análise baseada em pressupostos teóricos da psi comunitária

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Amanda Brasil Ermelinda Piedade Mathias Oliveira Erika Barbosa de Araújo Glaucia Lima de Magalhães Theophilo José Geraldo Ferreira ANÁLISE BASEADA NOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

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UNIVERSIDADE ESTCIO DE S

Amanda BrasilErmelinda Piedade Mathias OliveiraErika Barbosa de ArajoGlaucia Lima de Magalhes TheophiloJos Geraldo Ferreira

ANLISE BASEADA NOS PRESSUPOSTOS TERICOS DA PSICOLOGIA COMUNITRIA

Nova iguau - rj2014Amanda BrasilErmelinda Piedade Mathias OliveiraErika Barbosa de ArajoGlaucia Lima de Magalhes TheophiloJos Geraldo Ferreira

ANLISE BASEADA NOS PRESSUPOSTOS TERICOS DA PSICOLOGIA COMUNITRIA

Estudo da disciplina de Psicologia Comunitria lecionada pela Prof. Ralph Mesquita para obteno de nota parcial de AV2

UNIVERSIDADE ESTCIO DE SNova iguau - rj2014ANLISE DO ARTIGO NOVAS PRTICAS EM PSICOLOGIA COMUNITRIA: DO ESTUDO SOBRE ASSISTENCIALISMO AO ENCONTRO COM ADOLESCENTES BASEADA NOS PRESSUPOSTOS TERICOS DA PSICOLOGIA COMUNITRIA

CAFOLLA, Ana Alice; SILVA, Alana Leite da; TOKITA, Mrcia Figueiredo; DUARTE, Ivelize Cruz. Novas prticas em Psicologia Comunitria: do estudo sobre o assistencialismo ao encontro com adolescentes. Disponvel em: < http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/index.php?option=com_content&task=view&id=341&Itemid=96>. Acesso em 16 de maio de 2014.

Resumo: O presente artigo demonstra a prtica vivenciada por alunas do 5 perodo de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina, num contato direto com a cadeira de Psicologia Comunitria atravs de participao efetiva num projeto envolvendo adolescentes numa zona perifrica da cidade. Descreve ainda alguns pressupostos tericos a respeito da referida disciplina e como se deu, na realidade, a interveno social, discutindo e elucidando dvidas sobre a diferenciao entre teorias e prticas. Assim, o grupo foi reunido em torno do desejo de descobrir novas prticas em Psicologia Social, buscando trabalhar com algo que no tinham estudado na graduao e que despertava a ateno, a Psicologia Comunitria, intervindo junto comunidade, a partir de um estudo que elucidasse os efeitos de prticas assistencialistas na subjetividade dos assistidos.No entanto, esse tema acabou no sendo desenvolvido na pesquisa, mas aproximou o grupo da abordagem que se desejava capturar, que era a Psicologia Comunitria. Pelo fato das alunas no possurem contato prvio com a disciplina durante a graduao, a orientadora do projeto percebeu a importncia do embasamento terico para repensar a prtica, visando destacar a importncia da postura tica em relao pesquisa. A relao com a comunidade deveria ser estabelecida por meio de trocas, evitando assim usurpar desta a experincia somente para se produzir textos acadmicos. Desta forma, foi relatado que, buscou-se enxergar a comunidade no como necessitada de doao, a qual precisava de interveno no sentido de arrecadar recursos e no fazer por ela. Mas sim, enxergar a comunidade como parceira nessa interveno, que procura trabalhar junto para que esta se coloque como lutadora por seus ideais, identificando seus problemas e os caminhos que podem ser seguidos para solucion-los, buscando uma melhor interao em seu meio e com seu meio. E nesse sentido se deu a pesquisa-interveno, buscando questionamento sobre qual a melhor forma de possibilitar uma interveno naquela comunidade. Foram desenvolvidas possibilidades na cotidianidade das relaes, bem como compartilhando entre o grupo e a orientadora, leituras e reflexes de diferentes pontos de vista.

ARTIGO: Novas prticas em psicologia comunitria: do estudo sobre o assistencialismo ao encontro com adolescentes

Autor: Ana Alice da Silva Cafolla ([email protected]) - Estudante do 5 ano de Psicologia Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Co-autores:Alejandra Astrid Len Cedeo ([email protected]) Profa. Depto Psicologia Social e Institucional UEL.Alana Leite da Silva ([email protected]); Mrcia Figueiredo Tokita ([email protected]); Ivelize Cruz Duarte ([email protected]) Estudantes do 5 ano de Psicologia da UEL

1. INTRODUOA disciplina acadmica Tpicos Avanados em Psicologia, contida no quarto ano do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina, possibilita que os graduandos escolham a rea de maior interesse para a realizao de um projeto de pesquisa. Assim como, permite a escolha do docente/orientador, estes so apresentados aos graduandos por suas reas de afinidade e trabalhos desenvolvidos. Esta possibilidade, no to comum durante a graduao, permite que os estudantes possam se dedicar ao estudo de reas ou temas que despertam afetaes, mas que ainda no foram aprofundados.Assim, o presente grupo foi reunido em torno do desejo de descobrir novas prticas em Psicologia Social, buscando trabalhar com algo que no tnhamos tido contato na graduao e que nos despertava a ateno, a Psicologia Comunitria. A nossa preocupao inicial era intervir de maneira efetiva em uma comunidade de periferia, a partir de um estudo que elucidasse os efeitos de prticas assistencialistas na subjetividade dos assistidos. No entanto, esse tema acabou no sendo desenvolvido na pesquisa, mas nos aproximou da abordagem que desejvamos capturar, que era a Psicologia Comunitria.Pelo fato de no possuirmos um contato prvio com a psicologia comunitria durante a graduao, a orientadora do projeto percebeu a importncia do embasamento terico para repensarmos nossa prtica. Procurando destacar a importncia de nossa postura tica com relao pesquisa. A nossa relao com a comunidade deveria se estabelecer por meio de trocas, evitando assim, apenas usurpar da comunidade para produzir textos acadmicos. J que buscvamos nos relacionar com aquela comunidade pelo desejo inicial de desenvolver uma pesquisa, tambm deveramos descobrir qual o desejo deles com relao a ns. Deveramos question-los como poderamos retribuir pesquisa, por isso estava estabelecida uma prtica pra alm da pesquisa.E assim se desfez o tema inicial e acabamos envolvidas em estabelecer uma troca, pensando em intervenes que possibilitassem crescimento mltiplo, valorizando a pesquisa-ao e as relaes estabelecidas com os membros da comunidade.Se a prtica da interveno, que for realizada em determinada comunidade, no for uma prtica libertadora que vise emancipao dos indivduos da comunidade em favor de lutarem por sua cidadania, ela acaba deixando a comunidade numa postura de dominada, onde os sujeitos tendem a agirem como simples beneficirios e no como cidados que tm direito de reivindicar por suas demandas. Portanto, no presente trabalho busca-se enxergar a comunidade no como necessitada de doao, a qual precisa de interveno no sentido de arrecadar recursos e no fazer por ela. Mas sim, enxergar a comunidade como parceira nessa interveno, que procura trabalhar junto para que esta se coloque como lutadora por seus ideais, identificando seus problemas e os caminhos que podem ser seguidos para solucion-los, buscando uma melhor interao em seu meio e com seu meio. As pessoas de uma determinada comunidade so os principais protagonistas de seus saberes, de suas vicissitudes e da criao de instrumentos capazes de auxiliar o desenvolvimento de sua realidade (PEREIRA, 2001, p. 171).E nesse sentido seguiu nossa pesquisa-interveno, buscando nos questionar sobre qual seria a melhor forma de possibilitar uma interveno naquela comunidade. Desenvolvemos possibilidades na cotidianidade das relaes, bem como compartilhando entre o grupo e a orientadora, leituras e reflexes de diferentes pontos de vista.

2. O ENCONTRO COM A PSICOLOGIA COMUNITRIADurante esta experincia tivemos a oportunidade de nos aproximar da psicologia comunitria, desde seus aportes tericos at a experincia prtica. Durante este encontro, no fomos buscar no indivduo a gnese para seus problemas e questes, mas sim analisamos e buscamos intervir nos contextos em que as pessoas se desenvolvem. Como diz Musitu (2004):O entorno social no algo necessrio ou unicamente negativo e fonte de problemas e conflitos para indivduos e grupos, mas tambm fonte de recursos e potencialidades positivas. (...) o entorno social e cultural fonte tanto de conflitos como de solues. Isto , impe limitaes mas tambm aporta recursos. (2004, p.19)

Comeamos a compreender que relevante no nos centrarmos mais unicamente no indivduo (MUSITU, 2004), mas sim voltar o olhar para o entorno social e cultural, pensando de que forma este contexto contribuiu para a formao daquele indivduo em particular. Entendendo que exatamente este entorno que ir dar os suportes necessrios e tambm as dificuldades inevitveis para a formao de uma pessoa enquanto cidado.Partindo desta discusso, comeamos a entender que ao se fazer uma pesquisa importante que a comunidade participe desta produo no apenas como um objeto de estudo. J que, como diz Musitu (2004):Ao se fazer cincia, necessria a participao da comunidade. A prtica do psiclogo comunitrio est mais voltada para o desenvolvimento de potencialidades e recursos do que em sanar dficits, buscando, sempre a potencializao da comunidade. Tem como meta, a transformao social. Sobre isso diz Lane (1996) desenvolver grupos que se tornem conscientes e aptos a exercer um autocontrole de situaes da vida atravs de atividades cooperativas e organizadas (2004, p. 25).

Sua caracterizao ainda envolve uma orientao eminentemente prtica, sendo a teoria uma forma de organizao. Parte do princpio da unio entre teoria e prtica e tem como pressuposto de organizao a autogesto. Estas so as caractersticas que formam o substrato em comum de uma Psicologia Comunitria. Esta, no entanto, construda a partir do contexto social, econmico e poltico de cada localidade. , portanto, um fazer cheio de peculiaridades.Ao nos afetamos por esses saberes, percebemos que a nossa proposta inicial de pesquisa era realmente contraditria com relao produo terica em psicologia comunitria. Ns havamos escolhido um tema sem pensar em uma prtica. Ao chegarmos ao bairro, comeamos a perceber que havia tantas coisas acontecendo por ali, que a pesquisa sobre assistencialismo acabou no fazendo mais sentido. Encontramo-nos, ento, com algumas garotas do bairro e comeamos a nos aproximar delas procurando entender porque suas mes tinham medo que elas ficassem na rua, como era a relao delas com a escola, suas perspectivas de futuro. Assim, a prtica nos levou a outros campos de pesquisa.

3. DIFERENTES FORMAS DE INTERVENOPara falar pensarmos em uma interveno na comunidade, necessitamos aprofundar no conhecimento das diferentes perspectivas de interveno social pesquisadas: dirigida, participativa e situada. Essas linhas de ao e pensamento se caracterizam como formas de interveno no social e exibem peculiaridades. Estas foram apresentadas e detalhadas na tese de doutorado de Marisela Martinez Montenegro, Conocimientos, agentes y articulaciones: una mirada situada a la Intervencion Social, em 2001, e nos serviu de base a fundamentao terica.A autora pontua que uma interveno social pode ser efetuada com base em diferentes perspectivas, a saber, a dirigida, a participativa e a situada. Para que exista o que conceituado de interveno para as perspectivas dirigidas e participativas necessria uma relao entre dois elementos distintos. Os interventores/as (profissionais, tcnicos, voluntrios, etc) que se prope a transformar com sua ao situaes que so vistas como problemticas na qualidade de vida do segundo grupo, os intervindos (clientes, beneficirios, grupo com necessidades especiais). Essas correntes de interveno social postulam a transformao de certas condies de vida das pessoas.A interveno social e psicosocial busca atacar os problemas sociais presentes na sociedade a partir de modelos tericos que explicam o que social e quais so as possveis causas dos problemas; e modelos prticos sobre quais so as melhores maneiras de incidir sobre estes problemas a favor das pessoas envolvidas nas situaes problemticas. (MONTENEGRO, 2001, p. 74)

Segundo Montenegro (2001), em uma perspectiva dirigida de interveno social, as definies sobre problemas sociais enfatizam que o diagnstico deve ser realizado ou a partir de critrios objetivos de situaes que poderiam ou deveriam ser transformadas, ou quando um grupo relevante define algumas condies como problema e pem em marcha aes para sua soluo. O funcionalismo a corrente terica que embasa a interveno dirigida.A autora expe outra perspectiva de interveno social, a perspectiva participativa que compreende os problemas sociais atuais como produto das relaes sociais discrepantes presentes na sociedade. Assim, a partir desta perspectiva, o problema social fundamental contra o qual se deve lutar a explorao (econmica, cultural, social) dos seres humanos no sistema capitalista.A forma de entender o social da maioria das teorias participativas se baseia em que no so apenas os grupos marginalizados que necessitam de transformao, mas a sociedade como um todo. A viso da sociedade se faz de um ponto conflitivo, apresentando uma sociedade dividida e que possui interesses opostos. Ainda afirma-se que os recursos econmicos, sociais e culturais desta sociedade esto distribudos de modo desigual entre os diferentes grupos sociais. A sociedade estruturada a partir de relaes de dominao e explorao, opressores e oprimidos. As pessoas que esto em situao de marginalizao poltica e econmica tendem a ver como natural a situao em que vivem e no como um processo histrico de dominao. E nesse ponto que existe a necessidade de se trabalhar. A viso social que interfere na interveno participativa o Marxismo.Nas propostas de interveno participativa e dirigida os problemas sociais so definidos principalmente com base nos conhecimentos especializados. Nestas perspectivas de interveno, observa-se a presena dos agentes externos que re-dirigem e reorganizam as inquietudes presentes na comunidade, abrindo espaos de reflexo e de ao. As pessoas da comunidade ou coletivos que sofrem problemas sociais so vistos como vivendo sob condies de opresso e, portanto, devem atuar para reverter as condies sociais nas quais vivem, porm essa atuao acompanhada de intelectuais politicamente comprometidos com a transformao social dessas condies.Numa perspectiva situada de interveno social adota-se uma postura crtica com relao viso representacionista da realidade. Assim, os problemas sociais so analisados como produtos de processos de definio coletiva, constroem-se como objetos por intermdio de prticas e discursos num marco scio histrico e cultural que permite certas construes e no outras. Os problemas sociais so, ento, histrica e contextualmente situados e alm disso, so construes momentneas e dinmicas (MONTENEGRO, 2001).Diferentemente das intervenes participativas e dirigidas, uma perspectiva situada de interveno social no encara os problemas sociais a partir de um conhecimento especializado, mas sim implica em aes coletivas em prol de um objetivo comum, socialmente definido. Essas aes envolvem as vidas das pessoas, as relaes, discursos e prticas sociais, com uma viso do social mais anarquista (Montenegro, 2001).Segundo a mesma autora os agentes de transformao social seriam pessoas, grupos, organizaes, instituies etc. que so conceitualizados como capazes de levar a cabo aes de transformao. Estes agentes se articulam para atuar sobre algum fenmeno definido, na prpria articulao, como digno de transformao. Assim, no h posies nicas, fixas e imutveis, mas uma pluralidade de posies e conexes, um movimento contnuo de articulaes. Este movimento e pluralidade abrem a possibilidade de que caractersticas de diferentes agentes estejam envolvidas nos trabalhos de interveno e, tambm, a possibilidade de articulao com outros movimentos ou blocos histricos. Nestas articulaes as prprias posies de cada agente so modificadas.

4. METODOLOGIAA maneira clssica de se buscar informaes dentro de pesquisas qualitativas trabalhar com entrevistas. Estas constituem parte importante do processo. No entanto, quanto se perde ao tirar algum de seu cotidiano, sentar-se sua frente com um gravador e fazer-lhe perguntas que o pesquisador considera importantes?Perde-se a fala do cotidiano, no dirigida e no preocupada com possveis gravaes. Perde-se de observar, de viver junto. O cotidiano, como diz Spink (2008) em seu artigo, O pesquisador conversador no cotidiano, tudo o que temos. Ao no lev-lo em considerao perdemos de conhecer a realidade de algum como um todo complexo e formado por uma srie de pequenos acontecimentos, fatos e histrias. Sobre as conversas do cotidiano Menegon (1999) diz:As conversas do cotidiano permeiam as mais variadas esferas de interao social. Mas, por serem consideradas corriqueiras, dificilmente pensamos na riqueza e nas peculiaridades que possam estar presentes nessa forma de comunicao (p. 215).

Esta foi a perspectiva que norteou a pesquisa, por considerar importante conhecer o cotidiano e no apenas um recorte de vida. Sobre estas questes, Peter Spink (2008) diz: Virar as costas para o cotidiano abrir mo da possibilidade de uma insero mais catica no mundo das aes sociais; uma insero ordinria e corriqueira - diferente da daquela do especialista e do observador imparcial (p. 4). Na vida diria, quando no estamos dentro de uma pesquisa, o cotidiano o lugar que possumos para conhecer as pessoas. E porque ao assumir a posio de pesquisador as coisas se tornam diferentes?A metodologia que foi utilizada nesta pesquisa permitiu que as futuras psiclogas entrassem em contato com outra postura tica do pesquisador. Foi uma experincia nica em quatro anos de universidade, e, mesmo que no nos tornemos psiclogas sociais comunitrias esta possibilidade de trabalho j penetrou nossos corpos.

5. E O QUE FOI FEITO?Pela afinidade do grupo com a perspectiva situada de interveno social e por demais atravessamentos, o inicial desejo de pesquisar as questes que permeavam prticas assistencialistas foi deixado de lado, outra questo nos capturou. Vendo e ouvindo (de uma moradora local) a necessidade de se fazer algo com adolescentes que vivem situaes de vulnerabilidade bastante complexas, surgiu a ideia de fazermos algo com estas meninas.Para definir o que seria feito, precisaramos conhecer o cotidiano delas e vice-versa. No incio, para buscarmos uma aproximao, fizemos uma pequena festa na casa de uma delas (filha da moradora que foi a nossa porta de entrada para a comunidade), cinco garotas estavam presentes. partir deste momento de conhecimento inicial, tivemos encontros semanais com diferentes atividades que faziam parte do cotidiano das meninas. A angstia de no saber o que fazer nos acompanhou. Inicialmente, era grande a dificuldade de irmos at elas sem ter nenhuma ao planejada previamente, saber delas o que elas gostariam de fazer. Inclusive, mesmo para as adolescentes esta nossa postura causou um estranhamento inicial.Mas no decorrer da pesquisa, fomos nos familiarizando com esta forma de interveno e com a metodologia. Assim, propusemo-nos a conhec-las a partir do que tnhamos acesso, seu dia-a-dia. A partir disto, passamos a frequentar as casas delas, os projetos que faziam parte, fomos comer amora no p e ir nadar em um riozinho que corre por l.Nestes encontros surgiam assuntos que gravitavam entre as nossas diferenas sociais e tnicas, o sentimento delas em relao ao bairro, seus gostos musicais. Se chegssemos at elas com uma postura de pesquisadoras que vieram conhec-las, provavelmente no iramos conseguir saber nada sobre elas. Isto porque todas as vezes que entrvamos em conversas mais srias e universitrias as palavras delas eram: sei l... e silenciavam, ou mudavam de assunto. E quando estvamos ali junto com elas tomando banho de rio, os assuntos surgiam com toda a espontaneidade e riqueza.

6. CONLUSOUm ponto relevante no vivenciarmos esta experincia foi pensar a postura do psiclogo. De quais formas pretendemos nos inserir em um campo de trabalho. Dirigido, participativo, situado? A ideia era trabalhar em um sentido situado, mas como difcil... As outras maneiras de insero ainda esto em nossos corpos, e por vezes, nos vamos discutindo: acho que voc est pensando de uma maneira muito participativa, ou ento: Nossa! Este encontro foi bem situado! A tica permeou as discusses durante todo o fazer, trazendo as responsabilidades que um trabalho como este carrega para cada uma de ns.Houve ainda a possibilidade de frequentar um universo que escapa aquele que garotas universitrias costumam ir. O circuito Centro Universidade foi levado alm. Tivemos a oportunidade de conhecer a cidade de Londrina em um contexto mais amplo. As periferias tambm fazem parte da cidade e como viver cinco anos em um lugar sem tomar conhecimento disto? A realidade daquelas pessoas muito diferente da experimentada por ns. Elas no tm asfalto e, muitas vezes, nem piso no cho de casa. Por vezes, a famlia toda divide o mesmo quarto e, a sala e a cozinha so juntas. Elas tm necessidades, desejos, medos, gostos diferentes dos nossos, mas assim mesmo, podemos dialogar. Esta foi uma experincia parecida com a experimentada dentro do grupo, talvez por isso tenha sido mais fcil manejar.Uma ltima questo que nos ficou como possibilidade de reflexo na realizao do trabalho o da psicologia para quem. Seria o psiclogo um profissional voltado para quem possa pagar pelos seus servios? Mas e os que no podem, tero acesso? Pensamos que a psicologia precisa ampliar seus espaos de alcance, isso porque existe grande parte da populao que, por meios financeiros no pode ter acesso. No entanto, isto no significa que no h demanda por parte deles. E qual postura ns, futuros psiclogos tomaremos?Com o vivenciar da pesquisa novas formas de pensar foram plantadas. Foi aberto um espao para questionamentos e, pensamos que, nenhuma das autoras ir esquecer-se da responsabilidade que temos com a melhora das condies de vida das pessoas. J que queremos viver em um mundo melhor algo precisa ser feito, ao invs de esperar por, esperar pelo, esperar quando, esperar de, faremos algo ns mesmas, nem se for atravs dos micro-espaos.

7. REFERNCIA BIBLIOGRFICALANE, Slvia Tatiana Maurer. Histrico e fundamentos da psicologia comunitria no Brasil. In: Psicologia Social Comunitria: da solidariedade autonomia. Petrpolis, RJ: Vozes, 1996.MENEGON, Vera Mincoff. Porque jogar conversa fora? Pesquisando no cotidiano. In: Prticas discursivas e produo de sentidos no cotidiano: aproximaes tericas e metodolgicas./Spink, Mary Jane (org.). So Paulo: Cortez, 1999.MUSITU, Gonzalo Ochoa. Surgimiento y desarrollo de la Psicologia comunitria. In: Introduccin a la psicologia comunitria. Arag, Barcelona: Editorial UOC, 2004.MONTENEGRO, Marisela Martinez. Conocimientos, agentes y articulaciones: una mirada situada a la Intervencion Social. Tese doutorado. Programa de Doutorado de Psicologia Social. Universidade Autnoma de Barcelona. Enero, 2001.PELBART, Peter Pl. VIDA CAPITAL- Ensaios de biopoltica. So Paulo: Iluminuras, 2003.SPINK, Peter. O pesquisador conversador no cotidiano. In: Psicol. Soc. v.20 n.spe, Porto Alegre, 2008, ISSN 0102-7182 verso impressa.

ANLISE:NOVAS PRTICAS EM PSICOLOGIA COMUNITRIA: DO ESTUDO SOBRE O ASSISTENCIALISMO AO ENCONTRO COM ADOLESCENTESA partir da leitura do referido texto, buscou-se realizar uma anlise baseada nos pressupostos tericos discutidos em sala de aula sobre Psicologia Comunitria. Para tal, selecionou-se partes do artigo que se destacaram e que demonstravam, na prtica, assuntos relacionados aos temas em questo. Alm da discusso relatada, buscou-se fundamentar cada argumentao com um referencial terico pertinente, como explicitado a seguir:

PARTICIPAO EFETIVA DA COMUNIDADEA nossa relao com a comunidade deveria se estabelecer por meio de trocas, [...]. J que buscvamos nos relacionar com aquela comunidade pelo desejo inicial de desenvolver uma pesquisa, tambm deveramos descobrir qual o desejo deles com relao a ns. [...] E assim se desfez o tema inicial e acabamos envolvidas em estabelecer uma troca, pensando em intervenes que possibilitassem crescimento mltiplo, valorizando a pesquisa-ao e as relaes estabelecidas com os membros da comunidade.

A participao da comunidade num trabalho de psicologia social comunitria essencial, sendo a base dos futuros processos de interveno, a fim de gerar objetivos e atuaes prximas da realidade e no dissociadas das verdadeiras carncias, interesses e perspectivas do grupo social em questo. Como o texto acima salienta, importante a compreenso das trocas bilaterais envolvidas neste processo. Desta forma, a pesquisa-ao funciona para aumentar o nvel de autoconhecimento comunitrio, pois, para se conhecer, se organizar e planejar estratgias visando o bem estar da comunidade importante que os todos os envolvidos conheam as opinies e ideias da populao. Alm disso, com o uso dos resultados da pesquisa, procura-se garantir que as intervenes planejadas sejam baseadas na realidade dos moradores e em suas necessidades e prioridades para conseguir recursos que ajudem com seu processo de organizao comunitria (RICCI E SILVA, 2004).

RELAES DE DOMINAO X AES AUTOGESTORASSe a prtica da interveno, que for realizada em determinada comunidade, no for uma prtica libertadora que vise emancipao dos indivduos da comunidade em favor de lutarem por sua cidadania, ela acaba deixando a comunidade numa postura de dominada, onde os sujeitos tendem a agirem como simples beneficirios e no como cidados que tm direito de reivindicar por suas demandas. Portanto, no presente trabalho busca-se enxergar a comunidade no como necessitada de doao, a qual precisa de interveno no sentido de arrecadar recursos e no fazer por ela. Mas sim, enxergar a comunidade como parceira nessa interveno, que procura trabalhar junto para que esta se coloque como lutadora por seus ideais, identificando seus problemas e os caminhos que podem ser seguidos para solucion-los, buscando uma melhor interao em seu meio e com seu meio.

A partir deste fragmento do referido texto, foi possvel a compreenso da necessidade de se realizar trabalhos em Psicologia Comunitria que se aproxime da necessidade real vivenciada pelos integrantes da comunidade e com a sua participao efetiva. Caso contrrio, pode-se cair na armadilha de replicaes ideolgicas referentes a relaes de poder e de dominao existentes na sociedade de forma geral. BEVILAQUA E BROCHIER comentam que, infelizmente, na atualidade ainda possvel observar algumas concepes psicolgicas que se baseiam em uma perspectiva assistencialista paternalista, onde o grupo colocado na posio daquele que precisa ser assistido ou ajudado, desapropriado de capacidade e de poder, no se levando em considerao as possibilidades de buscar por sua autonomia. O profissional, ao se colocar no lugar daquele que auxilia, porque detentor do saber, no permite que o grupo seja capaz de dar significado os eventos do seu cotidiano. Ento, necessrio que o Psiclogo Comunitrio compreenda que est trabalhando com e para o grupo, no apenas assistindo aos que padecem de alguma necessidade. A partir da fala de GUARESCHI (2004 apud BEVILAQUA E BROCHIER): Quem vai por um tempo para partilhar o saber no pode retirar da comunidade a prerrogativa fundamental de liberdade e autonomia, compreende-se a responsabilidade do psiclogo social comunitrio e a importncia de gerir processos relacionados a conscientizao e mobilizao da comunidade em busca de aes autogestoras.

COMPREENSO DO CONTEXTODurante este encontro, no fomos buscar no indivduo a gnese para seus problemas e questes, mas sim analisamos e buscamos intervir nos contextos em que as pessoas se desenvolvem. [...] Comeamos a compreender que relevante no nos centrarmos mais unicamente no indivduo (MUSITU, 2004), mas sim voltar o olhar para o entorno social e cultural, pensando de que forma este contexto contribuiu para a formao daquele indivduo em particular. Entendendo que exatamente este entorno que ir dar os suportes necessrios e tambm as dificuldades inevitveis para a formao de uma pessoa enquanto cidado.

a partir da compreenso da relao entre o indivduo e o meio social que a Psicologia comunitria de baliza. Ela entende que de fundamental importncia o conhecimento scio histrico da evoluo e desenvolvimentos dos grupos dentro da sociedade e das interferncias destes na subjetividade do indivduo, pois, a partir do outro, das anlises de diferenas e semelhanas, que cada pessoa se constitui e se percebe em sua identidade. O contexto, o entorno, como explicita o texto, substancial neste processo, seja para emancipao ou aprisionamento de cada indivduo e, consequentemente, dos grupos sociais e das comunidades. Assim, entender este mundo externo de supra relevncia, se tem-se como objetivos a conscientizao de processos sociais existentes nas comunidades e suas posteriores transformaes, se possvel.COSTA E BRANDAO (2005), conceituam comunidade como dimenso espao/temporal na qual os sujeitos so compreendidos com foco em suas relaes, sendo constitudos por meio destas, em uma constante dialtica entre individual e coletivo. A comunidade se expressa como espao de construo de cidadania, no qual todas as falas so legtimas (FREITAS, 2000; GUARESCHI, 2003 apud COSTA E BRANDAO, 2005). Esse conceito, que pode parecer utpico, tomado nessa perspectiva para que marque o desafio de atuarmos focando as relaes entre indivduos, e entre estes e a sociedade, em uma busca de valorizao das relaes comunitrias que visem o bem comum (RICCI, 2003 apud COSTA E BRANDAO, 2005).

PESQUISA PARTICIPANTESua caracterizao ainda envolve uma orientao eminentemente prtica, sendo a teoria uma forma de organizao.

Em Psicologia Comunitria no possvel a exclusividade de um distanciamento quantitativo e experimental relacionados a pesquisa sobre a atuao e perspectivas dos grupos sociais envolvidos. Desta forma, psiclogos e comunidade devem, conjuntamente formular o cabedal terico de base, onde todos os tipos de conhecimentos so vlidos e necessrios. Alm disso, deve-se pautar a trabalho numa observao-participante, que consiste na assimilao e compreenso do modo de vida existente, atravs de uma ao direta (insero e convivncia real) e uma posterior ao intelectual (analtica, sistemtica) junto comunidade, numa possibilidade de apreenso dos processos envolvidos. Somente aps estas etapas, pode-se pensar em evoluir para aes que visem transformaes a nvel social. Trata-se de uma insero que se d na dependncia da avaliao da populao, comprometendo-se com a possibilidade de mudana social e construo de conhecimento.FIEDLER afirma que o trabalho em psicologia comunitria parte da necessidade de se delinear estratgias metodolgicas que permitam superar as dicotomias sujeito-objeto e teoria e prtica, possibilitando uma produo coletiva de conhecimentos em torno de vivncias, interesses e necessidades dos grupos concebidos agora como produto histrico e social. Apoiados nesta vivncia, os setores populares poderiam no s ser incorporados, como atores do processo de gerao do conhecimento, como tambm poderiam gerar propostas de aes expressas em uma nova perspectiva de conscincia e mudana social. Com base no supracitado, podemos observar que o campo da Psicologia Social Comunitria desenvolve-se concomitante com a possibilidade desta nova forma de pesquisar e agir, agir e pesquisar, demonstrando grande afinidade entre desenvolvimento cientfico e transformao social. Desta forma, segundo DEMO (2004 apud FIEDLER), um dos critrios polticos que direcionam as pesquisas participantes o acordo intersubjetivo que implica o consenso entre pesquisadores e comunidade, no qual o conhecimento cientfico no substitui o saber popular e vice-versa, cabendo a construo de estratgias coletivas.

MUDANAS DE OBJETIVOS CONFORME A REALIDADE DA COMUNIDADE[...] percebemos que a nossa proposta inicial de pesquisa era realmente contraditria com relao produo terica em psicologia comunitria. Ns havamos escolhido um tema sem pensar em uma prtica. Ao chegarmos ao bairro, comeamos a perceber que haviam tantas coisas acontecendo por ali, que a pesquisa sobre assistencialismo acabou no fazendo mais sentido. Encontramo-nos, ento, com algumas garotas do bairro e comeamos a nos aproximar delas procurando entender porque suas mes tinham medo que elas ficassem na rua, como era a relao delas com a escola, suas perspectivas de futuro. Assim, a prtica nos levou a outros campos de pesquisa.

O trabalho em Psicologia Comunitria muito desafiador e preciso ter muita sensibilidade para compreender os fenmenos que se mostram nos diversos grupos sociais. Muitas vezes no se consegue ver alm de um simples comportamento ou das palavras que so ditas, no entanto, imprescindvel um olhar para alm das aparncias iniciais. O desafio escutar ativamente, perceber o outro e suas demandas, sem ideias pr concebidas do que seria melhor para determinada comunidade. Alm disso, existem diversas limitaes e barreiras que exigem flexibilidade, perseverana, questionamentos constantes e auto crtica. Deve ser um trabalho de construo mtua, onde o profissional de psicologia esteja disposto a reorientar o projeto, quantas vezes for necessrio, e defini-lo a partir de um entrosamento perptuo com a comunidade.Conforme salienta SCARPARO e GUARESCHI (2007) a perspectiva de trabalho resultante s possvel, portanto, se imbricada na aprendizagem continuada, o que exige que o profissional envolvido na tarefa se articule em diferentes direes, sendo receptivo a outros saberes, aos imprevistos e s eventuais mudanas de percurso. Essas condies supem sujeitos criadores e propositivos. Por decorrncia se trata de pessoas e grupos dispostos a tomar para si a responsabilidade de gerar acontecimentos. Neste contexto no h possibilidade de obedincia cega a padres uniformes e rituais preestabelecidos.

AGENTES TRANSFORMADORES[...] os agentes de transformao social seriam pessoas, grupos, organizaes, instituies etc. que so conceitualizados como capazes de levar a cabo aes de transformao. Estes agentes se articulam para atuar sobre algum fenmeno definido, na prpria articulao, como digno de transformao. Assim, no h posies nicas, fixas e imutveis, mas uma pluralidade de posies e conexes, um movimento contnuo de articulaes. Este movimento e pluralidade abrem a possibilidade de que caractersticas de diferentes agentes estejam envolvidas nos trabalhos de interveno e, tambm, a possibilidade de articulao com outros movimentos ou blocos histricos. Nestas articulaes as prprias posies de cada agente so modificadas.

Buscando repensar a prticapsicolgicaem contextoscomunitrios essencial aos profissionais envolvidos e a comunidade como um todo, ter claro os seus papeis deagentes transformadores, relacionados ao processo histrico em seudinamismo, provisoriedade e transformao, buscando constante aprimoramento e potencialidades de aes. Concerne ao profissional de Psicologia, nesse caso, contribuir para que pessoas e grupos comunitrios ampliem suas possibilidades de se construrem criativamente. Com isso, a prxis psicolgica comunitria relaciona-se ao desafio coletivo de consolidar polticas assentadas na noo de direitos sociais. essencial uma compreenso do ser humano como ser inacabado, onde o sujeito no um ente dado, pronto, fruto de um vis essencialista ou determinista, mas constitui-se e se desenvolve a partir de seu contexto histrico-cultural, donde emerge como singularidade. Alm disso, h o compromisso com a transformao da realidade vivida, a partir do movimento de integrao, de reinsero do sujeito em seu contexto, de modo crtico e propositivo, transformando-o a partir da prpria transformao que se d em si mesmo. Assim, o sujeito comunitrio buscar, especialmente mediante a atividade comunitria (coletiva, cooperativa e solidria), superar situaes de opresso, resistindo e lutando contra as manifestaes da ideologia de submisso e resignao, que favorece o desenvolvimento de uma identidade de oprimido e explorado junto aos indivduos, negando seu valor e poder pessoal. Esse enfrentamento se origina e se sustenta no compromisso tico-poltico e nos vnculos afetivo-sociais que o morador construiria com sua comunidade, com seu sistema cultural e com os demais moradores. Essa abordagem, ento, direciona a prxis para a construo, o fortalecimento e o desenvolvimento do sujeito. Estimula-se o trnsito do indivduo para sujeito histrico, superando os esquemas de acomodao e adaptao passiva realidade e fomentando a integrao com a insero na realidade vivida. Na Psicologia Comunitria, facilita-se a construo do sujeito comunitrio, fortalecendo sua identidade pessoal e sua atuao comunitria, estimulando a integrao entre o desenvolvimento pessoal e o desenvolvimento scio comunitrio (FREIRE, 1980 e GIS, 2003, 2005 apud OLIVEIRA; XIMENES; COELHO; SILVA, 2008).

PORTA DE ENTRADA PARA INSERO No incio, para buscarmos uma aproximao, fizemos uma pequena festa na casa de uma delas (filha da moradora que foi a nossa porta de entrada para a comunidade), cinco garotas estavam presentes. partir deste momento de conhecimento inicial, tivemos encontros semanais com diferentes atividades que faziam parte do cotidiano das meninas. A angstia de no saber o que fazer nos acompanhou. Inicialmente, era grande a dificuldade de irmos at elas sem ter nenhuma ao planejada previamente, saber delas o que elas gostariam de fazer. Inclusive, mesmo para as adolescentes esta nossa postura causou um estranhamento inicial. Mas no decorrer da pesquisa, fomos nos familiarizando com esta forma de interveno e com a metodologia. Assim, propusemo-nos a conhec-las a partir do que tnhamos acesso, seu dia-a-dia. A partir disto, passamos a frequentar as casas delas, os projetos que faziam parte, fomos comer amora no p e ir nadar em um riozinho que corre por l. Nestes encontros surgiam assuntos que gravitavam entre as nossas diferenas sociais e tnicas, o sentimento delas em relao ao bairro, seus gostos musicais. Se chegssemos at elas com uma postura de pesquisadoras que vieram conhec-las, provavelmente no iramos conseguir saber nada sobre elas. Isto porque todas as vezes que entrvamos em conversas mais srias e universitrias as palavras delas eram: sei l... e silenciavam, ou mudavam de assunto. E quando estvamos ali junto com elas tomando banho de rio, os assuntos surgiam com toda a espontaneidade e riqueza.

Como foi relatado, no processo de insero na comunidade, surgem inseguranas e indecises preliminares, que precisam ser superadas, a fim de permitir uma real aproximao e compreenso da realidade vivenciada pela comunidade. Ir comunidade, conhec-la, entrar e iniciar um processo de familiarizao, coloca o psiclogo em uma posio frgil diante de algumas incertezas e desafios. Incertezas quanto sua aceitao, entrada e permanncia na comunidade. Incertezas quanto s decises sobre o que e como fazer, e ao seu papel como profissional da psicologia, em um contexto comunitrio (FREITAS, 1998). Trata-se de umaproposta de inseroque vem sendo desenvolvida e prope usar aportes oriundos de uma psicologia social crtica, que compreende o homem na sua totalidade histrica, em movimento e protagonista da sua histria particular e coletiva, forjando relaes cotidianas que podem contribuir para a construo de uma vida mais digna e humana.Sendo assim, compreende-se que deve-se observar alguns aspectos nesta insero: de que as necessidades da populao que devem indicar os caminhos para a prtica do psiclogo em comunidade, significando portanto que os objetivos deveriam ser definidosa posteriori; de que o trabalho implique na construo conjunta de canais e alternativas para que a populao assuma seu cotidiano, fomentando relaes mais solidrias e ticas e desenvolvendo uma conscincia crtica e, por ltimo, que, apesar das incertezas e das delimitaes que vo acontecendo durante o processo de insero, o psiclogo tem, sim, um domnio especfico para a sua ao, ligado aos chamados processos psicossociais que perpassam o cotidiano das pessoas, sendo que algumas ferramentas para a interveno advm do campo da investigao participante e de outras disciplinas alm da prpria psicologia. Acreditar na possibilidade de desenvolvimento de trabalhos em comunidade, com estas preocupaes, implica em no ver a populao nem como desamparada por natureza, nem desvalida ou um espcime extico digno de estudos. Significa, ao contrrio, descobrir que a populao sim, diferente dos padres e previses tradicionalmente cientficas, sendo mais lutadora e sobrevivente do que tem sido considerada pelos centros de investigao (FREITAS, 1998).

NECESSIDADE DE POSTURA TICAA tica permeou as discusses durante todo o fazer, trazendo as responsabilidades que um trabalho como este carrega para cada uma de ns.

A psicologia comunitria uma rea de conhecimento que se ocupa em estudar, entender e intervir nos fenmenos psicossociais. Esse campo tem como objetivo despertar uma conscincia crtica e contribuir para a formao da identidade social e individual do sujeito. Desta forma necessrio o envolvimento em prticas e modos de atuao que promovam qualidade de vida e busquem desenvolver, de modo tico, a autonomia dos indivduos e das comunidades. Termos como responsabilidade tica e compromisso social so vitais no s de ser compreendidos, mas de serem vivenciados, e necessitam de aes reflexivas constantes, a fim de no gerar um distanciamento entre a teoria e a prtica exercida na Psicologia Comunitria. Compreendemos, ento, que este entendimento sobre a tica de vital importncia desde a formao do futuro psiclogo para que encarem seus futuros posicionamentos profissionais com a devida responsabilidade e compromissos necessriosA proposta de interveno da Psicologia Social Comunitria orientada pela responsabilidade de que o trabalho realizado pelos psiclogos deve promover uma mudana das condies vividas pela populao, sendo que esta que estabelece os caminhos a serem percorridos para mudana. Acredita-se no homem protagonista da sua histria, no homem em movimento. Essa insero baseia-se na possibilidade de uma mudana social e na construo do conhecimento da rea, sempre em interao com uma tica profissional atuante (FREITAS, 1996 apud CARDOSO, 2012).

APROXIMAO DE REALIDADES DESCONHECIDAS PELO PSICLOGOHouve ainda a possibilidade de frequentar um universo que escapa aquele que garotas universitrias costumam ir. [...]As periferias tambm fazem parte da cidade e como viver cinco anos em um lugar sem tomar conhecimento disto? A realidade daquelas pessoas muito diferente da experimentada por ns. Elas no tm asfalto e, muitas vezes, nem piso no cho de casa. Por vezes, a famlia toda divide o mesmo quarto e, a sala e a cozinha so juntas. Elas tm necessidades, desejos, medos, gostos diferentes dos nossos, mas assim mesmo, podemos dialogar.

A Psicologia Comunitria tem avanado na construo de sua identidade, impulsionada por uma srie de fatores, e tem se deparado frente a frente com o novo em sua construo terica e prtica. Dentro deste clima de mudanas, um importante movimento se constri na direo de um compromisso social, culminando com a orientao no sentido de se fortalecer os vnculos do exerccio profissional com as necessidades sociais. Desta forma, a insero do psiclogo junto a comunidades carentes inaugura uma demanda para esse profissional, agora no encontro com a realidade da pobreza e suas consequncias na vida dos cidados, criando a necessidade de enfrentamento e compreenso junto a esta perspectiva, muitas vezes to distante da prpria realidade dos profissionais de psicologia que atuam em comunidades carentes. Este distanciamento pode inicialmente ser um choque, mas se for trabalhado baseado no respeito, pode gerar excelentes frutos. Como afirmado no texto acima, o dilogo possvel. LIMA E CERVENY (2012) afirmam que desse lugar do psiclogo, visto como novo, que se pode colaborar tanto para o conhecimento e a atuao quanto para as reflexes desse profissional que, em nossos dias, em suas rotinas de trabalho, vem construindo um saber e uma prtica que aliam o atendimento psicolgico s questes sociais. Para essa tarefa, devem ser utilizadas as contribuies do pensamento sistmico, valendo-se de sua apreenso do mundo a partir da complexidade, que tem favorecido a emergncia de questes relativas especificidade desse trabalho no encontro com o contexto de vida da populao atendida.

DESELITIZAR A PSICOLOGIAPensamos que a psicologia precisa ampliar seus espaos de alcance, isso porque existe grande parte da populao que, por meios financeiros no pode ter acesso. No entanto, isto no significa que no h demanda por parte deles. E qual postura ns, futuros psiclogos tomaremos?.

Segundo SCARPARO e GUARESCHI (2007) o trabalho social no tem sido a perspectiva mais frequente nas escolhas profissionais de psiclogos. Parece que o imaginrio que fundamenta grande parte da formao e dos projetos profissionais, se refere lgica do profissional autnomo, bem sucedido, respaldado por um amplo cadastro de "pacientes particulares". Tais "pacientes" so consumidores contumazes das "verdades" que a psicologia pode lhes fornecer para garantir o lugar de "pessoa normal". Esta opo substantiva a psicologia como um instrumento de manuteno de lgicas naturalizantes dos fenmenos de controle e aniquilao das possibilidades de compreender e articular espaos alternativos de produo de vida. Em contrapartida, dentre aqueles profissionais que optam pelo trabalho no mbito coletivo, muitos tm nas diferentes abordagens da Psicologia Comunitria suporte terico e metodolgico para estruturar suas prticas. Assim, na medida em que se considera a comunidade como uma categoria de anlise e interveno relevante no campo da psicologia, este tem sido um campo que denota diversidades tanto na esfera filosfica quanto na poltica, tendo em vista os contextos de insero e os projetos sociais e polticos que legitimam suas prticas. Desse modo, para compreender as articulaes contemporneas entre psicologia e comunidade, relevante considerar o conceito de comunidade e as construes protagonizadas pela psicologia neste espao (FREITAS, 2004 apud SCARPARO e GUARESCHI, 2007).

CONSIDERAES FINAIS:Segundo SCARPARO e GUARESCHI (2007), a psicologia, como profisso tem sido caracterizada pela prevalncia de modelos caractersticos da sociedade ocidental moderna e, em muitas ocasies, posiciona-se com distanciamento dos contextos histricos e culturais nos quais se processam os fenmenos de interesse para a rea. Como decorrncia, so muitas as contradies entre os modelos e estratgias profissionais disponveis e as propostas ou demandas advindas das diferentes circunstncias de vida. Sendo assim, imprescindvel problematizar e discutir a prpria psicologia no que se refere aos sentidos que tem produzido, aos papis dos quais apropria e s ideias que veicula, articulando uma gama de instncias simblicas implicadas nos processos de subjetivao contempornea. neste momento que encontra-se, ento, a Psicologia Social Comunitria. A partir da contextualizao acima podemos inferir que a atuao do Psiclogo Comunitrio vai alm do saber acadmico, saber este que (ainda) se encontra elitizado, saber que abriga, restringe sua formao a uma rea de conforto, conforto este onde podemos observar que muitos profissionais cristalizam suas prticas a espaos especficos de suposto conhecimento, em detrimento aos saberes do grupo/comunidade. O encontro com uma realidade desconhecida pelo profissional, a possibilidade de mudana de objetivos de acordo com as necessidades apresentadas pelo grupo/comunidade, a postura tica, so condies que este dever observar para desenvolver tarefas com os envolvidos no processo de compreenso, enfrentamento e apropriao de sua condio, seja ela no mbito individual ou coletivo. As intervenes do profissional devem se pautar nesta finalidade, pois que considerado certo pode no ser certo, e o errado pode tambm no ser errado. A vivncia, seja individual ou coletiva, uma vivncia que deve ser compreendida, no de forma abrupta, violada por uma tcnica que visa compreender uma melhor forma de se poder viver. A atuao do Psiclogo Comunitrio, muita das vezes poder ser redirecionada, o que para muitos pode parecer assustador, sair da posio de pesquisador para pesquisador participante, passando ento a ser um agente transformador. Assim, com a leitura do referido texto, conclui-se que para um resultado efetivo se faz necessria a participao macia da comunidade, no de forma passiva mas atuante, com suas experincias, sua subjetividade, e, com tamanha relevncia o envolvimento do profissional ante ao desconhecido, com postura tica para desenvolver, e at mesmo mudar suas estratgias de atuao, para o exerccio profissional, visando que se reconhea, tenha sua identidade respeitada, despertando a condio valorativa da comunidade.Alm do exposto, mais duas questes nos chamaram a ateno. De forma positiva, destacamos a maneira de insero encontrada pelas participantes do projeto na comunidade, que aproximou-se de um foco original, descontrado e inusitado, permitindo uma integrao mais profunda entre as partes envolvidas, buscando eliminar barreiras de constrangimento, e, consequentemente, possibilitando a apreenso real das carncias, perspectivas e conhecimentos de vida daquele grupo em particular. Porm, em contrapartida, de forma negativa, ressaltamos que, a partir do relato sobre o referido projeto, no foi possvel compreender quais eram os objetivos desta aproximao das estudantes com este grupo de adolescentes, alm da coleta de dados para uma pesquisa, e que contribuies reais ocorreram neste processo que beneficiasse o referido grupo comunitrio. Ser que houve um trabalho real de psicologia comunitria? Essa uma pergunta que ficou em nossas mentes. Assim, em resumo, ao nosso ver, pelo que foi exposto neste artigo, no ficou claro se a proposta de interveno da psicologia comunitria cumpriu ou no seu papel, e, se assim o fez, como isto aconteceu realmente.

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