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ANAIS II CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE AS FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO PORTO ALEGRE, OUTUBRO DE 2006 ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE AS FESTAS DO DIVINO Porto Alegre, outubro de 2006 Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul Ficha de leitura III Congresso Internacional Sobre as Festas do Divino Espírito Santo PROMOÇÃO Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul Direcção Regional das Comunidades Apoio Institucional NEA – Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre Arquidiocese de Porto Alegre RTP Açores COMISSÃO ORGANIZADORA Célia Silva Jachemet Getúlio Xavier Osório Jói Clétison Alves Lézia Cardoso de Figueiredo Régis Albino Marques Gomes Véra Lucia Maciel Barroso COORDENAÇÃO Célia Silva Jachemet OBJETIVOS

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ANAISII CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE AS FESTAS DO

DIVINO ESPÍRITO SANTO

PORTO ALEGRE, OUTUBRO DE 2006

ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE AS FESTAS DO DIVINO

Porto Alegre, outubro de 2006

Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul

Ficha de leitura

III Congresso Internacional Sobre as Festas do Divino Espírito Santo

PROMOÇÃO

Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul Direcção Regional das Comunidades

Apoio InstitucionalNEA – Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade

Federal de Santa CatarinaIrmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

Arquidiocese de Porto AlegreRTP Açores

COMISSÃO ORGANIZADORACélia Silva JachemetGetúlio Xavier Osório

Jói Clétison AlvesLézia Cardoso de FigueiredoRégis Albino Marques Gomes

Véra Lucia Maciel Barroso

COORDENAÇÃOCélia Silva Jachemet

OBJETIVOS

Ao propormos o levantamento e discussões acerca de temas relacionados ao culto e festa do Divino Espírito Santo pretendemos, além de buscar informações sobre a identidade açoriana, dar um contributo no âmbito espacial e temporal, bem como elucidar teorias e práticas relativas ao tema em questão.

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O foco predominante no eixo dos assuntos tratados será a reflexão sobre o Divino como expressão religiosa-cultural, identificatória do povo açoriano e de seus descendentes.

JUSTIFICATIVA

A Festa do Divino é uma das manifestações religiosa, cultural, teológica e social mais expressivas do povo açoriano e de seus descendentes, onde quer que esse povo se tenha fixado. Sua permanência tem suscitado diversos estudos, pesquisas, informações e também dúvidas que surgem, à medida em que mais se busca conhecer sobre o tema.

Neste II Congresso pretende-se renovar, apresentando temáticas com novas abordagens e quiçá novas dúvidas, nas fronteiras e além-fronteiras onde se estendam as festas do Divino Espírito Santo.

Assim, envolvendo Portugal Continental, Açores, Brasil, Uruguai, Estados Unidos e Canadá, terras chamadas por Teresa Tomé1 de terras do Espírito, justifica-se a realização deste evento a somar-se à bagagem já existente, especialmente ao que tratou o I Congresso realizado em Santa Catarina no ano de 1999.

CERIMÔNIA DE ABERTURA

– Audição do Hino Nacional Brasileiro – Audição do Hino Nacional Português – Relação e falas das autoridades presentes– Régis Albino Marques Gomes – Presidente da Casa dos – Açores do estado do Rio Grande do Sul– Deputado Vieira da Cunha– Coordenador do I Congresso Jói Clétison Alves– Representante do Secretário estadual de Cultura Sra. Maria

Helena Nunes Diretora do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul– José Sperb Sanseverino – Provedor da Santa Casa de

Misericórdia de Porto Alegre– Apresentação do Coral da Santa Casa de Misericórdia de

Porto Alegre

1 Jornalista da RTP Açores, qu esteve no Brasil, Estados Unidos e Canadá, em 2003 e2004, realizando um documentário sobre as Festas do divino Espírito Santo sob o título ¨Terras do Espírito¨.

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PROGRAMA

Dia 24-10-2006 – Terça-feira

18 horas – Abertura Oficial18h30min – Apresentação do Coro da Santa Casa de

Misericórdia19 horas – Relato sobre o I Congresso realizado em Santa

Catarina – João Lupi – NEA – Núcleo de Estados Açorianos

Bloco 1ORIGENS E EXTENSÃO

19h15min – Origens e Temporalidade do Culto e Festa ao Divino – Célia Silva Jachemet – CAERGS

Dia 25-10-2006 – Quarta-feira

9 horas – O Culto ao Divino Espírito Santo nos Açores e na Diáspora

Jói Cletison Alves – NEAVitor Manuel da Silva Alves – RTP Açores10 horas – Idéias e Filosofias Adjacentes ao Culto do Divino –

Teresa Tomé – RTP Açores11 horas – Mapa da Festa do Divino Espírito Santo no Rio

Grande do Sul – Vera Lucia Maciel Barroso – Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras

11h30min – COMUNICAÇÕES

A Festa do Divino Espírito Santo em Viamão – RS – Pe. Luciano Massulo

As Festas do Divino Espírito Santo em Osório – RS – Maria Regina Santos de Oliveira

Festa do Divino em Santo Antônio de Lisboa – Florianópolis – SC – Espaço de Resistência e Valorização da Cultura Açoriana – Sérgio Luís Ferreira

Resgate da Festa do Divino em Gravataí – RS – José Carlos Ourique

Singrando Memórias – O Espírito Santo numa Comunidade Baleeira do Século XX de Santa Catarina – Lélia Pereira da Silva Nunes

14 horas – A Restauração Católica e a Festa do Divino espírito Santo no RS – Martin Dreher – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

BLOCO 2:

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QUEM É O ESPÍRITO SANTO E COMO SE MANIFESTA

15 horas – A Terceira Pessoa da Santíssima Trindade – O Espírito Santo no Evangelho – Inês Bini – PUC – SP

15h30min – O Espírito Santo na Literatura Portuguesa – Dulce Matos – Universidade Nova de Lisboa

16 horas – COMUNICAÇÕES

A Louvação na festa do divino de Vila Seca e Criúva – Darvi Lorandi e Lindomar Alves Mendes

Festa do Divino: Herança portuguesa em São Lourenço do Sul – RS – Roselaine..., Maria da Braga Ney e Clarissa do Nascimento Peixoto

Traços dos Cristãos Novos e a Culturalidade nas Festas Populares – Márcio Darlan Rosa Knobeloch Glorinha – RS

O Divino e o Profano: A inserção de novos discursos na Festa do Divino Espírito Santo em Barra Velha – SC – Júlio Bernardes

Arquitetura dos Impérios do Espírito Santo no Brasil Meridional: Herança Cultural Açoriana – Fabiano Teixeira dos Santos

Folias e Cantorias do Divino Entrelaçando Versos e Tecendo Memórias – Lélia Pereira da Silva Nunes

17horas – Missa em Ação de Graças celebrada pelo Arcebispo de porto Alegre Dom Dadeus Grings e concelebrada pelos sacerdotes presentes no Congresso.

(Após a Missa será realizada a entrega do bodo do Espírito Santo à instituição carente, pelas comunidades participantes – Visita à enfermaria da Santa Casa de Misericórdia.

Dia 26-10-2006 – Quinta-feira

9 horas – O Sagrado e o Profano na Festa do Divino

Álamo de Oliveira – Direcção Regional das ComunidadesPe. Luciano Massulo – Paróquia Sagrada Família – Tapes – RSJoão Lupi – Cônsul Honorário de Portugal em Florianópolis

10 horas – O Pentecostalism0o e o Culto ao Divino na Atualidade – Frei Rovílio Costa – EST Edições

Bloco 3SIMBOLOGIA E LÚDICA NA FESTA DO DIVINO

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11horas – A Simbologia do Divino Espírito Santo

Célia Silva Jachemet – CAERGSEloísa Capovilla da Luz Ramos – Universidade do Vale do Rio

dos Sinos – UNISINOS

14 horas – COMUNICAÇÕES

Rituais e Festas Agregadas:A Festa Dentro da FestaCavalhadas – Ana Zenaide Ourique e Rosa Maria Gil MassuloQuadros de Mordomos e Imperatriz Coroadeira – Maria Helena

Gil Peixoto – HIG de Santo Antônio da PatrulhaO Boi de Mamão e a Farra do Boi – Gelcy José Coelho –

NEA/UFSCBaile de Masquê – Luciano Gomes Peixoto Tourada à Corda – Álamo de OliveiraFolias e Bandeiras – Lézia Cardoso e Getúlio Xavier Osório –

Inst. Gaúcho de Tradição e Folclore

16h30min – O Bodo e suas Funções – Álamo de Oliveira17 horas – O Período Festivo – Corpos Hierárquicos na

Organização da FestaNereu do Vale Pereira – Fundação Açorianista e IHG de

FlorianópolisVictor Alves – RTP – Açores

18 horas – As Irmandades do divino espírito SantoMiguel Frederico do espírito Santo – IHG do RsMiguel A. de O. Duarte – Irmandade do Divino de porto AlegreNereu do Vale Pereira

19 horas – Encontro das Folias do Divino e cantoriasGrupo de foliões e Louvaçãi de Vila Seca e Criúva e Cantadores

do Litoral

20 horas – Encerramento

MANIFESTAÇÃO OFICIAL DO SECRETÁRIO ESTADUAL DE CULTURA

Ofício n374/06/gabsedac

Porto Alegre, 23 de 0utubro de 2006

Prezado Presidente:

De ordem do Senhor Secretário de Cultura, vimos agradecer o convite para a a abertura do II Congresso Internacional sobre as Festas do Divino Espírito Santo.

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O Senhor Secretário lamenta não poder comparecer em virtude de compromissos anteriores agendados e nomeia a Sra. Maria Helena Nunes, diretora do Museu Antropológico, para que o represente no evento.

Cordiais saudações,

André KarkowChefe de Gabinete

Ao SenhorRégis Albino Marques GomesPresidente da Casa dos Açores do Estado

BLOCO 1

ORIGENS E EXTENSÃO

ORIGEM E TEMPORALIDADE DAS FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO

Célia Silva Jachemet

ORIGEM:

Para falar de origem, sempre corremos o risco de errar. Busca-se retroceder no tempo e encontrar novos dados, pois quanto mais antigos os fatos, mais novos para a História. Por isto, em certos casos, preferimos falar de começos, principalmente quando se trata de espaços físicos, lugares.

Ao falar de origens ou começos, os historiadores não estão de acordo quanto à Festa e culto do Divino, embora para a maioria dos devotos do Espírito Santo, a lenda da Rainha Isabel seja a principal versão da origem da festa e culto ao Divino em Portugal.

Há estudiosos que defendem a origem desta festa à questão chamada de profana das folias, no druidismo, religião professada pelos povos celtas das gálias e ilhas britânicas, até a época da conquista romana (1 a.C.– 1d.C.), culto este que foi se extinguindo à medida que avançava o cristianismo.

Uns historiadores baseiam-se nas folias do Bispo Inocente, São Martinho de Tours, cuja festa é comemorada a 11 de novembro, dia abençoado para quem colhia uvas, dia do pagamento.Dia de festa e folias. Conta-se que Martinho encontrou um pobre tremendo de frio e ele, a cavalo, desceu e deu sua capa ao pobre. Mais tarde apareceu-lhe Cristo e disse que Martinho o havia agasalhado.

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As folias, embora condenadas no século XIII ainda no século XVII são praticadas na catedral de Lisboa, na segunda oitava do Espírito Santo.

Outros estudiosos atribuem o surgimento do culto à Ordem dos Hospitalários que tinha a finalidade de albergar a idosos e enfermos. Essa ordem espalha-se pela Itália. Há ainda os que afirmam terem sido as Festas do Espírito Santo constituídas na Alemanha, provavelmente nos séculos XII – XIII, pelo imperador Otão, o primeiro a lançar os fundamentos de uma instituição, sob a invocação do Espírito Santo, como banco de caridade para o socorro dos pobres. Daí o culto se teria propagado para a Europa cristã.

A historiografia portuguesa apresenta uma vasta produção sobre o tema. Em quase toda a sua totalidade essa produção atribui os começos das manifestações do culto ao Divino em Portugal, ao século XIII, com a lenda da rainha santa. A Rainha Isabel de Aragão – casada com o Rei Dom Dinis, teria edificado uma igreja do Espírito Santo em Alenquer e erigido nela uma confraria em louvor do Espírito Santo, tendo feito no 1° ano a coroação do Imperador, surgindo daí a primeira irmandade com a denominação de Império, cuja finalidade era chamar a nobreza para socorrer com esmolas a missão.

Consta ainda que no primeiro ato devocional ao Espírito Santo, no dia de Pentecostes, procurava-se na capela real o indivíduo mais pobre para que tomasse lugar no trono real onde era servido de pajens e cavaleiros da corte. O mendigo, cercado, assistia à Missa e após, levava a coroa para o palácio onde lhe era oferecido um laudo banquete, servindo a mesa a própria rainha de Portugal. Isto acabou tornando-se moda entre os nobres. O rei aceitou a manifestação e permitiu que se fizesse uma coroa semelhante à sua que passou a chamar-se Coroa do Espírito Santo.

Ler citação página 31 – Tempo de festa.

Manuel Baptista Lima argumenta que segundo a orientação franciscana, as épocas da história da humanidade eram três: a época do Pai e da Lei de Moisés, a época do Filho e do Novo Testamento e a época do Espírito Santo que correspondia à pregação do abade Joaquim de Fiori, que já no século XII profetizava que a Nova Idade, que os franciscanos denominavam de Espírito Santo, deveria substituir a Igreja decadente que se afastara dos princípios do Salvador.

Segundo Lima, o não reconhecimento por parte do Império germânico, na Idade Média, do Papa como entidade a quem competia a investidura de Imperador, ocasionou conflitos que favoreceram o desenvolvimento de um culto laico ao Espírito Santo, com a participação das classes populares, de nobres e até da realeza.

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A ordem franciscana ter-se-ia estabelecido em Portugal em meados do século XIII, com o apoio do Rei Dom Dinis, cuja corte se encontrava sob a influência dos espiritualistas e, com a cultura portuguesa à época, caracterizada por uma tendência laica em que a soberania real e o poder civil procuravam libertar-se do poder papal, o culto a Paráclito encontrou franco desenvolvimento.

Do culto às festas foi rápido. Num país de regime imperial, poder espiritual e poder temporal confundem-se. Resgata-se e cria-se a coroação do Imperador da festa, os cortejos, bodos de pão e carne distribuídos aos pobres. A festa passou do continente aos Açores e à Madeira e daí para o Brasil. África Portuguesa, índia e, mais tarde para a América do Norte, acompanhando os açorianos onde quer que estes se estabelecem.

Tem a festa do Espírito Santo em sua origem o laicisismo e as ações temporais como forma de ilustrar, de elucidar a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, uma vez que ela, ao contrário dos santos católicos não tem imagem definida, mas sinais visíveis.

Segundo Moisés do Espírito Santo, que dedica uma consistente obra ao assunto, o culto português do Espírito Santo não tem equivalente no mundo cristão. Este autor aponta em sua análise uma origem judaica. Salienta que o culto ao Divino em Portugal não está ligado a templos e imagens, mas a ramadas e cabanas e atribui-lhe uma relação com a festa das cabanas e ramadas do calendário hebraico. Considera que afirmação de que foi a Rainha Santa quem instituiu o culto ao Divino é uma idéia absurda, pois, segundo ele, um culto nunca teria sido instituído por decreto e afirma que algumas capelas beirãs já cultivavam o Divino mesmo antes de a rainha haver nascido.

Conceituando ainda festa e culto, para podermos estabelecer relações entre origens e temporalidade, lembramos que o culto é o relacionamento do fiel com a divindade ou com quem a representa, como por exemplo os santos. A fé é pessoal, não pode ser transferida nem decretada.

A festa é também um culto. Um culto que assume mais a temporalidade que a espiritualidade. Festa é a alegria do povo que se sente abençoado, protegido, guiado por Deus ou pelos santos e há a necessidade de que essa alegria seja expressa de forma visível, comunitária. Assim cultuar é uma forma de venerar os santos e de adorar a Deus. Ora, o Espírito Santo é Deus, portanto é adorado. Sempre se manifestou através de coisas admiráveis, extraordinárias, maravilhosas. Sua ação é visivelmente transformadora.

Na Trindade o poder é o mesmo. As manifestações são do mesmo Deus, sendo a ação do Espírito Santo a promessa de Cristo na modificação.

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Se existe ou existiu em algum momento um paralelismo entre o poder espiritual e o poder temporal, associaram-se elementos visíveis destes poderes nas representações da festa do Divino Espírito Santo. Estes poderes refletidos na festa, não são nada mais que imitação em nível imaginário, dos poderes superiores.

Para Focault os poderes são relacionados e exercidos em níveis variados nos diferentes pontos da rede social e as hierarquias estão numa relação de apoio e de condicionamentos recíprocos que se ‘sustentam’. Assim, a relações de poder na festa também atendem hierarquias em nível relacional. Cada pessoa é única na sua fé e na participação com os outros. A festa é uma soma de mentalidades do cotidiano de cada povo que a faz, vive e interpreta de acordo com a cor local.

O poder, seja qual for a escala em que ele se manifeste, sempre será relacional. Para se ter um poder é necessário que alguém esteja submetido a este poder. Assim é que também na festa, desde os pés descalços dos pobres na procissão, ao luxo dos ricos, todos se fazem parecer importantes. A festa religiosa é uma rara oportunidade em que pobres e ricos, sábios e ignorantes atuam no mesmo palco.

É difícil para o povo que também não está preocupado em entender conceitos e significados, pois a principal força que o move é particular: a sua fé e a suas necessidades. O humano e o divino se completam.

Diz a Igreja que a Santíssima Trindade é um mistério e, assim sendo nunca será cabalmente explicado pelo entendimento humano.

O CULTO AO DIVINO NOS AÇORES E NA DIÁSPORA

Victor Manuel Alves

Nunca mais esqueci uma resposta que me deu o artista plástico catarinense Jone Araújo, quando a propósito do documentário que gravei aqui no Brasil intitulado “Terras do Espírito”, me disse – textualmente que “o Espírito Santo era o ultimo pedaço de Deus que está no planeta terra” e que como ser humano isso o comovia profundamente. Achei a frase muito bela, poética, mas talvez não muito correcta do ponto de vista teológico ou mesmo filosófico.

Até que um dia no decurso de uma das minhas pesquisas sobre o tema encontrei a seguinte passagem do evangelho gnóstico de Filipe.

“O Pai e o Filho são nomes simples; Espírito Santo é um nome duplo. Porque eles estão em todas as partes; estão em cima, estão

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em baixo; estão no oculto, estão no manifesto. O Espírito Santo está no manifesto – está em baixo – e está no oculto.” Parece que, segundo Filipe, o Espírito Santo assegura uma presença especial junto do homem pois enquanto a propósito do Pai e do Filho se diz primeiro que estão em cima já no caso da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade primeiramente se afirma que Ele está em baixo, aconchegadamente junto do coração dos homens.

Da mesma forma quando Jesus ressuscitado se despediu dos apóstolos, deixou-lhes o Espírito Santo: “... Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” – citação de S. João, XX, versículo XXIII.

Posto esta pequena introdução vamos de uma forma breve entrar na história desse culto tão especial e tão profundamente arraigado nas nossas culturas, talvez o que para além dos laços de sangue mais nos une a nós açorianos das ilhas e a vós açorianos de cá.

Temos que recuar até tempos pré cristãos, pois na realidade o conceito de Espírito Santo é muito antigo – o que explica a presença de alguns rituais estranhos para os nossos dias mas que se mantêm fiéis e indiferentes à passagem do tempo, a tudo sobrevivendo e dos quais falaremos mais adiante. É um culto que aparece com muita força no livro do Avesta de Zoroasto, mas também comum nas escolas filosóficas e herméticas da Ásia Menor. Encontramo-lo também no Egipto com a mesma equivalência do conceito grego de Sophia, uma sabedoria especial que se atingia pela ascensão a um estado de consciência – um estado que estava para além do meramente racional.

O tempo do cristianismo começa, como vimos acima, com o Espírito Santo sendo deixado como a forte herança do próprio Jesus ... “parto mas deixo-vos o Espírito Santo”. No entanto isso não correspondeu à organização imediata de um culto popular orientado em torno da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, que só começou a aparecer na segunda metade da Idade Média.

É por essa altura que começa a dar que falar um monge italiano chamado Joaquim de Fiori, que viveu entre 1135 e 1202 e que foi abade de um convento da ordem de cister na Calábria. Fiore começa a pregar uma nova doutrina, uma doutrina estranha, vista por uns como anunciadora do fim dos tempos, pelas preocupações escatológicas que nela estavam contidas, mas também uma doutrina de esperança, a sempre e forte renovada esperança num mundo melhor. Uma doutrina que enfim, tinha a ver com o Espírito Santo.

Fiore admite dois fins históricos: um situado além da própria história e outro localizado dentro do tempo cronológico, aquele que ele chamaria do estado do Espírito Santo. Joaquim de Fiore parte de

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dois princípios: o número três é a chave – lembremo-nos do mistério da Santíssima Trindade – e o princípio do progresso, o que poderíamos também chamar de ponto alfa. Segundo este abade, o caminho dos homens na Terra teria que obedecer a um progresso. A História estaria dividida em três eras sucessivas ou três estados: o do Pai, o do Filho e o do Espírito Santo.

– O estado do Pai, iniciado com Adão, terminava com Zacarias, pai de São João Baptista; a caracterização deste estado baseia-se pela imposição rigorosa dos dez mandamentos e corresponde ao período do Antigo Testamento da Bíblia.

– O estado do Filho, iniciado com Osias, Rei de Judá era fortificado com Jesus Cristo, a sua caracterização assentava nos ensinamentos de Jesus, na sua pregação e corresponderiam ao período do Novo Testamento.

– Finalmente haveria ou haverá um último estado – o do Espírito Santo – o estado da Paz, da fraternidade – aonde todos são irmãos e onde não há leis, pois a única lei é a lei do amor e aonde o homem comunicará directamente com Deus, sem necessidade de intermediários.

– Estas ideias, embora condenadas pela igreja católica oficial vão encontrar um enorme desenvolvimento junto do povo e nomeadamente junto de algumas ordens religiosas como os franciscanos. Encontraram ainda um local de expansão privilegiado no reino de Aragão que então se estendia por quase toda a Europa mediterrânica. A ele pertenciam territórios italianos, nomeadamente a Calábria natal de Fiori e do posterior fiorismo.

Será porém a partir do núcleo peninsular de Aragão que o culto do Espírito Santo passará a Portugal, segundo a tradição com a rainha Santa Isabel de nacionalidade aragonesa e com o séquito que a acompanha aquando do casamento com o rei português D. Dinis.

Outra corrente defende que o culto chegou a Portugal por via dos frades franciscanos eles também crentes e advogados numa nova era que traria o céu para terra, e que seria afinal e de novo a era do Espírito Santo.

O que se sabe com certeza foi que em Portugal, no século XIII, celebram-se as primeiras festas, rezam-se as primeiras missas, coroam-se os primeiros meninos e gente desfavorecida. Em nome da liberdade, inerente ao Espírito, simbolicamente libertam-se os presos no dia da festa, em nome da fraternidade e igualdade, come-se o bodo em conjunto com todos os vizinhos e dele participam ricos e pobres, nobres e plebeus.

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A par do culto popular, da celebração do ritual e da festa, desenvolve-se toda uma vocação caritativa que se consubstancia na pratica nos hospitais, que começaram por ser abrigos para os mais pobres e pontos de distribuição de alimentos para os mais carenciados. Estas instituições, vamos encontrá-las fortemente disseminadas pela Europa do século XIII e normalmente ligadas à ordem religiosa dos Hospitalários do Espírito Santo e a Confrarias constituídas à volta de um templo próprio, vocacionadas para a ajuda aos mais pobres.

Aqui em Porto Alegre tive ocasião de entrevistar o Provedor da Irmandade do Espirito Santo um testemunho vivo e pouco frequente dessa outra vertente do culto do Pentecostes. Aqui em Porto Alegre tal como nas Irmandades medievais a obra decorre em torno de uma capela própria – a Capela do Espírito Santo – e os irmãos para além de assegurarem a festa e a procissão realizam uma impressionante obra de ajuda aos mais necessitados, nomeadamente distribuindo alimentos e atendendo às necessidades próprias do tempo, instituiram um curso de informática ministrado gratuitamente. Uma obra importante que se estende por mais de um século de existência, pois a Irmandade foi fundada em 1821.

Outra forma que o culto do Espírito Santo teve de chegar a Portugal, foi através da ordem templária, que tanta importância teve na ajuda à formação do nosso país. Eles eram monges guerreiros que ajudaram os primeiros monarcas portugueses na conquista de terras aos mouros que se haviam instalado no sul da Península. Mais, eram também senhores de conhecimentos especiais que lhes trouxeram imenso poder e poderosos inimigos. A história desta ordem perde-se na névoa dos tempos e mistura-se com os domínios do lendário.

No Parsifal, a lenda atribuiu aos cavaleiros do templo o papel de guardiões do graal, o vaso sagrado da última ceia que possuía poderes especiais. Esses guardiões templários traziam como insígnia especial no manto não a cruz vermelha, mas a pomba do Espírito Santo.

O mito transporta-nos para as regiões mágicas da memória profunda, mas a realidade não lhe é por vezes completamente alheia. Em Portugal , na maior parte dos locais aonde houve forte implantação do culto do Espírito Santo foram também simultaneamente locais de profunda ocupação templária, sendo que o caso mais notório foi a cidade de Tomar.

Tomar remete-nos ainda para outra parte da história templária e na forma como esta se cruza com o culto do Divino.

Senhores de conhecimentos especiais, destinados apenas a alguns poucos eleitos e iniciados, os templários prosperaram e tornaram-se poderosos em alguns casos mais poderosos do que os

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próprios reis. Isto aconteceu em França, o que não agradou ao monarca de então, Filipe, o Belo que juntamente com o Papa, arranjou forma de destruir a ordem, que foi ferozmente perseguida e dizimada. O Grão mestre, feito prisioneiro seria posteriormente queimado vivo, tendo na altura, segundo os relatos da época, amaldiçoado o rei que viria a falecer passado pouco tempo vítima de maleita misteriosa. O suplício do grão mestre aconteceu numa sexta-feira 13, facto que se pensa estar na origem do estigma que até hoje recai sobre esse dia.

As perseguições aos templários varreram a Europa de então, com excepção de Portugal. D. Dinis, sabia da dívida que o país tinha para com eles aquando da reconquista aos mouros e sabia igualmente do potencial de conhecimentos que os monges guerreiros guardavam no interior da ordem.

Para evitar conflitos com a santa sé, foi por iniciativa régia instituída uma nova ordem – a Ordem de Cristo – designação que apenas serviu para encobrir e acolher os antigos templários que assim puderam viver livres de perseguições. Tomar, antigo centro templário cedo se transformou na cabeça da nova ordem e foi esta que alguns séculos depois, sob o comendo do grão mestre de então, o Infante D. Henrique desempenhou um papel importante na gesta dos descobrimentos. Junto do pendão real, as caravelas que davam novos mundos ao mundo ostentavam também o pendão de Cristo, a cruz quadrada de braços iguais, que curiosamente aparece em algumas das bandeiras do divino, tanto nos Açores como aqui no Brasil. A cruz de quatro braços iguais a servir de moldura à pomba. Os Açores e outros arquipélagos atlânticos povoaram-se, o caminho para as Índias foi achado, as Américas descobriram-se e o pendão de cristo seguia em frente das caravelas, bem como o culto do espírito santo: Numa carta redigida em Goa pela missionário italiano Fulvio de Gregori (DOCUMENTA INDICA, V. 12, ROMA, 1972, p 881) a cerimónia da festa é-nos descrita: Costumam os portugueses eleger um imperador pela festa do Pentecostes, e isso aconteceu também nesta nau. Com efeito elegeram um menino para imperador, na vigília do Pentecostes no meio de grande aparato. Vestiram-no depois ricamente e puseram-lhe na cabeça a coroa imperial. Escolheram também fidalgos para seus criados e oficiais às ordens, de modo que o capitão foi nomeado mordomo da sua casa, outro fildalgo foi nomeado copeiro, enfim, cada um com o seu ofício, à disposição do imperador. ... Depois no dia de Pentecostes, trajando todos a primor, fez-se um altar na proa da nau, por ali haver mais espaço, com belos panos e prataria.

Levaram então o imperador à missa, ao som de música, tambores e festa, e ali ficou sentado numa cadeira de veludo com almofadas, de coroa na cabeça e ceptro na mão, cercado pela respectiva corte, ouvindo-se entretanto as salvas de artelharia durante a missa. A seguir veio o banquete, em que os fidalgos

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serviam o imperador, apesar de ele não pertencer à nobreza. E também o serviam o copeiro, o trinchante, etc Comeram depois os cortesãos do imperador e, por fim, serviram toda a gente ali embarcada, à volta de trezentas pessoas.”

Este relato é do final do século XVI, mas podia ser de hoje de uma das nossas festas, com o menino, o mais pequeno da escala social servido por todos os restantes que lhe são superiores, numa atitude niveladora de classes e de democratização social. Todos irmãos, todos nivelados no Espírito.

Esta ideia transpôs-se intacta para os Açores, pela mão dos franciscanos que estiveram em todas as nove ilhas sem excepção e possivelmente pela orientação da ordem de Cristo, que a partir da sua sede de Tomar presidiu aos destinos religiosos do arquipélago de então.

Chegou e ficou e permaneceu até hoje e dali partiu para cá, veio para a cidade dos casais, veio para Santa Catarina e para todos os locais aonde existem açorianos. Não é vulgar dizer-se que onde existem 3 açorianos encontramos um Império do espírito santo. Já ninguém se lembra destas origens, se calhar já não se conhece o ideário completo das celebrações, mas continua a cumprir-se o Império que significa literalmente a vitória do Espírito sobre a matéria.

Nos Açores, segundo o seu primeiro cronista Gaspar frutuoso, o primeiro acto religioso que se celebrou foi uma missa do Espírito Santo, rezada na ilha de Santa Maria.

O Espírito Santo inscreve-se com letras de fogo na história dos Açores e faz ainda parte da sua história secreta.

Os franciscanos espirituais, que defendiam com veemência o abandono dos bens terrestres e o regresso aos ideias de pobreza preconizados pelo seu fundador estavam agora na terra virgem açoriana. No seio dessa comunidade de frades menores continuava viva a esperança de uma terceira idade e do advento do reino do Espírito Santo. Foram estes homens que se espelharam em todas as nove ilhas açorianas. O terreno estava livre de amarras, aqui poderia dar-se o advento preconizado e começar a edificar-se uma sociedade ideal e utópica regida pelo Espírito. Jaime Cortesão descreve a forma e a prática: “Fundar pelo amor a comunidade de todos os seres da criação, eis o ideal de S. Francisco. Segunde ele, aves, árvores e estrelas são também irmãos do homem. É um entusiasmo cândido, uma alegria nova e ingénua, universal, a alegria franciscana.” (Jaime Cortesão ,Os Descobrimentos Portugueses) Se nos debruçarmos sobre a forma de ser e traços de caracter do açoriano, quantas vezes não vemos surgir sob a capa de uma aparente rudeza essa ingenuidade da alma, pueril, alegre e confiante que pertence a um

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Deus que se opõe ao do antigo testamento colérico e despótico para antes se espelhar na beleza e abundância providas pela natureza. Talvez por isso a festa do Espírito Santo se celebre sobretudo ao ar livre, nas coroações solenes do domingo, ou na folia dos animais que se dirigem ao sacrifício, ou nas refeições comunitárias, ou nos cortejos de jovens pujantes de energia que percorrem a freguesia levando os tabuleiros de pão, primícias da terra que serão doadas a todos.

Na oferta do pão podemos observar a face visível e simbólica de um outro atributo da idade do Espírito Santo, o de uma sociedade gratuita, onde tudo é de todos e pode ser por todos partilhado.

Os alimentos abençoados transportam o sagrado para o dia a dia do homem, o Espirito Santo está presente e por isso talvez se comece a cumprir o mundo novo. Outros alimentos imprescindíveis nas festas do Espírito Santo ou do Divino são o vinho e a carne.

Dos três elementos principais do vocabulário simbólico alimentar, no culto do Espírito Santo nos Açores, a carne é o que parece manter maiores ligações com estes possíveis sentidos de origem. (Antonieta Costa, Entre o céu e a terra” pag 15)

O bezerro é benzido ali na rua frente à casa do Imperador por este, ou por homens a quem é atribuída a honra. O ceptro cinge o animal e mais uma vez se evoca o sacerdócio de todos os homens e não de nenhum clérigo em especial. É o homem comum que abençoa, investido de dignidade e da plenitude que se sente na atmosfera do momento que precede o sacrifício.

A escolha nem sempre é criteriosa.

Os animais estão inquietos como que prevendo o sacrifício. A escritora Natália Correia, fala do significado oculto do ritual: “Cheiros, cheiros. O aroma anisado do funcho, o odor quente da massa sovada, fresco dos ramos de incenso e das verduras que juncam as ruas. Pelas janelas abertas evoca-se o odor das rosas. Cheiros, cheiros desprendendo a prodigiosa força da vida. O milagre de ser transfigura-me. Coroa-me .... Veni Criator Spiritus. É a plenitude. A pomba. Mas para que a pomba desça é necessário que a materialidade se exceda. A matéria excedida sobe ao conhecimento de que é Espírito em estado denso. Escória e sangue são chocadores do santo dos santos ... Aqui é a pomba que diz: quando vossos olhos beberem o sangue compreendereis repentinamente a fala da pomba. E o rito iniciático é cumprido no primeiro dia da festa.” (Natália Correia, Não percas a Rosa, pag 71)

Na sexta-feira, realiza-se o cortejo do gado e o posterior sacrifício. À noite têm lugar a benção das carnes.

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Durante toda a noite, enquanto a freguesia se diverte, escutando canções, bailando ou ainda com outras formas mais sofisticadas, o Espírito Santo é sempre acompanhado de muita folia e alegria, dezenas de homens ficam a trabalhar, para desmembrar a carne e separá-la para ser entregue nas pensões distribuídas no sábado. Este é o costume da ilha de S. Miguel. Em outras ilhas, os caldeirões vêm para a rua e o ar enche-se dos odores da carne cozinhada para os bodos colectivos.

É também no sábado que se faz a recolha do pão para ser bento no domingo ou se organizam os cortejos para a distribuição deste.

No domingo celebra-se o dia mais solene. A Coroa, ou outra insígnia, é levada em cortejo para a igreja, aonde se celebra missa solene. Normalmente a seguir a esta procede-se à coroação, geralmente de crianças, mas que também pode ser do mordomo ou outro agente da festa. Aqui, simbolicamente se dá o poder ao mais pequeno, como que a dizer que ele é de todos. Na festa da partilha consagra-se o rito da igualdade.

Há também quem o considere um ritual de iniciação, herdeiro de tradições esotéricas antigas e onde a criança simboliza o iniciado na sabedoria, que deixa a sua velha vida e nasce para a vida do espírito.

O cortejo do Domingo é normalmente o mais solene.

Natália Correia, descreve-o: “ Menina vestida de malmequeres coroei. A Pomba bordada a ouro no centro da Bandeira escarlate conduz o cortejo mistérico. O compasso é marcado pela música solene da filarmónica. As coroas entesouradas pelos Impérios refulgem nas mãos de matronas que em louvor do Espírito Santo estreiam túnicas de cetim fulgurante. Homens de rosto rude alpendrado pela piedade ladeiam-nas transportando castiçais. As crianças coroadas beijam o ceptro e com ele vão abençoando a multidão. Outras com asas de penas levam cruzes, corações e âncoras. Bandejas de pétalas de flores. Opas vermelhas. Colgaduras amarelas, carmim, verdes. Do céu caem plumas azuis ... a vida, o corpo gloriosa morada do Espirito.”

(Natália Correia, não Percas a Rosa, id, ib)

Outro acontecimento importante do Domingo é o bodo colectivo, realizado quase sempre na rua, acentuando a acessibilidade da festa a todos os que se quiserem juntar. A ementa é especial, são as sopas do Espírito Santo. O pão mergulhado no caldo de carne, aromatizado de hortelão. A carne cozida ou guisada de seguida e o vinho a acompanhar. Uma trilogia de alimentos previamente bentos, que se revestem de efeitos benfazejos. Se sobra

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alguma coisa não deve ser posta fora ou dada aos animais. Em primeiro lugar são servidos os mais necessitados, são as esmolas da mesa ofertadas pelo Imperador. Este serve os convidados num gesto de humildade. Coube-lhe a organização complexa de toda a festa, e a responsabilidade de servir os homens e o divino. A sua escolha é feita muitas vezes por sorteio o que implicando o factor sorte sugere também a satisfação da vontade divina. Durante o tempo do Império foi concedido ao homem comum a dignidade de dirigente e de oficiante. Na maior parte dos casos em vez de Imperador a festa é conduzida pelo Mordomo, que tal como este detêm o poder e preside a uma organização complexa, mas muito bem estruturada, onde a maior parte das vezes nada falha e todos os requisitos são escrupulosamente cumpridos.

E, a esta altura, chegou a hora de inflectirmos para o Brasil, para a América do Norte, em suma para o Ocidente, aonde se veio a cumprir uma parte das profecias relacionadas com a Era do Espírito Santo.

E, comecemos por citar Fernando Pessoa na Mensagem.

“Quem te sagrou creou-te portuguez Do mar em nós em ti nos deu sinal, Cumpriu-se o mar, e o império se desfez. Senhor falta cumprir-se Portugal.”

O futuro de Portugal, diz o poeta, está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. “Quem que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé?”

Portugal, tinha pois escritos nos códigos da alma a expansão para ocidente e com ela a forma de ser português e fê-lo navegando, conquistando o mar, expondo-se à dor, ao sofrimento e ao medo, em favor do sonho que se fez obra.

E, essa obra, não sabemos se por razões históricas, se por destino, coube em grande parte ao povo açoriano que fez das suas ilhas pequenas um trampolim, para chegar mais longe a este lado de cá. (Ocidente) Com ele trouxe o culto do divino, que intrinsecamente têm uma vocação missionária porque têm vocação total, planetária, infinita.

Veio o Espírito no coração açoriano, veio talvez porque o homem teve medo da dura tarefa de viver e de colonizar e de fundar novas cidades e por isso rezou ao Espírito Consolador, mas veio também porque estava escrito na história profunda e secreta que se regista ao nível do inconsciente dos povos.

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Veio, porque era preciso cumprir-se o Quinto Império – a Idade do Espírito Santo.

Cabe talvez aqui, citar o Prof João Lupi, na sua obra, “A Doutrina de Joaquim de Fiori” sobre o Espírito Santo: “Sete séculos não perturbaram nem corromperam os traços fundamentais da mensagem do Espírito Santo tal como as suas festas açorianas e seus descendentes nos transmitem. Por isso, mais do que organizadores, aos açorianos e seus descendentes temos de considerar como portadores do Espírito Santo” (pag 48)

Natália Correia assumia também essa estranha herança açoriana, essa missão imputada a um povo tão pequeno e humilde: “Sou da Terra das Línguas de Fogo, com elas aprendi a metrificar o Espírito, o Indizível”.

É a escritora também que no seguinte texto hermético, nos ajuda a sentir com as almas, mais do que a perceber com a razão o que é esse “Quinto Império”, essa nova era que virá e que já está aí no seio daqueles que têm o coração puro para a receberem:

“E de todas as nações e de todas as línguas e de todos os povos – vocação universal do Espírito – chegaram os que em vão ajoelham em todos os altares do mundo para pedir a brancura da rosa esotérica – a referencia à pureza – É aqui que ela vai florir na rosa vermelha – a cor também expressa nas bandeiras do Divino – Nesse dia chegará o templário que traz a pomba do Espírito Santo em suas roupas. Os que ostentavam a cruz nas suas vestes, com o vil metal solar que arrecadaram nos cofres financiaram os descobrimentos e com esses cresceu o ouro maldito do templo exterior. Mas o Templário que receberá a rosa mística virá carregado de frutos do ouro espiritual que propicia a descoberta do templo interior.” (Não Percas a Rosa, pag 70)

Então, podemos inferir que essa nova era do Espírito Santo, já não têm a ver com a descoberta nem do mar, nem da terra, mas sim com a descoberta do interior de nós mesmos. Que a viajem agora é por dentro e é a partir daí que ao homem cabe agora descobrir o céu, o céu na terra para utilizar uma expressão de Agostinho da Silva.

Coube também a este filósofo português acrescentar algo mais aos ideais do Fiorismo. Assim para Agostinho da Silva para pôr em prática esse céu na terra – também pedido no Pai Nosso – venha a nós o vosso reino – o homem tinha que fazer algo de simultaneamente extraordinariamente simples e extremamente complicado e citemo-lo:

“Declarou o povo em primeiro lugar, e quantos já o viram ou de tal souberam jamais o poderão esquecer, que a figura mais importante do mundo é a da criança, que do mundo se coroa

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imperador, pastor único de um rebanho único; é a criança quem deve mandar em nós todos ... E, porquê? Responde o Professor: “ ... primeiro para que nos dê alguma coisa da sua imaginação, da sua inocência, de seu continuo sonho, de seu esquecer-se de tempo e de espaço, da sua levitante vida. Posta a criança em primeiro lugar, num penhor de que toda a nossa actividade a ela vai, como devia, ter por centro, para que para sempre desapareçam as crianças famintas, as crianças nuas, as crianças escravas, etc ... volta-se o povo das ilhas, e de muito ponto do Brasil, para o que sofrem os adultos no mundo em que vivemos. A grande festa do culto, logo depois de coroado o novo redentor monarca, era e é o banquete geral, todo de comidas oferecidas, gratuitas e em que participam todos os que o quiserem fazer – a sociedade do Espírito é gratuita, não se rege por critérios economicistas – mas antes pelos manás que caem no deserto pela mão de Deus – e prossegue o professor .. não deve haver no mundo ninguém passando fome, quer se trate da fome de carências de proteína, vitamina ou gordura, quer de fome de abrigo, quer de fome de amor” (“O Espírito Santo nas ilhas Atlânticas, pag. 313 Ed. Circulo de leitores)

Falta agora o terceiro ponto, o de que se soltavam presos, e disso temos notícia até muito tarde aqui no Brasil – simbolizando a liberdade necessária à presença do Espírito, mas também e segundo prossegue Agostinho da Silva, na intuição de que a maior parte dos crimes vem não do criminoso mas do ambiente em que cresce ou vive.” E, a finalizar interrogava-se: “pergunto eu agora que religião haverá mais ecuménica, mais a um tempo humana e divina, do que esta de receber criança como um dom precioso, de tudo envidar para que viva e cresça plena e livre, de prover a que cada vida humana tenha dignidade física e a que cada alma se não desvie jamais dos caminhos de amor que sempre deveria trilhar; acrescentando-se que, assim como portugueses até ao século XV e os ilhéus e os brasileiros depois do século XV, puderam continuar, na sua maioria, católicos, fiéis filhos da sua igreja, embora entusiastas do seu culto do Espírito – e supera ao milagre das rosas este outro milagre da rainha santa, o ter anunciado ser possível um estádio do homem em que a esmola se substitua pela justiça.” (Idem, Ib)

E, assim se cumpre o destino – o ovo alquímico preste a quebrar-se para dar à luz um mundo novo aonde o homem possa finalmente contemplar o plano terrestre e astral, fazer a ponte entre o visível e o invisível e recuperar a sua dimensão divina – “sois deuses, não sabeis que sois deuses?”, disse Jesus.

E, termino, citando mais uma vez o Prof João Lupi, cuja obra gostaria de referir a propósito, foi extremamente importante na elaboração desta minha síntese:

“Os açorianos sabem, e o sabem também seus descendentes, pelo sangue ou pela cultura, que não podem esquecer esta

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responsabilidade: eles pertencem a um povo que tem sido ao longo da história recente, e continua sendo no mundo de hoje, mensageiro da paz, da fraternidade e da esperança num mundo melhor que virá porque está chegando a cada dia, porque a cada dia vem com o novo Pentecostes. Outros povos têm certamente outras missões na História e não menos dignas; mas nenhum povo, como o açoriano a cumpre por meio das festas do Divino Espírito Santo”. (o c. Pag 57)

Culto ao Espírito Santo no Brasil Meridional

Joi Cletison Alves

A palestra proferida em Porto Alegre no dia 25 de outubro de 2006, durante a realização do 2º Congresso Internacional das Festas do Espírito Santo, foi feita de improviso, optei por não elaborar um texto escrito, pois nos dá mais mobilidade para apresentar o tema. Fiz apenas uma breve introdução ao assunto e depois uma comparação através das imagens de festas aqui do Brasil e dos Açores.

Para a publicação nos anais do congresso, encaminho apenas esta breve introdução.

Bom dia a todos. Primeiramente agradeço o convite da Coordenação do 2º Congresso Internacional do Espírito Santo para estar aqui. Farei uma breve introdução ao tema que vou expor e depois com apoio de imagens aprofundaremos o assunto.

Tive a oportunidade de participar de diversas festas do Espírito Santo nos Açores e aqui no Brasil; há mais de duas décadas acompanho-as festas como observador e investigador. Para esta palestra, selecionei várias imagens fotográficas que fiz do Culto ao Espírito Santo no Arquipélago dos Açores e também aqui no Brasil, especialmente no estado de Santa Catarina. Com apoio destas fotografias, farei um paralelo do Culto ao Espírito Santo praticado no Brasil e nos Açores, mostrando alguns pontos que diferem, mas principalmente dando ênfase às diversas semelhanças que ainda são preservadas, mesmo depois de mais de 250 anos da chegada dos açorianos ao Brasil Meridional.

A opção da Coroa portuguesa de realizar a migração de casais açorianos, portanto de famílias constituídas, para o povoamento do Brasil Meridional reproduziu no Sul do Brasil, em especial no litoral de Santa Catarina, muitos aspectos da cultura do Arquipélago. Entre estas manifestações, está o Culto ao Divino Espírito Santo, que é a maior herança da religiosidade popular no estado catarinense. Em Florianópolis são realizadas todos os anos 14 festas; portanto, é a cidade, fora do Arquipélago dos Açores, que realiza o maior número de festa do Divino Espírito Santo.

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Nas imagens que vamos ver, procurei abordar quase todos os elementos que compõem as festas, desde a simbologia até a ornamentação das ruas. Falaremos dos tipos de coroas e coroação, estandartes ou bandeira, peditório, promessas, alfimin ou massas de promessa, domingas ou novenas, mordomos ou festeiros, imperadores, impérios ou teatros do divino, cortejo, folia ou cantorias do Divino, instrumentos das folias, filarmônicas, dos bodos, varas ou bordões, quadro de varas ou casola, mastro do Divino, calendário da festa, do religioso/profano ou litúrgico e não litúrgico, da escolha, das irmandades e principalmente da devoção ao Espírito Santo.

As celebrações ao Espírito Santo sob a forma de Império acontecem em vários pontos do mundo e apresentam traços e características semelhantes, mas o que impressiona é a fidelidade à doutrina e às origens da festa no continente português, pois o culto sob forma de império é expressão própria e exclusiva do mundo lusíada. Claro que encontraremos diversos elementos que foram incorporados ao ritual das celebrações e muitos que foram alterados ou simplesmente não aparecem mais. Como exemplo disso, podemos citar os bodos, que nos Açores e em muitos outros lugares onde acontecem as festas são um dos pontos de destaque da celebração. Na teoria do Espírito Santo, o abade Joaquim de Fiore prega a igualdade e a fraternidade, e os bodos representam justamente isto, ou seja, nos três dias de festas todos comerão e beberão a mesma comida, independentemente da posição social que ocupam. As irmandades fazem os peditórios e arrecadam as doações para a realização das festas e, nos dias das festividades, as distribuem em forma de comida, o que é chamado de função. Aqui no Brasil perdemos esta parte importantíssima do Culto ao Espírito Santo. Continuamos a fazer os peditórios para arrecadar as prendas para a festa, mas não temos os bodos. Depois da proclamação da República no Brasil, o Estado deixa de subsidiar a Igreja, e para se manter, esta recorre à festa com maior devoção popular o, Culto ao Espírito Santo, fazendo com que as celebrações gerem lucros para as suas paróquias. Com isso, tudo o que é arrecado nos peditórios em doações vai ser comercializado durante a realização das festas, cujos lucros são destinados à paróquia.

Padre Júlio da Rosa, dos Açores, durante a realização do 1° Congresso Internacional do Culto ao Espírito Santo, realizado em Florianópolis em 1999, teve oportunidade de concelebrar uma missa da coroação na freguesia do Ribeirão da Ilha. Durante a homilia disse: “[...] parece que estou em casa, tudo lembra os Açores, a arquitetura, a musicalidade e os versos dos foliões do divino, a irmandade, a cara e devoção do povo, só vos faltam os bodos [...]”.

Com esta apropriação, a Igreja também acaba com a força das

irmandades no Brasil, pois nos Açores até hoje elas resistem à interferência da igreja na condução do Culto ao Espírito Santo; prova disso é que, em mais de cinco séculos de realização das festas nos

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Açores, a Igreja nunca conseguiu interferir nas irmandades. Esta interferência aqui no Brasil levou ao desaparecimento de quase todas as irmandades do Divino Espírito Santo. Hoje, no estado de Santa Catarina, acontecem mais de sessenta festas, mas, no entanto, temos apenas cinco ou seis irmandades atuando na organização.

Outro ponto que é interessante destacar é a devoção que o povo tem à “coroa”, nos Açores, e à “bandeira ou estandarte”, em Santa Catarina. No Arquipélago dos Açores, o povo tem uma devoção e uma identidade impressionante à coroa do Espírito Santo, todas as benevolências e devoção ao Espírito Santo são direcionadas à figura da coroa, enquanto o estandarte fica em segundo plano. Já no sul do Brasil, é o contrário, pois a bandeira é sempre a figura principal na celebração do Culto ao Divino Espírito Santo. Nos dias de hoje, é comum as pessoas tocarem a bandeira para fazer seus agradecimentos ou pedidos. Ao passar uma bandeira do Espírito Santo no peditório, no cortejo ou durante a festa, as pessoas têm necessidade de tocá-la ou beijá-la. Nós aqui temos uma identificação muito maior com a bandeira do que com a coroa do Espírito Santo.

No Brasil, durante a festa, fazemos a coroação de apenas uma pessoa, que é sempre uma criança ou adolescente do sexo masculino; ao contrário do que acontece nos Açores, onde podem ser coroados homens ou mulheres, adultos ou crianças. No Arquipélago do Açores, em algumas festas, são coroadas mais de uma pessoa na mesma celebração.

As festas do Espírito Santo aqui em Santa Catarina também contradizem a teoria de Joaquim de Fiore na questão dos trajes. Nos Açores, as pessoas que recebem a graça da coroação sempre vestem a melhor roupa, ou então compram uma nova para a festa. Da mesma forma, as crianças que acompanham o cotejo quase sempre vão vestidas com muita simplicidade e na cor da pureza, o branco. Já aqui no litoral catarinense e em muito outros lugares do Brasil, temos a tradição de vestir estas pessoas com trajes que nos remetem a uma corte imperial do século XVIII, simbolizando um império onde aparecem vestidos o imperador, a imperatriz, pajens e outros. Em muitas festas, os custos da produção destes trajes são muito superiores ao valor que a igreja arrecada durante o evento. Quem assume as despesas com esta indumentária do cortejo é o imperador ou mordomo/festeiro, que são responsáveis pela festa. Estes gastos altíssimos, além de depor contra a teoria do Espírito Santo, que prega a igualdade, estão afastando cada vez mais as pessoas que pretendem fazer promessas para uma coroação.

As festas do Espírito Santo na forma de impérios aqui em Santa Catarina ou em qualquer outro lugar onde aconteçam são sempre vividas pelo povo com muita emoção e devoção. Esta devoção dos portugueses manteve o culto praticamente inalterado por mais de setecentos anos. Ao longo deste período, trouxeram-nos

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esta tradição, em especial ao Brasil meridional, bem como a levaram para a América do Norte, ao Canadá e a vários outros lugares no mundo onde a devoção na terceira pessoa da Santíssima Trindade mantém este Culto.

Aqui no Brasil a expressão de devoção e fé é visível nas promessas, nos cortejos, nas coroações e principalmente nos agradecimentos às graças alcançadas. É comum vermos nas comunidades os devotos chorando, emocionados, tocarem e beijarem a bandeira do Divino. E esta devoção que sustenta o Culto do Espírito Santo na forma de império.

Como dizem nos Açores: “O Espírito Santo não é da igreja, ele é do povo”. E é justamente este povo que o mantém com muita fé e devoção.

Feita esta pequena introdução, vamos apresentar as imagens que selecionei das festas aqui do Brasil e também dos Açores, para que possamos falar de todos os elementos que compõem o Culto ao Espírito Santo, enfocando algumas diferenças e as grandes semelhanças no ritual da festa que acontece aqui e nos Açores.

Depois de feito este comparativo entre Açores e Brasil, concluo lendo um texto publicado por João Lupi: “Os açorianos sabem, e o sabem também seus descendentes, pelo sangue ou pela cultura, que não podem esquecer esta responsabilidade: eles pertencem a um povo que tem sido ao longo da História recente, e continua sendo, no mundo de hoje, mensageiro da paz, da fraternidade, e da esperança num mundo melhor que virá, porque está chegando a cada dia, porque a cada dia vem com o novo Pentecostes. Outros povos têm certamente outras missões na história, e não menos dignas; mas nenhum povo, como o açoriano, a cumpre por meio das Festas do Divino Espírito Santo.”

Muito Obrigado.

O CULTO DO ESPÍRITO SANTO NOS AÇORES(Posturas e Equívocos)

Álamo Oliveira

«O Espírito Santo não é de igrejas!...» Este desabafo, retido em tempos de ranho e alvarós, coloca, de forma nada ortodoxa, o culto do Espírito Santo nos Açores numa esfera menos dogmática. Subentende-se na frase uma separação das águas que, simplistamente, se pode enunciar assim: o Pai e o Filho são da competência do clero (aos fiéis compete anuir devotamente); o Espírito Santo é da competência dos fiéis (ao clero compete aceitar as manifestações que aqueles propõem).

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Como é óbvio, teologicamente, está-se perante uma questão bem pouco pacífica. A doutrina da Igreja não prevê esta separação. A Santíssima Trindade é enformada por «três pessoas iguais e distintas» que constituem um único Deus. Sendo assim, a expressão «o Espírito Santo não é de igrejas» toca, pelo menos, as franjas do anátema. Porém, é também verdade que aquela expressão não contém qualquer carga de provocação, nem de pejorativo, nem de anatemizante. Pelo contrário. Trata-se de uma espontânea e sincera declaração de amor – um amor que, mais uma vez, é teologicamente pouco explicável, mas que deixa transparecer uma preferência do coração, onde não há lugar para o disfarce: «amo o Pai tanto quanto amo o Filho, mas amo muito mais o Espírito Santo.»

São muitas as razões que motivam esta preferência popular. E essas razões não são meras abstracções da fé. O povo dos Açores sempre invocou a intervenção e protecção do Espírito Santo nos momentos mais cruciais da sua existência, desde as catástrofes naturais às doenças mais graves, passando por um desvio às «sortes do castelo», ao casamento bem sucedido, à sobrevivência na guerra, à saúde do gado, ao sucesso das colheitas. Não é pouco. Mas sabe-se que o Espírito Santo nunca desamparou nenhum dos seus verdadeiros fiéis. E há como que um reconhecimento mútuo nesta devoção que se traduz num pormenor bastante significativo: em todas as casas onde se reze o terço ao Espírito Santo, há sempre um Padre-Nosso final sob a seguinte intenção: «Para que o Divino Espírito Santo aumente cada vez mais o número dos seus devotos.»

Ainda a justificar esta preferência estará a alegria que o povo empresta ao cumprimento dos seus votos e promessas, a que não falta a satisfação de barriga. Não é por acaso que o ciclo do espírito Santo segue ao do jejum e abstinência, onde pontificam celebrações litúrgicas de gravidade e tristeza.

Mas os excessos não devem ser aprovados. A autoridade eclesiástica dos Açores há séculos que procura, em nome da decência e do comedimento, interferir na forma como o povo celebra o culto do Espírito Santo. Para abolir exageros (assim se consideram), foram prescritas medidas tidas como convenientes. Mas disciplinar esta devoção implica um saber como – saber esse que, por sua vez, implica uma sensibilidade para. Nas sucessivas intervenções da autoridade eclesiástica que se conhecem, quase todas estão maculadas por essas faltas de saber e de sensibilidade. Na longa história do Bispado dos Açores, encontram-se referências frequentes à forma como o povo festeja o Espírito Santo, sendo bastas as recomendações, as admoestações, as proibições. Se muitas delas se afiguram justas, outras são apenas razoáveis, outras são notoriamente prepotentes e outras meramente caricatas. Neste espectro, cabem as que se prendem com a licenciosidade dos costumes (bailes, foliões na igreja, abuso de comidas e bebidas); cabem as preocupações morais (proibição de imperadores

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amancebados, sem baptismo e não cumpridores dos preceitos da Igreja); cabem as tentativas de acesso ao poder, traduzidas na imposição dos padres nas comissões de império e na obrigatoriedade de apresentar contas ao bispo e o pagamento de uma quantia para os cofres da Diocese.

Se às primeiras e segundas instruções os fiéis deram, pontualmente, alguma atenção, as últimas sempre caíram em saco roto. Apoiadas pela totalidade dos irmãos, as comissões de império sempre se negaram a fazer qualquer tipo de prestação de contas. A auto-suficiência financeira dos impérios permite-lhes desafiar as ameaças eclesiásticas.

Data de 1560 a que, presumo, seja a primeira interferência da autoridade eclesiástica dos Açores sobre a devoção popular do Espírito Santo. Mas essa interferência deixa antever que já haveria instruções ou mesmo estatutos que regrariam esse culto. Ferreira Drummond, nos seus Anais da Ilha Terceira (vol. I), ao citar posturas emanadas pela Câmara de São Sebastião, refere: «… para que os foliões do Espírito Santo acompanhassem as três procissões de El-Rei com seus folguedos, tocando tambores, pandeiros e adufes; além d’outras figuras profanas que em toda a parte se usavam por lei, desde o ano de 1514 e que serviam de objecto a grande concurso dos povos…» Esta postura prova que a fronteira entre o religioso e o profano já oferecia ambiguidades profundas. Por isso, o então Bispo de Angra – o dominicano D. Jorge de Santiago, que o Padre António Cordeiro, na História Insulana aponta como autor que «…fez constituições tão sábias e justas como ele...» – consagra na 11ª constituição das Constituições do Bispado, datada, como já se disse, de 1560, o seguinte: «Somos informados que em muitos lugares do nosso Bispado se fazem em muitos domingos e festas do ano, Imperadores, e com cor (sic) que vão tomar a Coroa do Espírito Santo gastam em comidas e festas o que não têm, e em algumas partes fazem diversos imperadores, e o pior é, com diversas superstições se encomendam ao Espírito Santo. No qual querendo nós prover como seja mais serviço de Nosso Senhor, pela presente defendemos que em nosso Bispado não se façam festas de Imperadores senão na festa do Espírito Santo, que até agora por sua devoção se costumou fazer, ou quando vão nas procissões de Corpus Christi, Visitação, ou do Anjo, com tanto que no mesmo lugar ou procissão nem haja dois, nem Imperador e Imperatriz juntamente, senão um só. E quando entrarem nas igrejas com o Imperador ou Imperatriz entrem honestamente sem ruído de vozes e sem tangeres, nas quais igrejas não estarão mais tempo que aos ofícios divinos, ou fazer oração e passar.» Seguem-se as multas (de verdadeiras multas se trata), de quantitativos bastante significativos para a época, a quem claudicar.

No Arquivo dos Açores, vem outra notícia que, pelo seu insólito desenvolvimento, merece destaque. Data de 1693 e vem assinada por D. António Vieira Leitão: «Por causa dos muitos gastos com o

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comer e o beber dos pobres…», o bispo D. António proibiu, única e simplesmente, as festas do Espírito Santo. O insólito da proibição reside nos seus propósitos: evitar que se gaste muito dinheiro com os pobres – que são, desde sempre, os verdadeiros destinatários dos bodos.

Porém, esta proibição não colheu qualquer obediência junto das irmandades. A notícia dá mesmo a entender que «o tiro saiu pela culatra». As retaliações não se fizeram esperar. Pelo menos em Angra, os bodos foram ainda mais abundantes. D. António sujeitou-se a humilhações públicas e a própria nobreza pressionou-o a levantar a proibição.

Um bispo dar o dito pelo não dito não é decisão fácil. Era preciso arranjar uma saída airosa. Assim, D. António começou por receber revelações em sonhos que não são especificadas, mas que o transformaram no maior devoto do Espírito Santo. Com base na sua reconversão, não só levantou a proibição como passou a pregar entusiasticamente a devoção à Terceira Pessoa da Trindade. Todos os anos, D. António participava nos festejos de Angra e usufruía, juntamente com os pobres, dos lautos bodos que os imperadores serviam.

Importa, no entanto lembrar que, entre o Arquivo dos Açores e os Anais da Ilha Terceira, se detecta uma discrepância de datas no que se refere à nomeação de D. António Vieira Leitão. Segundo o Arquivo, a proibição dos festejos ao Espírito Santo data de 1693, quando os Anais apontam o ano de 1694 para a tomada de posse do Bispado. Provavelmente, D. António não procederia a medidas desta natureza antes de chegar aos Açores.

Mas este D. António deve ter sido, bastas vezes, considerado «persona non grata». Em 1697, a Câmara de Angra informou directamente o Rei dos abusos de poder perpetrados por este Bispo, nomeadamente na cobrança de salários sobre ofícios religiosos de casamentos, baptizados e enterros. E tudo isto agravado por motins sociais na ilha de S. Jorge, que obrigaram o envio de tropas para reforço, por causa do pagamento de dízimos sobre os inhames. Curiosamente, foi naquela ilha que, anos depois e durante uma visita pastoral, D. António morreu exalando odores de santidade.

Parece predestinação que, entre a autoridade eclesiástica e as irmandades do Espírito Santo, nunca ocorra namoro que dê casamento. No pé de guerra (nem sempre declarado, nem sempre assumido, mas sempre envenenado) paira uma espécie de ciúme por causa do dote. É que as irmandades sempre deixaram transparecer uma abastada autonomia financeira, gerida por processos simples e de rendimentos evidentes, contra os bens da paróquia (porventura, parcos), administrados de forma sigilosa e, por isso, vulneráveis à dúvida e à especulação. Para mais, não se conhece interferência da

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autoridade eclesiástica que não tente chegar aos bens das irmandades. Quando as instruções e advertências se quedam no âmbito religioso, logo surgem as penalizações, não sob a perda de regalias espirituais, mas pelo pagamento em dinheiro de multas devidamente escalonadas como se de código penal civil se tratasse.

A última – e, com certeza, uma das mais dramáticas intervenções da autoridade eclesiástica sobre as festas do Espírito Santo nos Açores –, ocorreu em 1959 e foi comandada pelo então bispo de Angra – D. Manuel Afonso de Carvalho.

Dessa intervenção, saiu uma guerra que se generalizou a todas as ilhas e que acarretou trágicas consequências, uma vez que foi alimentada por especulações que, tendo algum fundo de verdade, sofreriam da maldade que lhes é adjacente. As paróquias dividiram-se em «partidos»; os párocos perderam côngruas; houve pessoas e associações excomungadas; às irmandades foi retirado o privilégio de levarem as coroas à igreja. A situação era de tal forma degradante, que o circunspecto Instituto Histórico da Ilha Terceira, então presidido por Frederico Lopes (o João Ilhéu), deliberou, na sua reunião de 8 de Junho de 1960, apelar a D. Manuel para que levantasse as suas proibições, de forma a que não fosse posta em causa a continuidade das festas do Espírito Santo que, no entender óbvio daquele Instituto, eram as de maior tradição nos Açores, sendo mesmo consideradas como componente essencial da identidade açoriana.

Rebentara a guerra no Ultramar. A devoção ao Espírito Santo cresceu em aflições e alegrias. Urgia cumprir as promessas de vida e de morte.

Por essa altura, especulava-se que a Diocese estava em maus lençóis financeiros. Em 1956, D. Manuel criara o Post-Seminário e inaugurara o Seminário Menor em Ponta Delgada, iniciando a construção de um edifício para albergar seminaristas até ao 5º ano. Consta que D. Manuel contava com os fundos diocesanos para custear as despesas do Post-Seminário e, para a construção do Seminário Menor (estrutura que a elite micaelense reclamava e que os terceirenses contestavam), contava com a fortuna de Santo Cristo. O Seminário Menor ficou-lhe com o nome, mas a sua tesouraria nunca abriu a porta do cofre para pagar o que quer que fosse.

Não admira que a construção desse novo Seminário, desapossado do seu eventual investidor, tivesse arrombado, de forma significativa, os fundos diocesanos. A reposição desses fundos poderia, se calhar, passar pela comparticipação das irmandades do Espírito Santo.

No entanto, o texto provocatório de D. Manuel só em leitura das entrelinhas podia levar os açorianos a tirar ilações desta natureza. A guerra que se desencadeou parecia não ter motivos

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razoáveis. O documento fala, muito discretamente, em dinheiros e tem o senso diplomático de abrir com uma série de prescrições que são do foro moral, tais como:

– a construção de novos impérios só poderá ocorrer após licença eclesiástica;

– só podem coroar os irmãos inscritos nas irmandades; – por ocasião das festas do Espírito Santo não são permitidos

divertimentos profanos que redundem em ofensa a Deus; – não são tolerados cortejos com meninas de idade superior a

12 anos completos e não decentemente vestidas; – são permitidas as diversões tauromáquicas. (Entenda-se isto

como um rebuçado).

São enunciados bem intencionados e até algo ingénuos. Todavia, o zelo desta nota pastoral passa também pela inclusão de um modelo de estatutos, que todas as irmandades deveriam aceitar. Esses estatutos, sim, traziam água no bico. Eram constituídos por 35 artigos, divididos em 8 capítulos. Três desses artigos estipulam que o bispo tem de confirmar os mesários eleitos; que o bispo tem direito a presidir ou a delegar todas as sessões da Mesa; que é obrigatória a apresentação de contas junto da tesouraria da Diocese. Era o fogo na estopa.

Este documento vem publicado no Boletim Eclesiástico da Diocese de Angra, nº 812, último trimestre de 1959.

Só com muitos sapos vivos engolidos e com muitos pensos nas feridas, esta guerra foi sendo esquecida. Mas, ainda hoje, se encontram sequelas que não parecem decididas a desaparecer e que são testemunho vivo desse tempo, tais como: dois impérios lado a lado, duas filarmónicas, duas coroações e tudo na mesma paróquia.

Concretizando melhor: ainda hoje há o Espírito Santo de Cima e o de Baixo; o da Serra e o do Terreiro; o do Bairro e o do Largo. Mais alguns anos terão de rolar até que se diluam completamente estas duplicidades.

Porém, o que não se vê é que o Espírito Santo venha a prescindir da sua popularidade nos Açores e nem nos parece particularmente interessado em abdicar do seu estatuto de deus que mantém relações peculiares com os seus fiéis. Adverso (ou indiferente) aos poderes eclesiásticos, o Espírito Santo prefere a espontaneidade das preces de quantos precisam Dele, para logo os atender e logo partilhar da festa e da alegria, derramando lautamente as suas bênçãos sobre quantos O invocam.

Talvez, por isso, aquela frase, ouvida há muitos anos, venha tocada de um saber feito de história, de vida vivida, de experiências acumuladas, de uma fé intuída mas sincera. «O Espírito Santo não é

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de igrejas» se é ou não uma expressão sacrílega é o que é preciso provar. Porque o que se sabe é que o culto do Espírito Santo nos Açores demonstra uma das relações mais conseguidas entre o Sagrado e o Homem – uma comunhão perfeita, um entendimento total, sem intermediários nem tentações fraudulentas. É ainda uma lição de tolerância que, em tempos de crise de valores, bem pode servir de exemplo a quantos julgam que só a sua fé é que é válida e que a fé dos outros é mensurável segundo critérios que, muitas vezes, estão nas raias da prepotência.

Mas esta será a conclusão religiosa e moral que, facilmente, se tira. Não será menos pertinente reparar-se que a interferência da autoridade eclesiástica dos Açores no culto do Espírito Santo assentou mais em equívocos do que em razões de facto. E se, muitas vezes, foi necessário extremar posições, deve-se ao facto dessa mesma autoridade se ter escudado nas muralhas do seu pseudo-poder, negando-se a qualquer diálogo ou explicação, esquecendo-se da sua função de catequizar e servir.

«O Espírito Santo não é de igrejas» não é apenas uma expressão de retórica denunciadora de uma independência mais ou menos orgulhosa, mais ou menos irresponsável. Ela é, sobretudo, o reflexo de um compromisso histórico de quem encontrou resposta concreta para as suas aflições espirituais e outras, sem ter de recorrer a intermediários que, apoiados na sua legalidade, gostam de repuxar, publicamente, pelos seus pergaminhos.

As relações dos homens com o Sagrado são sempre bem sucedidas quando passam pela espontaneidade e pela sinceridade.

Idéias e Filosofias adjacentes ao Culto do Divino

Teresa Tomé

Nunca mais esqueci uma resposta que me deu o artista plástico catarinense Jone Araújo, quando a propósito do documentário que gravei aqui no Brasil intitulado “Terras do Espírito”, me disse – textualmente que “o Espírito Santo era o ultimo pedaço de Deus que está no planeta terra” e que como ser humano isso o comovia profundamente. Achei a frase muito bela, poética, mas talvez não muito correcta do ponto de vista teológico ou mesmo filosófico.

Até que um dia no decurso de uma das minhas pesquisas sobre o tema encontrei a seguinte passagem do evangelho gnóstico de Filipe.

“O Pai e o Filho são nomes simples; Espírito Santo é um nome duplo. Porque eles estão em todas as partes; estão em cima, estão em baixo; estão no oculto, estão no manifesto. O Espírito Santo está no manifesto – está em baixo – e está no oculto.” Parece que,

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segundo Filipe, o Espírito Santo assegura uma presença especial junto do homem pois enquanto a propósito do Pai e do Filho se diz primeiro que estão em cima já no caso da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade primeiramente se afirma que Ele está em baixo, aconchegadamente junto do coração dos homens.

Da mesma forma quando Jesus ressuscitado se despediu dos apóstolos, deixou-lhes o Espírito Santo: “... Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” – citação de S. João, XX, versículo XXIII.

Posto esta pequena introdução vamos de uma forma breve entrar na história desse culto tão especial e tão profundamente arreigado nas nossas culturas, talvez o que para além dos laços de sangue mais nos une a nós açorianos das ilhas e a vós açorianos de cá.

Temos que recuar até tempos pré cristãos, pois na realidade o conceito de Espírito Santo é muito antigo – o que explica a presença de alguns rituais estranhos para os nossos dias mas que se mantêm fiéis e indiferentes à passagem do tempo, a tudo sobrevivendo e dos quais falaremos mais adiante. É um culto que aparece com muita força no livro do Avesta de Zoroasto, mas também comum nas escolas filosóficas e herméticas da Ásia Menor. Encontramo-lo também no Egipto com a mesma equivalência do conceito grego de Sophia, uma sabedoria especial que se atingia pela ascensão a um estado de consciência – um estado que estava para além do meramente racional.

O tempo do cristianismo começa, como vimos acima, com o Espírito Santo sendo deixado como a forte herança do próprio Jesus ... “parto mas deixo-vos o Espírito Santo”. No entanto isso não correspondeu à organização imediata de um culto popular orientado em torno da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, que só começou a aparecer na segunda metade da Idade Média.

É por essa altura que começa a dar que falar um monge italiano chamado Joaquim de Fiori, que viveu entre 1135 e 1202 e que foi abade de um convento da ordem de cister na Calábria. Fiore começa a pregar uma nova doutrina, uma doutrina estranha, vista por uns como anunciadora do fim dos tempos, pelas preocupações escatológicas que nela estavam contidas, mas também uma doutrina de esperança, a sempre e forte renovada esperança num mundo melhor. Uma doutrina que enfim, tinha a ver com o Espírito Santo.

Fiore admite dois fins históricos: um situado além da própria história e outro localizado dentro do tempo cronológico, aquele que ele chamaria do estado do Espírito Santo. Joaquim de Fiore parte de dois princípios: o número três é a chave – lembremo-nos do mistério da Santíssima Trindade – e o princípio do progresso, o que

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poderíamos também chamar de ponto alfa. Segundo este abade, o caminho dos homens na Terra teria que obedecer a um progresso. A História estaria dividida em três eras sucessivas ou três estados: o do Pai, o do Filho e o do Espírito Santo.

– O estado do Pai, iniciado com Adão, terminava com Zacarias, pai de São João Baptista; a caracterização deste estado baseia-se pela imposição rigorosa dos dez mandamentos e corresponde ao período do Antigo Testamento da Bíblia.

– O estado do Filho, iniciado com Osias, Rei de Judá era fortificado com Jesus Cristo, a sua caracterização assentava nos ensinamentos de Jesus, na sua pregação e corresponderiam ao período do Novo Testamento.

– Finalmente haveria ou haverá um último estado – o do Espírito Santo – o estado da Paz, da fraternidade – aonde todos são irmãos e onde não há leis, pois a única lei é a lei do amor e aonde o homem comunicará directamente com Deus, sem necessidade de intermediários.

– Estas ideias, embora condenadas pela igreja católica oficial vão encontrar um enorme desenvolvimento junto do povo e nomeadamente junto de algumas ordens religiosas como os franciscanos. Encontraram ainda um local de expansão privilegiado no reino de Aragão que então se estendia por quase toda a Europa mediterrânica. A ele pertenciam territórios italianos, nomeadamente a Calábria natal de Fiori e do posterior fiorismo.

Será porém a partir do núcleo peninsular de Aragão que o culto do Espírito Santo passará a Portugal, segundo a tradição com a rainha Santa Isabel de nacionalidade aragonesa e com o séquito que a acompanha aquando do casamento com o rei português D. Dinis.

Outra corrente defende que o culto chegou a Portugal por via dos frades franciscanos eles também crentes e advogados numa nova era que traria o céu para terra, e que seria afinal e de novo a era do Espírito Santo.

O que se sabe com certeza foi que em Portugal, no século XIII, celebram-se as primeiras festas, rezam-se as primeiras missas, coroam-se os primeiros meninos e gente desfavorecida. Em nome da liberdade, inerente ao Espírito, simbolicamente libertam-se os presos no dia da festa, em nome da fraternidade e igualdade, come-se o bodo em conjunto com todos os vizinhos e dele participam ricos e pobres, nobres e plebeus.

A par do culto popular, da celebração do ritual e da festa, desenvolve-se toda uma vocação caritativa que se consubstancia na pratica nos hospitais, que começaram por ser abrigos para os mais

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pobres e pontos de distribuição de alimentos para os mais carenciados. Estas instituições, vamos encontrá-las fortemente disseminadas pela Europa do século XIII e normalmente ligadas à ordem religiosa dos Hospitalários do Espírito Santo e a Confrarias constituídas à volta de um templo próprio, vocacionadas para a ajuda aos mais pobres.

Aqui em Porto Alegre tive ocasião de entrevistar o Provedor da Irmandade do Espirito Santo um testemunho vivo e pouco freqüente dessa outra vertente do culto do Pentecostes. Aqui em Porto Alegre tal como nas Irmandades medievais a obra decorre em torno de uma capela própria – a Capela do Espírito Santo – e os irmãos para além de assegurarem a festa e a procissão realizam uma impressionante obra de ajuda aos mais necessitados, nomeadamente distribuindo alimentos e atendendo às necessidades próprias do tempo, instituíram um curso de informática ministrado gratuitamente. Uma obra importante que se estende por mais de um século de existência, pois a Irmandade foi fundada em 1821.

Outra forma que o culto do Espírito Santo teve de chegar a Portugal, foi através da ordem templária, que tanta importância teve na ajuda à formação do nosso país. Eles eram monges guerreiros que ajudaram os primeiros monarcas portugueses na conquista de terras aos mouros que se haviam instalado no sul da Península. Mais, eram também senhores de conhecimentos especiais que lhes trouxeram imenso poder e poderosos inimigos. A história desta ordem perde-se na névoa dos tempos e mistura-se com os domínios do lendário.

No Parsifal, a lenda atribuiu aos cavaleiros do templo o papel de guardiões do graal, o vaso sagrado da última ceia que possuía poderes especiais. Esses guardiões templários traziam como insígnia especial no manto não a cruz vermelha, mas a pomba do Espírito Santo.

O mito transporta-nos para as regiões mágicas da memória profunda, mas a realidade não lhe é por vezes completamente alheia. Em Portugal , na maior parte dos locais aonde houve forte implantação do culto do Espírito Santo foram também simultaneamente locais de profunda ocupação templária, sendo que o caso mais notório foi a cidade de Tomar.

Tomar remete-nos ainda para outra parte da história templária e na forma como esta se cruza com o culto do Divino.

Senhores de conhecimentos especiais, destinados apenas a alguns poucos eleitos e iniciados, os templários prosperaram e tornaram-se poderosos em alguns casos mais poderosos do que os próprios reis. Isto aconteceu em França, o que não agradou ao monarca de então, Filipe, o Belo que juntamente com o Papa, arranjou forma de destruir a ordem, que foi ferozmente perseguida e

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dizimada. O Grão mestre, feito prisioneiro seria posteriormente queimado vivo, tendo na altura, segundo os relatos da época, amaldiçoado o rei que viria a falecer passado pouco tempo vítima de maleita misteriosa. O suplício do grão mestre aconteceu numa sexta-feira 13, facto que se pensa estar na origem do estigma que até hoje recai sobre esse dia.

As perseguições aos templários varreram a Europa de então, com excepção de Portugal. D. Dinis, sabia da dívida que o país tinha para com eles aquando da reconquista aos mouros e sabia igualmente do potencial de conhecimentos que os monges guerreiros guardavam no interior da ordem.

Para evitar conflitos com a santa sé, foi por iniciativa régia instituída uma nova ordem – a Ordem de Cristo – designação que apenas serviu para encobrir e acolher os antigos templários que assim puderam viver livres de perseguições. Tomar, antigo centro templário cedo se transformou na cabeça da nova ordem e foi esta que alguns séculos depois, sob o comendo do grão mestre de então, o Infante D. Henrique desempenhou um papel importante na gesta dos descobrimentos. Junto do pendão real, as caravelas que davam novos mundos ao mundo ostentavam também o pendão de Cristo, a cruz quadrada de braços iguais, que curiosamente aparece em algumas das bandeiras do divino, tanto nos Açores como aqui no Brasil. A cruz de quatro braços iguais a servir de moldura à pomba. Os Açores e outros arquipélagos atlânticos povoaram-se, o caminho para as Índias foi achado, as Américas descobriram-se e o pendão de cristo seguia em frente das caravelas, bem como o culto do espírito santo: Numa carta redigida em Goa pela missionário italiano Fulvio de Gregori (DOCUMENTA INDICA, V. 12, ROMA, 1972, p 881) a cerimónia da festa é-nos descrita: Costumam os portugueses eleger um imperador pela festa do Pentecostes, e isso aconteceu também nesta nau. Com efeito elegeram um menino para imperador, na vigília do Pentecostes no meio de grande aparato. Vestiram-no depois ricamente e puseram-lhe na cabeça a coroa imperial. Escolheram também fidalgos para seus criados e oficiais às ordens, de modo que o capitão foi nomeado mordomo da sua casa, outro fildalgo foi nomeado copeiro, enfim, cada um com o seu ofício, à disposição do imperador. ... Depois no dia de Pentecostes, trajando todos a primor, fez-se um altar na proa da nau, por ali haver mais espaço, com belos panos e prataria.

Levaram então o imperador à missa, ao som de música, tambores e festa, e ali ficou sentado numa cadeira de veludo com almofadas, de coroa na cabeça e ceptro na mão, cercado pela respectiva corte, ouvindo-se entretanto as salvas de artelharia durante a missa. A seguir veio o banquete, em que os fidalgos serviam o imperador, apesar de ele não pertencer à nobreza. E também o serviam o copeiro, o trinchante, etc Comeram depois os

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cortesãos do imperador e, por fim, serviram toda a gente ali embarcada, à volta de trezentas pessoas.”

Este relato é do final do século XVI, mas podia ser de hoje de uma das nossas festas, com o menino, o mais pequeno da escala social servido por todos os restantes que lhe são superiores, numa atitude niveladora de classes e de democratização social. Todos irmãos, todos nivelados no Espírito.

Esta ideia transpôs-se intacta para os Açores, pela mão dos franciscanos que estiveram em todas as nove ilhas sem excepção e possivelmente pela orientação da ordem de Cristo, que a partir da sua sede de Tomar presidiu aos destinos religiosos do arquipélago de então.

Chegou e ficou e permaneceu até hoje e dali partiu para cá, veio para a cidade dos casais, veio para Santa Catarina e para todos os locais aonde existem açorianos. Não é vulgar dizer-se que onde existem 3 açorianos encontramos um Império do espírito santo. Já ninguém se lembra destas origens, se calhar já não se conhece o ideário completo das celebrações, mas continua a cumprir-se o Império que significa literalmente a vitória do Espírito sobre a matéria.

Nos Açores, segundo o seu primeiro cronista Gaspar frutuoso, o primeiro acto religioso que se celebrou foi uma missa do Espírito Santo, rezada na ilha de Santa Maria.

O Espírito Santo inscreve-se com letras de fogo na história dos Açores e faz ainda parte da sua história secreta.

Os franciscanos espirituais, que defendiam com veemência o abandono dos bens terrestres e o regresso aos idéias de pobreza preconizados pelo seu fundador estavam agora na terra virgem açoriana. No seio dessa comunidade de frades menores continuava viva a esperança de uma terceira idade e do advento do reino do Espírito Santo. Foram estes homens que se espelharam em todas as nove ilhas açorianas. O terreno estava livre de amarras, aqui poderia dar-se o advento preconizado e começar a edificar-se uma sociedade ideal e utópica regida pelo Espírito. Jaime Cortesão descreve a forma e a prática: “Fundar pelo amor a comunidade de todos os seres da criação, eis o ideal de S. Francisco. Segundo ele, aves, árvores e estrelas são também irmãos do homem. É um entusiasmo cândido, uma alegria nova e ingénua, universal, a alegria franciscana.” (Jaime Cortesão ,Os Descobrimentos Portugueses) Se nos debruçarmos sobre a forma de ser e traços de caracter do açoriano, quantas vezes não vemos surgir sob a capa de uma aparente rudeza essa ingenuidade da alma, pueril, alegre e confiante que pertence a um Deus que se opõe ao do antigo testamento colérico e despótico para antes se espelhar na beleza e abundância providas pela natureza.

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Talvez por isso a festa do Espírito Santo se celebre sobretudo ao ar livre, nas coroações solenes do domingo, ou na folia dos animais que se dirigem ao sacrifício, ou nas refeições comunitárias, ou nos cortejos de jovens pujantes de energia que percorrem a freguesia levando os tabuleiros de pão, primícias da terra que serão doadas a todos.

Na oferta do pão podemos observar a face visível e simbólica de um outro atributo da idade do Espírito Santo, o de uma sociedade gratuita, onde tudo é de todos e pode ser por todos partilhado.

Os alimentos abençoados transportam o sagrado para o dia a dia do homem, o Espirito Santo está presente e por isso talvez se comece a cumprir o mundo novo. Outros alimentos imprescindíveis nas festas do Espírito Santo ou do Divino são o vinho e a carne.

Dos três elementos principais do vocabulário simbólico alimentar, no culto do Espírito Santo nos Açores, a carne é o que parece manter maiores ligações com estes possíveis sentidos de origem. (Antonieta Costa, Entre o céu e a terra” pag 15)

O bezerro é benzido ali na rua frente à casa do Imperador por este, ou por homens a quem é atribuída a honra. O ceptro cinge o animal e mais uma vez se evoca o sacerdócio de todos os homens e não de nenhum clérigo em especial. É o homem comum que abençoa, investido de dignidade e da plenitude que se sente na atmosfera do momento que precede o sacrifício.

A escolha nem sempre é criteriosa.

Os animais estão inquietos como que prevendo o sacrifício. A escritora Natália Correia, fala do significado oculto do ritual: “Cheiros, cheiros. O aroma anisado do funcho, o odor quente da massa sovada, fresco dos ramos de incenso e das verduras que juncam as ruas. Pelas janelas abertas evoca-se o odor das rosas. Cheiros, cheiros desprendendo a prodigiosa força da vida. O milagre de ser transfigura-me. Coroa-me .... Veni Criator Spiritus. É a plenitude. A pomba. Mas para que a pomba desça é necessário que a materialidade se exceda. A matéria excedida sobe ao conhecimento de que é Espírito em estado denso. Escória e sangue são chocadores do santo dos santos ... Aqui é a pomba que diz: quando vossos olhos beberem o sangue compreendereis repentinamente a fala da pomba. E o rito iniciático é cumprido no primeiro dia da festa.” (Natália Correia, Não percas a Rosa, pag 71)

Na sexta-feira, realiza-se o cortejo do gado e o posterior sacrifício. À noite têm lugar a benção das carnes.

Durante toda a noite, enquanto a freguesia se diverte, escutando canções, bailando ou ainda com outras formas mais

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sofisticadas, o Espírito Santo é sempre acompanhado de muita folia e alegria, dezenas de homens ficam a trabalhar, para desmembrar a carne e separá-la para ser entregue nas pensões distribuídas no sábado. Este é o costume da ilha de S. Miguel. Em outras ilhas, os caldeirões vêm para a rua e o ar enche-se dos odores da carne cozinhada para os bodos colectivos.

É também no sábado que se faz a recolha do pão para ser bento no domingo ou se organizam os cortejos para a distribuição deste.

No domingo celebra-se o dia mais solene. A Coroa, ou outra insígnia, é levada em cortejo para a igreja, aonde se celebra missa solene. Normalmente a seguir a esta procede-se à coroação, geralmente de crianças, mas que também pode ser do mordomo ou outro agente da festa. Aqui, simbolicamente se dá o poder ao mais pequeno, como que a dizer que ele é de todos. Na festa da partilha consagra-se o rito da igualdade.

Há também quem o considere um ritual de iniciação, herdeiro de tradições esotéricas antigas e onde a criança simboliza o iniciado na sabedoria, que deixa a sua velha vida e nasce para a vida do espírito.

O cortejo do Domingo é normalmente o mais solene.

Natália Correia, descreve-o: “ Menina vestida de malmequeres coroei. A Pomba bordada a ouro no centro da Bandeira escarlate conduz o cortejo mistérico. O compasso é marcado pela música solene da filarmónica. As coroas entesouradas pelos Impérios refulgem nas mãos de matronas que em louvor do Espírito Santo estreiam túnicas de cetim fulgurante. Homens de rosto rude alpendrado pela piedade ladeiam-nas transportando castiçais. As crianças coroadas beijam o ceptro e com ele vão abençoando a multidão. Outras com asas de penas levam cruzes, corações e âncoras. Bandejas de pétalas de flores. Opas vermelhas. Colgaduras amarelas, carmim, verdes. Do céu caem plumas azuis ... a vida, o corpo gloriosa morada do Espirito.”

(Natália Correia, não Percas a Rosa, id, ib)

Outro acontecimento importante do Domingo é o bodo colectivo, realizado quase sempre na rua, acentuando a acessibilidade da festa a todos os que se quiserem juntar. A ementa é especial, são as sopas do Espírito Santo. O pão mergulhado no caldo de carne, aromatizado de hortelão. A carne cozida ou guisada de seguida e o vinho a acompanhar. Uma trilogia de alimentos previamente bentos, que se revestem de efeitos benfazejos. Se sobra alguma coisa não deve ser posta fora ou dada aos animais. Em primeiro lugar são servidos os mais necessitados, são as esmolas da

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mesa ofertadas pelo Imperador. Este serve os convidados num gesto de humildade. Coube-lhe a organização complexa de toda a festa, e a responsabilidade de servir os homens e o divino. A sua escolha é feita muitas vezes por sorteio o que implicando o factor sorte sugere também a satisfação da vontade divina. Durante o tempo do Império foi concedido ao homem comum a dignidade de dirigente e de oficiante. Na maior parte dos casos em vez de Imperador a festa é conduzida pelo Mordomo, que tal como este detêm o poder e preside a uma organização complexa, mas muito bem estruturada, onde a maior parte das vezes nada falha e todos os requisitos são escrupulosamente cumpridos.

E, a esta altura, chegou a hora de inflectirmos para o Brasil, para a América do Norte, em suma para o Ocidente, aonde se veio a cumprir uma parte das profecias relacionadas com a Era do Espírito Santo.

E, comecemos por citar Fernando Pessoa na Mensagem.

“Quem te sagrou creou-te portuguezDo mar em nós em ti nos deu sinal,Cumpriu-se o mar, e o império se desfez.Senhor falta cumprir-se Portugal.”

O futuro de Portugal, diz o poeta, está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. “Quem que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé?”

Portugal, tinha pois escritos nos códigos da alma a expansão para ocidente e com ela a forma de ser português e fê-lo navegando, conquistando o mar, expondo-se à dor, ao sofrimento e ao medo, em favor do sonho que se fez obra.

E, essa obra, não sabemos se por razões históricas, se por destino, coube em grande parte ao povo açoriano que fez das suas ilhas pequenas um trampolim, para chegar mais longe a este lado de cá. (Ocidente) Com ele trouxe o culto do divino, que intrinsecamente têm uma vocação missionária porque têm vocação total, planetária, infinita.

Veio o Espírito no coração açoriano, veio talvez porque o homem teve medo da dura tarefa de viver e de colonizar e de fundar novas cidades e por isso rezou ao Espírito Consolador, mas veio também porque estava escrito na história profunda e secreta que se regista ao nível do inconsciente dos povos.

Veio, porque era preciso cumprir-se o Quinto Império – a Idade do Espírito Santo.

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Cabe talvez aqui, citar o Prof João Lupi, na sua obra, “A Doutrina de Joaquim de Fiori” sobre o Espírito Santo: “Sete séculos não perturbaram nem corromperam os traços fundamentais da mensagem do Espírito Santo tal como as suas festas açorianas e seus descendentes nos transmitem. Por isso, mais do que organizadores, aos açorianos e seus descendentes temos de considerar como portadores do Espírito Santo” (pag 48)

Natália Correia assumia também essa estranha herança açoriana, essa missão imputada a um povo tão pequeno e humilde: “Sou da Terra das Línguas de Fogo, com elas aprendi a metrificar o Espírito, o Indizível”.

É a escritora também que no seguinte texto hermético, nos ajuda a sentir com as almas, mais do que a perceber com a razão o que é esse “Quinto Império”, essa nova era que virá e que já está aí no seio daqueles que têm o coração puro para a receberem:

“E de todas as nações e de todas as línguas e de todos os povos – vocação universal do Espírito – chegaram os que em vão ajoelham em todos os altares do mundo para pedir a brancura da rosa esotérica – a referencia à pureza – É aqui que ela vai florir na rosa vermelha – a cor também expressa nas bandeiras do Divino – Nesse dia chegará o templário que traz a pomba do Espírito Santo em suas roupas. Os que ostentavam a cruz nas suas vestes, com o vil metal solar que arrecadaram nos cofres financiaram os descobrimentos e com esses cresceu o ouro maldito do templo exterior. Mas o Templário que receberá a rosa mística virá carregado de frutos do ouro espiritual que propicia a descoberta do templo interior.” (Não Percas a Rosa, pag 70)

Então, podemos inferir que essa nova era do Espírito Santo, já não têm a ver com a descoberta nem do mar, nem da terra, mas sim com a descoberta do interior de nós mesmos. Que a viajem agora é por dentro e é a partir daí que ao homem cabe agora descobrir o céu, o céu na terra para utilizar uma expressão de Agostinho da Silva.

Coube também a este filósofo português acrescentar algo mais aos ideais do Fiorismo. Assim para Agostinho da Silva para pôr em prática esse céu na terra – também pedido no Pai Nosso – venha a nós o vosso reino – o homem tinha que fazer algo de simultaneamente extraordinariamente simples e extremamente complicado e citemo-lo:

“Declarou o povo em primeiro lugar, e quantos já o viram ou de tal souberam jamais o poderão esquecer, que a figura mais importante do mundo é a da criança, que do mundo se coroa imperador, pastor único de um rebanho único; é a criança quem deve mandar em nós todos ... E, porquê? Responde o Professor: “ ...

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primeiro para que nos dê alguma coisa da sua imaginação, da sua inocência, de seu continuo sonho, de seu esquecer-se de tempo e de espaço, da sua levitante vida. Posta a criança em primeiro lugar, num penhor de que toda a nossa actividade a ela vai, como devia, ter por centro, para que para sempre desapareçam as crianças famintas, as crianças nuas, as crianças escravas, etc ... volta-se o povo das ilhas, e de muito ponto do Brasil, para o que sofrem os adultos no mundo em que vivemos. A grande festa do culto, logo depois de coroado o novo redentor monarca, era e é o banquete geral, todo de comidas oferecidas, gratuitas e em que participam todos os que o quiserem fazer – a sociedade do Espírito é gratuita, não se rege por critérios economicistas – mas antes pelos manás que caem no deserto pela mão de Deus – e prossegue o professor .. não deve haver no mundo ninguém passando fome, quer se trate da fome de carências de proteína, vitamina ou gordura, quer de fome de abrigo, quer de fome de amor” (“O Espírito Santo nas ilhas Atlânticas, pag. 313 Ed. Circulo de leitores)

Falta agora o terceiro ponto, o de que se soltavam presos, e disso temos notícia até muito tarde aqui no Brasil – simbolizando a liberdade necessária à presença do Espírito, mas também e segundo prossegue Agostinho da Silva, na intuição de que a maior parte dos crimes vem não do criminoso mas do ambiente em que cresce ou vive.” E, a finalizar interrogava-se: “pergunto eu agora que religião haverá mais ecuménica, mais a um tempo humana e divina, do que esta de receber criança como um dom precioso, de tudo envidar para que viva e cresça plena e livre, de prover a que cada vida humana tenha dignidade física e a que cada alma se não desvie jamais dos caminhos de amor que sempre deveria trilhar; acrescentando-se que, assim como portugueses até ao século XV e os ilhéus e os brasileiros depois do século XV, puderam continuar, na sua maioria, católicos, fiéis filhos da sua igreja, embora entusiastas do seu culto do Espírito – e supera ao milagre das rosas este outro milagre da rainha santa, o ter anunciado ser possível um estádio do homem em que a esmola se substitua pela justiça.” (Idem, Ib)

E, assim se cumpre o destino – o ovo alquímico preste a quebrar-se para dar à luz um mundo novo aonde o homem possa finalmente contemplar o plano terrestre e astral, fazer a ponte entre o visível e o invisível e recuperar a sua dimensão divina – “sois deuses, não sabeis que sois deuses?”, disse Jesus.

E, termino, citando mais uma vez o Prof João Lupi, cuja obra gostaria de referir a propósito, foi extremamente importante na elaboração desta minha síntese:

“Os açorianos sabem, e o sabem também seus descendentes, pelo sangue ou pela cultura, que não podem esquecer esta responsabilidade: eles pertencem a um povo que tem sido ao longo da história recente, e continua sendo no mundo de hoje, mensageiro

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da paz, da fraternidade e da esperança num mundo melhor que virá porque está chegando a cada dia, porque a cada dia vem com o novo Pentecostes. Outros povos têm certamente outras missões na História e não menos dignas; mas nenhum povo, como o açoriano a cumpre por meio das festas do Divino Espírito Santo”. (o c. Pag 57)

A Imigração Açoriana e a Religião no Rio Grande do Sul do Século XIX

Prof. Dr. Martin N. Dreher

A imigração açoriana no Rio Grande do Sul deu significativa contribuição para a conformação social, econômica e cultural do Estado. Na presente contribuição, procuro situar a Festa do Divino e outras contribuições religiosas dos açorianos no contexto da vida religiosa rio-grandense no século XIX.

A Religião apresenta um quadro extremamente complexo no Brasil. Desde os primórdios tivemos a presença do xamanismo, expressão da religiosidade indígena. Depois, a herança religiosa africana deixou suas marcas, fruto dos 3,6 milhões de escravos transportados para o Brasil, tendo encontrado espaço nas irmandades católicas, no Candomblé e na Umbanda. Como conseqüência de imigração japonesa (1904) e árabe (especialmente após a 2ª Guerra Mundial), Shintoismo, Budismo e novas religiões de origem japonesa, bem como o Islão se fizeram presentes. O judaísmo se faz presente com maior expressão desde o século XX, mesmo que em todo o período colonial tradições judaicas tenham estado presentes em função do grande número de cristãos-novos que encontraram refúgio na colônia.

A cristianização seguiu a expansão e a política econômica portuguesa, dividindo-se em cinco ciclos evangelizatórios: o litorâneo, o sertanejo, o maranhense, o mineiro e o paulista. O Rio Grande do Sul insere-se neste último. Aqui, o cristianismo foi difundido por sacerdotes jesuítas e por caçadores de indígenas que, em longas marchas, desceram apresando indígenas: Itatim, Guairá, Tape. Nas expedições de Antônio Raposo Tavares, havia capelães. Com a descoberta do ouro no século XVII, o índio deixou de ser interessante. No sul buscava-se, agora, alimento, gado, para os mineradores. De Sorocaba, São Paulo, de onde partem os tropeiros, vêm as devoções que começam a marcar o Rio Grande do Sul. De outro lado, nas descidas, fizeram-se presentes tradições africanas. Desde 1737, com a fundação do Presídio Jesus-Maria-José, onde hoje se localiza a cidade do Rio Grande, o cristianismo que ali se instala tem o rosto da guarnição militar e introduz catolicismo guerreiro. Semelhante é o que vamos encontrar em Rio Pardo. Alteração significativa neste emaranhado de tradições é trazida desde 1754 com o ingresso de açorianos, que em 1780 representam 55% da população do Rio Grande. Neste tipo de cristianismo, a festa é de grande importância,

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merecendo destaque a pompa e as solenidades ruidosas. A maior destas festa é a Festa do Divino Espírito Santo, na maioria das vezes conhecida apenas como Festa do Divino. Festa de profundas raízes judaicas, correspondendo à festa dos tabernáculos da tradição vétero-testamentária, era o centro da vida religiosa açoriana, envolvendo toda a comunidade com tarefas, devoções e preparativos. As bênçãos trazidas pela Bandeira do Divino eram indispensáveis para o bom sucesso da vida familiar e para a produção dos campos e rebanhos. Além da Festa do Divino, o mundo açoriano propagou a Procissão de Nosso Senhor dos Passos, as devoções a São Miguel e Nossa Senhora dos Navegantes. Na festa natalina, ressaltava-se o presépio, ao qual somente com a vinda de imigrantes alemães será acrescentada a árvore de natal. Ao iniciar-se o Império, temos no Rio Grande do Sul religião resultante do amálgama do mundo açoriano, com o dos tropeiros de Sorocaba, dos bandeirantes de São Paulo, dos militares, dos lagunenses, das sobras do mundo indígena, dos escravos africanos. Nos “peitos de pomba” dos beirais de muitas casas expressam-se tradições cristãs-novas. Esta religião veio acompanhada de rosários e rezas, de ladainhas e novenas. Temos aí cristianismo devocional. Trata-se de cristianismo leigo do qual se forma o provérbio: “muita reza pouco padre, muito terço pouca missa”. Suas origens estão na Devotio Moderna do século XIV, uma proposta de espiritualidade para a pessoa comum. Nela, a casa torna-se lugar de santificação. Os oratórios domésticos transformam-se em espaço de oração e de espiritualidade. É a partir dessas devoções que se deve compreender o cristianismo gaúcho anterior ao Império. Nunca é demais lembrar que também aqui não houve catequese em relação ao africano. O negro cristão é fruto da devoção.

Com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro (1806), a colônia abriu-se sob pressão inglesa (1808) a fiéis da Igreja Anglicana e, mormente, após sua independência (1822) também à imigração (alemães, italianos, poloneses, suíços, etc.), com o que também se estabeleceram protestantes de forma permanente no país. Deles originam-se diversos sínodos unidos ou luteranos, segundo modelo norte-americano, reunidos hoje em duas igrejas luteranas. Missões norte-americanas produziram outra série de denominações: metodistas (1836/1876), congregacionais (1858), presbiterianos (1859), batistas (1881), anglicanos (1889). Desde 1910 o movimento pentecostal também chegaria ao Brasil.

Quando da independência, o Brasil herdou situação político-militar difícil no Rio Grande do Sul. O Reino Unido ocupara a Banda Oriental. O suprimento das tropas era complicado, pois o ponto de apoio mais próximo estava em São Paulo. A população da província de São Pedro não passava de 90.000 habitantes, dos quais 30.000 eram escravos. Nesse contexto é que vão ser instalados imigrantes da Europa central, desde 1824, com a dupla função de serem soldados e agricultores. A imigração trouxe consigo a discussão em torno da política de terras, do regime e do contrato de trabalho, da

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mão-de-obra livre na lavoura. Provocou reações nacionalistas: Não deveria a terra ser entregue a nacionais. Provocou debate racial, cultural e religioso. Como melhorar a raça? Trazer “coolies” chineses ou europeus? Trazer nórdicos ou mediterrâneos? E os árabes? Só cristãos ou também muçulmanos? Entre os cristãos, só católicos ou também protestantes. Todas essas perguntas levantavam e tinham como pano de fundo outras: a cidadania, a integração, as naturalizações. Poder-se-ia dar aos estrangeiros os mesmos direitos que aos naturais da terra? É nesta discussão em torno de cidadania que devemos estudar a religião como ela vai se delinear no Rio Grande do Sul durante o Império.

Desde 1808, o Brasil admitia, oficialmente, a entrada de estrangeiros, desde que católicos. A Constituição de 1824, contudo, ainda supunha um país sem estrangeiros, com uma maioria de escravos. A abertura para os imigrantes questionava essa situação. A entrada de imigrantes trouxe problemas para a religião católica como religião do Estado, mas também para o imigrante acatólico. Só a religião católica era reconhecida pelo Estado e era por ele mantida. O que fazer com o batismo e o casamento protestante, quando não havia registro civil? Onde sepultar protestantes, já que os cemitérios eram administrados por irmandades? Deputados, senadores e funcionários públicos tinham que jurar defender a religião do Estado. Só católicos podiam exercer funções públicas até 1881. A chegada dos imigrantes alemães fez aflorar incongruências e perguntas nunca antes formuladas. Thomas Davatz (1850) escreveu que os imigrantes buscavam lugar, onde “eles, protestantes e católicos, possam, dos pontos de vista religioso, civil e econômico, ter uma existência agradável e segura e consigam prosperar dentro dessas condições”. Davatz aponta para um duplo problema dos imigrantes alemães: seus direitos civis e religiosos. Seus direitos civis eram desrespeitados; no tocante à religião, não eram atendidos. Se esse reclamo valia para os católicos, para os protestantes ele era mais constrangedor. O católico seguia a religião oficial; o protestante era apenas tolerado, pois o artigo 5º da constituição de 1824 estabelecia: “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com o seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.”

Até o século XIX, o catolicismo esteve acostumado a resolver suas questões com o Estado. Era a conseqüência lógica do regime do padroado. Com o advento da República, veio a separação de Igreja e Estado. Para a Igreja Católica, surgiu profunda mudança: suas questões não seriam mais resolvidas com o Estado, mas na sociedade civil e, principalmente, no seio da própria comunidade religiosa. Para a Igreja Católica do Brasil surgiu, porém, também outra novidade, que foi a mudança de tutela, através de novas e estreitas relações com Roma que não existiam no padroado. Com a República (1889) e a imigração, a Igreja Católica teve que aprender a conviver com outros

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credos, pois pelo menos teoricamente havia igualdade e liberdade para todos os cultos. Mas houve também outras mudanças. Sob o regime da escravidão, a catequese e o batismo dos escravos fora confiada ao senhor dos escravos. Religião era questão de tutela. Com o imigrante, começa a haver resistência a essa tutela, especialmente ali, onde o imigrante é visto como substitutivo da mão-de-obra escrava: não se aceita a religião do fazendeiro. Nessas áreas, a Igreja Católica teve que aprender a trabalhar o conflito entre fazendeiro e pequeno agricultor. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, teve que verificar que os pequenos proprietários imigrantes estabeleciam sua auto-organização religiosa, sem a Igreja institucional, escolhendo seus próprios líderes religiosos e seu calendário religioso. Em virtude da imigração e das novas condições políticas, a Igreja Católica do Brasil teve que escolher novos caminhos de atuação.

1. A primeira observação de fundo a ser feita é a de que a imigração rompeu com a exclusividade religiosa. Em 1808, o Brasil rompeu com a exclusividade comercial: os portos foram abertos “às nações amigas”. O mesmo não aconteceu de imediato com a religião. Em 1819, Dom João VI patrocinou a vinda de colonos suíços para Nova Friburgo, mas a condição foi a de que viessem apenas católicos. Houve alguns “furões”, pois em 1824, quando da chegada do primeiro pastor, diversos protestantes suíços retornaram à comunidade evangélica. Na Constituinte de 1823, porém, alguns sacerdotes constituintes propuseram a separação entre Igreja e Estado e a conseqüente liberdade de culto. Baseado nessa tendência foi que, certamente, o agente do governo brasileiro prometeu aos colonos alemães que viessem ao Brasil plena liberdade de culto, o que não chegou a se concretizar. Dissolvida a Constituinte, Pedro I outorgou Constituição, em cujo § 5º a religião católica apostólica romana continuava a ser a religião do Estado.

Tolerados, mas inelegíveis e passíveis de prisão, caso fizessem propaganda de seu credo, os protestantes viram-se confrontados com a situação de serem de fato cidadãos de segunda categoria. Como obter carta de identidade, se só o catolicismo era religião oficial e se só seu batismo seria reconhecido? A solução mais simples foi, muitas vezes, pressionar os imigrantes para que se tornassem católicos.

Mais fácil era a situação, quando contingentes maiores de colonos protestantes foram assentados em determinada área. Aí, o governo imperial lhes proporcionou pastores, mas em quantidade insuficiente.

Mesmo assim, permaneciam questões. Ainda em 1864, o Pastor Hermann Georg Borchard seria preso, em São Leopoldo, por ir à frente de cortejo fúnebre, vestindo veste-talar. Estava, assim o entendeu a autoridade competente, fazendo propaganda de sua religião, apenas tolerada. Pior, porém, que esta situação era a relativa aos matrimônios de protestantes. Não havia para eles registro civil. A

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única maneira de ter matrimônio válido era realizá-lo na presença de sacerdote católico. Quem não o fizesse, vivia em concubinato e tinha filhos ilegítimos. Seus filhos não herdariam seus bens. Casando na presença de sacerdote, abjuravam a fé. Quando o casamento de protestantes foi finalmente definido por lei, decreto de 21 de outubro de 1865 exigiu que filhos de matrimônios mistos fossem batizados na Igreja Católica. Mesmo assim, esse decreto foi um avanço, pois permitiu que os não-católicos casassem, legalmente, perante pastores, e sua união tivesse todos os efeitos civis que o Império atribuía ao casamento católico.

O problema voltava, porém, quando aconteciam óbitos. Não havia cemitérios públicos. Os existentes pertenciam a irmandades, paróquias ou haviam sido bentos por autoridade eclesiástica. Cristãos dissidentes não podiam ser neles sepultados. Só a primeira constituição republicana, de 1891, veio a mudar a questão, quando considerou públicos os cemitérios. Por isso, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Espírito Santo, resolveu-se a questão instalando cemitério ao lado da capela. Em São Paulo, surgiriam os cemitérios do campo.

As questões até aqui apresentadas mostram que com a vinda do imigrante foi importante a discussão dos direitos de cidadania. Com esta discussão, porém, fez-se necessário discutir o lugar da Igreja católica e de outros grupos de cristãos na sociedade brasileira. Numa mesma época, discutiu-se liberdade para os escravos, registro civil de nascimentos, casamento civil e equiparação de cultos. Estavam em discussão as liberdades.

2. Os imigrantes alteraram profundamente o rosto da religião no Brasil e, em especial, no Rio Grande do Sul. Se deixarmos de lado os episódios protestantes dos séculos XVI (Rio de Janeiro) e XVII (holandeses no Nordeste), o século XIX traz, pela primeira vez, ao Brasil, permanentemente, luteranos, anglicanos, batistas, presbiterianos, muçulmanos, budistas; traz também dissidentes sociais e políticos: carbonários, liberais, socialistas, anarquistas.

Mas havia também o outro lado da moeda. Os católicos vindos da Suíça, da Baviera, do Palatinado, do Vêneto, do Tirol, da Polônia estavam longe de reconhecer como pertencentes ao mesmo catolicismo os católicos que encontraram no Brasil. Para eles, as tradições açorianas que se haviam mesclado com outras tradições no Rio Grande do Sul eram estranhas e, não raro, consideradas paganismo. Festas, foguetes, muito ruído lhes pareciam contrários à piedade à qual estavam acostumados. A Igreja que aqui encontraram havia sido formada nas lutas com mouros. Era uma Igreja de cavalhadas, na qual entrementes se haviam fundido tradições ibéricas, açorianas, cristãs-novas com tradições escravas africanas e indígenas. A massa da população católica era escrava e como tal jamais tivera o legítimo direito de constituir família. O único

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sacramento que conhecia e requeria era o do batismo. Como não conhecesse família, desconhecia a mesma como lugar onde se transmite religião, se pratica a reza e a devoção. Esse catolicismo conhecia uma outra família, que surgia a partir do batismo da pequena criança. A mãe solteira que levava a criança ao batismo era “comadre” de seu senhor ou de outros escravos. O padrinho e a madrinha substituíam a família inexistente, ou melhor, constituíam nova família. Gestava-se parentesco espiritual. Assim, compadre não casava com comadre, madrinha com afilhado. A forma de selar reconciliação era a de se tornar compadre do antigo desafeto. Essas alianças e reconciliações eram seladas e sacramentadas pela Igreja. Para o imigrante alemão ou italiano, tudo isso foi imperceptível. O catolicismo era festeiro: festa de São João com casamento na roça, devoções ruidosas, “muita reza e pouco padre, muito santo e pouca missa”. Tudo desorientou não só o imigrante, mas também o próprio clero que o acompanhou.

Cartas de imigrantes nos dão a impressão deixada pela Igreja e práticas aqui encontrados. Um imigrante polonês, instalado nos peraus do rio das Antas, vai escrever para seu país de origem, dizendo que no Rio Grande do Sul encontra gente “da raça branca e preta”. “Há gente que pratica a religião cristã e há, também, gente de outras religiões”. Demonstra solidariedade em relação aos afro-descendentes, mas também critica o catolicismo lusitano que aqui encontra: “Os pretos são muito bons e até melhores do que os brancos, pois estes são exibidos e sem religião.” Descrevendo a região em que mora, afirma: “A cidade postada numa colina e à margem de um rio é linda e grande. Há igrejas católicas e nelas tudo é belo, mas não se entende nada. O povo daqui é de cor, mas há brancos também. Há gente que não acredita em Deus.” Num mundo em que as pessoas “não acreditavam em Deus”, era necessário organizar a religião, assim como fora conhecida na terra de origem. Foi, por isso, que os colonos organizaram sua própria vida religiosa, dando origem a um rosto bastante distinto de Igreja. Muitas vezes, foi a morte o elemento que impulsionou para a construção da comunidade solidária. Morto o companheiro, que fazer? “Spiel du den Pfarrer!” (Assume tu o papel de pastor/padre). Surgiam assim pastores-colonos e padres-colonos. Colonos ficaram responsáveis pela construção da igreja e pela presidência do culto nos domingos e dias santos. Assim, a comunidade organizou-se a si mesma, sem participação de sacerdote.

Frei capuchinho, filho de padre-leigo, descreveu a atividade de seu pai: “convocava o povo no domingo de manhã na capela de São Vigílio e celebrava a missa recitando e cantando toda a cerimônia, seguindo um texto volumoso (possivelmente um missal). Iniciava com o sinal da cruz, rezava o Intróito, cantava o Glória e o Creio, procedia à leitura da Bíblia, oração do ofertório e do Cânon. Não havia, evidentemente, a consagração do pão e do vinho, mas eram rezadas as orações da Comunhão e da Ação de Graças. No final se encerrava

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a cerimônia matutina com cânticos, orações pelos doentes, pelos mortos e pelas necessidades da comunidade. Recitavam-se, normalmente, cinco ‘Pai-nosso, Ave-Maria e Glória ao Pai’ e a conclusão estava reservada para o tradicional ‘Dio sea benedeto’”.

Fato semelhante ao acontecido entre imigrantes italianos aconteceu entre os luteranos. Como o catolicismo fosse religião oficial e como não existisse antes de sua chegada Igreja Luterana no país, as comunidades luteranas que se constituíram dependiam delas mesmas. O contato entre estas comunidades era mínimo, pois as distâncias impediam uma colaboração mais estreita e uma troca de experiências. Desse modo, cada comunidade lutava por sua própria existência. Os membros da comunidade construíram sua igreja, sua casa pastoral e pagaram as contribuições, com as quais deveria ser pago o pastor. Como, porém, não havia pastores em número suficiente, as comunidades luteranas começaram a designar leigos do seu próprio meio para exercer as funções pastorais. Esses pastores eleitos sem formação teológica e sem ordenação foram, mais tarde, designados de pseudopastores. De forma indireta o fenômeno dos pseudopastores também foi favorecido pelo governo provincial que, em 1863, por decreto, possibilitou o registro de pastores evangélicos, sem perguntar pela sua formação. Exigia-se apenas a apresentação de uma ata de nomeação ou eleição.

Estudos comparativos entre a região de fazendas e estâncias e as colônias de alemães e outros grupos no Rio Grande do Sul nos auxiliam a entender o caráter muito mais comunitário da Igreja que se organizou na região de imigração. No geral, na área de fazendas e de estâncias, as igrejas foram construídas pelos latifundiários. Eles as mantinham. Os lavradores e peões eram convidados para as missas e atividades nas igrejas. Nada faziam, porém, para sua construção e manutenção. Muito menos opinavam quando de sua construção. Eram passivos. Igreja não era local de socialização. Era simplesmente lugar de culto. A socialização acontecia em roda da casa da fazenda. Nas colônias, porém, a construção da capela ou da igreja foi de iniciativa de colonos que elegiam as diretorias e comissões construtoras. Uma pessoa do seio do grupo recebia a incumbência de cuidar da capela ou de providenciar os necessários reparos. Igrejas e capelas não tinham apenas função cúltica. Tornaram-se centros de vida social e cultural. “Igreja” significa um conjunto formado por capela, cemitério, escola, salão de festa, campo esportivo, casa canônica ou pastoral.

Conseqüência dessa Igreja comunitária vai ser o grande número de vocações na colônia, não acontecendo o mesmo na região das fazendas. Na Igreja da colônia, aparece outro distintivo. Em boa medida, a liderança da vida eclesiástica é masculina. Na fazenda, vida de Igreja é coisa de mulher, mais presa à casa. Tarefa de homem é a “lida”.

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3. A relação da Igreja institucional com os imigrantes alemães e italianos merece especial atenção. No caso dos imigrantes protestantes, nos primeiros quarenta anos, praticamente não houve preocupação de qualquer uma das Igrejas Territoriais Alemãs em relação a eles. Foi somente com a expansão prussiana que tal preocupação começou a acontecer, movida, porém, por razões econômicas. Desde a década de 1860, sociedades missionárias alemãs vão enviar pastores e missionários com a finalidade de, além de lhes pregar o evangelho, manter-lhes também a germanidade. Aqui, foi importante a intervenção de autoridades consulares, principalmente da Prússia e da Suíça.

Houve largo interesse de parte da Santa Sé, principalmente em virtude da forte imigração italiana acontecida desde 1875. Tal interesse foi, então, secundado pelo episcopado brasileiro, especialmente após a década de 1880. O reflexo destas preocupações encontra-se na Memória que Dom Macedo Costa submeteu aos bispos, em São Paulo, em agosto de 1890. No capítulo IV da Memória, fala-se das necessidades espirituais dos imigrantes e dos meios para atendê-las. É louvada a espiritualidade dos imigrantes, fala-se dos esforços dos bispos para atendê-los. De fato, desde a instalação do primeiro bispo no Rio Grande do Sul, Dom Sebastião Dias Laranjeira, em 1860, imbuído do mais puro ultramontanismo, obtido quando de sua formação em Roma, onde também fora escolhido bispo e sagrado por Pio IX, estava em andamento a tentativa de restaurar o catolicismo, segundo os moldes do Concílio de Trento. Sua preocupação pastoral foi também disciplinadora. Foi a questão da disciplina, isto é a adequação do catolicismo gaúcho, tanto no tocante ao clero quanto ao laicato, às normas de Trento que lhe valeu choques com governantes e com o clero. Os choques com o clero, porém, lhe provocaram mais dificuldades do que com as autoridades civis, de modo que não chegou a se repetir no Rio Grande do Sul a “questão religiosa”. Muitos sacerdotes estavam filiados à maçonaria. Suas práticas pastorais orientavam-se mais de acordo com as ordens dos chefes políticos e dos detentores do poder econômico do que com os cânones tridentinos. Vida eclesial estava centrada em festas ruidosas, consideradas, aos olhos da Restauração, promíscuas. Elas, no entanto, eram heranças do século XVIII, trazida por açorianos. A partir dos bispos da Restauração começariam a ser tomadas medidas contra o catolicismo açoriano. Pior, porém, para a Restauração, era o perfil do sacerdote rio-grandense que em nada correspondia às normas ultramontanas. A não-observância do celibato era fato comum. E, o mais grave, a Igreja gaúcha não correspondia ao perfil sacramental que fora desenhado por Trento. Ela era Igreja de Bandeira do Divino, de devoções, de rezas, de festas.

A Memória apresenta, ainda, o projeto da Santa Sé, dizendo que se deve “fundar nos grandes núcleos [de imigrantes] existentes nos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de

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São Paulo, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e de Minas Gerais, uma casa religiosa central de Missões à qual se iriam ajuntando depois residências filiais, sendo a principal composta desde o princípio de dez missionários sacerdotes pelo menos. Seis destes se revezariam fazendo o giro das colônias para ir acudindo às necessidades espirituais das mesmas; mas de modo que dentro de três semanas no máximo, voltassem, cedendo o turno aos companheiros, à casa central, a fim de conservarem o espírito religioso na vida e exercícios comuns. Os outros quatro que ficam na casa, deverão ocupar-se na instrução elementar dos filhos dos colonos, entre os quais surgiriam vocações ao estado eclesiástico.” O projeto também previu a participação do elemento feminino, ao afirmar: “Se tal projeto bem executado prosperasse, se poderia chamar da Europa congregações religiosas de mulheres, que na mesma cidade fundassem um internato e externato para as filhas dos colonos.”

O que a Memória fixava por escrito, em 1890, já vinha se processando desde os primórdios da atuação de Dom Laranjeira e esteve presente também quando, no mesmo ano, tomou posse o segundo bispo gaúcho Dom Cláudio José Ponce de Leão. Desde 1875, com os imigrantes, padres estrangeiros avulsos haviam começado a entrar nas colônias do Rio Grande do Sul: “o grande flagelo das dioceses, principalmente do sul, vem dos padres estrangeiros, sobretudo italianos, um ou outro virá para cá movido do zelo das almas, quase todos, porém, vem para ganhar dinheiro ou levar vida escandalosa, muitas vezes para um e outro fim.” Foi contra esses avulsos que já Dom Larajeira confiou as paróquias em áreas de colonização completamente às mãos de missionários. Estes, porém, tinham dificuldades de trabalhar com a população luso-brasileira, cujo cristianismo consideravam mero paganismo. Dificuldades tinham também de trabalhar com a população indígena, com os “selvagens”, e com a população negra. Fato é que, no Rio Grande do Sul, a Santa Sé desenvolveu projeto para os imigrantes, mas não soube, no mesmo período, desenvolver projeto para as multidões de escravos.

Nas colônias, os religiosos que vieram dentro do projeto da Santa Sé foram muito bem recebidos. Os colonos viam-nos complementar o trabalho que haviam iniciado sem padre. Mas houve também pequenos e grandes conflitos. Como combinar a auto-organização com as instruções do vigário ou do bispo? Como fazer com as práticas eclesiais muitas vezes nada ortodoxas ante os olhos do sacerdote com uma visão absolutamente clerical de Igreja? O que fazer com o “padre-leigo”? Logo, fez-se sentir a repressão e a experiência original de Igreja, que os colonos haviam feito, foi destruída.

Exemplares são as palavras de sacerdote franciscano, relativas a uma área de colonização alemã, mesclada com elementos açorianos. Após anos sem acompanhamento regular de sacerdotes

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segundo o modelo da Igreja Católica da Restauração do século XIX, o sacerdote pintava o seguinte quadro:

Um sacerdote pôde crismar com autorização. A igreja estava cheia de pessoas, mas quando o sacerdote quis ver se as pessoas tinham conhecimento do significado da crisma, havia só duas pessoas que sabiam o Pai Nosso, os demais nada sabiam. Um jovem queria casar, aí o padre lhe apresentou um crucifixo e perguntou-o, se sabia quem ali estava pendurado. Ele, no entanto, nada sabia. O sacerdote também encontrou duas pessoas que tinham se juntado e já tinham diversas crianças e, nem imaginas, as duas pessoas sequer eram batizadas. Um padre, há pouco, realizou à noite o casamento de dois que também haviam se ajuntado, eles tinham vergonha de vir de dia. Uma mulher de 70 anos de idade quis se confessar; pediu que o sacerdote a auxiliasse, pois fazia muito não se confessara; perguntada quando fizera a última confissão, respondeu: Desde o seu casamento (tinha 16 anos) não se confessara mais, desde então também não havia mais estado na igreja!

Textos semelhantes a este poderiam ser reproduzidos em profusão. Falam sempre do horror do sacerdote católico vindo da Europa que se encontra aqui com “catolicismo festeiro”, foguetes, algazarra nas missas, “falta de reverência”, etc. O clero romanizado, vindo da Europa desde meados do século XIX, tentaria implantar novo modelo de catolicismo no Brasil, valendo-se dos imigrantes que, é verdade, já haviam assumido alguns “vícios” brasileiros, mas podiam ainda ser resgatados.

A mesma experiência tiveram que fazer os colonos luteranos. Quando chegaram pastores ordenados da Alemanha, nos anos posteriores a 1864, aquelas pessoas que haviam liderado as comunidades foram desqualificadas como “pseudo-pastores”. Historiadores luteranos viram, durante muito tempo, o período que se iniciou com a vinda dos pastores ordenados como período de instalação de Igreja. O período anterior foi visto como período “sem Igreja”. Assim também aconteceu do lado católico. Caracterização feita dos pastores colonos é exemplar para a leitura que se fazia:

Os demais pastores são, sem exagero: um, um mestre-escola expulso da Alemanha, mal-afamado por ser beberrão e jogador; o outro, um sub-oficial, fugido da Prússia, que ninguém consegue acompanhar na bebida! O terceiro, um cervejeiro de Porto Alegre que, lá, foi à falência, por diversas vezes, e, como não conseguisse outro meio de sustento, tornou-se pastor; o quarto, um sujeito muito mal-afamado que não sabe ler nem escrever. Um outro, que não era dos piores, foi lacaio de um conde; um outro, ajudante de um agrimensor; e novamente outro, não muito longe daqui, foi, até agora, alfaiate de profissão; desses pastores há, talvez, doze a quatorze em nossa província.

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Impiedosamente, pastor chegado ao Rio Grande do Sul em 1895, sem compreender processo de aculturação que acontecia desde 1824, fez a seguinte descrição de seus paroquianos luteranos:

Estremeço ao pensar em meu primeiro culto festivo. Fosse o que fosse, quando se cantava, orava ou pregava, não havia um instante de silêncio. A meia voz eram feitas conversas, fechados negócios; até mesmo anedotas que provocavam aplausos eram contadas em pequenos círculos. Isso, sem falar de estorvo inocente e mesmo assim desagradável: a gritaria incessante das crianças menores. Incessantemente, homens saíam e entravam, para lá fora tirarem mais algumas tragadas de seus palheiros. Ali, alguém saindo do lado dos homens levava a sua mulher o mais novo de seus rebentos, pois este não podia mais ser acalmado nem com palavras nem com embalos. Aqui, uma mulher se erguia para, em canto oposto, saudar conhecida há pouco descoberta, intercambiando amavelmente as perguntas costumeiras. Cheguei a testemunhar o fato de uma mulher, ante o altar, se espremer entre os comungantes, para ali, durante a Santa Ceia, abraçar uma amiga. O que faz com que nosso pessoal ainda se mantenha fiel à Igreja é a reverência difusa, supersticiosa dos sacramentos e das consagrações eclesiais. Mas também nestas questões introduziram-se sempre mais abusos que derrubam qualquer ordem, com a complacência voluntária ou involuntária do velho pastor. Batismos são despropositadamente postergados, de modo que mais seguido do que o normal devo receber na Igreja crianças com mais de dois e até dez anos. A bênção aos matrimônios celebrados no cartório civil muitas vezes só é solicitada após o nascimento da primeira criança. No passado trazia-se as crianças para serem confirmadas aos oito anos, naturalmente sem que as mesmas antes tivessem freqüentado o ensino escolar ou o ensino preparatório.

Num mesmo período, os imigrantes, tivessem eles sido luteranos ou católicos, tiveram que experimentar a europeização de sua maneira de ser Igreja. Para os luteranos, houve o esforço da “germanização”. Os escalabrinianos preocuparam-se com a “italianità”. Nos escritos do jesuíta Max von Lassberg encontra-se a preocupação com o “Deutschtum” dos teuto-católicos. Estabelece-se luta para eliminar pseudopastores e pseudopadres. Em relação às irmandades e ordens terceiras do catolicismo luso-brasileiro, observa-se a mesma luta. Os impérios do Divino, locais de culto ligadas à Festa do Divino Pai Eterno de origem judaico-cristã, foram sendo transformados em casas paroquiais, ou colégios. Todos os bens foram sendo registrados em nome da paróquia e depois da cúria. As novas congregações e apostolados foram dando rumo à nova forma de ser Igreja: sacramental.

Cinqüenta anos após a entrada de novo tipo de cristianismo no Rio Grande do Sul, fato que provocaria os conflitos com o catolicismo anterior a 1824, dois novos aspectos merecem consideração. Em

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agosto de 1874 termina de forma violenta no município de São Leopoldo o movimento messiânico dos Mucker; em 1875 quando se está a encetar a romanização do catolicismo gaúcho, tomando como ponto de partida a religião dos imigrantes, deixando à margem e combatendo as antigas tradições tidas por “pagãs”, missionários metodistas, vindos do Uruguai, dão início a atividade missionária junto à população de tradição indígena, africana, açoriana, cristã nova e lusitana, promovendo o “protestantismo de missão”. A dificuldade que o clero católico-romano europeu tem com o mundo luso-brasileiro vai permitir a aproximação destes segmentos ao protestantismo de missão. O protestantismo de missão vai englobar, também, dissidentes que acompanham a imigração italiana. Nas recém-instaladas colônias italianas encontramos, também, pequeno número de valdenses, movimento de pobreza medieval que sobrevivera nos mais recônditos vales dos alpes italianos. Na impossibilidade de atendê-los, por dificuldades lingüísticas, o pastor luterano do Forromeco, hoje São Vendelino, encaminhou-os a pregadores metodistas.

A questão Mucker permite lembrar que a sociedade rio-grandense durante o Império não é só formada por pessoas “com religião”. Ela comportou formas pré-modernas e modernas de religião, mas também ferrenhos críticos da religião. Principalmente a historiografia da imigração privilegiou o imigrante “crente”, construindo a imagem do imigrante profundamente católico ou profundamente luterano. Houve, contudo, forte presença de maçons, racionalistas, liberais, positivistas, anarquistas, socialistas. Não houve identidade coletiva religiosa. Ela é obra de intelectualidade que buscou enquadrar as comunidades imigrantes dentro de ideal a ser alcançado. Para que se entenda a questão Mucker é importante lembrar que, desde 1851, penetram no Rio Grande do Sul intelectuais ligados à geração alemã de 1848, mais tarde liderados pelo ex-grumete do navio que os transportou a Rio Grande, Carlos von Koseritz. Koseritz foi moldado pelo imaginário romântico alemão da Bildung. O ser humano alemão da Aufklärung (Ilustração) tem formação e educação segundo os moldes da Ilustração, moral ilibada, não é dado aos arroubos da religião, é amante do progresso e das ciências naturais, tem fé no progresso da História e sabe a respeito do esclarecimento dos enigmas do universo. Não se orienta pelo discurso de sacerdotes jesuítas nem por pastores formados em casas de missão e é o extremo oposto do Mucker, o pietista rezingão, iletrado, devasso, religioso irracional, reacionário, prenhe de crendices.

Entre 1869 e 1874, o Vale do Rio dos Sinos foi palco de movimento messiânico envolvendo, exclusivamente, imigrantes alemães e seus descendentes, cujo epílogo foi violento, à semelhança do acontecido mais tarde em Canudos, na Bahia, e no Contestado, uma região que envolve os estados de Santa Catarina e Paraná. Houve morte de colonos em choque com tropas do exército e da

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Guarda Nacional e, posteriormente, trucidamento de descendentes de Mucker, em Nova Petrópolis e em Marques de Souza/RS. Os Mucker do Ferrabraz, no atual município de Sapiranga/RS, eram um grupo formado por cerca de 150 pessoas, distribuídas em 10 famílias, entre crianças e adultos, que se reuniram em torno de Jacobina Mentz e de seu marido João Jorge Maurer, ambos agricultores, sendo que João Jorge ainda exercia o ofício de carpinteiro e atuava como curandeiro. Jacobina reunia os pacientes de seu marido, realizando com eles culto doméstico, no qual eram feitas leituras e interpretações da Bíblia, além de cânticos e orações. O Ferrabraz era, na época, área periférica da Colônia Alemã de São Leopoldo, baseada no sistema de pequena propriedade rural. As práticas dos Maurer foram legitimadas por expressivo número de simpatizantes, entre 700 e 1000 pessoas, o que não deixa de ser significativo, considerada a população total da Colônia Alemã de 14.000 pessoas. O próprio designativo Mucker é controvertido, mas tem sentido pejorativo; foi utilizado pelos adversários do grupo, que não se valeu de qualquer autodefinição. Pode tanto significar santo não-confiável, santarrão, beato, quanto rezador, pois o verbo “mucken” designa o zumbido das abelhas. O zumbido das abelhas, por seu turno, assemelha-se ao som emitido por grupo de pessoas em comunhão de oração. Discriminados pela população, foram perseguidos pelas autoridades religiosas e civis e por lideranças econômicas. A partir de 1873, a acusação de serem responsáveis por uma série de incêndios e assassinatos acabou levando ao confronto com o exército, em julho de 1874, à resistência dos rebeldes a três investidas, seguindo-se a morte dos líderes e de muitos adeptos, prisão e assassinatos de outros, que se estenderam até 1898. No julgamento que se seguiu, nenhum Mucker foi condenado, tendo acontecido o mesmo em relação a seus detratores. Marcados pela pecha de hereges, assassinos e doidos, tais designações continuaram a marcar os descendentes dos Mucker, criando mitos e silêncios, além de humilhações e ofensas.

O processo de romanização e de reforma do catolicismo e a luta por igualdade de direitos encetada com a vinda de imigrantes alemães teve resultados. Houve mudança significativa no rosto do catolicismo brasileiro. Hoje, porção considerável do clero e da hierarquia católica são descendentes de imigrantes. Basta lembrar nomes como: Arns, Boff, Scherer, Grings, Hastenteufel, Lorscheidter, Bohnen, Rambo. Por outro lado, em razão dos reclamos dos imigrantes luteranos, a liberdade religiosa foi alcançada. Há também fortes indícios de interpenetração religiosa, quando encontramos descendentes de imigrantes atuando como sacerdotisas e sacerdotes em culto afro-brasileiros e presentes no pentecostalismo. Em meio a todas as lutas, contudo, tradições mais antigas como as dos açorianos foram sendo perdidas e combatidas. Foi somente após o Concílio Vaticano II que a Igreja Católica se reabriria a essas tradições, buscando resgatá-las, mas aí muitos “impérios do divino” já haviam sido destruídos, dsndo lugar ao salão paroquial ou à escola confessional.

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REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1850). São Paulo: Livraria Martins, s.d.

DREHER, Martin N. Igreja e Germanidade. Estudo crítico da história da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil: São Leopoldo: Sinodal, 1984.

DREHER, Martin N. Populaçõies Rio-Grandenses e Modelos de Igreja. São Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal e Edições EST, 1998.

DREHER, Martin N. Imigrações e História da Igreja no Brasil. Aparecida: Santuário, 1993.

DREHER, Martin N. Restauração européia e restauração religiosa na comunidade evanmgélica de Três Forquilhas. In: ELY, Nilza Huyer. Terra de Areia, marcas do tempo. Porto Alegre: Edições EST, 2000, p. 43-54.

LASSBERG, Max von. Allerlei aus meinem Leben. 2.ed. Porto Alegre: Typographia do Centro, 1930.

MEIER, Johannes. “...trazer auxílio ao catolicismo do Brasil, decadente e a caminho da perdição.” A atividade dos franciscanos alemães no Brasil, segundo as cartas de Frei Evaristo (Wilhelm) Schürmann O.F.M., dos anos de 1894-1914, recentemente descobertas. In: FORNET-BETANCOURT, Raúl. A teologia na história social da América Latina. Livro 3. São Leopoldo: UNISINOS, 1996, p. 189-215.

STAVINSKI, A.V. Primórdios da Imigração Polonesa no Rio Grande do Sul. Caxias do Sul e Porto Alegre: UCS e EST, 1976.

ZAGONEL. Carlos Albino. Igreja e Imigração Italiana. Porto Alegre: EST e Sulina, 1975.

A FESTA DO DIVINO: CONSTRUIR E RECONSTRUIR IDENTIDADES NO SUL DO BRASIL

Eloisa Helena Capovilla da Luz Ramos – UNISINOS

Os açorianos, cuja história nas Ilhas dos Açores inicia no primeiro quartel do século XV, estão presentes na história do Brasil

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desde o século XVII numa migração dirigida para o Maranhão, mas também presente no Rio de Janeiro e nas Minas Gerais e, no final desse mesmo século, no desdobramento da conquista portuguesa, ocupando terras no Prata. Em meados do séc. XVIII vêm ocupar oficialmente terras no sul do Brasil, desde a Ilha de Santa Catarina até o Rio Grande do Sul. Tal movimento migratório e de povoamento foi o embrião de muitas famílias sul-rio-grandenses assim como de alguns centros urbanos como Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Rio Pardo, Taquari, Viamão, Mostardas e Santo Antônio da Patrulha, entre outros. Ao cruzarem o Atlântico os açorianos deixaram para trás um mundo que não veriam de novo. O Brasil passaria a ser, doravante, a sua nova terra. Embora quisessem muito buscar um lugar no espaço brasileiro, o “novo mundo” não era a sua casa, o seu chão.

Na historiografia esses súditos d´El Rei têm sido representados desde a sua chegada ao Continente do Rio Grande como casais de número, casais d’El Rei ou simplesmente como ilhéus, embora em alguns momentos de construção/afirmação da memória regional, houvesse necessidade da construção de uma outra imagem/representação dos açorianos. Sua identidade, portanto, foi construída/reconstruída, quando não, diluída em identidade mais homogênea: a de portugueses2. Em Chartier (1998, p.96) vemos que, no processo da leitura [documental, histórica ou literária] há um sentido historicamente produzido e uma significação diferencialmente construída e nas representações da identidade açoriana produzidas no contexto da História do Rio Grande do Sul, essa leitura também se faz presente. Ou seja, o grupo é nominado de acordo com a época e com quem os descreve/interpreta. Tais representações, na medida em que designam condutas (ritualizadas ou espontâneas), manifestam e revelam, também, a identidade do grupo.

A construção de uma identidade, do ponto de vista da etnicidade, conforme Fredrik Barth (In, Poutignat e Streiff-Fenart, 1998) é baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas em função de sua origem suposta, que se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores (1998 p. 141). Entre os açorianos, é possível verificar que se identificavam pelo seu local de origem. Eram da Ilha de São Miguel, da Ilha do Faial, da Ilha Terceira, etc. e que aqui serão nomeados “ilhéus”, “casais de número”, “casais d’El Rei” pelos luso-brasileiros que já ocupavam parte do Rio Grande de São Pedro no séc. XVIII, especialmente os de origem metropolitana, ou vindos de outras áreas do Brasil. Por isso, a distinção se fazia principalmente pelo local de nascimento, não necessariamente pelos outros signos de que os açorianos eram portadores como o idioma ou a religião, por exemplo, já que eles eram, na origem, portugueses. Mesmo assim, terão uma identidade atribuída, que funcionará como distinta. Como apontou

2 Os açorianos são portugueses, mas marcaram sua diferença por serem das Ilhas dos Açores e não de Portugal Continental.

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Sayad, o imigrante só existe na sociedade que assim o denomina a partir do momento em que atravessa suas fronteiras e pisa seu território; o imigrante “nasce” nesse dia para a sociedade que assim o designa (1998 p. 16).

Os açorianos, embora não fossem imigrantes na acepção da palavra, não eram também naturais de Portugal Continental e por isso apareciam na fronteira que se formava e aos olhos dos primeiros povoadores de origem luso-brasileira ou da Metrópole como “os outros” (incluindo-se na compreensão da palavra “outros” a condição de pobreza dos açorianos, assim como certa compreensão de que eram súditos de uma outra categoria, visto que receberiam inclusive uma outra quantidade de terra).

Na produção historiográfica sul-rio-grandense os açorianos têm sido trabalhados preferencialmente no bojo de outros trabalhos que englobam a temática geral do período colonial do Sul do Brasil, quer no que se refere à ocupação da terra, quer no que se refere à agricultura ou pecuária. Às vezes aparecem nas cidades ou estão presentes em estudos sobre religiosidade e, muito raramente, em estudos da vida cotidiana ou da sociabilidade, onde dificilmente ocupam o papel principal. Nessa condição, porém, é que aparecem nos estudos sobre o folclore sul-rio-grandense, onde o “pezinho”, a “chimarrita” e outros temas lhes dão a condição de atores principais de nosso folclore. Com isso estamos dizendo que a bagagem cultural e a visão de mundo açoriana cruzam o Atlântico e aqui se estabelecem deitando novas raízes. Consideramos, nesse contexto, que manter a bagagem cultural tem importância para quem vem de outro lugar, mesmo na pior das condições, pois o lugar deixado passa a ser um lugar imaginado, um lugar do vivido e historicamente construído que ficou primeiro na retina e depois, na memória de quem partiu, de quem é (e)migrante. Quanto mais distante o tempo da saída, mais esse lugar vai perdendo sua condição de lugar de expulsão e se transformando, nostalgicamente, na “casa deixada”, na “terra natal”, no “meu país”.

Essa ligação pode ser percebida de muitas maneiras, entre as quais destacamos as celebrações que estes (i)migrantes vão fazer no novo espaço ocupado, em datas estabelecidas, lembrando a sua terra natal. Para eles, de forma explícita ou implícita, celebrar era uma forma de não esquecer, de manter viva a memória do lugar deixado. Era também uma renovação de suas crenças, pois como sabemos pela narrativa histórica, as dificuldades andavam pari passu com os açorianos em suas precárias instalações nos primeiros tempos no Rio Grande. A crença no Espírito Santo, porém, era maior que todos os outros obstáculos. É nesta perspectiva que estamos olhando para as festas açorianas, em especial a do Divino Espírito Santo e seu entorno [outras manifestações que aconteciam ao mesmo tempo como cantos, receitas de doces, jogos, etc.]. Trata-se de um recorte temático que privilegia o estudo das celebrações e dos eventos

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enquanto formas de manutenção de uma identidade luso-açoriana, em última instância. No decurso do processo migratório, as pessoas transportam elementos identitários da cultura de origem e depois os põem em prática nos novos lugares, acrescidos [ou não] de elementos da cultura local. Nesse processo de interação, o culto ao Espírito Santo foi reconceitualizado, adquirindo foros de patrimônio cultural açoriano e sul-rio-grandense. Patrimônio Cultural, para nós, passa a ser olhado na sua perspectiva mais alargada e inclui a herança cultural de cada povo, composta pelos bens culturais materiais e imateriais produzidos por diferentes segmentos sociais em cada tempo histórico.

O culto ao Espírito Santo é bastante antigo nos Açores. Vindo do Continente e creditado à Rainha Dona Isabel o início de seu culto em Portugal, tudo indica que tenha migrado com os açorianos para o Brasil, tendo-se perpetuado no nosso território até os dias atuais. Assim, quando estudamos a sociabilidade açoriana no Rio Grande do Sul é mister destacar as festas de cunho religioso que organizavam e dentre elas os historiadores, os cronistas ou viajantes destacam “as grandes festas em honra ao Espírito Santo” que ocorriam em cidades como Porto Alegre, Rio Pardo ou Taquari. Arsène Isabelle dirá, em 1834, sobre a festa do Divino em Porto Alegre que

As festas do Divino Espírito Santo (Pentecostes) celebram-se com pompa, como nos tempos do Concílio de Trento. As sacadas são guarnecidas de ricos tapetes de seda bordada com franjas de ouro; as confrarias azuis sucedem-se às vermelhas, estas às brancas, e estas às cinzas, etc. Cada uma leva relicários de santos, suntuosamente ornados, e depois, durante três dias, vendem-se publicamente, ao lado da igreja, rosários, escapulários, galinhas assadas, pastéis, licores, etc... – Viva Roma!! (1982:64,65).

Uma aquarela de autoria de Herrmann Rudolf Wendroth (1852), destacando o espaço da Praça da Matriz, Igreja Matriz e Capela do Espírito Santo ao seu lado, faz parte dos documentos que atestam a presença desta festa, no espaço da mesma Praça, em Porto Alegre, assim como os escritos e fotos publicados pelo Monsenhor João Maria Balém que ao contar a história da nova Catedral de Porto Alegre ilustrou o escrito com foto [p.6] onde se vê a antiga Catedral no dia da festa do Divino e ao lado, a Capela (Império) do Espírito Santo (1956:6), antes da sua demolição.

Walter Spalding (1967), referindo-se às praças de Porto Alegre destaca a Praça da Matriz como o local das grandes festas religiosas, especialmente da do Divino Espírito Santo (1967:199). Mais adiante, completa suas anotações dizendo que os açorianos sendo essencialmente religiosos trouxeram para o solo do sítio do Dorneles, no Porto de Viamão, a sua festa máxima, popular e religiosa – a festa do Divino Espírito Santo, Pentecostes.

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Esta festa, diz o mesmo autor,

Além da parte religiosa propriamente dita, tinha também sua parte popular, desde a coroação do imperador do Divino, coleta, entre cantorias e manifestações de prazer e solidariedade humana, de espórtulas para a organização e efetivação da parte popular do programa: os leilões em praça pública, ao som de músicas, entre alegres cantorias e barracas as mais variadas, com comidas, doces e bebidas. Era sempre uma semana de folias noturnas, que se seguiam à semana, ou mais, da folia dos peditórios com a “Bandeira do Divino” à frente (1967:236).

O Divino [Espírito Santo] e sua festa completa Spalding, sempre teve uma capelinha à parte (1967: 236). Hoje ela está situada na Rua José Bonifácio.

Olhada sob o prisma de sua decoração, a festa do Divino Espírito Santo pode ser comparada, ao longo dos séc. XIX e parte do XX, a um grande teatro, cujo aparato de magnificência é dado pela procissão com o imperador coroado, a corte, as músicas, a bandeira com a representação do Divino (a pomba branca) e o mastro, os foguetes, o povo. A rua por onde o cortejo passa, pode ser olhada, também, como um espaço de teatro, pela sua decoração. Já a cidade, se metamorfoseia nestes momentos, transformando-se num cenário que pode ser acompanhado pela decoração externa das casas (em alguns lugares).

Num outro corte analítico, podemos também avaliar as crenças envolvidas no processo de “falar com o Espírito Santo”, isto é, a promessa, a graça alcançada, a relação direta, enfim. Em troca se ganha a certeza da proteção. E a decorrência direta do processo, o compromisso do imperador com a dádiva, a distribuição do pão, do vinho e da carne, para os mais pobres, (nos Açores) e de outras benesses, para os filiados à confraria ou outros necessitados, (no Brasil). Olhada sob este enfoque, a festa religiosa, no dizer de Magalhães (2001:935), é um fenômeno cultural bem demarcado, um tempo coletivo com estatuto de categoria histórica bem circunscrita. Catalogadas como espaços de sociabilidade, as Festas do Divino Espírito Santo, por sua prática de abundância e igualdade, são festas que se constituem em manifestações de uma sensibilidade coletiva, uma maneira singular de “estar juntos”. O entorno da festa, por isso mesmo, é também muito rico. Cavalhadas, danças, cantorias, leilões, barraquinhas e outras atividades marcaram historicamente o encontro festivo. Já o prestígio do Imperador e do festeiro vai ser medido pelo que conseguem arrecadar em doações e pelo público que comparece ao evento.

À guisa de conclusão gostaríamos de dizer que analisar a festa traz consigo uma série de dificuldades. O que é afinal uma festa? Palavra polissêmica, a festa pode ser um ato cívico, um enterro, um

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baile, ou uma festa religiosa. Consideramos grosso modo a festa como uma forma de ação coletiva que é planejada, envolve um número determinado de pessoas e aparece como uma interrupção do tempo social, do cotidiano. Consideramos, ainda que a festa possui também, um objeto focal, que pode ser sagrado ou profano e que este é uma produção social. Além disso, a festa é, “num sentido bem amplo, produção de memória e, portanto, de identidade no tempo e no espaço sociais” (Guarinello, 2001:971-2).

A memória, no dizer de Le Goff (1990: 476), é um elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje. Já os lugares da memória se apresentam como vestígios, restos, testemunhos do que passou e necessitam de arquivos, de registros para permanecer. É necessário, nesse caso, manter aniversários, organizar celebrações, ressignificar comemorações, para que essa identidade coletiva seja preservada.

Assim sendo concluímos que os açorianos, que trouxeram para o Sul do Brasil uma parte de seu patrimônio cultural, representado pelas festas religiosas, em especial a que celebra o Espírito Santo, marcaram na continuidade do festejo não só a sua identidade de origem, mas contribuíram para marcar, também, a mossa identidade brasileira e sul-rio-grandense.

Bibliografia

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CHARTIER, Roger. El mundo como representación: estudios sobre historia cultural. Barcelona: Gedisa, 1998.

GUARINELLO, Norberto Luiz. Festa, trabalho e cotidiano. In JANCSÓ, István e KANTOR, Iris (Org.). Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa, vol. II. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp: Imprensa Oficial, 2001.

ISABELLE, Arséne. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS,1982.

LE GOFF, Jacques. Memória e História. Campinas: Editora da UNICAMP,1990.

POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade : Seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAYAD, Abdelmalek. A imigração. São Paulo: Editora da Universidade da São Paulo, 1998.

SPALDING, Walter. Pequena História de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora Sulina 1967.

WENDROTH, Herrmann Rudolph. Aquarelas sobre o Rio Grande do Sul produzidas no ano de 1852. Reprodução feita pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 1983.

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A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO NA PARÓQUIA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DE VIAMÃO

Pe. Luciano da Costa Massullo.

LIVRO TOMBO DA PAROQUIA DE VIAMÃO, 1917-1960.

SANTOS, Adonis. Viamão, História, lendas, tradições, vultos do passado, tipos populares

Antes mesmo da fundação oficial do Rio Grande já havia moradores nos Campos de Viamão, descidos de São Vicente e Laguna. Em 14 de setembro de 1741 D. Fr. João da Cruz, bispo do Rio de Janeiro concedeu licença a Francisco Carvalho da Cunha3, para erigir a Capela de Nossa Senhora da Conceição na chamada Estância Grande, o qual doou uma légua de campo e uma porção de animais vacuns e cavalares para a formação do patrimônio4. A escritura de doação foi lavrada em Laguna a 26 de abril de 17415. A capela, de

3 Francisco Carvalho da Cunha, natural de Solorico de Basto, era tropeiro desde 1735 no Rio Grande do Sul. Recebeu do Capitão General de São Paulo D. Luís Mascarenhas, em 23 de abril de 1739, licença para juntamente com Diogo Correia e Antônio Lourenço da Silva, conduzirem cavalarias e gados para São Paulo e Minas. Em 04 de dezembro de 1739, estavam com suas tropas prontas nas estâncias de Tramandaí e Viamão.Em 06 de março de 1746 recebeu licença para conduzir para São Paulo 15 potros a fim de com seu produto comprar um casal de negros para cuidar do patrimônio da Capela de Nossa Senhora da Conceição de Viamão. (Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Vol. I – p. 119-120; 215-216).Em 17 de junho de 1754, recebeu de Gomes Freire de Andrade uma sesmaria. Nesta época era morador nos Campos da Vacaria, numa fazenda que ele havia povoado, com casas, currais, plantas e animais vacuns e cavalares, na paragem chamada Saída do Caminho dos Conventos, onde o Capitão Francisco Pereira Gomes dera princípio a uma fazenda que logo despovoara, com três léguas por uma. (Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XXIV, 1933, vol. I – p. 56).Foi padrinho em Viamão em 06 de abril de 1749 de Páscoa, filha de Manoel Rodrigues de Oliveira e Maria Garcia, ele da Vila de Macau e ela de Laguna. No batizado ele diz ser natural de Solorico de Basto, na região de Braga, solteiro e morador em Viamão.4 Pizzarro, Memória Histórica, vol. 5, nota 42.

5 “Translado de uma escritura de doação e dote, que faz Francisco Carvalho da Cunha, à uma capela por invocação à Nossa Senhora da Conceição, cita nos Campos de Viamão distrito desta Vila:

Saibam quantos este público instrumento de escritura de dote e doação virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1741, aos vinte e seis dias do mês de abril do dito ano nesta Vila de Santo Antônio dos Anjos da Laguna empossadas de mim tabelião adiante nomeado, apareceu Francisco Carvalho da Cunha, pessoa de mim reconhecida pela própria de que se faz menção e por ele me foi dito em presença das testemunhas infra assinadas, que de seu moto próprio e vontade livre e sem constrangimento de pessoa alguma fazia a doação a uma capela que seriamente erigia com a invocação de Nossa Senhora da Conceição, cita nos Campos de Viamão distrito desta Vila da Laguna no lugar chamado de Estância Grande; de quarenta éguas em preço de cinqüenta mil e duzentos réis, quatro cavalos pastores em dezesseis mil réis, vinte vacas em preço de trinta e dois mil réis, dois touros em três mil e duzentos réis, quatro cavalos mansos em vinte e cinco mil réis e uma légua de terras junto da capela sem foros ou pensões algumas, para o pasto dos ditos animais, o que tudo monta em mais de cem mil réis, produzindo mais de seis mil e quatrocentos réis, cada ano segundo o costume destas partes para a sua fábrica, reparação e ornamentos, cujos bens disse ele outorgante dava e doava a dita capela como com efeito deu e doou trespassando todo o domínio e poder que tinha neles para a dita capela, obrigando-se a fazer real entrega deles a quem por direito pertencerem toma-los e que em nenhum tempo herdeiros seus,

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fato, foi construída em boas proporções, por isto chamada Capela Grande.

Estando pronta a Capela, um padre Jesuíta, que por ali passou, a benzeu sem que, para este fim, estivesse autorizado. Tendo notícia deste fato, o padre Mateus Pereira da Silva, vigário da igreja e Vara de Santo Antônio dos Anjos da Laguna, à qual a dita Capela era filial, a declarou interditada e comunicou ao bispo Dom João da Cruz, o qual não só aprovou o ato do vigário, com por provisão de 20 de setembro de 1745 concedeu-lhe licença para visitar, benzer e nela celebrar6.

O pároco de Laguna Pe. Mateus Pereira da Silva, em 14 de maio de 17467, visitou e inventariou todos os bens da capela, benzendo-a e nela celebrando os sacramentos, no dia seguinte8. No dia 26 do mesmo mês, o padre convocou o Tenente Francisco Pinto Bandeira, procurador capela e mais algumas pessoas do lugar, e decidiram que o terreno doado para patrimônio da capela, que estava entregue à Dionísio Rodrigues e a Jerônimo D’Ornellas e Menezes, na qualidade de tesoureiros, para com seu produto repararem e ornarem a capela, fosse vendido a 20 réis a braça às pessoas que ali se quisessem estabelecer9. Com o dinheiro das vendas e as doações feitas pela benfeitora Ana Guerra, natural de Laguna, fez-se os reparos necessários e a ornamentação do templo10.

descendentes ou ascendentes poderão tomar-lhe, ou reclamar esta escritura de doação por cessão ou outra qualquer razão que mostrarem pertencer-lhe os ditos bens, os quais disse ele, doador se obrigara a fazem bom em todo o tempo por sua pessoa e bens sem embargo de qualquer oposição que a eles houvesse e de como assim o disse me pediu lhe fizesse esta escritura nesta nota, que eu como pessoa pública estipulante e aceitante lhe aceitei e as reputei, quanto em direito me é conferido, sendo a tudo por testemunhas presentes: Antônio Monteiro, Bernardino de Souza, Manoel Teixeira de Souza, André Monteiro, Francisco Ribeiro Gomes e eu José Francisco, escrivão que a escrevi. – Assinam: Francisco Carvalho da Cunha, Antônio Monteiro, Bernardino de Souza, Manoel Teixeira de Souza, André Monteiro, Francisco Ribeiro Gomes – e não se continha mais na dita escritura de doação em meu poder e cartório fica no livro de notas dele e vai sem causa que dúvida fassa, que lavrei, li, conferi e concertei em fé do que me assino em público e raso nesta Vila de Santo Antônio dos Anjos da Laguna, ao vinte e seis de abril de 1741 anos.”

Esta certidão foi registrada no livro de notas sob o número 17 do 1º Notário de Porto Alegre, correspondente aos anos de 1798-1799, sob as folhas 39v-40.

6 LOPES, Arcediago Vicente Zeferino Dias. História Eclesiástica do Rio Grande do Sul, p. 32.7 É esta portanto, a primeira capela construída para servir de templo a esta paróquia, que mais tarde será usada pela irmandade do Divino Espírito Santo.8 LOPES, Arcediago Vicente Zeferino Dias. História Eclesiástica do Rio Grande do Sul, p. 33.9 Ibidem, p. 33.10 D. Ana da Guerra, filha do Capitão Francisco de Brito Peixoto, povoador de Laguna, veio para Viamão entre os primeiros povoadores. Faleceu em 31 de maio de 1791 com 120 anos, em Viamão (1º livro de óbitos de Viamão, folha 60v).

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1. A irmandade do Santíssimo Sacramento e N. Sra. da Conceição

Construída a capela, logo tratou-se de erigir a Irmandade do Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora da Conceição, a fim de administrar o terreno doado por Francisco Carvalho da Cunha para patrimônio da Capela de N. Sra. da Conceição e aplicar-lhe as esmolas que os fiéis oferecessem. A irmandade foi criada em 08 de dezembro de 1745 e instituída canonicamente em 09 de dezembro de 1747 por D. Bernardo Rodrigues Nogueira, bispo de São Paulo. Com a passagem deste território para a diocese do Rio de Janeiro, D. Antonio do Desterro concedeu provisão para funcionamento da irmandade em 17 de dezembro de 1754. E aprovou o compromisso em 08 de fevereiro de 1755, sendo executado pela irmandade em 19 de janeiro de 1757 e confirmado por carta régia de D. Maria I, em 13 de outubro de 1786. Entre seus compromissos, estavam os anuais e doações dos irmãos de Mesa que se aplicariam para a capela: uma missa semanal pelos irmãos vivos e falecidos, oito missas por cada irmão que falece, cera e azeite para abastecer a luminária do Santíssimo Sacramento, conservação da capela e a festa da padroeira11.

A capela foi atendida pelo pároco de Laguna, a cuja jurisdição pertencia. Aumentando a população e devido à distância que se achava da sede da paróquia, os moradores requereram a criação de uma freguesia (paróquia). Em 1746, nos campos de Viamão, existiam 50 famílias com mais de 200 pessoas. Em Tramandaí haviam 9 famílias com 82 pessoas, e estava a capela distante de Laguna, cerca de 80 léguas. Num relatório da paróquia de Laguna de 12 de setembro de 1747 se diz: “Os de Viamão têm uma Capela e

11 Bartolomeu Lopes de Azevedo, Vigário de Viamão, 1827 in Revista do Instituto Histórico do Rio Grande do Sul, 1998.

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possibilidade para Ter Sacerdote; pelo que já Sua Excia. Revma. lhes deu providências”.12

Foi no tempo da controvérsia dos limites da diocese entre Rio de Janeiro e São Paulo que foi criada a paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Viamão. O bispo de São Paulo, antes da decisão final, estava convencido que a região pertencia à sua jurisdição, tanto mais que D. João V o encarregara de providenciar a assistência religiosa dos casais açorianos a caminho do sul. Foi, portanto, D. Bernardo Rodrigues Nogueira, primeiro bispo de São Paulo, que erigiu a 14 de setembro de 1747 a paróquia de Viamão, destacada de Laguna.

Haviam ainda em Viamão outras duas Irmandades: A de São Miguel e Almas, fundada em 20 de abril de 1751, por provisão de D. Antonio do Desterro, bispo do Rio de Janeiro, que responsabilizava-se pelo sepultamento, manutenção do cemitério e missa em sufrágio das almas do fiéis. A de Nossa Senhora do Rosário dos homens de cor, fundada por licença de D. Antonio do Desterro em 13 de novembro de 1756, com a finalidade de difundir o culto cristão entre os negros, bem como de associar os alforriados.

Em 1755 existia na freguesia de Viamão uma Ordem Terceira de São Francisco, de cuja instituição nada consta no arquivo do Convento de Santo Antônio do rio de Janeiro. No entanto, pelos antigos livros de atas da irmandade conjunta do Santíssimo Sacramento e Nossa Senhora da Conceição, sabe-se que tendo a referida Ordem obtido licença de D. Antonio do Desterro datada de 20 de novembro de 1766 para fundar igreja sua, foi esta mandada caçar por portaria do mesmo prelado de 26 de setembro de 1768, e intimado a 25 de março de 1769 pelo respectivo

12 Arquivo Ultramarino, São Paulo, dc. 1697, nº 38: Relatório de 12 de setembro de 1747.

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vigário da Vara, Pe. José Antônio da Matta. A 14 de agosto de 1768 tinha a mencionada irmandade e pároco concordado com o Padre Fr. Francisco da Conceição São Tiago que, removido a sede paroquial para a nova igreja ficasse a antiga matriz servindo aos atos da Ordem Terceira, e o bispo a aprovasse. Por portaria de 26 de janeiro de 1770 foi a referida resolução declarada nula e sem vigor, e de que os santos da Ordem fossem recolhidos na matriz, onde deveria a Ordem celebrar seus atos. A pedido da Câmara Municipal reconsiderou o bispo diocesano o seu ato, por portaria de 22 de setembro do mesmo ano mandou que a velha matriz fosse entregue a Ordem Terceira, visto haver necessidade de mais uma igreja na freguesia, e conveniência de conservar-se esta, onde havia tanta gente sepultada, e cuja chave a Ordem tinha já recebido e ainda a conservava em seu poder desde 03 de junho; sendo prior Antônio Carvalho da Silva e secretário Antônio Geraldes. A 10 de setembro de 1773, foi esta ordem extinta e dispensada por desavenças entre seu comissário e o Governador José Marcelino de Figueiredo. Cada uma destas irmandades possuía na Igreja Matriz um respectivo altar.

Quando Gomes Freire de Andrade, em 1752, viera por em

execução as disposições do Tratado de Madrid, que permutava a Colônia do Sacramento pelas terras ocupadas pelas Missões Jesuíticas, encontrou em Rio Grande, elevado número de casais vivendo na extrema penúria. Com a intenção de enviar os casais açorianos para o território das Missões, Gomes Freire fez embarcar logo um grupo de casais para o Porto do Dorneles, de onde deveriam se deslocar ao longo do Rio Jacuí, sempre para o Oeste.

Diante da resistência dos índios missioneiros, os casais açorianos permaneciam arranchados no porto do Dorneles. Alguns haviam subido pelo rio Taquarí, em direção a Santo Amaro, onde estava-se construindo fortificações militares. Também em Triunfo e Taquari, há notícias dos “casais do número”, após a fuga de Rio Grande, diante da invasão castelhana de 1763. Os que ficaram arranchados ás margens do Guaíba, iriam colaborar na construção da futura cidade de Porto Alegre.

Somente com a posse do novo governador do Rio Grande do Sul, o Coronel José Marcelino de Figueiredo em 1769, é que de fato se dará cumprimento ao que fora prometido aos casais açorianos vindos para o Brasil. O novo Governador tratou logo de legalizar a situação dos “casais de número” localizados em São José do Taquari e noutros pontos onde estes se encontravam precariamente arranchados. Ordenou ao capitão Alexandre José montanha, a demarcação das terras da antiga sesmaria do Padre José dos Reis, no Itapuã, e terras devolutas na região do Morro Grande, faxinal de Viamão, para serem distribuídas a um grupo de 60 casais de número, dos que se encontravam na área de Viamão, aguardando destino.

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Como a situação dos casais açorianos, até então permanecia na mesma condição que vimos antes, em 1770, o governador José Marcelino de Figueiredo, propôs a utilização de terras improdutivas no interior de Viamão para o assentamento definitivo dos casais. Estas terras após a demarcação seriam entregues em forma de “datas”, numa dimensão de aproximadamente um quarto de légua em quadro, equivalente a 6.000 m2, a casais do número, que haviam sido transportados por conta da Coroa portuguesa e que se encontravam em Viamão arranchados. Muitos destes haviam fugido de Rio Grande, quando da invasão castelhana, outros, por não terem onde ficarem, pediam abrigo à alguns estancieiros, onde trabalhavam para garantirem seu sustento, enquanto esperavam o cumprimento da promessa de distribuição de terra.

Para que se pudesse dar êxito a fundação da nova colônia onde se pretendia assentar cerca de 60 casais açorianos, o Governador José Marcelino de Figueiredo, expropriou a sesmaria do sargento-mor de ordenanças Domingos Gomes Ribeiro, que a havia comprado do Padre José dos Reis que a recebera em 1746, nas mediações de Itapuã, na costa da Lagoa dos Patos, conforme diz Borges Fortes: “Pertenciam os terrenos à sesmaria que em 1746 havia sido concedida ao Padre José dos Reis e que este vendera ao sargento-mor de ordenanças Domingos Gomes Ribeiro”.13

A primeira notícia que temos da intenção da fundação da colônia, por parte do governador, se encontra numa portaria de 11 de julho de 1770, onde o governador José Marcelino de Figueiredo, ordena ao Capitão Engenheiro Alexandre José Montanha que faça a divisão de lotes nas terras que sobraram da medição que antes mandara fazer na estância de Itapuã, e ali demarque sessenta lotes de terra para a futura povoação a qual denomina de Vila Real:

“Por quanto da medição que mandei fazer na estância de Itapuã sobraram suficientes terras para se acomodarem sessenta casais das ilhas, para formarem uma povoação que mando fazer e se denominará Vila Real. Ordeno ao Capitão Engenheiro Alexandre José Montanha que faz a dita medição, vá a aquelas terras que sobraram, ali pelo rol que vai aqui junto, fará medir e demarcará em quarto de légua quadrado, de que empossará a cada um dos ditos casais, passando-lhes certidões para me requererem as suas datas na conformidade das reais ordens de Sua Magestade, assim mesmo delineará o povo, conforme a planta que vai por mim rubricada.”14

Em 25 de setembro de 1770, em portaria ao Capitão Engenheiro Alexandre José Montanha, o governador José Marcelino de Figueiredo refere-se a dita povoação que antes chamara de Vila Real,

13 FORTES, 1932, p. 182.14 FIGUEREDO, 1770, p. 227.

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como Vila Real de Sant’Ana, nome pelo qual passou depois a ser chamada.

Ao que parece, a demarcação de terra foi feita entre junho e agosto de 1770, pois em 07 de agosto deste ano, Antônio Machado recebia o lote número 12, sendo este o primeiro dos lotes a ser distribuído. Esta demarcação das terras seguia um traçado, uma planta feita pelo governador José Marcelino, que delinearia os limites do povoado que ali se pretendia formar. É o próprio Marcelino de Figueiredo, que nos da esta informação, na portaria já acima citada, onde, dividia o território em 60 lotes, reservando no meio uma grande área que segundo Graciano Azamburja, deveria estar reservado para o logradouro público dos colonos ou ainda reservado para uma futura cidade:

“Aquele quadrado em branco, designado com o nome de Morro Grande, corresponde pela respectiva escala, a meia légua em quadro; naturalmente havia de ser o logradouro público dos colonos ou o lugar reservado para uma futura povoação”.15

Deste traçado, trazemos aqui uma cópia, tirado do Anuário do Ano de 1908 de autoria de Granciano Azamburja, que nos da a seguinte referência quanto a procedência desta cópia do mapa:

Diante do considerável número de famílias que aqui se fixaram

então, e como a distância entre o novo povoado e a Vila de Viamão era considerável, o atendimento religioso tão indispensável na época, ficava dificultado. Desta forma, em 26 de março de 1772 o então bispo do Rio de Janeiro cria a Freguesia (paróquia) da Senhora Santa Ana do Morro Grande, desmembrando-a da de Viamão e da de Santo Antônio da Patrulha. Podemos assim atribuir a data de 26 de março, data da fundação da freguesia, como data referencial em nossa história local.

O primeiro padre que para cá foi nomeado foi o Padre Luiz Inácio de Pina que cá chegou em agosto do mesmo ano. Ao que tudo indica a igreja em honra a Santa Ana começou a ser construída onde hoje ergue-se o cemitério no Morro Grande.

No entanto a povoação de Santa Ana do Morro Grande, não teve um futuro muito próspero, conforme registros da época, a má qualidade da terra, imprópria para o cultivo, por ser demais arenosa, a grande quantidade de formigas, fez com que vários casais abandonassem as terras recebidas, ocasionando assim a extinção da paróquia em 12 de setembro de 1779.

Desde os tempos mais remotos se celebra em Viamão a festa do Divino Espírito Santo. Não sabemos precisar ao certo a data em

15 AZAMBURJA, 1908, p. 338.

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que tiveram início às festas. O certo é que em 1815 quando se construíram os altares laterais da igreja, já havia um dedicado ao Divino Espírito Santo.

Adonis dos Santos em seu trabalho intitulado Viamão, de acordo com o que se confere no Livro Tombo desta paróquia, as festas eram celebradas sempre em conjunto com as de Nossa Senhora da Conceição, ou seja, entre os dias 06 e 10 de dezembro. Dela participavam muitas pessoas vindas do interior da cidade. No dia da festa, durante a procissão era costume o Imperador festeiro, carregar a Coroa e o Cetro do Divino, acompanhado de seus Pajens. Fazia parte da comissão festeira, o Imperador festeiro, a Juíza e o Alferes.

Para melhor ilustrarmos as festas do Divino em Viamão, transcrevemos aqui o relato de Adonis dos Santos:

“Nos recordamos que eram festas grandiosas, onde afluíam naqueles dias ao nosso Viamão milhares de pessoas, afim de participarem dos referidos festejos.

As melhores festas que assistimos foram as promovidas pelos festeiros Mario Antunes da Veiga, Barreto Viana, Ataliba Francisco da Silva (Lelé), a do mulato Prudêncio, Adolfo Veiga, Virgílio Godoy, os irmãos Pinto, e outros tantos que no momento não nos ocorre a lembrança de seus nomes.

Bandas de música, foguetes e diversões as mais variadas tomavam conta do povo nestes saudosos dias do passado.

O Veterano jornalista Henrique Maria descreve com muita precisão o que foram as festas de Viamão.

Para o referido homem de imprensa a festa mais suntuosa e empolgante foi a realizada em 1905, quando foram festeiros o Sr. Laudelino Pinheiro Barcelos, saudoso fundador da livraria do Globo, e Capitão Saturnino Antunes de Lima, ambos filhos de Viamão.

Nesta ocasião houve iluminação a gás, na Matriz e na Praça fronteira, sob a direção de Hotelino Guimarães.

Um grande coro da Matriz de Porto Alegre esteve atuando nas novenas e missas solenes.

Durante três dias permaneceu em Viamão o Bispo Auxiliar da Capital D. Otaviano de Albuquerque, que além da assistência Pontifical às missas realizou, também, grande número de crismas.

(...)

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Na festa que estamos citando houve três bandas de música.

Uma do mestre Saturnino Requinta e a outra do Maestro José Carraba. A terceira veio de Porto Alegre e o transporte desta banda foi feito em uma carreta do agricultor Manoel Claudino da Rosa (...).

Um dos grandes sucessos foi a apresentação nas Procissões do séquito do Imperador Festeiro, com seus pajens representados por meninos todos vestidos de azul com bordados de ouro.

Aquele, levando a Coroa e o Cetro, e esses segurando a cauda do manto do Imperador Festeiro.

Não faltou nesta festa o inesquecível Tubino com seus fantoches que despertava grande admiração quando encenava a peça cômica ‘O Beco do Barulho’.

O ponto alto das festividades foi as tradicionais Cavalhadas, um simulacro das lutas entre mouros e cristãos, tão agradável aos nossos antepassados.

(...)

Os cavalos e os ginetes eram sempre escolhidos entre os melhores do pago. Os cristãos estavam vestidos de seda azul e os mouros de seda amarela.

Os cavalos eram cobertos de prataria levando alguns deles em seu dorso uma verdadeira fortuna.

No final realizava-se a esperada entrega da ‘argolinha’, que era constituída de um pequeno anel de ouro ou de prata, que o cavaleiro em carreira tinha que tirar de um arco armado na extremidade da Praça.

De posse da argolinha, ele a oferecia a uma pessoa de destaque que retribuindo ofertava qualquer outra jóia de valor.

O antigo Império há anos demolido por forte vendaval era ao lado da velha Matriz, onde realizavam-se os leilões, com uma variedade de ofertas.

Na rua se desenrolava os festejos populares: o pau encebado, as quitandas, os jaburus, os balões do Tubino subindo ao ar, o cinema e os fogos de artifício.

(...), nestas festas, as residências particulares ficavam cheias de pessoas.

(...)

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Durante essas festas notavam-se nas residências particulares suntuosas mesas com gostosas iguarias, tais como perus, leitões, galinhas e pastéis, e potes, doces de figo, laranja, etc.”.

Desta forma podemos imaginar o que foram as festas do

Divino em Viamão em outros tempos.

Ao lado da Igreja Matriz ficava a antiga “Capela Grande”, erguida por volta de 1750 e que serviu de Império do Divino até 1929, quando foi completamente demolido por um temporal. No Império do Divino colocavam-se as ofertas colhidas durante o peditório e visita da bandeira. Também no Império era realizado o leilão. O toque do bumbo avisava os moradores do interior da proximidade da bandeira do Divino, a qual toda a família acolhia com beijo na pomba levando-a por toda a casa.

Em 1941 D. João Becker manda que a festa seja celebrada em maio e não mais em dezembro como de costume. Por insistência dos moradores de Viamão a festa continua sendo celebrada em dezembro até 1956, quando passa definitivamente para maio. Em 1950 o padre proíbe o acompanhamento de pajens e anjos na procissão do Divino.

Nos dias de hoje o Imperador é representado por um menino “Imperador mirim” – não é o festeiro. As figuras dos festeiros, juíza e alferes continuam presentes ainda hoje na festa. Como nos tempos antigos, as bandeiras visitam as casas da cidade e arredores, levando a bênção do Divino e recolhendo doações. Nos nove dias que precedem a festa realizam-se as tradicionais novenas.

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No dia da festa, a procissão com o Esplendor do Divino e as bandeiras, são acompanhadas por grande multidão juntamente com o Imperador Mirin, que durante as novenas, ocupa uma espécie de trono devidamente preparado para ele no interior da igreja.

BIBLIOGRAFIA:

vida atual. GRAFICA ROGILMA, Porto Alegre.

Bloco 2:

Quem é o Espírito Santo e Como se manifesta

O ESPÍRITO SANTO NO NOVO TESTAMENTO

Inês Bini

O Novo Testamento é conseqüência da ação do Espírito Santo na linhagem espiritual do Ancião dos Dias no Antigo Testamento.

Na criação do Universo Deus tornou clara a pessoa e o poder do espírito Santo, tornando-O a primeira manifestação da Divindade nas Escrituras. Se lê: “ E o Espírito Santo pairava sobre as águas.” (Gn 1.2)

Deus criou Adão do barro, da matéria. Este estava sem vida. Deus soprou nas narinas o fôlego da vida e Adão passou a ser alma vivente. (Gn 2.7)

Adão levantou-se e estava cheio da presença de Deus. Adão viveu recebendo o Espírito de Deus. Foi o primeiro contato que Adão teve com o Espírito Santo.

Os profetas do Antigo Testamento falavam pela voz do Espírito Santo. Através do profeta Isaías diz o Senhor: “ porei em seus corações as minhas leis e sobre as suas mentes as escreverei.” (Hebreus 10.15,16)

Moisés disse: “Deus é um Fogo consumidor.” Revelado o poder do Espírito de Deus através do Anjo a Moisés – condutor do povo de Israel – ele ratifica essa manifestação dizendo: “ouvi-º” e o povo fez um voto de fidelidade a Deus. A maioria dos israelitas reconheceu a paternidade de Deus, pois quem é guiado pelo Espírito de Deus são seus filhos e filhas. Hoje somos nós. Temos necessidade de fazermos um trato, um voto com o Espírito de Deus.

A Bíblia, em Lucas (4.6) afirmou: “ A Bíblia ganhou vida pelo Espírito de Deus.”

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Jesus disse no cumprimento de sua missão: “Vim trazer fogo à Terra.” Este fogo é o Esp´pirito Santo. E no Rio Jordão, Jesus Cristo em Seu batismo os discípulos ouvem a voz do espírito Santo: “Este é o meu Filho muito amado, em quem me comprazo.” Neste momento confirma-se a Consciência de Cristo em jesus como Filho de Deus.

Necessidade da Vinda do espírito Santo

Quem é o Espírito Santo – é Deus, é o Espírito Santo na Terra, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade em nossos corações, habitando com o Pai e o Filho encarnado em cada pessoa. Jesus fala da Sua unidade que possui com o Pai e a Sua missão de ser nosso Redentor.

Deus uno e trino – Pai, Filho e Espírito Santo é a unidade em três pessoas, com a mesma natureza divina. Esta natureza divina nós a possuímos porque fomos gerados no Corpo Causal de Deus Trinitário. Fazendo-se uma comparação, o Pai é o Sol, o Cristo é a Luz e o espírito Santo o Calor, a energia impulsionadora. Quando se fica em comunhão com Deus, em Sua presença, o que se sente? Calor, energia e o poder do Espírito Santo. Jesus disse: “Quem me vê, a meu Pai vê.” (Jô 14.9)

Santo Estevão, o primeiro mártir do cristianismo exclamou: “Estou cheio do Espírito Santo.’ Ele viu a glória de nosso Pai e Jesus que estava à sua direita. (Atos 7,55)

Vindo a nós o inimigo, o Espírito Santo arvorará a sua bandeira de defesa.(Is.59.19)

O Espírito Santo se manifestou e se manifestará sempre – REAL – com PERSONALIDADE PRÓPRIA – porque transformou os corações dos presentes e agirá assim eternamente na Terra. Completou a obra da Trindade manifestando a plenitude de Deus Pai e de Deus Filho. Abriu todas as possibilidades através de seus dons aos filhos e filhas de Deus para que evoluíssem espiritualmente e ascensionassem como Jesus, o Cristo. O Espírito Santo veio realizar a sua obra transformadora, iluminadora, através do filho Jesus que ressuscitou. O Espírito Santo pode tomar suas próprias decisões mas sempre está em harmonia com as do Pai e as do filho. Paulo confirma dizendo;”Mas um só é o mesmo espírito que realiza todas as coisas, distribuindo-as como Lhe apraz, a cada um, individualmente (1 Co.12.11). Devemos adorá-Lo como Deus, pois adoramos o Pai e o Filho e o espírito Santo, por serem UM.

O Espírito Santo facilmente se magoa quando manifestamos nossa mente humana. Ele se retrai, se afastará de nossa presença com o coração ferido. Quando ferido, Ele se retira mansamente, segundo Benny Hinn, grande místico atual do espírito Santo.

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São Paulo aconselha: “Não vos embriagueis com vinho, mas enchei-vos do Espírito Santo. (Ef.5.18) A embriaguez, adverte Paulo, promove atitude iníqua, maS SE O INDIVÍDUO PODE SER CONTROLADO PELO ÁLCOOL, QUANTO MAIS PODE O Espírito Santo controlar um homem e uma mulher! Por isso encontramos pessoas distantes do Espírito de Lau. A pessoa que se encontrou com o Espírito Santo será transformada e o seu falar será diferente: “ Oh Deus, como és maravilhoso!”

Encher-se do Espírito Santo significa que a experiência que temos Dele é contínua, faz a pessoa mover-se, avançar com Ele. Estamos prontos para navegar, entregando-nos a Ele. A partir daí um vínculo único de comunhão é criado e só conhecido pela alma e Deus Espírito Santo. É semelhante com a união entre homem e mulher, só conhecida esta união por eles.

Vinda do espírito santo sobre os apóstolos

Quando Jesus Cristo ascendeu ao céu, o Espírito Santo desceu com toda a força e poder e tomou a liderança de Jesus Cristo e infundiu nos presentes os nove dons. A divindade de Deus Uno e Trino agiu em plenitude através das línguas de fogo, bipartidas, sendo que a maior representa Alfa e a menor, Omega. Cumpriram-se então as palavras registradas em (2 cor.13.13). “ A graça do Senhor Jesus Cristo, o Amor de Deus e a Comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós.” É necessário portanto o relacionamento diário com o Espírito Santo para adquirirmos a consciência de Jesus, o Cristo.

A COMUNHÃO COM O ESPÍRITO SANTO

Comum união entre duas pessoas ou mais é o sentido de comunhão. Significa presença. Deus Pai quer que a doce presença do espírito Santo esteja convosco. Também significa confraternizar. Precisa-se buscá-Lo como procuramos a água no deserto. Quem comunga compartilha. Nossos corações precisam se derramar no dEle e Ele derrama o Seu. Compartilhamos nossa alegria com Ele e da nossa alegria Ele compartilha. Comunhão também é participação. O Espírito Santo torna-se nosso parceiro. A Sagrada Escritura possui muitas frases que demonstram um trabalho participativo como, por exemplo: “Trabalhando com Ele” e o Espírito em nós” tornando claro que a obra de Deusa aqui na Terra é feita com participação.

A constante presença, o compartilhar, o participar resulta intimidade. Jamais sentiremos uma relação profunda com Cristo Jesus até que por intermédio do Espírito Santo venhamos a conhecer aquele que proporciona à alma essa intimidade. Não há outro meio. Deus derramou o seu amor por meio do espírito Santo a nós. (Rm 5.5) Só amamos a Deus com o auxílio do Espírito Santo. O Espírito Santo anseia ser o nosso amigo mais íntimo, alguém com quem possamos compartilhar os mais profundos segredos de nosso coração. A

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comunhão também significa camaradagem ou em grego, comandante. Ele é como o capitão, um rei, um chefe, mas amável e amigo e nos sentimos seguros em darmos um passo adiante em todas as circunstâncias.

PASSO PARA NOS UNIRMOS AO ESPÍRITO SANTO

1) Necessidade de confissão. Confessemos ao Espírito Santo em nosso coração. Peçamos perdão ao nosso Eu superior, a chama que arde em nosso coração. Reconhecemos quem é Deus. E Deus é maravilhoso! Exclamemos então: “Ó Deus, como tu és maravilhoso”!

2) O nível seguinte é fazer uma oração de súplica, apresentando o pedido ao Senhor.

3) O seguinte passo é o da adoração. Adoração pela criação, afirmando: Meu Deus eu te amo, pois sou teu filho amado como tudo o que há no universo.

4) Manter-se em intimidade. Dialogar tudo o que precisamos falar. Pedir para nos ajudar a orar, visualizar o que ele deseja nos mostrar.

5) Agradecer sempre à Trindade do Pai, do Filho e do espírito Santo em nós.

6) Dizer muitas vezes: “Ave Deus uno e trino no meu coração.” O Espírito Santo é uma pessoa ativa. Nossos corações serão preenchidos com luz, com alegria, com paz e amor.

7) E finalmente, o mais importante é entregar-se totalmente ao Espírito Santo, realizando o que está ao nosso alcance e nossa vida será feliz. É muito difícil vencermos nossos egos, mas com a graça do Espírito Santo transcendemos os obstáculos.

Permitam-me uma oração:

Pela Luz do espírito Santo pedimos Sua penetração nas almas, nos povos de luz em todas as crenças. Que Ele fale e avive a chama do Seu fogo nos corações. Traga a clareza mental para todos os amantes de Deus, todos os que desejam agir em seu nome, todos os que percebem o perigo e desejam agir apesar dos obstáculos.

Que a vontade de Deus desça em toda a intensidade neste congresso e fora dele a fim de ancorar nas cidades do Brasil e do mundo e onde Deus aprouver, Sua Luz, para que seus objetivos sejam realizados através de seus filhos para a mudança transformadora das almas.

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PEDIMOS QUE O FOGO DO Espírito Santo seja depositado sobre o altar da vida, colocado no cálice de cada lar para consumir toda causa, registro e lembranças de estruturas obsoletas, ensinamentos errados e passados para nós nesta vida, impedindo o contato direto com Deus Pai, Filho e Espírito Santo.

Pedimos ao Espírito Santo e único destruidor legítimo do mal, como Terceira Pessoa da Trindade do Criador, por todos os filhos deste planeta, pela vitória do amor em todo o universo. Amém. Muito obrigada

OS PENTECOSTALISMO E O CULTO DO DIVINO NA ATUALIDADE

Frei Rovilho Costa

1. O Pentecostalismo nasceu do desejo de reavivar o ela religioso dos evangélicos que, no início do século XX, nos Estados Unidos e na Inglaterra, se separaram das igrejas da Reforma, na crença da próxima vinda de Cristo e da necessidade do batismo no Espírito Santo. Os pentecostais, no Brasil, são 75% dos protestantes, destacando-se a Assembléia de Deus com cerca de 1.500.000 adeptos.

O movimento de renovação surgiu dentro do Metodismo e das Igrejas Batistas, que, no século XVIII, através de John Wesley, quis renovar o Episcopalismo ou Anglicanismo e, no século XIX, surgiu, dentro do metodismo, um movimento de renovação, para o qual não bastava a conversão para a salvação, mas se fazia necessário o cristão passar por uma experiência religiosa profunda, denominada batismo no Espírito Santo.

O pastor metodista Charles Parham, em 1899, aderiu a este movimento da Holiness, recebendo o batismo do Espírito Santo em Topeka, Kansas (USA), que lhe conferiu o dom das línguas, onde ele tinha uma Escola de Estudos bíblicos com cerca de 30 alunos. Lendo At 2, 1-12; 10, 44-48; 19, 17, ele e os alunos concluíram que o sinal do batismo do Espírito Santo é a glossolalia, dom das línguas. Empolgado, o grupo passou dias e noites em oração, pedindo a vinda do Espírito Santo. Na passagem de1901, ocorreu uma experiência na qual alguém falou novas línguas. Durante uma vigília, Agnez Ozman, uma das alunas de Parham, sentiu a necessidade de receber preces com a imposição das mãos, passando, com isso, a falar em outras línguas. Iniciou, assim, o pentecostalismo nos Estados Unidos, considerando a glossalia como sinal do Espírito Santo.

Em 1901, surgiu a primeira congregação pentecostal, nome advindo do desejo de reviver a experiência de Pentecostes como na origem do cristianismo. Os membros dessa congregação aspiravam a

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outros dons do Espírito Santo, entre os quais o da cura de doentes mediante a imposição das mãos e oração de bênção. Ao pastor Parham juntou-se o pastor negro da Igreja Holiness, W. J. Seymour.

Os dois pastores e seus discípulos não queriam fundar uma nova igreja. Queriam renovar as comunidades protestantes. Quando se viram rejeitados, formaram congregações próprias, denominadas genericamente de pentecostais. Logo se espalharam dos Estados Unidos a outros continentes, especialmente na América Latina.

Os grupos pentecostais em 1914 realizaram a primeira convenção em Hot Springs, no estado de Arkansas. Essa convenção favoreceu a criação das assembléias de Deus, que se espalharam com entusiasmo, mas também logo se subdividiram em muitos grupos, originando-se as igrejas do Evangelho Quadrangular, da Restauração, Pentecostal Jesus Nazareno, Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus...

Os pentecostais criticam as igrejas tradicionais, acusando-as de envolvidas com acontecimentos mundanos. Nas práticas religiosas ocorre a comunicação direta com o Espírito Santo, o que gera êxtase espiritual, que leva os crentes a falar línguas estranhas como aconteceu aos apóstolos no Pentecostes. Seus líderes são escolhidos por suas qualidades, independente do nível de formação. Qualquer um, independente de sua posição hierárquica, pode fazer o que faziam os discípulos de Cristo; curar, profetizar...Nas reuniões, o clima é de relatos, orações e ritmado bater-palmas com cânticos. Dão importância às experiências religiosas e à conversão.

Estima-se em 14 milhões o número de adeptos no mundo, que deram origem à renovação carismática católica também.

Entre as afirmações doutrinárias dos pentecostais, constam: “Somos luteranos no que concerne à justificação pela fé e batistas pela aceitação do batismo administrado por imersão unicamente aos adultos. Mas nossa particularidade é o batismo no espírito Santo, presença ativa de Deus que se manifesta através do dom das línguas e do poder de curar. No evangelho não encontramos nenhuma hierarquia.”

Os pentecostais priorizam o sentimento comunitário, a participação, o entusiasmo de massa, os cultos alegres e simples.

Embora cada assembléia seja autônoma, há algumas características comuns. 1. Prevalência da emoção sobre a razão. 2. valorização dos fenômenos extraordinários, que fazem vibrar, gritar e aplaudir. 3. Leitura fundamentalista da Bíblia. 4. Centralidade nos interesses humanos, apresentando-se, com fanatismo, milagres, sem senso crítico. 5. Pregação do puro espiritualismo evangélico.

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Para os pentecostais, a verdadeira Igreja de Cristo é idêntica à de Pentecostes, com a mesma manifestação do Espírito Santo, com o dom das línguas e o poder de cura pela força milagrosa da oração. No Brasil enumeram-se como pentecostais as seguintes denominações: 1. As Igrejas Evangélicas: Igreja Evangélica Luz do Mundo, Volta de Cristo, Assembléia Cristã-Pentecostal, Pentecostal Livre, Pentecostal Cristã, Missionária Pentecostal, Pentecostal Formosa, Pentecostal Unida, Pentecostal de Santana, Pentecostal A Família de Deus, Pentecostal Mundial de Jesus, Pentecostal da Remissão Cristã, Universal Pentecostal Brasileira, Universal dos Filhos de Deus, Todos Bem-vindo em Nome de Jesus, Resolução Cristã, Pentecostal Unida para Cristo, Pentecostal Jesus é o Caminho, O Mundo para Jesus, Missão Apostólica Brasileira, Cristã Apostólica, Evangélica Pentecostal da Renovação Espiritual, Maravilha de Jesus, do Deus Vivo, Avivamento Bíblico, do Espírito Santo, Pentecostal o Cristo para o Mundo... 1. As Igrejas – Evrediana, Cristã Maranatha, de Deus reavivamento Pentecostal, Remidos no Senhor, de Cristo Jesus... e numerosos agrupamento denominados igrejas com concepções e práticas pentecostais, sendo as mais ocorrentes: Assembléia de Deus, Igreja Evangélica Pentecostal, , O Brasil para Cristo, a Congregação do Brasil e a Igreja Deus é Amor.... Em geral, cada igreja tem um pastor que se auto-define presidente e um ou mais auxiliares.

O pentecostalismo brasileiro apresenta três ondas: – 1a. Onda pentecostal: Congregação Cristã (1910) e Assembléia de Deus (1911). 2a. Onda: A Igreja do evangelho Quadrangular(1915), O Brasil para Cristo(1955) e Deus é Amor(1962). 3a. Onda ou neopentecostalismo, nascido do pentecostalismo autônomo: A Igreja Universal do Reino de Deus (1977); a Igreja Cristo Vive (1980) e a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980). ]Até aqui, Síntese de – Religiões, Crenças e Crendices, de Urbano Zilles, Porto Alegre, EDIPUCRS, 1998, p.155-9].

2. O movimento carismático, ou neo-pentecostal, ou de renovação carismática é um movimento contemporâneo, originário da Califórnia, em Los Angeles, em 1906.

1. Para uns, o marco inicial teria sido a experiência do “batismo do Espírito Santo, ao Ver. Dennis Bennett, pároco da Igreja Episcopal de São Marcos, na cidade de Van Nuys, em 1959.

2. Para outros, teria surgido na Associação Internacional de Homens de Negócio para o Evangelho Pleno, na paróquia episcopal de São Lucas, em Seatle, na paróquia episcopal do redentor em Huston, Texas e na congregação Pentecostal de Melodyland.

A Associação Internacional dos Homens de Negócio, além de promover conferências em hotéis, longe das igrejas históricas, realizavam exercícios espirituais no café da manhã, com a presença de pastores convidados. De 1953 em diante, o jornal da Associação menciona com freqüência experiências pentecostais. Exercem

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influência, na ocasião, Ralph Wilkerson e Daviod Wiolkerson, de Melodyland. As datas do começo do movimento nas igrejas históricas, seriam estas:

Episcopal: 1959, luterana: 1962, católica romana e presbiteriana: 1967, sempre nos Estados Unidos. A origem remota dói movimento carismático está no movimento pentecostal propriamente dito, iniciado em 1906.

Semelhanças e diferenças entre pentecostais e carismáticos

A característica fundamental do pentecostalismo é a experiência do espírito Santo, que vem depois da conversão e se torna evidente pelo falar em línguas e pela absoluta obediência da fé. A fonte bíblica e doutrinária encontra-se em Atos 2,4: “Ficaram todos cheios do Espírito Santo, e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.”

Essa recepção plena do Espírito Santo é tida superior à ênfase que Paulo expressa no andar no Espírito e nos frutos do Espírito Santo, em Gápalatas 5,15-23: “Andai segundo o Espírito, e não satisfareis aos apetites da carne, porque os desejos da carne se opõem aos do espírito, e estes aos da carne, pois são contrários uns dos outros. É por isso que não fazeis o quereríeis. Se porém vos deixar guiar pelo Espírito, não estás sob a lei. Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, dosonestidade, idolatria, magia, inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos, invejas, embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes, contra as quais vos previno como vos preveni: os que as praticarem não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança. Contra estas coisas não existe lei.”

Os pentecostais distinguem a simples recepção da plena recepção do mesmo espírito Santo. Assim a estabelecem: cada cristão é batizado em Cristo. É o que chamamos de conversão ou regeneração. Entretanto, nem todos são batizados por Cristo no espírito Santo. O Espírito santo é o agente do novo nascimento, e o sangue expiatório de Cristo, o meio. Resulta daí a regeneração. No batismo do espírito Santo, o Cristo é o agente, (‘Ele batizará com o Espírito Santo’), o Espírito santo, o meio, dando como resultado o poder do próprio Espírito santo. Sistematiza-se, dessa maneira, a experiência pentecostal. O batismo do espírito Santo cumpre a promessa do Pai: Cristo realiza a promessa do Pai(Lc 24,49): “ eu vos mandarei o Prometido do meu Pai; entretanto permanecei na cidade até que sejais revestidos da força do alto.” Essa promessa ´pe descrita segundo o anúncio do Batista em Marcos 1,8 e seguintes. “Ele vos batizará com o Espírito Santo.”

A promessa do Pai

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Todos os crentes têm o direito e devem ardentemente esperar e diligentemente procurar a promessa do Pai, o batismo do Espírito Santo e do fogo, conforme a ordem do Senhor. Esta foi a experiência normal de todos na Igreja Cristã primitiva. Com ela veio a investidura do poder para a vida e para o serviço, a outorga dos dons e o seu uso no ministério (Lc 24,49; At 1,4-8; I Cor 12,1 – 31). Esta experiência maravilhosa distingue-se da experiência do novo nascimento e é posterior à mesma (At 10,44-46; 11,14-16 e 15,17 – 9).

A evidência do batismo do Espírito Santo

O batismo dos crentes no Espírito Santo é testemunhado pelo sinal físico inicial do falar em línguas, na medida em que é Deus quem dá essa fala: “Ficaram todos cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia falar.’ (Atos 2,4). O falar em línguas é igual ao dom das línguas: “Há diversidade de dons, mas um só espírito. Os ministérios são diversos, mas um só é o Senhor. Há também diversas realizações, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos, A cada um é dada à manifestação do Espírito para proveito comum. A um é dada, pelo Espírito, uma palavra de sabedoria; a outro, profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fium, a interpretação das línguas. Mas um só e mesmo espírito realiza todas essas coisas, repartindo, a cada um, conforme lhe apraz (Cor 12,4 – 10.28).

O batismo da água difere do batismo do Espírito Santo, que é posterior ao da água, isto é, posterior à conversão. A regeneração seria a primeira etapa a ser coroada pela recepção do poder do Espírito Santo, numa outra etapa, que teria como sinal de evidência o falar em línguas. Tal experiência ocorreria segundo determinadas condições. Em primeiro lugar, a conversão precede necessariamente à recepção do Espírito Santo. Assim, há muitos convertidos sem o Espírito Santo. A segunda condição é a obediência. O convertido pode obter o Espírito Santo por meio da obediência. A obediência pode ser ativa ou passiva. A obediência ativa consiste em se afastar do pecado, que desagrada a Deus. O crente busca este afastamento mediante a expiação de Cristo. Ao se purificar pelo sangue de Cristo, o crente passa por gradual santificação. Na medida em que cresce nessa santificação, pode chegar à experiência do batismo do Espírito Santo. Há outros que advogam o processo instantâneo da santificação. Para estes a obra da graça tem três etapas: regeneração, santificação (purificação do coração) e o batismo do Espírito Santo propriamente dito. A santificação como parte da regeneração representa a fase preparatória para o batismo do Espírito Santo.

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Há pentecostais que reconhecem a atuação do Espírito Santo por meio da obediência, mas distinguem a simples presença do Espírito Santo e a sua plenitude.

O afastamento do pecado se expressa pela purificação do coração. Essa linguagem vem de Atos 15,8-9: “Ora, Deus, que conhece os corações, testemunhou a seu respeito, dando-lhes o Espírito Santo, da mesma forma que a nós. Nem fez distinção alguma entre nós e eles, purificando pela fé os seus corações”.

Uma das expressões mais repetidas da obediência é a oração, que precede à comunicação do Espírito Santo. “Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai dará o Espírito Santo aos que lho pedirem” (Lc 11,13). “Durante a última ceia, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem aí o cumprimento da promessa de seu Pai, que ouvistes, disse ele, da minha boca, porque João batizou na água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias” (At 1,4-5).

O Espírito Santo é concedido ao crente na medida em que o pedir. Deus cumpre a promessa do batismo do Espírito Santo e o buscar com perseverança e o ardor. Não basta de qualquer tipo de oração. Ela precisa ser fervorosa. “Pedis e vos será dado. Buscai e achareis. Batei e abrir-se-vos-á, porque todo aquele que pede, recebe. Quem busca, acha. A quem bate, abrir-se-á” (Mt 7,7).

A obediência também é passiva. Após a busca ardorosa é preciso esperar a doação dos dons. Essa passividade compreende a submissão ao Espírito Santo e a permanência na comunhão pentecostal. Expressa-se no esvaziamento e na total submissão ao controle do Espírito Santo. Significa a permanência em Jerusalém até que venha a plenitude do Espírito. Nesse encontro, os candidatos são cercados por atmosfera especial que inclui orações, exortações, glossolalia etc., para se criar clima favorável ao êxtase.

Quanto à fé, os pentecostais acreditam na fé que apreende Cristo na salvação, distinta da outra fé que apreende a ação do Espírito Santo. Assim, o Espírito Santo, em sua plenitude, não é dado a quem só tiver fé em Cristo. É necessário duplicar a vinda específica do Espírito Santo.

Quando se pergunta a respeito do caráter imerecido da fé, há certa ambigüidade. Eles dizem que o Espírito Santo é dado livremente. Mas também afirmam que é concedido aos que o procuram e pagam o preço. Esse preço é a experiência. Encontramos aí a presença de certo fator polêmico contra a sola fides. A fé é necessária, porém com a experiência pentecostal.

Características do Movimento carismático

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É difícil caracterizar o poliformo movimento carismático, porque há diversos movimentos carismáticos entre os protestantes, e o movimento carismático católico também não é monolítico.

Para o Pentecostalismo, o fato de o movimento carismático ter permanecido dentro das igrejas históricas é sinal de um desvio, pois se tivesse sido fiel em sua mensagem, teria sido expulso dessas igrejas. E para o movimento carismático, o pentecostalismo surgiu de uma controvérsia, por isso constitui-se fora das igrejas históricas, com impulsos sectários. A posição teológica da renovação carismática pode se estabelecer assim:

“O Deus que invadiu o mundo na pessoa de Jesus Cristo, há quase dois mil anos, voltará de modo semelhante, no futuro. Continua a influenciar o seu povo. Os efeitos de sua real presença devem ser esperados e experimentados em nossas vidas” (Michel Harper).

A semelhança entre o pentecostalismo e o movimento carismático está precisamente nesse efeito e nessa experiência do Espírito Santo. Assim, quem crê no Espírito Santo, precisa experimentar ou passar pela experiência e pelos efeitos do Espírito Santo. Por isso, como o pentecostalismo, o carismático fala em ‘batismo do Espírito Santo’. Mas há diferenças, conseqüentes, talvez, da permanência do movimento carismático nas igrejas históricas. Vamos examinar quatro dessas diferenças.

1. O batismo do Espírito Santo é o mesmo sacramento da iniciação cristã, com água e em nome da Trindade. Essa iniciação é completa no batismo. Não há dois estágios, um de regeneração e outro de recepção do Espírito Santo.

De maneira semelhante, James D. G. Dunn afirma que o batismo e o dom do Espírito Santo eram parte do evento que levava alguém a se tornar cristão, mais o batismo com água em nome de Jesus. Esta é a posição das igrejas históricas.

2. Os carismáticos aceitam a experiência do “batismo do Espírito santo” mas nem sempre empregam essa mesma nomenclatura. Concordam na unidade do batismo e na recepção do Espírito Santo. Assim, o batismo pascal e o pentecostal são a mesma coisa. Entretanto, encorajam a busca da experiência carismática.

3. A maioria do movimento carismático simpatiza com a posição pentecostal e aceita a terminologia do “batismo do Espírito Santo”. Há, entretanto, pequena diferença. Ao invés da experiência dos dois estágios, eles aparecem aqui ao mesmo tempo. Vê o “batismo do Espírito Santo” como parte da iniciação cristã não separada dela. Esta posição rejeita o falar em línguas como condição necessária da evidência do Espírito Santo, embora a aceite. A maioria dos carismáticos católicos romanos estaria nesta posição.

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4. Por fim, há carismáticos que aceitam a posição pentecostal.

Convergências e divergências

Carismáticos e pentecostais convergem na ênfase dada ao efeito e à experiência do Espírito Santo na vida do indivíduo e da igreja, mas divergem na forma. O movimento carismático é menos dogmático e mais flexível que o movimento pentecostal.

Para os pentecostais a experiência pentecostal é a redescoberta do cristianismo. Por isso, o pentecostalismo representa a nova Reforma da igreja, superior a todas as reformas e renovações até agora existentes na história da igreja.

A V Conferência Mundial do Pentecostalismo afirmava: “Dizem que o pentecostalismo é a terceira força do cristianismo. Mas, de fato, é a primeira. Quem poderia negar que o primeiro período da era cristã foi inteiramente pentecostal? A igreja, porém, não permaneceu nessa pureza original. Por isso, houve a Reforma, que, por sua vez, não teve a plenitude e caiu no formalismo e no ritualismo morto. Deixou aberta a necessidade de reavivamento. Por isso, surgiu o movimento wesleyano. Mas esse exigia novo e maior dinamismo. Assim, surgiu o movimento pentecostal que amadureceu e trouxe frutos, causando também infelizes divisões. Muitos movimentos de renovação, na sua infância, pensavam que estavam restaurando alguma coisa. Mas, depois de exame mais cuidadoso, perceberam que não se tratava de restauração, pois o que pensavam restaurar estava presente na vida da igreja, só que oculto ou inerte”.

Na verdade, práticas como o ministério da cura por meio da oração, da imposição das mãos e da unção com o óleo santo, “restauradas” pelo movimento carismático, têm sido, na verdade, continuamente realizadas nas igrejas históricas, embora tenham sido esquecidas em outras tradições. Os carismáticos divergem dos pentecostais na questão do separatismo. Os pentecostais querem sobrepujá-lo. Aqui vale a pena pensar o concreto: Se alguém for pedir uma bênção a algum ministro das Igrejas históricas, sem qualquer onda de carismatismo, verá que estará a constranger esse ministro, que tem muitos conhecimentos, muitos raciocínios, mas está indeciso na religiosidade do sentimento. Religião cristã para a maioria não é para buscar satisfações, mas para tentar ser fiel a leis, verdades e princípios. Já a Imitação de Cristo dizia, enfaticamente: “Não busqueis as consolações de Deus, mas o Deus das consolações”. É a isto que se opõe na prática tanto o Pentecostalismo como o carismatismo.

Outra nota diferenciadora do movimento carismático é a ausência de perfeccionismo ou sua limitação. Não obstante, esse movimento teria herdado as tendências pentecostais de perfeccionismo e de separatismo. Mas há muita divergência de

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interpretação dentro do próprio movimento carismático, que apresenta mais capacidade para absorver as tensões dentro das igrejas históricas do que os pentecostais. Por outro lado, é preciso reconhecer que as igrejas históricas não têm sido compreensivas e tolerantes para com as manifestações pentecostais, e forçaram os grupos dessa tendência a se formarem em novas denominações.

Movimento carismático e misticismo

O misticismo encontra-se em diversas religiões. É o voltar do homem para o transcendental, para o vertical. Acontece no mundo tecnológico e secularizado, de que os Estados Unidos, sem dúvida, é um ícone. O fervor religioso aparece justamente no mundo onde a secularização, a burocratização e as instituições científicas se estabeleceram com segurança. Os herdeiros da Reforma demonstram considerável animosidade contra o misticismo. A hostilidade protestante consiste no fato de o misticismo representar a tentativa humana de chegar a Deus por meio de praticas religiosas em contraste, naturalmente, com a sola gratia. A questão oscila entre a pretensão humana de alcançar o divino, de um lado, e a receptividade humilde da graça, do outro.

Mas, no próprio misticismo há certos aspectos que poderiam corresponder à sola fides e à sola gratia. Por exemplo, o amor não é possessivo, como afirmam alguns místicos. A experiência mística ocorreria exatamente no momento do supremo abandono e passividade. Assim, Deus se apossaria da vida mais do que a vida se apossaria de Deus. Então, o misticismo teria de oscilar, por assim dizer, entre a experiência se ser apossado por Deus e a de querer se apossar dele.

O pentecostal e o carismático querem se apossar e ser apossado pro Deus. E isto não confere com as idéias da apenas necessidade da fé para ter a graça salvífica do protestantismo histórico, nem o ex-opere operato da Igreja Católica que ainda está no subjacente e se equivale à posição protestante. Para as igrejas históricas, o místico, o carismático, o pentecostal não passa de um ingênuo, de um fraco e de um visionário destrambelhado.

Em outras palavras, há uma dimensão que equivale a não se sentir em casa no cotidiano. A experiência mística traz a surpreendente sensação de não se sentir em casa naquilo que era antes considerado familiar, abrangente, total, real. Assim, no misticismo há senso de contradição entre os valores e aspirações da personalidade, de um lado, e os produtos institucionais, do outro um vôo para a imaginação. Essa experiência extática, mesmo interiorizada, pode ser um perigo para a ordem vigente. Daí ser importante para o futuro a existência de místicos e visionários (Ruben Alves). O místico e o visionário se enquadra no pesar de Sêneca, quando diz que “Pobre não é o que tem poucas coisas, mas o que

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tem muitos desejos”. As coisas não importam ao místico e os desejos são dois apenas possuir e ser possuído por Deus!

Ecumenismo, adoração e corpo

É inegável a influência pentecostal nos grupos carismáticos. Os grupos pentecostais, em geral, são avessos ao ecumenismo. A maioria deles veio de redutos evangélicos conservadores, para eles a base da fé cristã e da ação de Deus é a conversão e a salvação do indivíduo como eventos, muitas vezes, isolados e momentâneos; a Bíblia, como a norma infalível e única fonte de fé, e sua interpretação acentuadamente legalista; posicionamento anti-católico.

A Conferência dos Carismáticos em 1977, em Kansas, Estados Unidos, teve a participação de 49% de católicos romanos, ao lado de outras denominações protestantes (episcopais, metodistas, luteranos, batistas) e de judeus messiânicos. Os carismáticos anglicanos interessam-se pelo diálogo com os católicos romanos em nível internacional. Entretanto, é legitimo indagarmos se a visão carismática da unidade da igreja não se limita demasiadamente à experiência do Espírito Santo, individual, enquanto, por exemplo, para as igrejas históricas a unidade da igreja está em função da unidade final de toda a criação, desejada por Deus, e os pentecostais e carismáticos favorecem o individualismo, com demasiada ênfase à salvação pessoal. E as Igrejas históricas, com a Católica, sempre mais encaminham â salvação em comunidade, resultância da própria reza do Pai Nosso.

Os cultos de adoração e o entendimento da adoração é outro ponto discutível. Adoração é a submissão de toda a nossa natureza a Deus, é vivificação da consciência pela sua santidade; o sustento da mente com a verdade de Deus; a purificação da imaginação pela sua beleza; a abertura do coração pelo seu amor; a submissão da vontade ao seu propósito – tudo reunido em adoração que é a emoção mais desprendida de que é capaz a natureza humana. Adoração a Deus que se realiza pelo corpo, por isto as pentecostais e carismáticas envolvem-se corporalmente nas manifestações de adoração, o que para as históricas é rejeitado pela maioria, tolerado por poucos e ridicularizados por muitos, ou visto como mera teatralização.

E aqui podemos abrir um parêntese e dizer que as diferenças práticas estão na aceitação da fé-sentimento contra a fé-razão. Mas o sentimento também é bíblico: “Exortovos, irmãos, pela misericórdia de Deus, que apresentei vossos corpos como uma hóstia via, santa e agradável a Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12, 1-2).

É preciso examinar a concepção bíblica do corpo como a possibilidade do relacionamento, da comunidade e da igreja. Afirmar e viver que a igreja é o corpo de Cristo são coisas diferentes. Já se

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dançou no culto, coisa proibida na Idade Média. Os carismáticos, por sua vez, restauraram a prática da dança no culto, entendendo que a adoração a Deus se faz por meio do corpo. A dança expressa a libertação. Por isto os cantos ritmados e dançados, com evoluções de cunho místico-corpóreo (Até aqui idéias tiradas de “Perguntas ao movimento carismático”. De Sumio Takatsu, em Religiosidade popular e misticismo no Brasil. S. Paulo, Paulinas, 1984, p.63-74).

Entre os enfoques dos cultos pentecostais, temos os dias de cultos para pedir prosperidade, oração pela família, oração de libertação, oração de curas, bênção completa, celebrações do descarrego, celebração do Espírito Santo... sempre tentando crescer ao campo prático. O descarrego, por exemplo, se baseia em dois princípios fundamentais para essas práticas. Não basta acreditar em Deus, é preciso também se libertar do demônio, o antagonista de Deus que, por sua igreja, será vencedor. “As portas do inferno não prevalecerão conta ela”, tornar-se-á realidade se nos desfizermos do maligno. É ele que provoca, segundo um portal de libertação de uma igreja pentecostal moderna, ou nos induz à magoa, angústia, traição, separação, doenças, carro velho, maldição, amante, serasa, solidão, desemprego, tristeza, comodismo, brigas, dívidas, aluguel, falências, vícios, SPC...

O libertar-se do demônio e o salvar-se como empreendimento individual transparece até nas ajudas de pentecostais à busca de carteira de identidade, CIC, carteira de trabalho, Título de Eleitor, agendamentos médicos...

Religiosidade voltada ao individual, avessa ao caminho da constituição de comunidades cristãs comprometidas.

Muitas igrejas aconselham os fiéis de não contarem os próprios problemas e dúvidas a ninguém, porque podem não entender, ou o espírito do mal que está nelas pode prejudicar mais ainda. É uma maneira de manter a dependência dos fiéis.

No final de uma história, de uma teoria, e uma busca de manifestações práticas, cabe observar:

1º O surgimento das pentecostais foi uma questão de diálogo, de entendimento e de presunção da verdade unilateral, quase uma reserva de mercado, que a Igreja Católica durante muito tempo, voltada para si, proclamava: “Fora de Igreja não há salvação”.

2º O rigorismo legalista coloca a lei como mediador para Deus, muito mais ameaçador, enquanto Cristo nos diz – “EU vim não abolir, mas completar a lei e os profetas”.

3º A preocupação das Igrejas Históricas são os conhecimentos religiosos e teológicos, pressupostos para a práxis, enquanto Cristo

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não pediu aos seus apóstolos diploma da Universidade de Jerusalém, mas lançou o convite: “Quem quiser vir após mim, tome a sua cruz e me siga”.

4º As pentecostais ameaçam com o demônio, origem dos infortúnios e das maldades, e as históricas ameaçam com o pecado.

5º Falta um pouco a todas apostar na graça, no Deus amor, na vida em abundância para todos e no sonho de Cristo de que todos sejamos uma família unida.

6º Enfim, as igrejas históricas hão de convir em deixar liberdade aos seus fiéis de se deixarem possuir por Deus e de cultivarem a consciência do direito de serem possuídos por Deus. In médio stat virtus. No equilíbrio está a coerência.

Se eu dissesse que entendi o fenômeno do Divino, nos Açores, seria mentiroso. Mas me sinto plenamente livre em dizer que percebi muito mais Deus no povo, que nas instituições. E os fiéis açorianos não se preocuparam em sair das instituições, mas em viver o seu e nosso Deus, dom de Cristo, o Espírito da Verdade que ele nos manda da parte do Pai.

Não fossilizemos a devoção do Divino, com elucubrações e estudos, olhares críticos, análises arbitrárias, interesses turísticos, mas olhemos os Açores nas Festas do Divino como, a cada ano, a renovação do Paraíso Terrestre.

Abdiquemos dos critérios do direito de indicar às pessoas o como encontrar a Deus e de indicar a Deus o como encontrar as pessoas! É mais barato Deus nos agraciar com o seu Espírito do que o ato de nos criar!

O Sagrado e o Profano na Festa do Divino Pe.Luciano da Costa Massulo

Falar do Sagrado e profano na Festa do Divino Espírito Santo, nos parece um tanto quanto perigoso, principalmente para um padre, que, sob o peso do título, pode nos parecer um defensor do Sagrado e por isso combatente ao profano.

Me parece no entanto, que no que se refere a festa do Divino Espírito Santo, aquilo que consideramos sagrado se confunde em muito com aquilo que dizemos profano.

Afinal, o que consideramos profano? folias, coroamentos, foguetórios, ereção de mastros, peditórios? Em que de fato poderíamos considerar profano estas manifestações culturais, carregadas de religiosidade? Não seriam antes o Sagrado revestido

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ou disfarçado de humano que encontra nas bases da cultura de um povo uma forma de se comunicar com este povo? Se considerarmos a letra das cantigas das folias do Divino, a espiritualidade simbólica que se funde na pessoa do Imperador do Divino, como podemos dizer que tais manifestações não são manifestações da sacralidade dos devotos do Divino Espírito Santo?

É preciso antes de tudo definirmos bem os termos para melhor compreendermos a relação do sagrado e do Profano.

O SAGRADO e PROFANO

Do latim sacratu, relativo a Deus, a uma divindade. Que recebeu a consagração; que cumpriu as cerimónias da sagração. Venerado, adorado, considerado como se fosse divindade. Relativo à religião ou ao culto. O dicionário define profano como algo "não pertencente à religião", "não sagrado", "secular"; enquanto que sagrado é algo "concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto", "inviolável" ou "santo".É comum, ao conceito de sagrado, ligar-se o de puro e ao de profano o de impuro.

Profano, que advém do latim profanu, sendo constituído por: pro, diante mais fanu, templo, e que segundo o Dicionário Universal quer significar «não pertencente à religião; não sagrado; leigo; secular; mundano; «que é contrário ao respeito que se deve à religião. Estranho à religião. Que não pertence à classe eclesiástica;

Para Gilberto Safra, doutor em Psicologia, é professor do Instituto de Psicologia da USP e do Departamento de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC/SP.

“Entre os povos antigos, a vida religiosa não contemplava essa distinção. Sagrado e profano eram categorias inexistentes. A religião era o centro da vida e todas as demais coisas eram naturalmente relacionadas a ela. O plantio da terra, a procriação e a diversão eram expressões religiosas, na medida em que se tornavam oferendas aos deuses. Os rituais misturavam atos sexuais e danças, como no festival de Dionísio, divindade greco-romana. A dança sempre foi um acessório cultual, entre os índios, nas religiões afro, no antigo Egito e em inúmeros cultos antigos. Mircea Eliade, historiador das religiões, afirma que a dança e a música de tambores eram parte indispensável dos cultos antigos.

A presença de dança e bebida nos cultos pagãos se deve ao fato de que a diversão era uma forma adequada de cultuar, segundo os padrões daquela religião. A união entre sagrado e profano era natural num mundo em que os deuses eram espíritos evoluídos ou

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espíritos de guerreiros humanos, que portanto, apreciavam as coisas próprias do homem.

As religiões que seguem a revelação bíblica – judaísmo e cristianismo – criaram a distinção entre sagrado e profano, ao introduzir a idéia do pecado e o conceito da santidade de Deus. O profano e o sagrado não têm espaço na religião destituída da idéia do pecado. As religiões antigas e as espiritualistas de hoje não têm para essas categorias um conceito claro, exatamente porque não estabelecem a realidade do pecado e da redenção”.

O risco da mistura de sagrado e profano, no cristianismo, é o de reduz a religião a uma mera manifestação cultural e simplista, de fazer de Deus a um personagem do imaginário popular. O mesmo ocorre na racionalização da religião onde se perde a noção da sublimidade de Deus, na medida em que Deus é visto como uma idéia a ser apreendida.

Ai, entra o papel da religião que aproximará o humano do sagrado, ou tornará sacro os feitos humanos, dando-lhes um estrutura ritual.

Se considerarmos que a religião é uma das principais formas de exteriorização das representações e imagens interiores e dela depende a sobrevivência humana, uma vez que, por ela, se constrói todo um conjunto de conhecimentos que se assumem como essenciais para a construção da realidade, a Religião Popular, deve ser vista como reflexo da consciência e vontade coletivas de um povo que a pratica.

Religião:

Definimos religião como o encontro do homem com uma realidade sagrada da qual ele se considera inevitavelmente dependente, traduzido em determinadas atitudes práticas. Nasce, pois, duma experiência do sagrado e tem a sua expressão visível no culto.

Podemos fazer referencia ao vocábulo latino legere ou ligare. Popular:

O vocábulo "popular" vem, igualmente, do latim populare e é adjetivo «relativo ao povo; pertencente ao povo; usado pelo povo, feito para o povo; próprio do povo; estimado pelo povo; democrático(...)» Que é usado ou comum entre o povo. Que é do agrado do povo (...)».

Por conseguinte, e em termos generalizantes, poderíamos afirmar que a Religião Popular será aquela que é "própria do povo" e

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lhe pertence, será a religião "que é do agrado do povo" e que este estima.

Moisés Espírito Santo, na sua Religião Popular Portuguesa, define a religião popular em função da religião «oficial» afirmando que «é o sistema religioso que goza de uma certa autonomia em relação à instituição eclesiástica, ainda que ambos tenham traços comuns e estejam por vezes ligados.» O autor defende mesmo que «a religião popular não está exclusivamente associada a uma classe social, económica e culturalmente pobre; ela liga-se, sim, a um tipo de cultura que se transmite nas relações de vizinhança e na memória colectiva.» Mais à frente, termina a sua definição de Religião Popular, referindo que esta «é espontânea, de criação colectiva e pertence ao fundo cultural da comunidade ou de uma classe popular homogénea» contrapondo-a à «religião católica e dominante (que) obedece a esquemas intelectuais e dogmáticos.

No entanto, se considerarmos as manifestações religiosas em nosso pais, mesmo em nosso estado e porque não nas festas do Divino Espírito Santo; parece-nos, que as interligações não são assim tão estanques e rígidas como inicialmente se poderiam parecer. Ou seja, pode encontrar-se no nosso País, manifestações religiosas que, se nos ativéssemos às delimitações e definições conceituais, eram, sem qualquer dúvida, colocadas no lado profano e popular do fenômeno religioso, mas, o que acontece, a grande maioria das vezes, é uma assimilação e, por vezes até, integração, completa e/ou parcial, da Religião Oficial das manifestações da Religião Popular.

Para Alzira Simões antropóloga e Socióloga:

É na funcionalidade, na forma livre, no coletivismo ou individualismo, nos comportamentos, condutas e atitudes, organizadas ou não, que podemos, eventualmente, buscar alguma diferenciação entre Religião Oficial e Religião Popular.

Uma, a primeira, é mais racional e racionalizada, logo mais organizada, mais metódica. A outra, a popular, é menos racional porque mais emotiva e espontânea, logo menos organizada , mais natural e autêntica, na medida em que as manifestações são não racionalizadas mas sim impulsivas e emotivas.

Porém, não se pode afirmar que exista entre elas um antagonismo, antes devemos considerar que ambas se relacionam e complementam, no respeitante, sobretudo, aos seus fiéis e praticantes, apesar de as relações nem sempre serem harmoniosas, como se desejava e pretendia que fossem.

A relação entre religiosidade popular e catolicismo oficial, foi sempre conflitante e muitas vezes fonte de intolerância de por parte da instituição. O Concílio Vaticano II, com a publicação da

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Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium em 1963 tentou harmonizar liturgia (manifestação oficial do culto da Igreja) com Piedade Popular:

“Gozam ainda de especial dignidade as práticas religiosas das Igrejas particulares, que se celebram por ordem dos Bispos ...

Assim, pois, considerando os tempos litúrgicos, estes exercícios devem ser organizados de tal maneira que condigam com a sagrada liturgia, ...”

Em 2001 a Congregação para o Culto Divino, órgão da Igreja Católica responsável pelo culto e liturgia da Igreja publicou o Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia, onde tenta adequar as manifestações da Piedade Popular as práticas Litúrgicas da Igreja.

E define Religiosidade Popular como “algo que diz respeito a uma experiência universal: No coração de cada pessoa, como na cultura de cada povo e nas suas manifestações coletivas, está sempre presente uma dimensão religiosa. De fato, cada povo tende a expressar a sua visão totalizadora da transcendência e a sua concepção da natureza, da sociedade e da história através de mediações cultuais, numa síntese característica de grande significado humano espiritual.

A religiosidade popular não se refere necessariamente à revelação cristã. Contudo, em muitas regiões, expressando-se em uma sociedade impregnada de elementos cristão, ela dá lugar a uma espécie de catolicismo popular, no qual coexistem, de modo mais ou menos harmonioso, elementos provenientes do sentido religioso da vida, da cultura própria de um povo, da revelação cristã.”

?????político na Alta Idade Média.

João Lupi

Vamos abordar a questão da relação entre o sagrado e o profano nas Festas do O SAGRADO E O PROFANO NAS FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO

Divino sob dois aspectos: um mais geral, de certo modo mais teórico, e outro mais específico, referente às relações de poder, ou políticas.

1. Num ante-projeto de pesquisa sobre as Festas do Divino na Ilha de Santa Catarina apresentado ao Museu da UFSC (mas não realizado) escrevi em 1991:

A festa não sagrada não será inteiramente profana se a concepção global sagrada influir no comportamento das pessoas

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durante a parte profana; a separação entre sagrado e profano não pode, ao menos muitas vezes, ser nítida, e as fases de “penumbra” têm de ser vistas como tais.

Dito de outro modo: a separação entre sagrado e profano não é tão radical que não se junte, na maior parte dos eventos, e sobretudo das festas, algo de sagrado ao profano: uma festa dessacralizada, onde os elementos profanos (barracas de comida, luxo de trajes, brincadeiras) parecem dominar a atenção dos participantes, não será completamente profana se apesar de tudo na mente desses participantes e no seu comportamento ainda houver influência da concepção religiosa inicial. Para entender este problema precisamos primeiro definir e expor um pouco mais a diferença entre sagrado e profano.

Numa abordagem do tipo “ponto de partida para um debate” podemos dizer que sagrado é tudo aquilo em que – espaço, tempo, pessoa, coisa – se manifesta o divino; profano é o que é normal e comum, corriqueiro, apenas humano. Uma entidade pode ser considerada sagrada pela sua própria natureza, porque sai do comum, é diferente, altera a normalidade, como a montanha que se eleva, o raio que incendeia e mata, o doente mental que tem um comportamento estranho, a pedra que brilha, o animal que assusta, o vento que assobia. Todos podem ser portadores de uma mensagem do mundo invisível, do sobrenatural, do divino. Eles são objeto de respeito e de veneração, são sagrados. Mas uma pessoa, ou gesto, ou coisa, pode tornar-se sagrado porque se invocam os poderes do outro mundo para o fazerem sagrado: o ritual consagra o templo, o homem comum torna-se sacerdote, o ícone faz de um nicho da casa uma capela, o pão bento transfere bênçãos, a festa torna presente o homenageado espiritual.

Na religião romana havia deuses para todos os instantes da vida, como comenta Santo Agostinho, na natureza da floresta há espíritos por toda a parte, nas comunidades tradicionais tudo o que se faz pertence a Deus ou aos deuses e antepassados, e por vezes a vida dessas populações é descrita como se o sagrado estivesse sempre presente. Mas nenhuma comunidade vive total e permanentemente no âmbito do sagrado: uma parte menor ou maior da vida diária será profana

Uma festa religiosa, como a do Divino Espírito Santo, é um todo, um complexo em si mesmo, e, no seu conjunto, é sagrado. Porém cada pessoa, gesto, coisa ou palavra durante a festa tem uma origem profana (a coroa e o cetro enquanto estão na loja para serem vendidos e comprados não são sagrados) por isso é preciso que o sagrado se mantenha pelo significado adquirido, caso contrário o profano retomará o seu lugar. O sagrado e o profano mantêm-se em tensão, um podendo perder terreno para o outro, tanto na vida individual como coletiva. Quando a consciência e a percepção do

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sagrado dominam a personalidade individual ou coletiva a festa consagra todos os elementos que dela fazem parte: o homem comum que foi aceito na Irmandade do Divino sabe que ele não é mais comum, pertence a um pequeno grupo separado e escolhido (klerós) diferente dos demais, com outras responsabilidades, e sabe que “os de fora” esperam dele que viva segundo essa consciência; quando alguém é aceito como imperador ou mordomo sabe que é de fato uma pessoa temporariamente consagrada, portadora de uma missão e função divinas (o povo é teóforo); quando o pão é abençoado e distribuído segundo o costume e o ritual e deixa de ser só alimento para ser sinal de caridade e amor; a coroa e o cetro não podem ser utilizados numa representação comum, num teatro ou como emblema de realeza civil, porque são símbolos do imperador celeste que consagra a realeza terrestre.

Mas o profano sempre tende a invadir a área do sagrado introduzindo novidades ou alterando elementos da celebração. As proibições constantes dos Bispos dos Açores incidindo sobre aspectos particulares das festas – como a presença dos foliões – podem ser vistas como atuação autoritária, mas certamente representam a preocupação com os traços dessacralizantes que sempre se mesclam à festa “profanando” o espírito.

Há portanto muitos pontos de vista sobre a tensão e a presença do sagrado e do profano na Festa, mas dois se destacam: o subjetivo, da pessoa que entra na Festa, e o objetivo, da celebração em si mesma. O subjetivo está, positivamente, na fé, na consciência da presença do sagrado, na participação ativa e comprometida, na percepção da sacralização de cada um dos elementos da Festa; e negativamente no olhar de fora, no alheamento, no participar apenas nas feiras profanas, na observação como turista, fotógrafo, cientista descomprometido. O caráter objetivo, da Festa como celebração, pode ser considerado intocável – a Festa em si mesma é um momento sagrado, independentemente de quantos turistas a observem e de quantos comerciantes a rodeiem. Mas a profanação subjetiva corrói o caráter sagrado em si mesmo. À medida que os turistas forem predominando, que os participantes só forem às tendas comerciais, que este lado profano se desligar do religioso, a Festa vai perdendo força no espírito que a mantém como uma celebração sagrada.

Não é preciso ser apóstolo nem crente para defender que a dessacralização deve ser continuamente contida: é que a perda do sagrado e a profanação crescente, quando ocorrem, conduzirão à perda do significado da Festa e, portanto, acabarão com a Festa em si mesma (a Festa da Trindade de Florianópolis passou a ser festa da laranja e depois da cocada). Na tensão permanente entre sagrado e profano, tensão antiga nas Festas do Divino, muitas forças atuaram para manter a presença do sagrado não apenas subjetivamente mas também objetivamente, na Festa em si mesma como um conjunto,

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um ritual completo de manifestação da presença divina. Dessas muitas forças sacralizantes podemos destacar: a autenticidade e vigor das Irmandades, a revitalização constante da doutrina através dos símbolos e da palavra, a coesão da comunidade e de suas lideranças.

2. No plano histórico a relação entre sagrado e profano nas Festas do Divino foi uma relação de oposição de poderes. Na época em que surgiram as Festas do Divino na Europa Central e Ocidental (houve-as de diversos tipos em vários lugares) eram três os poderes imperiais em confronto: o império universal cristão, ideal de um rei ou imperador que “reduzisse” a humanidade sob a lei de Cristo, e que era encarnado pelo Imperador do Sacro Império Romano Germânico; o império espiritual do Divino Espírito Santo, que se identifica com o Reino de Cristo que não é deste mundo, e que realiza a Cidade de Deus, a daqueles que amam a Deus e ao próximo mais do que a si mesmos; e o império integral do Papa, o da plena potestade (plenitudo potestatis), segundo a qual o Papa estendia seu poder não só sobre a Igreja mas também sobre o poder civil dos reis e imperadores. Há assim um poder sagrado, o do Divino, um poder profano, o do imperador, e um poder sagrado e profano, o do Papa. Vamos abordar a traços largos – que precisariam de alguns reparos em seus detalhes – a relação entre estes poderes em quatro aspectos ou questões.

O imperador romano cristão de Constantinopla considerava-se o Vigário de Cristo na terra, acima do papa: era ele que convocava os concílios, que nomeava o Patriarca de todo o Oriente, e reduzia os papas à sua obediência até sob ameaça de prisão (pelo menos dois papas foram presos e julgados em Constantinopla).O imperador do Sacro Império Romano Germânico considerava-se herdeiro desse poder, sobretudo desde que no século X, Otão II casou com uma princesa bizantina. O papa eleito só podia assumir o cargo após concordância com o imperador; inversamente o imperador eleito precisava da anuência do papa. Papa e imperador disputavam o poder máximo na Europa Ocidental mas disputavam também o poder territorial sobre parte considerável da Itália. Com algumas variantes e oscilações esta era a situação nos séculos XII e XIII.

Nesta época o crescimento econômico da Europa fizera crescer a classe comercial – a burguesia; e o dinheiro de impostos nas mãos dos reis deu a estes a possibilidade de contratar exércitos e dominar a nobreza feudal e a resistência do clero. A concentração de poder nas mãos dos rei foi possível pela aliança deles com a burguesia e o povo contra o feudalismo aliado dos eclesiásticos – cabe lembrar que muitos membros do clero, particularmente abades e bispos, eram senhores feudais.

Os discípulos de São Francisco de Assis tornaram-se tão numerosos ainda em vida do fundador da Ordem que era preciso

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organizá-los e dar-lhes uma Regra, mas Francisco só queria viver do espírito e da lei do amor, e de boa vontade passava as questões administrativas e institucionais para outros discípulos. Estes, depois da sua morte, dividiram-se em duas tendências: os espirituais, que defendiam as intenções que eles consideravam as autênticas de Francisco: pobreza absoluta, lei do amor não escrita, sem dinheiro nem casa; e os que se estabeleceram e institucionalizaram, que queriam segurança financeira, e vida em mosteiros. Os espirituais adotaram a doutrina de Joaquim de Fiore, transformada em revolução de vida religiosa por seguidores mais ousados como Pedro João Olivi, Arnaldo de Vilanova e muitos outros; a pregação contra o dinheiro e pela abolição de normas e instituições abalava o poder eclesiástico até Roma, e fez dos frades os anunciadores e intérpretes da Nova Era do Espírito. O Papa condenou a pobreza absoluta e perseguiu e entregou à fogueira os franciscanos espirituais, e muitos destes pediram refúgio e segurança junto do Imperador, também junto a alguns reis, como o de Aragão e o de Portugal. Estes monarcas, ao protegerem e defenderem os franciscanos, assumiram a doutrina do Império do Divino.

A grande crise política do confronto entre Papa e Imperador (este representando de modo geral os reis e outros monarcas) esteve na virada do século XIII para o XIV (mais ou menos entre 1290 e 1310). Lembrando alguns fatos: o rei de Portugal Dom Dinis tinha sido excomungado por se ter imposto aos bispos, o papa Bonifácio VIII na Bula Unam Sanctam chamava a si todo o poder sobre os reis, e Felipe o Belo rei da França mandou prender o papa. Surgiram neste meio tempo alguns dos principais tratados sobre o poder, em Paris João Quidort ensinava que o poder papal tinha limites, e na Itália Dante escrevia a Monarquia em defesa do poder do imperador, enquanto Egídio Romano, e em Portugal o bispo Álvaro Paes, publicam escritos em defesa do poder do papa.

Em resumo, de um lado estavam: o imperador e os reis, o povo e os espirituais; e do outro ficavam o papa e os eclesiásticos, a centralização romana e a nobreza feudal. Foi neste contexto que nasceram as Festas do Divino Espírito Santo. Ficam pois algumas perguntas de difícil resposta: 1. De que lado estava o profano? Do lado do poder civil que apoiava as Festas do Divino e possivelmente as criou? 2. De que lado estava o sagrado: do lado dos eclesiásticos com as leis, a prepotência e o luxo? 3. De que lado estava a Nova Era do Espírito: com os profetas ou com os conservadores? E 4: a coroa e o cetro simbolizam o império temporal ou o espiritual? Ou os dois...

Bloco 3Simbologia e Lúdica na Festa do Divino Espírito santo

A FUNÇÃO DIDÁTICA DOS SíMBOLOS

Célia Silva Jachemet

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FUNÇÃO DIDÁTICA DOS SÍMBOLOS

Os símbolos se constituem em representações do pensamento humano, desde as sociedades analfabetas, para a compreensão de mundo.

Caracteres e hieróglifos rupestres representavam o conhecimento, questionamentos acerca do universo.

Símbolos baseados em elementos da natureza: lua, sol, estrelas, árvores, montanhas, pedras, mananciais hídricos e animais ganharam espaço no imaginário dos povos e o tempo era dividido em tempo de produção e tempo de consumo e descanso.

A simbologia foi levada para o campo da religião; pois era necessário explicar o sobrenatural. A adoração da natureza foi comum entre alguns povos. O sol: o pai; a terra: a mãe.

A visão da natureza e de seus benefícios são palpáveis. E o palpável, o visível é necessário para reforçar a fé. Como São Tomé. Queria ver para crer. Também as festas da colheita representavam a sobrevivência. Pela natureza vinha a devoção a um ser superior.

A consciência de alimentar o espírito surge mais tarde com o conhecimento da Bíblia Sagrada e a idéia de Deus Supremo, reforçada com o Cristianismo.

A própria Bíblia, no AT apresenta passagem de culto a elementos da natureza, como a própria festa da Páscoa dos judeus, simbolizada por um cordeiro.

Na Festa de Pentecostes a simbologia do Espírito Santo é representada nas ramadas e, mais tarde, nos impérios.

O espírito Santo não pode ser representado em esculturas humanas, mas o é por alegorias. Os símbolos do Divino não obedecem a uma ordem pré-estabelecida de hierarquia. Em alguns casos, os devotos veneram mais os símbolos do Divino que as imagens dos santos, pois Ele, o Espírito Santo é o próprio Deus, ápice da hierarquia espiritual.

O devoto é o guardião da tradição, aquele que sustenta os costumes que são revividos na festa.

E a tradição sempre fala de símbolos, de representações. Daí a função didática dos símbolos.

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Os símbolos se constituem em representações do pensamento humano, desde as sociedades analfabetas, para a compreensão de mundo.

Caracteres e hieróglifos rupestres representavam o conhecimento, questionamentos acerca do universo.

Símbolos baseados em elementos da natureza: lua, sol, estrelas, árvores, montanhas, pedras, mananciais hídricos e animais ganharam espaço no imaginário dos povos e o tempo era dividido em tempo de produção e tempo de consumo e descanso.

A simbologia foi levada para o campo da religião; pois era necessário explicar o sobrenatural. A adoração da natureza foi comum entre alguns povos. O sol: o pai; a terra: a mãe.

A visão da natureza e de seus benefícios são palpáveis. E o palpável, o visível é necessário para reforçar a fé. Como São Tomé. Queria ver para crer. Também as festas da colheita representavam a sobrevivência. Pela natureza vinha a devoção a um ser superior.

A consciência de alimentar o espírito surge mais tarde com o conhecimento da Bíblia Sagrada e a idéia de Deus Supremo, reforçada com o Cristianismo.

A própria Bíblia, no AT apresenta passagem de culto a elementos da natureza, como a própria festa da Páscoa dos judeus, simbolizada por um cordeiro.

Na Festa de Pentecostes a simbologia do Espírito Santo é representada nas ramadas e, mais tarde, nos impérios.

O espírito Santo não pode ser representado em esculturas humanas, mas o é por alegorias. Os símbolos do Divino não obedecem a uma ordem pré-estabelecida de hierarquia. Em alguns casos, os devotos veneram mais os símbolos do Divino que as imagens dos santos, pois Ele, o Espírito Santo é o próprio Deus, ápice da hierarquia espiritual.

O devoto é o guardião da tradição, aquele que sustenta os costumes que são revividos na festa.

E a tradição sempre fala de símbolos, de representações. Daí a função didática dos símbolos.

SIMBOLOGIA DO DIVINO

SÍMBOLO – Representação do pensamento, desde as sociedades analfabetas que usavam símbolos para compreensão e para explicação do seu próprio universo.

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O Espírito Santo não é representado por esculturas, efígies, ícones, mas por alegorias.

Alguns símbolos referentes ao Divino (Espírito Santo):

ALFERES DA BANDEIRA – Homem sorteado para carregar a bandeira do Divino.

ALVORADA FESTIVA – Manifestação musical e foguetório na primeira manhã da festa.

ARRAMADA OU RAMADA – Arraial festivo feito com galhos verdes e papéis coloridos.

ARREMATAÇÃO DAS OFERENDAS – Leilões dos objetos ou animais doados para a festa.

ARMADOR DO IMPÉRIO – O homem encarregado de enfeitar o império ou armar a ramada.

ALFENIM – Doce de água com açúcar, formando figuras antropomórficas, pombas, flores...

BANDEIRA – De pano, com as insígnias do Espírito Santo: pomba, coroa, esplendor. Em geral nas cores vermelha, branca e dourada.

A Bandeira tem também sentido coletivo. Diz-se do grupo de foliões ou de louvadores que saem pelas casas à época da festa, carregando a Bandeira.

BOI – DE-FOGO, BOI DE MAMÃO, FARRA DO BOI, BOIZINHO... – Brincadeiras sacro-profanas que acontecem durante os festejos do Divino.

CETRO – bastão de metal encimado por uma pomba, representando o poder temporal.

COROA – Símbolo imperial, representando o poder temporal e, ao mesmo tempo, poder divino.

ESTANDARTE – Pequena bandeira triangular ou retangular muito usada nos festejos de Corpus Christi, geralmente com apenas o ostensório representando o Divino Espírito Santo.

FESTEIRO – O encarregado de fazer a festa que em tempos modernos substituiria o imperador.

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FOLIA – Ritual simbólico com cantigas e brincadeiras por grupo de pessoas que saem pelas casas para anunciar a festa

IMPERADOR – Encarregado de promover a festa. Autoridade máxima da festa.

IMPÉRIO – Local das festividades do Divino.

IRMÃO – Membro de uma irmandade.

MASSA SOVADA – Pão sovado. Chamado de pão açoriano servido no bodo da festa. Massa que era usada para o pagamento de promessas ao se fazer promessas ao Divino por cura, por graças alcançadas.

MASTRO – Tronco de madeira, muito alto encimado por uma pomba, coroa ou bandeira do Divino, erguido pelo capitão do mastro, para anunciar que a festa está começando.

OPA – Pala de tecido usada pelos irmãos da Irmandade do Espírito Santo, em suas reuniões ou funções.

PAJEM – Menino vestido a rigor que coloca a coroa na cabeça do imperador da festa.

POMBA – Principal símbolo do Espírito Santo para os cristão

FESTA DENTRO DA FESTA

Gelcy José Coelho

Os fiéis, ainda abalados pelo rigor da quarentena, recuperam-se e agora pressentem, que paira no ar, uma nova luz.

A sensação de alegria invade as pessoas.

Está chegando o tempo de Pentecostes!

Hora de preparar a bandeira, a salva, a rabeca, o tambor e a viola.

Uma pessoa leva a bandeira, outra precisa levar a salva, onde são colocadas as esmolas, as doações, que serão leiloadas e transformadas em recursos financeiros para a realização da grande festa em louvor ao Divino Espírito Santo.

Uma bandeira vermelha e no centro de seu campo um pombo branco está representado, emanando raios de luz.

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O mastro encimado por um pombo esculpido em madeira, com as asas fechadas, em sinal de humildade. Nos seus pés amarram fitas representando promessa paga e a luz divina que Dele emana.

É a bandeira pobre que sai em peregrinação junto com os foliões.

O ponto de partida pode ser a casa do mestre folião, ou a partir da igreja ou capela da comunidade. Também costumam iniciar a peregrinação, a partir da casa de algum promesseiro ou da casa dos imperadores, que são os festeiros daquele ano.

Um fogueteiro sempre acompanha o grupo. Solta foguetes, anunciando, como um arauto, a presença do Peditório do Divino na sua jornada naquela região.

Iniciam na alvorada com pipocar de fogos, enquanto a rabeca, o tambor, a viola acompanham as vozes primeira, segunda e a voz fina, também chamada de voz tripa que eleva a mensagem ao infinito dos céus.

O som ecoa pela vizinhança.

O mestre tira versos de improviso anunciando a visitação da bandeira abençoada.

As portas das casas se abrem e os moradores beijam a bandeira, as fitas e o pombo. Fazem ofertas em dinheiro ou com alguma prenda. (doações que serão leiloadas após a novena do terço da Bandeira), As prendas variam, de acordo com as posses e vontade de cada fiel. Geralmente doam aquilo que mais produzem, laranjas, bananas, roscas, queijos, pães, bolos, animais de criação como galo, galinha, porco, cabrito, marreco, pato, peru, e um monte de coisas possíveis, além das massas sovadas transformadas em ex-votos, pagando promessa ao Divino Espírito Santo.

Amarram fitas de pagamento de promessas no mastro da bandeira.

As fitas têm a altura do promesseiro.

As fitas representam o fogo emanado do Espírito Santo.

As fitas também podem dizer sobre a quantidade de participantes daquela irmandade da paróquia, representados pelas fitas na cor vermelha.

As outras cores representam os devotos e promesseiros, mulher, moça, menina e menino.

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Também fazia parte, encerrada as jornadas do peditório, os foliões amarrarem no mastro da bandeira, uma fita representando a memória daquele grupo de cantadores, para lembrar cada ano da jornada realizada.

Costumam cortar pedacinhos das fitas vermelhas e delas fazem amuletos de proteção e até a utilizam para fazer chá, como remédio.

Quando as fitas se acumulam no mastro da bandeira, elas são incineradas. Alguns grupos mantêm apenas as fitas de cor vermelha.

A bandeira entra por toda a casa e é passada por sobre a cama de pessoas doentes.

Muitas vezes a bandeira é levada até na roça, no engenho, na horta, no galinheiro, no chiqueiro, na estrebaria. Também é levada nos ranchos de pescaria, passando a bandeira por sobre as redes, tarrafas e nas embarcações.

A cantoria vai tirando versos enfatizando as qualidades da pessoa dona da casa, que também oferece algo para comer e beber. Muitas rezas são tiradas, entabulam conversas, dão notícias, falam das tristezas e das alegrias.

Logo partem para a próxima residência e assim vão percorrendo distâncias anunciando o grande festejo que se aproxima.

Todos ficam bem avisados para se prepararem, inclusive sem faltar na aquisição de roupas novas, especialmente feitas para serem usadas durante a grande Festa do Divino Espírito Santo. Roupa de se ir ver a Deus. Deve-se apresentar da melhor maneira possível. Para Deus devemos ofertar o melhor.

A jornada do divino só encerra o seu peditório na hora da Ave Maria.

Pousam na casa de algum irmão do divino.

Muitas comunidades e paróquias se organizavam em irmandades que eram muito atuantes

Os foliões se acomodam na casa de algum devoto, ou mesmo na casa de alguém que pede para fazer a caridade, como um modo de pagar promessa e ter o privilégio em oferecer a pousada aos foliões do Divino Espírito Santo. Onde a Bandeira ganha pousada, montam um altar e realizam a novena.

No espaço da novena, as mulheres ficam de um lado, os homens do outro.

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Ajoelhado em frente ao altar, ladeado pela bandeira, o capelão reza o terço em latim e é acompanhado por todos em uma cantilena emocionante.

Vai num crescente o som das rezas e dos versos, cantados com o apoio de uma voz chamada de voz tripa, que invadindo os ares, elevando aos céus a mensagem de fé dos Devotos do Divino Espírito Santo.

Terminada a novena, os fiéis se colocam em torno do mastro da bandeira do Divino, segurando as fitas, fazem uma última prece pedindo bênçãos.

Em seguida iniciam o arremate das prendas, culminando invariavelmente com festejos e o consumo de bebidas e alimentos diversos.

A bebida, chamada consertada é levemente alcoólica, como um ponche.

Para comer oferecem o beiju, cuscuz, broas, roscas, aipim e batata doce com melado, pinhão, amendoim torrado e torresmo. Não só isto e quem pode mais oferece laudo banquete com bolos, canjica, arroz doce com canela, pão de milho com banha de porco coberto com açúcar. Pirão d’água com farinha de mandioca e peixe frito, estão sempre presentes desde os mais antigos antepassados açorianos que povoaram o litoral catarinense. Depois as frutas, melancia, goiaba, abacate, abacaxi, caqui, jabuticaba, mamão e roletes de cana de açúcar.

Uma fogueira ilumina o pátio. Entre conversas, cantorias e namoros, o folguedo corre solto. Costumam aproveitar as brasas da fogueira e assar tainha escalada aromatizando de tal maneira o ambiente que a salivação é inevitável.

É momento de apresentação de danças e brincadeiras.

As prendas arrecadadas, através das doações feitas pelos fiéis, serão leiloadas e transformadas em recursos financeiros para a realização da festa rica.

Assim, entre fé e festividade quase todas as noites em alguma região, até onde a jornada pode ir, acontece uma repetição de foguetório da alvorada, a visitação da bandeira e no fim do dia a novena, o arremate das prendas e o folguedo.

Desde a reunião para rezar o terço da bandeira, já estão em festa.

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O ciclo do peditório só se encerra semana antes da realização da solenidade principal, ou quando a jornada já tenha percorrido e visitado todos os fiéis daquela paróquia.

Festa do Divino Espírito Santo – Festa Rica –

Os recursos financeiros obtidos pelos foliões durante a jornada no seu peditório, servirão para realizar a festa rica, onde o foco principal é a presença da corte imperial, constituída pelo casal festeiro que são chamados de imperador e imperatriz. Representados teatralmente por jovens e crianças, devidamente trajados a moda do século XVIII, trajando roupas luxuosas, feitas em veludo, brocados, tafetá, seda, trabalhadas com arminho, plumas e ricamente bordadas, recobertas de pedrarias, fios dourados, prateados, todos os brilhos e artes das jóias.

Significam a opulência do povo da região expressa através da exposição de suas riquezas colocadas em oferta ao Divino. Para Deus se doa o melhor de si.

Os foliões plantam o mastro do Divino em frente a igreja. A cantoria e as rezas acompanham todo o procedimento anunciando o lugar e o tempo da festa. O mastro é uma marca. Encimado por um pombo com as asas abertas em sinal de alegria. Aos seus pés fitas vermelhas representam à luz do Divino Espírito Santo. Todo passante que olhar o mastro deve benzer-se, rezar e tomar conhecimento dos dias que acontecerá a grande festa rica em louvor ao Divino Espírito Santo. O mastro é um arauto, um cartaz.

O casal de Festeiros oferece banquetes (as bodas) aos

parentes, vizinhos, amigos, principalmente para os organizadores das solenidades e da estrutura da festa.

As bandeiras, engalanadas, sustentam no alto do mastro o pombo lavrado em prata e com as asas abertas.

Para Deus devemos oferecer o melhor da nossa alegria em agradecimento por alcançarmos a iluminação divina.

A cantoria acompanha o cortejo e orienta a solenidade na missa da coroação e todo o ritual religioso.

A missa deve rememorar o pagamento de uma promessa realizada pela rainha Santa Izabel, que ao alcançar a graça, pagou a promessa, devolvendo para Deus os símbolos que representam à divindade dos reis na terra. Acreditam que os reis têm ascendência divina. O símbolo desse poder divino é representado pela coroa e o cetro, que em um gesto de humildade é depositado no altar mor, significando a devolução dos sagrados poderes reais a Deus. A submissão dos reis a vontade de Deus.

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O ponto alto acontece na Casa do Império, onde estão em exposição pública para a contemplação e reverências, a corte imperial. O imperador e a Imperatriz, sentados em seus tronos, portando o cetro sagrado encimado por um pombo com as asas abertas. Estende o cetro permitindo que seja beijado pelos fiéis.

Os pagadores de promessas, levam os ex-votos, oferendas feitas com massa sovada e em formatos diversos de acordo com a graça alcançada na fé no Divino Espírito Santo. Pela cura de doenças, uma massa sovada em forma de coração, cabeça, perna, uma boneca, um animal de estimação, um braço, enfim muitos são os pedidos e as graças alcançadas na profunda fé no Divino Espírito Santo que é a luz de Deus.

Respeitado os momentos das missas e solenidades, a

indicação muito ansiada de quem será o novo imperador, os festeiros do próximo ano e a festa se avoluma, acontecendo desde os passeios pelos arredores da igreja, praça, na casa do império, um vai e vem de pessoas se encontrando entre a música da banda e as barraquinhas de jogos, roleta de prendas, leilão, rifas, bingos, doces, comilanças de toda a sorte e bailes.

Realizam apresentações de grupos de danças, folguedos folclóricos e farta queima de fogos.

A queima de fogos principal acontece no encerramento das festividades e dentre os fogos de artifício, o mais esperado é o momento da queima da alegoria representando a fachada de uma capelinha que, ao queimar-se, faz desenrolar um pano estampado com a esfinge do Divino Espírito Santo.

Este é um momento de persignações e até de se ficar de joelhos perante o aparecimento da imagem rodeada de fogo. O fogo sagrado!

Em alguns lugares a grande reunião de pessoas fazia surgir outros jogos, predominando as corridas com canoas, rinhas de galo, brigas de canários, as carreiras de cavalos, também o jogo do malho e mais recentemente o jogo de futebol.

Folguedo folclórico e o BOI

Nos Açores um bezerro é levado pelas ruas acompanhado por bonita cantoria. As pessoas vão contribuindo com esmolas e, por cada doação, é colocada uma pequena fita no dorso do animal. Dizem que, quando passam pela frente de um Império do Divino, igreja ou capela, fazem o bezerro se ajoelhar, submetendo-se a vontade divina.

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Depois o animal será transformado em carne para a boda do divino.

Seria este bezerro algo como o bode expiatório dos costumes judaicos?

Não seria este aspecto uma variação do bode expiatório?

O bode é propiciatório.

Isto é uma heresia? Um sacrilégio? Qual é a diferença?

O bode leva os pecados daquela comunidade.

O bezerro leva pedidos de graças

O bode é expulso para o deserto

O bezerro depois, é abatido e sua carne consumida em banquete.

O bezerro é propiciatório.

O Boi na Vara

É um ato de fé e manifestação de religiosidade da mais profunda, onde os fiéis se arriscam, desafiando o touro, como se este fosse o próprio diabo e se sacrificam por amor a Jesus Cristo.

Desde a antiguidade histórica das civilizações e em muitas delas, os touros foram deificados – Um deus animal a exemplo de Zeus que se metamorfoseia em um touro, em Creta, Cnossos e o Minotauro, o boi Àpis egípcio, Moisés, ao descer o Monte Sinais, trazendo os Dez Mandamentos escritos pelo próprio Deus, encontra o povo adorando o bezerro de ouro. A vaca ainda é considerada animal sagrado na Índia. Na Babilônia, na Assíria e entre os Massai Mara na África, enfim, o boi foi e é sagrado para muitas culturas humanas.

Com o cristianismo, tudo o que não estava dentro dos dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana, é considerado heresia, coisa de pagão, logo, adoradores do diabo.

Para o cristão, adorar o touro é um sacrilégio, o mesmo que adorar o próprio diabo.

Ainda mais pelo porte, a natural ferocidade, portador de chifres e cauda.

A quaresma é tempo de extrema angústia, agonia, repleta de mistérios e cuidados. Nas sextas-feiras não se trabalha, é dia de

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contrição e jejum, não se pode cavar o chão, pois pode brotar sangue da terra. Silêncio até dos passarinhos.

Os santos são cobertos em seus altares com panos roxos.

Tudo soturno, preocupando o cristão principalmente o católico, desamparado sem a atenção de Jesus Cristo, que se isola no deserto para confabular com o Pai .

Os seres sobrenaturais aproveitam o afastamento de Jesus e se manifestam intensamente. Até o diabo tenta Cristo no deserto.

As noites são repletas de lobisomens, vampiros, mulas sem cabeça e as temíveis mulheres bruxas.

Cristo não está presente para interferir contra os seres diabólicos, que caem na fuzarca atormentando as noites dos cristãos.

Pior é a Semana Santa. Absoluto jejum e contrição.

A Sexta-Feira Sagrada é terrível, pois Cristo está morto e o diabo está solto.

O maior ato de fé do cristão é a crença na ressurreição e na certeza da Ressurreição de Jesus Cristo.

No entanto, e para o diabo não atrapalhar o processo de ressurreição de Jesus, os cristãos, imbuídos de fé, arriscam-se desafiando o diabo representado por um touro. Provocam, distraindo o animal, chamando para si a besta fera endemoninhada.

Não se pode tocá-lo, pois é um animal impuro, está com o diabo no couro.

Os fiéis temem a besta fera e o provocam, o enganam, buscam trazê-lo até o mar salgado.

Ao entrar na água salgada e Sagrada da Sexta Feira Santa, o animal se purifica e neutralizando assim, os poderes maléficos do diabo, que agora, nada mais poderá fazer para atrapalhar o processo de ressurreição de Jesus Cristo. Este é o mistério deste ritual profano/sagrado perdido na memória do povo descendente dos antigos colonos açorianos aqui no litoral catarinense do Brasil.

Purificada a carne, agora ela poderá e invariavelmente será servida como alimento.

É preciso lembrar, que este ritual sagrado/profano, somente era realizado na Sexta-Feira Santa. De preferência, durante a madrugada da Sexta Feira Santa, antes do sol nascer.

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Nesta ação, somente participam homens e funciona como um pagamento de promessa. Colocam-se em grande perigo, oferecendo-se em holocausto, arriscando-se por Jesus Cristo, que há de ressuscitar e interceder por nós pobres pecadores, junto ao Pai Celestial e na Luz do Divino Espírito Santo. Dos quais somos os herdeiros por toda a eternidade.

Gostaria de lembrar também que na Sexta Feira Santa antes do sol nascer é costume fazer a colheita de ervas e de água para serem utilizadas como remédio ao longo do ano. A água não se estraga, os ovos não apodrecem se forem colhidos na madrugada da Sexta Feira Santa. Também o banho santo realizado em águas correntes ou mesmo no mar, é indicado para toda a sorte de proteção, cura e garantindo uma boa saúde. Criança que nasce na madrugada de Sexta Feira Santa e se for colocado um grilo verde nas mãos da criança recém-nascida ela estará predestinada a ser uma pessoa com qualidades especiais para realizarem curas.

Também acredito que no ritual de purificação do boi, há algo de reminiscência da herança judaica – novamente o bode expiatório fingindo-se, disfarçado em um boi.

Maimônides, importante médico e filosofo judeu, professava dizendo que é lícito fingir, então finjo que o boi é o bode.

O ritual religioso de então se foi, já estava quase em extinção dentro das tradições de origem açoriana ou até criadas pelos descendentes dos antigos colonos açorianos ao longo do litoral catarinense, vivendo em comunidades isoladas entre si, como em remotos sertões inacessíveis, isolados também em relação ao resto do Brasil.

A partir de 1970 com a abertura da grande rodovia denominada BR 101, facilitando o ingresso, a circulação e ocupação dos territórios tradicionais por pessoas de outras procedências, outras tradições e culturas, esbarrando com o incompreensível até pelos próprios praticantes, por perda do sentido religiosa que estava embutida no ritual de purificação do boi. O sentido religioso se perde a partir da renovação da Igreja durante o Concílio Vaticano II. A Igreja se moderniza e condena toda a prática considerada arcaica e sem valor religioso.

Desamparados de orientação religiosa, os praticantes do ritual foram denunciados por maus tratos contra o animal e depois desandou em barbarismos e desvios, transformando o ritual de purificação do boi em uma farra até sanguinária que não faz absolutamente parte da tradição.

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Assim, desafiando os contrariados e provocando a força policial, prejudicando a imagem de um costume religioso /profano de base açoriana.

Curioso é que esta ação, já estava em franco processo de desaparecimento.

Agora tomou fôlego imenso e se proliferou, sendo praticado até mesmo em comunidades que não conheciam o ritual com o boi na Sexta Feira Santa, mas acabaram adotando-a, proliferando ainda mais a manifestação que de toda a forma é positiva por remeter e marcar a existência de uma herança cultural histórica através dos colonos açorianos e assim os Açores se evidenciam sempre confirmando ao mundo a nossa identidade cultura, singular repleta de significados de nossa alma, nosso modo de ser e ver o mundo, protegido com a fé no Divino Espírito Santo.

Antes a ação somente era realizada na Sexta-Feira Santa.

Agora, além da ampliação da área geográfica onde acontece a farra, também a realizam por vários outros motivos – no dia dos pais, no dia das mães, Natal, dia das crianças, nas festas juninas e não me espantaria de ver acontecer durante as festas do Divino, pois é só o que está faltando.

Por tudo, a normalização do ritual/folguedo é a solução.

Não exterminar, mas aproveitar, pois o folclore é dinâmico e cabe a continuação da manifestação, organizando pontos de touradas de forma absolutamente civilizada.

Coloco apenas uma ingênua sugestão, que se processa mais ou menos desta forma:

Imagino as pessoas bem acomodadas em arquibancadas de estádio de futebol, pagando com alimentos não perecíveis para assistir o desafio aos touros.

Coloca-se um touro em uma arena – Um campo de futebol.

Claro que serão estabelecidas regras diversas.

Duas equipes pré-selecionadas em time com três participantes de cada lado.

Em tempo determinado, deverão tentar colar no lombo do bicho um selo autocolante da cor do time.

A equipe que mais selo colar – ganha o prêmio.

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Parece ingênuo, mas é uma solução.

Ou melhor, que tentem colocar uma argola na aspa do animal. Uma argola de metal de determinado diâmetro que deverá ser colocada em uma das aspas do touro, Quem conseguir, ganha lá o prêmio anunciado.

Aproveitar uma tradição, e utilizá-la para o lazer, entre outros benefícios provocaria a organização de participantes/times representando cada comunidade.

A preparação de infra-estrutura e da criação de touros.

Implica em um estudo e planejamento que aponta para muitos benefícios e emoção para as regiões que adotarem o folguedo.

O positivo da falação sobre o ritual do boi, foi a descoberta dos portugueses açorianos e seus descendentes em todo o litoral catarinense, remetendo obrigatoriamente ao Arquipélago dos Açores, a Portugal e a comparação com as tradições “esportivas” da Espanha.

O BOI DE MAMÃO

O Boi de Maimônides – o boi fingido, não é um boi de verdade é apenas uma alegoria com um brincante embaixo, fingindo de boi, um boi fingido, um boi de Maimônides, um boi de maimão. Isto é complicado tentar explicar, pois nada é verdadeiro, são apenas suposições.

Maimônides: Notável médico e filósofo judeu que pregava o direito de fingir, dizia que era lícito fingir. Faço de conta que sou cristão, mas no íntimo, sou mesmo judeu.

De Maimônides para mamão, foi uma possível corrupção. O boi de Maimônides. Boi de maimão.

Mas também como o folguedo era sempre apresentado durante a noite e sob a luz de um lampião colocado na sala, como um salão, pode ter sido chamado de boi de salão, boi que dança no salão. Mas a alegoria possui uma barra de pano lembrando uma saia, servindo como acabamento e também para esconder um pouco, as pernas do brincante, por causa do saião da alegoria do boi, pode ter sido chamado de boi de saião, corrompendo-se para mamão.

Já foi chamado de boi de pau, boi de palha e boi de pano.

O boi é lindo, ensinado por Mateus, que brinca com ele e dança. É domado o danado. De repente no meio da festa, parece que morreu. Chamam o médico que não dá jeito nenhum. A cena serve também como solução cênica para o brincante que está sob a

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alegoria do boi, descansar um pouco. Pois a alegoria fica pesada e o brincante fica meio arcado segurando a alegoria nas costas. Quando o boi para e parece que morreu, alguém rápido e disfarçadamente passa algo para o brincante beber, geralmente é cachaça. Chamam o benzedor que faz uma reza forte. Quando o benzedor faz a reza, é a deixa para o boi levantar, porém nada aconteceu, pois o brincante que ficou sob a alegoria do boi, estava tão mamado, no sentido de estar bêbado, que assim acabou dando o apelido para o boi mamão. Pois é expressão popular dizer daqueles que se embriagam com cachaça e que mamam na garrafa. Logo ficam mamados ou bêbados. Olha, aquele cara está tão mamado, falam desta maneira, para dizer que aquele cara está bêbado de tanto mamar direto no gargalo da garrafa.

Dizem, no entanto, que o nome deriva de uma ação que se deu da seguinte maneira. Na pressa de se fazer a alegoria do boi colocaram uma fruta de mamão para fazer a vez da cabeça do boi. Fico imaginando o tamanho do mamão para ainda ser colocado os chifres e as orelhas. Não acredito muito na versão, mas...

Também pode derivar do ato de se fazer boizinho de brinquedo com mamão verde e pequeno, colocando quatro palitos como perninhas e dois chifres também de palitos, virava um boizinho feito com mamão verde. Um boizinho de brinquedo. Como a alegoria do boi é um brinquedo, pode ter havido uma associação, boi de brinquedo, boi de mamão.

No Brasil o folguedo surge no norte e manifesta-se do natal ao carnaval. No nordeste surgem mais nas Festas Juninas. No Sul, apresentam-se do Natal ao carnaval.

Isto tradicionalmente, mas hoje podemos assistir o folguedo durante todo o ano, apresentado por grupos organizados nas comunidades e escolas, o folguedo folclórico do Boi de Mamão que é, sem duvida, uma das mais expressivas manifestações da cultura popular no litoral catarinense.

Inúmeras são as perguntas: De onde vem este folguedo, como, por quem foi inventado? Importa? Importa mesmo é reconhecer que o folguedo de todo o Brasil, aqui no litoral catarinense, foi incorporado e transformado pelos descendentes dos antigos colonos açorianos.

O Folguedo apresenta inúmeras variações e criatividade e é diferente em cada região e não há nenhum grupo igual ao outro. É uma riqueza de diversidade.

No enredo, só um ponto é essencial. A morte e a ressurreição do boi. Esta é a questão Morte e Ressurreição.

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O ginete no cavalinho é o personagem de maior poder, enquanto o boi representa o pagão, o cavaleiro representa o cristão, com poderes divinos, laça e domina o boi.

Percebemos que o adorado e endemoniado boi é dominado pelo ginete do cavalinho.

O folguedo é isto. Um boi esplêndido e domesticado vive em harmonia e de tão belo maravilha o povo que fica hipnotizado e o adoram.

Desejam-no e desta força do desejo do olhar, ele morre.

Chamam um benzedor. Ele faz reza forte e o animal ressuscita.

Mas, trazendo consigo, por força da reza forte do benzedor, o próprio demônio, que entra no couro do boi. Descontrolado, enfurecido, nada e nem a ninguém respeita. Investe perigosamente contra a assistência.

Chamam um ginete com seu cavalo.

Ele cobra para domar a besta fera. Assim, sob pagamento, laça o touro e o leva embora submisso.

O ginete do cavalinho é o cristão. O cristão da cruzada que combate os pagãos.

Este é o cerne do folguedo, os paralelos e acréscimos de personagens e figuras, são conteúdos da imensa expressão da criatividade se manifestando a cada apresentação, sempre de forma única por que é teatral.

Nunca é a mesma coisa, sendo os mesmos versos e a mesma história.

Muitos versos e personagens caíram no gosto do povo e não podem faltar nas apresentações.

O Folguedo é em si uma escola.

Você precisa aprender a dançar, interpretar, cantar, fazer piruetas e malabarismos imitar vozes, criar expressões, aprender música, a maquiagem, fazer alegorias que implica no uso de ferramentas e soluções técnicas diversas envolvendo a carpintaria, a pintura, a costura, técnicas de modelagem, a sociabilidade e muito mais, além da alegria de participar do teatro de rua e sentir o poder de atrair a atenção das pessoas, possibilitará também render algum dinheiro de cachês e das ofertas que o público costuma fazer aos participantes dos grupos do folguedo folclórico do Boi de Mamão.

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As apresentações tradicionalmente são realizadas a partir do

dia dos Reis e acredito que este folguedo do Boi de Mamão possa ser uma variação do que, até então, era chamado de Folia de Reis. Encontravam-se apresentações espontâneas visitando as comunidades desde o dia de Natal até o carnaval.

Não há regra rígida para a época da apresentação do folguedo e se manifestam em muitos outros momentos ao longo do ano.

Os grupos são solicitados para fazerem apresentações em festividades diversas, inclusive, durante os festejos do Divino Espírito Santo.

O que vem acontecendo atualmente, como acréscimo para abrilhantar ainda mais a Grande Festa, são as atrações culturais e uma das mais esperadas, são as apresentações do folguedo folclórico do Boi de Mamão.

O folguedo não faz parte do Ciclo do Divino oficialmente, mas está presente profanamente...

Atrações Paralelas durante as Festas do Divino Espírito Santo são constituídas de exposições diversas culturais/industriais/comerciais, schows, sorteios especiais e concursos.

Periferia da festa: Hotéis, lojas, bares, restaurantes e outros serviços.

AS IRMANDADES DO DIVINO ESPÍRITPO SANTO

Prof. Nereu do Vale Pereira

Nossa participação neste II CONGRESSO INTERNACIONAL DAS FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO, uma promoção da Casa dos Açores do Rio Grande do Sul com o apoio do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC que realizou o primeiro, será, além de se articular com todas as demais atividades, apresentar um rápida abordagem sobre as Irmandades do Divino Espírito Santo, que fica limitada a pequeno espaço de tempo, o que deve ser reconhecido como justo, já que a diversidade de temas e expositores assim o exige.

Faremos o possível para apresentar a todos os congressistas o que de mais oportuno e objetivo possa ser, segundo nossa forma de o encarar e nossa capacidade de conhecimento e vivência dentro do existir dessas confrarias e nas consultas em volumosa bibliografia existente, quer no Brasil, quer em Portugal, chegando a uma síntese de suas origens, funções e realizações.

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O que iremos apresentar, portanto, é uma síntese da síntese de tudo quanto li e consultei a respeito.

De pronto é oportuno e necessário esclarecer que as hoje denominadas de IRMANDADES, instituídas segundo raízes religiosas da Igreja Católica Romana, foram secularmente, em seus primórdios na Europa do primeiro milênio da Era Cristã, denominadas de CONFRARIAS e com o objetivo de congregar e proteger homens que professassem a religião católica e fossem ligados por interesses profissionais, isto é, umas corporações de caráter trabalhistas, ou na visão moderna, de sindicatos classistas e assistenciais.

Seus membros filiados recebiam a denominação de irmãos ou confrades e prestavam juramento de incorporação, de auto ajuda e de obediência a uma série de posturas e deveres religiosos, profissionais e de misericórdia todos escritos num documento chamado de COMPROMISSO, que modernamente corresponderia a Estatutos.

Destaque-se também que, de um modo geral, as CONFRARIAS que proliferaram pela Europa nos séculos XI, XII, XIII e XIV, tiveram nascimento junto com as práticas

– 2 – religiosas e entendidas como organizações dedicadas a congregar leigos homens, irmãos, confrades e, excepcionalmente, confreiras, aliás quase que exclusivamente homens leigos, isto é, sem uma vinculação a estruturas religiosas oficiais e consagradas, tinham como prática a vivência como sacerdotes, monges e freis nos mosteiros, conventos e claustros.

Já o designativo de IRMANDADES, começa a ser aplicado no início do século XV em confrarias especialmente voltadas para o culto ao Divino Espírito Santo.

As principais e primeiras confrarias que se tem notícia de existir foram vinculadas ao catolicismo por volta do século X e dedicadas a guarda, proteção, difusão e culto ao Santíssimo Sacramento, ou do Santo Cristo, ou Eucaristia e tendo origem junto ao movimento das Cruzadas e dos embates religiosos com os muçulmanos.

Logo a seguir, século XI, nascem as Obras da Misericórdia ou Misericórdias do Espírito Santo voltadas para a organização de hospitais e atenção aos pobres doentes e congregava irmãos e confrades com a promessa de culto a DEUS no Santíssimo Sacramento ou EUCARISTIA e socorro aos enfermos e moribundos.

Propugnavam, as confrarias, pelo apoio aos confrades em suas necessidades tanto do ponto de vista religioso com também no

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campo profissional, no social, nas enfermidades, nas adversidades da morte e outras. Exerciam as funções que em nossos dias, e a partir do início do século XX ou finais do XIX passam a ser desenvolvidas por organizações de seguridade social (INSS e SUS, por exemplo) quase sempre de iniciativa de governos.

Naqueles tempos foram consideradas essas confrarias como exercício de ações de caridade, amor ao próximo, ao migrante ou peregrino, de misericórdia e de atenção aos desvalidos. Era a prática da caridade cristã e que, por isso, tinham a missão corporativa de amparar seus filiados na saúde e na doença, no desemprego, no velório, exéquias e sepultamento, no atendimento espiritual, nas necessidades materiais e acidentais etc.

Consagrou-se, no século XII, designar genericamente tais organizações como CONFRARIAS DAS MISERICÓRDIAS.

Entendia-se como misericórdia a virtude que leva a ter compaixão pelas misérias alheias ou do próximo.(amor ao próximo). Misericórdia é pois, uma virtude que impele a perdoar o que teria direito de punir. Tal entendimento se aplica também às instituições que assumem a criação de expostos ou enjeitados, tratamento de enfermos, sustento aos pobres e demais atos de caridade para com idosos, viúvas e desvalidos.

Para os valores do pensamento social católico as obras da misericórdia foram classificadas, a partir de textos evangélicos, em quatorze práticas sendo sete espirituais e sete corporais. Assim, seriam as espirituais: instruir os simples (ensinar ou educar tanto religiosamente pela catequese como social e abolir o analfabetismo): dar conselhos a quem os necessitar; rezar pelos defuntos e pelas almas, (Missa de sétimo dia); consolar os desconsolados ou aflitos; castigar os que erram; sofrer injúrias pelo amor a Cristo; freqüentar a Eucaristia.

Já as corporais foram assim classificadas: redimir ou libertar os cativos ou escravos; visitar e assistir aos presos; tratar dos enfermos; cobrir ou vestir os nus(agasalhar); dar pouso aos peregrinos (migrantes); cobrir e sepultar os mortos; dar de comer a quem tem fome e água a quem tem sede. É, então, dentro do momento histórico da idade média, pelo final do século X, que se dá início a demanda pela devoção ao Espírito Santo como destacada Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, e, assim, estimular seus confrades e confreiras na execução e práticas das 14 obras das misericórdias.

Também é oportuno recordar que a partir do século X surgem os primeiros ensinamentos e teorias acerca da devoção e culto ao Espírito Santo. É desse período o esforço do Abade Joaquim de Fiore, um sacerdote dos mais estudiosos dos textos bíblicos e escatológicos, e que lança à reflexão, um novo momento da vida da Igreja Católica,

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que deveria voltar-se para ao culto do Divino Espírito Santo. Sugere Joaquim uma nova doutrina trinitária onde o Espírito Santo Paráclito delimitaria uma terceira época, uma nova era na evolução dos homens em sua marcha para Deus. Essa doutrina passa a ser considerada como a era Joaquiniana. Recomendo, aos interessados nesta questão relerem a palestra que o ilustre Professor doutor João Eduardo Lupi proferiu por ocasião do I Congresso do Espírito Santo, onde discorre sobre a teoria Joaquiniana com muita propriedade.

Desejo fazer uma rapidíssima referência de que a teoria Joaquiniana vai mais tarde influenciar o jesuíta Teilhrad de Chardin para, em 1932, em uma obra proscrita, num contra ponto da teoria materialista de Darwin, defender uma evolução do homem como ser espiritual onde a era do Espírito Santo seria a era do topo da perfeição humana ou a era da noogênese como a designou e em seqüência da biogênese e a cristogêse.

Há que se fazer referência a uma tese da Professora Doutora Margarida Gouveia, uma açoriana de escol, que coloca as irmandades do Espírito Santo como instrumentos para o uso e suporte do domínio do poder político.

Dentro deste quadro religioso, político e social vai-se atribuir a Rainha Isabel de Aragão (1271a 1336) a Santa de Portugal, casada com o Rei Dom Diniz ( 1261 a 1325), o agricultor, ter organizado um Império do Divino Espírito Santo, em sua primeira festa de coroação, em 1321, no Alemquer, onde também constrói um hospital. Contudo, a confraria do Divino Espírito santo já existia. Isabel reinou de 1325 a1336.

Tal prática, inspirada no cristianismo rapidamente se difunde em Portugal e se difundindo por onde a expansão portuguesa se efetivava em todos os novos horizontes do além mar.

Segundo pesquisadores portugueses, dentre muitos que consultei, onde mais tipicamente se enraizaram e se modificaram os festejos ao Espírito Santo foram justamente nos Açores onde as adversidades induziam para se apelar para a proteção divina.

De todas práticas das obras da misericórdia as que mais se efetivaram nas diversas confrarias, e especial nas de devoção ao Espírito Santo, foram as que se voltavam para as atenções aos pobres e desvalidos. Se destaca, por outro lado e pela ausência dos governos na organização de cemitérios, assegurar sepultamentos aos seus confrades, fossem dentro das naves dos templos católicos quer em áreas externas reservadas as suas práticas. Por isso, muitos se agregavam as confraria das misericórdias, do Espírito Santo e outras, para assegurar um futuro sepultamento com devida dignidade cristã.

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Contudo, o amparo nas dificuldades econômicas, a falta do pão nosso de cada dia, a escassez da água, o desemprego, a doença, as calamidades de terremotos, maremotos e vulcanismo, a falta de capital financeiro, desconhecimento técnico, tudo tende, desde o século XVI como já no final do século XIX e início do XX, impulsionar não só a continuidade das antigas confrarias religiosas mas também a presença de confrarias operárias não religiosas e similares. Sito, como exemplos, em Florianópolis a criação do Círculo Operário, a União Beneficiente e Recreativa Operária – UBRO-, a Liga Operária de Florianópolis e muitas outras que passam a desempenhar funções dantes reservadas somente as Irmandades do Espírito Santo, as Santas Casas, as Misericórdias, etc.

No arquipélago dos Açores, onde foi o berço de nossas raízes culturais, já no início do século XVI, surgiram as primeiras confrarias e os primeiros impérios do Divino Espírito Santo organizações instituídas por católicos leigos e ao arrepio da hierarquia.

Como diz Maria Fernanda Enes, em As Festas do Divino Espírito Santo nos Açores: Solidariedade e Fraternidade; “As grandes dificuldades encontradas pelos povoadores na ocupação das Ilhas de lava e bruma, assoladas periodicamente por fortes crises sísmicas provocadas por vários vulcões ainda em atividade, associadas na mentalidade popular à ambivalência do sagrado, e a insularidade, teriam propiciado um mais profundo apego à sacralidade a que o culto do Divino induzia”.

Tenho acompanhado os trabalhos de .pesquisa e investigação de vários estudiosos portugueses sobre esta temática e, entre eles, desejo destacar a pesquisadora Doutora Antonieta Costa com quem tenho mantido importante intercâmbio.

Em relação ao Brasil tem-se registros a presença da primeira Irmandade do Espírito Santo na Bahia em 1682.

Já no sul do Brasil, as circunstancias colonizatórias vão abrir espaços para o culto ao Divino Espírito Santo e a organização de Irmandades e dos Impérios do Divino, quando da implantação da colonização açoriana das terras de além Tordesilhas, no então denominado Brasil Meridional, isto é, após e além do Meridiano de Tordesilhas , nossa área de vida e história, que se efetivou a partir de 1747.

Então, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, os açorianos vão ser os protagonistas da criação de confrarias diversas e nelas incluindo as do Divino Espírito Santo, e como decorrência seus Impérios, e hospitais.

No caso catarinense, temos registros de duas primeiras Irmandades do Divino Espírito Santo, com seus Compromissos

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devidamente oficializados junto as autoridades eclesiásticas, uma no centro da então vila de Nossa Senhora do Desterro, hoje cidade de Florianópolis, Ilha de Santa Catarina, em 1773, por iniciativa do açoriano, chegado à Ilha em 1749, Tomas Francisco da Costa e por segunda, a da Freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão da Ilha, em 1806, por ocasião da inauguração da nova Matriz.

Tomas Francisco da Costa foi um homem de extraordinário tirocínio e dotado de muitos conhecimentos de comércio e de construções e que prestou relevantes serviços ao desenvolvimento de Santa Catarina. Sua primeira grande obra foi a conclusão da Catedral da cidade, em 1763, e, logo a seguir, antes da instituir a Irmandade do Divino Espírito Santo, teria participado da organização da Irmandade do Santíssimo Sacramento, também da Catedral e ser um dos instituidores (talvez até o líder), da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos e seu Hospital da Caridade dos Pobres, a Santa Casa de Florianópolis, em 1762.

Seu filho, Joaquim Francisco da Costa, que aos 18 anos, e a partir de 1793, passa ser denominado de Irmão Joaquim do Livramento, ou simplesmente Irmão Joaquim, que fizera votos de seguir os passos de Francisco de Assis, passa a ser um grande fundador e mantenedor de obras de caridade como seminários, hospitais, orfanatos, e educandários em todo o Brasil. Quem adentra a esta Santa Casa de Porto Alegre se depara, logo no hal de entrada, com a estatua de seu fundador o ilhéu catarinense Irmão Joaquim, o Joaquim Francisco da Costa, conforme registro batismal.

Uma particularidade é revelar que o Costa de seu nome de batismo, como era a prática dos consagrados de então, desaparece de seu uso para utilizar o cognome de Joaquim Francisco do Livramento em louvor a sua devoção à Nossa Senhora do Livramento, cuja imagem sempre transportava consigo em todas as viagens e empreendimentos, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, na Bahia, Santos, Rio de Janeiro e Europa.

Voltando as confrarias, antes da fundação da Irmandade do Espírito Santo em Santa Catarina teriam existido, e com vida até hoje, a Ordem Terceira de São Francisco de 1713, e a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, em 1751, esta como amparo aos negros escravos.

Em nossos tempos de final do século XX e início do XXI, portanto são dez séculos, um milênio, de existência das Confrarias do Espírito Santo, essas Irmandades têm funções bastante diferenciadas de suas primitivas origens.

Continua como instituições caritativas porém não mais a serviço e atenção ao seus irmãos filiados e pobres em geral das comunidades, porém se voltam apenas para algum tipo de obra

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social. Claro que a função de organizadoras das Festas do Divino Espírito Santo continuam a ser o seu grande apanágio.

Até mesmo a origem e destino das arrecadações e doações, resultantes de suas atividades, se alteraram já que o mundo moderno tomou a diretriz de conferir aos governos constituídos a responsabilidade da seguridade social e trabalho.

Por exemplo: A Irmandade do Espírito Santo do Ribeirão da

Ilha volta-se, assim como quase todas as demais que existem em Santa Catarina, para a organização e desenvolvimento dos Impérios. Já a Irmandade do Divino Espírito Santo, do centro da Capital catarinense, desenvolve obras que em princípio eram voltadas para os chamados órfãos e enjeitados, agora têm dedicação para o amparo e educação de menores carentes ou meninos e meninas de rua ou na rua.

Algumas ainda, ou possuem cemitério próprio para seus irmãos e familiares ou têm área reservada em cemitérios municipais.

Na verdade os tempos, as situações, os problemas, as organizações públicas e as particulares são, hoje, totalmente diferentes das de outrora e, por isso, não há como querer que as Irmandades do Divino Espírito Santo se voltem para suas primitivas funções.

Também, curiosamente, tanto hoje como outrora, todas essas Irmandades tem o total controle dos leigos e nelas os Párocos ou Vigários em nada interferem.

Circunstancialmente algumas dessas irmandades estão praticamente acéfalas e somente quando se aproximam as festas é que alguns homens, quase todos pretensamente irmãos, se reúnem e partem para as ações e ordens para os festejos que terminados nada mas se faz pela irmandade. Suas alfaias, opas balandraus, cruzeiros, salvas, bandeiras, quadros, cetro, pombas, coroas, etc, são jogados displicentemente em algum depósito onde ficam esquecidos até as festas do próximo ano.

Algumas irmandades que possuem pequena organização, guardam bem suas alfaias e passam, especialmente os trajes imperiais para os cortejos que são cuidadosamente guardados, e até alugá-las para outras comunidades onde as festas vão ocorrer, pois elas são realizadas durante um largo período que vai do Pentecostes até a festa de Cristo Rei.

Na maioria, as Irmandades ficam totalmente inativas até o próximo ano.

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Há que se dizer, para encerrar, que as Irmandades do Divino Espírito Santo, talvez todas as demais confrarias religiosas de leigos católicos, desempenharam importante papel na vida da Igreja Católica, papel este bastante pouco significativo nos tempos atuais.

Percebe-se, também, que a Hierarquia quase sempre não apoia e nem estimula a existência dessas confrarias.

Era o que desejaríamos comunicar neste Congresso. Obrigado pela atenção.

O CORTEJO IMPERIAL NAS FESTAS DO DIVINO

Este nosso painel tem os assuntos a serem tratados por aberto. Não tem roteiro fixo. Por isso, então desejo abordar, para análise comparativa e funcional o que é e o porque do Cortejo Imperial segundo nossa interpretação de sua presença na Ilha de Santa Catarina e desta ter se irradiado, com todas as mesmas características, por todo o litoral catarinenses.

De uma forma muito atrativa, bela e significativa trata-se o Cortejo Imperial, de um desfile, um caminhar organizado, integrado pelos figurantes principais da festa, em forma de procissão, que sai da Casa do Imperador, e se desloca ao som de uma(s) banda(s) filarmônica(s) para ir até a Matriz ou Praça Principal de comunidade onde se instala o Império, como local definido para o desenvolvimento dos festejos populares e religiosos.

Geralmente são dois cortejos sendo o primeiro o de abertura com destino a coroação do Imperador, ou simplesmente dando início aos festejos, e, o segundo, no dia de encerramento da festa quando se escolhe o Imperador e festeiros para o ano seguinte.

O primeiro, nos tempos presentes, ocorre ao sábado dando início a festa e em algumas comunidades é ele realizado na Sexta-feira a noite quando, neste caso, a festa se estenda por três e não dois dias. No encerramento da festa, geralmente aos domingos, o Cortejo vai até a Igreja da comunidade onde deverá ocorrer a MISSA DA COROAÇÃO e a escolha do futuro Imperador.

A modernidade mutilou o enredo da festa pois que antigamente ela se desenvolvia por três dias, desde o Cortejo de abertura, aos domingos onde ocorria a Coroação do personagem que teria os poderes imperiais e se desenvolvia a festa até terça-feira.

Ao terminar a festa, todos os convivas e nobres representados, voltavam para suas casas devidamente incorporados em solene cortejo acompanhando o Imperador.

Hoje fica tudo somente no simbólico ou alegórico.

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Logo eram três dias em que o Imperador empossado poderia praticar seus poderes imperiais e distribuir benesses ou bodos. Hoje coroa-se o imperador ao final da festa, o que é uma atrofia descabida.

Devem fazer parte do Cortejo Imperial o maior número possível de figurantes representando toda a família imperial, a aristocracia e a nobreza na seguinte ordenação:

1 – O Cruzeiro ou Guião. O segurar o cruzeiro é uma tarefa importante e conferidora de status e, por isso, muito disputada. O Guião vai dar todo o ritmo e caminho do cortejo. Geralmente é a Irmandade do Divino Espírito Santo que se incumbe dessa organização.

Junto ao cruzeiro ladeiam-no duas, quatro ou seis lanternas, com varas decoradas, que além de anunciarem a abertura e início do Cortejo lhe dão características de sacralidade e, por que não dizer que, tinham função iluminante. Certamente vivia-se uma época onde não se dispunha de energia elétrica e, por isso, além das lanternas do Cortejo, por onde ele fosse passar o povo colocava defronte as casas e em suas janelas lanternas de todos os tipos e abastecidas por óleo de baleia ou querosene.. Modernamente o progresso permite que se recorra a uma iluminação feérica abastecida por energia elétrica.

2 – Em alas laterais, colunas de um, seguem os irmãos com suas opas e demais insígnias relativas as hierarquias específicas da Irmandade. Quase ao final das alas dos irmãos seguem o Provedor da Irmandade do Divino Espírito Santo local e outros também provedores que estejam representando outras Irmandades convidadas para os festejos. Depois, a seguir estarão autoridades e demais pessoas da comunidade que sejam significativas e que tenham colaborado na realização dos festejos.

3 – Pela metade das filas, no centro, há um grupo de meninas e/ou senhoritas, que transportam a(s) bandeira(s) que além de representarem as comunidades, foram utilizadas nos quarteirões durante o ciclo peditório. São as mesmas bandeiras que percorreram, por quase dois meses, de ponta a ponta e de porta em porta pela localidade denominada de quarteirão onde ao anoitecer celebravam novenas, recolhiam as promessas e os donativos para o brilhantismo da festa que se aproximava. Ao fina de uma reunião e cada dia de novena era servido aos presentes um café, doces , refrescos e cachaça e, muita cantoria.

Neste Cortejo final, a principal bandeira deve ser a da Matriz.

4 – Logo atrás das bandeiras vêm as alas da nobreza rica e devidamente vestida como convidados especiais e imperiais. São

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organizados em casais e representados por crianças inocentes, de idade infantil ou até por virgens com menos de dezoito anos.

Todos estão, então, trajados com vestes nobres, coloridas, escarlates, elegantes e vistosas identificando o luxo e a nobreza da corte.

Essas alas são as que mais impressionam pela riqueza que ostentam e pelo capricho na confecção dos trajes, chapéus, capas, sombrinhas, jóias, etc.

Cada comunidade, ao fazer sua Festa do Divino, se esforça por apresentar o mais rico e belo CORTEJO.

5 – Atrás da nobreza vem uma casal de crianças transportando as almofadas para o Imperador e a Imperatriz se ajoelharem nos momentos adequados da Missa da Coroação. O casal de jovens a ser coroado como Rei e Rainha, tomará os principais lugares, bem a frente do altar.

6 – Logo seguir, então vêm dois jovens, de aproximadamente quatorze anos, que são denominados de espadins. É este casal que simbolicamente será coroado imperador, representando, na tradição, o mendigo que recebia, nas Festas do Divino, poderes imperiais por três dias. Essa prática de coroar crianças em substituição a um adulto mendigo, ou mesmo ao real imperador festeiro do evento, que são os reais imperadores, foi introduzida há mais de três séculos, embora em algumas comunidades ainda se coroem adultos como imperadores.

O Par de Espadim, veste trajes reais e, como utilizam caudas longas e suntuosas, cada qual mais bela, devem ter subalternos caudatários, que lhes seguram tais caudas evitando se sujarem ao se arrastarem pelo solo durante o corteje.

Essa parte do Cortejo é a de maior beleza e encantamento.

Já o termo caudatário passou a ser aplicado, no terreno político, para identificar aqueles que seguem um determinado líder sem nenhuma reflexão. Assim, caudatário político é aquele que segue incondicionalmente o chefe.

7 – Logo atrás do Par de Espadim vem o casal adulto que é o Imperador da Festa. Hoje se coloca o Casal e não somente o homem, em função do reconhecimento social da mulher, pois antigamente seria tão somente o homem a ser coroado que participaria do Cortejo.

Todos caminhavam sob o compasso de um dobrado, uma forma de marcha, em ritmo de passeio. Por último vem o povo em geral. Na comunidade, todos os que se prezam e que temem a Deus,

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não devem falta a um dos cortejos sob pena de complexo de culpa e de se expor a falta de graças e proteção do Espírito Santo Paráclito. Ficam, os faltosos, sujeitos aos “castigos de Deus”.

Os fogueteiros acompanham, a certa distância, fazendo pipocar os rojões e demais fogos de artifício.

Bom, toda essa coreografia e enredo, como vimos, e que recebe o título de CORTEJO IMPERIAL que origem e função tem?

Gervásio Lima, escrito e etnógrafo estudioso açoreano, em seu livro, “Festas do Espírito Santo. Cantores e Cantares-(1932”, livraria Editora Andrade, Angra do Heroísmo na Ilha Terceira, nas páginas 25,26 e 27, diz em resumo: “O Douto Bispo do Porto, Fernão Corrêa de Lacerda, o elegante historiador da Santa Rainha Isabel, assim se expressa: Depois de haver edificado em Alenquer uma Igreja do Espírito Santo, no primeiro ano em que fez a solenidade da coroação do Imperador, e com todo o luzimento, não só chamou a nobreza para tomar parte neste império que tão piedosamente acaba de erigir, mas também convocou pessoas de diversas hierarquias para dele participar.

Tanto que o ornato da Igreja esteve posto em sua perfeição, se disse nela com assistência dos Reis da Corte uma Missa oficiada com toda a solenidade, e acabado o sacrossanto sacrifício, chamando os Reis, a nobreza reais qualificada, a parte de boa gente da Vila e seus costumes que tinha assistido naquele religiosos ato, lhes encomendar aquela casa, o que lhe tiveram por grande honra, e agradecidos as reais recomendações, porque os Reis, lhes responderam que elas prometiam, que por serviço de Deus e de sua Alteza, tratariam da conservação da casa. Estimaram os reis esta festa piedosa promessa do povo e da Nobreza, em que o povo ajudou, a generosidade igualou a generosidade da nobreza. Ajuntaram-se as pessoas a quem os Reis tinham encomendado a igreja e erigiram uma confraria em Louvor ao Espírito Santo.” Observação nossa: estava sendo criada a primeira Confraria, ou Irmandade, do Espírito Santo com a finalidade de, anualmente durante a Festa de Pentecostes, realizar a Festa da Coroação e seus desfiles.

De outra fonte, estão ainda outros dois trabalhos: História Eclesiástica da Igreja em Lisboa, de Dom Rodrigo Cunha e História Seráfica de Portugal de Francisco Manuel da Esperança(p.37)

Ao final da cerimônia relatada, um mendigo, diziam andrajo,

era coroado Imperador, tendo seus poderes mantidos por três dias, enquanto seriam realizadas festas populares, inclusive touradas e bodos, e o Rei Extraordinário, estaria realizando audiências para todos os fieis que necessitassem ver seus problemas e clamores encaminhados até a Corte.

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Os fatos narrados transcorreram em 1231 (data que o mesmo autor, em outro trecho, contesta para registrar 1237). Contudo, para nós, no caso tal não tem importância fundamental no que respeita as datas, porém na originalidade do processo de instituição do Cortejo Imperial na Festa de Pentecostes.

Foi a festa disseminada por todo o território português, onde todas as comunidades celebravam essa simbólica Missa da Coroação, à qual toda a nobreza, em ordem e com toda a gala, hierarquia, confraria e povo, compareciam.

Estava sendo criado o CORTEJO IMPERIAL DOS IMPÉRIOS DO DIVINO, vivido com muita fé, esperança e caridade. A tradição foi tão fortemente assimilada que perdura até nossos dias, e, em particular nas comunidades açorianas, visto que, nos Açores, tal tradição ficou mais fortemente conservada e cultuada.

COMUNICAÇÕES

HERANÇA PORTUGUESA EM SÃO LOURENÇO DO SUL – RSMaria Roselaine Cunha dos Santos

A Vila do Boqueirão é a mais antiga povoação do município de São Lourenço do Sul, situada na zona em que as terras de fazendas da planície costeira da Laguna dos Patos encontra a Serra de Tapes. Neste local originou-se o aldeamento em torno de uma capela dedicada a Nossa Senhora da Imaculada Conceição do Boqueirão, cuja data remonta ao ano de 1807. neste lugar estabeleceram-se pequenos proprietários de terras, principalmente açorianos, italianos, afro-descendentes, estes de natureza profundamente religiosa, contribuíram para desenvolver um grande sentimento de fé, devoção e religiosidade entre os habitantes de Boqueirão e com eles nasceu a Festa do Divino Espírito Santo, trazida de Portugal pelos açorianos.

As principais manifestações de origem da festa são a fé religiosa e os rituais e emblema transmitidos de uma geração para outra, como foi instituído no princípio pela rainha Isabel de Aragão, esposa de Dom Diniz, rei de Portugal.

As festas religiosas em São Lourenço do Sul dividem-se em duas partes inconfundíveis: a parte profana que é a que mais interessa ao folclore, porque é ruidosa e alegre e constitui-se de leilõies de gado, local para a venda de comestíveis, realização de jogos permitidos, coretos e bailes populares e a parte religiosa constituída de alvorada ao amanhecer, repicar de sinos, missa solene, procissão solene e banda de música.

Em um local apropriado é montado o Império do Divino onde é armado o trono e ali são depositados a Coroa, o Cetro e Salva usada pelos festeiros e pela imperatriz e as Bandeiras do Divino que são

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levadas às ruas, em desfile durante a procissão. Os personagens dirigentes são o Imperador e ou a Imperatriz da Festa do Divino Espírito Santo, o casal festeiro e a estes segue-se o capitão ou padrinho do mastro e a madrinha ou alferes da Bandeira.

A figura da Imperatriz e do Imperador na Festa do Divino Espírito Santo no Brasil é tão significativa que em 1822 o Ministro José Bonifácio de Andrada e Silva escolheu o título de Imperador para Dom Pedro II porque o povo estava mais habituado com o nome de Imperador (do Divino) do que com o nome de Rei, como afirma Câmara Cascudo.

Na localidade de Nossa Senhora da Conceição do Boqueirão, encontra-se no livro-tombo, j´pa em 1890, o nome do Sr. Cândido Carvalho de Abreu como festeiro da Festa do Divino Espírito Santo.

Festa do Divino Espírito Santo em Santo Antônio de Lisboa:Espaço de Resistência e Valorização da Cultura Açoriana

Sérgio Luiz Ferreira

As festas do Divino em Santa Catarina sofreram nos últimos anos uma grande transformação. As chamadas festas particulares tornaram-se, em muitas paróquias, o principal evento de arrecadação de fundos para a manutenção das atividades paroquiais. Concomitantemente os padres passaram a ter mais influência sobre as atividades e a programação das festas, tornando-as, de modo geral mais afeitas ao catolicismo romano e minimizando e minimizando as influências do dito catolicismo popular de origem ibérica.

Um dos efeitos desta romanização das festas do Divino foi a diminuição do caráter de partilha que elas tinham. Aos poucos os bodos foram-se acabando nas festas.

De modo geral, tradicionalmente, em Santo Antônio de Lisboa, os imperadores (festeiros) eram políticos ou pessoas de posses que pudessem arcar com as despesas da festa. Em 1891 assumiu uma nova diretoria da Irmandade que rompeu com o ciclo de imperadores políticos. Uma das determinações do novo provedor Altino Dealtino Cabral (1922-1999), que foi provedor de 1981 a 1998 era que o imperador fosse da comunidade. Deu-se dessa forma, uma guinada no jeito de fazer a festa do Divino.

A partir de 1985 algumas festas passaram a contar com semanas culturais em sua programação.desde 1998, a festa apresenta programação cultural e religiosa que dura pelo menos cinco dias. Uma comissão permanente planeja e organiza a festa ao longo de todo o ano e procura sempre aliar a religiosidade dos AÇOÇRES E A CULTURA DO LITORAL DE Santa Catarina. Ao longo

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desses anos vários grupos dos Açores estiveram em Santo Antônio DE Lisboa (Ilha de São Miguel, Terceira e Pico).

Entre as várias manifestações da cultura de Santa Catarina prestigiadas pela festa do Divino de Santo Antônio de Lisboa está a farinhada que acontece desde 1998 no Casarão Engenho dos Andrade, patrimônio histórico tombado. Também acontecem apresentações do Boi-de-Mamão, Pau-de-Fita e outras danças folclóricas. Desde 2002 ocorre também um desfile de carros de boi.

O ciclo do Divino inicia em meados de junho e vai até a realizaçãoda festa no início de setembro com novenas com ladainha em latim que acontecem todos os dias. Em cada uma das cinco comunidades do distrito há uma grande novena com folia do Divino, leilões e bingo.

Desde 2005 a a festa do Divino de Santo conta com a parceria da Casa dos Açores Ilha de Santa Catarina, que entre as suas atividades promove a função do Divino com a distribuição gratuita da Sopa do espírito Santo a toda a comunidade numa noite de festa.

AS FESTAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM OSÓRIO – RS

Maria Regina Santos de Oliveira

A idéia de resgatar a tradição das Festas do Divino na comunidade osoriense nasceu da curiosidade de saber como eram as festas em meu município e como ao longo dos anos vem se mantendo em meio às várias transformações sociais, religiosas e culturais que historicamente acompanham a evolução da sociedade de um modo geral, fato também comum na região do litoral norte do Rio Grande do Sul, mais precisamente no município de Osório, atualmente com uma população de aproximadamente quarenta mil habitantes, sendo que a economia local é baseada no comércio e no funcionalismo público. Indústrias e fábricas são poucas. O governo não investe quase nada em cultura de preservação do patrimônio histórico, não tem profissionais qualificados para este trabalho, mesmo tendo uma faculade que mantém um curso de História. A tendência é que haja uma mudança, pois está sendo implantado na região o maior parque eólico da América Latina, com setenta e cinco aerogeradores e talvez Osório torne-se um município turístico. Tal realidade está conscientizando para a necessidade do resgate e preservação das raízes açorianas.

Osório foi povoado praticamente por açorianos, mas outras etnias fazem parte da nossa cultura. São elas: africana, italiana, indígena e outras. Com elas veio todo um legado cultural: danças, culinária e a religiosidade expressa na Festa do Divino.

SINGRANDO MEMÓRIAS

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Lélia Pereira da Silva Nunes

O Espírito Santo numa comunidade baleeira do século XIX

Baleeira alada da Memória:

Ao singrar pelos Caminhos do Divino em Santa Catarina encontra-se, no Norte do Estado, o município de Penha que nasceu junto a Armação de São João Batista de Itapocorói (do guarani itapocoró, significando semelhante a muro de pedra), e foi uma das mais importantes armações baleeiras do Sul do Brasil, cujo início data de 1778.

O primeiro núcleo baleeiro, Armação Grande de NS.da Piedade, surgiu na época da instalação do Governo da Capitania de Santa Catarina, em 1742, presidido pelo Brigadeiro José da Silva Paes, quando o Rei de Portugal outorgou a Tomé Gomes Moreira, de Lisboa, a concessão para a pesca das baleias em águas do Brasil Sul que vigorou de 1742 a 1753. Era o início do ciclo catarinense das armações de baleias que trouxe grande prosperidade econômica para a Província e as instalações dos núcleos de pesca do cetáceo constituíram agrupamentos humanos de intensa atividade social.

Armação de baleias de São João Batista de Itapocorói

A armação de São João Batista de Itapocorói foi implantada e construída sob a vigência do contrato de Joaquim Pedro Quintela & Cia, de 1777 a 1789, ao norte do rio Itajaí-açu, na enseada situada entre as pontas da Armação e de Piçarras.

Os primeiros povoadores açorianos chegam na região no século XVIII, vindos da Ilha de Santa Catarina em razão da invasão espanhola de fevereiro de 1777 e à procura de novos locais para a caça e beneficiamento da baleia. O que em muito contribuiu o trabalho do homem açoriano já acostumado à faina de captura e industrialização da baleia.

O período de vigência do contrato dos Quintelas marcou o apogeu e também assinalou o melancólico declínio das armações de baleias no litoral catarinense. A atividade encerra-se, efetivamente, no ano de 1973, com a proibição da caça à baleia em todo o território nacional. Ainda hoje velhos baleeiros relembram histórias da sua luta no mar, o frenesi provocado pelo grito do “vigia” anunciando “baleia à vista”, o repicar dos sinos, a agitação do povoado em direção da praia. Mas, sobretudo, suas histórias são de profundo respeito para com aquele gigante dos mares tão bem retratado e celebrizado por Hermann Melville (1819-1891) em seu romance Moby Dick de 1851.

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PENHA

Com o fim do ciclo da captura das baleias no litoral catarinense, a economia do lugar se alicerça na pesca artesanal e no comércio de subsistência. O Distrito de Itapocorói, sede do curato de São João Batista, perde a liderança para o povoado de Penha, situado na parte Norte da praia de Itapocorói, com uma capelinha erigida no ano de 1825 em honra a Nossa Senhora da Penha. O povoado expande-se e em 23 de maio de 1839, é elevado à categoria de Freguesia, sob a denominação de Nossa Senhora da Penha de Itapocorói.

Hoje, o município de Penha, criado em 1958, com cerca de 18.000 habitantes, num território de 60,3 km² é um dos mais procurados balneários catarinenses. Ao lado da pesca e da maricultura, o turismo representa uma relevante fonte de renda do município, que abriga numa área de 14 milhões de metros quadrados,“Beto Carrero World”, o maior parque temático da América Latina.

Festa do Divino Espírito Santo: Um ritual singular

Tendo por pano de fundo a história social e econômica das “armações” de baleias, esta comunicação apresenta a celebração da Festa do Divino Espírito Santo que, há 170 anos, vem sendo realizada e cultuada num ritual singular e único no Estado de Santa Catarina, herança de seus antepassados açorianos.

Conta a tradição oral que o açoriano José Honorato Coelho Rocha em 1818 trouxe para a Armação de Itapocorói uma Coroa do Espírito Santo e a guardou na Igreja de São João Batista (ereta nos limites da armação) sem nunca ter realizado uma Festa. Com a venda da armação a coroa foi levada para a capela de Nossa Senhora da Penha. Corria o ano de 1836.

Neste mesmo ano, num domingo de Pentecostes, dia 18 de maio aconteceu a realização da primeira Festa do Divino Espírito Santo, por iniciativa do capelão, açoriano de origem, Manuel Anacleto Correia que sendo o Imperador convidou doze moradores, reuniu-os em três grupos e entregou a cada grupo, os papéis de “empregados de vela”, “empregados de vara” e “alferes de bandeira.” Nascia, aí, o curioso costume de convidar os “empregados da festa”, número que foi sendo ampliado ao longo dos anos.Atualmente compreende o considerável número de 1.200 empregados, sendo cerca 800 empregados de Vela, 12 empregados de Vara (pessoas da família do Imperador) e 388 alferes de Bandeira. Ano após ano, o ritual se repete numa renovação de fé, sendo cada morador o guardião da tradição, fielmente preservada pela comunidade.

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Privilegiou-se, nesta comunicação, os registros de memória coletiva, o “tecer junto” da tradição oral, repositório de crenças seculares, do saber feito de história, de experiências acumuladas, conservadas e reproduzidas sob diversos matizes e formas. Um patrimônio cultural expresso e retratado por traços sobreviventes de uma longínqua matriz açoriana, perdida na singradura do tempo, sem qualquer registro que não o da memorialidade, da transmissão oral.

Périplo da Bandeira e os Foliões do Divino

Com uma duração de três dias, sábado, domingo e segunda-feira, a Festa é precedida pelo ritual das novenas e, muitos meses antes, pelo périplo da Bandeira do Divino, iniciado no primeiro sábado após o Carnaval. O peditório da bandeira é uma verdadeira romaria que se estende por toda a região, percorrendo os municípios de Piçarras, Barra Velha, Navegantes, Ilhota e Itajaí. São visitadas de quinze a vinte casas por dia e no final do peditório um total de, aproximadamente, quinhentas casas receberam a visita da Bandeira.

A Bandeira do peditório ou da “Evangelização” –denominação local – parte em visita às casas de toda a região,acompanhada dos foliões do Divino e da família do Imperador, fazendo o convite aos “empregados da festa” e angariando donativos.

FOLIÕES

Os foliões são peças fundamentais do peditório. Eles é que anunciam a chegada da Bandeira, conduzem o ritual do peditório e o convite dos “empregados da festa”. O grupo de foliões é formado por um mestre-folião, tocador de viola de doze cordas, um contra-mestre de tambor e um contra-mestre de rebeca. Ao chegar na primeira parada, o Casal Imperador entrega a Bandeira à dona da casa. Os foliões entoam a cantoria de saudação e convite em versos de improviso, entoados com muita harmonia e puxados pelo “mestre-folião”. Após a cantoria é feita uma oração em louvor ao Espírito Santo. Os donos da casa agradecem o convite e oferecem algum alimento à comitiva imperial. Em todas as casas uma mesa farta, preparada com muito esmero, aguarda os visitantes, independendo da hora do dia em que elas acontecem.

Ao final da visita, os foliões cantam, agradecendo a acolhida e se despedem. Segundo a tradição local, a dona da casa visitada é quem leva a Bandeira a próxima casa, e assim o ritual se repete até a véspera do dia de Pentecostes.

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A missão imperial em suas saídas com a Bandeira tem um significado maior – o de levar e promover a paz, reconciliando desafetos e buscando o entendimento entre as famílias. A Bandeira do Divino, pela força simbólica e subjetiva que representa, por onde passa fascina, confraterniza na partilha do alimento e emociona.

Na última casa visitada pela Bandeira, no sábado e no domingo, acontece a Dança de São Gonçalo. Uma mistura da religiosidade católica trazida pelos portugueses, com o sincretismo afro e indígena, observados na marcação dos passos e no ritmo cadente dos foliões que ali também tiram versos de improviso, enquanto todos os participantes dançam num clima de grande animação.

Apresentam-se, a seguir, à guisa de exemplo, cantorias coletadas no município de Penha, por ocasião do peditório da Bandeira.

A primeira é de autoria do mestre folião Sebastião Aurélio dos Santos, o mestre Picucho, que por mais de trinta anos cantou e tocou violão de dez cordas, por toda a região. Hoje, seu sobrinho e seu neto continuam a tradição dos Foliões do Divino.

Cantoria

(convite para empregado de vela)“Ao chegar em sua casa,encontramos uma vela acesa,para receber o Divino,com amor e presteza

Nosso nobre imperador,veio aqui te convidar,para empregado de velaquando ele coroar.

No dia 25 de maio à noite,na Penha vai esperar,e aquela Santa Coroa,temos todos que iluminar”. O nosso muito obrigado, (Despedida) também em nome do Imperador,deixando para vocêsmuita saúde, paz e amor.

A segunda cantoria é de autoria do atual mestre-folião José Olavo Coelho (1995 foi o imperador), que há vinte anos assumiu a função, revelando agilidade e facilidade na arte de improvisar versos. Devoto do Espírito Santo é conhecido na comunidade por sua luta no resgate da memória cultural e na defesa das tradições do Divino. Foi

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coletada no dia 30 de abril de 2006, na residência do casal Pedro e Imaculada Rocha.

Cantoria da Bandeira

(Chegada)

“Foi um gesto tão bonitopor quem já esteve no reinado.Este encontro do Divinode quem já foi coroado.Na entrada do portãoteve encontro das bandeiras.Com gesto de tradição,com folhas de laranjeira.A Bernardina é a Imperatriz,e o Francisco Imperador.Veio trazer nesta visitaSó carinho, paz e amor.Família de Imperadorhoje estão sendo convidados.Cinco alferes de Bandeiranos seus convites estão marcados.

Mais três empregados de Velatambém estão sendo convidados.Na casa do Pedro Rochaforam também abençoados.(Agradecimento)Estamos maravilhadoscom a vossa franquezaque o Divino sempre dobreo pão de vossa mesa.O Imperador agradecea sua oferta dadaque o Divino nunca saiamais da sua casa.

No sábado, véspera de Pentecostes, encerra as visitas da Bandeira peditória e o ciclo das novenas, que por nove noites seguidas foram rezadas na Igreja Matriz.

Rituais, Símbolos e Práticas Coletivas

É costume o Imperador, no sábado pela manhã, buscar a coroa, cetro e salva na Igreja para proceder à limpeza das peças e prepará-las para a coroação.

Sábado à noite, após a novena e celebração da missa, ocorre o ritual do “translado e depósito da Coroa” na Casa Imperial ou Casa do

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Pouso. A comitiva imperial, formada pelo Casal Imperador, Trinchante da Coroa, Trinchante do Cetro, Espadim (menino-imperador),menina-imperatriz, empregados da festa, foliões, familiares, convidados e populares vão, em procissão, depositar a Coroa, Cetro e Bandeiras na Casa Imperial. Cabe aos Trinchantes levarem a Coroa e Cetro. O Imperador só poderá segurar as insígnias depois da cerimônia de coroação. É a residência da família Evilásio Adriano, “seu Nem”, situada bem próxima a Igreja Matriz, que há mais de 30 anos, durante o período da Festa, se transforma na Casa Imperial.

Os foliões cantam o pedido para a pousada:

“A pombinha do DivinoDe voar já está cansada,Vem pedir aos seus devotosQue lhe dêem uma pousada.”

Um altar preparado na sala acolhe as alfaias do Divino. Para esta família de devotos é uma noite especial, passada em vigília, oração e protegendo o valioso patrimônio que a comunidade colocou sob sua guarda.

A alvorada do domingo é recebida com grande queima de

fogos, saudando o dia de Pentecostes, o principal dia da Festa do Espírito Santo.

Da Casa Imperial sai o cortejo em direção à Igreja Matriz Nossa Senhora da Penha para a solene missa da coroação. Na sua composição identifica-se a presença de elementos estranhos que foram introduzidos, nos últimos tempos, por influência da ação evangelizadora dos párocos e até por interferência direta do próprio Imperador e da comissão organizadora da festa.

Desta forma, integram o Cortejo:

– porta-bandeiras – jovens trajadas de branco e vermelho que abrem a procissão conduzindo a “bandeira branca” da Santíssima Trindade, a “bandeira da encarnação” (vermelha) do Divino Espírito Santo e a “bandeira peditória” que visitou as casas, aí conhecida como “bandeira da Evangelização”;

– estandarte do Divino – confeccionado em tecido vermelho, representa o reino do Espírito Santo, conduzido por um membro da família do Imperador;

– “meninas dos sete dons” – sete meninas com idades entre sete e oito anos representando os dons do Divino: sabedoria, inteligência, ciência, conselho, fortaleza, piedade e temor de Deus;

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– autoridades militares e civis – levam as bandeiras do Brasil, do Estado de Santa Catarina e dos municípios de Penha, Piçarras, Navegantes e Itajaí;

– “alferes de bandeira” –homens que portam as bandeiras do

Divino e o número varia a cada ano; para a Festa de 2006 foram convidados cerca de 380 alferes;

– “empregados de vela” –homens e mulheres, com velas vermelhas acesas. As velas representam a chama divina do Espírito Santo; para 2006 foram convidados 800 empregados de vela;

– “empregados de vara” – doze homens seguram doze varas vermelhas, o mesmo número dos apóstolos, formando um grande quadro em torno do Imperador, séquito imperial, autoridades eclesiásticas, familiares e convidados; são escolhidos para esta função familiares do Imperador e da Imperatriz;

– “espadim” (menino-imperador) – em traje de época, representa o filho da Rainha Isabel e Dom Dinis;

– trinchantes – em número de dois levam a coroa e o cetro e são responsáveis por sua guarda;

– foliões – grupo de músicos e cantadores formado por “mestre-folião”, “contra-mestre de rebeca” e “contra-mestre de tambor”. O mestre-folião é quem coordena a folia, tocando a viola de dez cordas, puxa a cantoria, improvisa os versos e vai orientando cada passo do ritual em todas as cerimônias litúrgicas e profanas. Os foliões fecham o cortejo com grande acompanhamento de populares.

Na missa solene da coroação são os foliões com sua cantoria que definem a seqüência do ritual, coordenando cada parte da cerimônia litúrgica. Adentram no recinto da Igreja cantando em versos improvisados as orientações que deverão ser seguidas, passo a passo, tanto pelo celebrante da missa quanto pelo Imperador e demais participantes do séquito imperial durante aquela cerimônia religiosa, de difícil compreensão para o leigo espectador. Antes de iniciar a liturgia da missa, a cantoria dos foliões puxada pelo mestre-folião dá o sinal para o sacerdote coroar o Imperador. Os foliões, então, voltam a cantar:

"O Imperador coroadoas velas podem apagarReverendíssimo Padre Joãoa missa pode começar.”

Terminada a missa, há uma farta distribuição de "pãezinhos bentos" e o cortejo deixa a Matriz, segue para o Salão Imperial, onde o Imperador oferece um banquete aos "empregados da festa" e

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convidados. Ainda no domingo à tarde, tem lugar o "encontro do Imperador com a família". O Imperador sai da Igreja Matriz com o séquito imperial e vai, em procissão, se encontrar com a família que está à sua espera na frente da Prefeitura Municipal. Ocasião que ele coloca a coroa na cabeça de sua mulher e filhos e segue coroando parentes, amigos e, também, as pessoas que estão pagando promessa ao Divino.

O cortejo retorna à Igreja para a missa e eleição do Imperador da Festa do ano seguinte. De uma lista de doze candidatos, o padre sorteia o nome do novo Imperador. Ser Imperador é uma honra, um sinal de prestígio ante a comunidade. Uma mobilidade social e um poder temporal, efêmero é verdade, todavia até a próxima Festa é muito real.

A Festa encerra na segunda-feira, a oitava do Divino, que é feriado municipal, com missa pela manhã para entrega das alfaias: coroa e cetro,seguido de almoço para os participantes, folguedos populares e baile de encerramento no salão paroquial.

Termina mais um Ciclo do Divino Espírito Santo e outro já está a caminho e a cada ano se renova e se (re)inventa com louvor e muita devoção.

O culto e a celebração da Festa do Divino Espírito Santo no município de Penha, litoral norte catarinense, na sua representação contemporânea revelam todo o seu vigor, manifestando um elevado grau de complexidade tanto no âmbito dos atos litúrgicos como nas práticas coletivas, na recriação do espaço da festa e prolongado no tempo, na exteriorização do conteúdo simbólico e subjetivo, no périplo da Bandeira do Divino,na corte Imperial, nos foliões que marcam o desenrolar dos ritos sacros e profanos tecidos e reinventados pelo imaginário popular.

Contudo, num olhar mais demorado sobre a Festa do Divino no município de Penha o que se vê na baleeira alada da memória coletiva é a pujança de sentimentos, a profunda religiosidade, a expressão da vivência comunitária nos sons da alegria envolvendo a todos, homens, mulheres e crianças, na fé e no louvor ao Espírito Santo.

A Festa do Divino em Criúva

Darvi LorandiLuiz Cezar Vacchi

A Festa do Divino em Criúva é um costume que foi trazido pelos açorianos no início do século passado, quando iniciou a povoação do distrito. Famílias que chegaram ao distrito originárias de

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Santo Antônio da Patrulha traziam consigo uma grande devoção pelo Divino Espírito Santo

Conforme informações recolhidas através de pesquisadores e documentários encontrados, dão conta de que no início do século XX era tradicional na comunidade de Criúva realizar-se a Festa do Divino entre as Famílias da localidade, sendo que a festa era realizada durante nove noites, uma noite na casa de cada família e no dia da festa o imperador tinha como obrigação fornecer a comida para as pessoas da comunidade bem como visitantes e viajantes que se encontravam na comunidade no dia da festa.

Após um período em que a festa esteve em esquecimento, no ano de 1970 o Padre Pedro Rizzon assume a coordenação da Paróquia de Criúva, e resolve reestruturar novamente a festa na comunidade.

No ano de 1971 é realizada novamente a Festa do Divino, com as nove novenas e a procissão com o Esplendor do Divino, são nomeados dois casais festeiros, e designados vários alferes de bandeiras para visitar as famílias no interior do distrito.

A partir daí a festa começa a ganhar projeção e são realizadas edições anuais, sempre com as nove novenas e dois casais festeiros.Em meados dos anos setenta juntamente com o músico Jorge Boca de Sino o Padre Pedro introduz na festa a Louvação do Divino,ritual que é preservado até os dias atuais, que consiste em um grupo de músicos que juntamente com os festeiros visitam as comunidades e casas de família cantando músicas do Divino e abençoando as propriedades, empresas e pessoas devotas.

No ano de 1981 é introduzido novamente a presença do imperador, mais tarde criou-se a função do Capitão do Mastro, e finalmente a de festeira de Honra, que juntamente com três casais festeiros compõem o grupo atual da Festa do Divino.

Como a região de Criúva apresenta um número muito grande de famílias que desenvolvem atividades econômicas voltadas à pecuária, era muito comum no momento em que a bandeira visitava as pessoas ofertarem o fruto do seu trabalho, neste caso o queijo, que depois era leiloado no dia da festa, revertendo em lucro para a mesma. Em virtude disso decidiu-se produzir um queijo maior com a participação de todos e que representasse todo o envolvimento da comunidade nos preparativos do mesmo. Em 1991 foi confeccionado o primeiro queijo do divino que pesava aproximadamente 45kg, após foram adaptando novas formas de preparo até chegar ao tamanho atual de aproximadamente 160kg.Todo o leite utilizado para a confecção do queijo bem como a mão de obra utilizada é ofertada pelas famílias da comunidade, sendo o mesmo sorteado no dia da festa entre as pessoas que participam da mesma.

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A Festa do Divino é realizada todo o ano no terceiro domingo de maio, sendo que a abertura oficial é realizada ao final da tarde do dia em que inicia a primeira novena, a partir daí são nove noites de festa , todas elas com missa, janta e baile, e no décimo dia é realizada a festa. Outra característica da Festa do Divino é a presença das Aias do Divino, que são meninas escolhidas pelos festeiros e que os acompanham durante as visitas da bandeira e durante a festa desempenhando uma função como uma secretária. Nas primeiras festas realizadas a partir de 1970 no lugar das aias existiam as princesas e rainha da festa , que eram escolhidas através de venda de votos, sendo coroadas no dia da festa.

A partir do ano de 1992 o padre Pedro Rizzon aposenta-se e a coordenação religiosa da festa passa a ser do Padre Osmar Possamai, um dos maiores pesquisadores e historiadores de Festa do Divino do Brasil que através de livros e documentários divulgou a festa para o Brasil e vários países. Outro fato distinto da Festa do Divino de Criúva é a presença do ministro dos alferes, que trata-se de um membro da comunidade, que indicado pelo Bispo, acompanha a equipe de cantores e festeiros, levando a benção , distribuindo comunhão e realizando celebrações.

Festa do Divino

É com muita alegria que estamos neste Congresso Internacional representando a nossa amada Terra Criúva, pois lá também cultiva-se esta linda tradição de festejar o Divino Espírito Santo.

Todos os anos no terceiro domingo de maio é realizada esta festa. Festejar o Divino é antes de tudo adorar a terceira pessoa da Santíssima Trindade Deus Pai que nos criou, Deus filho que nos libertou e Deus espírito santo que nos santificou.

Nós de Criúva festejamos o Divino em maio pela época de Pentecostes que quer dizer a Vinda do Espírito Santo e em 2007 nós faremos a Festa de 11 a 20 de maio. O Divino é festejado lá há mais de 100anos, mas foi depois da vinda em nossa comunidade do Pe. Pedro Rizzon que tudo se modificou, pois ele juntamente com Jorge de Oliveira Rodrigues resolveram visitar algumas famílias para convidar para a festa e ao mesmo tempo levavam uma mensagem e também cantavam para anunciar a visita da bandeira.

O Pe. Pedro era muito devoto e dizia sempre que ele após ser batizado era o hospedeiro do Divino em seu coração e que todos deviam cultivar esta homenagem ao Deus de amor que mora em nossos corações.

Então o Sr. Jorge de O. Rodrigues (Boca de Sino) fez algumas músicas, e com Pe. Pedro organizaram algumas comitivas e iniciaram

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as equipes de louvação que ao passar do tempo foram se modificando um pouco, mas que até hoje continuam ainda. A partir dos primeiros dias de março numa missa solene recebem o envio e vão até o dia da festa sempre com esta equipe, fazendo a Louvação em preparação à festa do Divino E. Santo.

Nesta Louvação vão os seguintes casais:

Capitães do mastroSra Festeira de HonraFesteiro de Criúva – casalFesteiro de Caxias do Sul – casalFesteiro de São Marcos – casalImperadores do Divino – casalAias do Divino (5)Padre ou ministroOs músicos

Primeiro com a música, pedem licença para entrar, e começam a cantar a entrada.

Depois o sacerdote ou ministro dirige a palavra aos donos da casa e vai benzendo todas as peças da casa, galpões, animais, plantações e tudo que tiver ao redor da casa.

Depois os donos da casa oferecem algo para comer e beber enquanto os músicos tocam músicas populares para a confraternização entre todos.

Terminada a música, o ministro convida para a festa e também deixa uma mensagem geralmente referente a campanha da fraternidade de cada ano e após faz uma oração e abençoa a todos, aspergindo água benta sobre todos. Os músicos tocam a despedida e daí partem para outra família, e assim se sucedem em muitos lugares e cidades.

O Pe. Pedro ia sempre acompanhando o grupo, mas em 1991 eu (Darvi José Lorandi) fui convidado para ser festeiro e lógico que o centro é o Divino E. Santo, mas como o Pe. Pedro falava que lá nos Açores era costume distribuir entre o povo queijo e leite devido ao que Deus disse a Abraão “ Eu te darei uma Terra que corre leite e mel e como lá em Criúva há bastante queijo e leite, me veio a mente fazer um queijo grande para ser mais um atrativo da nossa Festa do Divino.

O primeiro pesou 85 kg em 1991.

Depois o seguinte aumentou um pouco, e neste ano de 2006 pesou 155kg sendo que todo o leite foi doado pelos devotos , bem como o sal e o coalho juntamente com a mão de obra pois neste dia é uma verdadeira festa, pois todos querem ajudar e agora ganhamos uma prensa hidráulica então se torna mais fácil.

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Depois este queijo é sorteado e o ganhador faz dele o que bem entender.

O Pe. Pedro reativou esta grande festa, mas ele foi ficando velho e a sua última participação direta foi em 1991. Depois vieram outros padres que seguiam a tradição de acompanhar a Louvação, até o ano de 2001 quando o Pároco de São Marcos e Criúva Pe. Osmar disse que os padres não podiam mais acompanhar em todas as louvações. Pe. Osmar falou com o Sr. Bispo Dom Paulo Moreto e em 2002 o Pe. Osmar e o Bispo me chamaram antes de começar a louvação e Dom Paulo me nomeou como: “Ministro dos Alferes da Bandeira do Divino”. Eu disse a eles que não precisava de um nome tão pomposo podia ser só “servo do Divino” mas o Sr. Bispo disse que o nome certo era este mesmo e que ele não tinha conhecimento de outro igual a este. Juntamente com esta nomeação ele me autorizou, pois já era ministro de outros serviços, a Batizar, a fazer enterros, ser ministro da Palavra, da Eucaristia, da Benção dos doentes, enfim, tudo que fosse necessário.

E daí para adiante eu acompanho todos os anos, não substituindo o Pe. Pedro, mas prestando um serviço a comunidade e fazendo com que a festa do Divino E. Santo seja cada vez mais bonita, e mais espiritual. Por isso eu digo sempre na Louvação e na minha vida:

“Benção Divino E. Santo, “

A equipe de Louvação visita muitas localidades tais como : S. Marcos, Campestre, Flores da Cunha, Caxias do Sul, Juá, Criúva e toda a zona do campo, suas capelas. Fomos a Montenegro, Porto Alegre em visita a Assembléia e ao governador. Além do mais temos um intercâmbio bonito com Vila Seca e com Sagrada Família de Caxias do Sul, são praticamente 3 meses de caminhadas missionárias, pois levar uma mensagem do Divino aos irmãos é uma missão – emoção – choro. Por isso pedimos licença para iniciarmos a nossa Louvação cantando.

A bandeira do DivinoVai entrar nesta morada, ai, aiVisitar a sua casaPra que seja abençoada, ai,aiA Bandeira do DivinoVem trazer paz e amor, ai, aiConvidar vossa famíliaPara a festa em seu louvor, ai, ai

Desejamos que a bandeiraSeja uma estrela que brilha, ai, aiQue traga paz e saúde

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A toda sua famíliaQueremos paz e perdãoA família e seus parentes, ai, aiTrazendo muita alegriaE dando saúde aos doentes, ai, ai

O Divino Espírito SantoVeio lhe dar proteção, ai, aiVenho em forma de pombinhaPra provar sua mansidão, ai, aiO Divino vem pedirQue aqui não viva a tristeza, ai, aiViva somente alegriaE bastante pão na mesa, ai,ai

A bandeira se despedeDesta casa hospitaleira, ai, aiOs devotos do DivinoEstão beijado a bandeira, ai, aiUns devotos estão chorandoOutros sorriem de contente, ai, aiSe Deus quiser para o anoVoltaremos novamente, ai, ai

Após também a palavra do Ministro e benção dirigida aos participantes do congresso, o Canto despedida e beijo á bandeira.

Cavalhadas – Simbologia e Lúdica dentro da Festa do Divino

Ana Zenaide Gomes OuriqueRosa Maria Gil Gomes

Nosso tema se refere às Cavalhadas dentro da festa do Divino Espírito Santo. Sempre em Santo Antônio aconteciam Cavalhadas juntamente com a festa do Divino. Nas localidades do interior festejava-se com o padroeiro destas. Na década de 1980 a festa do Divino se uniu à festa do padroeiro-Santo Antônio – e as Cavalhadas deixaram de ser representadas seguidamente. Era de acordo com o desejo do pároco da época ou dos festeiros. Elas continuaram acontecendo, não somente na festa do Divino e do Padroeiro, mas também em outras comemorações.

É uma luta simulada entre mouros e cristãos, baseada nos feitos do Imperador Carlos Magno, defensor do Cristianismo. É, possivelmente, a mais antiga das tradições e foi passando de uma geração a outra, quase sempre envolvendo pessoas com laços familiares, como uma transmissão hereditária.Cada localidade possui suas características e adquire a roupagem que seu povo cria, seu imaginário ou crenças.

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São doze corredores mouros vestindo casacos em veludo vermelho com bordados em dourado, calças brancas com listra lateral, também em veludo vermelho, casquete vermelho tendo o símbolo da lua crescente bordado. As botas destes cavaleiros devem ser marrons. O cavaleiro cristão veste casaco em veludo azul com bordados prateados, calça branca com listra azul, casquete com o símbolo da estrela. Botas pretas. As vestes do embaixador diferem um pouco. Usam uma sobre capa em tule. As vestes do guia e contra guia também possuem capas, que são menores.Os bordados seguem a criatividade de cada um, porém, jamais um cristão bordará a lua crescente acontecendo o mesmo com o mouro no uso da estrela. Predominava o bordado com flor-de-lis.

Os cavalos deverão ter um porte garboso, pelagem bonita, e são enfeitados com os símbolos respectivos: lua crescente, em laminado dourado para mouros e estrela em prata, para os cristãos. Cada animal também é enfeitado com flores de papel crepom ou equivalente.Mais ou menos 18 flores, sendo 12 vermelhas e 6 brancas para o animal do mouro e, 12 azuis e 6 brancas para o animal do cristão. A princesa Floripa usa vestido branco com detalhes em cetim ou veludo vermelho, colete vermelho, meias brancas,sapatos brancos, chapéu vermelho com detalhes em prata ou dourado ornamentado com flores vermelhas e brancas de um lado e, fitas também das mesmas cores. Carrega nas mãos um buquê de flores com fitas vermelhas e brancas. A capa azul, bordada em prata somente será colocada na Floripa, mais tarde, após o rapto e sua conversão ao cristianismo.O porta-estandarte usa roupa idêntica à dos demais corredores, apenas leva uma bandeira azul, com o respectivo símbolo do cristão e o mouro, uma bandeira vermelha, também com seu símbolo. O castelo mouro fica localizado para o lado do sol nascente e o cristão para o poente. Arreios são parte importante da indumentária. São luxuosos e bem cuidados: cabeça em prata ou alpaca, esporas, estribo e rabicho também do mesmo material bem como o peitoral, o fiador e o passador (espécie de canos por onde passam as rédeas). O animal deve ser “bom de rédea”. É usada a lança. Em madeira pintada de azul e branco ou vermelho e branco com listras diagonais. Na ponta, um laço de fita. Há ainda a “garrucha” ou pistola especial, de dois canos, coldre em couro, espada e bainha em prata. Cada corredor deve portar dois lenços brancos: um para a despedida e, outro para segurar a espada à perna e que será usada após a Tomada do Castelo.

Os máscaras ou palhaços, um deles, é o destaque: o Espia.Vestem macacão de chita estampado, chapéu de palha com debruns e flores, máscaras e botas. O Espia (um destes palhaços) veste o macacão com estamparia em azul e vermelho. Por isso o nome Espia. Não se sabe a quem pertence. Sofia, mulher do Espia, usa peruca e máscara feminina, casaco e saia feminina e uma calça masculina por baixo da saia. Os cavalos destes não possuem o mesmo porte dos corredores.

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Até 1968 aproximadamente, as Cavalhadas eram durante o dia inteiro. Depois, com os problemas do dia-a-dia, a falta de espaço, a mudança da vida rural para a urbana, a busca de novas profissões, foram resumidas, sem descaracterizá-las. Algumas partes realizadas por alguns cavaleiros e, as lutas individuais apenas com uma das armas. Enquanto uns faziam com lanças, o grupo seguinte realizava com pistola e espada. O local também alterou. Antes era em frente à Igreja Católica. Atualmente, mesmo dentro da festa do Divino, as Cavalhadas são realizadas em local próximo, mas que o espaço seja adequado aos 24 corredores, além dos pajens (pessoas que alcançam as armas ou seguram cavalos). Talvez, pelas dificuldades, houve o espaço de alguns anos sem Cavalhadas.Em 1982, organizaram um grupo em Mostardas e Tavares e também correram na Multifeira, em Esteio e, em 1983 reativaram, durante os festejos do 1º Festival do Sonho. Assim, depois, aconteceram mais seguidamente: ou Santo Antônio, ou Gravataí e Glorinha O grupo de participantes era formado por habilidosos gaúchos, cavaleiros destemidos, na maioria chefes de família. Poucos eram jovens. Essa composição, muitas vezes, transformava-se em dificuldades, pois, os contratempos surgiam: enfermidade, pé quebrado de um, nenê que não esperava o papai correr...E aconteciam substituições na última hora

Fatos interessantes sucediam-se nas Cavalhadas. Passavam-se alguns anos e, de repente um festeiro manifestava a vontade de realizá-la. Foi o que aconteceu na festa de 2002 do Divino e Santo Antônio. Prepararam uma grande homenagem aos mais antigos corredores. Novamente o campo coloriu-se de azul e vermelho e, sob o som de guizos, banda e aplausos surge um novo grupo de mouros e cristãos. Eram jovens cujas raízes permaneciam ligadas ao anterior. Eram filhos, netos ou sobrinhos que desfilavam com garbo, demonstrando desejo de perpetuar tão bela encenação. Festeiros do Divino e de Santo Antônio, antigos corredores e, agora, o novo grupo, receberam a bênção religiosa. À noite, houve o Baile dos Corredores. Entraram com suas madrinhas, a Floripa com seu padrinho e dançaram a valsa. Impossível imaginar a beleza e emoção de cada um! É um cerimonial inesquecível! Desde então, estes jovens empenham-se em cultivar, com paixão e orgulho, esta simbólica luta que nos diferencia de outras regiões e, que sabemos tão bem admirá-la e valorizá-la.

Encontram-se alguns obstáculos até a realização da Cavalhada A disponibilidade de tempo e de horário, o custo elevado para a realização do espetáculo, da confecção de roupas e flores, da munição, do brilhar espadas e montaria, pintar lanças, trato aos animais, tudo acontece ao mesmo tempo: Tropeiros do Divino, bandeiras percorrendo as casas (do Divino e do Padroeiro) novenas, confecção de doces, preparativos para o dia, enfim uma grande tarefa. Acontece, algumas vezes, pela instabilidade do tempo, os ensaios serem realizados em um salão. Todos aqueles enormes

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cavaleiros, com a seriedade de um guerreiro, usam espadas de taquara e fazem as evoluções a pé. São momentos que não poderíamos deixar de registrar.

O cavaleiro seja mouro ou cristão, esmera-se no traje, escolhe o melhor cavalo e exibe os “aperos” quase sempre preservado dos antepassados e ornados em prata. O coordenador do grupo assume a responsabilidade para o sucesso preparando seus companheiros para o domínio ágil do animal e a firmeza no manusear a espada, a lança e a pistola. À medida que os ensaios vão acontecendo, os familiares sentem-se estimulados. Unem-se fortalecendo todo o grupo, tornando esses momentos de valiosa convivência.

As mulheres também têm um papel significante no espetáculo. Sejam namoradas, esposas, irmãs, filhas ou mães de corredores, não importa: todas são incansáveis na preparação das indumentárias, das flores e laços para os animais. O ritual que envolve a encenação aproxima e contagia a todos com sentimento de tradição e afeto.

Um dia marcante é a novena dedicada aos corredores. Entram com bandeiras do Divino e do Padroeiro, Santo Antônio, com bandeiras símbolo de suas lutas (estrela e lua crescente) e, dentro da Igreja, eles colocam-se, um frente ao outro, com espadas para o alto enquanto entram festeiros e o pároco.É um espetáculo comovente!

A festa do Divino, para a Igreja Católica é uma festa de alegria e o povo se junta a essa alegria e introduz suas próprias manifestações para demonstrar também o júbilo e o faz através das Cavalhadas, do Baile de Masquê, do desfile dos Piquetes de Laçadores e Tropeiros do Divino. Cavalhada está ligada à festa do Divino e que a Rainha Isabel resolveu instituí-la como uma festividade, aos modos de uma representação dramática, a fim de incentivar a instituição cristã e o repúdio aos mouros.

Em “Tempo de Festa” de Célia Silva Jachemet diz:

“Procuramos olhar a festa com suas implicações lúdicas, religiosas e políticas, no contexto comunitário e extra comunitário”.

“... Levamos em conta as manifestações que desencadeiam dentro da festa: as festas agregadas – a festa dentro da festa” E Cavalhadas está dentre elas.

Dividem-se as Cavalhadas em duas partes: a primeira destinada às lutas e a segunda à paz.

Na primeira parte, os mouros entram no campo de luta. Fazem evoluções e param no lado oposto de onde entrarão os cristãos. Entram os cristãos e, fazem também suas evoluções.

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Em “Cavalhadas, uma Tradição de Raiz Milenar” de Ana Zenaide Gomes Ourique e Célia Silva Jachemet, as partes da Cavalhada está assim dividida: Primeira;

Entrada dos mouros, Entrada dos cristãos, Morte do espia, Embaixada Cristã, Castelo em cruz ou libertação do Embaixador, Embaixada Moura, Castelo em X, Bento Gonçalves, Castelo de quatro filas, Alcancilho de lança, Tomada do castelo mouro, Batismo.

Segunda – Ramalhete, Derrubada das cabeças, Tirada da argolinha e a despedida.

Para nós, de Santo Antônio, Gravataí, Glorinha e municípios que foram orientados por este grupo como Tavares, Mostardas, Caçapava do Sul, talvez as partes mais emocionantes, em religiosidade, sejam o Batismo, a Tirada da Argolinha e a Despedida. Um porque há a conversão e, todos os cavaleiros mouros vêm de cabeça baixa, com a espada, em poder do cristão. A Tirada da Argolinha, onde muitos inimigos se reconciliam entregando-lhe a argolinha – uma honra para quem a recebe e, por último, a despedida pelo momento final de emoção, pelo acenar de lenços, simbolizando a paz, a luz.A promessa de que no ano seguinte voltarão.

A RELIGIOSIDADE PATRULHENSE NAS FESTAS DO ESPÍRITO SANTO

Maria Helena Gil PeixotoRosa Maria a Gil Gomes

Tudo começou com um casamento em 1755. a história de amor de Inácio José de Mendonça e Margarida da Exaltação foi abençoada e em homenagem ao santo de sua devoção construíram na sede de sua propriedade uma capela cujo padroeiro era Santo Antônio.

Esta capela localizava-se onde hoje está a pira da pátria, em frente à prefeitura.

Em 1763, ao ser construída a Freguesia de Santo Antônio, a capela foi elevada à matriz. Assim iniciou-se o povoamento de Santo Antônio da Patrulha, com a religiosidade de suas primeiras famílias, devotas de Santo Antônio nascido em Portugal e também a devoção ao Divino espírito Santo, conforme registros da realização da sua festa em 1776, sendo considerada uma das mais antigas festas do Estado.

A festa do Espírito Santo durava nove dias, com celebrações religiosas e profanas, levantamento do mastro, folias, procissões, quadro de mordomas, imperatriz coroadeira, baile de masque e tradicionais cavalhadas.

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A festa do Divino era o acontecimento de maior importância na religiosidade patrulhense, reunindo as famílias tradicionais e envolvendo toda a população.

Alguns fazendeiros ou pessoas de maiores posses adquiriam casas nas proximidades da igreja, hoje Rua Borges de Medeiros e para lá mudavam-se afim de qua as famílias participassem dos festejos.

O convite para noveneira, mordoma de bandeira ou integrante da corte da imperatriz era motivo de grande honra para as convidadas e suas famílias. A escolha dos festeiros ocorria através de sorteio. O casal festeiro era empossado e ciente da importância dessa atribuição, logo iniciava a divulgação da próxima festa.

A sociedade da época atribuía um papel de discrição à mulher e o papel da festeira seguia aquela cultura.

Os tempos mudaram. As festas de hoje conservam grande veneração ao Divino Espírito Santo e a Santo Antônio, sendo unificadas as festividades no mês de junho, próximo ao dia 13, dia do padroeiro e a tradição de a festa ser liderada por casais festeiros continua, bem como os grupos de senhoras.

Hoje os leigos; homens e mulheres assumem muitas funções nas paróquias. Especialmente na promoção de festas conta-se com um grande número de colaboradores.

A programação da festa é bastante diversificada, contando-se com o peditório dos Tropeiro do Divino, visita das Bandeiras às casas, levantamento do mastro pelos alferes, sopão do Divino, trezenas, jantar-baile e celebrações do dia da festa com Missa, destacando-se a imagem do padroeiro, o resplendor do Divino, o quadro de mordomas com a imperatriz e o pajem, o grupo de santo antoninhos, os festeiros com suas bandeiras e um grande número de devotos e visitantes.

A grandiosidade da festa permanece. É a ocasião em que conterrâneos ou amigos dessa terra voltam para reencontrar suas raízes e confraternizar.

A cada ano a religiosidade dos patrulhenses se renova, testemunhando a fé dos nossos primeiros povoadores.

A ARQUITETURA DOS IMPÉRIOS DO ESPÍRITO SANTO NO BRASIL MERIDIONAL: HERANÇA CULTURAL AÇORIANA

Fabiano Teixeira dos Santos

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A Festa do Divino Espírito Santo é, nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a celebração religiosa mais representativa da contribuição dos colonizadores açorianos n a formação histórica, quer pelo forte significado que ainda possui na maioria das comunidades onde se realiza, quer pelas suas semelhanças com as festividades realizadas nas ilhas do arquipélago português, onde é um dos mais importantes eventos do calendário.

Dentre os inúmeros símbolos que compõem este culto de forte caráter popular, destaca-se o “império”, construção em geral semelhante a uma pequena capela e que se constitui o centro do cerimonial em louvor ao Espírito Santo, como ainda acontece nos Açores.

No sul do Brasil, em boa parte das localidades em que ocorria desde o século XVIII, a festividade acabou sofrendo ao longo do século XX, certamente em função da modernização do quotidiano e da religiosidade da população, uma gradual decadência e simplificação, inclusive com o abandono do uso dos impérios, dos quais restam poucos exemplares.

Com o objetivo de identificar e analisar histórica e arquitetonicamente tanto as construções remanescentes como aqueles cuja existência só pudemos averiguar através da também escassa documentação escrita e iconográfica, este trabalho lança um enfoque sobre a presença dos impérios do Espírito Santo nesta região e sua definição como tipologia construtiva de origem acriana.

Propõem-se assim, a partir da reunião de informações até então dispersas, destacar sua singularidade na arquitetura dos antigos núcleos coloniais, testemunhando o relevante papel dos açorianos na construção da identidade cultural da porção meridional do território brasileiro.

*Tema de trabalho premiado na 1a. edição do concurso “À Conquista dos Açores”, promovido pela Direção Regional das Comunidades do Governo da Região Autônoma dos Açores (junho/2004), e apresentado como comunicação na 5a. Semana de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina (novembro/200).

O DIVINO E O P ROFANO: A INSERÇÃO DE NOVOS DISCURSOS NA FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO EM BARRAVELHA – SC

Juliano Bernardes

Esta pesquisa foi apresentada em novembro de 2005 na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI em Itajaí – SC, para obtenção do título do Bacharel em História. Apresenta uma abordagem acerca

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da Festa do Divino Espírito Santo de Barra Velha – SC, sendo esta a mais antiga e uma das principais destas do município.

Primeiramente o trabalho apresenta um histórico da Festa do Divino e o início dos festejos em Barra Velha de acordo com a história oficial do município. Através de entrevistas com velhos, buscando valorizá-los com importantes histórias, veremos como eram as antigas Festas do Divino em Barra Velha. Como a visita das bandeiras às famílias gerava, (e ainda gera) grande comoção e como ocorria a preparação para as grandiosas Festas do Divino. A relação entre o “sagrado e o profano” nas antigas festas através das procissões, celebrações, danças e a antigas bebidas alcoólicas, atualmente desconhecidas pelos jovens do município.

Denominado na pesquisa como “inserção de novos discursos”, veremos como uma decisão polemizou a relação entre a Igreja e os católicos ou participantes das festas católicas. A partir de 1998, uma grande polêmica instaurou-se em Barra Velha, pois o novo pároco proibiu a comercialização de bebidas alcoólicas nas festas católicas em todo município. Em 2005, a diocese de Joinville adotou a Lei Seca proibindo a comercialização em toda diocese, para isso elaborou “estratégias de disciplinamento” para que os católicos participassem das festas religiosas sem o consumo de bebidas alcoólicas, algumas dessas táticas serão abordadas neste trabalho.

Mesmo a Igreja realizando um intenso trabalho de conscientização, as bebidas ainda são consumidas nas festas. Algumas “táticas de estratégias” foram elaboradas para burlar as novas determinações. Através de entrevistas, poderemos observar algumas táticas elaboradas para que as bebidas alcoólicas continuem sendo consumidas nas festividades católicas.

Por fim, veremos que a inserção dos novos discursos tornou a festa do Divino uma festa secundária no calendário festivo de Barra Velha. Atualmente a Festa Nacional do Pirão é anunciada como a principal festa do município. Conseqüência dos discurso disciplinador da Igreja as festas religiosas católicas estão sofrendo em processo de descaracterização, assim classificado por alguns entrevistados, enquanto para outros, as festas católicas estão se tornando realmente religiosas.

FOLIAS E BANDEIRAS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO

LÉZIA MARIA LINO CARDOSOGETÚLIO XAVIER OSÓRIO

A Festa do Divino Espírito Santo, trazida para o Rio grande do Sul pelos primeiros povoadores açorianos aqui chegados a partir de 1752 marcou profundamente a cultura sul rio-grandense, tanto no plano religioso quanto no aspecto folclórico. Em alguns lugares a

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festa manteve-se inalterada, ou quase, diferindo em poucos aspectos da forma como era cultuada pelos primeiros povoadores. Noutras regiões praticamente desapareceu como manifestação folclórica, persistindo o caráter religioso na alma dos fiéis. Em alguns municípios, como Gravataí, Santo Antônio da Patrulha e triunfo, sobretudo ao longo dos últimos vinte anos foram retomados aspectos folclóricos de festas anteriores, conforme necessidades ou peculiaridades de cada comunidade. O presente congresso, na medida em que reúne um elenco de estudiosos do mais alto nível tem o propósito de examinar e discutir, em todas as suas nuances e em toda a plenitude a temática em questão, apresentando uma verdadeira radiografia do Divino Espírito Santo, chega em momento bastante oportuno. A Igreja Católica vive uma fase de busca de novos caminhos, ou adequação de dogmas e paradigmas, com novos cultos e seitas surgindo e se proliferando, impondo um desafio ao novo papa, Bento XVI, que assume a direção dos destinos do catolicismo mundial. Acreditamos pois que, o congresso em questão, apresenta-se como uma oportuna reflexão, pois a Festa do Divino mescla e incorpora o sagrado e o profano na sua concretização. Nossa proposta aqui é agregar mais uma contribuição ao elenco de estudos e análises, mais precisamente no campo do folclore, examinando um tema bastante complexo, qual se4ja, as Folias do divino, suas origens e desdobramentos ao longo dos anos e da própria festa. A folia, neste sentido, é uma forma de expressão do povo de manifestar a sua crença na figura do Divino Espírito Santo, nos mais diferentes matizes culturais e regionais. Como muito bem e com precisão define Célia Silvia Jachemet(1), na obra: “Tempo de Festa”, um elemento agregado ao conjunto dos festejos alusivos ao Divino espírito Santo. Iremos examinar de que forma esta “festa dentro da festa” incorpora-se no imaginário popular JACHENET.Célia Silva. Tempo de festa. Uma análise das festas do Divino (Espírito Santo) Gravataí e Santo Antônio da Patrulha – RS 1859-1933. Porto Alegre, 2002,Evangraf

1 ORIGEM

A Festa do Divino Espírito Santo, por si só é complexa, sendo sua própria origem tema para debates infindáveis entre os estudiosos, matéria amplamente examinada ao longo do congresso. Igual complexidade haveremos de encontrar nas inúmeras definições de folia, ao longo dos anos por inúmeros estudiosos que se debruçaram sobre o tema. Se partirmos , por exemplo, da referência de Célia Jachenet, da “festa dentro da festa”, ou elemento agregado ao evento maior teremos que analisar o comportamento do devoto ao culto do Espírito Santo. É exatamente neste viés que pretendemos buscar algum as referências conceituais do tema em questão. São inúmeras e controversas as definições. Ficaremos com três estudiosos, que no nosso entendimento melhor definiram, ou melhor refletiram a respeito da temática da folia e foliões: Curt Sachs, Francisco Carreiro da Costa e Maria da Conceição Vilhena. Isto não implica em afirmar que tais autores fecharam a questão de forma

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conclusiva. Apenas traçaram contornos, permitindo novas abordagens. Curt Sachs remete os foliões aos cultos de carnaval da antiguidade, identificando-os com ritos de fecundidade. Agrega aspectos religiosos e profanos, incorporando ainda a dança como componente figurativo da folia.

Para Francisco Carreiro da Costa os foliões teriam se originado na antiga Grécia, nas celebrações das bufônias, ocasião em que eram abatidos animais sagrados, distribuindo-se a carne aos assistentes. Notamos que Carreiro da Costa acrescenta um detalhe presente das Folias do Divino, tanto nos Açores quanto no Rio Grande do Sul: o caráter de distribuição de oferenda. O termo bufono, vem do grego bous = boi e fonos = matar; bufão deriva do latim bufo = sapo.Carreiro da Costa ainda concluiu colocando sacerdotes como os abatedores de bois. Temos pois na análise acima a união do sagrado com o profano. O povo manifesta a sua expressividade na busca de satisfazer uma necessidade física ou mesmo espiritual, de forma festiva.

Segundo Maria da Conceição Vilhena a folia tem origem na “Festa dos Loucos” da Idade Média, mais precisamente na França. Loucura, em francês significa fou, folie, e em latim follis, saco vazio, cheio de ar.Louco seria aquele que não tem nada dentro da cabeça, um desmiolado, um folião. Vilhena ainda amplia sua definição, colocando o louco como alguém que transgride, que parodia e provoca. Para a sociedade francesa, louco seria aquela pessoa que procura chamar a atenção para suas necessidades e agruras. Portanto, também o folião de Maria da Conceição Vilhena busca uma aproximação com o sagrado, ou sobrenatural. No entanto, ainda falta, na definição de Vilhena o caráter sagrado, uma vez que os foliões brasileiros, sobretudo no Rio Grande do Sul, exerciam as brincadeiras e cantorias com extrema devoção.

Ser folião, no Rio Grande do Sul era como uma missão, um dever sagrado, uma dádiva divina. O folião do divino é sempre uma pessoa especial e muito devota. Muitas vezes o folião torna-se membro de um grupo através de uma promessa por uma graça alcançada.

FOLIAS E BANDEIRAS NO RIO GRANDE DO SUL

No Rio Grande do Sul dos povoadores açorianos podemos afirmar que a festa do Divino sempre foi um acontecimento de extrema importância quer na zona rural ou na cidade. Como herança cultural, nosso povo recebeu a dádiva de ser festivo e religioso. Nas festividades alusivas ao Divino Espírito Santo não poderia ser diferente. A devoção e a cantoria sempre estiveram em pé de igualdade. No entanto, cabem algumas discordâncias em relação aos autores citados acima: no Rio Grande do Sul ser folião não era sinônimo de loucura ou transgressão, mas expressar religiosidade de

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forma alegre e festiva. O folião durante o peditório sempre teve uma atitude respeitosa diante da divindade ou da família que recebia a bandeira. A música, a cantoria e os versos rimados de improviso são uma maneira de comunicar-se com a divindade. O caráter profano é o elo que une e aproxima o devoto de seus símbolos sagrados.

A presença do folião é um indicativo de preparação da Festa do Divino propriamente dita. O folião vai recolher donativos para os festejos mas também preparar a alma do devoto para sua comunhão com o Divino Espírito Santo. A chegada da bandeira e dos foliões é uma espécie de anunciação. Dois ou três meses antes do início dos festejos a folia visita as residências, ou pedindo donativos ou levando uma mensagem divina, ou ambos.

As folias sul rio-grandenses, no seu aspecto constitutivo sempre tiveram uma formação simples e de pouca variação ao longo da história: mestre, ajudante de mestre, contramestre, ajudante de contramestre, tamboreiro e tipe. O mestre sempre é uma figura singular dentro de um grupo de foliões. É o diretor do grupo. É o responsável pela folia, tanto moral como religiosamente falando. Deve ter amplos conhecimentos a respeito do ciclo do Divino Espírito Santo e de sua comunidade. Em alguns momentos, conforme exige a ocasião terá que improvisar os versos que o grupo canta. É comum que alguns versos já sejam de domínio do grupo, que os ensaiou alguma semanas antes, mas durante a visita sempre surgem momentos e situações que exigem o “tino”, a percepção e a sensibilidade, que somente os conhecimentos do mestre são capazes de captar. Outra figura importante no contexto da folia é o tipe, ou tipi, ou tiple geralmente uma criança ou jovem: faz\ a finalização, entrando no segundo ou último verso. Historicamente também poucas variações aconteceram quanto à composição dos instrumentos: antigamente predominavam rabeca, viola, violão e tambor. Atualmente também tem aparecido a gaita. O som em ritmo de toada é sempre ditado pelo tamboreiro.

O ritual da folia obedece regras, obedecidas rigorosamente, tanto pelos foliões quanto por quem recebe os cantadores. Basicamente podemos destacar como principais momentos os seguintes: chegada, louvação, peditório, agradecimento e despedida. De longe já se percebe o toque do tambor. É sinal de que a família deve se preparar para a chegada da bandeira e dos foliões. Algumas famílias montam verdadeiros ornamentos dentro de suas residências, como altares ou redutos especiais, vestem-se como nos dias de festa ou “de domingo”, como era comum em algumas comunidades mais afastadas. Ainda no pátio da residência, o proprietário recebe a bandeira das mãos do festeiro, entregando-a à sua esposa, que percorre todas as dependências da residência, após ter beijado a pombinha. Tão logo se ouve o toque do tambor a visita também é precedida de espocar de foguetes.

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Ainda, dentro do ritual das folias, com os cantadores já dentro da residência, após os primeiros versos da louvação e peditório, acontece um momento de convivência de foliões com os familiares que oferecem comida e bebida aos presentes. É uma fase de descontração. Os contadores executam músicas antigas, aprendidas com seus avós, podendo ser acompanhados até mesmo por componentes da família que os recebeuj.

O próprio momento da chegada já é uma festa. O povo se aglomera em frente à residência. Observa-se, nos versos iniciais que os foliões são portadores de mensagens de saúde, paz e alegria, oportunidade em que pedem licença para entrar na residência, como no exemplo recolhido pela folclorista Lílian Argentina Braga Marques, no município de Osório:

“Vimos trazer saúdePra toda família inteiraQueira nos abrir a portaPra receber a Bandeira”

Na mesma linha vão os versos de chegada na localidade de Criúva, interior de Caxias do Sul, conforme recolha do padre Osmar João Possamai:

“A Bandeira do DivinoVai entrar nesta morada. Ai, Ai.Visitar a sua casaPra que seja abençoada. Ai, Ai.A Bandeira do DivinoVem trazer paz e amor. Ai, Ai.Convidar vossa famíliaPara a festa em seu louvor. Ai, Ai.

Dentro da residência, a próxima etapa é a louvação e peditório. Os foliões entoam versos em louvor do Divino e pedem doações para a festa. Temos exemplos recolhidos pelo professor Reginaldo Gil Braga no município de Osório:

“A pombinha mensageiraTem muito para andarEla entrou na sua casaPra um pouquinho descansarTambém veio lhe pidirUma sua doaçãoO Divino lhe dá em dobroToda sua proteção.”

Outro momento de louvação observa-se nos versos recolhidos pelo padre Possamai, da localidade de Criúva

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“O Divino Espírito SantoVeio lhe dar proteção.Ai,Ai.Veio em forma de pombinhaPra provar sua mansidão.Ai,Ai.O Divino vem pedirQue aqui não viva tristeza. Ai, Ai.Viva somente alegriaE bastante pão na mesa. Ai, Ai.

Na última etapa da folia o grupo se despede, agradece as doações, prometendo retornar no ano seguinte. Também pode anunciar que continuará sua peregrinação, visitando outras residências. Agradece a acolhida, os presentes e a mesa que foi posta em sua homenagem, que tem o sentido de homenagem à santidade, como mostram os versos da folia do município de Osório:

“Todos sejam abençoadosCom muita vida e saúdeA folia vai emboraMeu dever está sagradoVâmo levar as bandeirasPra seguir nossa jornadaPor esta porta entremosPor ela mesma saímos.”

As doações recolhidas pela folia são as mais variadas, conforme a necessidade da festa, bem como as posses da família. Geralmente animais, como leitão, gado, peru, galinha, ovelha. Tudo serve, para ser leiloado no dia da festa.

OS TROPEIROS DO DIVINO

A devoção ao Divino Espírito Santo no Rio Grande do Sul é tão grande que faz as pessoas assumirem compromissos inimagináveis. A força do folclore está justamente na tradição e na dinamicidade dos elementos envolvidos. E a manifestação da fé na Santíssima Trindade, por exemplo levou o culto à magia do divino a envolver pessoas de diferentes municípios a entrelaçarem-se no peditório festivo. É o caso dos Tropeiros do Divino de santo Antônio da Patrulha, município do litoral norte do Rio Grande do sul. Constitui-se de um grupo de cavaleiros que não chegam a ser exatamente foliões, pois não cantam, mas tomaram para si a tarefa de divulgar a Festa do Divino de diferentes municípios, como Santo Antônio da Patrulha, Osório e Criúva. Conta a tradição que em meados da década de 1990 do século XX, o empresário Nadir Senti Lino, de Santo Antônio da Patrulha, movido pela fé que herdou de seus antepassados, quando criança assistira seu pai, Vicente Lino Sobrinho e os irmãos Ivo Senti Lino, como tamboreiro percorrerem o interior do município divulgando a Festa do divino e pedindo ajuda para a mesma. Como gratidão por ter vencido dificuldades familiares e profissionais, reuniu seu filho,

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Rogério e mais dois empregados. Conseguiram uma bandeira emprestada pela igreja e um tambor emprestado pela Escola Estadual Gregória de Mendonça, apoiados pela esposa do empresário, Maria Helena, seguiram para o interior do município num domingo bem cedo, montados a cavalo, a divulgarem a festa. Iniciaram com quatro cavaleiros. Surgia aí o grupo dos Tropeiros do Divino. Em meados da década já eram sete. O termo deriva-se da música “Os Tropeiros do Divino” de Ivo Ladislau e Carlos Catuipe, vencedores do Festival Moenda da Canção. A partir daí, de forma espontânea, o povo começou a chamar o grupo de Tropeiros do Sivino. Convém salientar que o peditório existe, mas eles não cantam. Em função de um congraçamento dos tropeiros com os foliões de Osório, do Mestre Gica e de CRIÚVA, houve uma integração e um crescimento dos “Tropeiros”. Atualmente são sete grupos com sete elementos cada. O número também tem a ver com os sete dons do Divino. Na organização do grupo teve papel influente também um ex-festeiro, Cláudio Soares. As despesas de deslocamento e todos os custos correm por conta dos grupos, cujas esposas tem papel preponderante, acompanhando motorizadas os cavaleiros e atuando na retaguarda. Está aí um exemplo claro da mescla do sagrado com o profano. A força e dinamicidade do folclore perpetuando uma das mais importantes festas populares de raiz açoriana no Rio Grande do Sul.

CONCLUSÃO

As folias e foliões representaram ao longo da história do povo sul rio-grandense uma página de grande importância no cenário cultural. Os foliões quando chegam numa residência, trazendo a bandeira é como se chegasse a própria divindade. As pessoas se transformam. Receber a bandeira e os foliões numa residência é um momento divino. A folia, na medida em que representa a anunciação, ou a ponte entre o devoto e a divindade, significa também a possibilidade de cura de um doente, a promessa de uma boa colheita para o homem do campo ou até mesmo a certeza de paz e harmonia no lar que recebeu a bandeira. Os componentes da folia não são profissionais da música. São na maioria das vezes pessoas com determinada habilidade que decidem em determinado momento seguir uma missão, ou até mesmo dar continuidade aos ensinamentos dos país ou avós, que também foram foliões. O ritual segue preceitos determinados. Os foliões apresentam-se nos períodos precedentes à festa propriamente dita, encerrando suas atividades quando da conclusão das festas, somente retornando no ano seguinte.

Como podemos perceber ao longo dos trabalhos apresentados no congresso, o folclore sul rio-grandense é bastante rico e diversificado. A folia é apenas mais um aspecto neste mosaico. Teve algumas variações ao longo da história, na sua formação, no seu contexto.. No entanto, a dinamicidade do folclore é quem sempre deu

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a dimensão da importância desta arte popular, que nos foi legada pelo povoador açoriano e resistiu até os dias atuais na alma do povo sul rio-grandense. Enquanto houver festa, enquanto o povo sentir necessidade de se expressar através do Divino Espírito Santo, certamente haverá folia e foliões.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGRIFÓGLIO (ORG.),Rose Marie Reis. Contribuições Luso-Açorianas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Comissão Gaúcha de Folclore, 2002.

BARROSO, Vera Lúcia Maciel. (Org.). Presença Açoriana – Em Santo Antônio da Patrulha e no Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Edições Est, 1993.

_______ . Raízes de Osório. Porto Alegre, EST EDIÇOES, 2004._______ . Raízes de São Marcos e Criúva. Porto Alegre, EST

EDIÇÕES, 2005.

CÔRTES, J.C.Paixão. Folias do Divino. Porto Alegre, Fundação Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, 1983.

JACHENET, Célia Silva. Tempo de Festa. Porto Alegre, EVANGRAF, 2002.

LOBÃO, Carlos. O Espírito Santo nas Paróquias faialenses. Horta, Clube de Filatelia “O Ilhéu”, 2005.

TRAÇOS DOS CRISTÃOS-NOVOS E A CULURALIDADE: POSSIBILIDADES DE ESTUDOS APROFUNDADOS.

Márcio Darlan Rosa Knobeloch

A princípio, segundo o senso comum entre os historiadores, os cristãos-novos na Península Ibérica seriam os descendentes dos judeus ibéricos convertidos forçadamente ao catolicismo sob as coroas da Espanha e de Portugal e a Igreja, tendo abandonado oficialmente o judaísmo, embora muitos o cultuassem discreta ou secretamente.

Nesse sentido, desde épocas remotas, os judeus fazem-se presentes na Península Ibérica, fugidos do cativeiro babilônico, e que nos séculos II e I a.C. “mercadores judeus aumentavam as comunidade israelitas da Península Ibérica”16, aumento os números desta etnia na referida península.

16 CARVALHO, Flávio Mendes. Raízes Judaica no Brasil: o arquivo secreto da Inquisição. São Paulo: Nova Acádia, 1992. p. 55.

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Inicialmente, os judeus puderam viver o seu “modus vivendi” na Ibéria, pois estavam entre os primeiros colonizadores e tinham uma convivência relativamente pacífica, segundo Abram Leon Sachar17:

Os judeus estabeleceram-se na Espanha, pelo menos, desde os dias dos cartagineses [...] e ajudaram a formar a sua característica racial. Eles viveram tão sossegados enquanto os tempos de incômodos o permitiram suportando poucas opressões para sua fé entre os pagãos assim como entre os arianos18 [tradução livre].

Desde sua chegada na Ibéria os judeus sofrem perseguições a ponto da Espanha, Portugal e a Igreja forçá-los a se tornarem católicos encontrando alívio nas Grandes Navegações do século XVI, onde puderam viver relativamente em paz.

Arnold Wiznitzer sustenta que na época do descobrimento (achamento) do Brasil, muitos judeus portugueses e cristãos-novos vieram para estas terras e muitos dos cristãos-novos eram cripto-judeus, que para este autor, praticavam um judaísmo secreto, “temerosos de serem descobertos pelos agentes secretos da Inquisição”19.

A grande quantidade de pessoas da etnia judaico-ibérica e cristã-nova no Brasil Colonial também é afirmada por Isaac Izecksohn quando menciona que “talvez, entre todas as regiões do mundo, o Brasil tenha sido aquela que maior número de cristãos-novos [muitos deles cripto-judeus ou marranos] recebeu”20.

Apesar de gozarem alguma liberdade na América Portuguesa, a Inquisição não deixou de enviar seus “visitadores”. A respeito do primeiro visitador Isaac Izecksohn afirma que muitos criptos judeus portugueses e brasileiros foram enviados a Portugal, onde muitos morreram queimados, enquanto outros eram reduzidos à miséria “e que nem mesmo uma senhora idosa de 90 anos foi poupada na visita do segundo visitador em 1618, enviando-a à corte de Lisboa”21.

Nota-se o uso da religião a serviço das relações de poder, tendo como pretexto a questão étnica.

Segundo Martin N. Dreher “os judeus formam, ao lado de indígenas e negros, a base do pensamento violentado da América

17 SACHAR, Abram Leon. In: A History of the Jews. New York: Alfred A. Kropf, MCMXLVIII.18 “Jews had been settled in Spain at least as early as the Cartagian days [...] and helped to form its racial character. They lived as quietly as the troubled times allowed, suffering few hardships for their faith among either pagans or arians”.19 WIZNITZER, Arnold. Os Judeus no Brasil Colonial. Trad. Olívia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1966. 20 IZECKSOHN, Isaac. História dos Judeus. Vol. 3, Rio de Janeiro: Edição do autor, 1975. p. 156.21 IZECKSOHN, 1975, p. 158.

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Latina. O judeu traz consigo o pensamento europeu para o qual não há diálogo”22.

Este posicionamento de Martin Dreher nos faz refletir que judeus, cristãos-novos, indígenas e negros tiveram o mesmo tratamento desprezível e intolerado pela etnia dominante na América Latina (e no Brasil) o que talvez possibilitou, entre outros fatores, a mestiçagem entre eles.

Quanto ao anti-semitismo que persegue a história judaica e os a ela relacionados, Bethânia S. C. Mariani sustenta que o “não governo” e ao “desleixamento” no Brasil Colonial era, entre outras causas, atribuída “a mistura de sangue judeo na sua população” e “tem produzido os acostumados fructos da avareza, e baixa velhacaria”23, o que também contribuiu para o discurso fundador e construção da identidade nacional brasileira.

De acordo com José Gonçalves Salvador, a população judaica era por muito tempo a maioria branca do Brasil, desempenhando um papel relevante no povoamento e colonização do Brasil porque conquistaram a confiança dos índios, sendo “admitidos no seu convívio, aprendendo a língua nativa e aparentando-se com eles através de uniões ou casamentos [...] caciques houve, no Norte e no Sul, que admitiram na família”24 muitos judeus ibero-brasileiros e cristãos-novos.

José Gonçalves Salvador sustenta que a filha Beatriz, nascida da relação do judeu-português João Ramalho com a índia Bartira, casou-se com o judeu-português Lopo Dias e que suas netas casaram-se com os cristãos-novos Manoel Fernandes e Cristóvão Diniz25, exemplificando que as famílias de São Paulo entre os séculos XVI e XVII achavam-se muito imbricadas “umas com as outras, como a todos é notório” e que “graças ao parentesco, há uma interdependência mútua e interesses comuns”. Um desses interesses comuns foi o bandeirismo que adentram o sertão brasileiro. “A princípio é a gente do patriarca João ramalho que se manifesta. Depois, são os Pires e os Garcias, unidos aos Diniz, aos Fernandes povoadores. Aos Cunha Gago, aos Vaz de Barros e aos Taques” percebe-se descendentes de judeus, cristãos-novos, portugueses e índios participantes das bandeiras, conquistando o atual território brasileiro26, incluindo o sul do Brasil27 no qual está Glorinha/RS, onde 22 DREHER, Martin Norberto. A Igreja Latino-Americana no contexto mundial. São Leopoldo: Sinodal, 1999.p. 27.23 MARIANI, Bethânia Sampaio Corrêa. Os primórdios da Imprensa no Brasil (ou: De como o discurso jornalístico constrói memória). In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Discurso Fundador – A formação do país e a construção da identidade nacional. 3.ed. Campinas: Pontes, 2007. p. 37.24 SALVADOR, José Gonçalves. Os cristãos-novos – povoamento e conquista do solo brasileiro (1530-1680). São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1976. p. 6.25 SALVADOR, 1976, p. 9.26 SALVADOR, 1976, p. 9.27 ALVES, 2003, p. 93 e 106.

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um dos primeiros colonizadores Inocente Ferreira Maciel de numerosa descendência neste município (a macro família Maciel e os a ela relacionados, das quais faço parte) era descendente destes judeus portugueses e cristãos-novos citados como João Ramalho, Lopo Dias e Manoel Fernandes, via seus descendentes André Fernandes, bandeirante paulista e a sorocabana Maria Moreira Maciel28.

Sendo assim, também, podemos questionar qual a relação que os cristãos-novos teriam com Glorinha/RS, pois sabemos que conforme a Antropologia Social que vai se basear na dialética29 e vai evidenciar o papel do sujeito na sociedade30, nos informa que a pessoa é aquilo que afirma ser. Por exemplo, se algum glorinhense se diz brasileiro descendente de português, foi o que ele aprendeu e assim se identifica. Este modo de pensar é muito comum em Glorinha/RS, já está introjetado no inconsciente.

Para tanto, Eni P. Orlandi sustenta que no “discurso fundador” (do Brasil), as relações de poder são posicionadas pela “fala” de quem se posiciona como autoridade, forjando um passado para o povo brasileiro, onde o popular fica sem “voz” e vez, e, se somos bons brasileiros, seguiremos os passos da elite mandante31 e Glorinha/RS não foge à regra brasileira. Basta observar que “em nossa reconstrução cotidiana de nossos laços sociais, em nossa identidade histórica [...] o que vale é a versão que ‘ficou’”32.

Questionamos então a problemática proposta: por que não é acionada a identidade cristã-nova, ao lado dos luso-açorianos, indígenas, negros e alemães no contexto das origens étnicas glorinhenses? Isto deve-se, talvez, à assimilação do “modus vivendis” indígena, através da mestiçagem e das entradas e bandeiras, pois nelas a vida no sertão dependia dos indígenas33. Também não podemos ignorar os mecanismos do “silenciamento discursivo”, onde a etnia governante, a portuguesa, proibia outra língua (a hebraica) e outra religião (a judaica). Só valia o português para comunicação e o catolicismo romano como religião oficial34. E, esses que se diziam cristãos, perseguiam o idioma, a religião e o povo de Jesus Cristo, além de se tornarem a etnia em destaque, diminuindo as outras.

Para tanto temos, hoje, uma reflexão mais profunda sobre a importância das culturas portuguesa, indígenas, negras, e imigrantes na formação da etnicidade brasileira. Creio que de igual modo deveria haver um estudo e reflexão mais profundos em relação a os cristãos-28 MARTHA, 2001, p. 411.29 DA MATTA, Roberto. Relativizando – Uma introdução à Antropologia Social. São Paulo: Rocco, 1987. p. 35.30 DA MATTA, 1987, p. 48-58. Luisa31 ORLANDI, Vão Surgindo Sentidos. In: ORLANDI, 2003, p.12.32 ORLANDI, Vão Surgindo Sentidos. In: ORLANDI, 2003, p. 12.33 VOLPATO, Rios Ricci. Entradas e Bandeiras. Coord. Jaime Pinsky. História Popular 2. 3.ed. São Paulo: Global, 1985. p. 65.34 ORLANDI, 2003, p. 18-23.

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novos, pois também fizeram parte das origens étnicas brasileiras e certamente deixaram seu legado.

Muitos traços culturais como as brincadeiras infantis, orações e mesmo a festa do divino podem ter heranças dos cristãos-novos em suas manifestações. Além disso, cada etnia ou origem étnica brasileira estudada traz uma melhor compreensão discursiva, podendo construir uma boa relação inter-étnica, minimizando as tensões e construindo paz na etnicidade.

Baile de Masque na festa do Divino Espírito Santo em Santo Antonio da Patrulha.

Luciano Gomes Peixoto

O presente trabalho refere-se a um conjunto de misturas de dança, teatro, música, ou seja, uma encenação music-coreografica, onde somente homens participam. E nos leva a curiosidade da origem deste folguedo, fazendo percorrer caminhos da história da humanidade, pois tal encenação representada somente por homens já se perdeu no tempo, sendo encenada somente em festas religiosas cristãns, representam a parte profana da festa, pois alguns se vestem e representam o papel feminino. Ou seja, a história cultural deste folguedo se mistura na historia da humanidade.

No desenvolvimento desta pesquisa ela ganhou o titulo de BAILE DE MASQUE Homens de máscaras contando a história dos homens. Onde parte do principio do uso da máscara e da dança na pré-história passando pela antiguidade clássica, idade média, renascimento até os dias atuais. Este folguedo se popularizou no Brasil como a parte Lúdica da festa onde o divertimento se tornava necessário como ponto de partida para ensinar a religião aos índios aos negros e população pobre tais manifestações ocorriam organizadas por confrarias e irmandades para ensinar a religião católica no Brasil, em dias santos como: Espírito Santo na quais os açorianos são devotos ocorriam os folguedos como; bumba meu boi ensinado a morte e ressurreição, as cavalhadas que remontam o reinado de Carlos Magno + _ 800 d.C. representam até hoje a conversão dos mouros ao cristianismo, tais folguedos eram e são encenados durante o dia, a tarde iniciavam-se o divertimento onde danças como a jardineira, pesinho e o baile de mascaras (Mouriscas) todas eram dançadas por homens e alguns representavam o papel feminino inclusive a pricesa moura ¨Floripes ou floripa¨era encenada por um menino. Tal manifestação ocorria nas ilhas açorianas no entrudo do natal até a entrada da quaresma, Onde nos é possível perceber a relações das narrativas feitas nos Açores com as realizados no Brasil.

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O Baile de Masque é um dos atrativos culturais únicos do gênero no Rio Grande do Sul. Esta organizado na comunidade de vila palmeira no interior de Santo Antonio da Patrulha.

Nele somente os homens participam, mantendo a tradição provavelmente á mais de 200 anos, pois há uma referência talvez a mais antiga dos autos populares no Rio Grande do Sul, registrada no Município de Santo Antonio da Patrulha sobre a festa do Divino Espírito Santo em l776, e que vem se perpetuando até os dias atuais.

FESTA Gelcy José Coelho (Peninha)

Quando a quaresma termina, é um alívio.

Os fiéis, ainda abalados pelo rigor da quarentena, recuperam-se e agora pressentem, que paira no ar, uma nova luz.

A sensação de alegria invade as pessoas.

Está chegando o tempo de Pentecostes!

Hora de preparar a bandeira, a salva, a rabeca, o tambor e a viola.

Uma pessoa leva a bandeira, outra precisa levar a salva, onde são colocadas as esmolas, as doações, que serão leiloadas e transformadas em recursos financeiros para a realização da grande festa em louvor ao Divino Espírito Santo.

Uma bandeira vermelha e no centro de seu campo um pombo branco está representado, emanando raios de luz.

O mastro encimado por um pombo esculpido em madeira, com as asas fechadas, em sinal de humildade. Nos seus pés amarram fitas representando promessa paga e a luz divina que Dele emana.

É a bandeira pobre que sai em peregrinação junto com os foliões.

O ponto de partida pode ser a casa do mestre folião, ou a partir da igreja ou capela da comunidade. Também costumam iniciar a peregrinação, a partir da casa de algum promesseiro ou da casa dos imperadores, que são os festeiros daquele ano.

Um fogueteiro sempre acompanha o grupo. Solta foguetes, anunciando, como um arauto, a presença do Peditório do Divino na sua jornada naquela região.

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Iniciam na alvorada com pipocar de fogos, enquanto a rabeca, o tambor, a viola acompanham as vozes primeira, segunda e a voz fina, também chamada de voz tripa que eleva a mensagem ao infinito dos céus.

O som ecoa pela vizinhança.

O mestre tira versos de improviso anunciando a visitação da bandeira abençoada.

As portas das casas se abrem e os moradores beijam a bandeira, as fitas e o pombo. Fazem ofertas em dinheiro ou com alguma prenda. (doações que serão leiloadas após a novena do terço da Bandeira), As prendas variam, de acordo com as posses e vontade de cada fiel. Geralmente doam aquilo que mais produzem, laranjas, bananas, roscas, queijos, pães, bolos, animais de criação como galo, galinha, porco, cabrito, marreco, pato, peru, e um monte de coisas possíveis, além das massas sovadas transformadas em ex-votos, pagando promessa ao Divino Espírito Santo.

Amarram fitas de pagamento de promessas no mastro da bandeira.

As fitas têm a altura do promesseiro.

As fitas representam o fogo emanado do Espírito Santo.

As fitas também podem dizer sobre a quantidade de participantes daquela irmandade da paróquia, representados pelas fitas na cor vermelha.

As outras cores representam os devotos e promesseiros, mulher, moça, menina e menino.

Também fazia parte, encerrada as jornadas do peditório, os foliões amarrarem no mastro da bandeira, uma fita representando a memória daquele grupo de cantadores, para lembrar cada ano da jornada realizada.

Costumam cortar pedacinhos das fitas vermelhas e delas fazem amuletos de proteção e até a utilizam para fazer chá, como remédio.

Quando as fitas se acumulam no mastro da bandeira, elas são incineradas. Alguns grupos mantêm apenas as fitas de cor vermelha.

A bandeira entra por toda a casa e é passada por sobre a cama de pessoas doentes.

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Muitas vezes a bandeira é levada até na roça, no engenho, na horta, no galinheiro, no chiqueiro, na estrebaria. Também é levada nos ranchos de pescaria, passando a bandeira por sobre as redes, tarrafas e nas embarcações.

A cantoria vai tirando versos enfatizando as qualidades da pessoa dona da casa, que também oferece algo para comer e beber. Muitas rezas são tiradas, entabulam conversas, dão notícias, falam das tristezas e das alegrias.

Logo partem para a próxima residência e assim vão percorrendo distâncias anunciando o grande festejo que se aproxima.

Todos ficam bem avisados para se prepararem, inclusive sem faltar na aquisição de roupas novas, especialmente feitas para serem usadas durante a grande Festa do Divino Espírito Santo. Roupa de se ir ver a Deus. Deve-se apresentar da melhor maneira possível. Para Deus devemos ofertar o melhor.

A jornada do divino só encerra o seu peditório na hora da Ave Maria.

Pousam na casa de algum irmão do divino.

Muitas comunidades e paróquias se organizavam em irmandades que eram muito atuantes

Os foliões se acomodam na casa de algum devoto, ou mesmo na casa de alguém que pede para fazer a caridade, como um modo de pagar promessa e ter o privilégio em oferecer a pousada aos foliões do Divino Espírito Santo. Onde a Bandeira ganha pousada, montam um altar e realizam a novena.

No espaço da novena, as mulheres ficam de um lado, os homens do outro.

Ajoelhado em frente ao altar, ladeado pela bandeira, o capelão reza o terço em latim e é acompanhado por todos

AVALIAÇÃO E PROPOSIÇÕES

Aspectos Avaliados pelos participantes:

Temáticas desenvolvidas , programa, logística e local do evento – Mais de 90% considerados ótimo.

Atendeu as expectativas: Mais de 80% ótimo; 19% Bom

Considera interessante realizar o II Congresso?

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100% Sim

Se considerar que o evento deva ser repetido, deixar sugestões de local (cidade).

A maioria dos presentes considerou que deverá ser realizado o III Congresso nos Açores, em 2008.

Alguns Pontos positivos a destacar nas avaliações:

“Palestrantes com o domínio de Teresa Tomé, Dulce Matos e Martin Dreher; seguros, capazes de transmitir com leveza o tema;muito produtivo e agradável ao ouvido.”

“A proposta deste encontro foi de uma valia muito grande, os conhecimntos oferecidos, apesar de muito intensa a programação, foram primordiais para o entendimento da origem e evolução das Festas do Divino.”

“Parabéns pela ousadia de organizar e acreditar em eventos como este. Valeu!.”

“Fazer coincidir a realização da próxima edição do evento com o lançamento oficial da publicação dos Anais do evento anterior (deste evento). De resto, foi excelent em tudo. Parabéns aos organizadores!!!

“A CAERGs está de parabéns pela organização do evento junto à Direcção Regional das Comunidades. São ótimos todos os palestrantes e por isto e por isto poderia haver no próximo encontro a oportunidade de maior platéia ocasionando-se a mídia.”

“Continuar com o nível quanto à organização, escolha dos temas e palestrantes que foi excepcional. Parabéns!

“Achei muito organizado e muito bom, que nem tenho sugestões para dar. Parabéns aos organizadores e que continuem assim.”

“Foi um congresso muito bom, pois permitiu o crescimento e conhecimento mais aprofundado sobre os temas qu foram interessantes e importantes.

Pessoas muito gentis (organizadores) Missa: linda, pessoal de Criúva que tocou e cantou. Ótima. Destaque para os palestrantes que trouxeram os corredores de cavalhadas, as crianças, bandeiras...

Foram momentos lindos! E também para quem contou alguma história ou deu testemunho.”

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“Considerei a programação tão boa e organizada que nem tenho outras sugestões. Parabéns, organizadores!

Aspectos que podem melhorar:

- Incluir comunidades açorianas do Canadá, Estados Unidos, Uruguai e outras.

- Oportunizar maior número de comunicações.

1- Haver evento de confraternização à noite, com folias de diferentes cidades e momentos de convívio, para conversar.

2- Exposição de bandeiras de diversos locais.3- Cumprimento dos horários.4- Maior envolvimento de outras instituições e paróquias.5- Maior divulgação na imprensa.6- Realizar o próximo congresso em local de onde há

participantes neste, podendo ser em outro estado ou país.7- Fazer intervalos.8- Começar mais cedo.9- Que haja outros eventos em Porto Alegre, dando

continuidade ao assunto que é rico e interessante.10- Fazer um congresso com as folias como tema especial a

partir dos Açores.11- Desenvolver os temas com menos palestrantes e

participação do público nas palestras.12- Avançar no tema Dicotomia entre profano e sagrado.13- Trabalhar a teologia da Festa do divino com algum teólogo.14- Incluir relatos de pessoas que participam há tempo da

festa, buscando visualizar o sentido da prática e da vivência diferençadamente.

15- Manter as características deste quanto ao equilíbrio entre palestrantes descritivos e teóricos e o equilíbrio entre acadêmicos e apresentação de música, cortejo e devoção e mais tempo para perguntas e debates.

16- Dar mais espaço para questionamento.17- Conhecer melhor o trabalho da Casa dos Açores.18- Oportunizar mais apresentações folclóricas.19- Enviar aos congressistas sugestões de hotéis e

restaurantes.20- Haver mais momentos de espiritualidade e oração.21- Dar tempo para visitação da cidade.22- Estender o convite a mais intelectuais portugueses

interessados na área.23- Gravar ou filmar, principalmente os cantadores de

improviso.24- Apresentação do Rancho Folclórico (Dança açoriana).25- Palestra sobre gastronomia da festa.26- Discutir o resgate da tradição da festa em cidades onde

ela deixou de ser realizada.

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27- Ter mais apoio da Direcção Regional das Comunidades para o resgate da festa.

28- Haver mostra de artesanato.29- Criação de uma irmandade cívica internacional do Divino

Espírito Santo.30- Realizar painéis demonstrativos.

RELAÇÃO DOS CONGRESSISTAS

ANEXOS