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Anais do XXX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte Arte > Obra > Fluxos Local: Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Museu Imperial, Petrópolis, RJ Data: 19 a 23 de outubro de 2010 Organização: Roberto Conduru Vera Beatriz Siqueira texto extraído de Sobre posições: objetos em fluxo, espaços em refluxo

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Anais do XXXColóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte

Arte > Obra > Fluxos

Local: Museu Nacional de Belas Artes,

Rio de Janeiro,

Museu Imperial, Petrópolis, RJ

Data: 19 a 23 de outubro de 2010

Organização:

Roberto Conduru

Vera Beatriz Siqueira

texto extraído de

Sobre posições:

objetos em fluxo,

espaços em refluxo

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A exposição de Wilhelm Sasnal no K21

Pedro Meyer Barreto

Doutorando/ UFRJ

UFES

Resumo

A comunicação analisa a significativa exposição de Wilhelm Sasnal realizada em Düsseldorf, Alemanha, entre o final de 2009 e início de 2010. Além da análise das obras e dos textos publicados no ca-tálogo, utilizam-se instrumentos da Crítica Institucional para com-preender melhor o panorama no qual a mostra ocorre. O objetivo é localizar interseções de sentido entre as pinturas e o evento cultural, focando um cenário político mais amplo.

Palavras-chave

Wilhelm Sasnal, pintura, Crítica Institucional

Abstract

The article examines the significant exhibition of Wilhelm Sasnal held in Düsseldorf, Germany, between late 2009 and early 2010. Besides the analysis of works and texts published in the catalog, I use instruments of the Institutional Critique to understand better the landscape in which the exhibition took place. The goal is to find intersections of meaning between the paintings and the cul-tural event, focusing on a broader political scenario.

Key words

Wilhelm Sasnal, Painting, Institutional Critique

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A “fortaleza” Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen

Eu gostaria de sugerir a Crítica Institucional como uma prática que não pode ser definida por um objeto, nem como uma ‘ instituição’, no entanto amplamente concebida, nem mesmo como arte sobre arte [...][...] Crítica Institucional pode ser apenas definida por uma metodologia reflexão crítica sítio--específica. Como tal ela pode ser distinguida em primeiro lugar das práticas sítio-específicas que lidam primeiramente com os aspectos físicos, formais, e arquitetônicos de lugares e espa-ços. Crítica institucional engaja sítios sobre tudo como sítios sociais, conjuntos estruturados de relações que são fundamentalmente relações sociais. Dizer que elas são relações sociais não é opor-las às relações intersubjetivas ou mesmo intra-subjetivas, mas sim dizer que um sítio é um campo social dessas relações.1

Antes, durante e depois do encontro com as imagens de Sasnal existe um contexto de incidência permanente. Com esforço, poderia isolar as manchas coloridas na tela de seu entorno e ensaiar sobre as questões por elas suscitadas – per si. A primeira moldura da mostra é a instituição. O Kunstsammlung Nor-drhein-Westfalen é um dos mais importantes museus do mundo, formado por dois prédios distintos com coleções complementares (O K20 e o K21). Sua quali-dade e extensão são espantosas. O assombro causado por essa força institucional deve ser superado criticamente. É preciso decodificar o evento expositivo como parte do processo cultural, coordenando-o com a experiência direta das obras.

A coleção do K20 está focada na arte européia ocidental e na arte mo-derna norte americana. O K20 possui trabalhos de Pablo Picasso, Joseph Beuys, grande número de trabalhos surrealistas, Paul Klee, Gerhard Richter, Per Kirke-by e Markus Lüpertz. Depois de Segunda Guerra Mundial o foco essencial da coleção é a arte estadunidense.

A influência dos EUA sobre a Alemanha Ocidental no pós-guerra é de-cisiva. A estratégia cultural incluía uma interferência nas tradições locais, proje-tando a nova paisagem de industrialização e consumo em massa. Alguns artistas como Konrad Klapheck lidam com essa influência de maneira surpreendente, inclusive antecipando algumas considerações conceituais da Pop Art. Klapheck pinta objetos industriais de maneira quase descritiva e distanciada, em uma es-pécie de ponderação conceitual sobre a nova paisagem de consumo. A arte norte americana é duplamente o sinal de hegemonia e propaganda liberal. Marca com eficácia um antagonismo em relação aos realismos soviéticos de fundo social. Po-rém, os alemães parecem buscar constantemente contrapontos em seus acervos. No Museu Ludwig, por exemplo, o início da coleção foi marcado por aquisições de obras importantes da vanguarda russa. Nessa mesma instituição, que não está muito distante do K20, encontra-se outro forte exemplo da relação com os Es-tados Unidos. Sua coleção de Pop Art norte americana é a maior fora dos EUA, incluindo pinturas, objetos e ambientes de Lichtenstein, Rosenquist, Warhol e Wesselmann. A presença dessas obras é significativa nas manifestações recentes

1 FRASER, Andrea. “What is Institucional Critique”. Em: “Institucional Critique and After”. Soccas Simposia vol.2. JRP Ringier, 2006. Pág. 305

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da cultura local. Muito da efervescente pintura alemã dos anos 80 frutificou com a absorção da Pop2 na cidade de Colônia.

A coleção do K21 possui exemplares significativos da arte pós-moder-nista, enfatizando as práticas contemporâneas a partir dos anos 80. Segundo o museu3, a coleção tem como pedras fundamentais trabalhos dos artistas Katha-rina Fritsch, Robert Gober, Paul Mc Carthy, Reinhard Mucha, Thomas Ruff, Thomas Schütte, Jeff Wall, Franz West, entre outros.

O K21 é um agente poderoso. Ocupar suas salas é adquirir atualida-de, legitimação simbólica e liquidez econômica. Estar lá é um brilho de suces-so, triunfo para permanência. A exposição temporária de aproximadamente 80 pinturas de Wilhelm Sasnal ocorreu no K21 e exigiu um enorme montante de capital. Ela corresponde às novas exigências políticas européias. Apesar das obras expostas por Sasnal não lidarem diretamente com o sítio-específico (no sentido de uma obra que diretamente se relaciona em expansão com um ambiente), elas recebem leituras especiais, reforçadas por aquele local singular. A exposição passa a integrar a moldura da instituição. As obras devem ser consideradas em conjun-to com as arquiteturas física e discursiva que as abrigam. Talvez assim também possamos desvendar algo sobre o estado da pintura hoje.

Diferente do período de reconstrução durante o pós-guerra, hoje a Alemanha não absorve com a mesma intensidade a influência estadunidense. A agenda alemã é a integração das comunidades européias. Estados como a Polônia e a República Tcheca representam grandes perspectivas de rentabilidade e cresci-mento econômico. Wilhelm Sasnal é um artista polonês. Sua aparição alarde essa moldura: commodity do leste4.

O texto do curador Julian Heynen, a voz da instituição, enfatiza a ori-gem nacional de Sasnal. Aspectos qualitativos determinantes em sua obra são vinculados ao processo político polonês. A extensão crítica da pintura de Sasnal incluiria até o Holocausto. Com sua visão repleta de sacadas dinâmicas e sa-gacidade, estaríamos diante de um sujeito verdadeiramente talentoso. Segundo Heynen, ele possui uma inteligência especial para o discernimento do seu tempo. A maneira como ele se relaciona com as imagens é específica. As passagens da fo-tografia para a pintura em sua linguagem confundem-se com processos políticos.

[...] Sasnal nasceu em uma sociedade relativamente estática e “atrasada”. Ele cresceu em um tempo que o mundo socialista lento foi exposto virtualmente do dia para a noite, a velocidade de um capitalismo e sua mídia a tudo abarcantes. Ele aprendeu a compreender o novo fenô-meno rapidamente, percorrendo as possibilidades, e tomando decisões. Ele teve que afinar e agilizar o seu olhar, ele tinha que se tornar uma instância organizadora, primária. Essa inte-ligência visual tinha que ser capaz de apreender detalhes com a precisão suficiente sem perder de vista um contexto mais amplo. O resultado é a pintura de Sasnal, que exibe uma confiança nesse tipo de visão mundana que é simplesmente espantosa. Sua abordagem, com a constante

2 Importante notar que o expressionismo também é muito bem representado na coleção do Museu Lu-dwig.

3 http://www.kunstsammlung.de. Em: 15/01/2010

4 Esse interesse pelo leste, por países que pertenceram à área de influência da União Soviética, é exempli-ficado também através da emergência e valorização dos pintores alemães de Leipzig.

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atenção ao detalhe individual, o momento individual, não é para ser confundida com o prazer simplório no rápido fluxo de imagens que escuta seu ritmo e considera seu conteúdo suficiente. Ao contrário, a pintura individual, uma vez removida do contínuo da visão, tem um tipo peculiar de tenacidade, até mesmo solidez. Ela insiste, como se tal fosse, a pergunta não dita do que é que torna precisamente esse objeto ou precisamente esse momento signifi-cativo. Um vetor de interesse aponta enfaticamente para o passado. Ou mais precisamente na permanência do que é o passado. Isso não é apenas a vida após a morte do modernismo, a teimosia com que ele continua a determinar nossa consciência. Em vez disso – e aqui lembre que estamos lidando com um artista Polonês – está o sentimento de quem ainda vive em um tipo de era de pós-guerra que, direta ou indiretamente, política ou psicologicamente, não pode fugir da guerra, ocupação, Holocausto, e Stalinismo. [...]5

A montagem da exposição contribuiu na qualificação do trabalho de Sasnal, salientando sua origem. Os espaços estavam “impecáveis”, precisamente afinados, e a atmosfera era de neutralidade distanciada, com a organização típica do “white cube”. O contraponto era uma pequena sala de paredes negras no cen-tro do espaço expositivo. Nesse compartimento havia vários computadores com informações, formando uma cronologia comparativa do artista com a história da Polônia.

Adam Szymczyk distingue um lugar para Sasnal na tradição polonesa em relacionar arte e política:

[...] Eu gostaria de propor a leitura das pinturas de Sasnal como parte dessa tradição de com-promisso político na arte polonesa, uma tradição independente da aparência estilística, que varia dos pôsteres políticos e colagens do Construtivista Mieczyslaw Szczuka (1987-1927), membro do Partido Comunista Polonês ‘pré-guerra’, até as pinturas do Realista Andrzej Wroblewski (1927-1957), um céptico membro do Partido Comunista Polonês ‘pós-guerra’ [...]6

Somando Heynen + Szymczyk, reconhecemos em Sasnal um Autor, com Nacionalidade e Tradição! A distinta linhagem da mercadoria. Szymczyk enfatiza questões de época e a naturalidade de Sasnal como determinantes para sua linguagem. O próprio Szymczyk é polonês e da mesma geração de Sasnal. Entre ambos, há uma “equivalência de patentes”. Pintor e crítico já atingiram grande sucesso no circuito europeu, Szymczyk atualmente é diretor do Kuns-thalle Basel e foi curador da V Bienal de Berlim.

[...] O povo jovem, nascido depois de 1970, não tinha sido parte do movimento Solidariedade e não pode influenciar o curso dos eventos ditados por seus superiores que, vindo de diferentes frentes do movimento Solidariedade, logo discordaram sobre o futuro político do seu país. Conhecida como “geração-vazia” eles desenvolveram um senso acurado de afastamento da realidade social do seu tempo, enquanto também resistem a idealização da sua própria posição

5 HEYNEN, Julian. “A Special Kind of Visual Intelligence”. Em: “Wilhelm Sasnal”. Germany: Kunst-sammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf, 2009. Pág. 11-12

6 SZYMCZYK, Adam. “The Demonstration of Paintings”. Em: “Wilhelm Sasnal”. Germany: Kunst-sammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf, 2009. Pág. 41

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desesperada na lacuna entre dois sistemas políticos: o socialismo real-existente dos anos 80 e o capitalismo avançado posterior a 1989. [...]7

No cenário atual do capitalismo cognitivo, a capacidade de algumas imagens contribuírem mais ou menos na construção das nossas vidas está conec-tada às suas singularidades constitutivas, mas também às condições específicas pelas quais elas são veiculadas e lidas. O K21 pode ser entendido como uma espécie de mídia que intensifica o agenciamento das imagens de Sasnal. O museu divulga a plataforma do artista, reverberando-a. Talvez essa seja uma das instân-cias necessárias para a pintura adquirir um alcance em larga escala, participando da Indústria Cultural.

A instituição instrumentaliza o que é exposto. O artista Sasnal pertence ao jogo macroeconômico das nações européias. Questiono se ele não deseja ser essa peça de engrenagem. Será que a adesão é irrestrita e celebrada? O sítio-espe-cífico K21 é sintoma de expansão mundial. Além de assegurar uma posição no circuito, estar ali é se tornar um agente global da imagem. Qual o real interesse e capacidade de negociação do artista? Há vontade de promover alguma inter-venção transformadora? Atingir altos preços e participar da integração mercantil pode ser um dos itens da estratégia. Eventos no K21 costumam ter fortes efeitos microeconômicos, valorizam a obra do artista e atribuem status simbólico e res-peito. As galerias e colecionadores lucram com a amplitude da visibilidade.

A significativa atuação de Szymczyk na Polônia atravessou atividades mercantis. Entre 1997 e 2001, ele contribuiu para a criação da Foksal Gallery Foundation, constituída a partir da Foksal Gallery, que, por sua vez, foi fun-dada em 1966 por artistas e críticos poloneses, incluindo membros fundadores do Grupo Construtivista Polonês. A Foksal Gallery Foundation atua também como galeria comercial, na apresentação de trabalhos de artistas estrangeiros para o público polonês e participação de feiras e festivais internacionais de arte, promovendo seus artistas no exterior. Essa atuação direta no mercado provocou controvérsias.

Para Szymczyk, um dos aspectos mais interessantes da obra de Sasnal é justamente testemunhar a transformação econômica e social sofrida no Leste Europeu. Os sapatos pintados por Sasnal, segundo Szymczyk, “representam coi-sas práticas do uso cotidiano, pintadas antes das coisas se tornarem símbolos de status.”

Porta-Retratos

Outra moldura da instituição adequada para Sasnal é relacionada aos debates da imagem contemporânea. A coleção do K21 concentra-se em escultura e objetos de um lado, e fotografia do outro. Heynen deixa claro esse recorte: “O desejo de organizar uma exposição dos trabalhos de Wilhelm Sasnal no K21 tomou forma no contexto de um interesse específico e não dogmático na persistência e no vigor de um tipo particular de pintura que supostamente é da ‘era da mídia’”. A produ-ção de Sasnal ocorre nessa interface. O artista pinta quadros a partir de referên-

7 Idem. Pág. 42

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cias fotográficas e, portanto, cria objetos-imagens de pré-imagens (materializadas ou não). Ele ainda desenvolve trabalhos em vídeo, que possuem afinidades com suas pinturas.

Segundo Heynen:

[...] Wilhelm Sasnal parece alcançar objetos, pessoas e situações diretamente, como se ele dese-jasse capturá-los sem os rodeios de uma estratégia artística comprometida com a consistência de um estilo, apenas como apareceram para ele em um momento particular de sua vida. Não tem limites para o que pintar... Parece determinado em esquivar-se de qualquer sistema, qualquer definição fixa de sua atividade. [...]8

Gerhard Richter fala da liberdade ao pintar a partir da fotografia. Todo assunto é acessível e podemos usar qualquer coisa: pintar a partir do cartão pos-tal. Richter é um dos precursores na história recente a reinvestir na pintura, reco-locando seu potencial crítico e político. A foto e seus temas ilimitados em Sasnal aproximam-no de Richter e, portanto, da coleção do Kunstsammlung Nor-drhein-Westfalen. Mais uma vez podemos supor algum jogo cultural, no qual interessa à Alemanha levantar manifestações artísticas sobre as quais tenha exer-cido influência. Em seu texto clássico “Figuras de Autoridade, Cifras da Re-gressão”, Benjamin Buchloh atribui fatores de interesse que levaram os colecio-nadores americanos a adquirirem muitas obras dos pintores neo-expressionistas alemães. Haveria um fetiche por arte influenciada pelo Expressionismo Abstrato e a Pop estadunidense em sua escala, drama e referências.

A pluralidade de referências aproximaria Sasnal da aleatoriedade de al-gumas produções do século XX. Ulrich Loock diferencia as incoerências das obras de Sasnal, Richter (incoerência sistemática) e Picabia (variações periódicas do desenvolvimento do artista). Para ele, a obra de Sasnal tangencia o arbitrário. Não há totalidade. Ele cria conjuntos incompletos que forçam ver cada trabalho em relação aos outros, mas a noção de obra retorna, inclusive para ainda produ-zir significado: “No caso de Sasnal, essa consiste na sua dissolução nas mãos da imagem”9. Loock ainda diagnostica a realidade de Sasnal:

[...] O recurso a imagens já existentes reflete uma condição universal do presente no qual a realidade física das coisas parecem ter evaporado em superfícies pictóricas. Não é apenas o caso da realidade física das coisas que estão remotas no espaço e tempo – aproximar coisas distantes sempre foi reconhecida como uma das funções primárias da fotografia. A realidade das coisas próximas também aparecem nas imagens: família, amigos, o lar, objetos dos dia-a-dia, a cidade e vizinhança de alguém, os sinais históricos de sua própria cultura, e finalmente até mesmo o seu próprio corpo. No entanto, trazidas para perto em imagem, as coisas se retiram – ao serem vestidas com sua original, embora instável, imagem – em uma estranha e intrans-ponível distância. Esta é a forma na qual a realidade é dada; esta é a realidade com a qual a

8 HEYNEN, Julian. “A Special Kind of Visual Intelligence”. Em: “Wilhelm Sasnal”. Germany: Kunst-sammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf, 2009. Pág. 13

9 LOOCK, Ulrich. “Photophobie”. Em: “Wilhelm Sasnal”. Germany: Kunstsammlung Nordrhein-Wes-tfalen, Düsseldorf, 2009. Pág. 112

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pintura de Sasnal está interessada e a realidade pela qual está marcada. [...]10

[...] A sujeira pictórica não libera as coisas que a fotografia, por assim dizer, pegou como prisioneiras – incluindo o próprio corpo de alguém – mas implementa simpatia por elas: momentos de um sofrimento que está voltado para as coisas em uma postura de súplica. 11

Szymczyk, ao falar das apostas de Sasnal sobre a realidade histórica, relaciona esse movimento às condições de existência da pintura na contempora-neidade. A pintura precisa questionar o contexto de seu próprio fazer e se opor à redução auto-referencial. A prática pictórica hoje parece desvencilhada dos exces-sivos debates relativos à sua morte – coisa já superada – e coloca um ponto final na “prolongada celebração do seu próprio fim de jogo”. Já temos outras cartas na mesa. No entanto, o mesmo Szymczyk chama atenção para o uso reificado das novas operações imagéticas:

Na determinação de justificar sua existência qualquer pintura séria feita hoje precisa questio-nar o contexto de seu próprio fazer, ela precisa endereçar a tendência do meio da indiferen-ça {espaço neutro-camuflagem} para a realidade extra-pictórica, opondo sua redução a um exercício de auto-referencialidade e colocando um ponto-final a prolongada celebração do seu próprio fim de jogo. Ela precisa chegar a um acordo com as inúmeras reiterações da pintura monocromática, as misturas estilizadas da vanguarda e estratégias da neo-vanguarda e o pe-rigo da neutralização artística do potencial crítico das técnicas de cortar-colar barganhando o trabalho com imagens achadas e arquivadas como mero joguinho de conhecedores. [...]12

Szymczyk usa passagens poéticas de Daniil Kharm para falar de Sasnal: “O poeta é de alta estatura”, “... a altura indica a disposição de ver e achar pala-vras para coisas que estão além do usual e que os outros não podem ver ou nome-ar. Eu não penso em qualquer outra tarefa que diga respeito a um pintor.”13 Para Heynen, a abordagem pictórica de Sasnal não seria calculada, carregando sempre algo de “serendipidade”. Assim, seria conseqüência do senso de oportunidade, do encontro de algo valioso quando não se está procurando, da habilidade de fazer descobertas no arbitrário e aproveitar a boa fortuna.

Em certo sentido, a realidade de Sasnal é a mesma que a nossa. Dividi-mos um mesmo presente no qual “as coisas parecem ter evaporado” em imagem. As experiências dos quadros de Sasnal propõem um descontrole sobre o proje-tado, o conhecido e o nomeado. No entanto, se em Sasnal não existe um pla-nejamento claro, certamente da sua multifacetada edição de imagens emergem comentários. Há determinantes políticas ocultas. Na elegância de suas imagens ora vemos um flerte com o mundo fashion e midiático, ora o consumo e a moda parecem ser extirpados. Se de um lado estamos diante de formas controladas e quase puras, por outro a intuição espontânea insinua o motivo.

10 Idem. Pág. 114

11 Idem. Pág. 116

12 SZYMCZYK, Adam. “The Demonstration of Paintings”. Em: “Wilhelm Sasnal”. Germany: Kunst-sammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf, 2009. Pág. 40

13 Idem. Pág. 41.

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O exercício que Sasnal nos ensina não é fácil. A realidade fotográfi-ca da vida é um constructo randômico, com mascaramentos, encobrimentos e omissões. Não há maneira de desnudar algo transparente, de aparência vazia, nem suplicando. Talvez a única solução seja revelar o mecanismo, aprendendo e demonstrando as estratégias de disfarce. Através de camuflagens variadas, pos-tas em jogo para seu próprio reconhecimento, perceberemos melhor as nuances do atual ambiente visual. Essa posição é complexa e, por isso mesmo, possui a abrangência necessária para, inclusive, substanciar uma crítica ao papel de uma instituição como o K21, um dos agentes de império do regime imagético con-temporâneo. A crítica é indireta, mas não dispensa a consideração específica do sítio, plataforma incidente no alimento da obra.

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