem na minha trajetria como professora da disciplina na rede estadual pblica,

    no ensino fundamental - sries finais e ensino mdio (2000/2006), e na atuao

    como coordenadora pedaggica disciplinar da Equipe de Educao Bsica do

    Ncleo Regional de Educao (NRE) de Assis Chateaubriand do Estado do Paran

    (2006/2014).

    Como professora da disciplina de Educao Fsica, percebi que, na maioria

    dos estabelecimentos de ensino estaduais pblicos, esta disciplina ocupava uma

    posio inferiorizada frente as demais disciplinas escolares, pois, era vista como

    uma atividade de lazer, como disciplina coadjuvante, auxiliar das outras disciplinas

    escolares, como uma disciplina destituda de objeto de estudo e ensino, e por fim

    sem importncia na formao dos alunos, pois seus contedos no so

    considerados pelas avaliaes de larga escala e vestibulares. Na coordenao

    pedaggica disciplinar, minhas inquietaes como professora se multiplicaram, pois

    pude constatar que a Educao Fsica fazia-se presente como uma disciplina

    importante na oferta dos projetos de atividades curriculares complementares em

    contraturno4, como se fosse a disciplina que d sustentao e que proporciona a

    adeso dos alunos a estas atividades. Portanto, o interesse por tal investigao

    3 O documento Programa Mais Educao: Passo a Passo foi produzido pelo Ministrio da Educao

    sob a organizao de Jaqueline Moll. Este documento orienta e esclarece sobre o funcionamento do PME e sua organizao no contexto escolar. 4 Como os Programas Estaduais Viva a Escola e Programa de Atividade Complementar Curricular em

    Contraturno e com o Programa Federal Mais Educao.

  • 20

    surgiu pela observao da prtica educativa da disciplina de Educao Fsica e das

    tentativas de contemplar atividades dessa rea na implantao do PME.

    Em vista do exposto, espera-se que este estudo possibilite compreender, na

    implantao e implementao do PME, como foram desenvolvidas as atividades do

    Macrocampo Esporte e Lazer, buscando-se entender o papel assumido pela

    Educao Fsica, para alm da atividade fsica, como algo ou ao coerente com a

    proposio da organizao escolar e inteno de formao integral. Nesse desafio,

    preciso entender os determinantes polticos e as necessidades reais para a devida

    implementao de um projeto educativo brasileiro de que emerja uma perspectiva

    capaz de ressignificar os tempos e os espaos escolares, por intermdio de uma

    proposta pedaggica que tenha como ponto de partida o desenvolvimento humano,

    em sua integralidade, na direo de uma proposta efetiva de educao integral e em

    tempo integral.

    PROBLEMA

    Percebe-se, no discurso do MEC, que a implantao da educao integral e

    em tempo integral no Brasil um desafio, dado sua tradio poltica e econmica

    de escasso investimento em educao. H que se considerar que o contexto atual

    de exigncia de mudanas da condio de um pas pouco desenvolvido para a

    posio de em desenvolvimento pressupe investimento em educao. Isso porque

    os investimentos realizados tm ocorrido no sentido de ampliar o tempo para

    formao com a extenso do que entendido como educao bsica. Por outro

    lado, a proposta de educao integral tambm um assunto polmico, se

    considerarmos a perspectiva do PME em contraposio perspectiva de busca da

    omnilateralidade que procura a superao da educao pensada para distintas

    classes sociais, um assunto que pode ser visto em Lombardi (2012) quando aborda

    a proposta comunista de educao. possvel verificar, desde a defesa feita em

    Jomtien no ano de 1990, que o que era considerado bsico era o ensino

    fundamental. Com a LDBEN 9394/96, a educao bsica passa a englobar a

    educao infantil, ensino fundamental e ensino mdio, ocorrendo, portanto, uma

    ampliao das etapas que compem o que passa a ser considerado bsico. Com a

    Emenda Constitucional n. 059/2009, surge a exigncia do oferecimento de educao

    escolar para os alunos de 04 a 17 anos, o que refora a obrigatoriedade da

  • 21

    escolarizao, assim como a necessidade de educao bsica, novamente um

    aspecto ressaltado nas Metas 1, 2, 3 e 4 do PNE.

    Percebe-se que, para alm desta ampliao do tempo para formao, tem

    sido bastante discutida a ampliao do tempo de permanncia na escola, porque se

    considera necessrio, nos dias atuais, aliar educao a um papel protetivo,

    aumentando o tempo em que crianas e adolescentes permanecem na escola. Este

    tem sido tambm o objetivo do PME, desenvolvido pelo MEC e operacionalizado

    pela Secretaria de Educao Bsica (SEB), por meio do Programa Dinheiro Direto

    na Escola (PDDE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE).

    Por ser um programa do Governo Federal, o PME vem sendo encaminhado pelos

    entes federados de formas variadas, j que a oferta das atividades fica a critrio da

    escolha de escolas e mantenedoras conforme suas especificidades.

    No Estado do Paran, o PME vem sendo desenvolvido desde [...] 2008, em

    17 escolas, nos NRE da rea Metropolitana Norte, rea Metropolitana Sul e

    Curitiba. (PERRUDE, 2013, p.174). Ainda conforme a autora, em 2008, primeiro

    ano de programa, devido ao seu carcter inicial, apenas trs Ncleos Regionais de

    Educao (NRE) do Estado do Paran aderiram inicialmente ao PME. Nos anos

    posteriores, a adeso foi se expandindo para os outros NRE do Estado,

    contemplando um nmero tambm maior de escolas.

    Com base em levantamento de dados junto ao NRE, percebe-se que, no

    municpio de Londrina-Pr, desde 2010, quando ocorreram as primeiras tentativas de

    implantao de projetos de ampliao da jornada escolar na rede estadual, so

    evidentes as fragilidades de susteno de estrutura fsica, material e de concepo

    em busca de uma formao integral dos sujeitos que frequentam tais projetos.

    Nesse contexto, constata-se que as atividades esportivas e ldicas

    prevalecem na oferta dos projetos de educao em tempo integral, que propem a

    ampliao da jornada escolar com atividades complementares no contraturno para

    alm das quatro horas do turno regular. De modo geral, estas atividades esportivas

    e ldicas de cunho socioeducativas proporcionam a adeso dos alunos aos

    programas e projetos ofertados no contraturno.

    Estes elementos nos levam a questionar: Como ocorreram a implantao e

    implementao do PME nas escolas de Londrina-Pr? Como foi desenvolvido o

    Macrocampo Esporte e Lazer? Que papel tem assumido? Quais as condies reais

    da escola para a implantao e implementao deste macrocampo no PME? Que

  • 22

    relao este macrocampo estabelece com a Educao Fsica?

    Visando a responder aos questionamentos apresentados, traamos, como

    objetivo geral deste estudo, analisar de que maneira ocorreram a implantao e a

    implementao do PME em duas escolas estaduais da cidade de Londrina-Pr. Como

    objetivos especficos, prope-se a:

    . Discutir o PME, destacando, a partir da proposta de educao integral em

    tempo integral, suas intencionalidades e concepes;

    . Analisar o Macrocampo Esporte e Lazer no PME;

    . Discutir o Macrocampo Esporte e Lazer e sua relao com a EDF;

    . Levantar os limites e possibilidades do PME enquanto proposta de educao

    integral em tempo integral.

    DESCRIO DA METODOLOGIA DE PESQUISA

    Nesta pesquisa, que se vincula ao ncleo de Polticas Educacionais da linha

    Pressupostos Filosficos, Histricos e Polticos da Educao, ser analisado o PME

    como parte de uma poltica educacional desenvolvida a partir de 2007. Conforme

    mencionaram as autoras Shiroma, Moraes e Evangelista, (2011, p.7), a utilizao do

    termo poltica tem recebido [...] uma multiplicidade de significados, presentes nas

    mltiplas fases histricas do Ocidente. Elas, ainda, concebem a poltica como [...] a

    atividade ou conjunto de atividades que, de uma forma ou de outra, so imputadas

    ao Estado moderno capitalista ou dele emanam. No entanto, isso no se d sem

    serem observadas as contradies presentes na sociedade, j que, conforme as

    autoras: As polticas pblicas, particularmente as de carter social, so

    mediatizadas pelas lutas, presses e conflitos entre elas (SHIROMA; MORAES;

    EVANGELISTA, 2011, p. 9).

    Shiroma, Campos e Garcia (2005, p. 431) dizem que: Apesar do acesso

    facilitado aos documentos proporcionados pela internet, ainda carecemos de

    ferramentas diversificadas de conceitos e teorias para analisar os textos que prope

    mudanas nas polticas. Verifica-se que tais polticas so permeadas pelo contexto

    referido por Gamboa (2010) e tm como objetivo nortear aes direcionadas ao

    homem que vive neste contexto. De acordo com Frigotto (2006, p.77), na

  • 23

    perspectiva materialista histrica, [...] o mtodo est vinculado a uma concepo de

    realidade, de mundo e de vida no seu conjunto.

    A anlise do PME, assim como de sua implantao e implementao a partir

    do Macrocampo Esporte e Lazer, ser desenvolvida com base em categorias de

    anlise que permitem compreender, de forma ampla, as relaes estabelecidas

    entre o fenmeno pesquisado e as questes sociais, polticas, econmicas e

    educacionais. Cury (1986) desenvolve uma reflexo sobre como analisar o

    fenmeno educativo, utilizando a abordagem dialtica e, para que possamos

    compreender a especificidade deste fenmeno, pertinente utilizar algumas

    categorias de anlise, como: totalidade, contradio, mediao, reproduo e

    hegemonia, as quais permitem uma leitura mais compreensiva do real, visto que

    entendemos que a educao se desenvolve numa realidade ampla e, como nos diz

    Cury, (1986, p. 9) necessrio [...] permitir a compreenso do fenmeno educativo

    dentro de uma abrangncia maior.

    No caso desta pesquisa, em que se objetiva uma anlise por meio das

    categorias, imprescindvel coloc-las numa relao historicizante (CURY, 1986,

    p.14). Por isso faz-se necessrio analisar o PME no seu desenvolvimento histrico,

    pois, como afirma Cury, (1986, p. 14-15) preciso [...] um referencial terico-

    metodolgico que instrumentalize a compreenso dos mecanismos da sociedade e

    dos interesses sociais que conduzem a prpria dinmica social.

    As categorias, para Cury (1986, p. 21), [...] so conceitos bsicos que

    pretendem refletir os aspectos gerais e essenciais do real, suas conexes e

    relaes. O autor observa ainda que: As categorias possuem simultaneamente a

    funo de intrpretes do real e de indicadoras de uma estratgia poltica (CURY,

    1986, p. 21). Este aspecto importante, pois possibilitar compreender o sentido

    assumido pelo PME e pelo Macrocampo Esporte e Lazer. Para Cury (1986, p. 14):

    As categorias da contradio, totalidade, mediao, reproduo e hegemonia so mutuamente implicadas e de tal forma que a exposio e explicao de uma j e exige a explicao e exposio das outras. Dessa forma, pretendem-se categorias dialetizadas que se mediem mutuamente. A categoria da contradio, para no se tornar cega, s se explicita pelo recurso da totalidade. Essa, por sua vez, para no se tornar vazia, necessita recuperar a da contradio em uma sntese mais abrangente. Consequentemente, exige a superao dos dualismos ou reducionismos. A categoria da totalidade, por sua vez, exige uma cadeia de mediaes que articule o movimento histrico e os homens concretos. Semelhantemente s

  • 24

    cadeias de mediaes, numa totalidade concreta e contraditria (como a sociedade capitalista), necessitam explicitar o que mediar. Nesse caso necessrio o recurso categoria da reproduo, porque o sistema vigente, ao tentar se reproduzir para se manter, reproduz as contradies dessa totalidade, revelada em seus instrumentos e enlaces mediadores. E por fim a manuteno desse mesmo sistema, especialmente no caso da educao, implica a busca de um consentimento coletivo por parte das classes sociais. Da o recurso noo de hegemonia. Mas essa uma noo dialetizada, e por isso mesmo ela no compreensvel sem a referncia s contradies que a prpria direo hegemnica busca atenuar. (CURY, 1986, p. 13)

    possvel perceber, a partir da obra de Cury (1986), que a contradio uma

    categoria imprescindvel para a metodologia dialtica, a qual no considera a

    realidade como algo esttico. Concordamos com Cury (1986, p.78), pois [...] a

    questo central da educao a contradio, e podemos questionar a efetividade

    da proposta de educao integral, j que a educao pode nos levar em direo

    transformao social, mas tambm, perpetuao de relaes de dominao. O

    importante que:

    A educao pode tornar-se um saber-instrumento que possibilite o caminho do visvel ao invisvel, do fenmeno ao estrutural e, com isso, superar o carter ambguo dessa contradio. Depende da funo poltica que ela assumir (CURY, 1986, p.81).

    A categoria hegemonia nos remete a uma estratgia poltica, a qual busca a

    consolidao dos interesses das classes dominantes por meio do consentimento da

    classe que dominada. Como assegura Cury (1986, p.58): Assim a educao,

    escolar ou no, nutre-se de uma ambivalncia: o veculo possvel de desocultao

    da desigualdade real se torna tambm veculo de dominao de classe, sendo que,

    para compreender o papel hegemnico da educao, necessrio [...] coloc-la

    referida ao processo de produo, s relaes sociais e polticas. Neste sentido,

    cumpre destacar a importncia do questionamento ao PME numa proposta de

    educao integral, que direcionada s escolas pblicas localizadas em regies de

    pobreza e vulnerabilidade social. Tratando-se de uma proposta emanada do MEC,

    imprescindvel questionar seus fundamentos para, ento, compreender as intenes

    educativas nesta viso amplamente divulgada de educao integral, a partir da

    ampliao da jornada escolar.

    Desse modo, a categoria reproduo traz contribuies, pois denuncia o

    carter de auto conservao da sociedade e, segundo Cury (1986, p.59): No se

  • 25

    trata apenas de relacionar a educao com a reproduo dos meios de produo,

    mas, fundamentalmente, com a reproduo das relaes de produo. O autor

    destaca que nas relaes de produo que se [...] forma a fora de trabalho e

    pretende disseminar um modo de pensar consentneo com as aspiraes

    dominantes. Percebe-se aqui a formao de sociabilidades que norteiam a forma de

    ser do homem. Portanto,

    A educao, ao se produzir e reproduzir no seio da prxis social, varia em sua funo poltica segundo o tipo de formao social e, dentro dessa, segundo a correlao de foras existentes entre as classes em um momento historicamente considerado (CURY, 1986, p.62).

    A categoria mediao permite reconhecer os fios que do sentido a uma

    trama histrica e concreta. Possibilita estabelecer os elos presentes nas relaes

    sociais, visto que, de acordo com Cury (1986, p.66): A educao como mediao

    tanto funciona, embora em graus diferentes, para a aflorao da conscincia, como

    para impedi-la, tanto para difundir, como para desarticular. Para a anlise aqui em

    curso, faz-se necessrio pensar, com base nas contribuies desta categoria, o

    papel assumido pelo Macrocampo Esporte e Lazer no PME, pois, conforme

    explicaes de Cury, pela mediao possvel perceber as intenes no

    desveladas que visam manter uma realidade social ou um projeto de sociedade.

    Considerando-se a sequncia das categorias explicitadas, cumpre entender,

    no todo mais amplo ao qual est vinculado o projeto de sociedade e o projeto

    educativo, um passo importante para questionar as aes neste todo. No nosso

    caso, relacionamos o PME como uma ao num amplo projeto para a educao.

    A totalidade uma categoria que proporciona investigar a tenso das

    contradies na relao todo-parte e entender o real como histrico. De acordo com

    Cury (1986, p.70): [...] uma viso de totalidade a respeito da educao implica a

    contnua dialetizao entre as relaes sociais de produo e (re)produo de

    (velhas) relaes sociais. O autor tambm acrescenta que: A contradio e sua

    relao com a educao torna-se fundamental para a compreenso dessa ltima, a

    fim de represent-la de modo dialtico e com uma viso de conjunto. Percebe-se

    que as anlises que contemplam a educao requerem ser desenvolvidas na

    totalidade, rompendo com a parcialidade que impede, inclusive, a percepo dos

    elementos da contradio presentes na sociedade capitalista.

  • 26

    A totalidade permite ao homem perceber-se enquanto ser no mbito das

    relaes sociais. Neste sentido, adquire importncia a categoria prxis, por

    intermdio da qual podemos [...] apreender a riqueza do ser social desenvolvido

    [...] (NETTO; BRAZ, 2012, p. 56). De acordo com Netto e Braz (2012, p.55): O

    desenvolvimento do ser social implica o surgimento de uma racionalidade, de uma

    sensibilidade e de uma atividade que, sobre a base necessria do trabalho, criam

    objetivaes prprias. Com essas objetivaes os homens produzem e atribuem

    significados para suas vidas. No entanto, dependendo das condies histrico-

    sociais em que se constituem as atividades humanas, [...] a prxis pode produzir

    objetivaes que se apresentam aos homens no como obras suas, como sua

    criao, mas ao contrrio, como algo em que eles no se reconhecem, como algo

    que lhes estranho e opressivo (NETTO; BRAZ, 2012, p. 56).

    INSTRUMENTOS DE PESQUISA

    Os instrumentos de pesquisa aqui utilizados visam a alcanar o objetivo geral

    da pesquisa, que analisar de que maneira vm ocorrendo a implantao e a

    implementao do PME em duas escolas de Londrina-Pr, verificando de forma

    especfica a relao entre o Macrocampo Esporte e Lazer e a Educao Fsica.

    Para tanto, utilizamos pesquisa bibliogrfica, mapeando os materiais j

    elaborados de autores que vm discutindo a questo no cenrio nacional,

    constitudos principalmente de livros, artigos de livros e artigos de revistas

    cientficas. Tambm utilizamos teses e dissertaes que contriburam para

    compreender como o assunto vem sendo tratado. Num primeiro momento,

    pesquisamos trabalhos do banco de dados da CAPES, por entender que nesse

    acervo encontraramos os trabalhos desenvolvidos sobre o tema de pesquisa e

    sobre a questo de interesse especfico: o Macrocampo Esporte e Lazer. Como no

    encontramos muitos trabalhos que trouxessem a discusso da temtica, e como a

    base de dados em que se encontram as teses e dissertaes da Capes estava em

    fase de manuteno, e tambm pelo fato de que a pesquisa abordaria o

    Macrocampo Esporte e Lazer no PME de forma especfica seu desenvolvimento no

    Paran, passamos a buscar tambm teses e dissertaes nas pginas de ps-

    graduao stricto sensu em educao do Paran nas seguintes universidades:

  • 27

    Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual de Maring (UEM),

    Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE).

    Recorremos tambm base de dados da ANPED, pois entendemos ser um

    acervo de pesquisas que foram comunicadas em forma de trabalhos completos ou

    pster, passando por uma anlise rigorosa e ao mesmo tempo se constituindo como

    pesquisa recente. Na ANPED, buscamos os dados nos GTs: GT02 Histria da

    Educao, GT04 Didtica, GT05 Estado e Poltica Educacional, GT12

    Currculo e GT13 Educao Fundamental.

    No levantamento de teses e dissertaes, utilizamos os descritores:

    Macrocampo Esporte e Lazer, Histria da Educao Fsica, Educao Fsica e

    Diretrizes Curriculares, Corpo e Educao Fsica, Polticas Pblicas e Esporte,

    Educao Integral, Programa Mais Educao, Educao Integral e Programa Mais

    educao, Polticas Pblicas e Programa Mais Educao. Tais descritores foram

    selecionados para que pudssemos levantar a maior quantidade possvel de

    trabalhos que trouxessem contribuio para a pesquisa. Os descritores utilizados

    podem ser divididos em trs grupos: 1. Descritores relacionados histria da

    Educao Fsica e seu desenvolvimento no campo escolar; 2. Descritores

    relacionados ao conceito de educao integral, sua concepo e desenvolvimento

    por meio do PME; 3. Descritores que relacionam o Macrocampo Esporte e Lazer e a

    Educao Fsica.

    Abaixo, segue quadro referente s dissertaes e teses selecionadas, das

    muitas encontradas durante o processo de seleo das obras, aps leitura dos

    resumos. No total, foram vinte e cinco obras selecionadas, dezenove dissertaes e

    seis teses, porm apresentaremos apenas aquelas que foram utilizadas na

    composio do texto desta dissertao devido especificidade do assunto, sendo

    elas:

    Quadro 1: Dissertaes e Teses utilizadas

    Data Autor Ttulo

    2008 Leisi Fernanda Moya

    O Ensino da Educao Fsica no Ensino Mdio:

    Aproximaes sobre a Atuao dos Profissionais da rea em Escolas Estaduais de Londrina

    2013 Bruno Adriano Rodrigues da

    Silva

    Interesses, Dilemas e a Implementao do Programa Mais

    Educao no Municpio de Maric (RJ)

  • 28

    2013 Gabriel Pereira Paes Neto

    O Programa Mais Educao em Abaetetuba:

    Anlise do Macrocampo Esporte e Lazer na Escola Esmerina Bou Habib (2008/2012)

    2013 Marleide Rodrigues da Silva

    Perrude

    Poltica Educacional e Incluso Social: Um Estudo dos

    Programas de Ampliao da Jornada Escolar

    2013 Silmara Eliane de Sousa

    A Gesto Educacional no Paran 2011-2013

    2014 Ana Lucia Ferreira da Silva

    Polticas para a ampliao da jornada escolar: estratgia

    para a construo da educao integral?

    2014 Camila Aparecida Pio

    A poltica pblica brasileira de educao integral

    implementada pelos governos Lula (2003/2010): O Programa Mais Educao

    2015 Tiago Amaral Silva

    A Educao Fsica no contexto dos cursos de educao profissional tcnica de nvel mdio integrado do Instituto

    Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Mato Grosso do Sul

    Fonte: Elaborao da autora com base nas dissertaes e teses selecionadas e utilizadas na composio do texto desta dissertao.

    A dissertao de mestrado de Leisi Fernanda Moya, intitulada O ensino da

    Educao Fsica no ensino mdio: aproximaes sobre a atuao dos profissionais

    da rea em escolas estaduais de Londrina, foi apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao da Universidade Estadual de Londrina em 2008. O foco

    central da pesquisa foi averiguar se os professores de educao fsica, atuantes no

    nvel de Ensino Mdio de escolas pblicas estaduais do Estado do Paran,

    conheciam as Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao Bsica para a Rede

    Estadual de Ensino do Paran (DCOEB/PR)5 de maneira suficiente e se, na prtica,

    os mesmos as utilizavam como meio norteador e facilitador para a ao docente.

    Esta dissertao foi importante para nosso estudo, pois nos auxiliou no

    entendimento do processo de elaborao das DCOEB/PR. Neste seu trabalho,

    foram utilizados os pressupostos da pesquisa qualitativa, com dois instrumentos de

    5 Utilizaremos, nesta pesquisa, a nomenclatura Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao

    Bsica para a Rede Estadual de Ensino do Paran (DCOEB/PR), de acordo com o PARECER CEE/CEB N. 130/10 sobre o Pedido da SEED de apreciao das Diretrizes Curriculares da Educao Bsica do Paran. Como o CEE entende que as Diretrizes Curriculares Nacionais j foram traadas pelo Conselho Nacional, relata e aprova a substituio da expresso: Diretrizes Curriculares da Educao Bsica por Diretrizes Curriculares Orientadoras da Educao Bsica para a Rede Estadual de Ensino.

  • 29

    coleta de dados: a entrevista semiestruturada e a observao. A autora tambm

    realizou anlises dos documentos oficiais, estadual e federal: Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCN), as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a LDBEN,

    Currculo Bsico do Paran e as DCOEB/PR. Concluiu, com sua pesquisa, que os

    professores no esto plenamente preparados para ensinar sob a tica dos

    pressupostos da DCOEB/PR, posto que a capacitao ofertada deixou a desejar e

    no contemplou a totalidade dos professores. Faz, porm, uma anlise positiva

    quanto concepo de educao fsica abordada na DCOEB/PR, realizando

    apontamentos para que a utilizao das mesmas se efetive nas escolas.

    A tese de doutorado de Bruno Adriano Rodrigues da Silva, com ttulo:

    Interesses, Dilemas e a Implementao do Programa Mais Educao no Municpio

    de Maric (RJ), foi apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2013. Seu foco central foi analisar a

    implementao do PME no municpio de Maric no estado do Rio de Janeiro, no ano

    de 2011. O problema norteador buscou verificar qual a relao existente entre os

    caminhos e dificuldades observados na implementao do PME e a concepo de

    educao integral e de escola de horrio integral deste programa, visto que sua

    formulao teve forte participao de setores privados, includo os de natureza

    empresarial. Seu estudo demonstrou que a proposta do programa vem interferindo

    negativamente no processo de universalizao da escola pblica brasileira, pois as

    concepes educacionais da esfera privada a respeito da escola pblica

    prevaleceram e mostraram sua incompatibilidade com o direito educao das

    classes sociais desfavorecidas.

    A dissertao O Programa Mais Educao em Abaetetuba: Anlise do

    Macrocampo Esporte e Lazer na Escola Esmerina Bou Habib (2008/2012), de

    Gabriel Pereira Paes Neto (2013), apresentada Universidade Estadual do Par,

    teve relevncia para este estudo, visto que trilhou caminhos semelhantes ao nosso,

    pois tambm focalizamos o contexto e as caractersticas do PME e sua relao com

    as polticas pblicas no Brasil, alm de discutir sobre a aproximao entre as

    atividades do Macrocampo Esporte e Lazer do PME e as aulas de Educao Fsica

    do ensino regular.

    O foco central da pesquisa desenvolvida por Paes Neto (2013) foi analisar os

    limites e as possibilidades na implementao do Esporte e do Lazer no PME na

    poltica local, nacional e na referida escola. O autor optou por realizar a pesquisa

  • 30

    documental e de campo, seguindo a linha terica e metodolgica do materialismo

    histrico dialtico.

    Em linhas gerais, ele conclui que o PME ainda no atingiu seu objetivo

    [...] em avanar na superao da escola de um turno para a construo de uma escola de dois turnos, os investimentos no so suficientes, a lgica da produtividade est presente no programa, inclusive na prioridade dada ao Esporte de rendimento. Percebeu-se que o Macrocampo Esporte e Lazer muito solicitado pelos alunos e que h uma aproximao entre as atividades deste macrocampo e as aulas de educao fsica, sendo que esta aproximao no deve ocasionar a substituio das aulas de educao fsica, caso que foi percebido durante a pesquisa de campo (PAES NETO, 2013, p. 11).

    Tambm pontuou que a Educao Integral e em tempo integral ser

    importante,

    [...] para o processo educativo ser mais qualitativo, crtico e dialtico para a formao da classe trabalhadora. Contudo, entende-se que o Esporte deve ser tratado, a partir do paradigma da cultura corporal, como um elemento cultural humano deve ser socializado na escola no contexto da formao do novo homem e da nova mulher (PAES NETO, 2013, p. 11).

    A tese da Marleide Rodrigues da Silva Perrude - Poltica Educacional e

    Incluso Social: Um Estudo dos Programas de Ampliao da Jornada (2013),

    desenvolvida na Unicamp, foi importante por possibilitar a compreenso da

    ampliao da jornada escolar no sentido de fomentar a escola em tempo integral,

    por abordar as implicaes do PME na gesto escolar e por esclarecer o modo

    como o Programa foi implantado e implementado no Estado do Paran. Perrude

    (2013, p. V) faz uma discusso sobre [...] a escola e a ampliao de sua oferta no

    contexto das contradies vivenciadas pelo Brasil e papel do Estado na adoo da

    poltica nacional desenvolvimentista [...], alm de discorrer sobre as [...] polticas

    sociais, em especial a educacional, em estreita vinculao com os programas de

    combate pobreza [...], analisa detalhadamente o PEA e PME. Por meio de sua

    pesquisa, a autora chegou concluso de que: [...]os diferentes sujeitos, nos seus

    espaos estadual, municipal e escolar, atriburam novos significados aos Programas,

    em decorrncia de suas avaliaes pessoais ou institucionais (PERRUDE, 2013, p.

    V).

    Tambm foi analisada a dissertao de Silmara Eliane de Sousa: A Gesto

    Educacional no Paran 2011-2013, pesquisa desenvolvida na Unioeste, em

  • 31

    Cascavel/Pr. A partir da anlise da poltica de gesto educacional, sob a perspectiva

    da reforma do Estado brasileiro, a autora nos auxiliou na compreenso da poltica de

    gesto Educacional do Governo Beto Richa, esclarecendo os encaminhamentos

    polticos neoliberais de tal gestor. O foco central da pesquisa foi analisar:

    [...] a poltica de gesto educacional do governo Beto Richa no perodo de 2011 a 2013, inquirindo a confluncia com as orientaes e os direcionamentos do Banco Mundial presentes a partir da dcada de 90 na Reforma do Estado no Brasil (SOUSA, 2013, p. 5).

    Aps a realizao da pesquisa, a autora concluiu que,

    [...] o governo Beto Richa retomou de forma mais diligente e implicativa a concepo poltica e os encaminhamentos do governo Jaime Lerner que j apresentava os mesmos elementos da Reforma do Estado no Brasil, sobretudo, correlato com os direcionamentos do grupo Banco Mundial (SOUSA, 2013, p. 5).

    A tese de doutorado de Ana Lucia Ferreira da Silva, sob o ttulo Polticas para

    a ampliao da jornada escolar: estratgia para a construo da educao integral?,

    foi apresentada Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo no ano de

    2014 e teve por objetivo central analisar as polticas pblicas de ampliao da

    jornada escolar em curso no Brasil nas esferas federal, estadual do Paran e

    municipal de Londrina, no perodo de 2007 a 2013. Relevante para nosso estudo,

    esta pesquisa desvelou as concepes de educao, expressas em documentos de

    mbitos federal, estadual do Paran e municipal de Londrina, as quais do

    sustentao ao desenvolvimento das propostas de ampliao da jornada escolar.

    Com seu estudo, foi possvel observar as contradies relativas ao processo de

    implementao da poltica de ampliao da jornada escolar e a evidncia da

    interface educao-proteo.

    Camila Aparecida Pio concluiu no ano de 2014, na Universidade Estadual de

    Londrina, a pesquisa A poltica pblica brasileira de educao integral implementada

    pelos governos Lula (2003/2010): O Programa Mais Educao. Seu foco central foi a

    anlise desta poltica, para a qual realizou discusso bibliogrfica e anlise de

    documentos. A autora concluiu que a poltica pblica de educao integral,

    assumida pelos governos Lula e expressa por meio do PME, foi desenvolvida em

    articulao com as estratgias de reduo da pobreza, encaminhamento que

    demarca, alm da preocupao governamental, as exigncias do sistema capitalista

    para a regulao social.

  • 32

    Por analisar o desenvolvimento do neoliberalismo no Brasil e a poltica pblica

    de educao integral implementada por meio do PME, sua pesquisa foi relevante

    para o nosso estudo.

    A dissertao de Tiago Amaral Silva - A Educao Fsica no contexto dos

    cursos de educao profissional tcnica de nvel mdio integrado do Instituto

    Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS) -,

    desenvolvida na Unioeste/Pr em 2015, contribuiu para uma melhor compreenso do

    contexto da Educao Fsica como rea do conhecimento e como disciplina

    curricular, alm de ter possibilitado uma anlise das teorias pedaggicas para a

    rea. Para tanto, Silva (2015) percorre o processo histrico da educao profissional

    ofertada dentro da Rede Federal de Educao Profissional, Cientifica e Tecnolgica,

    como tambm historiciza os aspectos polticos e pedaggicos da Educao Fsica

    no Brasil, alm de fazer uma anlise da disciplina Educao Fsica nos cursos de

    educao profissional tcnica de nvel mdio integrado do IFMS. Conclui que os

    resultados alcanados com a pesquisa superam as suas expectativas em alguns

    aspectos, como, por exemplo:

    [...] a possibilidade de a educao fsica ser desenvolvida por meio de projetos de pesquisas e extenso; e indcios do rompimento com as prticas tradicionais que marcaram a educao fsica desde o incio do sculo XIX (SILVA, 2015, p. 6).

    Apontou, porm, tambm,

    [...] que a rea ainda est aqum de uma efetiva contribuio para caminharmos em direo integrao curricular, pois, tanto no discurso oficial como nas perspectivas dos professores, a fundamentao e a prtica desta modalidade da educao esto distantes da perspectiva sustentada na educao politcnica ou omnilateral (SILVA, 2015, p. 6).

    Alm das teses e dissertaes, foram analisados, ainda, os documentos de

    implantao e regulamentao do PME e tambm sero avaliados documentos das

    duas escolas selecionadas para a pesquisa. Por eles, buscamos a compreenso do

    contexto em que est se dando a implantao progressiva do PME, pois, como

    defende Olinda Evangelista (2009, p. 06), trabalhar com os documentos [...] supe,

    portanto, consider-los resultado de prticas sociais e expresso da conscincia

    humana possvel em um dado momento histrico. Analisar fontes primrias muito

    importante, pois:

  • 33

    As fontes primrias trazem as marcas da sua produo original, de seu tempo de produo, de sua histria. necessrio, ento, captar as mltiplas determinaes da fonte e da realidade que a produz; significa dizer captar os projetos litigantes e os interesses que os constituem, que tampouco sero percebidos em todos os seus elementos (EVANGELISTA, 2009, p. 08).

    Concordando com a autora, acrescentamos: Documentos oferecem pistas,

    sinais, vestgios e compreender os significados histricos dos materiais encontrados

    sua tarefa (EVANGELISTA, 2009, p. 06).

    Para a pesquisa, analisamos os seguintes documentos do MEC:

    1) Plano de Desenvolvimento da Educao: Razes, Princpios e Programas

    2007;

    2) Portaria Normativa Interministerial n 17, de 24 de Abril de 2007;

    3) Decreto Presidencial n 7.083, de 27 de Janeiro de 2010;

    4) Educao integral/educao integrada e(m) tempo integral: concepes e

    prticas na educao brasileira - Mapeamento das experincias de

    jornada escolar ampliada no Brasil - Srie Mais Educao/2010;

    5) Manual Operacional da Educao Integral/MEC 2010-2014;

    6) Programa Mais Educao Passo a Passo/2011;

    7) Resoluo n 34 de 6 de Setembro de 2013;

    8) Lei n 13.005, de 25 de Junho de 2014 Plano Nacional de Educao

    (2014-2024).

    Acredita-se que os documentos contribuam para a anlise do sentido do

    PME, assim como nos podero nortear sobre as intencionalidades da ampliao da

    jornada escolar e o sentido da chamada educao integral no Programa.

    Os documentos citados foram lidos, sistematizados e analisados. Este

    procedimento nos permite compreender no s a implantao e implementao do

    PME, como tambm os interesses que norteiam o desenvolvimento do Macrocampo

    Esporte e Lazer como parte do PME. Assim, os:

    [...] documentos so relevantes tanto porque fornecem pistas sobre como as instituies explicam a realidade e buscam legitimar suas atividades, quanto pelos mecanismos utilizados para sua publicizao, uma vez que muitos dos documentos oficiais, nacionais e internacionais so, hoje, facilmente obtidos via internet. (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 429 grifo das autoras)

  • 34

    Segundo observao das autoras Shiroma, Campos e Garcia (2005, p. 431),

    [...] textos devem ser lidos com e contra outros, ou seja, compreendidos em sua

    articulao ou confronto com outros textos. Percebe-se, pelas orientaes para

    anlise de documentos das autoras, que tal estratgia um procedimento

    importante.

    Utilizamos entrevistas, visando a obter uma descrio e avaliao pelo

    entrevistado da experincia vivida no PME, no municpio de Londrina-Pr. Fontes

    primrias, documentos da Secretaria Estadual de Educao do Paran, do NRE de

    Londrina e demais normativas e documentos orientadores do PME na escola

    tambm faro parte de nosso estudo e posterior anlise.

    Valemo-nos de entrevistas semiestruturadas para alcanar descrio e

    avaliao pelo entrevistado da experincia vivida no PME, no municpio de Londrina-

    Pr. As entrevistas so consideradas, aqui, uma forma de obteno de dados que

    complementam as informaes que no podem ser analisadas apenas pelo estudo

    de documentos e pela discusso bibliogrfica. Para Ludke e Andr (1986, p. 9), a

    entrevista uma das principais formas de obteno de dados no mbito das cincias

    sociais e [...] permite um maior aprofundamento das informaes obtidas. Isso se

    d pelo fato de que [...] o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas

    informaes que ele detm e que no fundo so a verdadeira razo da entrevista

    (LUDKE, ANDR, 1986, p. 33-34). No caso da pesquisa em questo, interessou-nos

    saber aspectos especficos da implantao e implementao do PME. A

    compreenso desse processo e o estabelecimento de relao com os documentos e

    as discusses tericas j realizadas, permitem reflexes importantes para os

    resultados da pesquisa. As entrevistas foram realizadas com membros da equipe

    diretiva, da equipe pedaggica e professor do PME no Macrocampo Esporte e

    Lazer.

    O relatrio de pesquisa est organizado em quatro captulos, conforme

    apresentao a seguir:

    Na Seo 2 / Captulo 1: Polticas para a educao: o papel do Estado e os

    planos de governo, tratamos das polticas para a educao, do papel do Estado e

    dos planos de governo federal e estadual do Paran visando a esclarecer seus

    pressupostos e intenes no desenvolvimento das polticas educacionais,

    considerando o debate sobre o neoliberalismo e a Reforma do Estado Brasileiro.

  • 35

    Pontuamos na Seo 3 / Captulo 2: Programa Mais Educao, a implantao

    e implementao do PME como fomento educao integral em tempo integral. A

    partir da anlise dos documentos, abordamos no s seu desenvolvimento histrico,

    como tambm seus critrios de adeso, implantao e implementao.

    J na Seo 4 / Captulo 3, O Macrocampo Esporte e Lazer e sua relao

    com a Educao Fsica, realizamos um levantamento histrico de como a Educao

    Fsica foi concebida como disciplina e os papis que desenvolveu neste contexto,

    bem como relacionamos a perspectiva adotada para tal disciplina nas Diretrizes

    Curriculares Orientadoras da Educao Bsica para a Rede Estadual de Ensino do

    Paran (DCOEB/PR) com o desenvolvimento das atividades do Macrocampo

    Esporte e Lazer do PME.

    Abordamos na Seo 5 / Captulo 4: O Programa Mais Educao em escolas

    de LondrinaPr, o PME apresentando a coleta e anlise dos dados referentes s

    entrevistas realizadas com o(a) diretor(a), pedagogo(a) e professor(a) em duas

    escolas estaduais do municpio de Londrina-Pr.

  • 36

    2 POLTICAS PARA A EDUCAO: O PAPEL DO ESTADO E OS PLANOS DE

    GOVERNO

    Este captulo tem como objetivo abordar a forma como a sociedade se

    organizou, mais especificamente, a partir dos anos noventa do sculo XX at o

    presente momento, para entendermos os modos de produo, os planos de governo

    e o papel do Estado no desenvolvimento das polticas educacionais e sociais, na

    tentativa de evidenciar as intenes para com a educao.

    Busca-se refletir sobre a educao ofertada com a educao que desejamos,

    aquela que nos proporciona o desenvolvimento da nossa emancipao humana.

    Portanto, alcanar a emancipao humana , sem dvida, uma grande meta para

    todos e faz-lo pela educao um grande ideal, o que exige que esta seja de

    qualidade e extensiva a todos os segmentos da sociedade. Entendemos, com base

    em Duarte, que emancipao humana,

    [...] se d em linhas gerais, com o rompimento do homem com todas as formas de alienao e dominao do sistema capitalista, com o encontro do homem com ele mesmo e com o desenvolvimento pleno de todas as suas potencialidades (DUARTE, 2013, p. 97).

    Para tanto, a emancipao que almejamos, se dar por meio de uma

    educao que busca desenvolver [...] uma identidade de classe dos alunos, sendo

    esta indispensvel para a construo de sua conscincia de classe e para o seu

    engajamento na luta pela transformao social (DUARTE, 2013, p. 93). A

    emancipao da qual falamos uma emancipao para alm da emancipao

    poltica, a emancipao da classe trabalhadora, portanto,

    O projeto de emancipao da classe trabalhadora no pode se reduzir s reformas no seio do capitalismo. O projeto de emancipao da classe trabalhadora envolve a superao das condies de produo da existncia postas no capitalismo, com a revoluo, com a tomada das foras produtivas (PEIXOTO, 2013, p. 26).

    Esses argumentos justificam que, para se verificar de que forma tem sido

    implantado e implementado o PME, necessrio empreender-se anlises das

    polticas governamentais, imprescindveis nos estudos de polticas educacionais, j

    que estas so tecidas pelas proposituras dos programas de governo que, por sua

    vez, esto amalgamados s noes de Estado e vinculados, de forma intrnseca, s

  • 37

    exigncias de perpetuao da sociedade capitalista. Entende-se, neste estudo, que

    um plano de governo contm objetivos que devem ser desvelados visando a

    esclarecer seus pressupostos e intenes. Para tanto, sero analisados os Planos

    de Governo Federais: Programa de Governo Coligao Lula Presidente 2002 e

    Plano de Governo Lula Presidente: programa de governo 2007-2010. A anlise dos

    planos de governo federal no perodo de 2003-2010 importante pelo surgimento do

    PME no governo Lula. J as anlises do governo estadual correspondem ao perodo

    de implantao e implementao do PME no Estado do Paran 2008 2014.

    Desta forma corresponde aos planos de governo: Plano de Metas 2011-2014 Beto

    Richa (Primeiro mandato) e do Plano de Metas 2015-2018 Beto Richa (Segundo

    mandato). Tambm comentamos dados do governo Requio que no mbito

    paranaense desenvolveu-se paralelo ao governo Lula.

    Com tal proposta, discutiremos as polticas educacionais adotadas pelos

    governos federal e estadual do Paran, situando neste meio o PME.

    2.1 O Estado e a Educao

    O sculo XX foi um perodo marcado por grandes e significativas mudanas

    polticas, econmicas e sociais, sobretudo no que se refere ao modo como os

    indivduos se compreendem e vivem no mundo. De acordo com Netto e Braz (2012,

    p. 223 grifo dos autores), [...] o capitalismo contemporneo constitui a terceira

    fase do estgio imperialista e [...] inicia-se nos anos setenta do sculo XX,

    caracterizando-se pelo desmonte do Estado intervencionista e de bem-estar. Alm

    disso, [...] particulariza-se pelo fato de, nele, o capital estar destruindo as

    regulamentaes que lhe foram impostas como resultado das lutas do

    movimento operrio e das camadas trabalhadoras (NETTO; BRAZ, 2012, p. 237

    grifo dos autores). Esta estratgia do capital, segundo os autores, [...] prioriza a

    supresso dos direitos sociais arduamente conquistados (apresentados como

    privilgios de trabalhadores) e a liquidao das garantias ao trabalho em nome da

    flexibilizao (NETTO; BRAZ, 2012, p. 236 grifo dos autores). E ainda:

    [...] o grande capital fomentou e patrocinou a divulgao macia do conjunto ideolgico que se difundiu sob a designao de neoliberalismo a disseminao das teses, profundamente conservadoras, originalmente defendidas desde os anos quarenta do

  • 38

    sculo XX pelo economista austraco F. Hayek [...] (NETTO; BRAZ, 2012, p. 238).

    Tal pensador, entre outros que radicalizaram o liberalismo econmico,

    primava pela defesa do livre mercado e da propriedade privada. A ento ideologia

    neoliberal, disseminada pelos meios de comunicao, o neoliberalismo como

    podemos denominar, concebe uma concepo peculiar de homem, de sociedade e a

    [...] ideia da natural e necessria desigualdade entre os homens e uma noo

    rasteira de liberdade (vista como funo da liberdade de mercado) (NETTO; BRAZ,

    2012, p. 238 grifos dos autores). Portanto, para que a ideologia neoliberal se

    sustentasse, foram necessrias algumas intervenes, dentre elas a reforma do

    Estado,

    [...] o Estado foi demonizado pelos neoliberais e apresentado como um trambolho anacrnico que deveria ser reformado e, pela primeira vez na histria do capitalismo, a palavra reforma perdeu o seu sentido tradicional de conjunto de mudanas para ampliar direitos; a partir dos anos oitenta do sculo XX, sob o rtulo de reforma(s) o que vem sendo conduzido pelo grande capital um gigantesco processo de contra-reforma(s), destinado supresso ou reduo de direitos e garantias sociais (NETTO; BRAZ, 2012, p. 238 grifos dos autores).

    O historiador Eric Hobsbawm (1995, p. 15) comenta que o Sculo XX, no

    perodo [...] que se estendeu de 1914 at depois da Segunda Guerra Mundial,

    seguiram-se cerca de 25 ou trinta anos de extraordinrio crescimento econmico e

    transformao social [...]. Esse perodo, como analisa o autor, foi caracterizado

    como Era de Ouro, seguido logo aps, de uma [...] era de decomposio, incerteza

    e crise (HOBSBAWM, 1995, p. 15). Isso fica mais claro quando o autor comenta as

    dcadas de 1980 e 1990:

    Na dcada de 1980 e incio da de 1990, o mundo capitalista viu-se novamente s voltas com problemas da poca do entre guerras que a Era de Ouro parecia ter eliminado: desemprego em massa, depresses cclicas severas, contraposio cada vez mais espetacular de mendigos sem teto a luxo abundante, em meio a rendas limitadas do Estado e despesas ilimitadas de Estado. Os pases socialistas, agora com suas economias desabando, vulnerveis, foram impelidos a realizar rupturas igualmente ou at mais radicais com seu passado e, como sabemos, rumaram para o colapso (HOBSBAWM, 1995, p. 19).

    Embora esta pesquisa no tenha como objetivo desenvolver uma anlise

    histrica aprofundada, mas trazer os elementos necessrios para a discusso da

  • 39

    poltica educacional, tomamos a reflexo realizada por Hobsbawm (1995), que trata

    de alguns momentos imprescindveis para a anlise que aqui vamos desenvolver, e,

    entre eles, destacamos a fase urea do capitalismo e sua relao com um modelo

    de Estado provedor, bem como os tempos de crise como a fase de desenvolvimento

    de polticas contencionistas de investimentos pblicos e, consequentemente, de

    benefcios sociais.

    A promulgao da Constituio Federal de 1988 e a ocorrncia de outros

    fatos relevantes que contriburam para a formao da atual sociedade brasileira

    marcaram o sculo XX no Brasil. Mas, para alm do cenrio nacional, o Brasil,

    considerado um pas em desenvolvimento, sofreu e sofre as interferncias dos

    pases desenvolvidos, considerados detentores do poder, permitindo-se ser apenas

    mais uma pea no quebra-cabeas deste jogo, desta nova ordem mundial,

    direcionada expanso do capitalismo e de seus mecanismos de mercado. Como

    nos confirma Paes Neto:

    Nessa nova ordem, tem-se um bloco de poder ligado por uma rede global, liderada pelos Estados Unidos da Amrica, que defendem a liberdade poltica e econmica, mas que contraditoriamente exploram demasiadamente o trabalhador (PAES NETO, 2013, p. 30).

    Assim, de acordo com Martins (2009), com o intuito de atender aos interesses

    da classe empresarial, um padro de sociabilidade construdo na segunda metade

    do sculo XX,

    [...] no mbito do Estado de bem-estar social foi definido um padro de sociabilidade que se tornou capaz de ordenar a subjetividade coletiva dos trabalhadores durante o perodo, adaptando suas lutas ao horizonte histrico oferecido pelo capitalismo do ps-guerra (MARTINS, 2009, p.10).

    O modelo econmico, conhecido por capitalismo contemporneo, [...] inicia-

    se nos anos setenta do sculo XX e caracteriza-se pelo desmonte do Estado

    intervencionista e de bem-estar [...] particulariza-se pelo fato de, nele, o capital

    estar destruindo as regulamentaes que lhe foram impostas como resultado

    das lutas do movimento operrio e das camadas trabalhadoras (NETTO;

    BRAZ, 2012, p. 237 grifo dos autores), na dcada de 1980, com maior evidncia,

    na dcada de 1990,

    [...] o pas comeou a passar pela incidncia do neoliberalismo, que primava pela liberalizao dos servios, desregulamentao do

  • 40

    aparato legal que protegia os trabalhadores, enxugamento do Estado, criao de polticas sociais para amenizar a situao de caos social, etc. (PAES NETO, 2013, p. 38).

    O neoliberalismo traz em sua essncia a ideologia liberal, sendo Friedrich

    Hayek considerado o guru do neoliberalismo, como esclarece Martins (2009, p. 33):

    Entre as vrias ideias e proposies, existem aquelas que mais contriburam para a

    definio do projeto neoliberal, particularmente para a reviso da sociabilidade

    capitalista. Uma de suas ideias diz respeito concepo de Estado, e afirma, de

    acordo com Martins (2009, p. 43) [...] que o mercado definidor do Estado por ser

    superior a ele. Suas ideias tomaram corpo e foram absorvidas de forma global pelos

    governos neoliberais, sendo evidente em alguns governos, como os de Margareth

    Thatcher, Ronald Reagan, Khol e Schluter. Segundo afirma Anderson (2005):

    Na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher, o primeiro regime de um pas de capitalismo avanado publicamente empenhado em pr em prtica o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou presidncia dos Estados Unidos. Em 1982, Khol derrotou o regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do bem-estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizo clara de direita, o governo de Schluter (ANDERSON, 2005, p. 11).

    Apesar de o neoliberalismo se apresentar de forma visvel a partir de 1990, j

    em meados de 1940 ele surge com os ideais de Friedrich Hayek, os quais se

    apresentavam contrrios ao Estado de bem-estar.

    O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na regio da Europa e da Amrica do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reao terica e poltica veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem O Caminho da Servido, de Friedrich Hayek, escrito j em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitao dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaa letal liberdade, no somente econmica, mas tambm poltica (ANDERSON, 2005, p. 9).

    Porm, a hegemonia neoliberal ficou patente na dcada de 1980, nos pases

    capitalistas centrais, mas [...] no foi capaz de resolver a crise do capitalismo nem

    alterou os ndices de recesso e baixo crescimento econmico, conforme defendia

    (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 127).

    Entretanto, com esta onda neoliberal teve incio um processo de

    reestruturao do Estado, e, conforme comentaram Neves e SantAnna (2005, p.

  • 41

    33): O Estado de bem-estar social perdeu espao para o Estado neoliberal. Isso

    pode ser observado tambm nos campos econmico e poltico brasileiro, haja vista a

    Reforma do Estado nos anos de 1990, no governo do presidente Fernando Henrique

    Cardoso (FHC), a qual atribuiu ao Estado um novo papel, como expe Martins

    (2009, p. 49): [...] fiscalizar e conceder contratos de explorao, sem maiores

    restries, aos interesses privados ao invs de atuar diretamente na produo e

    controle de mercadorias, de servios e de transaes financeiras. Portanto:

    Os anos 1990 correspondem ao perodo de introduo, aprofundamento e consolidao do padro de desenvolvimento neoliberal no Brasil. Essa dcada foi palco da reorganizao poltica da burguesia e da redefinio das relaes de poder no pas. Entre os anos 1990 e 1994, foram mantidas as tenses polticas vividas pela burguesia na fase final do desenvolvimentismo. Superada essa fase, a burguesia brasileira conseguiu transformar a tenso em unidade poltica em torno de um nico projeto de sociabilidade, alcanando no sculo XXI a condio de se manter como classe dominante e dirigente (MARTINS, 2005, p. 138-139).

    Por meio de alguns documentos brasileiros, podemos perceber a influncia

    das ideologias neoliberais. bastante evidente a presena neoliberal marcante no

    s na poltica educacional, mas tambm nas polticas pblicas como pode ser

    comprovado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo

    Ministrio da Administrao Federal e Reforma do Estado (MARE)6.

    O documento supracitado foi aprovado pela Cmara da Reforma do Estado e

    pelo ento presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso, no ano de 1995.

    De acordo com o prprio documento (BRASIL, 1995, p.6): O grande desafio

    histrico que o Pas se dispe a enfrentar o de articular um novo modelo de

    desenvolvimento que possa trazer para o conjunto da sociedade brasileira a

    perspectiva de um futuro melhor. E, segue afirmando que, para isso, foi necessria

    a elaborao deste Plano Diretor o qual, [...] define objetivos e estabelece diretrizes

    para a reforma da administrao pblica brasileira. O documento ainda acrescenta

    a necessidade de [...] criar condies para a reconstruo da administrao pblica

    em bases modernas e racionais. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do

    Estado sugere a substituio de uma Administrao Pblica Burocrtica por uma

    Administrao Pblica Gerencial. De acordo com o referido Plano, o problema da

    Administrao Pblica Burocrtica [...] a ineficincia, a auto-referncia, a

    6 Neste perodo do governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Bresser Pereira quem

    comandava o MARE.

  • 42

    incapacidade de voltar-se para o servio aos cidados vistos como clientes

    (BRASIL, 1995, p. 15), ao passo que a Administrao Pblica Gerencial,

    [...] atravs da definio clara de objetivos para cada unidade da administrao, da descentralizao, da mudana de estruturas organizacionais e da adoo de valores e de comportamentos modernos no interior do Estado, se revelou mais capaz de promover o aumento da qualidade e da eficincia dos servios sociais oferecidos pelo setor pblico (BRASIL, 1995, p. 18).

    Outro documento considerado importante A Reforma do Estado dos Anos

    90: Lgica e Mecanismos de Controle, produzido pelo Ministrio da Administrao

    Federal e Reforma do Estado (MARE), concebido sob influncia neoliberal, que

    apontava para a descentralizao dos programas sociais em parceria com o terceiro

    setor. Este documento oficial, segundo Pereira (1997, p.8), aborda [...] o processo

    de reforma do Estado em curso e a sua fundamentao prtica e terica. De acordo

    com Silva:

    O Governo identificou quatro grandes problemas que o Estado brasileiro devia enfrentar para cumprir a meta da reconstruo do Estado: o tamanho do Estado; a necessidade de redefinio do papel regulador do Estado; a recuperao da governana e da governabilidade. Com o objetivo de sanar estes problemas e de quebrar com o clientelismo e o burocratismo, a interveno do governo nos programas de infra-estrutura foram realizados em parceria com a iniciativa privada; os programas sociais foram descentralizados administrativamente para as esferas subnacionais e em parceria com o terceiro setor; e o controle das polticas sociais tem ocorrido atravs das agncias reguladoras. Assim, o projeto de reforma do Estado brasileiro est ancorado sob trs eixos bsicos: a privatizao, a publicizao e a terceirizao. (SILVA, s/d, p.5 grifos da autora).

    As polticas de carter neoliberal, por intermdio destes documentos,

    difundiam uma ideologia que visava ao consenso coletivo e aos interesses

    dominantes dos capitalistas, o qual importante, pois, por meio dele, se assegura e

    se tenta validar a dominao.

    Diante da crise econmica dos anos 1980, para perpetuar as formas de

    explorao e dominao, algumas estratgias de enfrentamento foram

    encaminhadas, como por exemplo, [...] a desregulamentao, a privatizao, a

    flexibilizao, o estado mnimo [...] (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011, p.

    45). Portanto:

  • 43

    Entre os anos de 1990 a 1994, as resistncias s reformas neoliberalizantes exigiram da classe empresarial mais empenho poltico tanto no nvel organizacional quanto no refinamento ideolgico (Martins, 2009, p. 119 grifo nosso).

    Nesse sentido, ainda de acordo com Martins (2009, p. 94): As metas, os

    princpios e as estratgias da Terceira Via vo se constituindo base da nova

    pedagogia da hegemonia burguesa. Para o autor

    [...] visa assegurar a dinmica do capital e promover a educao poltica das massas no sentido de criar uma nova sociabilidade que d sustentao a um amplo consenso poltico e uma slida coeso social dirigida pela classe empresarial (Martins, 2009, p. 94).

    Para que isso se efetive, o discurso da classe dominante/hegemnica oculta a

    diviso de classes, nega a explorao, reproduz as relaes de produo e tenta

    uma representao homognea da sociedade e da educao, como nos afirma

    Cury, (1986, p. 13) [...] a classe dominante, para se manter como tal, necessita

    permanentemente reproduzir as condies que possibilitam as suas formas de

    dominao, sem o que as contradies do prprio sistema viriam luz do dia.

    Entende-se, pelos elementos da anlise em questo, que a educao tem sido

    utilizada para a formao de sociabilidades que buscam atender s necessidades de

    um determinado momento histrico e, portanto, de um projeto de sociedade.

    No caso do PME, que foco desta pesquisa, percebe-se haver um projeto de

    sociedade que visa incluso social, o qual, porm, influenciado pelas polticas

    neoliberais, que imputam para a escola algumas responsabilidades, entre elas a de

    trabalhar em tempo integral com alunos de escolas situadas em regies pobres,

    numa tentativa de suprir as ausncias e/ou deficincias deixadas pelo Estado

    neoliberal. Tais ausncias e/ou deficincias podem ser exemplificadas com a falta de

    polticas pblicas que envolvem as reas de esporte e lazer, cultura, sade,

    assistncia social que deveriam ser garantidas pelo Estado, como mencionado no

    Estatuto da Criana e do Adolescente como direitos fundamentais. A escola, por sua

    vez, incumbe-se deste papel, o de ser responsvel pelo desenvolvimento de aes

    diferenciadas, no tempo ampliado, e a funo que fica escamoteada por trs disso: a

    de gerenciar a pobreza. Ento:

    Essa reconfigurao do pa