anais do seminÁrio surdez: desafios para o prÓximo

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Page 1: ANAIS DO SEMINÁRIO SURDEZ: DESAFIOS PARA O PRÓXIMO
Page 2: ANAIS DO SEMINÁRIO SURDEZ: DESAFIOS PARA O PRÓXIMO

Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial Instituto Nacional de Educação de Surdos Departamento de Desenvolvimento Humano, Científico e Tecnológico

ANAIS DO SEMINÁRIO SURDEZ: DESAFIOS PARA

O PRÓXIMO milênio

19 a 22 de setembro de 2000

Rio de Janeiro

Page 3: ANAIS DO SEMINÁRIO SURDEZ: DESAFIOS PARA O PRÓXIMO

Presidente da República Fernando Henrique Cardoso

Ministro de Estado da Educação Paulo Renato Souza

Secretária de Educação Especial do MEC Marilene Ribeiro dos Santos

Diretora-Geral do Instituto Nacional de Educação de Surdos

Stny Basílio Fernandes dos Santos

Diretora do Departamento de Desenvolvimento Humano, Científico e Tecnológico

Solange Maria da Rocha

Coordenadora de Projetos Educacionais Leila Couto Mattos

Divisão de Estudos e Pesquisas Mónica Azevedo de Carvalho Campello

CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional de Livros, RJ.

S474s

Seminário Desafios para o Próximo milênio (2000, Rio de Janeiro, RJ) . Seminário Desafios para o Próximo milênio, 19 a 22 de setembro de

2000/ (organização) INES, Divisão de Estudos e Pesquisas - Rio de Janeiro

Inclui bibliografia

I. Surdos - Educação - Congressos: I. Instituto Nacional de Educação de Surdos (Brasil). Divisão de Estudos e Pesquisas.

II. Título 96-2048

CDD - 371.912 CDU - 373.33

131296 161296 002373

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ANAIS DO SEMINÁRIO SURDEZ: DESAFIOS PARA

O PRÓXIMO milênio

Edição Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES

Produção Gráfica I Graficci

Tiragem 5.000 exemplares

Comissão de Publicação Professor André Luiz da Costa e Silva

Psicóloga Carla Verónica Machado Marques Fonoaudióloga Leila Manhães de Paula

Fonoaudióloga Marisa Marins Viola Fonoaudióloga Mónica A. de C. Campello

Professora Simone Ferreira Conforto Professora Solange Maria da Rocha

Rua das Laranjeiras, 232 CEP 22240-001

Rio de Janeiro - RJ - Brasil Telefax: (0xx21) 285-7284 e 285-7393

e-mail: [email protected]

Instituto Nacional de Educação de Surdos

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Agradecimentos

À incansável equipe do DDHCT, aos profissionais do INES e às alunas do CEAD.

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Editorial 11 Conferências

Ética e Humanismo Maria Inez do Espírito Santo 15 Educação inclusiva - uma Escola para Todos _ Marcos José da S. Mazzotta 25 Educação Especial - Significação de Termos Marcos José da S. Mazzotta 29 Surdez e Intervenção Clínica - Questões da Atualidade Maria Cecília Bevilacqua 30

Palestras Ações para a Legalização da LIBRAS Fernando de Miranda Valverde 35 Capacitação de Instrutores de LIBRAS Capacitação de Instrutores Surdos Tanya Amara Felipe 40 Cidadania e Surdez Maria Cecília de Moura 43 A Educação Bilíngue para Surdos O Modelo Bilíngúe/Bicultural na Educação do Surdo Lorena Koslowski 47 A Educação dos Aprendizes Surdocegos A Educação do Surdocego Shirley Rodrigues Maia 53 A Prevenção na Área da Surdez A Prevenção da Surdez Maria Cristina Simonek 57 Atuação Fonoaudiológica no INES Teresa Rude, Ednéa Pimenta e Waldelice Pinto 59

Mesas Redondas Refletindo sobre a Sociedade Inclusiva e a Surdez José Geraldo Silveira Bueno 67 Mónica Pereira dos Santos .. 71 Lorena Koslowski ..... 75 O Intérprete da LIBRAS - um Olhar sobre a Prática Profissional Denise Maria Duarte Coutinho 77 Ricardo Sander 80 Cleidi Lovatto Pires 85 Pesquisas sobre LIBRAS De Flausino ao Grupo de Pesquisas da FENEIS - PJ Tanya Amara Felipe 87 LIBRAS: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilingue Walkiria Duarte Raphael e Fernando César Capovilla 90 Aquisição de Língua Portuguesa por Aprendizes Surdos Maria Marta Ferreira C. Ciccone 92 Maria Cristina da Cunha Pereira 95

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Aquisição do Português Escrito por Aprendizes Surdos como um Desafio para o Próximo milênio Deize Vieira dos Santos 101 Prática Escolar com Profissionais Surdos Luciane Rangel 107 Paulo André 108 Heloise Gripp Diniz 109 Leandro Elis Rodrigues 110 Adriana Veiga 111 Escolarização de Aprendizes Surdos -Escola Regular e Escola Especial Lenir Terezinha N. Dutra 112 Sônia Maltez 114 Formação de Profissionais na Área da Surdez Maria de Fátima Reipert de Godoy 117 Formação de Professores para Surdos na UFSM: Uma Trajetória de Quatro Décadas Vera Lúcia Marostega 123 Formação de Profissionais na Área da Surdez na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Maria Cristina da Cunha Pereira 128 Audiologia Clínica Idade Ideal para Protetização Auditiva Rosélia Sol C. M. Estevão 133 Triagem Auditiva Neonatal Universal nas Maternidades da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro Arthur Marcelo G. Carvalho 135 Aquisição de Lingua Portuguesa - Modalidade Oral A Construção da Lingua Portuguesa, Modalidade Oral: Reflexões a Partir de uma Abordagem Fonoaudiológica Valderez Prass Lemes 136 Método Audio + Visual de Linguagem Oral para Crianças com Perda Auditiva e Necessidade Atual do Surdo Oralizado Jordelina Montalvão Corrêa 139 Discriminação Auditiva para Surdos Severos e Profundos Eliane Alonso Novello 144 Ana Maria de Oliveira 146

Apresentação de Trabalhos Aspectos Psicossociais da Comunicação entre Pais Ouvintes e Filhos Surdos que Utilizam-se da LIBRAS Cíntia N. M. Sanchez; Célia C Lobato e Giani Maria R. C. Ernestino 151 Uma Proposta de Intervenção Educacional para Alunos Surdos Rosimar Bortolini Poker 152 Aquisição Léxica Inicial em Duas Crianças Surdas Andréa Ortiz Corrêa 153 Recursos Orais e Gestuais Usados por Crianças Surdas no Processo de Construção da Linguagem Escrita Sandra Eli Sartoreto de Oliveira Martins e Ana Maria Torezan 154 LIBRAS: conhecendo sua estrutura Denise Maria Duarte Coutinho 155

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Editorial

Ao longo de quatro dias, cerca de 600 pessoas, entre profissionais, familiares e pessoas surdas, estiveram reunidas discutindo questões emergentes, ligadas à socialização, escolarização e intervenção clínica de sujeitos surdos.

O novo milênio se descortina e é nítido o reposicionamento referente a essas questões.

Paradigmas outros, de deficientes a diversidades; Escola para todos e a sobrevida da diversidade nos espaços escolares.

Este registro pretende colaborar com os enormes desafios que nos assombram o cotidiano. Que represente pontos de luz para todos nós.

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Ética e Humanismo

Maria Inez do Espírito Santo*

Quero começar contando pra vocês uma história que eu ouvi recentemente e que me parece bastante oportuna.

Dizem que num certo lugar, tempos atrás, convidaram um sábio para fazer uma conferência. Ele chegou, virou-se para a plateia e perguntou:

- Vocês sabem o que eu vim fazer aqui? A plateia toda respondeu: -Siimm!!! Então, ele se levantou e disse: - Bom, já que todos vocês já sabem, não tem porque eu falar nada. E foi embora. As pessoas ficaram muito constrangidas com o acontecido e mandaram chamá-

lo de novo, na próxima semana. Pediram para que ele voltasse, porque, enfim, ainda não tinham ouvido o sábio e ficaram com medo de tê-lo ofendido.

Na semana seguinte, portanto, o sábio foi outra vez falar ao público e, chegan­do lá, ele perguntou de novo à plateia:

- Vocês sabem o que eu vim fazer aqui? A plateia inteira, dessa vez, disse: - Nããoo!!! Ele disse: - Bom, se vocês não sabem porque vocês me convidaram pra vir aqui, não tem

porque eu falar nada. E novamente o sábio se levantou e foi embora. Pior ficou a situação ainda. Na terceira vez que eles convidaram o sábio, ele tornou a aceitar o convite e

chegando lá, repetiu a mesma pergunta: - Vocês sabem o que eu vim fazer aqui? Então, metade do auditório fez: -Siimm!!! E a outra metade fez: -Nããoo!!! - Bom - disse o sábio - então, quem sabe diz pra quem não sabe e não é

preciso que eu diga nada. Portanto, eu vou embora. Essa é só uma provocação, uma brincadeira, pra tentar dizer que o meu senti­

mento é de que qualquer coisa que eu pudesse dizer aqui, ou que eu possa dizer aqui, com certeza não seria nada de novo, se eu for verdadeira e se falar do fundo do meu coração. Qualquer coisa que eu diga como educadora, mora dentro de cada um de vocês. O que a gente pode fazer é tentar acordar junto alguma coisa que, por um tempo, fica adormecida, às vezes fica um pouco cansada, pela própria solidão do dia-a-dia. O educador é, com certeza, um profissional que padece de solidão, se ele é um profissional sério. E o que a gente precisa fazer, me parece, é promover cada vez mais o encontro das nossas pequenas convicções e das nossas grandes incertezas.

É isso que eu proponho hoje. Não é desagradável começar dizendo que a gente vai dizer só isso? Mas vamos ver se isso se traduz em coisas fortes, pra manhã de hoje.

A gente está começando, chegando bem perto da primavera - a hora em que as coisas vão brotar de novo. A gente está acabando o período do inverno. É uma boa

•Educadora, Psicanalista e Presidente do Centro Cultural Viva.

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época pra gente tentar fazer vicejar alguma coisa. Quando eu fui convidada pela direção do INES pra vir aqui (e eu tenho acom­

panhado nos últimos anos, tenho tido a possibilidade, a sorte de acompanhar o trabalho do INES) eu fiquei muito feliz por saber que esse trabalho cada vez mais está chegando ao Brasil todo, cada vez mais está tentando abrir portas.

Eu sou educadora acho que desde sempre. No meio do percurso eu me tornei também uma psicanalista. Mas quem é educador não vai nunca deixar de ser educador. Na Educação, acidentalmente, descobri que não pode existir com­partimentação, que não pode existir a busca da diferenciação, se a gente pretende fazer um trabalho de formação de seres humanos íntegros e felizes. E como foi que descobri isso? Descobri isso abrindo as portas de uma escola, há muitos anos atrás e esperando chegarem as crianças. Foi só assim: naturalmente.

Quando me foi dado o tema Ética e Humanismo pra falar aqui hoje, eu fiquei pensando o que é que eu podia trazer sobre duas palavras tão preciosas e ao mesmo tempo tão desgastadas; dois conceitos fundamentais e tão desbotados, por mal uso. Eu fiquei com muito medo de estar, simplesmente trazendo pra vocês mais um posicionamento teórico. Eu estava ontem indo trabalhar e passou um ônibus, cheio de gente e fiquei pensando assim: "se dentro desse ônibus a gente perguntasse a cada pessoa o que é Ética, cada um do seu jeito, com suas palavras, saberia, com certeza, falar alguma coisa bastante bonita sobre esse código de valores, sobre essa organização do Bem e do Mal."

Teoricamente todo mundo sabe isso. Esse é o problema do nosso mundo de hoje: é como se, teoricamente, a gente soubesse de quase tudo. Aliás, acho que esse é um grande problema: é como se a gente tivesse que saber de tudo. É como se toda a informação fosse pouca, como se tudo que a gente pudesse absorver fosse pouco e nos é cobrado, o tempo lodo, ler todas as revistas, saber todas as informações, ter notícias do mundo inteiro e fica muito pouco tempo pra gente saber da gente mesmo. Não sabendo da gente mesmo não há a menor possibilidade de estar em contato com o outro, de verdade. E cu penso que um trabalho de Educação tem que propiciar um encontro com o outro.

O encontro com o outro, cm princípio, como tudo na nossa cultura, se faz a partir da comparação, marcando as diferenças. Eu mesma faço isso. Cheguei aqui e caí, exatamente como tudo cai, na mesma esparrela. Eu sou educadora e psicana­lista. Já marquei logo pela diferença. Quem aqui não é psicanalista? - Ah, eu sou só educadora. - Eu sou terapeuta. - Eu não, eu sou artista.) É a partir das diferenças, que sempre parece que os encontros se iniciam. No entanto, o que mais nos incomoda, o que mais nos distancia, segundo o meu modo de pensar, é exatamente a nossa semelhança, contida nisso de que a Solange, na abertura de hoje nos falou: na humanidade.

Freud, que foi um grande pensador e transformou o percurso da história da vida humana, trazendo a quase imposição de se pensar no Inconsciente, porque ele não inventou o Inconsciente, mas foi quem trouxe isso como uma ameaça, no sentido em que quase disse: "Não pense que você sabe tudo de você, porque tem um outro seu, que você não conhece." Freud trouxe isso e nos tirou de um centro de pretensão de que nós sabemos de nós mesmos. Ele também mostrou que o maior padecimento do ser humano é a impossibilidade da relação humana satisfatória. No texto "O Mal-Estar na Civilização" ele fala sobre isso.

Esse mal-estar que a gente sente, não tem cura, não tem jeito. O que a gente pode fazer é caminhar em direção a minimizá-lo. E como fazer isso é o grande desafio.

Voltando a pensar nas diferenças c nas semelhanças, eu diria que se a gente imagina que somos todos humanos (e daí o tema Humanismo, que é disso que a

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gente tem de tratar e é por essa senda que a gente tem de caminhar; é esse o caminho que a gente precisa percorrer...) a gente vai ter de reconhecer que o que tem dentro da gente tem dentro do outro também. E que mundo é esse que tem dentro da gente? É o mundo só de uma Ética formal que nos garante que sabendo o que é Bem e o que é Mal nós possamos ter um comportamento adequado a cada situação? Não podemos ser tão ingênuos assim...

Toda segregação, todo isolamento imposto a uma série de grupos humanos, não se faz porque nós somos bonzinhos, porque nós somos piedosos e virtuosas.

Aqui, a questão é a surdez. Aqui, a questão é um grupo de pessoas cuja diferença está na capacidade de audição externa. Aqui. Mas, maior que essa, pro­ponho a questão de uma surdez interna, de um não poder ouvir com o sentimento. Essa sim, uma ameaça grande do tempo de hoje.

Como psicanalista trabalho com alguma coisa que se usa chamar de escuta, que não é exatamente audição. Essa escuta é a que se pode fazer através da audição, mas que se faz também através da visão, se faz através do olfato, de todos os sentidos e que se faz principalmente através da atenção e do cuidado; essa escuta, quando é bem desenvolvida, proporciona uma relação verdadeira. Essa relação, fundamental num consultório psicanalítico, é muito mais funda­mental, porque estruturante, numa sala de aula. Ela é muito mais fundamental na Educação.

Eu penso, como Freud mesmo previu, que se a educação der certo, os psicana­listas ficam sem pacientes. Eu não estou falando da educação escolar apenas. Eu estou falando da educação como um todo. A educação que começa em casa e que passa por toda a vida em sociedade.

Pensando por aí a gente caminha para o valor do trabalho que nós, como educadores, fazemos. Eu digo nós, porque, como foi anunciado, eu participo do Centro Cultural Viva que é uma casa de Educação. Não é uma escola, mas é uma casa de educação.

Eu ouvi contar, há pouco tempo, sobre uma senhora, que é lavadeira e semi-analfabeta, chamada D. Silvina, que mora no interior da Bahia e que tem um poder enorme junto à universidade de lá. Pois foi numa reunião como essa, em que estavam presentes vários educadores que, frustrados e ressentidos, (como somos, infelizmente) discutiam as questões salariais, discutiam as questões do não-reconhecimento do seu papel pela sociedade, e, que ela, D. Silvina, teria se levantado e dito:

- Ah, eu quero dizer uma coisa: o problema de vocês é que vocês não sabem o valor do que vocês fazem. Eu sei! Eu sei exatamente o valor que tem receber uma trouxa de roupa suja e entregar um pacote de roupa limpa.

Certamente ela não estava falando do valor material. Ela não estava falando do quanto ela recebia por isso. Ela estava falando do que significa pra quem entrega uma trouxa de roupa suja, receber de volta uma trouxa de roupa limpa e cheirosa. Ela sabe que papel ela exerce.

Eu penso que o educador nem sempre sabe, porque se o educador soubesse, se ele pudesse parar pra pensar nisso, que ele miseravelmente em três, quatro horas por dia, com a criança, durante muitos anos, consegue ser, talvez, a pessoa que tem maior ascendência sobre esse ser humano, durante a vida toda... Mais até que o pai e a mãe. Ainda mais os pais e as mães dos dias de hoje, que em muitos casos não tem duas ou três horas por dia com seus filhos... Se o educador sequer pudesse sonhar isso, acho que acabaria a reclamação e a baixa-estima e começaria a pensar que ele, sim, é o grande agente transformador e transformador verdadeiro; que está na mão dele, na autovalorização do que ele faz, ele pode chegar a ser valorizado

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pelos outros e aí sim, ser pago, dignamente. Eu não sou, talvez, a pessoa mais agradável pra falar disso, porque como gosto

muito de trabalhar, eu sempre espero que as pessoas encontrem, no trabalho, o mesmo prazer que eu encontro. Um livro, que tem feito o maior sucesso ultima­mente, do Domenico De Masi é "O Ócio Criativo" que foi apresentado como se falasse do não-trabalho, do lazer como não-trabalho, me trouxe uma grata surpre­sa, quando eu pude ver que ele não fala disso. Ele fala do prazer no trabalho. Ele fala de quanto esse impulso de vida, de quanto esse impulso erótico, esse impulso da verdadeira sexualidade (não é de genitalidade que eu estou falando), que impreg­na nossas atividades, pode transformar o trabalho em alguma coisa prazerosa, porque nos dá a consciência de sermos criaturas/criadoras, criadas à semelhança de um criador maior. Isso se pode pensar em termos religiosos ou não, mas sempre em função de alguma coisa que nos deu origem e que, assim, nos deu a possibilidade de chegar até aqui.

Se a gente, pensando por aí, puder chegar ao momento de saber que a maior condenação que o ser humano tem é, ao mesmo tempo, a maior benção: a capaci­dade de livre-arbítrio... E é isso que nos desespera. Sem dúvida nenhuma somos nós que vamos decidir o que vamos fazer de nosso destino. Não vai ter uma Ética, nem um Tratado de Humanismo, prontos, que garantam, a nenhum de nós uma determinada conduta. Isso não existe. Nós podemos escrever milhares e milhões de livros a mais do que os que já existem e proferir muitas outras conferências e organizar muitos outros simpósios e isso não vai garantir absolutamente nada, se, dentro da gente, não brotar a consciência de quem nós somos e o que nós de fato podemos fazer para nos aproximarmos do nosso semelhante, respeitando, nele e em nós mesmos, principalmente, as próprias diferenças.

Eu ouvi, durante muitos anos, a discussão cm relação à surdez, se o melhor seria usar a linguagem oral, forçar a aprendizagem da linguagem oral ou se seria melhor respeitar o uso exclusivo da linguagem de sinais. Eu posso ter minha opinião pessoal sobre isso, como cada um de vocês pode ter a sua, mas a formação dessas opiniões já é uma consequência. A causa das dificuldades não mora aí. Como não mora no fato de se pensar em outras pequenas diferenças como: se a criança com dificuldade motora deve ou não frequentar uma escola comum; se crianças portadoras de síndromes específicas devem ou não estar nas escolas; se o adulto, considerado deficiente, pode ou não frequentar os mesmos lugares, regular­mente ou se a gente adapta ou não adapta os espaços e cria os instrumentos especiais para isso... A coisa acontece antes. A coisa acontece numa construção de mundo em que as duas forças que moram na gente, que podem ser chamadas de forças Apolíneas e Dionisíacas, podem ter o nome que tiver. Cada um de nós, e cada sábio, cada estudioso, cada pesquisador, pode criar um novo nome para elas, mas essas forças coexistem dentro de nós e, juntas trazem a possibilidade da vida. A possibilidade de viver mora na conjunção dessas forças e elas vão permear a nossa vida onde quer que a gente esteja: no Maranhão, no Pará, no Piauí, em Paris, na Austrália; os seres humanos são assim e não vão poder fugir deles próprios, como um Caim marcado, desesperado por alguma coisa que ele julgou irremediá­vel. Eu acredito que seja exatamente a consciência de que ele teria recebido de Deus o livre-arbítrio, para decidir como agir com seu irmão. Livre-arbítrio que nos dá o direito de poder fazer da vida da gente o que a gente quiser.

Tem um mito indígena muito interessante que é a história da anta e do jabuti. E uma história que eu ouvi do pesquisador de folclore Fernando Lébeis, ainda ontem e que talvez seja interessante contar aqui, porque ela fala um pouquinho da gente, da nossa anta e do nosso jabuti.

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Diz que jabuti é um bicho que vive perto de 500 anos e que, por isso, como a tartaruga, é um bicho considerado sagrado; porque convive com várias gerações de humanos. Então, o jabuti ia andando, andando, naquele passinho dele, devagari­nho, pelo caminho, quando ouviu um barulho e sentiu na terra o ressoar. Ele se assustou ao pensar: - É a anta! Ele sabia que a anta olha sempre em frente. A anta só vê em frente, tem um olhar assim, ela não vê o que está acima, abaixo, ao lado. Então ela vai sempre em frente e não tem a capacidade de perceber o que está a sua volta. Por isso, dizem, a anta bate muito com a cabeça. E a anta vinha: pam, pam, pam. pisando pesado. E o jabuti pensou: ela não vai me enxergar, ela não olha pra baixo, ela não vai me enxergar. A anta passou e pisou em cima do jabuti c enterrou o jabuti. O jabuti passou dois anos enterrado. Durante esses dois anos ele ficou desesperado, teve a maior dificuldade de sair debaixo da terra, tão fundo e forte ele desceu. E quando ele saiu debaixo da terra, ele veio subindo, subindo e estava com muita raiva. Vocês podem imaginar a raiva do jabuti?

Ele subiu e falou: - Eu tenho de achar essa desgraçada que me pisou! E ele foi pelo caminho e encontrou a bosta da anta. Aí ele perguntou pra bosta: - Cadê quem te fez? E a bosta respondeu pra ele: - Hum... vai longe... Me deixou tem muito tempo, já tem uns dois anos que eu

tô aqui. Olhe como eu tô ressecada. Já tô aqui há muito tempo! Mas vai em frente porque ela anda sempre em frente, se você for sempre reto você vai encontrar com ela.

Ele foi, no passinho mole dele, mas foi. Mais adiante, encontrou outra bosta, parou e perguntou:

- Cadê quem te fez? E a bosta respondeu: - Olhe, quem me fez já deve estar longe pelo tempo cm que eu tô aqui. Você vê

que eu já tô até ficando meio seca. Mas, vai em frente, segue em frente, que você vai encontrar quem me fez, que ela anda sempre em linha reta.

E aí ele continuou o caminho e foi encontrando as obras da anta. O popular chama obrar, não é à toa. Ele foi encontrando as obras da anta pelo caminho, até que ele encontrou uma bem fresquinha e chegou até a uma outra mais fresquinha que respondeu assim:

- Tá logo ali na frente. Olha, tá vendo que eu ainda tô até quentinha? Vai andando em frente que você encontra.

O jabuti foi andando devagarinho, andou, andou, até que de repente ele viu a anta. A anta estava lá, deitada, dormindo, de costas, naquela moleza! E ele foi lá: - Nhac! Mordeu o rabo da anta: - Nhac! E o jabuti, quando morde, fecha a queixada e não solta enquanto não arranca um pedaço! E ela acordou com a dentada e saiu correndo em frente, correndo que nem louca e o jabuti agarrado nela, até que... pum!!! A anta bateu com a cabeça numa árvore e caiu morta.

Aí o jabuti soltou e foi embora, no passinho dele. Foi embora andando, andan­do... Muito tempo ele andou, até que um dia, voltou por aquele mesmo caminho. Ele voltou muito tempo depois; estou dizendo que o jabuti vive 500 anos... Ele voltou e deu de cara com o esqueleto da anta. Tava ali a carcaça, descarnada, brilhando no sol. Aí ele olhou, chegou perto, e viu que bem sequinho estava aquele esqueleto. Tirou o osso da perna, daquela mesma perna que tinha pisado nele, fez com ela uma fiautinha e saiu tocando e dançando.

Assim termina a história. Eu ouvi essa história, estudando a cultura popular, porque uma paixão que eu

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tenho cada vez maior é pelas culturas populares. Quem não tem essa paixão eu aconselho que experimente, porque dentro da nossa cultura, dentro da nossa rique­za cultural, está tudo o que a gente precisa, é só ir buscar porque está tudo lá. Então, quando o Fernando Lébeis me contou essa história ele me propôs pensar­mos no jabuti e pensarmos qual teria sido a dor maior do jabuti, o quê o jabuti pensou. Se ele pensou: Será que a anta me pisou de propósito? Será que ela veio andando e quis me enterrar, quis acabar comigo? Ou será que, pior que isso, ela nem me viu?

O que será que pode doer mais no jabuti? Saber que ele foi enterrado de propósito ou que ele sequer foi visto? Isso é uma coisa pra gente pensar, quando a gente fala de diferenças e semelhanças, porque às vezes a gente é jabuti e a gente é pisado, soterrado, impedido de seguir o nosso caminho, paralisado. Outras vezes a gente é anta e a gente olha pra frente, tão teimosamente, que a gente esquece de usar nosso potencial de percepção e ver o que está a nossa volta. E talvez a anta se perguntasse: Será que eu, no fundo de mim, eu queria mesmo pisar em tudo o que está abaixo de mim? Será que tô pouco me incomodando? Ou será que foi sem querer, porque não presto atenção onde ando e não vejo o que está a minha volta e não percebo a diversidade que me cerca e que podia enriquecer minha vida e que podia me tornar melhor e mais fértil?

Se a gente for pensar na bosta, a gente pode pensar no que a gente tem feito pela vida, no que marca a nossa estrada, no que nos denuncia. Porque não tem como fugir do que a gente faz e é preciso a gente olhar pra trás c ver o que anda fazendo. Porque o que a gente anda fazendo, faz com que possam chegar até a gente. Isso marca a nossa história, porque um dia, mais cedo ou mais tarde, nós vamos todos estar do outro lado. Este é o nosso destino de seres humanos, que nos reunimos em simpósios, escrevemos livros e nos julgamos muito perfeitos, mas que, na realidade, temos essa jornada marcada por um princípio e um fim. Eu preferia não virar flautinha de jabuti. E talvez preferisse até não ser o jabuti, dessa história, a quem só restou isso, embora se possa pensar que tem também a lição da transformação que o jabuti faz de tudo que ele passou. Ele consegue tirar alegria da experiência que ele viveu, em cima da transformação. Isso é uma coisa que a Cultura Popular Brasileira ensina muito: a história da transformação.

Lá, no Centro Cultural Viva, a gente recebe, a cada sexta-feira, pessoas que vão falar de suas experiências. E eu tenho ouvido muita gente boa, muita gente séria e muita gente boa e séria que me parece, às vezes, equivocada. Equivocada pelas mazelas da vida mesmo, porque não é brincadeira o que a gente passa pra tentar dar certo, não é?

As vezes a gente fica pensando que cuidando da preparação teórica das pes­soas, da preparação formal, da preparação acadêmica, a gente está dando conta de tudo que se precisa. E a gente esquece dessa sensibilidade, que os grupos mais primitivos tinham e que nós fomos perdendo. A gente atropela, pisa em cima do nosso jabuti. Porque a gente pode ser também, ao mesmo tempo, o jabuti e a anta, na vida e a gente ir pisando em cima do nosso jabuti, sem se dar conta, daquilo que nos permite sobreviver (no caso do jabuti, 500 anos). Se a gente pensar na nossa energia, é isso: sobreviver para ir além da nossa morte. Isso é que faz com que a vida esteja impregnada de morte, mas que a morte seja impregnada de possibilida­des e todas as possibilidades sejam impregnadas de deficiências. Deficiências essas que podem ser portas pra aumentar a sensibilidade. Como são! E não que existam pra diminuir ou para impedir ninguém de chegar a qualquer coisa.

Quando há 27 anos atrás eu tive a sorte de poder criar uma escola, que eu chamei de Escola Viva, em Petrópolis, eu não me dei conta (porque fui educada nas

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escolas formais e tradicionais) de que teria a questão sobre o tipo de aluno que deveria ou não deveria receber. E me chamou a atenção, naturalmente, quando me chegou a primeira criança dita deficiente, que no caso era um menino portador da síndrome de Down. Mas foi uma benção ter acontecido isso, porque, a partir de então eu me certifiquei de que quando eu chamei a minha escola de Viva, eu estava criando um comprometimento, e não um compromisso, com a Vida. E que então, ali, iam entrar todas as crianças que me procurassem. E foi assim que aconteceu durante os 16 anos. em que essa escola existiu. Existiu tendo de creche à formação de professores, até com Estudos Adicionais. Então não foi um atendimento ape­nas a um grupo, a uma faixa de ensino. E foi possível porque eu encontrei educa­dores muito sensíveis, que quiseram compartilhar comigo desse ideal. Educadores: professores, terapeutas, pais, artistas. E dali ficou uma sementinha. Sementinha essa que eu faço questão de transformar em mudinha e, a cada encontro com grupos como esse, ir deixando para aqueles que quiserem, que souberem cuidar de uma mudinha. Uma mudinha que seja transplantada no jardim de cada um e leve, com ela, a ideia de que é possível. É possível ver a vida de uma forma complexa, como diz Edgar Morin, de uma forma que reúna, num vale só, as nascentes de diferentes montanhas; que nos possibilite estar irrigando esse vale de vertentes diversas; que não nos faça ter sempre que optar se é isso ou aquilo; que não nos faça, como a anta da história, olhar só pra frente, sem poder cuidar nem da própria cabeça; que não nos endureça, que não nos cristalize.

Enfim, a possibilidade de pensar a Ética dessa forma mais plástica, mais abrangente, é a única verdade que eu reconheço. Porque nós moramos no Rio de Janeiro, eu e grande parte do grupo que está aqui - mas, eu tenho ideia de como acontecem as coisas em algumas outras capitais; sei que em cidades de interior a coisa é menos grave, porém todos sabemos que dentro de um aglomerado de pessoas, isso a que se chama de cidade, isso dá início à ideia de cidadania, nesse aglomerado urbano coexistem muitas éticas. Não dá pra negar isso. Não dá pra gente querer impor que a nossa é a única Ética. Não dá pra gente dizer que nós temos mais dignidade ou mais coerência que o menino de rua. Já não dá pra gente dizer que a gente resolve. (Deixa com a gente, que a gente resolve!) O problema do menino que, na favela está servindo de aviãozinho pro traficante. (Deixa que eu resolvo) Não dá! A gente sabe que essa parte nós já perdemos, a menos que a gente possa reconhecer que existem várias éticas hoje cm dia. São códigos organizados por cada gaipo. Porque essa é, enfim, a definição de Ética: num grupo, num espaço e numa época, se organizam os conceitos de Bem e de Mal.

Então, se a gente perder a arrogância, se a gente puder ser mais humilde, a gente, talvez, possa ser mais humano. Talvez. Talvez a gente possa colaborar, pensando em chegar mais perto do que parece abominável no outro, que nada mais é do que alguma coisa nossa, que está projetada no outro. Nós, todos antas, nós, todos jabutis.

Pensando por aí, se a gente puder admitir que dentro de nós mora uma força capaz de ser também destruidora de nós mesmos e do outro, que dentro de nós mora a possibilidade de paralisação da força de vida, a gente pode chegar no outro, com certeza, e compreendê-lo; e aquilo que a gente compreende não precisa nos atemorizar, porque faz parte da Vida. Essa, me parece a integração possível. Uma integração muito maior do que, simplesmente, pegar pessoas aparentemente dife­rentes. de diferenças aparentes e pôr dentro de uma mesma sala de aula. Porque é claro que isso é consequência natural, se a gente puder pensar nas diferenças que não são aparentes e pôr dentro da Vida. Não é fácil.

Estou falando de alguma coisa com a qual a gente precisa lidar com uma

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vigilância constante em relação à gente mesmo. Eu não estou falando de alguma coisa que se compra em kit, eu não estou falando de alguma coisa que se acessa na Internet.

O mundo da tecnologia, longe de ser um facilitador disso tudo, ele é um complicador. Ele é facilitador quando permite à gente chegar mais rápido no outro, mas se o trabalho interno não está sendo feito, a gente só chega mais rápido no desencontro e não no encontro. Eu recebo (e vocês também garanto que recebem), diariamente, dezenas de mensagens na Internet de coisas lindas, lindas, palavras maravilhosas. E eu tenho de estar sempre respondendo às pessoas dizendo assim: Manda notícia de você! Eu não aguento mais receber mensagens que dão receita de como se faz um amigo, como é que se salvam os ursos não sei de onde, como é que se ajuda a alguém que está morrendo, como é que se encontra alguém que desapa­receu e as pessoas não falam mais delas. Elas mandam notícias iguais pra vinte pessoas diferentes. Isso é um simulacro de comunicação. Não é dessa comunica­ção, com certeza, que vocês querem tratar, quando criam um simpósio como esse. Não é da comunicação feita de palavras vazias.

E por isso que cu não escrevi anteriormente o que eu ia dizer aqui hoje. Eu não escrevi porque eu queria me arriscar a errar. Eu quis que vocês soubessem que eu não ia dizer pra vocês alguma coisa que não fosse a minha verdade. Porque se eu trouxesse um discurso escrito, corrigido, preparado, vocês podiam sair daqui com a ideia de que é de perfeição que se trata. Ou com a ideia crítica: É muito fácil pra ela falar! Ela preparou tudo em casa, corrigiu e agora vem pra cá ensinar.

Eu vim aqui falar com o coração. Correndo o risco (e sabendo disso) de que muitos de vocês achem muito pouco, que muitos de vocês achem que eu não disse nada de nosso e eu não disse mesmo. Nem vou dizer. Porque eu não consegui, ainda, viajar pra esse lugar onde tem alguma coisa nova. Há 52 anos quando eu cheguei aqui, as questões básicas já eram essas e eu tento dar conta delas, todos os dias, cada vez me sentindo mais responsável porque eu vejo que meu (empo vai acabando. Eu penso que a capacidade que eu tenho de fazer jus a essa chamazinha, que eu recebi pra levar por algum tempo, é inteira, mas ela não é, nesse estado aqui, ela não é infinita. Eu acredito que essa chama se transmute, não sei como. Mas aqui eu tenho um tempo limitado.

Esse encontro, nesse momento, com vocês, é uma oportunidade fantástica. Eu queria olhar vocês. Eu queria ver os olhos de vocês, eu queria sentir o rosto de vocês. Por egoísmo, talvez, porque eu também preciso me alimentar, porque cu lambem preciso sair daqui transformada. Eu não posso sair daqui como entrei, senão não teria valido a pena ter vindo aqui, porque, voltando à questão da solidão do educador, eu vejo que o educador precisa ter coragem pra lidar com essa solidão, mas ele precisa não se conformar em estar tão solitário. Para isso é preciso esten­der a mão. Estender a mão pro companheiro semelhante/diferente, estender a mão, o olhar e a escuta interna para o seu educando, para o seu aluno, de uma forma inteira, totalmente entregue.

As relações humanas são sempre transferências. Transferência é um termo do qual a Psicanálise se apoderou; não é uma palavra inventada pela Psicanálise, mas o conceito psicanalítico de transferência se baseia em algo muito simples. Ao nascermos, temos nosso primeiro contato humano com nossa mãe ou com quem quer que a tenha substituído e aí conhecemos a experiência de satisfação e de prazer. Inauguramos com isso a experiência da necessidade e mais do que isso, inauguramos a experiência do desejo. Desejo que nos encaminha. É nessa experiên­cia primeira que se funda a possibilidade de transferir para outras coisas.

Então, na relação professor/aluno, o que se passa é o mistério da transferência.

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Essa transferência em que um vai buscar, através do outro, um elo a mais, essa cadeia é que dá significado à vida. Desperdiçar isso, deixar passar essa oportuni­dade, em nome de algum conceito pronto, em nome de alguma repetição, é uma heresia. Porque esse encontro verdadeiro, esse é o que dá sentido à própria existência.

Pode levar aos quatro cantos do Brasil o espírito do INES, que fica abrigado ali, naquela casa lindíssima, enorme, que de uma certa forma simboliza bem o nosso país, porque é essa coisa bonita, que tem uma tradição fortíssima! Dizer que o Brasil não tem uma tradição, dizer que o Brasil não tem uma cultura, é uma loucura! Dizer que destruíram a nossa cultura, isso é uma maluquice! A nossa cultura está aí, ela viceja em cada movimento de cada criatura desse país, na nossa flora, na nossa fauna. Esse país é fantástico! É maravilhoso!

Quando eu passo por Laranjeiras e posso ver aquela casa pulsando de energia, dizendo: - Me ocupa! Dá sentido a isso aqui! Faz valer a idéia que um dia gerou isso aqui, de levar a possibilidade de encontro aos seres humanos diferentes, pra enriquecer a ambos, sem dúvida. Essa é uma outra questão que precisa ser falada. Eu não sei o que é mais importante: se é que o cego perceba as formas que eu tenho ou se eu precise também aprender a tatear como o cego e perceber, como ele, as formas do mundo. Eu penso que usar várias linguagens é uma forma de expansão pra todo ser humano.

Se a gente puder pensar por aí e derrubar os muros que separam os seres humanos, não negando as diferenças, pelo contrário, valorizando as diferenças e sabendo que é, através delas, que nós vamos nos tornar, todos, mais capazes, eu acho que grande parte das dificuldades entre os seres humanos acabam. E assim que eu penso. Não sei se vocês concordam comigo. Eu penso que metade do medo que a gente tem de se deparar com a fera (que na mitologia indígena é às vezes simbolizada pelo jaguar), de ver a fera no outro, passa. Metade desse medo passa. Metade do medo da gente lidar com a nossa parte que não escuta, que não vê, que não anda. que não sai do mesmo lugar, a nossa parte que já não sente mais, que não sabe o gosto das coisas, a nossa parte que não sonha, se a gente puder pensar nisso em relação a nós próprios, acaba a dificuldade de lidar com o outro, acaba a necessidade de estarem se fazendo milhões de compêndios, tratados e a gente retorna ao Princípio da Simplicidade, que eu acredito que seja o Princípio de Vida Real, aquele que faz brotar, no capim, aquela florzinha amarela, linda, maravilhosa! Tão bonita quanto aquela orquídea que nasce na árvore ou aquele chorão que dá no caminho e que ninguém plantou. Você pode comprar na flora e custa caro pra chuchu, mas se você passar e olhar, está lá na árvore da rua. Ou que faz cair mangas no meio das grandes cidades. Mistérios que a gente não sabe como explicar: de que maneira resistem os macaquinhos no centro urbano do Rio de Janeiro, ou as garças? Como sobrevivem esses animaizinhos, nessa loucura? A gente escreve tratados e tratados pra tentar resistir e eles resistem naturalmente. Eu abro a janela da minha casa, aqui na Lagoa e tem lá o macaquinho com seu filhote, pulando na árvore. E você sobe ali na Gávea e tem esquilinhos... Como é que é isso? Como é que a natureza nos ensina o tempo inteiro e a gente não aprende?

Para encerrar, outro dia falava-se no Centro Cultural, a respeito da educação estética, falava-se da necessidade de preparar o aluno para esse olhar estético. Eu até acho que existe isso como parte do trabalho do professor, mas acho que esse trabalho só tem sentido a partir do olhar do próprio professor. Como diz Drummond: - Amar se aprende... amando. Olhar se aprende, olhando. Escutar com o coração, se aprende escutando.

Tomara que esse encontro frutifique pra todos vocês, porque pra mim já

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frutificou, só de chegar nessa casa aqui e ver energia na porta. Quando a gente olha o fogo, quando a gente olha a brasa, vê que a brasa pulsa. Se vocês não viram ainda. quando olharem a próxima fogueira, prestem atenção na brasa. Ela tem um movi­mento interno: ela pulsa. A gente pode pensar que dentro da gente tem isso que pulsa, é só deixar sair, é só alimentar com o graveto seco, como o esqueleto da anta de onde saiu a flauta e a música! Com um graveto seco pode-se alimentar essa chaminha. Basta a gente ter a humildade de reconhecer que a vida é uma coisa muito maior que a gente e que a gente não vai dar conta de compreendê-la completamente, nem de formalizá-la. Há que vivê-la!

Obrigada.

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Educação Inclusiva - uma Escola para Todos

Marcos José da S. Mazzotta*

Enquanto educadores temos continuamente buscado participar de situações que nos auxiliem na consolidação da crença numa escola de qualidade para todos os brasileiros, principalmente no que se refere ao ensino fundamental. Essa crença é que nos tem movido, incessantemente, ao trabalho docente e à realização de estudos sobre educação escolar. É ela, também, que nos traz a esse Seminário pela oportunidade de compartilharmos, conhecimentos, reflexões, experiências, com companheiros que acreditam e atuam na construção de uma escola que considere a diversidade dos alunos na edificação da cidadania e de uma sociedade melhor.

Nessa perspectiva é que procurarei trazer algumas considerações para nosso diálogo.

De início convém lembrar que, mesmo numa rápida incursão em nossa política educacional, desde o Brasil imperial, podemos constatar registros que revelam preocupações governamentais com a educação para todos. Embora constando de documentos oficiais, como a Constituição de 1824 que previa ensino primário universal e gratuito, por não visarem ao atendimento popular, tais preocupações ou intenções não foram seguidas de ações que lhes dessem concretude.

Reiterada sempre como propósito consensual e inquestionável numa socieda­de democrática, a educação para todos, em diversos momentos mereceu e vem merecendo importantes debates, tanto por iniciativas governamentais como por não-governamentais.

Para não nos determos em tantas reminiscências, ainda que importantes, é oportuno lembrar aqui, por exemplo, o tão propalado Dia D ou Dia Nacional de Debate sobre Educação, ocorrido em 18 de setembro de 1985, promovido pelo Ministério da Educação envolvendo educadores, comunidade, instituições e soci­edade em geral. Tal debate se deu no contexto da política educacional da Nova República, segundo a qual a educação brasileira, sob a égide dos princípios da democratização, participação e descentralização, deverá garantir a todos um ensino de qualidade, fator essencial à consolidação da democracia. O tema norteador das discussões foi a escola que temos e a escola que queremos em vista de uma Educação para Todos - Caminho para a Mudança.

Outro debate importante, também de iniciativa do Ministério da Educação, foi desencadeado em maio de 1994 tendo como alvo o Plano Decenal de Educação para Todos - 1993/2003. Tal plano inspirou-se na Declaração Mundial sobre a Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem aprovada na Conferência Mundial realizada em 1990, em Jomtien, na Tailândia. Tendo como foco o imperativo de universalização com qualidade, aspiração maior da sociedade brasileira, com a consequente erradicação do analfabetis­mo, inclui a preocupação com a integração à escola de crianças e jovens porta­dores de deficiência e, quando necessário, o apoio a iniciativas de atendimento especializado.

Diversos outros eventos registram-se a partir da edição da Política Nacional de Educação Especial, em 1993, baseada no referido Plano Decenal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990; bem como após a Declaração de Salamanca

Professor Associado, Livre-Docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP); Professor Titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP; Livre Docente em Educação Especial (USP); Doutor em História e Filosofia da Educação (USP); Mestre em Educa­ção (Supervisão e Currículo / PUC - SP) e Licenciado em Pedagogia.

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e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais, aprovada pela Confe­rência Mundial, de 1994, organizada pelo Governo da Espanha com a cooperação da UNESCO. Esses documentos nacionais e internacionais apontam posicionamentos, rumos e recomendações para a ação das organizações governa­mentais e não-governamentais na área da educação.

Oportuno assinalar que a Declaração de Salamanca tem sido o referencial básico para os mais recentes debates sobre Educação para Todos com a denomi­nação Educação Inclusiva, em razão de firmar posição consensual comprometida com o ensino ministrado, no sistema comum de educação, a todas as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais. Propugna que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras, reiterando que as escolas devem ser capazes de ter sucesso na educação de todos os alunos, inclusive os que sofrem de deficiências graves.

Tais recomendações não são absolutamente novas. Haja vista o que foi aqui rememorado apontando apenas alguns atos e eventos em que essas posições polí-tico-ideológicas estão explicitadas. Entretanto é fundamental observar que os prin­cípios e propostas contidos nessa Declaração de 1994 refletem a consolidação de anseios de grupos organizados com renovado poder de pressão sobre os órgãos governamentais e de fortalecimento da convicção da importância e urgência de transformações sócio-educacionais compatíveis com o imprescindível respeito à diversidade do ser humano.

Parece óbvio e simples ressaltar a diversidade do ser humano. Todavia, no âmbito da sociedade globalizada, que prima pelo controle do comportamento de seus membros com vistas à padronização, não é demais lembrar que a distinção e a diferença acabam por reduzir-se a questões privadas do indivíduo. Nesse senti­do, Arendt,1 nos alerta para a compreensão de que a pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir. São pois os homens e as mulheres, e não o homem e a mulher, que vivem na Terra. É a paradoxal pluralidade de seres singulares. Seja do ponto de vista biológico ou social, é preciso que se atente para a variedade na unidade e a unidade na variedade como condição da vida humana.

No espaço público, essa igualdade de desiguais precisa ser assegurada sob certos aspectos e por motivos específicos, já que ela não decorre da natureza humana. Daí a necessidade fundamental da participação social de todos na produ­ção, gestão e fruição dos bens e serviços de uma sociedade democrática.

Nesse sentimento, todo aquele que se isola ou é excluído da participação ativa no convívio social, torna-se impotente e perde a condição de sujeito de suas ações. Mesmo porque, cada vez mais são os grupos organizados que têm poder para criar direito e só o direito pode limitar o poder, lembrando aqui o ilustre pensador italiano Norberto Bobbio.

Sendo um espaço público de capital importância na construção da cidadania para cumprir esse papel, a escola tem de ser organizada de modo a atender a diversidade dos educandos, configurando-se como uma instituição social aberta e destinada a todos, com sentido integrador ou inclusivo.

O fundamental, pois, é que a escola se firme como espaço privilegiado das relações sociais para todos, não ignorando, portando, aqueles que apresentem necessidades educacionais especiais. Em outros termos, evocando a Declaração de

1 Arendt, H. A condição humana . 8ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 1997.

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Salamanca, acolhendo crianças com deficiências e crianças bem dotadas, crianças que vivem nas ruas e que trabalham, crianças de populações distantes ou nóma­des, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados...

Tal escola, como instrumento social coerente com uma educação inclusiva, calcada em atitudes éticas que se concretizam no respeito mútuo mediado pela competência, deve atuar para além das restrições de sentido impostas aos termos integração e inclusão, muitas vezes, com propósitos meramente ideológicos. É preciso que se deixe de impor slogans, como o professor especializado em todos os alunos, e metáforas como Cascata e Caleidoscópio, e se procure consolidar intenções realísticas mediante uma objetiva política educacional voltada para a inclusão social.

Dentre as numerosas condições a serem contempladas numa política de educa­ção para todos e/ou no âmbito do projeto pedagógico da escola inclusiva ou integradora, é oportuno reiterar a objetivação dos seguintes aspectos:

"a) Com relação ao portador de deficiência: Ser preparado para atuar no espaço escolar, conhecendo-o antes; ser respei­tado e identificado em suas dificuldades c possibilidades; ter oportunidade de usufruir da escola comum; ter sua deficiência interpretada como condição dinâmica que envolve aspectos individuais e sociais.

b) Com relação à família do portador de deficiência: Ter informação e compreensão das condições do portador de deficiência a fim de desenvolver expectativas apropriadas para com ele; dimensionar cor­retamente as expectativas para com a escola e especialmente para com o professor, mediante conhecimento claro de sua função e possibilidades; atu­ar com a escola e compartilhar responsabilidades, assumindo direitos e deve­res envolvidos na educação escolar.

c) Com relação à sociedade: Civil: possibilitar a revisão das concepções sobre o portador de deficiência e sobre o papel da escola, seja pelas pessoas individualmente, por grupos organizados para defesa da cidadania, pelos serviços estruturados, pelas campanhas de esclarecimento da população etc. e, Política: redimensionar as diretrizes norteadoras da ação dos órgãos públi­cos, da ação governamental global, dos investimentos financeiros etc, a par­tir da visão dinâmica das condições do portador de deficiência.

d) Com relação à escola: Duas dimensões devem ser destacadas: o sistema de ensino e a unidade escolar. O Sistema de Ensino deve: definir diretrizes para uma organização abrangente (autonomia financeira, administrativa e didática) de modo a in­cluir o atendimento de alunos portadores de deficiências nos serviços co­muns e, se necessário, com recursos especiais; orientar as escolas sobre procedimentos didáticos e administrativos para favorecer a integração de alunos portadores de deficiências nas classes comuns; reconhecer a validade dos serviços e auxílios de educação especial como recursos que apoiam e

2 Trecho de comunicação apresentada pelo autor, (1993) e publicada na Revista Insight-Psicoterapia.

São Paulo, Ano IV, n° 43. ago. 1994, p. 25-27.

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suplementam a educação escolar regular. A Unidade Escolar ou a Escola deve ser estruturada de modo a compor um conjunto de recursos que garantam a atividade-meio coerente com a atividade-fim. A organização administrativa, didática e disciplinar deve ter a maior amplitude possível a fim de contemplar a maior diversidade possível das condições dos alunos a atender. Para tanto é importante observar e criar condições físicas favoráveis no prédio escolar; definir a gestão democrática da escola contemplando o interesse por alunos com necessidades educacionais especiais; propiciar dignas condições de tra­balho aos professores comuns e especializados; entender que nem todos os professores têm condições psíquicas e profissionais adequadas ao trabalho com portadores de deficiência requerendo orientação, preparo e apoio; ela­borar um currículo suficientemente amplo para atender às necessidades dos alunos e da sociedade, incluindo as adaptações que foram necessárias; rever critérios de agrupamento dos alunos, bem como critérios de avaliação e pro­moção; garantir a infra-estrutura de recursos materiais necessários; envolver os pais e a comunidade no trabalho escolar; identificar e corrigir atitudes de desvalorização e/ou discriminação de alunos e professores por quaisquer razões (raça, cor, classe social, idade, sexo, deficiência etc); entender que as escolas, como a sociedade, são espaços de choques de interesses e que o avanço da participação de um grupo implica a reavaliação do outro; valorizar a integração do professor especializado no corpo docente da escola, como elemento precedente c essencial à integração do aluno que apresente necessi­dades educacionais especiais; desenvolver ações práticas de respeito aos membros da comunidade escolar (alunos, pais, funcionários, professores, direção)".

Evidentemente numerosos aspectos deixamos de abordar nessas reflexões so­bre educação inclusiva, muito mais assentada nas lutas pelos direitos humanos e justiça social do que propriamente nos avanços científicos e tecnológicos. E, nesse contexto, entendemos como necessidade urgente o emprego de termos e definições simples e claros nas políticas educacionais e nos planos e programas escolares, de modo a favorecer sua aplicação na realidade.

Da mesma forma com que, equivocadamente, se generalizam as deficiências para a totalidade da pessoa, tende-se a generalizar o especial das necessidades para o indivíduo, que passa, então, a ser percebido e tratado como especial em razão de algumas necessidades surgidas em sua relação com o meio físico e social.

Nossa expectativa é que a Educação Inclusiva se concretize numa Escola para Todos, contemplando a diversidade dos educandos, não só nos debates políticos, acadêmicos, profissionais; mas, contando com uma clarificação de diretrizes e provisão de meios para a ação educacional escolar abrangente, integradora, inclusi­va, em todos os níveis da administração educacional e particularmente no interior da escola e em suas relações dinâmicas com a sociedade.

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Educação Inclusiva - uma Escola para Todos

Educação Especial - Significação de Termos Marcos José da S. Mazzotta*

O presente texto foi editado como suplemento do documento Desafios da Educação Especial frente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, publicado pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e do Desporto em dezembro de 1997.

Educação Especial é um conjunto de recursos e serviços educacionais especi­ais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os servi­ços educacionais comuns, para garantir a educação formal dos educandos que apresentam necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das cri­anças e jovens'.

O apoio e a suplementação são auxílios educacionais especiais proporcio­nados no contexto da escola comum ou regular aos alunos com necessidades edu­cacionais especiais.

APOIO: ocorre quando um professor especializado orienta a equipe da escola e o professor da classe comum, além de prestar atendimento ao aluno, auxiliando-o em suas necessidades educacionais especiais para seu melhor acompanhamento do currículo escolar comum e da programação de sua classe. No atendimento ao aluno, atua tendo como referência os conteúdos curriculares e/ou a preparação de materiais didáticos fazendo uso de métodos e recursos especiais. Tal professor será um professor de recursos, podendo ser um consultor, um professor itinerante ou um professor de sala de recursos.

SUPLEMENTAÇÃO: ocorre quando um professor especializado orienta a equipe da escola, os professores das classes comuns e presta atendimento ao aluno mediante desenvolvimento de atividades e conteúdos curriculares específicos, além daqueles destinados a todos os alunos de sua classe, de modo a favorecer seu desenvolvimento e aprendizagem e garantir sua escolarização no contexto do ensino regular. São exemplos de conteúdos e atividades específicos o Braille, técnicas de comunicação, atividades da vida diária. Para prestar tal auxílio especial o professor especializado poderá ser itinerante, de sala de recursos ou de classe especial.

SUBSTITUIÇÃO: caracteriza-se como um serviço educacional especial que se torna necessário quando a organização, o currículo, os métodos e os recursos da escola comum e da classe comum não são suficientes ou apropriados para o atendimento das necessidades educacionais dos alunos. Constituem-se serviços educacionais especiais para substituir a educação comum: a classe especial com organização curricular específica em que o aluno a frequente com exclusividade, ou seja, em todo o período em que está na escola comum; a escola especial, com organização administrativa e didática específica para determinados grupos de alunos com necessidades educacionais especiais, além de outros menos usuais.

São Paulo, 3 de dezembro de 1997.

'Professor Associado, Livre-Docenle da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP); Professor Titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie - SP; Livre Docente em Educação Especial (USP); Doutor em História e Filosofia da Educação (USP); Mestre em Educa­ção (Supervisão e Currículo / PUC - SP) e Licenciado em Pedagogia. 1 MAZZOTTA. M. J. S. Evolução da Educação Especial e as Tendências da Formação de Professores de Excepcionais no Estado de São Paulo, p. 39. Tese de Doutoramento. FEUSP, 1989.

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Surdez e Intervenção Clínica - Questões da Atualidade

Maria Cecília Bevilacqua*eAdriane Lima Mortari Moret**

O desenvolvimento tecnológico atual coloca à disposição da Ciência da Audiologia a precisão do diagnóstico e a efetividade do tratamento das deficiências auditivas em todas as faixas etárias.

A tecnologia avançada surgida recentemente permitiu o aprimoramento das várias técnicas e procedimentos de diagnóstico, fato que permitiu a determinação com maior precisão dos diferentes graus de perdas auditivas em crianças peque­nas, incluindo os bebês.

Com a viabilidade do diagnóstico em idades cada vez mais jovens, novos rumos estão sendo abertos para o tratamento das crianças portadoras de deficiên­cia auditiva profunda. O acesso ao mundo sonoro a partir da alta tecnologia dos dispositivos eletrônicos, entre eles destacando-se o implante coclear multicanal, passou a ser uma realidade pela primeira vez na história da humanidade.

Atualmente, o implante coclear c um recurso poderoso de tecnologia sofistica­da, que substitui o órgão de Corti, estimulando diretamente as células ganglionares do nervo auditivo e possibilitando ao indivíduo a sensação da audição e o reconhe­cimento dos sons da fala. Dessa forma, o grau profundo da perda auditiva passa a ser compreendido e conceituado em outro contexto científico e tecnológico. Com o implante coclear. a utilização das habilidades auditivas como um dos principais recursos no processo terapêutico da criança deficiente auditiva tornou-se urna rotina nas propostas atuais.

Embora o conhecimento do homem esteja cada vez mais ligado ao rápido desenvolvimento da tecnologia de ponta disponível para as diferentes ciências, em muitos segmentos destas ciências ainda encontra-se o choque entre atualização e estagnação.

A área da Audiologia em nosso país revela fragilidade no que se refere à formação de recursos humanos. Estados inteiros e algumas regiões de diferentes estados são carentes em profissionais especializados, muitas vezes privando pa­cientes de se beneficiarem de recursos de tratamentos atualizados por falta do atendimento especializado.

Paralelamente, o acesso à informação específica percorre um difícil trajeto, decorrente de dificuldades de naturezas diversas no processo de transmissão de conhecimento. Hoje, a educação continuada à distância parece ser um caminho para se conquistar melhorias tanto no aperfeiçoamento da formação de profissio­nais, como também na transmissão de informações para a população em geral.

Ressalta-se também que o processo de globalização que vivemos no momento, de um lado facilita e auxilia na conexão entre as várias nacionalidades, porém, por outro lado, coloca-nos em confronto com grupos de interesse que tendem a tornar e igualar a informação em massa, dificultando a compreensão de um número ili-

*Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB/USP. Bauru); Fonoaudióloga do Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabi­litação de Anomalias Cranifaciais da Universidade de São Paulo (CPA/HRAC/USP, Bauru). **Fonoaudióloga do Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anoma­lias Cranifaciais da Universidade de São Paulo (CPA/HRAC/USP, Bauru); Doutoranda do Curso de Pós-graduação em Ciências - área de Concentração - Distúrbios da Comunicação Humana (HRAC/USP. Bauru).

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mitado de informações. Diferenciar a informação de qualidade é um desafio para todos.

A nova concepção em saúde auditiva tenta resgatar junto aos profissionais a educação continuada voltada à prevenção das deficiências auditivas junto à popu­lação. Orientações sobre a observação do comportamento auditivo infantil no ambiente domiciliar como primeira identificação da deficiência auditiva, cuidados básicos com os ouvidos, ruídos nocivos à audição, vacinas, entre outras, transfor­mam as pessoas em geral, e principalmente os pais de jovens crianças, importantes aliados na prevenção das deficiências auditivas e na busca da intervenção clínica especializada.

Embora tratem-se de processos distintos, a educação continuada e a interven­ção clínica se complementam e tornam-se inseparáveis quando se almeja construir um serviço de qualidade, atingindo diversos segmentos da população de acordo com suas características e necessidades.

Pode-se traçar um perfil de educação em saúde auditiva para determinada população, delineado a partir de circunstâncias específicas do grupo que se quer atingir. Neste perfil de atuação já está prevista a necessidade de intervenção para alguns indivíduos do grupo.

A intervenção clínica deve ir de encontro às necessidades desses indivíduos, planejada e executada para alcançar a singularidade que lhes é inerente.

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Ações para a Legalização da LIBRAS

Fernando de Miranda Valverde*

Através de um resgate da história da organização dos surdos brasilei­ros desde a década de 80, o autor busca orientar as entidades brasileiras em suas ações para a Legalização da LIBRAS. Além disso, através da discussão do perfil dos profissionais como: intérprete, professor e instru­tor da LIBRAS e da informação sobre a situação da Língua de Sinais no mundo, com dados fornecidos pela WFD - World Federation of the Deaf/ Federação Mundial dos Surdos, e no Brasil, é que Fernando de Miranda Valverde estabelece ligações entre os mundos ouvinte e surdo, no senti­do de incrementar as conquistas da Comunidade Surda.

Ação para legalização da LIBRAS

É grande a necessidade de se estruturar a legalização da LIBRAS, que é a língua materna dos surdos (Língua de Sinais, Intérpretes, Educação e Cultura da Comunidade Surda e Linguística).

A falta de reconhecimento da Língua de Sinais dificulta ainda mais a comunicação entre surdos e ouvintes, provocando o isolamento por parte do surdo e ao mesmo tempo perde-se a oportunidade deste ouvinte servir como intérprete. Antigamente não havia conhecimento aqui no Brasil quanto à existência da Língua de Sinais. Usualmente se referiam à LIBRAS como se fosse mímica ou gestos e não entendiam o que significava uma comunicação através de sinais. Enquanto, que em outros países, a Língua de Sinais já era conhecida. Diante da falta de conhecimento por parte da sociedade civil quanto à existência de uma comunidade que possui uma língua diferente da Língua Portuguesa usada pelas pessoas ouvintes, os surdos sentiram a necessidade de fundar associações numa forma de poderem divulgar sua língua e cultura e poderem, assim, estar livres do preconceito que sentiam na sociedade maior, onde percebiam os constan­tes deboches no uso da Língua de Sinais.

Além da dificuldade de comunicação existente entre surdos e ouvin­tes, no âmbito da sociedade em geral, há que se considerar que a situação nos demais setores da esfera pública privada, também possui dificuldades no que concerne ao atendimento, uma vez que não há intérpretes, o que intensifica cada vez mais o isolamento em termos de acesso e comunica­ção por parte dos surdos. No INES, por exemplo, só havia um intérprete chamado Francisco Esteves, já falecido que era inspetor de alunos e auxi-

*1° Diretor Vice-Presidente da FENEIS; Instrutor de LIBRAS.

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liava muito os surdos nas repartições públicas e privadas, quanto ao atendimento. Não existia anteriormente cursos de Língua de Sinais para pessoas ouvintes, a LIBRAS somente era utilizada entre os surdos, em suas comunidades. E a forma de comunicação utilizada pelos surdos não possuía a nomenclatura Língua de Sinais.

Fato à inexistência de cursos de Língua de Sinais para pessoas ouvin­tes que estejam interessadas em aprendê-la, a Sra. Marta Ciccone abor-dou-me sobre a importância de se realizar cursos de Língua de Sinais, o que possibilitaria o maior intercâmbio de informações entre surdos e ou­vintes. A atenção da Sra. Marta sobre a necessidade da realização de cursos se deu pela sua visita à Universidade Gallaudet, onde verificou que existia cursos de Língua de Sinais para pessoas ouvintes e curso para intérpretes. Diante desta novidade comuniquei ao Sr. Antônio Campos de Abreu e à Sra. Ana Regina Souza e Campello sobre a necessidade da criação de uma sigla referente à comunicação dos surdos. A orientação que recebemos da Sra. Marta Ciccone é que os próprios surdos deveriam escolher a sigla, sem influências de pessoas ouvintes. Contudo, já exis­tiam as siglas LSCB - Língua de Sinais e Cultura do Brasil, criada pela Prof. Lucinda Britto juntamente com o Grupo Geles e a LSB - Língua de Sinais do Brasil, criada pela Prof*. Eulália Fernandes.

No início dos anos 80, criamos a sigla LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais e partimos pelo Brasil, divulgando através das associações de sur­dos, a importância dos surdos terem um amplo conhecimento de sua Lín­gua e passá-la a defendê-la. E difundimos a ideia do surgimento de instru­tores de LIBRAS. Com a criação da FENEIS, ampliou-se o nosso trabalho de divulgação fortalecendo ainda mais o trabalho iniciado por mim, pelo Sr. Antônio Campos e pela Sra. Ana Regina.

A situação da Língua de Sinais no Brasil em nível federal

O Projeto de lei de autoria da ex-senadora Benedita da Silva, de n° 131 de 12 de junho de 1996 / n° 4857 de 1998 de autoria do Senado Federal -relatora Deputada Esther Grossi apensado P.L. 657 de 1999 de autoria do Sr. Glycon Terra Pinto, encontra-se na sessão 24/05/2000 da Comissão de Seguridade Social e Família - CSSF

A resolução n° 14550 A, de 01/09/94 - TSE

Autoriza os partidos políticos a utilizarem intérpretes de Língua de Sinais no horário de propaganda eleitoral.

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Alguns encontros importantes relacionados aos surdos

• No período de 09 a 14 de julho de 1989, participamos do "DEAF WAY", em Washington (USA) e assistimos a diversas palestras que contribuíram imensamente para o nosso aprendizado, sendo que o que mais nos impressionou foi o trabalho realizado pelos intérpretes;

• Em Julho de 1990 estive em Poitiers, na França, participando do Simpósio Internacional de Língua de Sinais. Este encontro desta­cou a importância do respeito à Língua de Sinais, segundo o que foi dito pelo Sr. Abbée Del' Epeé, que esclareceu haver uma diver­sidade muito grande entre as línguas orais de cada país, enquanto que a comunicação feita através da Língua de Sinais possui mais facilidades;

• Em 1991 foi realizado um documento a respeito da LIBRAS, elabo­rado pelas Professoras Tanya Amara Felipe e Eulália Fernandes, tendo sido enviado para Brasília;

• Em 1993 foi realizado o Congresso Latino Americano de Bilinguismo, com ampla participação da comunidade surda, que demonstra a opção pela sigla - LIBRAS;

• No período de 8 a 11 de agosto de 1996, em Petrópolis, foi realiza­da uma Câmara Técnica da Corde - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, com a finalidade de se estabelecer uma discussão sobre a importância da LIBRAS para a comunidade surda. A Câmara Técnica foi intitulada de "O Surdo e a Língua de Sinais", sendo os pontos principais da dis­cussão:

- o reconhecimento da Língua de Sinais;

- a Língua de Sinais como a língua natural dos surdos;

- a defesa de que a Língua de Sinais possui uma estrutura inde­pendente da Língua Portuguesa;

- a Língua de Sinais como a língua prioritária na comunidade surda.

Línguas de Sinais reconhecidas pela legislação

Bielorússia USA Canadá Lituânia

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República Tcheca Colômbia Dinamarca Uruguai Suíça Austrália Suécia Ucrânia Noruega Eslováquia

Leis em nível estadual no Brasil

• Lei n° 10379/91, DO, de 11/01/1991-Minas Gerais • Lei n° 12081, de 30/08/93 - Goiás • Lei n° 6122, de 06/12/95 - Espírito Santo • Lei n° 248, de 11/01/94 - Aprovando a carreira de interpretes no Estado

do Maranhão • Lei n° 6060, de 16/09/98 - Alagoas • Lei n° 12916, de 28/06/99 - Ceará • Lei n° 11405, de 31/12/99 - Rio Grande do Sul • Lei n° 2401, de 09/04/96 - Aprovando a carreira de intérpretes no Esta­

do do Rio de Janeiro • Lei n° 3195, de 16/03/99 - Rio de Janeiro

Leis em nível municipal

• Recife • Caxias do Sul • Uberlândia • Porto Alegre • Santa Maria • Joinville • Fortaleza

Perfil do instrutor

O instrutor de LIBRAS deverá ser preferencialmente surdo, que tenha bom nível cultural, domínio de LIBRAS e conhecimento da Língua Portu­guesa.

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A situação da Lingua de Sinais no mundo

Dados fornecidos pela Federação Mundial dos Surdos

Línguas de Sinais reconhecidas pela constituição do país

Finlândia Uganda África do Sul Portugal

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Capacitação de Instrutores de LIBRAS

Capacitação de Instrutores Surdos Tanya Amara Felipe*

I. Resumo do Projeto

1. NOME: Capacitação de Instrutores Surdos / Agentes Multiplicadores 2. RELEVÂNCIA DO PROJETO: Capacitar e instrumentalizar pessoas sur­

das que têm domínio da Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS) para atuarem como Instrutores de LIBRAS, ensinando essa língua a pais e profissionais, que trabalhem com crianças em escolas, e a outros profissionais de institui­ções e empresas onde atuem profissionais surdos. Alguns desses surdos, que fizeram esse primeiro curso, foram selecionados para serem Agentes Multiplicadores e irão, também, capacitar outros surdos em outros estados do Brasil.

3. ATIVIDADES REALIZADAS: Ação 1: Cursos de Capacitação de Instrutores de LIBRAS: Ação 2: Edições de duas fitas de vídeo para os livros do estudante e do professor respectivamente.

4. EQUIPE DE TRABALHO: 4.1. COORDENAÇÃO: Professora Dra. Tanya Amara Felipe - Linguista espe­

cialista em LIBRAS. 4.2. Professoras especialistas em Educação de Surdos: Professoras ouvintes

(INES). 4.3. Surdos Instrutores e Professores: Professora Surda (UFRJ) e Instrutores

Surdos (FENEIS). 5. PERÍODO: agosto a dezembro de 1997. 6. FINANCIAMENTO: Ministério da Educação - SEESP.

Ministério da Justiça-Secretaria Nacional dos Direitos Humanos: CORDE. 7. LOCAL: Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos -

FENEIS-RJ. 8. RESULTADOS OBTIDOS: Capacitação de 15 Instrutores de LIBRAS sen­

do que alguns desses foram selecionados para atuarem como Agentes Multiplicadores.

II. Definição e Objetivos do Projeto

Este Projeto é uma das ações da Luta pelo Direito Linguístico e pela Cidadania da Pessoa Surda, que viabilizará o ensino de LIBRAS de maneira sistemática, mas como a maioria dos surdos que estão ensinando sua língua não tem formação acadêmica, eles precisam de Cursos de Extensão para poderem atuar como Instru­tores de LIBRAS mais adequadamente, uma vez que ainda não existe o Curso de Magistério ou superior para qualificar os surdos para essa atividade. Por isso este projeto teve os seguintes objetivos:

'Doutora em Linguística pela UFRJ e pela University of Rochester; Mestre ein Linguística pela UFPE

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• capacitar surdos que já atuam como Instrutores de LIBRAS para serem Agentes Multiplicadores;

• instrumentalizar os atuais Instrutores de LIBRAS com um material didático que sirva de subsídios para as suas aulas;

• elaborar e editar uma aula em vídeo com orientações metodológicas para ajudar os Instrutores a trabalharem com o livro LIBRAS em Contexto - Curso Básico - Livro do Professor.

• elaborar e editar uma aula em vídeo para o livro LIBRAS em Contexto - Curso Básico - Livro do Estudante, material didático que complementa o trabalho do Instrutor e a aprendizagem do aluno.

III. Ação 1: Curso de Capacitação de Instrutores de LIBRAS - Agentes Mult ipl icadores

Este curso foi oferecido para Instrutores que já fizeram cursos e participaram da pesquisa que resultou no livro LIBRAS em Contexto. Portanto todos já atuam como instrutores em estabelecimentos de ensino, na FENEIS e em Fundações e empresas que empregam surdos. A previsão foi de seis meses de curso que teve as seguintes disciplinas:

1. Disciplina 1: Língua Portuguesa Texto

Leitura e Compreensão de

Professora: Ementa:

Objetivos:

Carga horária: Período:

Emeli Marques Costa Leite (INES) Compreensão dos textos que compõem as seis unidades do livro LIBRAS em Contexto - Curso Básico - Livro do Professor. Ajudar os Instrutores a compreenderem os textos que estão escritos em português; despertar o interesse pelo estudo com­parativo de línguas. 40 horas/aula. Agosto (três semanas: IO horas semanais) e setembro (uma semana: IO horas semanais).

2. Disciplina 2: Linguística Aplicada ao ensino de LIBRAS

Professora: Tanya Amara Felipe (UPE) Ementa: Trabalho com as Unidades do livro: Sistema de Transcrição,

língua em contexto e gramática de LIBRAS que está no livro. Objetivos: Apresentar a gramática de LIBRAS; mostrar as implicações

metodológicas para se trabalhar a língua em contextos. Carga horária: 40 horas/aula. Período: Agosto (10 horas semanais), setembro (10 horas semanais),

outubro (10 horas semanais), novembro (10 horas semanais).

3. Disciplina 3: Metodologia para o ensino de língua

Professora: René José da Silva (INES) Ementa: Trabalho sobre questões metodológicas e orientações para o

trabalho com o ensino de línguas.

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Objetivos: Apresentar técnicas para se organizar planos de aula a partir das unidades do livro LIBRAS em Contexto.

Carga horária: 40 horas/aula. Período: Setembro (duas semanas: 10 horas semanais), outubro (duas

semanas: 10 horas semanais).

4. Disciplina 4: Prática de Ensino de LIBRAS - 1

Professora: Myma Salerno Monteiro (UFRJ) Ementa: Organização e apresentação, pelos instrutores-alunos do cur­

so, das unidades (6), divididas em aulas, a partir de planos de aula e avaliações de unidades.

Carga horária: 80 horas/aula. Período: Outubro (10 horas semanais), novembro (três semanas: 10 ho­

ras semanais), dezembro (quatro semanas: 10 horas semanais).

IV. Ação 2: Edição de uma Fita de Vídeo para o Livro do Professor

Durante o Curso de Capacitação foram anotadas, pelos professores, as difi­culdades apresentadas pelos Instrutores e, a partir delas e das orientações metodológicas do Livro do Professor, foi elaborada uma Fita de Vídeo com instru­ções em LIBRAS para acompanhar esse Livro do Professor.

V. À Guisa de Conclusão

O curso excedeu às expectativas em relação à carga horária c à participação de instrutores no processo de aprendizagem, porque houve um grande interesse deles que fizeram o curso utilizando o material didático c, a partir daí, resolveram fazer uma errata para a primeira edição do livro, ajudaram na organização das aulas, na digitação do material etc.

As professoras sentiram o interesse e o respeito pelo trabalho, ao final de todas as atividades, o que motivou ainda mais a equipe a refazer o curso para ser oferecido novamente, após a publicação da segunda edição do material produzido.

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Cidadania e Surdez

Maria Cecília de Moura*

O tema deste encontro. Surdez: Desafios para o Próximo milênio - Aborda­gens Social, Educacional e Clínica, traz à tona questões muito importantes no que diz respeito à cidadania.

A escola, a clínica e a sociedade em geral têm formas diferentes de abordar a surdez e consequentemente o indivíduo surdo, mas o seu objetivo maior deveria ser o de dar sustentação à possibilidade de construção de uma identidade íntegra do surdo. Somente enquanto ser autónomo ele poderá ser capaz de lutar pelos seus direitos.

Tomo a liberdade aqui de pegar emprestado da Professora Bader Sawaia (1994) da PUC/SP alguns conceitos que ela utilizou em seu trabalho: Cidadania, Diversi­dade e Comunidade: uma Reflexão Psicossocial, que poderão fornecer pontes interessantes para os pontos que nos interessam aqui. Ela coloca (p. 149, p. 153):

"- Cidadania pressupõe igualdade de direitos, sendo que um dos mais impor­tantes é o direito de viver a própria vida e ser único e diferente dos demais... Cidadania não é um modelo absoluto de felicidade, liberdade c necessidade, expur­gado de lodos os elementos particulares em nome da igualdade. Ela é potencialidade de ação coletiva e individual, em prol do bem comum e do gozo particular. Para tanto, pressupõe a existência de comunidades livremente escolhidas, onde os ho­mens discutem, escolhem e planejam formas plurais de vida."

Vamos agora tratar de alguns aspectos essenciais, do meu ponto de vista, para que esta alteridade possa ser construída e constituída.

Pode parecer que vou discorrer sobre o óbvio no que se refere à utilização da língua de sinais com e pelo surdo, mas talvez não seja bem assim. Encontramos ainda hoje no Brasil um discurso que pode ser politicamente correto com relação a este uso, mas que muitas vezes esconde atrás das palavras um enorme preconceito pouco explicitado. Não vou entrar em considerações aqui com relação à problemá­tica que envolve a questão da língua materna, não pela pouca relevância do tema, muito pelo contrário, mas porque preciso me ater ao tema a que me propus a discutir.

Devo discorrer aqui sobre o papel da linguagem como elemento básico na estruturação do indivíduo. Um dos papéis da linguagem é promover a identificação inicial entre o sujeito dentro de uma família e dar-lhe oportunidade para se consti­tuir humano, se relacionando e se colocando como diferente e único num momento posterior. Mas a linguagem vai ter outros papéis nesta construção. A identificação e a diferenciação entre o "eu" e o "você" (o outro) se dá através da linguagem, não no sentido único das representações das palavras, mas na forma como ela é tratada nas relações intersubjetivas, representando a igualdade ao ser considerado passível de interlocução e a diferença enquanto capaz de poder manifestar-se de forma autónoma. A identidade vai ser afirmando, portanto, nas relações comunicativas, tanto intersujeitos como na formação dos discursos únicos de cada um. Posso aqui citar Ciampa( 1975):

"... as identidades, no seu conjunto, refletem a estrutura social, ao mesmo tempo que reagem sobre ela, conservando-a (ou transformando-a)".

A possibilidade de ser visto como "humano" e, portanto, de se ver como

•Doutora em Psicologia Social; Mestre em Distúrbios da Comunicação pela PUC/SP; Fonoaudióloga

Clínica e Professora da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC/SP.

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alguém que "será", faz toda a diferença naquele que nasce com uma diferença que lhe nega um dos aspectos considerados mais humanos: a fala. Apenas a possibi­lidade de uma forma de comunicação que lhe permita se constituir como sujeito é que lhe proporcionará, posteriormente, a união com os outros, vivendo em sociedade como membro ativo e participante, reivindicando seus direitos, entre eles o de cidadania.

Podemos fazer agora uma pequena exploração sobre a questão educacional. A educação de surdos tem se pautado no decorrer da história pelo fracasso. Existem momentos de sucesso, mas se referem à utilização de sinais e estes foram banidos da educação dos surdos por mais de um século. Resta a pergunta: a serviço de quê? Considero que isto se deva ao horror que o homem tem à alteridade, do medo que o diferente lhe inspira, do perigo que ele representa, que se relaciona à dificuldade humana de poder conviver com as diferenças, que precisam ser anuladas de alguma forma.

O direito à cidadania não se refere apenas aos normais, mas é um dever que a sociedade e, particularmente, os profissionais da área de educação têm de lutar para preservar. Esta formação não diz respeito tão somente à educação enquanto conteúdo acadêmico, mas à formação de um grupo de indivíduos que têm direito a ver respeitada a sua forma diferente de ser.

Para mim isso envolve os surdos enquanto membros de uma comunidade, que deverão ter uma participação ativa na modificação da estrutura atual. Envolve o Estado, que deverá, após uma compreensão melhor do que acontece com os sur­dos, implantar um sistema educacional que lhes permita uma formação real, em todos os aspectos. E, finalmente, com relação aos educadores, deverá existir um verdadeiro interesse de perceber o que acontece hoje, os resultados alcançados e as possibilidades de um trabalho voltado para o surdo na sua diferença e, mais do que isso, acreditar que isso é possível. É uma nova estrutura de plausibilidade que está colocada.

Quando se pensa em tudo o que é dito sobre o surdo do ponto de vista de oralização e de inclusão no mundo de ouvintes, se pode até pensar que realmente é importante a oralidade e a integração com os ouvintes. Afinal em que sociedade eles vão viver? Considerá-los como incapazes de conviver na sociedade de ouvin­tes é o que os estigmatiza e os coloca num gueto de surdos. Será? Na verdade, construir esta ideologia de inclusão como única forma de vida possível para o surdo, só tem servido para que as coisas continuem como estão. Esta é uma forma velada de preconceito, que leva à impossibilidade de se perceber o que acontece de verdade com o surdo, e às formas diversas de atuação a partir do respeito pela diferença. Ele deve poder viver na comunidade de ouvintes, mas como ser íntegro e respeitado.

Goffman, no seu livro "Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada" (1988), nos mostra as inúmeras formas que os normais utilizam na sua relação com o estigmatizado (e o surdo é estigmatizado) e como ele reage a elas e esta reação não se tem mostrado eficiente para prepará-lo para uma vida "normal".

Considero que não existe possibilidade de considerar um surdo como normal. Ele não o é. E é a partir deste primeiro pressuposto que deve ser construído qualquer modelo de política educacional ou de construção de identidade, não o confundindo com um discurso de normalidade que ele não verá reproduzido por toda a sua vida, não colocando-o numa situação em que ele vai ter que usar todos os mecanismos possíveis para se adequar, onde a adequação não é viável. Somente assim será possível vê-lo como ele realmente é e, então, construir uma base sólida

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para que ele possa perseguir o seu projeto de vida. A colocação dessa situação de não-normalidade não se deve ao fato dele ser "anormal" como um atributo, mas à linguagem de relações estabelecida entre o ouvinte e o surdo (Goffman, 1988).

Os surdos pertencem a um grupo minoritário que sofre uma restrição, que precisa ser compreendida na sua plenitude. A importância da linguagem na vida de uma pessoa, na sua constituição enquanto sujeito, na sua possibilidade de constru­ção da identidade, personagens, enfim, no ser como um Eu que tem as mesmas oportunidades mínimas de qualquer ser humano, é redundante e, suponho, aceita por todos.

Também, posso concluir que é senso comum que o surdo tem direito ao acesso a uma língua da mesma forma que qualquer pessoa. É um direito humano. Sendo ele diferente, de que forma pode isso acontecer? Se a sua via de acesso para a língua é visual, se existe urna língua visualmente configurada, que pertence aos seus iguais, a resposta me parece clara e inequívoca. Ele tem direito a essa língua em sua educação, a uma socialização que aconteça também entre pessoas que tenham uma forma de comunicação que lhe permita poder se ver nelas para poder ser indepen­dente delas. Estes aspectos sobre a linguagem podem ser vistos em Habermas (op. cit., 1990, p. 54):

"- A identidade do Eu indica a competência de um sujeito capaz de linguagem e de ação para enfrentar certas exigências de consistência... A identidade é gerada pela socialização, ou seja, vai-se processando à medida que o sujeito - aproprian-do-se dos universos simbólicos - integra-se, antes de mais nada, num certo sistema social, ao passo que, mais tarde, ela é garantida e desenvolvida pela individualização, ou seja, precisamente por uma crescente independência com relação aos sistemas sociais".

Pode-se concluir, portanto, que esta socialização inicial é que pode fornecer ao surdo condições para que ele, posteriormente, possa se tornar único. Esta sociali­zação, no caso do surdo, deve se dar em duas comunidades distintas: uma externa, composta pelos ouvintes, que no caso seria representada pela escola, pela família orientada pela primeira e outra por seus pares surdos, com as mesmas caracterís­ticas na sua forma de comunicação. E através dos iguais e daqueles que o conside­ram como um ser inteiro que ele pode se ver como íntegro e ser capaz de empreen­der suas ações, para que internamente possa se ter e ser. O ideal é de que isto pudesse acontecer também na comunidade ouvinte, através do respeito pela dife­rença, mas não é o que observamos na vida do surdo.

Talvez a política educacional atual não perceba realmente as necessidades dos surdos. Mas, se consideramos que é mais importante a identidade cultural e pes­soal em detrimento da política (McLaren, 1994), se pudermos ver com a história de muitos surdos que é possível a construção de uma identidade social, que a emancipação progressiva é um fenômeno passível de acontecer, poderemos ambicio­nar que isso venha a ser percebido e que mudanças signilicativas possam ocorrer.

Sabemos que se o próprio surdo se transforma por esta ação social que lhe permite ser e vir-a-ser, ele, por sua vez, será um elemento transformador da sua própria realidade, agente da reorganização extragrupal, interferindo na modificação do que lhe restringe e tolhe. Construindo sua identidade como falante (não da oralidade), mas de uma língua), capaz de agir, se transformar e consequentemente ter possibilidade de transformar o meio em que vive, este sujeito, que carregava o emblema de não falar e de não poder, poderá ser "ressignificado" pelos ouvintes e por si mesmo e poderá batalhar pelo direito que é dele e de todos nós: a cidadania.

Percebo que o movimento em prol dos direitos do surdo que vinha sendo encabeçado pelos ouvintes nos últimos anos tem sido ocupado cada vez mais

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pelos próprios surdos. É este o lugar que eles devem ocupar. Eu, como ouvinte, posso dar a minha contribuição sob a forma teórica que me cabe pela minha formação acadêmica, mas são eles que poderão dizer das suas reais necessidades e desejos. Nós, os teóricos e profissionais ouvintes engajados de uma forma ou de outra nessa batalha junto com os surdos, ainda temos um grande caminho pela frente, mas considero que uma grande distância já foi percorrida. A concretização dos nossos desejos ainda é devir, mas o próximo milênio parece acenar com hori­zontes mais promissores que fazem com que este seja, talvez, o milênio das conquistas reais - aquele que permitirá que as diferenças sejam respeitadas e que o direito a cidadania seja de todos.

Referências Bibliográficas

CIAMPA, A. C. A Estória do Severino e a História da Severino. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.

GOFFMAN, E. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteri­orada. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.

HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.

MCLAREN, P. White terror and oppositional agency: towards a criticai multiculturalism. In Goldberg, D. Multiculturalism: a criticai reader. Massachusets: Blackwell, 1994.

SAWAIA, B. B. Cidadania, diversidade e comunidade: uma reflexão psicossocial. In: Spink, J. P. S. A cidadania em construção. São Paulo: Cortez Editores, 1994.

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A Educação Bilíngue para Surdos

O Modelo Bilíngúe/Bicultural na Educação do Surdo

Lorena Koslowski*

Introdução

Falar sobre educação de crianças surdas não é um assunto fácil. Estamos ainda hoje longe de manter um rigor científico exemplar sobre o assunto.

É um problema complexo que se coloca em diferentes níveis. Nem sempre se faz uma clara distinção entre os aspectos metodológicos e as finalidades de ação e opções filosóficas, sociológicas ou políticas.

A educação de crianças surdas se desenvolveu em diferentes direções, sendo importante verificar os benefícios e os inconvenientes dentro de cada uma delas, em função das características das próprias crianças.

A questão central é encontrar uma maneira de comunicação com a criança surda. O canal auditivo é insuficiente ou impraticável. É, necessário pois, encon-trarem-se paliativos para essa carência. Este constitui o objetivo primeiro do ensino do surdo. A escola dos meios está diretamente ligada a uma opção teórica subjacente, seja esta claramente expressa ou não.

As opções teóricas situam-se entre dois extremos: o oralismo puro e a posição gestualista.

A evolução atual tende para uma síntese e uma abrangência a essas duas tendências sob a forma de diferentes filosofias, como o bilinguismo e a comunica­ção total.

Porém, a comunicação não é o único aspecto a ser considerado na educação da criança surda, já que esta deve ser considerada como um indivíduo em todos os sentidos.

A reflexão deve situar-se igualmente ao nível de técnicas de ensino de matérias pedagógicas, e de princípios educativos gerais, como por exemplo a inserção ou não destas crianças em escolas e/ou em classes especiais.

Estas questões podem ser esclarecidas, em parte, pela opinião de adultos surdos que podem testemunhar suas experiências e necessidades vividas. Infeliz­mente, a participação dos surdos adultos só passou a ser solicitada há pouco tempo.

Nós sabemos que, quanto mais precoce é o trabalho com a criança e a família, melhor será a adaptação dos pais à diferença que seu filho apresenta face às crianças normais e maiores chances terá a criança de se desenvolver de forma equilibrada.

Resta, porém, identificar qual a melhor forma de trabalho a ser realizada com o conjunto criança-deficiente-auditiva e família.

E nesse sentido que tentaremos aqui definir uma estratégia de trabalho, abor­dando as diferentes linhas adotadas ao longo da história da educação dos surdos.

•Doutora em Ciências da Linguagem pela Universidade de Sorbonne, França; Professora Titular da PUC/PR.

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O Debate Oralismo X Gestualismo

A posição oralista restrita se define como aquela que aceita a linguagem oral como única e exclusiva.

A criança surda é treinada a desenvolver seus resíduos auditivos, aprendizado da leitura labial e é encorajada a usar a fala para se comunicar.

Isto é realizado através de um trabalho de "demutização", quer dizer, um trabalho sistemático de educação da articulação.

Os argumentos que apoiam esta orientação pedagógica se baseiam no fato de que a criança surda deve adquirir uma linguagem oral a mais desenvolvida possível para que dessa forma possa integrar-se de forma eficaz no universo auditivo-oral dos ouvintes.

Toda exposição à comunicação gestual é proibida à criança surda. Os defensores da posição gestualista pura (que raramente é utilizada em sua

forma radical) propõem à criança surda, desde a infância, um meio de comunicação visuo-manual, que lhe é facilmente acessível.

Esta escolha e a necessidade de colocar a criança precocemente dentro de um contexto comunicativo rico e estimulante são justificadas nos primeiros anos de vida pelos psicólogos do desenvolvimento.

É necessário fornecer à criança surda um meio de comunicação eficaz para que seu desenvolvimento seja o mais próximo possível ao da criança ouvinte, mesmo que ela execute outra modalidade comunicativa.

Se concordarmos que não há nenhuma razão para educar a criança surda dentro de uma modalidade oral pura, não vemos também nenhuma razão para que haja uma prática única e isolada da linguagem gestual.

Histórico da Educação do Surdo

Para compreendermos um pouco mais este "pêndulo oral x gestual", seria interessante analisarmos a história da educação dos surdos.

É na Espanha do século XVII que encontramos os primeiros educadores de surdos.

O primeiro desses professores foi Ponce de Leon (1520-1584). Infelizmente temos poucos dados sobre os seus métodos de educação, já que a tradição na época era de guardar segredo sobre os métodos educativos utilizados.

Em 1620, Bonnct publica o primeiro livro sobre educação de surdos, que consiste no aprendizado do alfabeto manual e na importância da intervenção pre­coce. Ele insistia em que as pessoas envolvidas com uma criança surda fossem capazes de utilizar o alfabeto manual.

Em 1756, Abbé de L'Epeé cria em Paris a primeira escola para surdos com uma filosofia manualista e oralista.

Foi a primeira vez na história que os surdos adquiriam o direito a uma língua própria.

Heinicke (1723-1790), na Alemanha, começa as bases da filosofia oralista, onde um grande valor é atribuído à fala.

Nos EUA, os grandes representantes da educação de surdos são Edward Miller Gallaudet (1837-1917), como o principal representante manualista, e Alexander Grahan Bell (1847-1922) o inventor do telefone e do audiômetro, repre­sentante do método oralista.

No ano de 1880 no Congresso Mundial de Surdos em Milão, que reuniu surdos da Europa e dos EUA, definiu-se uma nova corrente na educação dos

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surdos: a oralista. A linguagem de sinais, em todas as suas formas, foi então proibida e estigma­

tizada. O domínio da língua oral pelo surdo passou a ser uma condição "sine qua non"

para a aceitação dentro de uma comunidade majoritária. Durante quase 100 anos existiu então o chamado "império oralista" e foi em

1971 no Congresso Mundial de Surdos em Paris que a língua de sinais passou então a ser novamente valorizada.

Neste Congresso foram também discutidos resultados de pesquisas realizadas nos EUA sobre "comunicação total".

No ano de 1975, por ocasião do Congresso seguinte, realizado em Washington, já era evidente a conscientização de que um século de oralismo dominante não serviu como solução para a educação de surdos.

A constatação de que os surdos eram subeducados com o enfoque oralista puro e de que a aquisição da língua oral deixava muito a desejar, além da realidade inquestionável de que a comunicação gestual nunca deixou de existir entre os surdos, fez com que uma nova época se iniciasse dentro do processo educativo dos surdos.

Os trabalhos de Danielle Bouvet, em Paris, publicados em 1981, e as pesqui­sas realizadas na Suécia e Dinamarca na mesma época introduzem o enfoque bilíngue na educação do indivíduo surdo.

Sistemas de Comunicação Gestual

Quando falamos em comunicação gestual é imperioso fazermos a distinção entre os diferentes sistemas de comunicação gestual existentes.

Faremos, portanto, uma breve definição destes sistemas:

- As Línguas de Sinais: são sistemas de sinais independentes das línguas fala­das. Contrariamente a uma ideia pré-concebida, não existe uma língua de sinais utilizada e compreendida universalmente. As línguas de sinais praticadas nos diferentes países diferem umas das outras. No Brasil temos a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais); nos EUA utiliza-se a ASL (American Sign Language) e na França a LSF (Langue de Signes Français). Existem também, como para as línguas orais, dialetos ou variabilidade regional dos sinais. A língua de sinais tem uma estrutura própria. Um sinal gestual envia a um conceito, não existindo uma correspondência termo a termo com a língua oral. A língua de sinais é uma língua de dimensão espacial e corporal.

- Linguagens Sinalizadas: as linguagens sinalizadas utilizam um léxico gestual. emprestando a organização gramatical das linguagens orais correspondentes. Um exemplo é o Português Sinalizado. Existe também o SE (Signed English), o FS (Français Signé) etc. Estes sistemas, criados artificialmente, exploram menos possibilidades que as línguas gestuais que se desenvolvem a partir das dimensões espaciais e corporais.

- Alfabeto Dactilológico: o alfabeto dactilológico ou alfabeto manual, é um sis­tema gestual onde cada letra do alfabeto escrito corresponde a uma configura­ção particular da mão e dos dedos. Este sistema utiliza, na realidade, uma escrita no espaço. Quando queremos "escrever" uma palavra, a mão realiza as configurações que

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correspondem às letras das palavras, de forma sequenciada. - Sistemas de auxílio à leitura-oro-facial: dentro de sistemas de sinais como a

LIBRAS e o Português Sinalizado, os gestos correspondem a conceitos pró­prios ou palavras da língua oral. Nos sistemas de auxílio a leitura labial, os gestos não têm razão de existir sem a fala. Eles têm por objetivo facilitar a leitura labial. Estes sistemas são inscritos dentro de uma perspectiva oralista. Como exemplo desse sistema podemos citar o Cued Speech e o AKA (Alphabct des Kinémes Assistes).

O Modelo Bilíngue

Quando falamos de bilinguismo no campo da educação dos surdos, estamos nos referindo à existência de duas línguas no ambiente do surdo e estamos ao mesmo tempo reconhecendo que os surdos vivem numa situação bilíngue.

Quando falamos de bilinguismo do surdo, estamos nos referindo à língua oral da comunidade ouvinte (no caso do Brasil, o Português) e à língua de sinais da comunidade surda (a Língua Brasileira de Sinais, LIBRAS).

As pesquisas recentes no campo da educação do surdo (Drasgow, 1993), mostram a tendência para a educação bilíngue/bicultural da criança surda, onde a língua de sinais é considerada a primeira língua da criança surda, e a língua oral, a segunda língua.

Esta estratégia educativa c sugerida através das seguintes bases:

- reconhecimento recente de que a língua de sinais usada pela comunidade surda é uma língua verdadeira com itens lexicais, morfologia, sintaxe e semântica;

- diferentes pesquisas mostram que a criança surda exposta à língua de sinais adquire esta língua da mesma forma que a criança ouvinte adquire uma língua oral.

A implantação de um programa bilíngue para indivíduos surdos tendo a língua de sinais como primeira língua e uma língua oral como segunda língua, não é simples. Vários modelos bilíngues existem.

Um dos modelos mais conhecidos é o modelo utilizado na Suécia e na Dina­marca. Na Suécia, desde 1981, o bilinguismo faz parte da legislação nacional de educação do surdo. Na Dinamarca a educação bilíngue é voluntária, porém apoiada e oferecida pelo setor educacional público.

As crianças surdas aprendem a Língua de Sinais Sueca (SSL) ou a Língua de Sinais Dinamarquesa (DSL) na pré-escola é uma rica experiência de aprendizagem, mais do que uma educação formal na língua falada e na língua gestual Sueca ou Dinamarquesa.

Os pais ouvintes das crianças surdas têm também a oportunidade de aprender a Língua de Sinais.

A introdução à língua escrita ocorre depois que a língua de sinais é de certa forma adquirida, sendo que esta língua é utilizada para se ensinar a escrita.

Nesses dois países existe um suporte governamental para a educação bilíngue do surdo, o que facilita sua aceitação e viabiliza o programa.

Na Venezuela, Uruguai e Argentina, programas bilíngues existem e atingem um bom nível de desenvolvimento. Na Venezuela, corno na Suécia, existe um programa bilíngue/bicultural com suporte governamental.

Nos Estados Unidos também existe uma tendência bilíngue generalizada. No Brasil, em 1990, um projeto piloto começou a ser desenvolvido em Curitiba,

sob nossa direção, no Centro de Audição e Linguagem - CEAL, com um grupo de

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dez crianças surdas. Este programa tem a língua de sinais como a primeira língua e a língua oral como a segunda língua. Hoje esse programa possui um número grande de crianças com envolvimento de vários profissionais, ouvintes e surdos. Os resultados têm sido muito satisfatórios e o Centro conta hoje com várias crianças bilíngues.

Diferença Sutil entre Comunicação Total e Bil inguismo

Neste ponto, vale a pena salientar a diferença existente entre Comunicação Total c Bilinguismo.

Para certos autores, a Comunicação Total implica utilização simultânea da linguagem oral e gestual. Para outros, seria o emprego de diversas formas de comunicação disponíveis, sem a preocupação particular pela sua hierarquização.

Dessa forma são utilizadas: a fala, a leitura labial, a Língua de Sinais, o Portu­guês Sinalizado, o alfabeto manual, a audição residual, a leitura e a escrita dentro de diferentes circunstâncias e contextos.

O uso simultâneo das línguas de sinais e das orais, seria um bimodalismo, isto é, o uso concomitante de duas línguas de modalidades diferentes. A Comunicação Total, portanto, c uma filosofia bimodal.

Atualmente esta filosofia educacional vem sofrendo muitas críticas (Brito, 1993). A abordagem bilíngue pretende que ambas as línguas, a gestual (LIBRAS) e a

oral (Português), sejam ensinadas e usadas diglóxicamente, sem que uma interfira e/ou prejudique a outra.

Portanto, as duas línguas seriam utilizadas em situações diferentes. Isso exige, então, que no processo de educação da criança surda, existam

obrigatoriamente, um profissional ouvinte, que seria responsável pela língua da comunidade ouvinte e um profissional surdo, responsável pela transmissão da cultura dos surdos e da língua de sinais.

Conclusão

O objetivo de uma educação bilíngue/bicultural é permitir aos indivíduos sur­dos um acesso completo a uma língua natural (a de sinais) que permite uma aquisição normal da linguagem nesta primeira língua.

O primeiro passo para a implementação de um modelo bilíngue/bicultural é a aceitação da língua de sinais como uma língua verdadeira e completa.

Aceitando-se a língua de sinais, aceitamos a cultura da comunidade surda. Os surdos possuem sua própria cultura, que deve ser reconhecida e respeita­

da, por isso qualquer programa bilíngue/bicultural deve ser um componente desta cultura.

No passado, a linguagem da comunidade surda, a Língua de Sinais, foi desva­lorizada afetando o desenvolvimento dos próprios surdos e essa postura é hoje rechaçada com vigor pelos principais movimentos de surdos em todo o mundo.

A exposição de crianças surdas à cultura surda, transmite a ideia de que a surdez é urna diferença c não uma deficiência.

Podemos concluir este trabalho com a citação da linguista Lucinda Ferreira Brito (1993):

"- Como se sabe, a língua, além de ser o principal veículo de comunicação, é também o mais importante meio de identificação do indivíduo com sua cultura e o suporte do conhecimento da realidade que nos circunda.

O problema das minorias linguísticas é, pois, muitas vezes, não apenas a priva­ção de sua língua materna, mas sobretudo a privação de sua identidade cultural".

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Referências Bibliográficas

BRITO, L. F. Integração Social e Educação de Surdos, Babel Editora, 1993. Bou VET, D. La parole de l'enfant. Pour une education bilingue de l 'enfant

sourd. PUF, 2a ediçcão, 1989. DRASGOW, E. Bilingual/Bicultural deaf education: na overview. Sign

Language Studies, 80, p. 243-266, 1993. PERIER, O. Combinaison oralo-manuelle permettant 1'acquisition preco­

ce de la langue orale. Le Petit Codeur, 25, juin, p. 5-16, 1994. RONDAL, J. HENROT, F, CHARLIER, M. Le language de signes. Pierre Margada

Editeur, 1986. SANCHEZ, C. G. La educacion de los sardos em um modelo bilingue.

Diakonia, 1991.

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A Educação dos Aprendizes Surdocegos

A Educação do Surdocego

Shirley Rodrigues Maia*

Definição

A surdocegueira é uma deficiência única que apresenta a perda da audição e visão, de tal forma que a combinação das duas deficiências impossibilita o uso dos sentidos de distância (visão e audição).

Cria necessidades especiais de comunicação causando em alguns casos extre­ma dificuldade na conquista das metas educacionais, vocacionais, sociais, de lazer, e em acessar informações e compreender o mundo que o cerca.

Técnicas Básicas para um Programa de Surdocegos

Baseado no texto de Nan Robbins Educational Begining with Deafhlind children, tradução e adaptação da Associação Educacional para Múltipla Deficiência -AHIMSA.

1) A atividade deve ser significativa pois o tempo é muito precioso. Deve-se trabalhar o menos possível com situações artificiais e materiais abstratos. O ideal é utilizar situações da vida real (diária).

2) O intérprete deve dar liberdade aos surdocegos, utilizando todos os meios de comunicação, dando assim uma vasta oportunidade para provarem por si mesmos.

3) A professora deve ter uma abordagem positiva quando o aluno der uma resposta incorreta. O erro implica necessidade de mais ajuda,mais tempo e mais experiência nessa situação.

4) O aluno para aprender necessita fazer repetidamente uma situação de apren­dizagem. Isso não implica repetição da tarefa ser algo ruim para o aluno e para o professor.

5) Para construir um ambiente seguro, bom para desenvolver padrões de imita­ção, assim como uma relação sadia, a professora deve ter coerência nas suas atitudes, na imposição de limites e nas suas expectativas.

6) Para obter segurança e ajudar o aluno a organizar o seu tempo, o seu dia e a sua mente, pelo menos nos primeiros meses, deve-se seguir uma rotina com padrões de atividades bem definidas.

7) Pela dificuldade que o aluno surdocego apresenta nos sentidos sensoriais, a professora deve planejar cuidadosamente situações estruturadas de aprendi­zagem com objetivos de êxito para o aluno.

8) Dar tempo suficiente e uma boa oportunidade para que o aluno lhe responda o que é pedido. Nunca o forçar a responder imediatamente. Ser persistente e cuidadosa ao escolher procedimentos, materiais e tarefas para seu aluno.

•Pedagoga, habilitada em EDAC; Especializada pela SENSE Internacional (Inglaterra) e pelo Programa Hilton Perkins para a América Latina (EUA); Diretora Educacional da Associação Educacional para a Múltipla Deficiência Sensorial (AHIMSA); Presidente do Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e Múltipla Deficiência Sensorial.

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Pontos principais a serem considerados no programa de atendimento ao Surdocego:

• O desenvolvimento da comunicação e da linguagem é o centro do programa para crianças surdocegas.

• Os canais sensoriais de distância - visão e audição - têm um papel deter­minante para o processo do desenvolvimento da comunicação.

• A visão proporciona a apreensão do concreto, o que permite ter acesso ao mundo e despertar progressivamente a curiosidade. É o que faz movimentar-se e começar a explorar o ambiente.

• A audição permite a manutenção do contato visual.Permite também, o desen­volvimento do pensamento simbólico, da sequencialização e da noção do tempo.

• A associação dessas duas capacidades perceptivas proporciona à criança, além do desenvolvimento da antecipação de acontecimentos, a previsão de perigos potenciais.

• Para os surdocegos o mundo inicialmente, apresenta-se caótico, desorgani­zado e potencialmente perigoso, pois o uso dos canais de distância (visão e audição) é muito limitado ou até mesmo inexistente.

• Não proporcionar estímulo ou aventura para descobrir esse mundo que o cerca, leva-o, em alguns casos, ao isolamento.

Fatores importantes a serem considerados para uma boa comunicação com uma criança surdocega:

a) contexto (local, pessoas envolvidas, tópico do que se vai falar); b) conteúdo (o que se vai dizer, o que se vai selecionar como é importante para

referir num determinado contexto); c) forma (de que modo se vai transmitir essa informação, objetos, gestos, ima­

gens, língua de sinais - Libras etc.); d) parceiros: quem são os interlocutores? (aprender a interrogar com a criança,

como aumentar o número de seus interlocutores).

Principais Formas de Comunicação com o surdocego:

• Tadoma: colocar a mão sobre os lábios,face e pescoço para sentir a vibra­ção da voz;

• Libras: língua de sinais do surdo adaptada ao surdocego;

• Alfabeto manual: fazer o alfabeto manual do surdo na palma da mão do surdocego;

• Desenho: relatando fatos ou figuras;

• Braille: seis pontos em relevo que, combinados, formam as letras e os números;

• Alfabeto Moon: desenhos em relevo;

• Sistema pictográfico: símbolos, figuras que significam ações, objetos;

• Letra de forma: desenhar na palma ou nas costas da mão as letras do alfabeto;

• Objetos de referência: o objeto que significa a ação. Ex: copo = beber água;

• Pistas: objetos ou símbolos colados em cartões ou em outro material;

• Caderno de Comunicação: desenhos que indicam a atividade;

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• Tábua de Comunicação: letras em relevo ou pontos de Braille em relevo, em uma placa;

• Objetos: que indicam pessoas, locais e outros detalhes, colados em uma placa;

• Guia intérprete: para surdocegos adultos (adquiridos).

Avaliação Funcional das Habilidades de Comunicação e Linguagem

É muito importante avaliarmos em que nível o estudante está se comunicando e podemos fazer isso através de observação:

a) Como ele consegue demonstrar o que quer? b) É difícil ou fácil entendê-lo? G) Comunica ou expressa vontades além das necessidades básicas? d) Em que fase de comunicação ele está? e) Encontra formas de como expressar o que quer e o que necessita? f) Tem atenção quando se comunica com ele? g) Imita o outro espontaneamente ou ele entende quando você pede para imitar?

Atividades que podem proporcionar comunicação expressiva

Jogos simbólicos: bonecas, animais de brinquedo, móveis.

O que devemos observar: Comunica-se com gestos, pantomima, sinais, ex­pressões facial e corporal.

Obs: Para os alunos que têm habilidades comunicativas limitadas, temos de criar situações.

Por exemplo:

a) Um jogo que seja emocionante para a criança e que ela necessite da sua ajuda. Observar como ele demonstra interesse e que gostou da atividade. Como ele pede para repetir e que você realize novamente.

b) Jogos de coordenação motora global: como ele demonstra que quer realizar a atividade.

c) Situações de vida diária: como comer, escovar os dentes e controlar os de esfíncteres.

d) Jogos com objetos reais e familiares: novidade da criança, por exemplo: um pote, um copo, uma bola, um sapato, uma colher.

Avaliação Funcional do Nível Cognitivo

E importante nesse período de avaliação muita observação de situações, tais como: a) É curioso em relação ao seu ambiente: se movimenta, espontaneamente, para

explorar o seu ambiente e se tem interesse por coisas novas que lhe são mostradas?

b) Como manipula os objetos: tem uma forma repetitiva de manipular os objetos que encontra, por exemplo, põe na boca, move rapidamente na frente dos olhos, desenvolve diferentes ideias com cada objeto?

c) Resolve problemas de situações simples, como por exemplo: tira algo do reci­piente, desmonta, encontra algo que deixou cair?

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d) Tem jogo simbólico, imita a conduta de um adulto?

Mobilidade

A atividade motora é vital para o processo de autocuidado (vestir-se, banhar-se, escovar os dentes, abrir e fechar as portas).

A atividade motora é essencial para a percepção sensorial.

Metas

1) Diminuir o isolamento, movendo-se para fora de seu espaço e aumentar o seu contato com o mundo.

2) Chegar a ter maior consciência de si, explorando e distinguindo o ambiente. Ter mais controle do ambiente.

3) Construir um conceito organizado do espaço, onde forme uma base para ter maior segurança e liberdade para mudanças e mais conhecimento sobre estabi­lidade e instabilidade das coisas.

4) Aumentar a independência preocupando-se com coisas.

Níveis de Desenvolvimento da Mobilidade

1) Move mãos e braços para estabelecer limites e guiar-se através das mundanças do adulto.

2) Caminha tomando a mão da professora, mas tomando consciência de si mesmo. 3) Deixa, por períodos breves, de estar ao lado da professora, pode tocar com as

pontas dos dedos os objetos e procura encontrar o que deseja. 4) Caminha nas proximidades de sua casa, guia-se seguindo paredes, por segurança. 5) Move-se livremente no espaço sem nenhum sentido especial. 6) Começa a explorar livremente o ambiente. 7) Começa a construir relações espaciais e pode encontrar objetos em lugares

determinados da casa; pode encontrar o banheiro. 8) Tem noção de perigo, tenta se proteger e para se prevenir caminha devagar. 9) Tem consciência das relações de seu ambiente imediato, segue alguns cami­

nhos, pode mudar-se de diferentes pontos sem atenção. 10) Já consegue mudar de atividade, correr, saltar.

Referências Bibliográficas

AMARAL, I.Comunicação com Crianças Surdocegas. II Congresso Ibero-Americano de Comunicação Alternativa e Aumentativa. Vina del Mar, nov. 1996.

CAIEDO, G. R. Lecturas Selectas sobre education para Sordocíegos. San José, Costa Rica.

PANFLETOS de Divulgação. Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múl­tiplo Deficiente Sensorial.

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Prevenção na Área da Surdez

A Prevenção da Surdez Maria Cristina Simonek*

A prevenção da surdez é possível tanto em nível primário, com a realização de imunizações em doenças tais como a rubéola - atualmente no Brasil ainda a causa principal de surdez congênita - evitando que a patologia ocorra, como também em nível secundário, quando já não se pode evitar que a surdez aconteça, mas se deve minimizar os prejuízos dela advindos.

Em cada 1000 recém nascidos, dois a três vão apresentar uma perda auditiva desabilitante, DA>50dB NA (AAP, 1999). Não é necessário que haja casos de surdez na família ou que tenha acontecido algum problema na gravidez para que isso ocorra, hoje se sabe que a metade das pessoas que nasceram surdas não apresentam nenhum fator de risco, por isso o incremento das pesquisas na área genética. A Universidade de Campinas (SP) desenvolveu um teste genético que deve ser aplicado nos recém-nascidos para verificar a presença do gen da surdez. Entretanto será sempre necessária sua complementação através de Testes especí­ficos, primeiro porque a causa genética não é a única, e segundo porque o indivíduo pode não desenvolver a patologia apesar de possuir o gen.

Desde 1991 nos EUA o Comité Americano sobre Perdas Auditivas na Infân­cia, recomenda a realização do teste auditivo limitado a uma população que apre­sente os seguintes indicadores de risco:

1 - história familiar de perda auditiva; 2 - presença ou suspeita de infecção congénita (rubéola, sífilis, citomegalovírus,

herpes e toxoplasmose); 3 - anormalidades craniofaciais (má-formações de pavilhão auricular, conduto

auditivo externo, ausência de filtrum, implantação baixa da raiz do cabelo); 4 - hiperbilirubinemia (nível de bilirubina indireta no sangue de aproximadamen­

te 20 mg/l 00 ml com indicação de exosanguíneo transfusão); 5 - medicamentos ototóxicos (aminoglicosídeos: Gentamicina, Amicacina, as­

sociados ou não a diuréticos de alça, tipo Furosenida-Lasix); 6 - meningite bacteriana; 7 - asfixia Severa (Apgar 0-4 no primeiro minuto de vida ou 0-6 no quinto

minuto); 8 - peso ao nascer inferior a 1500 gramas; 9 - ventilação mecânica por período igual ou superior a 5 dias; 10 - estigmas ou sinais de síndromes que podem estar associadas a perdas audi­

tivas sensoriais ou condutivas; O método de avaliação recomendado na época era a Audiometria de Tronco

Cerebral, também conhecido no Brasil como BERA. A partir de 1991 diversas pesquisas (Mauk, 91; Watkin, 91; Elsman, 87; Pappas, 94; Feinmesser, 82) de­monstraram que apenas 50% dos surdos apresentavam esses sinais, então em 1994 o referido comité passou a recomendar a avaliação de todos os bebês, surgin­do, portanto, a Triagem Auditiva Neonatal Universal. Paralelo a essa necessidade,

•Fonoaudióloga da Divisão de Audiologia do INES; Especialista em Audiologia; Doutora em Fonoaudiologia.

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Kemp, um pesquisador inglês, relata que o ouvido interno (células ciliadas inter­nas) de pessoas com audição normal tem a capacidade de reemitir a energia sonora (eco) em direção ao ouvido externo quando estimulado por um som. Esse eco ou otoemissão pode ser captado por um microfone acoplado a uma sonda colocada no conduto auditivo externo. Através desse conhecimento foi criado em 1988 o ILO 88, aparelho capaz de medir as otoemissões que é atualmente reconhecido pelo Federation of Drug Administration (FDA) e hoje existem vários aparelhos que permitem a realização do exame. Essa metodologia é própria para a realização da Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU), pois é simples, rápida (média de 5 minutos), econômica, objetiva, sensível e não invasiva.

Nos Estados Unidos a triagem auditiva é obrigatória em 17 estados americanos e diversas instituições como o National Center for Hearing Assesment and Management (NCHAM) e o Marion Downs National Center for Infant Hearing trabalham no sentido de implementar programas de TANU nas maternidades. Os Programas são organizados em quatro etapas distintas: triagem - diagnóstico -protetização - intervenção. Enquanto os testes de triagem são realizados ainda no hospital, os bebês que não passarem devem ser diagnosticados e receber aparelho auditivo e intervenção adequada até no máximo seis meses de idade. No Rio de Janeiro em maio de 2000, o vereador Rogério Salgadinho apresenta e é aprovada a Lei 3.028 que obriga a realização do teste nas maternidades municipais do Rio de Janeiro. Os municípios paulistas de Jaú e Campinas também possuem leis seme­lhantes.

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Atuação Fonoaudiológica no INES

Teresa Rude*, Ednéa Pimenta** e Waldelice Pinto***

O fonoaudiólogo é um profissional envolvido com pesquisa, prevenção, ava­liação e terapia na área da Comunicação que encontra no Instituto Nacional de Educação de Surdos um local fértil para atuação em todos esses campos.

O campo de atuação da Divisão de Fonoaudiologia do INES (DIFON), abran­ge o Centro de Referência e o Colégio de Aplicação (CAP/INES).

O Centro de Referência oferece assistência e capacitação técnica a diversos estados e municípios do Brasil e exterior, ministra aulas no Curso de Estudos Adicionais - CEAD, realiza projetos de pesquisa, participa de comissões de publicação e supervisão ao estagiário.

O Colégio de Aplicação avalia, atende, orienta pais e familiares da Fila de Espera e do CAP/INES, interage com os professores, participa de reuniões da Coordenação de Orientação e Acompanhamento da Prática Pedagógica - COAPP e faz atendimento fonoaudiologia) com os alunos do CAP/INES.

Criada anteriormente como Cabine de Fala e depois como Divisão de Fonoaudiologia atende hoje 94% dos alunos do CAP/INES na faixa etária de zero a treze anos.

Nesta faixa etária ocorre maior plasticidade nos hemisférios direito e esquerdo em nível do córtex cerebral, onde as terminações nervosas responsáveis por dons elementares, como a fala, a visão, o tato, ou as tão refinadas quanto o raciocínio matemático, o pensamento lógico ou musical, estão em processo de desenvolvi­mento e maturação.

Metas de Atendimentos Fonoaudiológicos para o Ano de 2000

Alunos do CAP/INES na faixa etária de 0 a 13 anos da Estimulação Essencial até a 4a série

A Divisão de Fonoaudiologia acredita que o indivíduo deve ser estimulado o mais possível, desde a idade da detecção da surdez, com a participação da família.

Tem como objetivo geral prestar atendimento fonoaudiologia), visando o desenvolvimento global e a interação da pessoa surda.

Como objetivo específico preparar o indivíduo para uma comunicação facili­tando as competências comunicativas nas modalidades oral e escrita através da aquisição e desenvolvimento da língua e através da orientação aos pais.

As crianças atendidas nesta divisão frequentam obrigatoriamente o CAP/INES.

*Fonoaudióloga-chefe da Divisão de Fonoaudiologia do INES, especializada em surdez e Psicomotricidade. "Fonoaudióloga do INES. """Fonoaudióloga do INES com formação em Metodologia verbo-tonal.

94% Atendidos

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São crianças diagnosticadas como surdez severa e profunda, abrangendo diversas etiologias. Algumas crianças iniciam sua escolaridade através da Fila de Espera e ingressam na estimulação precoce seguindo a escolaridade do SEDIN ao SECAR Outras, no entanto, chegam tardiamente ingressando no SEDIN e /ou SECAF vindos de diferentes tipos de estimulação.

Esta terapia se estende da estimulação precoce à segunda série. A DIFON é composta de um quadro de 22 profissionais.

Os atendimentos são realizados em duas sessões semanais com duração de 30 e 45 minutos.

Sabendo-se que a habilidade linguística da criança começa a se desenvolver aos primeiros meses de vida, pelo balbucio - raízes da língua falada -, quando nasce, o bebê ouve e identifica as nuances entre os fonemas de toda e qualquer língua. Do sétimo ao décimo mês, os sons que articula já correspondem aos fonemas da língua materna. Por volta de dois anos, pronuncia palavras isoladas e, a seguir, frases formadas por duas palavras. Com três anos, verbaliza sequências de considerável complexidade, entre quatro e cinco anos, fala fluentemente.

A deficiência auditiva irá interferir de modo significativo na relação da criança com o meio. Desta forma o processo de desenvolvimento global da criança sofre rupturas necessitando de intervenção.

O trabalho terapêutico requer profissionais capacitados, com conhecimento transdisciplinar, sensibilidade e flexibilidade para atender as diferenças de cada criança, família e contexto social.

O fonoaudiólogo como um profissional que se preocupa com a comunicação tem um papel fundamental na terapia com o indivíduo com deficiência auditiva. Na habilitação ou na reabilitação o trabalho envolve adaptação do AASI, estimulação auditiva, linguagem, processos cognitivos e orientação à família. Assim, a fonoterapia com o surdo visa desenvolver aspectos da voz, fala, audição e lingua­gem.

Na linguagem facilita o desenvolvimento das etapas pré-lingúística e linguística; Na audição com ajuda da prótese, propõe atividades de detecção, identifica­

ção, discriminação e compreensão; Uma prótese bem indicada e adaptada traz, sem dúvida inúmeros benefícios.

A criança que faz uso constante da prótese e do trabalho sistemático do atendi­mento fonoaudiológico, passa a dar respostas tão positivas que dificilmente ela rejeitará o uso desta prótese. Embora sua surdez seja profunda, suas respostas se apresentam em alguns casos como uma perda moderada. Na verdade o ganho não é só do AASI. mas um ganho também no enriquecimento da linguagem e na moti­vação da fala.

A fala é estimulada com atividades de leitura labial e facilitação, instalação, fixação e automatização de fonemas.

Todas essas atividades são feitas concomitantemente, associada ao trabalho de voz com atividades de ressonância, altura, intensidade, velocidade e dicção.

Também se busca facilitar os processos cognitivos da aprendizagem através de atividades lúdicas de atenção, memória, percepção visual, tátil, cinestésica, olfati-va, análise e síntese, compreensão e raciocínio.

A orientação à família é feita durante os atendimentos na estimulação precoce e nas reuniões oferecidas periodicamente quanto à importância do uso da prótese e cuidados, e a parceria no processo do desenvolvimento da linguagem.

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Projetos de Pesquisa

Triagem Auditiva e Intervenção Precoce

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Projetos de Pesquisa

Triagem Auditiva e Intervenção Precoce

Fonoaudióloga Maria Inês Ramos

Este trabalho visa investigar se bebês diagnosticados e que recebem interven­ção precoce antes dos seis meses de idade, apresentarão desenvolvimento global e linguístico próximo da criança ouvinte.

Validação no Conceito em Terapia Oro-facial Corporal Castillo Morales para Surdos

Fonoaudiólogas Leila Manhães/Leny Estévez/Marisa Viola/Mônica Campello e Orientador Científico Professor Dr. Nelson Annunciato

A terapia é desenvolvida no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que é um Centro de Referência Nacional na Área da Surdez, visando comprovar o conceito terapêutico Castillo Morales para surdos. Este, através da estimulação periférica, ativa os neurónios da área cortical que por sua vez nos darão um padrão específico desta atividade, tornando-se componentes do mescanismo de plasticidade neuronal, objetivando tais procedimentos serem agentes facilitadores de aquisi­ções, tais como as percepções, a integralização do complexo oro facial, levando à linguagem articulada.

Ativar epigenéticamente esses padrões, através da propriocepção é um dos objetivos deste trabalho.

Estimulação Global para Surdos

Fonoaudióloga Waldelice Pinho

A pesquisa congrega profissionais de área tecnológica responsáveis pelo de­senvolvimento de módulos computacionais que integram o sistema de auxílio à terapia fonoaudiológica dentro da metodologia proposta.

A terapia da estimulação global conjuga consecutivamente o desenvolvimento de autoconhecimento corporal como facilitador da fala com bases rítmicas e técni­cas que buscam a precisão da articulação, além da estruturação e construção da língua através de vivências pessoais com a ajuda dos sistemas desenvolvidos.

Pode ser aplicada à surdos de qualquer faixa etária, nível e grau de perda auditiva.

Teatro para Surdos

Uma abordagem de comunicação do não-verbal ao verbal

Fonoaudiólogas Teresa Rude/Sylvia Sampaio/Simone Quevedo/ Ednéa Pimenta/Professora de Artes Cida Bernabó

Visa através da investigação nas diferentes áreas do saber, como a fonoaudiologia, a psicomotricidade e as artes Cênicas, registrar a trajetória de comunicação utiliza-

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da pelo surdo para construir e contar suas próprias histórias. Seja no ato de ouvir histórias ou contar, seu corpo vai criando formas e sons,

e a comunicação vai se dando com total liberdade de expressão. É uma atividade dinâmica, lúdica e expressiva que enfoca o corporal, o senso­

rial e o emocional, englobando formas de comunicação e expressão através do corpo, do desenho, da língua de sinais, da linguagem oral e escrita, na busca inces­sante das diversas formas artísticas para contar e viver suas próprias histórias.

Turma 401 Atendimento diferenciado

Levantamento de Dados Audiológicos Correlacionados com a Lingua Oral do Surdo

Fonoaudiólogos Alfredo Perez/Bety Hochman/Laurinda Valle/Leila Dantas/ Nádia de Oliveira/Vanda Carnevalle

Objetiva confirmar ou infirmar a interferência de alguns dados audiológicos, tais como: etiologia, diagnóstico, período de latência entre diagnóstico e a época de protetização e a intervenção precoce, com a aquisição e desenvolvimento da língua oral do indivíduo surdo.

A partir destes dados, será possível ou não relacioná-los com o comportamen­to linguístico do alunado portador de surdez severa e/ou profunda desta Institui­ção, matriculado no Serviço de Educação Infantil - SEDIN e atendidos na Divisão de Fonoaudiologia - DIFON.

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Refletindo sobre a Sociedade Inclusiva e a Surdez

José Geraldo Silveira Bueno*

Antes de mais nada, quero agradecer ao Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES, do Ministério da Educação, por mais um convite para participar de um evento de tamanha envergadura.

Se, da última vez que aqui estive, no início deste ano, para participar do Fórum organizado por esta Instituição, apontei que se passavam mais de 20 anos da minha última participação, agora a situação é completamente inversa, pois, na condição de consultor para desenvolvimento de pesquisas (convite feito logo após aquela participação e que muito me envaidece e me honra), tenho tido a oportuni­dade de acompanhar parte das atividades aqui realizadas,

Por esse convívio mais próximo, corro o risco de começar a me repetir. Espe­rando não estar 'chovendo no molhado', vou tentar discorrer sobre o tema desta mesa, refletindo sobre diferentes perspectivas que parecem estar sendo utilizadas quando se referem à sociedade inclusiva, para, a partir daí, procurar problematizar a questão da surdez dentro deste contexto.

Meu objetivo, portanto, não será o de indicar soluções mas, ao contrário, de trazer algumas questões que me parecem absolutamente necessárias para que nossa atuação profissional não se enquiste e não se desvincule de nossos ideais políticos.

Tenho plena consciência de que vou mexer num vespeiro, de que posso, no dia de hoje, até destruir a imagem de um velho professor compreensível, que lida bem com posições contrárias. Entretanto, como educador e como pesquisador compro­metido com a construção de uma sociedade mais justa e fraterna, não tenho receio de ser contestado, mas ao contrário, tal como afirma Isabelle Stengers, em sua obra, Quem tem medo da ciência? "- Nada pior do que o silêncio. Enquanto só o silêncio me responde, minha ficção continua a ser ficção. E melhor para um cientista ter interessado e ter sido 'refutado'(...) Ao menos a ficção foi considerada como um possível válido e sua refutação faz parte da história das ciências. "

Sociedade Inclusiva e Surdez

Desde o início da idade moderna, com o advento da nova ordem social, urbano-industrial capitalista, o ideal democrático a ser alcançado tinha como pressuposto oferecer, a todos os sujeitos, condições de vida satisfatórias c oportunidade de participação nos destinos da sociedade.

Havia, nesse sentido, um ideal de que, com o desenvolvimento econômico e progresso social, se fosse alcançando, cada vez mais, essas condições. Isto está expresso no lema da Revolução Francesa, na Declaração de Independência dos Estados Unidos, nos manifestos dos partidos comunistas, na Declaração dos Direitos do Homem e, ousaria afirmar, em todas as constituições de qualquer estado moderno.

Entretanto, no decorrer histórico da sociedade urbano-industrial, foram se evidenciando problemas, contradições c antagonismos que se colocavam como obstáculos para a consecução desses ideais.

A distribuição desigual da riqueza material e cultural entre países, regiões e habitantes deste nosso planeta parece ter sido o grande obstáculo para que os ideais

'Coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduação em Educação: História. Política, Socieda­de, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professor Titular do Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie. SP.

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de liberdade e igualdade tossem realmente acessíveis a todos os sujeitos. As injustiças sociais, expressas pela tome, pelas péssimas condições de saúde

(aqui incluídas as questões de habitação, de saneamento, de acesso aos serviços de saúde, por exemplo), pelos baixos índices de escolarização, pelo desemprego, pelo aumento brutal da violência urbana, pela deterioração das cidades, se constituem em quadro evidente de que estamos muito longe da sociedade idealizada pelos elevados propósitos dos documentos nacionais e internacionais.

Até a década de 70, entretanto, considerava-se que, embora distantes de serem alcançados, estes ideais eram possíveis e que estava-se construindo, a duras penas, uma sociedade que, no seu próprio desenvolvimento, haveria de, gradativamente, superar esses obstáculos. Tanto os princípios do chamado "estado do bem-estar-social" como das chamadas "repúblicas populares socialistas" tinham como nú­cleo de sua proposta política o alcance dessas condições.

Na década de 80, com a queda do Muro de Berlim e desmantelamento das chamadas "repúblicas populares", por um lado, e pelos processos de globalização da produção capitalista, de outro, parece que entramos numa nova era que, se analisada de forma mais aprofundada, parece estar colocando em cheque as possi­bilidades de se construir uma civilização mais justa e mais igualitária.

Isto é, parece que o ideal de ampliação da melhoria das condições de vida, para todos os habitantes desse nosso planeta, não poderá jamais ser alcançado, como se isso se constituísse em destino, em fatalidade, e não fosse apenas o resultado de processos históricos construídos pelo próprio homem.

Quando nos referimos, por exemplo, ao período de escravidão, que se esten­deu até o final do século passado em nosso país, consideramo-lo como uma etapa cruel e desumana de nossa história, de opressão, humilhação e exploração de seres humanos. Entretanto, convivemos, como se fosse parte de nosso destino, com o trabalho escravo infantil que enriquece, ainda mais, poderosas corporações multinacionais, convivemos com a fome dizimando populações africanas, convi­vemos com a exploração do corpo de meninas de oito a dez anos no território amazônico, convivemos com a disseminação de guetos urbanos de miséria e vio­lência em que os pobres usufruem cada vez menos das benesses produzidas por eles próprios, convivemos com milhões de desempregados que têm como única opção, viver, dormir, comer e defecar nas ruas de nossas cidades.

Vamos, de tal forma, incorporando essas situações, que perdemos a nossa capacidade de indignação, de revolta, de repúdio. Se perdemos a nossa capacidade de indignação, é porque estamos incorporando que essas situações são naturais, fazem parte do destino irreversível de uma massa enorme da população de nossos países.

É neste momento que surge a bandeira da inclusão social, de emulação a todos para que aceitem a diversidade, a diferença, o desigual, da construção de uma sociedade inclusiva.

Mas quem são estes diferentes, diversos e desiguais? O deslocamento do eixo da sociedade democrática para a sociedade inclusiva

pode estar significando, muito mais, a tentativa de obscurecer os processos de produção dessa massa de excluídos do que um passo adiante para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e democrática, na medida em que esconde o fato de que toda essa situação provém, antes de mais nada, da produção da miséria material e cultural, agora em escala mundial.

E o que podemos fazer diante desse quadro? Nada? Ao contrário, entendo que, se acreditarmos que é o homem que constrói a sua

história, que não há destino irreversível ou fatalidade social, temos algo a fazer. As

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condições concretas são muito adversas para que se alcancem esses ideais? É preciso, então, redobrar os nossos esforços para atingi-los, e criar espaços de resistência a esse destino.

E o que a surdez tem a ver com tudo isto? A meu ver, tem tudo a ver. Grande parte das discussões atuais sobre as perspectivas educacionais e soci­

ais da surdez têm residido na defesa ou na crítica da existência de uma língua e de uma cultura surda.

Em primeiro lugar, quando nos referimos aos processos de opressão que os surdos sofreram pelo fato de a eles ter sido imposta uma língua, uma cultura, uma "identidade ouvinte", estamos falando de que surdos?

As estatísticas oficiais em nosso país apontam que menos de 20% da popula­ção surda recebe algum tipo de atendimento.

E os restantes 80%, são oprimidos por quem? São oprimidos por seus pares ouvintes que, para sobreviverem, precisam, aos

quatro, cinco ou seis anos de idade, permanecer nos cruzamentos das ruas das nossas cidades para que algumas almas de boa vontade comprem artigos supér­fluos que permitam a ele e a seus familiares fazer uma refeição ao dia?

Ou são oprimidos pela massa de meninos que trabalha dez horas por dia costurando bolas para que o megaevento das olimpíadas ultrapasse todos os índi­ces financeiros das anteriores?

Ou são oprimidos pelas meninas que recebem dez ou quinze homens por dia para terem o direito a um catre sujo e alguma comida?

Ou, ainda, são oprimidos pelos milhões de negros africanos que vagam, pele e osso, pelas savanas africanas, nos mostrando que o holocausto nazista continua presente?

Quando falamos que à comunidade surda foram impostos padrões não-condi-zentes à sua identidade, estamos nos referindo a quem?

Aos surdos que, de alguma forma, conseguiram ultrapassar a barreira da não-escolarização ou àqueles que nunca tiveram qualquer possibilidade de qualquer atendimento, quer seja no campo da saúde ou no da educação escolar?

Quando nos colocamos em defesa de uma língua e cultura próprias das comu­nidades surdas, estamos nos referindo ao respeito à diversidade, na perspectiva da construção de uma sociedade que, embora diversa, ofereça ao seus cidadãos (diver­sos, diferentes), condições crescentes de vida digna, produtiva e satisfatória, ou estamos defendendo nossos espaços de poder?

Quando nós, professores, estudiosos, pesquisadores, nos arvoramos em arau­tos da defesa dos direitos dos cidadãos surdos, estamos contribuindo para a sua autonomia e participação social, ou estamos disputando, com outros grupos, a tutela de sujeitos que, pela nossa própria prática, incluímos como incapazes de construírem seu próprio destino?

Quando defendemos a diversidade linguística e cultural das comunidades sur­das e os processos segregados de educação, estamos contribuindo para que as diversidades sejam aceitas e respeitadas no convívio social mais amplo ou para a manutenção e criação de guetos de cidadãos de segunda categoria?

Essas me parecem questões de fundo que mereceriam nossa reflexão pois, apesar de todas as nossas boas intenções e de nossos discursos de respeito a uma determinada parcela da população, podemos estar nos constituindo como instru­mentos para a manutenção de um status quo de injustiça, de opressão, de explora­ção, enfim, de obstáculos para a construção de uma sociedade em que, independen­temente das condições e características de cada um, ofereça oportunidades concre­tas para que todos possam participar, intercambiar experiências e usufruir da

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produção material e cullural que não pode ser de poucos, sejam ouvintes ou surdos, mas de todos.

Não tive aqui a pretensão de abarcar todas as inter-relações que a problemática social da surdez implica, mas a de apontar algumas questões que me parecem fundamentais para que possamos romper o círculo vicioso entre diferentes corren­tes que, ao invés de estarem contribuindo para o acesso aos direitos de cidadania da população surda, e entre esses, a uma escolarização de qualidade, têm servido, muito mais, para que ela seja encarada como um fenômeno que nada tem a ver com a construção da sociedade que almejamos.

Para finalizar, vou aqui transcrever trechos da carta de despedida de Gabriel Garcia Marquez, que está morrendo, e que apesar de tudo com que contribui para a humanização deste nosso planeta, não perde nem mesmo este momento trágico para nos ensinar mais algumas lições:

"Aprendi que todo mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.

(...) Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo

para ajudá-lo a levantar-se." (Gabriel Garcia Marquez). Espero que estas poucas, parcas e iniciais reflexões possam contribuir, de

alguma forma, para a construção de uma sociedade em que as diferenças, quaisquer que sejam, não continuem servindo de justificativa para que um possa olhar o outro de cima para baixo, a não ser que, de fato, queira ajudá-lo.

Muito obrigado.

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Refletindo sobre a Sociedade Inclusiva e a Surdez

Surdez: Desafios para o Próximo milênio

Mónica Pereira dos Santos*

Introdução

O presente trabalho objetiva ser em um ensaio a respeito das contradições com que o discurso pela igualdade se reflete nos textos e nas práticas sociais, com ênfase particular à questão da surdez. Pretende, ainda, analisar o porquê da esco­lha, por vezes paradoxal, de opções que vão de encontro ao ideário democrático, contradizendo-o ainda mais.

Inicio levantando alguns aspectos que se são em argumentos potentes em defesa da separação entre instituições regulares e especiais de ensino. Vou ilustrar tais argumentos com alguns exemplos familiares a educadores.

Pretendo demonstrar que a questão escola regular versus escola especial constitui apenas a superfície de um movimento que ultrapassa a dimensão organizacional, e que toca a dimensão das atitudes, cujas expressões têm efeitos essencialmente políticos1.

Concluindo, vou defender a necessidade de uma aliança entre as comunidades de surdos e ouvintes na luta por um mundo mais justo, em que as oportunidades de convivência e participação se façam presentes a todos, e sem detrimento do respeito ãs características peculiares de cada grupo e de cada indivíduo dentro dos grupos.

Contradições & Paradoxos As últimas décadas têm sido caracterizadas por um discurso oficial inegavel­

mente favorável a um ideário igualitário e democrático, ao mesmo tempo em que sua reflexão na prática nem sempre tem correspondido ao que é veiculado nos documentos que expressam.

No campo da educação, pode-se dizer que uma série de diretrizes, leis e orientações, tanto nacionais quanto internacionais, exemplificam esse discurso. A título de exemplo entre os mais conhecidos internacionalmente, podemos destacar a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Necessidades Básicas de Apren­dizagem (Jomtiem, 1990) e a Declaração de Salamanca (1994). No contexto nacio­nal, podemos destacar a nossa própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). No entanto, as ações que os mesmos inspiram não são, muitas vezes, visíveis em nosso cotidiano escolar.

A título de ilustração, podemos ressaltar o fato de que os textos dos três documentos supracitados implicam necessidade de se eliminar atitudes

'Professora Adjunta dos Programas de Graduação e Pós-graduação, do Departamento de Funda­mentos da Educação. Faculdade de Educação. UFRJ. Professora colaboradora do Curso de Espe­cialização em Psicopedagogia Diferencial: Diferenças na Aprendizagem, PUC-RJ. Consultora da UNESCO para Projetos em Educação Especial 'O termo "político" é aqui utilizado no sentido cotidiano da palavra e não em seu sentido partidário. Toda prática social, toda forma de existência é inerentemente política a nosso ver, mesmo quando nos omitimos.

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discriminatórias das culturas das escolas. Mas o que ainda se ve com muita fre­quência são profissionais da educação desligados desse cuidado e tendo, como resultado, inúmeras situações de atrito ou negação - velados ou explícitos - por parte daqueles a quem educam.

Um exemplo típico está no uso tradicional e rotineiro que fazemos de folhas mimeografadas e o marasmo, também rotineiro, que costumamos ver nos olhos e/ ou gestos de nossos alunos quando as recebem. Outro exemplo se encontra nos comentários usuais que muitos educadores fazem quando o/a aluno/a pergunta, pela enésima vez, sobre alguma coisa que acabamos de explicar: Mas fulano/a, eu ACABEI de explicar isso! Você não entendeu porque estava aí conversando, fa­zendo bagunça, ou no mundo da lua! Agora se vira, porque eu não vou explicar mais nada!

Os exemplos acima são inesgotáveis. O que têm em comum é o fato de que o educador acaba perdendo uma grande oportunidade de reavaliar sua prática: será que o/a aluno/a faz de propósito? Teriam eles o mero prazer de nos ver zangados? Ou estariam eles querendo dizer algo que não queremos ver? Mas mesmo que nos quisessem ver zangados, será que não deveríamos nos perguntar o porquê? Será que o/a aluno/a já entra na escola com essa zanga e quer, em contrapartida que nos zanguemos também?

Estas situações constituem argumentos fortes o suficiente para nos convencer do quanto a escola exclui, e para não acreditarmos numa possível inversão dessa exclusão - já que tem sido assim há muito tempo. Foi com base em argumentos como esses (e na crença de que a educabilidade dos mesmos seria algo limitado) que se formou, no caso dos deficientes, todo um sistema paralelo de ensino, através de escolas, classes e outros ambientes especiais, em muitos países. A premissa básica era a de que a escola regular não possuía o conhecimento básico e técnico necessá­rio ao ensino de pessoas cujas capacidades de aprender estivessem limitadas, já que mal conseguia atender àqueles que supostamente seriam normais.

Desta maneira, já que eram, indiretamente, excluídos de um bom trabalho educativo, paradoxalmente passou-se a aceitar a ideia de que seria melhor que se constituíssem ambientes educacionais específicos (mais equipados tecnicamen­te, mais protegidos socialmente...) para se trabalhar com essas pessoas. Tais ambientes atenderiam ãs suas necessidades específicas, respeitariam suas carac­terísticas peculiares, sem, contudo, deixar de atentar para um trabalho educacio­nal de qualidade.

No caso de indivíduos surdos, outros argumentos, além dos apontados acima, têm influenciado a defesa de um ambiente educacional especializado como única ou principal alternativa à sua educação. Um deles calca-se na ideia (fundamentada em estudos multiculturalistas) de que os surdos, entre outros aspectos, por terem como língua materna a língua de sinais, possuem uma cultura própria. Assim sendo, e entre outros argumentos levantados, tal como há escolas para pessoas cuja cultura e língua de origem sejam de outra nacionalidade, deveria havê-las, também, para surdos, na medida em que a escola regular se propõe a atender a grupos homogéneos, não dando conta, assim, de sua tarefa de educar essas pessoas sem ferir seus aspectos culturais.

Do ponto de vista de que todos devem ter oportunidades justas, inclusive a de ter um ambiente educacional que melhor atenda aos variados interesses, tal argu­mento é irrefutável. Por outro lado, essa postura marca e justifica a segregação -ainda que por motivos concretos e aparentemente justos - o que é um paradoxo. Afinal, estamos numa época em que a união, e não a separação, é preconizada... O que fazer, então?

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Contradições e Paradoxos: Indo Além Sabemos que um ambiente especializado não favorece a troca nem corresponde

ao mundo real, cheio de diferenças e dificuldades. Além disso, sabemos que a exclusão à qual nos referimos anteriormente não constitui privilégio de poucos, nem tampouco está associada apenas ao fato de uma escola ser regular ou especial.

A exclusão é um fenômeno social, especialmente presente em nossos dias, na maioria das relações sociais e, portanto, passível de acontecer em qualquer insti­tuição e/ou organização social, inclusive na escola, seja ela qual for. Não constitui surpresa ouvirmos falar de guetos e gangues que se instalam nas escolas (regulares e especiais), e que levam à formação de sub-grupos dentro da instituição, por vezes acompanhados, mesmo, de práticas violentas.

Da mesma maneira, sabemos que há professores, senão escolas como um todo, que trabalham na tentativa de não praticar a exclusão, ou mesmo de praticar a não-exclusão2, esforçando-se para que a escola atenda, de fato, a todo o alunado, da forma mais justa e respeitosa possível. Como também há escolas especiais que têm procurado reformular seu papel à luz das orientações (nacionais e internacio­nais) recentes, transformando-se em centros poderosos de recurso c atualização e/ ou capacitação profissional e produtores de conhecimento.

E seria esse mesmo, o caminho a seguir. Não cabe mais limitarmos a luta pela inclusão a uma questão de colocação da pessoa com deficiência nesta escola ou em outra. A inclusão nunca se referiu apenas a onde ser colocado, mas sim a como mudar o mundo. Neste sentido, ela é muito mais ampla do que a dimensão educa­cional, que representa apenas uma de suas facetas. Até porque, partindo da ideia de que inclusão é um processo, não existe uma escola inclusiva, mas sempre escolas em luta pela inclusão.

Boolh & Ainscow (1998, p. 194) colocam isso muito claramente: "Algumas pessoas falam como se pudéssemos identificar escolas que sejam

ou não sejam inclusivas (...) Uma escola inclusiva pode ser considerada como aquela que inclui, que valoriza igualmente todos os alunos das comunidades locais ou da vizinhança, e que desenvolve abordagens de ensino e aprendizagem que minimizam agrupamentos com base no rendimento ou nas deficiências (...) Tal escola inclusiva é um ideal alusivo, que só existiria quando nenhuma diferença fosse desvalorizada na sociedade."

Em outras palavras, não existem modelos prévios que servirão, com certeza, a muitos. É preciso entender que a inclusão se refere à luta contra a desigualdade e as diferentes formas de exclusão. Uma instituição especializada de ensino (ou de qualquer outro serviço) é, em princípio, excludente porque não permite a convi­vência. Mas a inclusão vai além deste aspecto físico. Ela toca o político.

E aqui - cabe dizer - se as chances de uma participação social crítica nos fizerem, mais do que saber que as diferenças existem, vivê-las, já são pequenas numa escola comum, imaginemos numa escola especial. E preciso ao ouvinte ter a referência da convivência com o surdo para que ele entenda a dificuldade e se alie a eles. Da mesma maneira, é preciso ao surdo conviver com os ouvintes, nem que seja para constatar a incapacidade destes de se descentrar de seu mundo ouvinte. Mas aí, caberia ao surdo fazer, e melhor ninguém faria, um trabalho político, de

2 Pensamos que praticar a não-exclusão é significativamente diferente de não praticar a exclusão. A primeira contém um componente intencional e político mais presente. Pretende-se, deliberadamente, lutar contra todas as manifestações de exclusão numa certa situação. A segunda, reconhece a existência de práticas de exclusão, mas as ações limitam-se a evitá-las, sem necessariamente investigá-las a fundo, confrontá-las e contrapropô-las.

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sensibilização deste mundo ouvinte. O que não poderia ser feito se o surdo esti­vesse preso às suas instituições especializadas...

Permito-me encerrar com a seguinte consideração: acusa-se a escola regular de querer homogeneizar o alunado, esperando que todos sejam - ou se comportem -iguais. Cabe pensarmos o que é mais homogéneo? Meninos e meninas, negros e brancos, católicos e judeus, altos e baixos, gordos e magros, deficientes e não deficientes, de uma turma de segunda série da escola, ou uma turma de meninos e meninas, negros e brancos, católicos e judeus, altos e baixos, gordos c magros e surdos numa escola para surdos?

Referências Bibliográficas

BOOTH, T. & AINSCOW, M. (1998) From Them to Us: an International Study of Inclusion in Education. London, Routledge.

UNESCo/Ministry of Education and Science of Spain (1994) Final Report-World Conference on Special Needs Education: Access and Quality. Salamanca, Spain, 7-10 de junho de 1994.

UNESCO (1990) Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Neces­sidades Básicas de Aprendizagem. Jomtiem, Tailândia.

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Refletindo sobre a Sociedade Inclusiva e a Surdez

Lorena Koslowski*

O processo de inclusão refere-se a um processo educacional que visa estender ao máximo a capacidade da criança portadora de deficiência na escola e na classe regular. Envolve o fornecimento do suporte de serviços da área de educação espe­cial por intermédio dos seus profissionais.

A inclusão é um processo constante que precisa ser continuamente revisto. Os objetivos da inclusão são ( MRECH, 1998):

• Atender aos estudantes portadores de necessidades especiais nas vizinhanças da sua residência; propiciar a ampliação do acesso desses alunos às classes comuns;

• propiciar aos professores da classe comum um suporte técnico; • perceber que as crianças podem aprender juntas, embora tendo objetivos e

processos diferentes; levar os professores a estabelecer formas criativas de atuação com as crianças portadoras de deficiência; e,

• propiciar um atendimento integrado ao professor de classe comum.

A conferência de Salamanca (UNESCO, 1994) proporcionou:

"Uma oportunidade única de colocação da educação especial dentro da estru­tura de 'educação para todos' firmada em 1990. Ela promoveu uma plataforma que afirma o princípio e a discussão da prática de garantia de inclusão das crianças com necessidades educacionais especiais nessas iniciativas e a tomada de seus lugares de direito numa sociedade de aprendizagem".

No que se refere à inclusão do indivíduo surdo, devemos inicialmente analisar o próprio histórico da educação de surdos para entendermos o seu processo de inclusão. Podemos resumir a educação de surdos dentro de seu processo histórico, como tendo três grandes fases:

1) Educação gestual: com a participação de adultos surdos no processo educacional do indivíduo surdo, escola especial;

2) educação oral: rejeição da surdez, educação especial, visão clínica da surdez; e

3) educação bilíngue: condição de indivíduo surdo; inclusão com respeito às suas características linguísticas.

A inclusão do surdo no sistema educacional e profissional se inicia ainda na fase do atendimento precoce através de uma modificação de toda a sociedade com relação ao que a surdez representa:

Uma criança portadora de uma deficiência não é simplesmente uma crian­ça menos desenvolvida que as demais, apenas se desenvolve de maneira diferente; caminhos devem ser adotados em uma escola inclusiva para que os alunos com suas necessidades específicas, tenham as mesmas condições de construir seu saber e desenvolver-se plenamente;

'Doutora em Ciências da Linguagem pela Universidade de Sorbonne, França; Professora Titular da PUC/PR.

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para o surdo, ha necessidade de uso de todos os recursos linguisticos dispo­níveis e diversas modalidades da língua; e,

• a inclusão profissional é uma consequência da inclusão escolar, gerando opor­tunidades idênticas a todos os indivíduos e modificação na sociedade.

Qualquer modelo inclusivo deve basear-se em fundamentos que vão viabilizar esta inclusão, ou seja:

• Atendimento precoce; • participação ativa da família; • suporte para o desenvolvimento linguístico pleno do indivíduo; • possibilitar diferentes modalidades linguísticas; • apoio pedagógico; e, • trabalho integrado com suporte profissional especializado à escola regular.

A inclusão é hoje uma realidade a qual não podemos negar, porém para a tornarmos uma realidade em nosso país, temos um longo caminho a percorrer, caminho este viável e que com certeza trará ao surdo oportunidades idênticas às do ouvinte, no âmbito educacional e profissional.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, R. E. A LDB e a educação especial; Revista Espaço, INES, n°9,jun, 1998.

MANTOAN, M. T. E. Ensino inclusivo/educação (de qualidade) para to­dos. Revista Integração, MEC/Secretaria de educação especial, ano 8, n°20,1998.

MRECH, L. M. O que é a educação inclusiva?; Revista Integração, MEC/ Secretaria de educação especial, ano 8, n° 20, 1998.

UNESCO, Declaração de Salamanca: sobre princípios, políticas e práti­cas em educação especial. Espanha, 1994.

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O intérprete da LIBRAS -um Olhar sobre a Prática Profissional

Rever o Passado, Olhar o Presente para Pensar no Futuro

Denise Maria Duarte Coutinho*

O tema em questão dá-me a oportunidade de fazer uma grande viagem. Decidi falar sobre a profissão do intérprete da Libras, fazendo, num primeiro momento, uma retrospectiva histórica.

O Intérprete da LIBRAS Ontem

Os intérpretes da Libras surgiram dos laços familiares, da convivência social (por ser vizinho, amigo da escola, do trabalho, da igreja etc.)

Devido a esta característica, não temos muitos registros da profissão de intér­prete no Brasil até a década de 1980. Algumas publicações mencionam este traba­lho apenas a partir de 1988. Trago como contribuição alguns registros do meu arquivo fotográfico (anexo 1).

Em 1981, Ano Internacional das Pessoas Deficientes, realizou-se em Recife, Pernambuco, o I CONGRESSO BRASILEIRO DAS PESSOAS DEFICIENTES de 26 a 30 de outubro.

Quanto à luta dos surdos em relação ao direito de ter intérpretes, considero que estes cinco dias de Congresso, do qual participei, com Virgínia Barry que sabia sinais também, podem ser vistos como uma síntese desse processo.

No primeiro dia, os profissionais que atuavam na área da surdez mal podiam nos ver conversando com os surdos em língua de sinais. Diziam que nós obrigáva­mos os surdos a comunicarem-se através de mímica.

Encontramos uma alternativa bem criativa para burlarmos a proibição da pre­sença do profissional intérprete. A plenária foi dividida em pequenos grupos de trabalho. Nestas pequenas sessões eu atuava como secretária, escrevendo o que estava sendo falado e um surdo, Rafael, sentado ao meu lado, atuava como intér­prete, lendo o conteúdo e fazendo a interpretação (anexo 2).

Três dias se passaram assim e nos últimos já estava na mesa juntamente com os palestrantes fazendo a interpretação (anexo 3).

Até 1987 surgiram outros eventos, promovidos pela Coalisão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes e outras instituições.

Nesta época já residia no Rio de Janeiro e tive a grande felicidade de estudar com o Professor Geraldo Cavalcanti de Albuquerque por dois anos.

Neste período, normalmente, me oferecia para interpretar. Este oferecimento significava que, na maioria das vezes, as despesas de transporte, hospedagem e alimentação corriam por minha conta. Salário, nem pensar.

Nesta época, as preocupações profissionais eram:

• estar presente onde os surdos estavam; • aprender sempre mais com eles; • ocupar um espaço imprescindível para uma participação eficaz dos surdos.

•Intérprete da Libras reconhecida pela FENEIS. Autora dos livros: LIBRAS e Língua Portuguesa (semelhanças e diferenças) - v. I e II.

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ANO 07/1982 11/1982

07/1983 07/1983

11/1985

05/1986

08/1986

09/1986

11/1986

07/1987

(anexos 4,

EVENTO Encontro de Delegados Estaduais I Simpósio Internacional sobre Deficiência Auditiva

II Encontro Fluminense de Pessoas Deficientes III Encontro Nacional de Pessoas Deficientes

I Encontro Estadual de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos

II Encontro Nacional Verbotonal

I Simpósio de Deficiência Auditiva

I Encontro de Deficientes Auditivos de Pernambuco

II ENPAS - Encontro Nacional de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos

A UFPE e a Pessoa Portadora de Deficiência

5, 6, 7)

LOCAL Vitória - ES

Rio de Janeiro - RJ

Niterói - RJ São Bernardo do Campo - SP

Porto Alegre - RS

Recife - PE

Belo Horizonte - MG

Recife - PE

Porto Alegre - RS

Recife - PE

A partir de 1987, com a FENEIDA transformada em FENEIS, a "Profissão de Intérprete da Libras" passou a ser vista com mais rigor quanto a:

• vestuário; • postura de interpretação; • formação teórica e prática; • perspectiva de profissionalização; • ética profissional; • organização enquanto categoria.

O Intérprete da LIBRAS Hoje

No início daquela nova fase, por não considerar os surdos como sujeitos de sua história, muitos intérpretes iam além de sua função e determinavam, muitas vezes, os caminhos que os surdos deviam seguir.

À medida que os surdos foram tomando conta de seus rumos, essa influência foi diminuindo e o intérprete começou a ocupar o seu verdadeiro lugar neste processo. Não mais o de determinar, mas o de executar os que os surdos determinam.

Sabemos que este novo estágio não está estabelecido em todo o país. Quando os intérpretes não pensam em seu próprio benefício, esta atitude leva os surdos a conquistarem sua independência mais rapidamente.

Pelo fato de o Brasil ter uma dimensão continental e de não termos recursos para usufruir da liberdade de ir e vir em nosso país, nosso processo de organiza­ção, penso, se dá de forma lenta.

A consciência, por parte da comunidade surda, da importância do intérprete como participante do seu processo de conquista de espaços na sociedade, empur-ra-nos para uma reflexão sobre o quanto precisamos nos profissionalizar. Isto implica pensarmos em aspectos como:

• modalidades de interpretação; • jornada de trabalho; • formação acadêmica pessoal; • formação acadêmica profissional; • qualidades e características necessárias ao intérprete; e, • o processo de interpretação.

Gostaria de destacar a necessidade do constante processo de pesquisa linguís-

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tica no qual o intérprete da Libras deve estar inserido. Por ser a Libras uma língua, em muitos aspectos desconhecida por nós, ouvintes, não podemos prescindir da postura permanente de alunos desta comunidade.

Não precisamos nos tornar pesquisadores profissionais, mas humildes profis­sionais que têm muito a aprender sobre essa língua.

O Intérprete da LIBRAS Amanhã

No contínuo processo de aprendizado devemos nos ver como agentes de identidade social.

Neste processo de comunicação no qual estamos inseridos não podemos per­der de vista algumas dimensões do nosso trabalho:

dimensão estrutural: a interpretação é um ato de comunicação que deve seguir regras;

dimensão intercultural: a interpretação é um ato de comunicação que permi­te intercâmbio cultural entre dois grupos;

dimensão intersubjetiva: a interpretação é um ato de comunicação que inter­vém na relação entre as pessoas;

dimensão técnica: a interpretação é um ato de comunicação que dispõe de certos meios de difusão num contexto preciso.

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O Intérprete da LIBRAS -um Olhar sobre a Prática Profissional

Ricardo Sander*

Introdução

Tradução, interpretação e versão têm conceitos diferentes na semântica da língua portuguesa, mas com todo o entendimento e respeito, usarei apenas o termo interpretação referindo-me aos três conceitos e situações possíveis que possam surgir para um intérprete na intenção de simplificar seus trabalhos, por amor aos meus colegas.

Diz respeito à profissionalização do serviço de intérprete da Libras e conse­quentemente da pessoa que faz este serviço.

Cada vez mais exigem-se intérpretes qualificados profissionalmente para alu­arem com ética profissional em situações de tradução/interpretação da Libras.

Amostras da experiência no XIII Congresso Mundial de Surdos da WFD, em Brisbane, na Austrália, em Julho de 1999.

Histórico e a experiência atual de intérprete na Ulbra, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS.

Parte I

"Quanto mais "neutro" for, menos me lembrarei da interpretação feita. Portanto, mais "neutro" terei sido!" Tenho afirmado este mote e confirmado a sua prática ao longo dos meus anos

de trabalho, em serviços de interpretação. Um profissional intérprete (embora não haja neutralidade total em sua função

e por isso, o uso de aspas " "), deverá sempre usar de "neutralidade" em seus sinais, atitudes corporais e entonações de voz (DA MANEIRA MAIS NEUTRA POSSÍVEL), para que o discurso do apresentador não seja deturpado, mal inter­pretado, ou pior, seja o contrário daquele que é da intenção do apresentador.

É extremamente fácil, é extremamente avantajado ao intérprete, quando está numa determinada situação do discurso, persuadir e ser tendencioso a interpretar de forma que não está de acordo com o pensamento do apresentador, quer seja surdo ou ouvinte.

Ratificando esta afirmação: é muito fácil para nós intérpretes, puxar o discurso (quer seja de surdos ou de ouvintes), mais para um lado que para outro. E agora vem o pior, ninguém fica sabendo, nem surdos nem ouvintes.

Por isso, a neutralidade é muito importante para o intérprete profissional. Talvez vocês me perguntem:

• E se o interprete não acreditar no discurso daquele político, daquele parti­do? Responderei: por quê o intérprete aceitou aquele trabalho?

Ninguém é obrigado a aceitar interpretar algo que vá contra sua filosofia, crença, ideologia etc. Mas se aceitar, então deverá usar de "neutralidade" da melhor maneira possível.

Casos onde o intérprete usa de má fé a sua neutralidade e não interpreta de maneira ética e profissional a sua função, é passível de processo judicial e perda da sua credencial definitivamente.

Quando falamos em profissionalismo, precisamos nos remeter a duas impor-

*Diretor da Escola Luterana de São Mateus, Sapiranga/RS; Coordenador dos intérpretes da FENEIS, RS e intérprete da Ulbra/RS.

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tantes situações e condições que fazem de um intérprete da Libras, um profissional:

1) Formação Acadêmica 2) Ambiente linguístico

Lamentavelmente, faltam-nos muito as duas condições, que para mim são fundamentais e necessariamente obrigatórias, para que intérpretes sejam reconhe­cidos e credenciados como profissionais.

A formação acadêmica diz respeito a cursos reconhecidos nacionalmente, em nível de universidade, com a duração de quatro a cinco anos. Assim com os intér­pretes nas línguas orais têm muitas horas de estudos e de treinamento, em univer­sidades, nas línguas em que irão atuar, para receber sua licença e oficializarem-se, como oficiais; da mesma forma intérpretes da Libras deveriam passar por um curso de nível universitário, cujo currículo fosse organizado por surdos e ouvintes reconhecidamente entendidos na área, sendo treinados formalmente nas mais dife­rentes situações para poderem se especializar em alguma área do conhecimento humano (seja de humanas, exatas, científicas etc).

Precisamos nos preparar para isto. É de suma importância para que nossos intérpretes possam receber informações e conhecimentos sobre cultura e identida­de de pessoas surdas, sintaxe e semântica da Língua de Sinais e da Língua Portu­guesa (ou mais línguas orais, com especial atenção ao inglês), a história dos surdos no mundo e no Brasil e ainda sobre trabalhos e treinamentos de expressão corporal e facial etc.

O ambiente linguístico diz respeito ao local onde a Língua de Sinais é pratica­da: nas associações de surdos.

Não se pode conceber um intérprete que não frequente, com regularidade, uma associação de surdos! Você imagine seu professor de inglês, que nunca foi a um país de língua inglesa, mas que aprendeu bem a gramática, bem as estruturas da sintaxe inglesa a partir de livros, de fitas e de outros professores de inglês, que também nunca foram a esses países. Que acham? Será que esse professor merece­ria minha confiança? Será que esse professor estaria atualizado e competente na língua inglesa? É lógico que não!

Transpondo esta mesma situação para intérpretes de Libras, quem poderia confiar em pessoas que foram formadas com poucas horas de treinamento formal e que, acima de tudo, não frequentam nenhuma associação de surdos?

Esta é uma questão muito séria! Não sou intérprete por que gosto muito de surdo ou porque adoro o surdo,

mas por que me interesso pela área e por que sou capaz de atuar bem! Um ambiente linguístico onde a Libras é a primeira língua a acontecer é de

suma importância para a pessoa que quer ser um profissional na área da interpre­tação. E justamente ali, que o intérprete irá aprender gírias, sinais novos e reconhe­cidos pela comunidade surda. É na associação que os surdos irão conhecer o verdadeiro caráter e a verdadeira identidade do intérprete. Por exemplo: se eu fosse surdo e visse algum dos intérpretes bêbados, em plena associação, repetidas ve­zes, é claro que não aceitaria que o mesmo traduzisse para mim e jamais confiaria nele.

Lembro o que diz o primeiro artigo do Código de Ética dos intérpretes da FENEIS nacional, e que não está no primeiro artigo por acaso:

"O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, consciente, confidente e de equilíbrio emocional. Ele guardará informações confidenciais e não poderá trair confidências, as quais foram confiadas a ele."

A parte que mais me chama a atenção é a primeira parte deste artigo: "... ser

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uma pessoa de alto caráter moral,...) Poderíamos aqui falar longamente sobre ética. O que é a ética e seu conceito de

moral, moralidade, bons usos e costumes, bom senso. Quero contudo apenas mencionar um fato, que prova muito mais do que

muitas palavras, ou melhor, do que muitos sinais. Numa das últimas oportunidades em que estivemos lá no Rio Grande do Sul,

por ocasião das entrevistas de candidatos ao curso de intérprete, cujo critério essencial é o conhecimento (tanto de recepção, quanto de expressão) da Libras, numa certa entrevista, que foi filmada e em parte, feita em Libras, o candidato não estava no nível de Libras almejado, mas era conhecido e tinha a mais alta confiabilidade da comunidade surda.

Qual foi o resultado? Este candidato entrou para ser treinado, por que se reconheceu nele confiança, valor ético. Lembro que a banca que entrevistou c que examinou cada candidato era formada de surdos, indicados por instrutores surdos da Feneis/RS.

Este fato aconteceu recentemente e confirma ainda mais, a importância do primeiro artigo do Código de Ética dos Intérpretes da Feneis.

Parte II

Minha experiência no XIII Congresso Mundial de Surdos, em Brisbane, Aus­trália, em julho de 1999. pouco somou às minhas experiências anteriores, mesmo por que, no Brasil, já havíamos tido oportunidade de trabalhar em situações seme­lhantes.

Mas, registro alguns fatos interessantes e que denotam profundo respeito:

• Todos os intérpretes do mundo inteiro, receberam previamente, as informações necessárias e os textos das palestras do evento, em disquete ou por e-mail, para que pudessem estar preparados.

• Foi muito importante ter fluência cm inglês. Mesmo assim, cheguei uma semana antes ao país anfitrião, para que pudesse me acostumar ao sotaque anglo-austra-liano, misturado com a língua aborígene.

• Uma língua oral apenas e 43 línguas de sinais diferentes, com mais de cem intérpretes de língua de sinais. A disposição dos espaços para interpretar, a iluminação e 0 próprio espaço do evento, deixaram a todos nós babando literal­mente.

• Éramos três (Francisco Coelho da Rocha e Eleonora Scheit, surdos, e eu). Como havia apenas um intérprete, concordamos com o seguinte: cada dia eu interpre­taria apenas uma palestra geral de manhã e outra à tarde. As diversas oficinas ficariam por conta do interesse individual de cada um. Além disso, as palestras na área de interpretação e afins, seriam minhas, sem que precisasse interpretar. Cada um escolheu seus temas de preferência e de interesse, montamos um esquema e o seguimos durante toda a semana. As noites eram livres para assis­tirmos aos shows e ir aos teatros ou tínhamos as saídas livres para passeios pela exuberante Brisbane.

• Os assuntos das palestras já haviam sido estudados por mim, anteriormente, em casa. No local do evento, havia duas salas enormes, exclusivas, para os intérpre­tes. A primeira, com coisas boas para comermos e bebermos; a listagem detalha­da de todos os acontecimentos, nomes etc, c também todas as palestras do evento, bem como aquelas atrasadas. Da mesma forma, serviços de massagem relaxante, sauna e comidas especiais eram anunciadas nos murais da sala, a preços especiais para os intérpretes.

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• A segunda sala, enorme, era de estudos, portanto, do silêncio. Haviam grandes sofás confortáveis e aconchegantes para um soninho ou apenas relaxamento. bem como diversas mesas com dicionários para o estudo das palestras e combi­nações de sinais com os demais intérpretes (já que precisaríamos fazer muitos sinais iguais: sinais das pessoas, ou dos lugares, ou das palavras etc).

• A abertura aconteceu numa Catedral Anglicana, com religiosos de diversos cre­dos. Senti o cristianismo em diversas ocasiões e, sendo tema explícito em pales­tras do Congresso e também a importância e o direito do surdo ter sua religião, por livre escolha.

• A grande ênfase temática do Congresso foi a família. A importância da família para o filho surdo é incalculável. As famílias devem ter direito às informações sobre línguas de sinais, cultura surda, associações de surdos e um ambiente linguístico favorável para o desenvolvimento de seu filho surdo. A família deve aprender a língua de sinais de seu filho.

• Outra temática interessante foi a educação do surdo. O direito à educação, aos estudos universitários e de conhecerem uma língua escrita.

• Na área dos intérpretes aconteceu uma reunião com todos os que estavam presentes. Criou-se uma associação internacional dos interpretes. Atualmente está-se cogitando que a ASL (Língua de Sinais Americana), ou a BLS (Língua de Sinais Britânica) seja uma língua de sinais oficial e permanente nos congressos internacionais da WFD. Isto quer dizer que tanto surdos quanto intérpretes poderiam usar esta língua para poderem se comunicar com pessoas de outras línguas orais e/ou de sinais.

Parte III

Minha experiência na área da interpretação na universidade já acontece, há dois anos.

A Universidade Luterana do Brasil, ULBRA, abriu espaço para o surdo há oito anos atrás. O Núcleo de Estudos de Surdos. NES. é que centraliza todas as atividades que dizem respeito ao surdo, dentro da Universidade, bem com os trabalhos dos intérpretes. Nosso coordenador, prof. Ottmar Teske é o responsá­vel pelo NES e pela política dos trabalhos dos intérpretes.

Em 1992 lançou-se a semente do NES, quando o primeiro aluno surdo foi aceito na Universidade, o Marcial Carlos de Morais Neto, que se formou em Desenho Industrial, mas sem o serviço do intérprete. Já em 1996, a Universidade assumiu a Escola Especial Concórdia e, portanto, era o momento certo e havia a necessidade de se criar o NES, para que se pudesse estabelecer um intercâmbio entre Escola e Universidade. E claro que isso não ficou só por aí. Os surdos queriam muito mais do que simplesmente um segundo grau, então. Eles queriam a Universidade.

O objetivo geral do Núcleo consiste em desenvolver investigações de variáveis que estão implicadas nos estudos dos surdos, corno alternativas possíveis na formação geral dos acadêmicos da ULBRA.

Na ULBRA o acadêmico surdo tem direito a um diferencial no vestibular, nas correções do Português, nas avaliações orais, ao uso de intérpretes onde e quando achar necessário.

A questão é complexa pois, atualmente, somos apenas oito intérpretes para 36 surdos acadêmicos. A disponibilidade de horários é muito pouca, já que os intérpretes também estão inseridos em outros trabalhos durante a semana, fora da Universidade. Não temos intérpretes trabalhando em regime integral ou em regime

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exclusivo na Universidade. Os trabalhos de interpretação acontecem em todos os cursos e/ou cadeiras

onde houver surdos. Elaboramos critérios mais ou menos importantes, para que o intérprete atue nesta ou naquela cadeira, prioritariamente. Por exemplo:

• o surdo que cursa a disciplina de anatomia, tem prioridade de intérprete; • disciplinas onde houver mais de um surdo, há preferência para intérprete; • acadêmicos iniciantes ou no último semestre, têm preferência para intérprete; • palestras ou seminários dentro da Universidade, há uma providência para que

um ou dois intérpretes possam ir; • temos reuniões periódicas onde problemas são discutidos e soluções apontadas,

para melhorarmos nossos trabalhos em sala de aula e sermos o mais profissio­nais possíveis.

• o NES oferece aulas de português redatorial aos surdos com uma professora exclusiva que conhece a Libras;

• da mesma forma em sociologia e possivelmente cm cultura religiosa, esta última vem a ser uma cadeira básica do 1 ° semestre.

• Neste semestre fui obrigado a estudar programação e linguagem de computado­res, para que minha atuação de intérprete melhorasse em entendimento e em qualidade.

• Os surdos estão vendo sua importância, experimentando sua cidadania e forta­lecendo sua classe social minoritária. Contudo, conquistar espaços numa uni­versidade não é fácil. Ainda não chegamos ao ideal. Uma longa caminhada ainda está para ser trilhada. O pouco contudo, que já trilhamos fez uma grande dife­rença. O sonho é real e ainda precisa ser conquistado e concretizado em sua totalidade. O momento exige firmeza, pés no chão e que possamos continuar a sonhar com futuros melhores, sendo ainda mais autónomos, lutando por mais espaços e reconhecendo que está valendo a pena.

• Visitem o site www.ulbra.br e procurem pelo NES para maiores informações.

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O Intérprete da LIBRAS -um Olhar sobre a Prática Profissional*

Cleidi Lovatto Pires**

Os estudos sobre bilinguismo e surdez e o fato de que a pessoa surda apresen­ta uma língua própria mas que, sem dúvida, convive com a língua oral (LO), geral mente como segunda língua, levam-na a considerar como necessária a presen­ça do intérprete de língua de sinais (LS) junto às pessoas surdas, em muitas situações do cotidiano escolar e extra-escolar.

A LO é a língua falada pela comunidade majoritária ouvinte; no caso do Brasil, a Língua Portuguesa. Na medida em que as pessoas surdas necessitam ou desejam se comunicar com os ouvintes, isso usualmente lhes ocasiona problemas, até mesmo emocionais, pela ineficiência dessa comunicação. Esse é o momento em que o intérprete se torna relevante na mediação do contato entre surdos e ouvintes.

Nesse contexto, é importante saber como são as informações transmitidas ao surdo pelo intérprete. E preciso verificar se esta interpretação está ou não sendo fiel à intenção e significação do emissor da mensagem. Ou se o intérprete, sendo ouvinte, está reforçando a relação imperialista que a comunidade ouvinte maior mantém com a pessoa surda ainda hoje (Skliar, 1997).

A história demonstra que as relações entre surdos e ouvintes têm sido de apropriação, controle e desmando pelas pessoas ouvintes. Nesse sentido, há que se considerar que o intérprete, por ser ouvinte, pode não ser fiel no momento da interpretação, remetendo o surdo a uma situação de submissão usual no passado, com o grupo hegemônico ouvinte administrando a identidade das pessoas surdas.

No entanto, a identidade dos surdos vai ser construída através de sua afirma­ção como sujeitos numa sociedade em que são minoria. Cabe ao intérprete a aceitação desse direito, no momento em que ele possibilita ao surdo a ressignificação de sua interpretação de mundo, a partir de um ato interpretativo.

O intérprete é uma pessoa que atua hoje no Brasil sem legalização profissio­nal, consequência da não-oficialização da Língua Brasileira de Sinais - LBS. São limitadas suas possibilidades de exercício profissional, com remuneração injusta e difícil acesso a estudos na área de atuação. Contudo, o intérprete faz parte do cotidiano das pessoas surdas, em conferências, concursos, consultas, para nomear apenas alguns casos. Para ser intérprete são necessários muitos requisitos: conhe­cer a língua de partida e a língua-meta com profundidade, são premissas básicas. Além disso, ele deve conhecer as especificidades da comunidade surda, ou seja, a cultura da comunidade-alvo da interpretação, pois ali se originam termos só utili­zados por aquela cultura, o que conforma armadilhas durante o ato interpretativo. Essa dinâmica do universo de significações de uma língua de partida - denotações, conotações, referências, vivências, imaginário etc, - confronta-se com as mesmas características na língua de chegada, o que confere extrema delicadeza à interpreta­ção entre línguas/culturas diferentes; línguas que determinam visões de mundo diferentes no interpretar, pois ainda que falando de um mesmo objeto, este será visto de diferentes sistemas conceituais por cada falante. Portanto, o bom intér­prete após inteirar-se do conteúdo a ser interpretado, tenta esquecer as palavras expressas ali para apoiar-se em termos usados pela comunidade-alvo.

Do intérprete é exigida rapidez de ritmo. A memória torna-se fator relevante par uma interpretação de qualidade, neste caso a memória de curto prazo (Clark &

*Pesquisa em nível de mestrado desenvolvida na UFSM, sob orientação da prof. Dra. Maria Alzira Nobre. **Mes(re em Educação pela UFSM; Professora na Universidade de Santa Cruz do Sul/RS.

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Clark, 1977). E neste tipo de memória que fica guardada, por curtos períodos de tempo, a expressão exata do que está sendo processado em um dado momento. Ela tem capacidade limitada e tende a perder logo o conteúdo literal das mensagens. O que fica e passa para a memória permanente é o significado das proposições, não a sua forma.

Como o intérprete necessita de reações rápidas, ou seja, recebe, armazena e reproduz as informações quase que concomitantemente, sua memória ativa é facil­mente esgotada se ele não tiver muito treino e conhecimento das línguas envolvidas e do assunto a ser interpretado. Daí decorrem a sutileza e os perigos do interpretar, pois muitas vezes falhas podem acarretar uma interpretação equivocada, resultado de situações que levam o intérprete a improvisar, ampliar, condensar ou até mes­mo omitir termos essenciais para a compreensão da mensagem, distorcendo, por­tanto, as intenções do autor.

Possuir um familiar surdo, ou ser um profissional que trabalhe diretamente com pessoas surdas, por si só não habilita o ouvinte a ser intérprete. Solow (1996) afirma que, no passado, o intérprete de LS era uma pessoa que trabalhava com pessoas surdas e, em decorrência desse convívio, aprendera a língua de sinais. Muitos desses voluntários trabalhavam por generosidade, mas, sem dúvida, ajuda­ram a formar intérpretes, geração após geração. Sobretudo, a autora enfatiza a necessidade de se respeitar o código de ética, de se conhecer profundamente as línguas em questão, de ter formação específica e também de conviver com os surdos. Assim, ser usuário de LS não redunda necessariamente em ser o intérprete um competente.

Esta pesquisa analisou a possibilidade de haver ou não fidelidade em atos interpretativos. Foi filmada a atuação de um intérprete em três cidades do RS, interpretando dois textos. Subsequentemente, os textos foram recontados por um sujeito surdo, e após, um segundo interprete assistiu a recontagem e reescreveu os textos em português. A partir daí os textos finais foram comparados com os textos iniciais, tendo como base o conteúdo e as proposições recuperadas.

A análise dos dados indica que interpretar c um ato complexo que exige sobretudo profundo conhecimento teórico na área, pois somente a prática cotidi-ana não garante uma interpretação com qualidade. É indispensável que programas de pós-graduação contemplem a área de interpretação em língua de sinais, pois as interpretações mais fiéis partiram de intérpretes que estão aprofundando conheci­mentos na área da educação de surdos.

Além disso, os dados sugerem que, para haver uma interpretação ideal não bastam ótimos intérpretes mas também sujeitos surdos fluentes em LS. Esta pesquisa mostrou que os alunos surdos vinculados à rede regular de ensino apre­sentaram maior dificuldade na compreensão e transmissão das mensagens do que aqueles ligados a escolas para surdos.

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Pesquisas sobre LIBRAS

De Flausino ao Grupo de Pesquisas da FENEIS - RJ

Tanya Amara Felipe*

O precursor nas pesquisas sobre línguas de sinais foi BULWER J. B. que editou um livro sobre a língua de sinais inglesa: Cherologic: or the natural language of the handLondon R. Whitaker. Posteriormente, também na Inglaterra, em 1895, foi publi­cado outro livro: The sign of Language of the deaf and dumb de NEVINS, R. W.

Nos Estados Unidos a primeira publicação foi de iniciativa dos surdos, em 1848, os Anuais of the Deaf que reuniu durante séculos um inventário da cultura surda americana. Ainda em 1878, foi publicado também o artigo Thinking in words and gesture, por BOOTH, E. nos Amiais of the Deaf 23.

Em 1918 e 1923, foram editados respectivamente os livros The sign language: a manual of singns, de LONG, J. L., e Handhook of lhe sign language of the deaf, de MICHAEL, S. que reuniram sinais da língua de sinais americana (ASL).

Após um longo período sem pesquisa nessa área, talvez devido à tradição oralista, em 1960, também nos Estados Unidos, foram iniciadas as pesquisas propriamente linguísticas sobre a ASL, com o artigo de STOKOE, W. C. Sign Language Structure: nu outline of the visual communication system of lhe American deaf publicado na revista Studies in Linguistics, Occasional Papers 8.

Em 1965, STOKOE CASTERLINEeCRONEBERG publicaram A Dictionary of American Sign Language, fruto de um trabalho de equipe, formada por ouvintes e surdos, no Gallaudet College. A partir desse trabalho, na década de 70 para cá, milhares de publicações foram editadas em todo o mundo sobre as diversas línguas de sinais, mas ainda a língua mais pesquisada está sendo a ASL.

Aqui no Brasil, a primeira publicação sobre a língua de sinais brasileira data de 1875, trata-se de um livro: Iconografia dos Signaes dos Surdos-Mudos, de Flausino da Gama, um ex-aluno do Instituto de Surdos, que se tornou repetidor dessa escola, quando terminou seu período de estudo.

Quase um século depois, em 1969, com a publicação do artigo de KAKUMUSU, J. Urubu Sign Language, foi constatado que haveria pelo menos outra língua de sinais no Brasil, utilizada pelos índios Urubus-Kaapor.

Somente em 1969, por iniciativa estrangeira, foi publicado outro livro sobre a língua de sinais brasileira: Linguagem das Mãos, de OATES, E. mas, devido à influência da ASL, muitos sinais nessa obra, como também na de HOEMAN, H. et al., Linguagem de Sinais do Brasil, são sinais dessa língua. Esses dois livros foram, durante décadas, o material didático utilizado pelos instrutores surdos para ensinarem sua língua e, talvez por essas obras trazerem uma seleção de fotografias ou desenhos de sinais da LIBRAS com explicações, a metodologia que vem sendo utilizada para ensinar esta língua tem sido somente a apresentação de sinais e tradução dos mesmos.

A partir da segunda metade da década de 80, começaram as pesquisas propria­mente linguísticas sobre a LIBRAS, desenvolvidas pelo Grupo de Estudo sobre Linguagem, Educação e Surdez - GELES, com seu primeiro boletim, editado em novembro de 1985 no Recife.

Doutora em Linguística pela UFRJ e pela University of Rochester; Mestre em Linguística pela UFPE

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De lá para cá, várias dissertações, tese, artigos e livros vêm mostrando aspec­tos da LIBRAS, como as seguintes publicações: • 1982 - NAMURA, R. A ordem sintática e a repetição. Dissertação de Mestrado.

Mogi das Cruzes. • 1984 - FERREIRA BRITO, L. Similarities and differences intwo brasilian sign

language. Sign Language Studies 42:45-56. • 1988 - FELIPE, T. A. O signo Gestual - visual e sua estrutura frasal na

Língua de Sinais dos Centros Urbanos Brasileiros. Dissertação de Mestrado em Linguística, UFPE.

• 1989- Trabalhos de Linguística Aplicada 14, Campinas. • 1989, 1991, 1993, 1995, 1997, 1999-Anais do IV Encontro Nacional da

NPOLL, Recife. • 1990 - Revistas Espaço, INES e Integração. MEC/SEESP. • 1991 - Anais do Congresso da ASSEL, Rio de Janeiro. • 1992 - CALDAS, B. Narrativas em LSCB: um estudo sobre referência.

Dissertação de Mestrado. - Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, Linguagem de Sinais.

São Paulo: Cesário Lage. • 1993 - Anais do Congresso Latino Americano de Bilinguismo para Surdos.

Rio de Janeiro. - FERREIRA, BRITO, L. Integração Social & Educação de Surdos,

Rio de Janeiro: Ed. Babel. - Grupo de Pesquisa da FENEIS-RJ, Versão Preliminar do livro LIBRAS

em Contexto. - MOURA, M. C; LODL, A. C. B.; PEREIRA, M. C. (eds) Língua de

sinais e educação do surdo. São Paulo: Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (Série de Neuropsicologia V 3).

• 1994 - KARNOP, L. P Aquisição do parâmetro configuração de mão dos sinais da LIBRAS: Estudo sobre quatro crianças surdas filhas de pais surdos. Dissertação de Mestrado, Porto Alegre. PUC.

• 1995 - STROBEL, K. L.; DIAS, S. M. S. (org.) Surdez: abordagem Geral. Curitiba: FENEIS. Apta Gráfica Editora.

- QUADROS, R. As categorias vazias pronominais: uma alternativa com base na LIBRAS e reflexos no processo de aquisição. Dissertação de Mestrado, Porto Alegre. PUC.

- FARIAS, C. Atos de Fala. O Pedido em Língua Brasileira de Sinais. Rio de Janeiro: UFRJ;

- FERREIRA BRITO, L. Por uma Gramática da Língua de Sinais. Rio de Janeiro, Tempo Brasil.

• 1997 - LIBRAS em Contexto - Curso Básico, Livro do Estudante. FENEIS, MEC/FNDE. LIBRAS em Contexto - Curso Básico, Livro do Professor. FENEIS, MEC/FNDE.

- QUADROS, R. Educação de Surdos: A Aquisição da Linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas.

• 1998 - CAPOVILLA, F. C; RAPHAEL, W. D.; MACEDO, E. C. (orgs.) Manual Ilustrado de Sinais de Comunicação em Rede para Surdos, São Paulo: Instituto de Psicologia da USP.

- FELIPE, T A. A Relação Sintático-semântica dos Verbos e Seus Argumentos na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Tese de Doutorado em Linguística, Rio de Janeiro: UFRJ.

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- OLIVEIRA, A. A.; MACEDO, M. F. Aigo: Arte de Comunicar I: Língua de sinais, Uberlândia: AMEDUCA.

- DUARTE, A. M. Comunicando com as mãos. Teófilo Otoni, Associação dos Surdos.

Alguns outros trabalhos, geralmente desenhos de sinais e manuais com dese­nhos e explicações de uso têm sido feitos e utilizados por Instrutores Surdos que estão ensinando sua língua, sem orientação metodológica, mas que percebem a importância de se ter um material didático para essa atividade.

Foram feitas também fitas de vídeo sobre temas diversos: aids, drogas e poesia em LIBRAS que podem servir também como fonte de pesquisa sobre a LIBRAS. Contudo, podemos dizer que as pesquisas sobre a LIBRAS ainda estão em estágio inicial, comparando-as com os estudos já realizados sobre outras línguas de sinais.

O desafio está lançado e, seguindo os passos de nosso primeiro pesquisador surdo, precisamos cada vez mais criar condições para que vários instrutores sur­dos possam vir a ser pesquisadores também de sua própria língua.

De Flausino ao Grupo de Pesquisa da FENEIS, os surdos estão buscando esse espaço de pesquisa e trabalho.

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Pesquisas sobre LIBRAS

LIBRAS: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilingue

Walkiria Duarte Raphael* e Fernando César Capovilla**

Considerando que o acesso à Língua de Sinais de sua comunidade é essencial ao desenvolvimento cognitivo, linguístico e social do surdo e, diante da escassez de publicações sobre os sinais da Libras, há seis anos nossa equipe vem desenvolven­do um projeto que auxilie essa população e, recentemente, concluiu o Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilingue.

O dicionário reúne cerca de 3.500 sinais usados pela comunidade surda da cidade de São Paulo, obtidos a partir da colaboração de vários surdos informantes de Libras, e revisados pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, filial São Paulo (FENEIS - SP).

Cada um dos sinais é ilustrado com desenhos mostrando a articulação das mãos, o local da articulação em relação ao corpo, o movimento envolvido e a expressão facial associada. Abaixo da ilustração de cada sinal aparece o verbete, isto é, o sinônimo do sinal em português cujo significado corresponde aproximada­mente ao do sinal em Libras e, em seguida, o verbete correspondente em inglês. Logo abaixo, aparece a classificação gramatical do verbete cm português, sua defi­nição e conceitos associados, e um exemplo de uso pertinente, tanto em português como em Libras. Finalmente, aparece uma descrição morfológica detalhada do sinal que elimina qualquer ambiguidade eventualmente resultante da sua ilustração, e, com ela, qualquer um reproduz fielmente e com facilidade a morfologia do sinal.

A esquerda da ilustração do sinal aparece a representação pictória que retrata o significado do sinal. Tal ilustração em vida real permite o processamento visual direto desse significado, prescindindo da mediação pelo código alfabético escrito. Favorece o reconhecimento visual direto do significado do sinal pela criança surda e reduz as ambiguidades que estariam envolvidas se ela tivesse que depender apenas da leitura dos verbetes em português. Além disso, fornece também um elemento de motivação adicional ao estudo, despertando a curiosidade da criança surda, engajando sua imaginação e experiência, e ensejando ricas interações peda­gógicas com seus professores.

A direita da ilustração do sinal aparece a escrita visual direta da sua morfologia por meio do sistema Sign Writing. Trata-se de um sistema internacional de escrita visual direta dos sinais que usualmente registra a morfologia dos sinais do ponto de vista expressivo, isto é, do sinalizador. Assim como a escrita alfabética transcreve os fonemas que compõem a fala, isto é, as unidades básicas das línguas faladas, a escrita visual direta transcreve os quiremas que compõem a sinalização, isto é, as unidades básicas das línguas de sinais. Assim como a escrita alfabética beneficia o ouvinte porque ela transcreve os sons da fala que ele usa para comunicar-se oral-

*Psicóloga do Laboratório de Neuropsicolinguística Cognitiva Experimental e Mestranda do Instituto de Psicologia da USP. ** Autor do Manual Ilustrada de Sinais e Sistema de Comunicação em Rede pura Surdos, publicado; e. Língua de Sinais Brasileira; Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trinlíngue, no prelo.

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mente e pensar, a escrita visual direta beneficia o surdo porque ela transcreve as articulações e movimentos das mãos da sinalização que ele usa para comunicar-se em sinais e pensar.

O dicionário objetiva servir como obra de consulta e estudos por parte de múltiplos usuários em muitas situações. Por exemplo, pode ser empregado por surdos interessados em expandir seu vocabulário de sinais e seu conhecimento de português. Pode também ser utilizado por surdos, professores da Libras que, graças a ele, poderão concentrar seu ensino nos aspectos mais importantes da Libras, em sua estrutura e gramática, e em seu uso pragmático nas conversações do cotidiano, o que tornará suas aulas mais ricas e interessantes. O dicionário também pode ser empregado por ouvintes interessados em conhecer e aprender os sinais da Libras. Um dos usos mais importantes, no entanto, é na educação das crianças surdas por professoras que, a partir da publicação, passarão a contar com uma fonte de consulta confiável, composta para os surdos e a partir de informantes surdos, além de revisada e aprovada pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos, FENEIS.

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Aquisição de Língua Portuguesa por Aprendizes Surdos

Maria Marta Ferreira C Ciccone*

Ao abordar algumas dentre as muitas questões ligadas ao tema que me coube, estarei tratando do português escrito como segunda língua (L2) de surdos falantes de LIBRAS, e, considerando a língua de sinais como primeira língua (LI). Na verdade, em virtude do fato de nem todo surdo dominar a modalidade oral do português, escolho posicionar sua modalidade escrita como L2 de caráter integrativo, porquanto o significado não é fixo, mas sempre negociado entre parceiros engajados no discurso (Aronowitz e Giroux, 1990) e, nessa exata medida, entendo o uso de qualquer língua como construção genuinamente social (Bakhtin [ 1929], 1997; Moita Lopes, 1998)

Outrossim, não pretendo ser uma especialista em aquisição de segunda língua, mas uma interessada em investigar processos discursivos intervenientes numa tal aquisição. Para a presente ocasião, opto então por colocar em causa algumas indagações que, em princípio, guardam relação mais direta com um significativo conflito entre duas específicas suposições concernentes à construção da mencio­nada L2 escrita, na área da educação de surdos falantes de línguas de sinais.

Com isso, me refiro por um lado, a uma suposição aventada por Anderson (1994) acerca de obstáculos em interações discursivas numa tal construção e, por outro, a uma suposição diversa possível de se levantar a partir das conclusões de um oportuno estudo linguístico realizado, nessa mesma área, no Brasil (Brito e Santos, 1996).

No primeiro caso, segundo Anderson (ib.: 94), obstáculos encontrados nesse campo, decorreriam do fato de surdos usuários de línguas de sinais e nâo-falantes da modalidade oral da língua escrita, sempre precisarem se submeter a escrever textos apenas de modo indireto. Por exemplo, ao tentarem se comunicar por escrito com ouvintes, por não poderem falar diretamente com eles). Ao que pare­ce, para Anderson tais surdos ficariam impedidos de compartilhar negociações do significado diretamente com os respectivos destinatários em razão de certa espécie de 'distanciamento' entre leitor e autor de quaisquer textos.

Já no segundo caso, me refiro a uma suposição possível de ser aventada a partir das conclusões do mencionado estudo linguístico realizado, em nosso país, por Brito e Santos (1996). Esse estudo atestou a coerência textual cm produtos de cartas pessoais que surdos usuários de LIBRAS e não-falantes da modalidade oral do português endereçaram para seus ouvintes. No caso, coerência textual é um construto teórico que pressupõe interações, envolvendo autor(a), leitor(a) e texto, de onde emerge o que faz sentido num produto escrito e que, essencialmente, se liga ao que é externo aos níveis gramaticais próprios da língua em questão (Carrell, 1982:486).

Desse modo, como fica fácil perceber, as conclusões de tal estudo linguístico não são então compatíveis com a suposição de Anderson (ib.) mencionada acima. Isso se justifica porquanto fica razoável especular que a tal coerência textual -linguisticamente atestada - pode ter decorrido, muito provavelmente, de negocia­ções mútuas do significado entre remetentes surdos e destinatários ouvintes. Ou, dito de outra forma, na construção das tais cartas pessoais linguisticamente investigadas terão ocorrido, ao que tudo leva a crer, processos de interação discursiva diretamente partilhados entre remetentes surdos usuários de LIBRAS e destina-

•Professora Titular da Faculdade de Fonoaudiologia da UNESA/RJ, Professora Orientadora do COAPP/INES. Fonoaudióloga e Psicanalista.

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tários ouvintes falantes do modo oral da língua escrita então utilizada. Na verdade, especulações como essas confluam com a tal suposição de

Anderson (ib.) também porque deixam em alta o fato da mencionada espécie de 'distanciamento' entre parceiros envolvidos em usos de línguas escritas ser algo de natureza apenas física.

O que acabo de observar se explica porque - ainda quando num registro idealizado - quem escreve sempre trata quem vai ler como um 'outro' pressupos­to, ao mesmo tempo em que se institui, a si mesmo, como alteridade (Eco, 1986; Orlandi, 1996). Colocações como essas, aliás, encontram eco em outras de Nystrand c Wiemelt (1991 : 29), quando fazem ver que todo aquele que escreve, ou lê, sempre dispõe de estratégias de negociações do significado como as utilizadas em díades orais, onde se praticam estratégias paralinguísticas que não se têm na escri­ta. Ou seja, ao escrever, ou ler, qualquer usuário de uma língua pode deixar à mostra, ou se defrontar, com variadas evidências inclusive de subentendidos (como os que têm a ver com ironias, ameaças, ceticismos, ênfases etc.) e tudo isso ajuda então a reacentuar a natureza fundamentalmente social do discurso. Isso ocorre na justa medida em que observações como essas, apontam para aspectos até mesmo particularizáveis que, sofrem sanções de contratos comuni­cativos mutuamente regulados (Fairclough, 1992), ou institucionalmente estabe­lecidos que, como tal, instituem contenções para o próprio discurso, embora não eliminem seu caráter de genuína criatividade natural (por exemplo: ninguém diz sempre o que quer, como quer, onde quer e quando quer).

Nestes termos já de início valeria a pena perguntar: como de fato se constróem os impasses que têm sido divulgados acerca da construção da L2 escrita de alunos surdos falantes de línguas de sinais, em salas de aula da área (Anderson, 1994; Strónqvist, 1994)? Além disso, tendo em vista questões discursivas aparentemen­te ainda não investigadas nesse campo (como sugerem as conflituosas suposições pontuadas acima), ficam pertinentes outros tipos de indagação: será possível uma representação interiorizada do 'outro' a ser mutuamente partilhada entre profes­sor, ouvinte e alunos surdos usuários de línguas de sinais e não-falantes da moda­lidade oral da língua escrita, então tratada como língua-alvo, em salas de aula da área? Ou: se as línguas de sinais garantem aos surdos uma leitura discursiva de mundo, por quê isso não tem se estendido ao mundo discursivo da escrita desses surdos? Ou: como os professores ouvintes poderiam evitar os tais impasses en­contrados na construção da L2 escrita de alunos surdos usuários de línguas de sinais? Ou até: haverá alguma espécie de característica apenas própria de uma língua escrita que, como tal, causaria problemas na construção de textos por parte desses mesmos surdos, ou haveria algo mais por trás de tudo isso? E por aí vai...

De qualquer forma, cogitar sobre um leitor pressuposto - ou leitor modelo de Eco (1986) e de Orlandi (1996 : 9) será algo necessariamente indispensável, tam­bém quando se pensa na construção da L2 escrita de surdos falantes de quaisquer línguas de sinais. Nesse sentido, quem sabe fosse pertinente investigarem-se os processos pelos quais se constróem os divulgados impasses nessa construção, como sugere a pergunta inicial que formulei há pouco.

Por essas razões, ao terminar, afirmo que não podemos desistir de sempre defender, ostensivamente, a real importância das línguas de sinais na área. Mas, paralelamente a isso, também não devemos deixar sem investigação as questões concernentes a impasses em processos de interação discursiva na construção da L2 escrita de nossos alunos surdos usuários de LIBRAS, sob pena de nos perder­mos em digressões em nada promissoras, quando escolhemos atuar na área da educação especial dos surdos brasileiros.

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Aquisição de Língua Portuguesa por Aprendizes Surdos

Maria Cristina da Cunha Pereira*

O trabalho com a língua portuguesa sempre foi uma das grandes preocupações dos profissionais que trabalham com crianças surdas.

Apesar do grande investimento por parte dos profissionais, das famílias e dos alunos surdos, os resultados alcançados, em relação ao uso do português, têm sido insatisfatórios na maior parte dos casos.

Embora muitas razões possam ser apontadas, neste trabalho vou destacar apenas duas que considero particularmente importantes para serem tratadas nesta apresentação: as concepções de língua e de surdo que parecem subjacentes ao trabalho de linguagem com os alunos surdos.

Concebidos como deficientes, na medida em que não ouviam e, portanto, não usavam linguagem oral como os ouvintes, por quase 1 (X) anos insistiu-se em que os surdos aprendessem a língua da comunidade de ouvintes (majoritária) através da audição, o que os aproximaria desses ouvintes e eles propiciaria melhores condi­ções de se integrarem na sociedade, composta, na maioria, de ouvintes/falantes. Além disso, como apontam as estatísticas, cerca de 90% das crianças surdas vêm de famílias ouvintes e, portanto, falantes.

Muito esforço e tempo eram despendidos em treinamento auditivo e na pro­dução da fala, uma vez que isso propiciaria melhor recepção e produção da lingua­gem oral. Havia uma imagem de surdo que justificava todo o trabalho com a linguagem oral, afinal era dessa forma que o deficiente auditivo, poderia se tornar mais eficiente ou menos deficiente.

De modo geral os alunos surdos correspondiam ao esforço dos profissionais em oralizá-los e, com poucas exceções, conseguiam desenvolver algum tipo de linguagem oral.

Não cabe aqui avaliar a linguagem oral dos alunos surdos oralizados, porque, como sabemos, o nivel alcançado varia muito e depende de muitos fatores.

E a língua portuguesa, quantos alunos conseguiam desenvolvê-la? Em outras palavras, quantos alunos estavam operando na língua?

Ao observar a conversação entre mães ouvintes e crianças surdas (Pereira, 1997), verifiquei que a linguagem oral usada pelas mães ouvintes fazia tal efeito nas crianças que se fazia ver na forma de vocalizações e de movimentos articulatórios. No entanto, apenas em uma das crianças - Vanessa - se observaram exemplos que pareciam evidenciar o início de mudança da posição da menina na direção de uma sequência estruturada.

Vanessa (5;9.6) e mãe brincam com quebra-cabeça de figura humana. Falta a perna do boneco.

Vanessa olha para uma peça quebrada - perna de um boneco. V - Quebro perna. Quebro perna/papai. Mãe - A Vanessa quebrou a perna? V. - Quebro perna você/o papai. Vanessa fala sozinha enquanto monta o quebra-cabeça. V - Quebro o braço. Menino. Menina. Olha a mamãe. Papai. Papai.

A mudança de posição a que me referi acima está representada pelo fato de que

*Linguista do Instituto Educacional de São Paulo (IESP), da Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação - DERDIC/PUC/SP.

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o enunciado quebro perna/papai, evocado pela peça quebrada (perna de um bone­co) serve de esquema para um outro enunciado - quebro o braço. A substituição de perna por braço, que inicia uma longa sequência de palavras, mostra a capacidade de Vanessa de operar sobre estruturas, o que pode ser interpretado como indício de estar operando sobre a língua.

De modo geral, as crianças surdas chegam à escola sem uma língua com base na qual possam constituir o seu conhecimento.

Considerando a importância da língua para o desenvolvimento dos conteúdos, os professores procedem, então, ao ensino do português em um processo similar ao utilizado com crianças ouvintes, com a diferença de que estas chegam à escola com uma língua desenvolvida. Assim, embora com graus diferentes de uso da língua, tanto os surdos como os ouvintes são trabalhados da mesma forma na escola.

Ao se referir ao ensino da língua portuguesa na escola comum, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - afirmam que o mesmo tem sido marcado por uma sequenciação de conteúdos: ensina-se a juntar sílabas (ou letras) para formas palavras, ajuntar palavras para formar frases e ajuntar frases para formar textos.

Para que o aluno venha a falar e escrever bem, os PCNs propõem que as situações didáticas devem centrar-se no uso e na reflexão sobre a língua em casos de produção e de interpretação, como caminho para o aluno tomar consciência e aprimorar o controle sobre a própria produção linguística. Ainda, de acordo com os Parâmetros: "Produzir linguagem significa produzir discursos. Significa dizer alguma coisa para alguém, de uma determinada forma, num determinado contexto histórico"(p. 25).

Na educação de surdos, a mesma concepção de língua fundamentou e ainda fundamenta em grande parte o trabalho com linguagem.

Visando fornecer estruturas de linguagem, oral e escrita, simples e corretas muitos métodos de ensino de língua têm sido utilizados na educação de surdos, sendo o mais conhecido a Chave de Fitzgerald.

A Chave de Fitzgerald foi desenvolvida por Edith Fitzgerald, uma professora surda, com o objetivo de fornecer ãs crianças surdas regras através das quais pudessem gerar orações corretas no inglês, bem como encontrar e corrigir os pró­prios erros nas redações (Fitzgerald, apud Moores, 1996).

A Chave, como é conhecida, foi adaptada a diferentes línguas, foi usada em inúmeros países e tem servido de inspiração a outros métodos de ensino de língua a surdos e a crianças que apresentam dificuldade de organização gramatical.

A Chave é constituída por seis colunas que são colocadas em um cartaz, no qual estão escritas interrogações, indicando as diferentes partes da oração: a) quem, o que'?; b) verbo, predicado; c) o que, quem?; d) onde?; e) modificadores do verbo principal (para, de, como, quantas vezes?); f) quando? (Russell et al., 1976). A introdução das interrogativas segue uma ordem de complexidade sintático-se-mântica, começando com as que se referem ao sujeito, depois ao verbo e quando os alunos estão usando estruturas com sujeito e verbo, são introduzidos os comple­mentos, um por vez. Assim, a língua é inicialmente apresentada aos alunos com uma lista de vocábulos que eles têm de aprender e posteriormente combinar com outros, obedecendo às regras de formação do português, tanto nos níveis fonológico, como morfológico, sintático, semântico e grafemico.

De acordo com a Chave, os alunos deveriam construir suas orações de acordo com o modelo que estivesse sendo trabalhado, sendo que o mesmo seria treinado através de exercícios de substituição, objetivando a sua memorização e posterior generalização.

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Segundo Moores (1996), nos procedimentos analíticos a linguagem da criança surda é corrigida tendo em vista o grau de proximidade ao modelo do adulto e o domínio da língua é avaliado em razão do desenvolvimento do vocabulário; da extensão e complexidade das estruturas frasais; do uso de diferentes categorias gramaticais e da ausência de erros.

Embora muitos alunos surdos tenham chegado a utilizar estruturas frasais gramaticalmente corretas, a maioria apresentava fragmentos de uma língua. Usa­vam, muitas vezes, frases desestruturadas, nas quais faltavam elementos de liga­ção, flexões etc.

Em procedimentos como os relatados, que envolvem uma prática estruturada e repetitiva, a língua é concebida como um conjunto de regras que o aluno tem de aprender para falar e escrever bem. Não se fala em aquisição, mas em ensino e aprendizagem da língua.

A repetição, a memorização e a generalização de estruturas frasais é uma prática ainda hoje muito utilizada para o ensino de segunda língua a ouvintes e, ainda que estes já contem com uma língua que lhes permita estabelecer associações com a língua que está sendo aprendida, os resultados têm se mostrado insatisfatórios na maior parte dos casos. O aluno é capaz de usar as estruturas trabalhadas, mas tem dificuldade em dar continuidade a uma conversa.

Costuma-se dizer que a melhor forma de aprender uma língua é vivendo no país em que ela é usada, na interação com os usuários da mesma.

No entanto, assim como ocorre com falantes nativos, também no caso da segunda língua, o uso não implica conhecimento da gramática. Assim, qualquer trabalho com a língua, seja com alunos ouvintes ou surdos, que estão adquirindo a primeira ou a segunda língua, deve-se focalizar primeiramente o uso da língua em diferentes contex­tos e só depois proceder ao ensino/aprendizado da gramática.

Como refere Bakhtin (1986), a língua é inseparável do fluxo da comunicação verbal; não é transmitida como um produto acabado, mas como algo que se cons­titui continuamente em um processo de comunicação ininterrupto.

A atividade discursiva não se define pela apropriação de uma língua existente previamente ao sujeito, mas pela ação do sujeito com e sobre a língua. Embora o conhecimento dos recursos expressivos da língua sejam necessários à produção discursiva, eles não são suficientes pois a tarefa interpretativa não se restringe à decodificação do que é dito de modo explícito, assim como a expressão não se limita à produção de palavras e frases estruturadas corretamente (Trenche, 1995).

O conceito de discurso se assenta sobre a relação dialógica na medida em que é constituído pelos interlocutores, ou seja, todo texto supõe uma relação dialógica, se forma pela ação dos interlocutores. Teremos, então, diferentes espécies de texto, segundo as diferentes formas de relação que se estabelecerem entre locuto­res: um comício, uma conversa, uma aula (Orlandi, 1996).

Concebendo-se a língua como atividade discursiva, cabe ao professor o papel de interlocutor na constituição da linguagem pelos alunos. Sua tarefa, como refere Trenche (1995), não se restringe apenas a expor os alunos à língua, fixar seus padrões, exercitar e corrigir sua gramática. Sua participação é de co-autor, de interlocutor efetivo, isto é, de quem assume a responsabilidade de estruturar o discurso do outro.

Neste processo, tem papel importante a imagem que o professor tem das possibilidades linguísticas do aluno surdo. A imagem que se tem da criança surda é expressa no modo como falamos com ela, no modo como interpreta­mos suas manifestações, nas atividades que propomos a ela que desenvolva (Trenche, 1995).

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Considerando que a maior parte dos alunos surdos adquire, através da lingua­gem oral, apenas fragmentos da língua, um número cada vez maior de profissionais defende a importância dos surdos serem expostos à língua de sinais como primeira língua, já que, principalmente pelo fato de ser visual, é a que oferece mais condi­ções de ser adquirida pelos surdos e de ser usada como língua de instrução na escola.

A adoção da língua de sinais como primeira língua aponta para uma mudança na concepção de surdo. De deficiente, ele passa a ser visto como diferente, na medida em que o acesso ao conhecimento vai se dar por meio de uma língua processada através do canal visual/manual, que não oferece nenhuma dificuldade para os surdos.

Uma vez que a maioria das crianças surdas vêm de famílias ouvintes, cabe geralmente à escola a responsabilidade no desenvolvimento da primeira língua nos surdos. Como ocorre com as crianças ouvintes, espera-se que a língua de sinais seja adquirida na interação com usuários fluentes da mesma, os quais, envolvendo as crianças surdas em práticas discursivas e interpretando os enunciados produzidos por elas, as insiram no funcionamento desta língua. A língua de sinais preenche as mesmas funções que a linguagem falada tem para os seus usuários. É ela que vai propiciar aos surdos falar e discutir sobre a segunda língua.

Depois de adquirida, a língua de sinais será ensinada aos alunos como matéria, assim como acontece com o português para ouvintes. A matéria inclui não apenas prática no uso da língua em diferentes situações e com diferentes propósitos, mas também conhecimento sobre a língua e sua estrutura, sua história e seu uso (Svartholm, 1997).

Adquirida a língua de sinais, terá um papel fundamental na aquisição da segun­da língua, o português, que será adquirida através da leitura c da escrita. É ela que vai possibilitar, em um primeiro momento, a constituição de conhecimento de mundo, tornando possível aos alunos surdos entenderem o significado do que lêem, deixando de ser meros decodificadores da escrita. Por sua vez, a língua escrita, por ser totalmente acessível à visão, é considerada uma fonte necessária a partir da qual o surdo possa construir suas habilidades de língua.

No entanto, mesmo sendo acessível aos surdos, a escrita, assim como qualquer comportamento simbólico, não é transparente e, nesse sentido, faz-se necessária a participação de um outro que, ao interpretar a escrita para a criança, interrogando-a sobre o sentido do que escreveu, insere a criança no movimento linguístico discursivo da escrita.

Svartholm (1997) propõe que se deva mostrar ao aluno surdo que a língua escrita realmente significa algo, evocando este significado em outra língua, a língua de sinais. Traduzir textos e mensagens escritas de diferentes tipos na língua de sinais é, para a autora, uma base importante para sua aprendizagem posterior. Os textos, por si só, não comunicam nada para a criança surda. Não há pistas no contexto imediato a partir das quais a criança possa fazer hipóteses sobre o con­teúdo. A única forma de assegurar que os textos se tornem significativos para os alunos surdos é por meio da tradução da língua de sinais. Além disso, às crianças surdas devem ser apresentados tantos textos quanto possível, procedendo-se, sempre que necessário a comparações entre as duas línguas.

Lane, Hoffmeister e Bahan (1996) enfatizam a importância dos textos como fonte importante de conhecimento e lembram que, quanto mais se lê, maior é a amplitude e a profundidade do que se pode entender. Criticam os materiais de leitura de baixo nível apresentados aos alunos surdos, os quais contribuem em grande parte para as dificuldades de leitura que esses apresentam. Para que leiam

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e escrevam, as crianças surdas, assim como todas as outras necessitam ter conhe­cimento de mundo de forma que possam recontextualizar o escrito e daí derivar sentido. Necessitam de conhecimento sobre a escrita para que possam encontrar as palavras, as estruturas das orações, assim como para criar estratégias que lhes permitam compreender os textos lidos (Lane, Hoffmeister e Bahan, 1996). Ao adotar práticas educacionais onde o foco é o vocábulo isolado, a escola leva os alunos a prestarem atenção às palavras individualmente, preocupando-se em en­tender o significado literal das palavras c não buscando um sentido mais amplo no texto.

Concluindo, neste trabalho, procurei mostrar que, inseridas em práticas discursivas através da língua de sinais, as crianças surdas vão construir conheci­mento de mundo e de texto, os quais serão fundamentais para a aquisição posterior da leitura e da escrita. Não se pode esquecer, no entanto que o processo de atribuição de sentido envolve a intervenção de um outro. No caso dos surdos, este outro deve ser bilíngue, o que lhe possibilita aluarem como intérpretes e co-autores na constituição do conhecimento das duas línguas. (Pereira e Souza, 1999).

Ao analisar a produção escrita de estudantes surdos, Pereira e Souza observa­ram que as hipóteses linguísticas, estabelecidas em sinais, são usadas para conferir significado ãs formas do português, em um processo similar ao que se observa no aprendizado de uma segunda língua.

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Aquisição de Língua Portuguesa por Aprendizes Surdos

Aquisição do Português Escrito por Aprendizes Surdos como um

Desafio para o Próximo milênio

Deize Vieira dos Santos*

O tema Surdez: Desafios para o Próximo milênio, do presente seminário, induz a inúmeras reflexões, colocando-nos, enquanto educadores, em uma situação que requer uma tomada de posição frente à emergência de mudanças impostas pelo momento histórico advindo da virada do século, concomitantemente, ao início do terceiro milênio.

Esta questão nos remete à problemática linguística do surdo, posto que as novas reivindicações, para uma postura adequada em relação à sua educação, merecem ser consideradas á luz dos princípios teóricos atuais da Linguística, enquanto ciência da linguagem, que é a capacidade mais fundamental do homem. A Linguística explora a natureza da linguagem e das línguas, procurando descrever como as línguas humanas são estruturadas, funcionam, se desenvolvem e mudam através dos tempos e, procura entender como as pessoas aprendem e usam as línguas. Enquanto ciência, relativamente jovem, procura lutar com algumas das questões mais desafiadoras de nossa época que incluem o relacionamento entre língua, linguagem, pensamento e cultura e o entendimento da natureza dos siste­mas cognitivo e cerebral que dão suporte à aprendizagem e uso das línguas. Entre várias perguntas endereçadas à Linguística, destacam-se as seguintes: a) Quais são os traços que todas as línguas têm em comum? b) De que maneira as diferentes línguas do mundo diferem umas das outras? c) Como as línguas são adquiridas? d) Por que as crianças são melhores aprendizes do que os adultos? Como toda ciên­cia, a Linguística não escapa a sua própria evolução e à medida que se desenvolve, novos desafios surgem, tornando suas áreas de atuação ainda mais fascinantes. Elencadas as quatro perguntas anteriores, podemos acrescentar pelo menos mais três: e) De que maneira as línguas de sinais são diferentes das línguas faladas? f) De que maneira as línguas de sinais são iguais às línguas faladas? g) Que princípios subjazem à construção das palavras, frases e sentenças nas línguas faladas e nas línguas de sinais?

Com o advento dos estudos linguísticos das línguas de sinais, novas perguntas surgiram e a comunidade científica se deu conta de que formulações teóricas sobre a capacidade da linguagem humana negligenciaram a existência dessas línguas. A inserção dos estudos linguísticos das línguas de sinais coloca-se como um dos desafios de grande relevância, pois têm revolucionado convicções adotadas como verdades absolutas no campo da linguagem, como por exemplo: "O canal para toda comunicação linguística é o auditivo", afirma Hockett (1963), que excluiu, explici­tamente, outras modalidades do universo do discurso. Fischer (1973), forneceu um contra-cxemplo óbvio para a afirmação de Hockett, que é o falo das pessoas nascerem completamente surdas, e por isso não poderem usar o canal auditivo

*Mestre em Linguística pela UFRJ; Professora Assistente II. no Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de Letras, UFRJ.

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para input linguistico. Ainda assim, alguns surdos dominam a língua falada - o input deles é a leitura labial, e eles podem falar. Ninguém hesitaria em dizer que tais pessoas têm língua, ainda que o input seja visual.

O caso dos surdos que utilizam a leitura labial e a fala para se comunicar é um caso de canal vocal-visual mais do que vocal-auditivo. A média de surdos, contu­do, quando se comunica com outros surdos, utiliza um canal gestual-visual; isto é, eles empregam alguma espécie de língua de sinais.

Brito e Santos (1996), acreditando ser útil a adoção de uma postura filosófico-educacional frente à surdez, recorreram ao conceito de paradigma utilizado por T. Kuhn 11979). Segundo o autor, o desenvolvimento do conhecimento se faz através de crises ou de revoluções científicas que marcam a passagem de um paradigma para outro. Durante o momento da crise, as crenças e valores do paradigma imedia­tamente próximo passado são questionados e rechaçados cm prol de preceitos teóricos novos, ditos revolucionários.

Fazer uma verdadeira revolução na condução do processo educacional dos surdos, no sentido de Kuhn, perpassa precipuamente pelo desafio lançado por Ottmar Teske (1998) que exige de nós a transformação do nosso olhar conservador que se oculta detrás de intcncionalidades normalizantc e normatizante, adotando uma cisão epistemológica capaz de romper com o maniqueísmo patológico que orienta 0 pensamento das políticas educacionais equivocadas e neste sentido,

"...Necessariamente, ao defender novas epistemologias é preciso romper to­talmente com as concepções teóricas clínicas, mas também refletir seriamente o que significa reconhecer e praticar a diferença..." Praticar a diferença, no caso particular dos surdos, é garantir o seu direito

linguístico, adotando uma abordagem bilíngue na condução de seu processo educa­cional.

Nossas reflexões, indubitavelmente, nos enveredam à complexidade dos pro­cessos educativos, que não são mais concebíveis se não através de caráter liberta­dor, nos termos de Edler-Carvalho (1992).

No que diz respeito às pessoas portadoras de necessidades educativas especi­ais, lamentamos que existam, ainda hoje, à beira do terceiro milênio, fortes indícios de um triste cenário delineado pela trajetória histórica da marginalização, do pre­conceito, do desrespeito, do descaso e da falta de prestígio social.

No caso particular dos surdos, eles diferem de nós por um único e simples fato: não podem se comunicar através da audição. Esta especificidade impõe a premência da inclusão da língua de sinais em seu processo educativo, que necessa­riamente deve seguir uma abordagem de ensino bilíngue. Queremos enfatizar que o fato de se conceberem as línguas de sinais como línguas maternas para os surdos, não é decorrente de uma escolha arbitrária dos especialistas da linguagem. Ele decorre da constatação de pesquisas realizadas, na área da aquisição de língua, que demonstraram que as crianças surdas, filhas de pais ouvintes, expostas à língua oral, tendem a inventar formas gestuais similares às formas utilizadas pelas crian­ças surdas filhas, de pais surdos, expostas à língua de sinais. A tendência à nativização interage com o input linguístico e o ambiente social ao qual a criança pertence. Mesmo crianças que não recebem input de língua de sinais em casa, por serem filhas de ouvintes, ainda assim elas inventam, espontaneamente, formas que envolvem princípios espaciais como aqueles princípios encontrados nas línguas de sinais nativas. Inovações/criações de formas parecidas com os sinais da língua de sinais convencionais estão teoricamente sustentadas pela hipótese da inatismo ou nativização, (Andersen 1983a; Goodhart 1984; Gee e Goodhart 1985, 1988; Mounty 1984, 1986), que propõe a existência de uma capacidade biológica huma-

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na para a linguagem. Esta capacidade biológica é representada por uma série de normas internas para a linguagem. Se por algum motivo existir uma inacessibilidade ou inadequabilidade do input linguístico em situação de aquisição de desenvolvi­mento da linguagem, o homem construirá sua gramática com bases nos princípios das normas internas. Este processo é chamado de nativização. Se, por outro lado, 0 input linguístico é acessível e adequado, o homem construirá sua gramática com base no input e, assim, se desviará mais ou menos de suas normas internas (dentro do limite permitido por essas normas). A este processo, dá-se o nome de desna-tivização. Então, a nativização é a construção de gramáticas baseadas nas normas internas biologicamente específicas.

Para Chomsky (1986), a criança adquire a língua com um conhecimento intui­tivo de conceitos como objetos físicos, intenções humanas, vontade, objetivo etc, que formam as estruturas para o pensamento e para a língua. Segundo ele, este conhecimento intuitivo é universal. As crianças, de alguma forma, detêm os con­ceitos antes da experiência com a língua c sua tarefa é basicamente aprender os rótulos para os conceitos que já fazem parte de seu aparato conceptual. Este sistema de conhecimento fornece as interpretações das expressões linguísticas, constituindo os mecanismos de aprendizagem que são específicos à faculdade da linguagem.

Chomsky afirma que a maioria das estruturas e processos envolvendo a aqui­sição, compreensão e produção de língua são universais.

Estudos sobre aquisição de língua podem contribuir para a identificação de princípios universais entre as modalidades de línguas e para levantar questões que podem ser específicas da modalidade.

Como consideramos que, na educação de surdos brasileiros, duas línguas se fazem necessárias, quais sejam a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e o portu­guês, o processo de aquisição de escrita em português por eles requer a interme­diação da língua de sinais. O domínio de uma língua de sinais é um fator importan­tíssimo para o desenvolvimento das habilidades de uso dos mecanismos e estraté­gias cognitivas, semânticas e pragmáticas geradoras de coesão c coerência textuais.

Santos (1994), assumiu o funcionamento da língua de sinais como língua ma­terna dos surdos, evidenciando a necessidade de um ensino da escrita como segun­da língua, a partir da análise da coesão e da coerência na produção escrita de 15 informantes adultos surdos, distribuídos numa faixa etária de 18 a 40 anos, de ambos os sexos, com nível mínimo de escolaridade equivalente ao primeiro grau incompleto e nível máximo equivalente à pós-graduação lado sensu. O corpus foi constituído de 67 cartas pessoais. Os princípios que nortearam sua análise foram: - se um surdo só tiver aprendido a falar, não terá uma língua com plena compe­

tência e fluência; - apesar de alguns surdos, altamente oralizados demonstrarem ser fluentes em

língua portuguesa eles representam uma minoria, pois o processo de aquisição de uma língua oral pelos surdos não se dá de forma espontânea e não segue os padrões de aquisição de uma língua materna; portanto, a fluência de um surdo em uma língua oral estará sempre em desvantagem em relação à fluência que ele pode adquirir em uma língua de sinais;

- aprender uma língua oral significa, para o surdo, aprender uma segunda língua, isto é, aprendê-la como um estrangeiro;

- aprender a escrever uma língua não requer fluência na fala dessa língua alvo; - os surdos filhos de surdos geralmente são melhores escritores do que os surdos

filhos de ouvintes; - paradoxalmente, as línguas de sinais podem interferir negativamente na produ-

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ção de escrita em sua estrutura superficial e, ao mesmo tempo, contribuir, de maneira substancial, para a obtenção de coesão e coerência textuais, isto é, contribuir para a estruturação profunda do texto;

- escrever é um processo cognitivo que atribui mecanismos de coesão e coerên­cia ao texto, apesar da escrita de surdos apresentar, em sua estrutura superfi­cial linear, desvios gramaticais e, até mesmo, omissão de algumas estratégias de coesão.

No intuito de verificar se a aquisição de escrita do português, para os surdos brasileiros, significava o aprendizado de uma língua estrangeira, também foram analisadas cartas de ouvintes estrangeiros, não muito fluentes em português e que apresentavam certas dificuldades na escrita.

Comparando-se as inadequações gramaticais dos surdos com as do ouvinte inglês, verificou-se haver muitas semelhanças entre elas, fato que confirmou a hipótese de que, para os surdos, uma língua oral funciona como segunda língua.

Este estudo sustentou a hipótese que preconiza que os surdos que dominam a LIBRAS, principalmente aqueles filhos de pais surdos, demonstraram competên­cia maior, na produção de textos coesos e coerentes.

Apesar do que foi dito, não se pode ignorar que todas as cartas de nossos informantes, tenham eles domínio pleno ou não da LIBRAS, apresentaram inadequações gramaticais. Cabe ressaltar, no entanto, que nenhum dos informan­tes foi submetido a uma metodologia de ensino de português como língua estran­geira.

Ferreira Brito afirma que o português escrito pode ser plenamente adquirido pelo surdo, se a metodologia recorrer à estratégias visuais, essencialmente à LI­BRAS, não enfatizando a relação letra-som, e se essas estratégias forem similares àquelas utilizadas no ensino de segunda língua ou língua estrangeira. Acrescenta que a fala tem papel fundamental no processo de aquisição da escrita, mas apenas no que diz respeito à estruturação dos conceitos e das ideias, sendo pois, perfeita­mente possível substituí-la pela LIBRAS, que na realidade, nada mais é do que a fala dessa modalidade gestual-visual de língua.

Com a professora Miriam Lemle, do Departamento de Linguística da UFRJ, estamos buscando um caminho que possa ser mais adequado na condução do ensino de português para o surdo, partindo da premissa de que o português é uma segunda língua, mas os problemas de ensino de segunda língua adquirem, neste caso, uma particularidade ímpar, porque a primeira língua do surdo, LIBRAS, é gestual-visual. Nessa língua, os recortes semânticos e sintáticos são muito diferen­tes dos da língua portuguesa ou de qualquer outra língua oral e, portanto, não é eficaz utilizar os mesmos métodos de ensino que se usam para ensinar português a estrangeiros ouvintes. O método de ensino de português para surdos que estamos experimentando não se preocupa em desenvolver as capacidades vocais, mas visa somente as capacidades de leitura e escrita. Acreditamos ser possível ajudar o surdo a tirar proveito da acuidade visual, fornecendo-lhes pistas para identificar informações essenciais da análise sintática que fornecem a diretriz para a interpre­tação semântica. Por exemplo:

• na morfologia derivacional, identificar raízes, prefixos e sufixos capacita a pessoa a fazer generalizações que economizam memória lexical. Por exemplo: belo, beleza, embelezar, embelezamento; alimento, alimentar, alimentício; chegar, che­gada; fumo, fumar, fumegar, fumegante, fumaça, fumacento, fumaceira etc.

Nosso propósito é conduzir o surdo a ver o que há de comum nas palavras que

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compartilham a mesma raiz e nas que compartilham os mesmos afixos. • na morfologia flexionai, identificar as marcas de tempo, pessoa e número

característicos da conjugação de verbos, as marcas de gênero e número, caracterís­ticas dos nomes e as correspondências típicas do fenômeno de concordância ver-bo-nominal.

• na sintaxe identificar processos bem gerais nos quais existam regularidades entre a configuração sintática e a interpretação semântica, por exemplo; relação entre sentença ativa e sentença passiva: identificar as marcas morfológicas típicas da passiva (particípio passado, auxiliar ser) e a ordem de palavras características dessa construção, em que o sujeito da passiva corresponda ao objeto da ativa; sentenças interrogativas: identificar a anteposição das expressões que são o alvo da pergunta, que em sua maioria possuem uma marca morfológica qu (quem, qual, o que, quando, quantos, porque etc.)

Pretendemos orientar o olhar do surdo no sentido de procurar as pistas que sinalizam essas formas sintáticas, cuja detecção orienta a interpretação semântica.

Voltando ao tema deste seminário, diríamos que dois grandes desafios se im­põem à condução da surdez para o próximo milênio: o primeiro é romper com a visão clínica que se tem sobre ela e o segundo é reconhecer politicamente potencialidades que os surdos possuem. Ao atingirmos o primeiro, estaremos preparados para seguirmos no encalço do segundo. Esta tarefa está longe de se realizar tranquilamente, porque exige mudanças individuais.

Referências Bibliográficas

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Prática Escolar com Profissionais Surdos

Luciane Rangel*

Resumo da palestra

Gostaria de falar antes de apresentar o vídeo do meu trabalho e também agradecer pelo convite da Comissão Organizadora do Seminário do INES.

Desde o ano passado, fui chamada pela diretora do Centro de Atendimento Pedagógico Especializado - CAPE, Lucy Pimentel, para trabalhar no berçário atendendo a faixa etária de zero a dois anos com a proposta bilíngue.

As crianças surdas precisam de professor surdo para seu modelo e também de usar a língua de sinais, para adquirir cultura para chegar à sua identidade surda.

Também importantíssimo para os pais da criança surda é descobrir o mundo dos surdos, trocar experiências com adultos surdos. Mostro minha capacidade, posso trabalhar como professora chegando a terminar uma faculdade, mas enfren­to minha dificuldade. A presença de adultos surdos na escola, como professores, monitores e auxiliares diminui a preocupação dos pais da criança surda, aumentan­do a confiança de dar um futuro melhor para seu filho.

Este ano, a minha jornada de trabalho é de quatro horas no turno da manhã. Todos os meus alunos são surdos e têm a faixa_ etária de 2 a 4 anos. Trabalho naturalmente e uso a língua de sinais como nossa língua materna.

Elaboro também material didático para crianças surdas o que serve também para a família aprender a língua de sinais e a se comunicar com seu filho surdo. Trabalho na LSB com Nelson Pimenta e Ana Regina Campello.

Apresento o vídeo para que todos vejam o meu trabalho, no maternal.

*Professora da Apada de Niterói

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Prática Escolar com Profissionais Surdos

Paulo André*

Em 1992, eu estava pela primeira vez na turma só de surdos, já que antes havia estudado numa escola oralista, com mistura de ouvintes e surdos, onde éramos a minoria, em. mais ou menos, dez por cento.

Neste ano comecei a conhecer a verdadeira cultura surda e sua língua, que se chama língua brasileira de sinais, LIBRAS, e então, comecei a entender o conteúdo de cada matéria com a ajuda dos professores que sabiam um pouco de língua de sinais; aí descobri que a LIBRAS é uma verdadeira aquisição para se aprender tudo. Criamos, junto com as professoras, um monitor dentro da sala de aula, que tinha o domínio de duas línguas, o bilinguismo. Então fui o primeiro monitor durante dois anos, e depois que terminei o segundo grau, todos ficaram preocupa­dos com a minha saída, então começamos a nos reunir com a diretora, para criar um projeto de bilinguismo com ajuda de monitor. Então fui o primeiro monitor contra­tado profissionalmente para trabalhar no INES. Trabalhei no SEDIN durante um ano até a chegada do novo aprendiz de monitor, a Adriana Veiga que trabalhou comigo mais outro ano, com sucesso. A diretoria investiu mais em monitores para o INES: Leandro: Biblioteca Infantil; Heloisc: SEJAD; Nelson: Biblioteca Infantil e Teatro; Alex: SECAF, da 2" a 4a série, e eu no SECAF no C. A. e 1a série.* O nosso trabalho não é como material, e sim um modelo e identidade para os alunos surdos conhecerem a realidade dos surdos e sua cultura. E também temos capaci­dade de ensinar bem, planejar bem, ter uma boa relação com todos os professores que trabalham conosco. Não precisamos ter uma formação pedagógica e, esperar um surdo se formar vai ser difícil! Aproveita trabalhar com monitor sem proble­mas. O monitor precisa ter um domínio em LIBRAS e português (regularmente), ter uma cultura e identidade surda, saber ensinar e planejar bem na O. P. Gostarí­amos de exibir o nosso trabalho no vídeo agora, infelizmente não teremos muito tempo que a nossa palestra tem que ser organizada melhor, para mostrar novamen­te acreditamos que vai ter um vídeo para mostrar o nosso trabalho. Bom, agora apresento todos os monitores aqui c suas funções. Agradeço muito pelas suas atenções.

Eu agradeço muito por todos os professores que trabalharam muito comigo, tiveram paciência comigo; uma boa relação com eles ajuda muito no desenvolvi­mento de aprendizagem dos alunos. Eles são maravilhosos, pacientes, compreen­síveis etc.

* Monitor do INES/SECAF - Turmas de primeira a quarta séries do Ensino Fundamental

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Prática Escolar com Profissionais Surdos

Heloise Gripp Diniz*

A minha presença nas salas de aula auxilia o professor ouvinte na transmissão e aprofundamento dos conteúdos de ensino de cada série em Lingua de Sinais a partir do planejamento feito pelos docentes.

Projeto de pesquisa sobre aquisição de Língua de Sinais por jovens e adultos surdos

A minha experiência nesta pesquisa começou em 1999 com uma turma de aprendizes do SEJAD com pouco uso de Língua de Sinais e mais gestos e mímica. Sendo eu modelo de pessoa surda-falante nativa de Língua de Sinais, procuro possibilitar aos aprendizes a aquisição da Língua de Sinais, e dos conhecimentos a respeito da Comunidade Surda c sua cultura, em aulas semanais, com a participa­ção de uma observadora/pesquisadora, professora ouvinte.

Todas as turmas do SEJAD também participam de aulas de conversação, uma vez por semana, que têm como objetivo aprimorar o uso da Língua de Sinais e ampliar o conhecimento de mundo através de debates com temas da vida cotidiana e de fatos noticiados pela mídia: violência, saúde, drogas, emprego etc.

Projeto do curso básico de Língua de Sinais para familiares dos aprendizes surdos

O objetivo deste curso é oferecer ao familiar, o aprendizado de Língua de Sinais para se comunicar com seu filho/neto/sobrinho surdo..., melhorando a con­vivência dentro da vida familiar e social e também proporcionar maior conheci­mento sobre comunidade surda e sua cultura.

Eu e outra monitora, Adriana Veiga planejamos desde o ano passado este curso, com turmas de pelo menos quinze familiares. O curso apresenta caracterís­ticas diferentes de outros cursos de Língua de Sinais para pessoas ouvintes, por­que procura partir das experiências entre familiares ouvintes e filhos surdos, vivi­das nas situações do dia a dia.

*Monitora do Setor de Educação de Jovens e Adultos - SEJAD/INES - turmas de 1" e 4' séries do Ensino Fundamental.

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Prática Escolar com Profissionais Surdos

Leandro Elis Rodrigues*

Apresentação

Tenho cinco anos de experiência como monitor na Biblioteca Infantil do INES, tendo trabalhado antes como assistente de alunos em 1995; depois fui convidado pela diretora do departamento pedagógico para fazer estágio na Biblioteca Juvenil com o monitor Nelson Pimenta.

Nas Bibliotecas Infantil e Juvenil conheci as primeiras histórias que, enquan­to criança, não dava valor porque não entendia o quanto elas ensinavam e como eram divertidas.

Com Nelson Pimenta, aprendi a entender as histórias e também como ensiná-las em Libras aos alunos surdos. Assistia às aulas do monitor Nelson Pimenta e participava como se fosse aluno: respondendo as perguntas e dando opinião sobre as histórias.

Comecei a trabalhar na Biblioteca Infantil orientado pela professora dinamizadora de leitura, na escolha das histórias e na postura pedagógica com os alunos. Participo semanalmente das reuniões pedagógicas junto à equipe de pro­fessores da Biblioteca.

Meu Trabalho na Biblioteca Infantil com Alunos do Pré-Escolar, Alfabetização e 1a Série

Com o apoio dos professores ouvintes escolhemos a história, leio e depois destacamos os pontos importantes, os personagens e suas características, senti­mentos c cunho moral (se houver). Conto as histórias em LIBRAS; faço a dramatização com as crianças; brincamos fazendo trocas de personagens etc.

Para sistematizar a língua de sinais: • Discutir a história; • Perguntar e responder; • De que gostou? De que não gostou? • Como eram os personagens? • Cada aluno conta a história.

Conclusão

No início, foi difícil a aceitação da minha presença, por parte das crianças na sala de leitura. Elas viam em mim o assistente de aluno. Chegaram a me mandar embora da sala de leitura. A professora explicava que eu era surdo igual às crianças surdas e podia ajudar com LIBRAS. Começaram a ficar mais atentos, mais interes­sados em entender e mais "perguntadores", querendo explicações.

Pude concluir como as crianças surdas, por causa da falta de um ensino em LIBRAS, perdem muito em relação às crianças ouvintes; principalmente os conhe­cimentos iniciais, os sentimentos, as noções de certo e errado, bem e mal, alegria e tristeza, fantasia e realidade. Por isso é importante o uso da LIBRAS nesse conta­to com a cultura literária, desde as séries iniciais.

Esse trabalho foi muito importante para minha vida pessoal, porque aprendi o quanto as histórias infantis aconselham, divertem e ajudam no desenvolvimento das crianças, além de permitirem sua disseminação futura através de nossos filhos. E uma valiosa herança.

•Monitor da Biblioteca Infantil do INES.

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Prática Escolar com Profissionais Surdos

Adriana Veiga*

Eu fui estudante do INES de 1992 até 1995. No final do ano de 1995, me interessei pelo Hino Nacional interpretado pela

Professora. Emeli Marques; resolvi procurá-la e saber mais e também aprender a "cantar" com as mãos o Hino Nacional. Durante os dois anos eu mesma me esforcei para ler o texto do hino e para interpretá-lo em Língua de Sinais para melhorar o meu contexto.

Até que encontrei o Nelson Pimenta que me ajudou a entender a relação do poema na interpretação da Língua de Sinais, através da arte das configurações das mãos. Depois eu continuei esse trabalho com seis monitores profissionais surdos do INES, até 1999. '

Nesse ano nós fizemos o workshop do Hino Nacional Brasileiro no INES. Agora realizaremos um novo trabalho que é a gravação e distribuição das fitas

de vídeo com o Hino Nacional Brasileiro, em LIBRAS, nas escolas da rede pública.

'Monitora do INES/SEDIN e intérprete do Hino Nacional Brasileiro em Língua de Sinais.

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Escolarização de Aprendizes Surdos -Escola Regular e Escola Especial

Lenir Terezinha N. Dutra*

Estamos representando com muito orgulho a Escola de Ensino Médio Concór­dia para Surdos, de Santa Rosa, município gaúcho da Região Noroeste do estado.

A escola surgiu da necessidade do atendimento adequado aos portadores de surdez que estavam abandonados numa escola regular, nas chamadas Classes Es­peciais e que não evoluíam permanecendo sempre na alfabetização, ano após ano.

Nasceu de um grande movimento comunitário dos pais de surdos, da Igreja Luterana, dos órgãos públicos com o objetivo de proporcionar ao surdo o direito de exercer a sua cidadania.

Em setembro de 1986 com a colaboração da Escola Concórdia para Surdos, de Porto Alegre surgia a Escola Especial Concórdia para Deficientes Auditivos de Santa Rosa, com 21 alunos na pré-escola e na 1ª série. Alunos que hoje estão cursando Ensino Médio e alguns, no mercado de trabalho.

A mantenedora Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos -APADA tem a responsabilidade de buscar recursos para a sua manutenção. Como é uma escola filantrópica recebe auxílio governamental, não-governamental e inter­nacional.

Hoje construindo seu espaço próprio para atenderem média a 200 alunos, do ensino infantil, fundamental, médio e futuramente, ao profissionalizante e ensino supletivo atingindo um número maior de surdos daquela região.

Durante todo esses anos tivemos preocupação em buscar novos conhecimen­tos, novos métodos, técnicas, sempre que possível participando de cursos, semi­nários, conferências. Mas devido às dificuldades financeiras e à distância dos grandes centros, passamos a realizar todos os anos um seminário para troca de experiências com pessoas da região e com outras dos estados do sul, trazendo palestrantes para ampliar os conhecimentos da comunidade escolar.

Nessa busca de referencial houve uma história da participação de duas estagi­árias surdas da Inglaterra, que atuaram junto à comunidade surda, trocando expe­riências c elevando a auto-estima dos alunos..

A escola conta com uma equipe multidisciplinar; o serviço dessa equipe é essencial, pois além do aluno, também é assistida a família. O atendimento fonoaudiologia) conta com aparelhos audiométricos que possibilitam a avaliação e o acompanhamento audiológico dos alunos.

O corpo docente é composto de 21 professores, todos habilitados na área de deficiência auditiva.

Aos alunos, professores e as famílias é dada a assistência religiosa por um pastor e por professora de religião.

Nosso ano letivo pode atingir a três semestres, currículo igual ao da escola regular. E utilizamos a LIBRAS como forma de comunicação.

Quanto à proposta pedagógica da escola temos como meta buscar um edu­cando consciente onde o surdo possa ser um cidadão com coragem de vencer. Propomos uma educação libertadora que visa transformar, para melhor, nossa sociedade; que ela seja mais humana, menos excludente e mais justa e que os educandos tenham o firme propósito de serem agentes dessa transformação. Que o aluno se sinta chamado a participar, motivado, comprometido com a educação na construção de seu conhecimento. Assim almejamos uma educação justa, con­dizente e digna para todos, sem preconceitos; que o surdo seja reconhecido e

*Diretora da Escola Especial de Ensino Médio Concórdia para Surdos, Santa Rosa - RS

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respeitado como cidadão, bem como a sua própria cultura. A metodologia que utilizamos é a comunicação total, onde trabalhamos com o

método de experiências, pois procuramos fazer com que os alunos participem, experimentem, testem, levantem hipóteses e juntos construam seu próprio conhe­cimento. Incentivando a criatividade de docentes e discentes; despertando a cons­ciência crítica dos alunos através de filmes, textos, diálogos, passeios..., refletindo sobre o momento atual e sobre o meio em que estão inseridos; pesquisas de campo; viagens de estudos; trabalhos individuais e em grupos com troca de informações entre os próprios alunos c deles com o professor; resgate do gosto pela leitura, reavaliação do trabalho desenvolvido sempre em busca de melhoria.

A avaliação do aproveitamento é feita pela observação constante do aluno, considerando as áreas pedagógicas, psicológicas e social nos trabalhos individuais ou em grupo e nas atividades complementares.

Como escola temos muitos objetivos a alcançar os quais dependem de uma ação conjunta onde, de várias formas, procuramos integrar a escola à comunidade através de reuniões, programas educativos, festas e comemorações.

Nestes anos de atuação conseguimos quebrar diversas barreiras e preconceitos em relação ao potencial do surdo. Hoje, consegue-se aos poucos ingressar no mercado de trabalho com o auxílio da equipe técnica assessorando desde o início das atividades na adaptação do surdo e na aceitação do ouvinte.

Na construção da nova escola está planejado um espaço próprio para diversas oficinas profissionalizantes para facilitar o seu ingresso no mercado de trabalho.

Nesses 14 anos a nossa caminhada foi árdua e compensatória, nos sentimos gratificados diante do progresso dos nossos alunos, que hoje vemos conquistando seu próprio espaço dentro da sociedade.

Nos sentimos impulsionados a continuar; na certeza de que muito ainda fare­mos para possibilitar um atendimento integral ao nosso aluno e vê-lo exercer efetivamente a sua cidadania.

Agradecemos essa oportunidade de participar deste grande e importante evento.

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Escolarização de Aprendizes Surdos -Escola Regular e Escola Especial

Sônia Maltez*

Para abordar o tema da escolarização de surdos procuro refletir inicialmente acerca da função primordial da escola que é a de possibilitar a todos os seus alunos a apropriação de conhecimentos, habilidades e valores, de forma crítica e transformadora, de modo a instrumentalizá-los para a participação na vida social.

A partir desta reflexão procuro analisar, então, alguns aspectos que merecem ser considerados e que dizem respeito, principalmente, aos procedimentos que a escola vem adotando quanto à oferta educacional que vem proporcionando ao seu alunado, de forma geral. A escolarização de alunos surdos, deve ser pensada no conjunto dessas considerações e não de forma isolada como pretendem alguns pesquisadores desta área.

Inicio me perguntando se a escola brasileira tem dado conta de oferecer respos­tas educacionais de qualidade a todos os seus alunos. Obviamente a resposta é negativa pois a mesma ainda não conseguiu se estruturar de modo a atender às diferenças. Por não conseguir se estruturar de modo a atender às diferenças. Por não conseguir superar a tendência à homogeneização que se ancora no ideal hegemônico não tem encontrado estratégias para reduzir os altos índices de evasão e repetência, que, por décadas, vem sendo uma de suas principais marcas.

As consequências, quase sempre, revelam-se através de encaminhamentos indevidos para a Educação Especial, demonstrando uma atitude contraditória, considerando-se que um número significativo de alunos portadores de deficiência encontram-se integrados em classes regulares.

Seria apenas uma questão de aceitação? Entretanto, respeitar as diferenças significa não apenas aceitá-las, mas organi­

zar-se para responder educacionalmente a cada uma delas. Este tem sido o grande impasse que as instituições escolares têm vivenciado

pois na ausência de respostas educacionais diferenciadas e de qualidade, um grande número de alunos das camadas populares têm encontrado problemas para atingir melhores níveis de escolarização.

Como afirma Bueno (1999):

"- O fracasso escolar que se abateu sobre os surdos reflete, deforma pecu­liar, um processo de dominação não dos "ouvintes " sobre os que não ouvem, mas de grupos dominantes, tanto do ponto de vista econômico, como do social e cultural, sobre as camadas desprivilegiadas da população. " (p. 7)

Um levantamento rápido acerca da escolarização de surdos que fazem parte de camadas sociais mais privilegiadas permite comprovar tal afirmativa. A esses alunos não somente é permitido avançar em seu processo escolar mas ter acesso a serviços de saúde e reabilitação de qualidade.

O grande desafio, portanto, é o de criar estratégias para que os alunos das camadas populares e, dentre esses, os alunos surdos tenham atendidas todas as suas necessidades através de respostas educativas de melhor qualidade. A escola muitas vezes não consegue perceber que sem querer fortalece os mecanismos sociais de exclusão.

Um segundo aspecto a ser elucidado diz respeito à modalidade de atendimento mais adequada para este segmento de alunos.

*Diretora do Instituto Helena Antipoff da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Professora da Faculdade de Educação da UERJ. Mestre em Educação.

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Embora a Declaração de Salamanca (1994) assegure que:

"- O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter. " (p.5)

Em suas Linhas de Ação (item 19) afirma que:

"- Devido às necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provi­da em escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares (p. 7)

Que resultados as escolas especiais ou classes especiais têm apresentado a ponto de se propor tal exceção? Até o momento, não tem sido possível constatar respostas educacionais mais positivas no trabalho desenvolvido por estas moda­lidades de atendimento. Embora as escolas especiais e as classes especiais venham lutando no sentido de proporcionar a seus alunos respostas mais eficazes, os resultados obtidos não têm sido animadores a ponto de serem considerados como as modalidades mais adequadas.

O problema, portanto, não se refere à definição apenas de uma modalidade de atendimento educacional mais adequada, mas à oferta dos recursos necessários ao desenvolvimento e à aprendizagem dos alunos surdos, seja em que modalidade for.

Entender que a escola especial seria o espaço mais adequado para desenvolver a educação de surdos, remete ao mesmo equívoco que a escola regular apresenta em relação a todos os alunos: a tendência à homogeneização.

Um aluno surdo não é igual ao outro; as necessidades e histórias de vida de cada um deles, são diferentes e, portanto, não podemos garantir que todos se beneficiariam e leriam seus problemas de escolarização resolvidos, caso a escola especial ou mesmo a classe especial - como recomenda a Declaração de Salamanca - fossem os únicos espaços oferecidos.

No que se refere à educação de surdos a escola tem ainda outros nós que necessitam ser desatados, sendo que os principais, no meu entendimento, estão relacionados hs seguintes questões:

Io) A discussão que persiste entre a importância da oralidade ou dos sinais para a construção de conhecimentos c da própria subjetividade. Por direito, a pessoa surda deve ter a oportunidade de constituir as duas línguas - a Língua de Sinais e a Língua Portuguesa, oral e escrita.

Por que negar aos surdos a apropriação da Língua de Sinais construída por comunidades surdas se a sua apropriação (quando bem feita) tem contribuído para o desenvolvimento de processos mentais mais elaborados, do mesmo modo que interfere de forma decisiva na constituição da própria subjetividade?

Por outro lado, por que considerar dispensável a apropriação da Língua Portu­guesa oral e, consequentemente, o relacionamento com grupos ouvintes?

Mesmo que não a utilize no seu cotidiano com colegas e parentes mais próxi­mos, o surdo está imerso na língua majoritária de seu país, desde o seu nascimento, através do convívio que estabelece com outros membros da família e da própria comunidade. Com maior ou menor frequência, é inevitável o contato dos surdos com a linguagem oral.

No dizer de Bueno (1999):

"-A única forma de se propiciar condições para que os surdos se constituís­sem numa "nação linguística " seria a de separá-los dos ouvintes, inclusive de seus familiares." (p. 8)

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Novamente, retorno a indagação acerca dos resultados obtidos até o momento, sendo que desta vez para questionar as posições radicais tanto dos que advogam a apropriação apenas da Língua de Sinais quanto daqueles que entendem a linguagem oral como a única a ser desenvolvida com alunos surdos. Podemos generalizar, ou devemos falar em resultados positivos apenas em relação a alguns casos?

Assim sendo, uma proposta educacional que possibilite a apropriação das duas línguas parece-me a mais adequada para os alunos surdos, o que significa que a escola deve se planejar para oferecer não apenas um currículo aberto e flexível que possa garantir a construção de conceitos básicos, mas que possibilite trocas interpessoais em ambas as línguas.

2o) Uma outra questão que considero bastante importante diz respeito às propostas em si de constituição de qualquer uma das línguas. Percebo que as escolas têm encontrado sérias dificuldades de promover espaços de interlocução para que os alunos e, particularmente, os alunos surdos, tenham possibilidade de trocas mais consistentes. Os professores têm revelado em suas práticas que ainda estão presos a uma concepção de linguagem que toma as palavras como algo fixo, abstrato e imutável, distanciadas de sua realização dinâmica, significativa e contextualizada.

Souza (1997) assegura que: "- Não basta que a fala já não seja mais o objetivo fim da educação da pessoa surda. 0 que de falo importa é que haja uma linguagem viva e comum entre professor e aluno. Dada a natural dificuldade de acesso à oralidade, a LI­BRAS poderia ser essa linguagem. Mas não é suficiente para o professor ter um bom vocabulário em LIBRAS. Para o sujeito da língua(gem), o que impor­ta não é o significado do dicionário das palavras, mas a construção e a compreensão de sentidos produzidos em contextos diferentes. " (p. 13) Tal afirmativa também se aplica ao desenvolvimento da oralidade, pois "a

construção e a compreensão de sentidos produzidos em contextos diferentes" de que fala a autora só acontecem nos momentos de interlocução, quando a linguagem verdadeiramente se constitui.

Tem sido possível perceber que o conceito de dialogia tal como Bakhlin nos apresenta, não foi entendido senão por um número reduzido de professores.

Embora inúmeras propostas educacionais referenciem o diálogo como base para a construção da linguagem, o confronto com a prática tem sido revelador de que os alunos surdos são meros respondentes e não propriamente interlocutores.

No que se refere à linguagem escrita, às dificuldades de leitura e produção de textos, geralmente atribuídas aos surdos como sendo inerentes à própria surdez são, de fato, consequências de práticas pedagógicas que ainda não conseguiram superar as marcas do mecanicismo e construir espaços dialógicos que possibilitem o fiuir da linguagem.

O que a experiência tem apontado é que a transformação deste trabalho ocorre de forma processual, exigindo uma proximidade constante com a escola e com cada um dos professores que possibilite, tanto quanto se propõe para com os alunos, o surgimento de espaços dialógicos que permitam a ressignificação do trabalho escolar.

Referências Bibliográficas

BUENO, J. G. Educação Inclusiva e Escolarização dos Surdos. São Paulo, 1999.

Conferência Mundial de Educação para Todos. Declaração de Salamanca, Salamanca, 1994.

SOUZA, R. Dialogando sobre surdez. Campinas, 1997.

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Formação de Profissionais na Área da Surdez

Formação de Profissionais na Educação Especial

Maria de Fátima Reipert de Godoy*

Introdução

A formação dos profissionais da educação é um tema polêmico, que tem envolvido a comunidade acadêmica das instituições universitárias de forma signi­ficativa. A tentativa de fazer do Curso de Pedagogia um bacharelado, separado da formação de professores, tem desafiado os princípios construídos pelos educado­res até o momento.

A formação e profissionalização do educador precisa ser analisada de forma ampla para reflexões e debates sobre a política nacional e estadual de formação de professores com o objetivo de se discutir o papel das Faculdades, em articulação com outras áreas envolvidas, tais como, os sistemas de ensino, as entidades cien­tíficas/acadêmicas e outras áreas de formação.

Nessa transformação do ensino, da educação e da escola , é preciso que se garanta princípios norteadores para a formação de profissionais da educação com­prometidos ética e politicamente.

Histórico da Educação Especial

Dentre as Universidades do Estado de São Paulo, a UNESP se diferencia das demais por ter seus campus distribuídos em várias cidades do interior do Estado. Nosso trabalho, especificamente, se desenvolve na cidade de Marília, no curso de Pedagogia, reconhecido em 1965, onde é oferecida Habilitação em Educação Espe­cial, desde 1977, sendo a única do Brasil que forma docentes nas quatro áreas da deficiência (auditiva, visual, mental e física) e a única da América Latina que oferece formação em deficiência física a partir de 1989, estruturada de acordo com a nossa história de formação, até então.

Oferece Licenciatura em Pedagogia, que permite ao aluno optar entre as áreas: Administração Escolar; Magistério; Orientação Educacional; Habilitação em Edu­cação Especial com as áreas de: Deficiência Auditiva, Visual, Mental e Física. A Habilitação em Educação Especial tem por objetivo desenvolver um projeto polí­tico-pedagógico que oriente a formação de professores para a educação especial de acordo com as novas tendências, desde sua formação.

A partir de 1998, houve na UNESP, a alteração da grade curricular, com um enfoque maior naquelas disciplinas comuns a todas as áreas da deficiência. Na Habilitação em Educação Especial foi feito um tronco comum para algumas disci­plinas que até então eram específicas como: "Características do Desenvolvimento e da Aprendizagem do D.A., do D.V., do D.M e do D.F.", que passou a chamar "Desenvolvimento e Aprendizagem do Deficiente", dando ênfase a cinco eixos do desenvolvimento: motor, perceptivo, cognitivo, social / personalidade e aprendi­zagem (atenção, memória e motivação), sendo cada eixo desenvolvido nas quatro

•Docente do Departamento de Educação Especial - Habilitação em Deficiência Auditiva/Visual/ Mental e Física - Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP.

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áreas da deficiência, ou seja, com um enfoque mais generalista, o mesmo se dando com a disciplina Medidas em Educação Especial.

Nessa fase de transição do Curso de Pedagogia e das Habilitações, há uma ampla discussão das autoridades c especialistas quanto à nova política educacio­nal. A UNESP mantém, até o momento, todas as Habilitações do Curso de Peda­gogia, enquanto a UNICAMP deixou de oferecer, e a USP já está há dois semestres sem oferecer habilitações aos novos alunos, com a tendência em substituí-las por especializações possivelmente pagas. Seria a desmontagem do ensino público?

Hoje a grade curricular na área de Deficiência Auditiva é composta pelas disciplinas gerais (tronco comum da habilitação) e específicas:

• Gerais: Fundamentos da Educação Especial Introdução ao Estudo das Divergências Sociais Aspectos Biológicos das Deficiências Inserção Social do Deficiente Desenvolvimento de Currículos Desenvolvimento e Aprendizagem do Deficiente Medidas em Educação Especial Serviços Complementares da Educação Especial

• Específicas: Anatomia, Fisiologia e Patologia dos Órgãos da Audição e Fonação Técnicas Especiais de Comunicação I e II Linguística Aplicada aos Distúrbios da Comunicação Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS Prática de Ensino aos Deficientes Auditivos I e II Prática de Ensino - Estágio Supervisionado.

Atual Política Educacional

Acompanhando a tendência dos países desenvolvidos, em 1990, o Brasil, fez opção pela construção de um sistema educacional inclusive ao assinar a Declaração de Jomtien1. Em 1994, a Declaração de Salamanca1 foi mais um passo a influenciar o novo contexto educacional nacional, a LDB de 1996. Surgiu então, a possibilida­de de democratização das oportunidades educacionais através da inclusão de alu­nos deficientes no ensino regular.

Educação Inclusiva é a transformação do sistema educacional, proporcionan­do o atendimento diferenciado para cada indivíduo: educação para todos. Exige igualdade de oportunidades educacionais, que é a possibilidade de oferecer a cada indivíduo meios de desenvolver o máximo de suas potencialidades de acordo com 0 seu ritmo de aprendizagem. A inclusão educacional é a garantia do acesso imedia­to e contínuo do aluno com deficiência ao espaço educacional e escolar comum, independentemente do tipo de deficiência e do grau de comprometimento, para que possam se desenvolver social e intelectualmente junto às crianças da classe comum. A escola inclusiva aceita todas as diferenças e se adapta à variedade humana, criando ambiente propício ao desenvolvimento das potencialidades indi­viduais. A igualdade de oportunidades educacionais enfatiza mais a diversificação do que a semelhança dos programas escolares. Se na integração, o aluno era prepa­rado para entrar na classe comum, na inclusão é a escola que, consciente de sua função, se coloca como um espaço inclusivo.

1 Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais - Jomtien (Tailândia - 1990). 2 Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: acesso e qualidade - Salamanca (Espanha- 1994).

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O ensino segregado apesar de preparar o aluno nos aspectos específicos da sua deficiência, priva-os do rico contato com os não-deficientes, e por outro lado, os alunos sem deficiência experimentam uma educação que valoriza pouco a diversi­dade, a cooperação e o respeito por aqueles que são diferentes.

Não podemos deixar de considerar as especificidades ou peculiaridades das deficiências, que de acordo com a nova tendência, por si só não justificam um projeto de formação inicial específico, uma vez que as necessidades educativas especiais devem ser atendidas pelo ensino regular, lembrando que antes desses alunos serem deficientes, são alunos. No entanto, é preciso lembrar que o sucesso da inclusão depende da "infra-estrutura organizada pelas secretarias de educação, que devem prever e prover, sempre que necessário, os serviços de apoio pedagó­gicos especializados, que se constituirão em mediadores da aprendizagem e do desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educativas especiais", conforme documento do MEC.

Se por uma lado deve-se enfatizar a necessidade da formação de profissionais competentes para atender essa nova tendência educacional inclusiva, por outro, temos de garantir que os alunos com deficiência, ou não, sejam apoiados para tomarem-se colaboradores do novo tipo de sociedade, cada vez mais diversificada e seletiva.

Resta saber qual a função social da escola? A nossa escola favorece as interações sociais através de práticas heterogêneas e inclusivas?

Debate Atual - Perspectivas Futuras

O objetivo geral da Educação volta-se para a formação e capacitação do edu­cando em três aspectos:

• individual (de auto-realização); • individual e social (qualificação para o trabalho); e, • social (preparo de uma cidadania consciente).

No contexto acima exposto, várias autoridades têm se manifestado com rela­ção às Diretrizes Nacionais para a Educação Especial - em reuniões por segmen­tos, compostas de membros representantes de várias Universidades, priorizando fundamentalmente dois itens: a organização do sistema educacional e a formação do professor.

Com relação a organização do sistema educacional para o atendimento ao aluno que apresenta necessidades educacionais especiais, o documento discute a Política de Educação Especial, enfatizando operacionalizar a "inclusão escolar" de "todos os alunos, independentemente de classe, raça, gênero, sexo ou característi­cas individuais, é esse o grande desafio a ser enfrentado, numa clara demonstração do respeito à diferença...". "Assim, as classes comuns e não mais as escolas e classes especiais se constituem no 'locus' privilegiado que deve permitir às pesso­as com necessidades educacionais especiais o acesso às conquistas sociais e acadê-mico-culturais que a escolarização proporciona".

A política de inclusão de alunos que apresentam necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, não consiste apenas na permanência física dos alunos junto aos demais educandos, mas sim, desenvolver o potencial dessas pessoas, respeitando suas diferenças e atendendo às suas necessidades.

Evidencia-se o papel da escola comum do ensino regular (em todos os seus níveis e etapas) no sentido de acolher a diversidade dos alunos, de realizar uma avaliação de seu próprio processo educativo, de definir sua responsabilidade no estabelecimento de relações que possibilitem a criação de espaços inclusivos.

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É preciso deixar claro, que, para que essa política inclusiva e integradora possa ser implementada, são necessárias algumas mudanças estruturais, tais como: • intensificação quantitativa e qualitativa na formação de recursos humanos e

garantia de recursos financeiros e serviços públicos especializados para assegu­rar o desenvolvimento dos alunos;

• garantia de vagas no ensino regular e supletivo para a diversidade de graus e tipos de deficiência;

• elaboração de projetos pedagógicos que se orientem pela política de integração/ inclusão e pelo compromisso com a educação escolar desses alunos;

• alocação, nos sistemas locais de ensino, dos necessários recursos pedagógicos especiais, para apoio aos programas educativos e ações destinadas à capacitação de recursos humanos para atender às demandas desses alunos.

Serão também necessárias outras medidas no âmbito político, como a descentralização do poder, manifestada no processo de municipalização e a reor­ganização administrativa, técnica e financeira dos sistemas educacionais, a melhoria das condições de trabalho e valorização docente. No âmbito administrativo, são imprescindíveis mudanças estruturais que possibilitem a construção da inclusão. No âmbito técnico-científico, é necessário a real capacitação dos professores para 0 ensino na diversidade.

O documento ainda enfatiza a necessidade de cada unidade escolar diagnosti­car sua realidade educacional e implementar as alternativas de serviços e a sistemá­tica de funcionamento de tais serviços, preferencialmente no âmbito da própria escola, de forma a favorecer o sucesso pedagógico pretendido. Ao sistema de ensino cabe garantir o apoio, determinado pela educação especial às escolas, pro­fessores e alunos que a requeiram. É importante que se considere as alternativas já existentes, como: salas de recurso, centros e salas de apoio pedagógico, serviços de itinerância em suas diferentes possibilidades de manifestação, como também in­vestir na criação de novas alternativas, sempre fundamentadas no conjunto de necessidades educacionais especiais encontradas no contexto da unidade escolar e/ ou do município.

Com relação à formação do professor, o documento destaca três aspectos:

• a formação de professores generalistas, incluindo teorias e práticas acerca de necessidades educacionais especiais de alunos que lhes possibilitem desenvol­ver processos de ensino e aprendizagem em classes comuns da educação básica;

• a formação de professores para educação especial com formação em nível superior, para o apoio pedagógico especializado aos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais (quer sejam temporárias ou permanentes) matriculados em escolas do ensino regular ou em escolas especiais da educação básica;

• a formação de professor em nível de pós-graduação com a incumbência de formar novos professores para o atendimento escolar aos alunos portadores de deficiência e/ou outras necessidades educativas especiais, em todos os níveis de educação, de atendimento, e particularmente para atuação na educação superior.

O tema ainda continua sendo debatido por diversos grupos no país, mas a tendência é a formação do educador ocorrer inicialmente através do curso de Licen­ciatura Plena de formação de professor generalista, e posteriormente se especia­lizar em Educação Especial, em cursos sequenciais, educação continuada e cursos de pós-graduação.

O educador especial será em primeiro lugar um professor, um profissional de nível superior com curso de especialização ou pós graduação em Educação Espe-

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cial. Deve atuar preferencialmente na regência de classes pertencentes à rede regu­lar de ensino, na escola comum, dentro dos princípios da escola inclusiva e também nas escolas especiais para os alunos que não se beneficiarem da educação nas classes comuns. Sua atuação pode se dar com apoio na sala inclusiva, apoio para o professor, como professor da sala de recursos, com as classes especiais que deve­rão ser reestruturadas por níveis de ensino e em escolas especiais.

Considerações Finais

A política de inclusão vem sendo debatida e exercida em vários países e, hoje, a legislação brasileira posiciona-se favoravelmente ao atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns. Os países desenvolvidos que adotaram a escola inclusiva nos últimos 30 anos, permitem a inclusão de até dois alunos com necessidades especiais em cada classe, e o total de alunos por classe varia de 18 ( Suiça), 20 (Estados Unidos e Itália) e 25 (França e Grécia). Alguns países consideram incluídas as crianças com necessidades educativas espe­ciais que permanecem 80% do tempo na classe comum e 20% do tempo na sala de apoio, em outros, as crianças que frequentam a classe comum durante um período e a sala de apoio em outro, e alguns resultados têm sido favoráveis.

Não podemos esquecer que o professor generalista é importante nos casos leves de deficiência, mas em casos severos, é fundamental a presença de um espe­cialista. Como reflexão para o próximo milênio, gostaria de lançar três questões:

• O generalista vai ter condições de desenvolver as necessidades específicas do deficiente?

• Se eliminarmos o especialista quem alfabetizará a criança, fará treinamento de linguagem, pesquisa em didática?

• Se eliminarmos o especialista não estaremos fortalecendo o atendimento clínico particular em detrimento do segregado e educacional?

No Brasil, há aproximadamente meio milhão de alunos que apresentam neces­sidades educacionais especiais, de acordo com estatística realizada pelo Ministé­rio da Educação, e 23 universidades têm cursos de formação em educação especial, sendo 32 cursos específicos por categoria. Todos nós participamos desse proces­so e das decisões referentes à nova política educacional, o que exige muita cautela e responsabilidade nessa reestruturação. E preciso verificar o que está por trás desse processo: a organização do sistema de ensino é insuficiente para o atendi­mento dessa clientela? a formação do professor comum e especialista estão defici­tárias? seria a desmontagem do ensino público e gratuito? Existe uma desvaloriza­ção do especialista? - Enquanto a política não se define, como preparar de modo emergencial e seguro, o professor receptor genérico que está despreparado diante da possibilidade de receber um aluno com necessidades educacionais especiais, sem saber quais são essas necessidades, sem contato anterior e/ou informação a respeito? E nesse contexto de ideias que a escola deve identificar a melhor forma de atender as necessidades educacionais de seus alunos no processo de aprendiza­gem, e refletir sobre quem está deficiente: o aluno, o professor, o método, a qualidade do trabalho pedagógico realizado, as condições em que são desenvolvi­dos ou o sistema político-educacional?

E necessário que se tenha em vista o aluno incluído, bem como seu novo grupo social. E preciso lembrar que o Brasil é regido por separações sociais, econômicas e raciais severas, ainda que não explícitas. Como desenvolver um trabalho pedagó­gico diversificado, na perspectiva de atender as diferenças expressas por determi-

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nações de classe, raça e gênero, num país marcado por injustiças sociais? Esse é o grande desafio na construção dessa nova visão de educação.

A política educacional na formação de professores deve contemplar a transversalidade nos diferentes níveis de formação escolar: Educação Infantil, En­sino Fundamental e Superior, bem como contemplar a interatividade das modali­dades de Educação Escolar e também a educação de jovens e adultos e a educação profissionalizante. Cabe ao profissional da educação o domínio aprofundado do conhecimento e do uso de procedimentos e recursos em questões específicas que permitam o atendimento especializado do aluno com deficiência, condutas típicas e superdotação.

A educação inclusiva não ocorrerá por decreto, e sim por mudanças estrutu­rais. É preciso que se explicite de fato o papel e o lugar do Curso de Pedagogia nessa instância da Educação.

Referências Bibliográficas

MIÚRA, R. K. (org.) Cadernos da F.F.C (Faculdade de Filosofia e Ciências -UNESP). Marília:Unesp,v.8,n.l, 1999.

DOCUMENTOS do Fórum Paulista de Educação Especial sobre as Diretrizes Nacionais.

GODOY, M. de F. R. Trabalhando o preconceito: a visão da criança/rente a diferença. Marília: UNESP, 1997.(Ensaios da F.F.C.; 1)

BAUMEL, R. C SENEGHINI, I. (org.) Integrar/Incluir: desafios para a escola atual. São Paulo: FEUSP, 1998.

MAZZOTTA, MJ . Educação Especial no Brasil: história e políticas públi­cas. São Paulo: Cortez, 1999.

SILVEIRA BUENO, J.G. Crianças com necessidades educativas especiais, política educacional e a formação de professores: generalista ou especialista? Revista Brasileitra de Educação Especial (5), pp7-25, 1999.

STAINBACK, S. e STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Medicas, 1999.

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Formação de Profissionais na Área da Surdez

Formação de Professores para Surdos na UFSM: Uma Trajetória

de Quatro Décadas Vera Lúcia Marostega*

O presente trabalho tem por objetivo relatar a trajetória da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM/RS, no que diz respeito à formação de professo­res para atuar na educação de surdos. O pioneiro deste trabalho foi o médico Reinaldo Fernando Coser, também professor nesta instituição que, ao se defrontar com numerosos casos de surdez infantil, resolveu trazer para a UFSM o compro­misso de ajudar na solução desse problema (Marquezan e Toaldo, 1988.p.9).

O atendimento aos surdos em Santa Maria se iniciou em 1955 com uma professora sem formação específica na área. Este se dava em uma classe especial que funcionava na Escola Especial Antônio Francisco Lisboa, fundada em junho de 1954. Somente em 1963 o atendimento aos surdos passou a ser feito por uma professora com formação na área (Rampelotto, 1993.p.9). Esta formação se deu no período de 1960/62, no Instituto Nacional de Educação de Surdos, INES/RJ, única instituição no Brasil que oferecia tal formação (Marquezan eToaldo, 1988.p.9).

Preocupado também com a integração da criança surda na escola, através da classe especial, o Dr. Coser sentiu a necessidade de acelerar o processo de forma­ção de professores. Contatando com profissionais do departamento de Educação Especial da SEC - RS, em 1962, cria-se na UFSM o primeiro curso de formação de professores para atuar na educação de surdos, marcando a expansão dessa área educacional na região através de cursos de extensão universitária. No ano seguinte, os alunos surdos foram reunidos numa classe especial, iniciando, assim, a filosofia da integração. Esta classe, a primeira classe especial no estado, foi implementada no Instituto de Educação Olavo Bilac, em Santa Maria/RS (Marquezan e Toaldo, 1988.p. 10-11). A partir de então, foram surgindo mais classes especiais em outras escolas estaduais e municipais.

Em 1964, em decorrência do convênio firmado entre a UFSM e SEC/RS, o curso foi assumido pelo Instituto de Educação Olavo Bilac - IEOB, e urna escola estadual de 1" e 2" graus, tida como escola-padrão na cidade, sob a forma de estudos adicionais, ficando a universidade responsável pela composição do qua­dro de docentes nas disciplinas médico-científicas, e a SEC, pelo quadro das disciplinas psicopedagógicas. Assim, as aulas teóricas bem como as práticas peda­gógicas em classe especial eram desenvolvidas no IEOB, e as práticas relativas a exames, a treinamento auditivo, a treinamento individual do desenvolvimento da linguagem compreensiva e expressiva e as atividades psicomotoras eram ofereci­das no Instituto da Fala, que foi criado na UFSM para desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão na área da audição, fala e linguagem (Marquezan e Toaldo, 1988.p. 11). Essa modalidade de curso, denominado Estudos Adicionais, ao nivel de 2" grau, em caráter regular, formava o professor de surdos de I" grau e se estendeu até 1970.

"Mestre no Curso de Educação Especial Universidade Federal de Santa Maria - RS.

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A partir de 1974 ate 1983, a formação de professores para trabalhar com surdos, na UFSM, deu-se através da habilitação em Audiocomunicação, no curso de Pedagogia do Centro de Educação.

Paralelamente à formação do professor de surdos, o Centro de Educação instituiu também a formação de professores para atuar com deficientes mentais, em 1975, através da habilitação em Deficientes Mentais no curso de Pedagogia. Em 1977, criou-se o curso de Formação para Professores em Educação Especial - Deficientes Mentais - com licenciatura curta, baseado nas determinações do Centro Nacional de Educação Especial - CENESP. Em 1981, começou a funcio­nar, na UFSM/RS, o curso de Formação para Professores em Educação Especial, com licenciatura plena e com habilitação em Deficientes Mentais (Freitas, 1998.p.61-64).

Assim, a Universidade Federal de Santa Maria - UFSM/RS, passa a ser con­siderada a pioneira "na formação de professores em educação especial, com um curso ao nível de graduação de licenciatura plena, específico na área de Educação Especial."(Freitas, 1998.p.8)

A partir de 1984, a formação de professores para atuar na educação de surdos integrou-se ao Curso ao Educação Especial, que passou a ter duas habilitações, ficando assim denominado: Curso de Educação Especial com licenciatura plena-Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação e Habilitação em Deficientes Mentais. Esse Curso, que se desenvolve até hoje, tem, para cada habilitação, os seguintes objetivos específicos:

• formar o profissional, no plano bio-psico-social, capaz de atuar na educação especial de deficientes da audiocomunicação ou deficientes mentais;

• desenvolver habilidades cognitivas, psicomotoras e afetivas, para o desenvolvi­mento das atividades profissionais inerentes ao seu campo de atuação, segundo diretrizes do sistema de ensino;

• aplicar metodologia científica na realização das atividades de planejar, executar e avaliar o processo ensino-aprendizagem;

• investigar, cientificamente, novas estratégias de ensino aplicáveis ao seu campo de atuação;

• participar, de forma integrada, nos programas de educação especial, junto ao sistema de ensino, família e comunidade.

A carga horária total do curso é de 3.690 horas/aula obrigatórias, distribuídas em oito semestres. Essa constituição curricular contempla o estágio junto ao sur­do, com duração de 570 horas/aula. O ingresso para o curso se dá através do vestibular, sendo oferecidas 40 vagas assim distribuídas: 20 para a Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação e 20 para a Habilitação em Deficientes Men­tais.

Nesse processo de formação para professores, ainda reportando-se à história, é importante ressaltar que, no início da década de 70, o Instituto da Fala foi transformado em Departamento da Fala, sendo que este, em 1979, subdividiu-se em Departamento de Educação Especial, dentro do Centro de Educação-CE e Departamento de Otorrinolaringologia, dentro do Centro da Saúde - CS. Em de­corrência dessa reforma, ficaram vinculados ao Departamento de Educação Espe­cial, o Curso de Pedagogia- Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação, as disciplinas terapêuticas do Curso de Fonoaudiologia, aprovado em 1971, com as disciplinas do estágio supervisionado dos dois cursos, mais o atendimento com­plementar ao surdo (Rampelotto, 1993.p.l I).

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Ainda em 1979, foi criado o Serviço de Atendimento Pedagógico e Fonoaudiológico - SAPF, servindo de campo de estágio para os acadêmicos dos cursos acima referidos.

No final da década de 70, por sugestão do CENESP, o Departamento de Educação Especial da UFSM, criou o Serviço de Atendimento Complementar ao Excepcional - SACE, onde seriam desenvolvidas as aulas práticas do Curso de Educação Especial - Habilitação em Deficientes Mentais. Este tinha como princi­pal objetivo, através da atividade de extensão da Universidade, atender aos excep­cionais da comunidade visando à normalização do excepcional, no menor espaço de tempo, ficando a UFSM responsável pelos recursos humanos e instalação do SACE, e o CENESP auxiliando nos recursos materiais. Em 1980, através de um convênio com a Legião Brasileira de Assistência - LBA, o mesmo departamento criou o Serviço de Atendimento Complementar ao Deficiente Auditivo - SACDA, servindo de campo de estágio para as acadêmicas do Curso de Pedagogia - Habili­tação em Audiocomunicação e Fonoaudiologia.

Em substituição ao SACEe ao SACDA, no ano de 1981, foi criado o Centro de Atendimento Complementar em Educação Especial - CACEE, através de con­vênios com a Fundação Rio-Grandense de Atendimento ao Excepcional - FAERS, que, a partir de 1988, passou a denominar-se Fundação de Atendimento ao Defi­ciente e Superdotado do Rio Grande do Sul - FADERS, e com a Legião Brasileira de Assistência - LBA. A FADERS, ficou responsável em promover, coordenar e executar programas c serviços de atendimento ao excepcional no RS, supervisiona­dos pela SEC - RS. Esses dois órgãos, FADERS e LBA, pagavam pelos serviços prestados, oportunizando, assim, à UFSM capacitar recursos humanos na área da educação especial.

Nessa nova reformulação, mantiveram-se o atendimento aos surdos e o campo de estágio para os acadêmicos dos cursos de Pedagogia-Habilitação em Audio­comunicação e Fonoaudiologia. Alguns anos depois, o estágio dos acadêmicos do curso de Fonoaudiologia passou a se dar apenas no Serviço de Atendimento Fonoaudiológico - SAF, criado em 1982.

O CACEE, órgão de apoio do Centro de Educação, tinha como finalidade avaliar e atender as crianças encaminhadas pelos órgãos da comunidade de Santa Maria e região. Foi concebido segundo a perspectiva da educação compensatória (utilizar recursos metodológicos especiais procurando minimizar os fatores que impediam a aprendizagem do aluno), orientando sua atividade segundo o modelo médico-psicológico então vigente (Freitas, 1998).

Esse órgão, que atendia a crianças, jovens e adultos surdos e também os deficientes mentais, era constituído por duas equipes de profissionais compostas por educadores especiais, assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos e médi­cos (otorrinolaringologista e psiquiatra).

Com a extinção dos convênios com a FADERS e LBA, em 1990, o CACEE sofreu uma nova reestruturação. Acabaram-se as equipes de profissionais, deixan­do de ser um setor de prestação de serviços baseado num modelo clínico-lerapêutico e transforma-se em um setor voltado para o ensino, a pesquisa e a extensão, com o nome de Núcleo de Ensino Pesquisa e Extensão - NEPES/Centro de Educação/ UFSM.

Esse núcleo, que atende até hoje Portadores de Necessidades Especiais (PNEs), é uma unidade onde se realizam as práticas de ensino, a pesquisa e a extensão cm Educação Especial, visando formar de recursos humanos nos níveis de graduação e pós-graduação e na produção de conhecimentos. Tem como principais objetivos

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atender as necessidades locais e regionais na área da educação especial, promover intercâmbio e assessoramento com instituições e profissionais da área e oportunizar a elaboração e implementação de metodologias a serem utilizadas como mediado­ras na interação ensino-aprendizagem dos portadores de necessidades especiais.

Ao nos remetermos à trajetória da UFSM na formação de professores para atuar junto ao surdo, percebe-se que foi marcada por momentos distintos no seu processo evolutivo, aperfeiçoando e adequando-se conforme a demanda social e educativa da comunidade surda de Santa Maria e região.

Até o final da década de 70, os trabalhos pedagógicos desenvolvidos pelos professores de surdos nas classes especiais do nosso município, bem como no atendimento complementar prestado pela UFSM, estavam sustentados pelos prin­cípios do oralismo puramente multisensorial. No início da década de 80, os profes­sores passaram a admitir, apesar de muitas restrições, o uso de sinais pelos surdos. Nessa mesma época, alguns professores de Santa Maria convidaram professores de Porto Alegre que trabalhavam com a comunicação total para proferirem pales­tras e discutir sobre o assunto. Assim, os sinais começaram a ser usados nas classes especiais, mantendo-se no CACEE o tradicional oralismo até fins da déca­da de 80 (Rampelotto, 1993, p.2).

Na década de 80, estabeleceu-se uma longa discussão entre surdos adultos c profissionais ouvintes que atuavam diretamente com os surdos bem como os responsáveis pela formação de recursos humanos. O foco principal das discussões dizia respeito às abordagens metodológicas usadas nas atividades de atendimento complementar e nas práticas pedagógicas realizadas durante a formação do futuro professor de surdos pela UFSM.

Em 1988, a Universidade Federal de Santa Maria organizou a IX Jornada Sul Riograndense de Educadores de Deficientes de Audiocomunicação, cujo tema cen­tral foi o bilinguismo. Ao concluir a jornada, os professores de surdos do Rio Grande do Sul manifestaram-se majoritariamente favoráveis ao bilinguismo, consi­derado como a metodologia mais adequada à educação de surdos. Essa posição foi endossada entusiasticamente pela comunidade surda de Santa Maria e alguns re­presentantes de Porto Alegre. Durante o evento, houve participação ativa dos surdos da Associação de Surdos de Santa Maria - ASSM.

Em decorrência dos resultados não-satisfatórios do oralismo em relação ao desenvolvimcto e integração do surdo, dos estudos sobre a comunicação total e o bilinguismo e das efetivas interações estabelecidas com os surdos adultos, em 1989, na UFSM, através do atendimento aos surdos prestado pelo CACEE, atual NEPES, iniciou-se uma experiência de educação bilíngue. Nesse trabalho, contou-se com a participação de dois surdos adultos com formação universitária cm Educação Física e usuários da LBS - Língua Brasileira de Sinais, que foi expandida para os demais surdos da comunidade local e regional, por exposição, principal­mente para os surdos que pertenciam à Associação de Surdos de Santa Maria -ASSM. criada em 1985.

Através de bolsas, esses profissionais surdos atuavam juntamente com o educador especial no atendimento aos demais surdos que frequentavam o NEPES. Sua atuação consistia principalmente em usar a LBS para comunicar-se com os alunos surdos pequenos, permitindo assim que esses adquirissem naturalmente a LBS. Dentro do possível, as crianças surdas recebiam os conhecimentos, primei­ramente do professor surdo, em LBS, e logo a seguir, o mesmo assunto era enfocado pelo professor ouvinte. Nesse processo, transmitiam também a cultura e os valo­res próprios da comunidade surda (Rampelotto, 1993, p.21).

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Pode-se citar como resultados positivos dessa experiência "a rapidez, por parte das crianças surdas, na aquisição da LBS e a satisfação com a presença do professor surdo; a rapidez na compreensão dos conteúdos apresentados e a faci­lidade de interação constatada entre surdos e ouvintes." (Rampelotto, 1993.p.22).

Em decorrência desse trabalho, ainda no início da década de 90, a ASSM, os educadores de surdos de Santa Maria e as instituições envolvidas, reivindicaram, junto aos órgãos competentes, a criação de uma escola para surdos, que deverá funcionar a partir de 2000.

A UFSM, através de seu curso de formação de recursos humanos para a educação de surdos, sempre esteve atuando diretamente com a realidade, oportunizando aos futuros profissionais uma aprendizagem teórica e prática não dissociadas.

Apesar de, no papel, o currículo do Curso de Educação Especial ainda não ter sofrido as necessárias reformulações, na prática, vem sofrendo muitas mudanças. Considerando que a proposta bilíngue de educação para os surdos seria a mais adequada e pelo fato de não se contar com professores instrutores surdos de língua de sinais, o curso, nos últimos anos, tem oferecido a disciplina Língua Brasileira de Sinais I e II, na forma de Atividade Complementar de Graduação - ACG. Tem também desenvolvido projetos de ensino, pesquisas e extensão, envolvendo do­centes, instrutores de surdos Língua de Sinais, alunos da comunidade surda, fami­liares, escolas com classes especiais, escolas com alunos inseridos no sistema comum de ensino.

Para a formação de professores de surdos, além do curso de graduação, a UFSM conta com o Curso de Pós-Graduação em Educação Especial - Nível de Especialização nas áreas de Deficiência Mental e Deficiência da Audiocomunicação, criado em 1994, e com uma linha de pesquisa no Curso de Pós-Graduação em Educação - Nível de Mestrado sobre Formação de Professores, abordando o tema Educação de Pessoas em Circunstâncias Especiais, iniciado em 1999.

Referências Bibliográficas

FREITAS, Soraia Napoleão. A Formação do Professor de Educação Espe­cial na Universidade Federal de Santa Maria - RS. UFSM, Santa Maria/RS, 1998. Tese de Doutorado.

MARQUEZAN, Reinoldo & TOALDO, Marilene Machado. Formação de recur­sos humanos para a educação especial na UFSM. Cadernos de Edu­cação Especial, UFSM - Santa Maria, v.l, n. 1, p.9-18, 1988.

RAMPELOTTO, Elisanc Maria. Processo e Produto na Educação de Surdos. UFSM, Santa Maria/RS, 1993. Dissertação de Mestrado.

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Formação de Profissionais na Área da Surdez

Formação de Profissionais na Área da Surdez na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Maria Cristina da Cunha Pereira*

A formação de professores para surdos implica uma determinada imagem de surdos. Formar professores para quê? Para quem?

Até o final da década de 60, os cursos de formação para professores de surdos era de nivel médio e em número bastante restrito de instituições. Por quê? Não havia muitos surdos nessa época?

Na verdade, havia e muitos. A diferença era que os mesmos eram vistos como deficientes auditivos e, assim, todo o investimento era feito no sentido de possibi­litar a eles o desenvolvimento da audição através do treinamento auditivo e da recepção e produção da linguagem oral. O pressuposto subjacente na educação de surdos era que, se fossem garantidas condições para um bom desenvolvimento da linguagem oral, o conteúdo escolar seria ministrado como para crianças ouvintes. Assim, não era sentida a necessidade apenas na reabilitação dos alunos surdos.

No final da década de 60 e início da de 70, com base no parecer 295/69 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o curso de Pedagogia foi regulamentado e a formação de professores para a educação especial passou a ser incumbência do ensino superior.

A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo foi a primeira universidade brasileira a oferecer, a partir de 1971, a opção de formação de professores para surdos como uma habilitação no curso de Pedagogia em Educação dos Deficientes da Audiocomunicação. EDAC.

Com base na imagem de que o surdo deveria falar, havia na formação de professores em EDAC ênfase em disciplinas da Linguística, como Linguística Geral, Linguística Aplicada aos Distúrbios da Comunicação, Fonética Acústica e Articulatória, Técnicas Especiais de Comunicação e outras afins, como Física Acústica e Audiologia, além de Anatomia, fisiologia e patologia dos órgãos da audição e da fonação e Problemas sociais do deficiente da audiocomunicação. A parte educacional era garantida no estágio, que tinha a duração de 120 horas e era realizado no Instituto Educacional São Paulo, que é a escola especial da DERDIC.

A habilitação tinha a duração de um ano e meio, ou seja, do sexto ao oitavo semestre do curso de Pedagogia, e havia o pressuposto de que o professor já vinha bem formado, cabendo a EDAC ministrar as disciplinas específicas. O aluno entrava no Curso de Pedagogia da PUC/SP, fazia um ano de ciclo básico, um ano e

'Coordenadora e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Coordenadora no Centro de Estudos e Pesquisas Dr. Gabriel Porto, da Faculdade de Ciências Médicas da Universi­dade Estadual de Campinas - UNICAMP. São Paulo.

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meio de disciplinas de fundamentos da Educação, didática e metodologia de ensi­no, entre outras, e no final do quinto semestre, meio do terceiro ano, fazia a sua opção.

Distribuídas em três semestres, as disciplinas da EDAC possibilitavam ao aluno a fundamentação sobre os aspectos anatomo-fisiológicos e patológicos da audição e da fonação, educacionais e de linguagem, nos dois primeiros semestres, ficando o terceiro destinado às metodologias, à prática de ensino e ao estágio.

Os resultados conseguidos foram bastante satisfatórios, uma vez que os alu­nos já vinham para a habilitação com formação para atuar com crianças ditas normais, cabendo a EDAC habilitá-los para trabalhar com alunos surdos. No entanto, ao longo dos anos, houve uma pressão para que as habilitações tivessem a duração de apenas um ano.

Além desse fato, a avaliação da habilitação levou os professores a proporem uma reformulação nos conteúdos da EDAC que, a partir de 1980, passou a ser oferecida no vestibular. Explicando melhor, o aluno optava por EDAC quando da sua inscrição no vestibular e, após um ano de ciclo básico, passava a cursar as disciplinas do núcleo comum, alternadas com as específicas da habilitação. Nessa época houve uma reformulação nos conteúdos das disciplinas, reduzindo-se os conteúdos de Linguística e aumentando os que se referiam às abordagens de educa­ção e de reabilitação sendo criada a disciplina Introdução à Educação Especial. Esta reformulação possibilitou a introdução de uma disciplina sobre educação, mas, mesmo assim, a carga horária elevada de disciplinas sobre anatomia, fisiologia e patologia da audição e da fonação, audiologia, bem como os métodos de reabilita­ção refletiam uma preocupação com a percepção e a produção da linguagem oral.

Com a introdução de disciplinas de EDAC desde o segundo ano, os alunos iam adquirindo concomitantemente os conhecimentos sobre educação de ouvintes e de surdos, o que resultou em uma formação menos fragmentada. No último ano, com a formação concluída para trabalhar com crianças ouvintes, o aluno de EDAC cursava as metodologias, a prática de ensino e o estágio supervisionado em educa­ção de surdos, bem como o Magistério de 2° grau.

Uma avaliação do funcionamento da EDAC nessa época apontou para uma melhor qualidade na formação de professores em relação ao que ocorria antes, já que os alunos tinham mais tempo para sedimentar o seu aprendizado e relacionar O conteúdo das diferentes disciplinas. No entanto, com o passar dos anos, prova­velmente pelo fato da EDAC só funcionar à tarde, o número de alunos foi diminu­indo. Esse fato associado a uma pressão do Curso de Pedagogia no sentido de não haver diferenciação quanto ao tratamento dispensado às habilitações, fez a EDAC voltar para o final do curso de Pedagogia, agora com um ano de duração, como acontecia com todas as outras habilitações. Nessa ocasião houve a necessidade de redução de algumas horas da EDAC para se adequar à carga horária disponível.

Com esta revisão dos movimentos percorridos pela habilitação da EDAC, na PUC/SP, em quase 30 anos de formação do professor de surdos, procurei mostrar que, embora tenham sido observadas algumas alterações nos conteúdos da habili­tação, a ênfase sempre esteve colocada nos aspectos da audição e da produção da fala, evidenciando uma preocupação com a linguagem oral. Na verdade, tanto o nome da habilitação, como o das disciplinas, assim como o conteúdo das mesmas seguiam orientação do Conselho Federal de Educação para os cursos de formação de professores para surdos.

Com a Declaração de Salamanca, de 1994, na qual se reafirmava o compro­misso da educação para todos, teve início um movimento de inclusão na escola

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regular de alunos que apresentavam necessidades educativas especiais, estando a surdez aí contemplada.

Em relação aos alunos surdos, o mesmo documento recomendava, no artigo 19, que se levassem em consideração as diferenças e situações individuais, dando como exemplo a importância da Língua de Sinais como meio de comunicação entre os surdos.

O atendimento a alunos com necessidades especiais preferencialmente na rede regular de ensino é indicado no capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 9.394, de 1996. No seu artigo 58, parágrafo 1o, consta que, quando necessário, deverá haver serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial e, no parágrafo 2o, a Lei refere que o atendimento educacional dos alunos com necessidades especiais será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino.

Visando assegurar melhor qualidade de ensino aos alunos com necessidades educativas especiais, a LDB, no seu artigo 59, dispõe que os sistemas de ensino deverão assegurar aos educandos com necessidades especiais, professores com formação adequada ao nível médio ou superior, para atendimento às especificidades dos alunos, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns.

Ao se referir à educação inclusiva, Bueno (1999) considera que o desafio que esta coloca à formação de professores de Educação especial é conjugar quatro tipos de necessidades, quais sejam: • "oferecer formação como docente do ensino fundamental, no que tange a

formação teórica sólida ou adequada e aos diferentes processos e procedimen­tos pedagógicos que envolvam tanto o saber como o saber fazer;

• oferecer formação que possibilite analisar, acompanhar e contribuir para o aprimoramento dos processos regulares de escolarização, no sentido de que possam dar conta das mais diversas diferenças, entre elas e das crianças com necessidades educativas especiais;

• oferecer formação específica sobre características comuns das crianças com necessidades educativas especiais, como expressões localizadas das relações contraditórias entre a sociedade em geral e as minorias;

• oferecer formação sobre as características, necessidades e procedimentos pe­dagógicos específicos a cada uma das necessidades educativas especiais, para que estas possam também ser levadas em consideração pelos sistemas regula­res de ensino e possibilitar o atendimento direto à parcela dessa população que, por razões pessoais, educacionais ou sociais, não possam ser absorvidas pelo ensino regular." (p. 23)

Para responder a essas necessidades na formação do professor, devem-se contemplar dois tipos de formação profissional, segundo Bueno (1999, p. 14):

• dos professores do ensino regular com vistas a um mínimo de formação, já que a expectativa é da inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais;

• dos professores especializados nas diferentes necessidades educativas espe­ciais", seja para atendimento direto a essa população, seja para apoio ao trabalho realizado por professores de classes regulares que integrem esses alunos. Com relação aos níveis em que se daria a formação dos professores para

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trabalhar com os alunos com necessidades educativas especiais, a Secretaria de Serviço Especial do Ministério da Educação e Cultura - MEC, em documento em fase de elaboração, recomenda que a formação de professores para atuar em classes comuns se dê em nível médio ou superior. Além desses, o documento faz referên­cia à formação de professores, em nível de pós-graduação, lato ou stricto sensu.

Como em muitas outras universidades, o curso de Pedagogia da PUC/SP está em processo de reformulação, visando contemplar as novas exigências da Lei. Existe uma preocupação em se formar profissionais capazes de atender às neces­sidades educacionais dos surdos, bem como de outros alunos com necessidades educativas especiais, quer seja na escola regular ou na especial.

Embora ainda não esteja terminado o processo, é consenso de que a formação dos professores se dê no curso de Pedagogia. Em relação à educação especial a proposta do grupo de professores da EDAC é de que:

• disciplinas fundamentais para a formação do professor, como Filosofia, His­tória, Psicologia e Sociologia da Educação incluam conteúdos sobre a deficiên­cia mental, visual, física e sobre a surdez;

• a disciplina Introdução à Educação Especial, que atualmente é oferecida só na EDAC, seja estendida a todo o curso de Pedagogia;

• sejam incluídas disciplinas que contemplem a adequação de procedimentos metodológicos às diferentes necessidades especiais.

Em relação à formação do professor de apoio e para as classes e escolas especiais, a ideia é apresentar alguns módulos que os alunos irão cursando ao longo do curso de Pedagogia. Nesses módulos os alunos terão conhecimentos sobre Anatomia e Audiologia, com uma carga horária bem inferior àquela oferecida hoje, sobre métodos de educação de surdos, sobre adequação dos procedimentos metodológicos no ensino das diferentes disciplinas, como Língua Portuguesa, in­cluindo leitura e escrita, Matemática, por exemplo, teoria e prática na Língua de Sinais, caracterização psico-social e linguagem.

Devo esclarecer que esta é a proposta do grupo de professores da EDAC, ainda não discutida com os professores do curso de Pedagogia da PUC/SP.

A preocupação não só dos professores da EDAC, como da Pedagogia da PUC/ SP é oferecer uma formação ao professor que possibilite condições de dar atendi­mento escolar de qualidade, seja ele na escola regular ou nas instituições especializadas.

Referências Bibliográficas

BUENO, J. G. S. Crianças com necessidades especiais, Política educacio­nal e a Formação de Professores: generalistas ou especialistas? Re­vista Brasileira de Educação Especial (5), 1999,7-25.

MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9394), de 23 de dezem­bro de 1996, Brasília.

UNESCO. Declaração de Salamanca. Conferência Mundial de Educação Es­pecial. Salamanca, Espanha, 1994.

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ANEXO

Grade Curricular e Carga Horária das Disciplinas da EDAC

1973 a 1980 Anatomia, fisiologia e patologia dos órgãos da

audição e da fonação I e II - 90 h/aula Problemas Sociais do Deficiente da Audiocomunicação - 30 h/aula Psicologia da Audiocomunicação - 30 h/aula Linguística Geral I e II - 75 h/aula Física Acústica - 30 h/aula Fonética Acústica e Articulatória - 30 h/aula Linguística Aplicada aos Distúrbios da Comunicação - 45 h/aula Audiologia-45 h/aula Técnicas Especiais da Comunicação I e II - 150 h/aula Estágio em EDAC - 120 horas Orientação de estágio - 60 h/aula

1980-1989 Introdução à Educação Especial I e II - 60 h/aula Anatomia, fisiologia e patologia dos órgãos da audição e da fonação I e II -

60 h/aula Audiologia I e II - 60 h/aula Aquisição e desenvolvimento da linguagem do DAC I e II - 90 h/aula Avaliação de Linguagem do DAC I e II - 90 h/aula Caracterização Psicossocial do DAC I e II - 90 h/aula Métodos de Educação e Reabilitação do DAC I c II - 240 h/aula Prática de Ensino em DAC - 60 h/aula Estágio Supervisionado em DAC - 120 horas

1989 até hoje Introdução à Educação Especial - 60 h/aula Anatomia, fisiologia e patologia dos órgãos da audição e da fonação I e II —

60 h/aula Audiologia I e II - 60 h/aula Aquisição, desenvolvimento e avaliação da linguagem do DAC I e II - 150 h/aula Caracterização Psicossocial do DAC I e II - 90 h/aula Métodos de Educação e Reabilitação do DAC I e II - 240 h/aula Prática de Ensino em EDAC - 30 h/aula Estágio Supervisionado em EDAC - 120 horas

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Audiologia Clínica

Idade Ideal para Protetização Auditiva

Rosélia Sol C. M. Estevão*

No período de recém nascido, o bebê não produz sons vocais, somente gritos e sons fisiológicos. Nessa fase, eles não precisam de audição para falar, emitem sons inarticulados de sensação de prazer c desprazer. Nos primeiros meses de idade os sons que o bebê produz são vagidos, arrulhos e gorjeios típicos somados ao choro; são sons que não parecem estar relacionados com os sons da fala que ele ouve. O choro da criança, organicamente determinado nesses primeiros meses de vida, dá lugar à vocalização que, por volta dos seis meses transforma-se na fase do balbucio. O balbucio consiste de repetição de sons na ausência dos pais e o aumen­to desses sons na presença dos mesmos. Na verdade, durante esse estágio, os bebês produzem todos os sons que formam a base fonética de todas as línguas.

Nos bebês surdos, suas vocalizações são equivalentes àquelas de bebês ouvin­tes até 5 ou 6 meses. Além disso, os bebês surdos aumentam suas vocalizações quando os pais conversam com eles, assim como os bebês normais o fazem. É óbvio que a razão para esse aumento nas vocalizações não é o fato de o bebê ouvir a voz dos pais. Pressupomos que é uma resposta pré-adaptativa, reflexiva, esti­mulada pela presença da fisionomia dos pais, igualmente como é a resposta-sorriso que aparece também nessa mesma idade.

O bebê com perda auditiva interrompe o balbucio devido à falta de audição normal, não estabelece o feed back acústico e interrompe o seu desenvolvimento linguístico.

No entanto, os bebês que têm sua perda auditiva diagnosticada logo nos pri­meiros meses de vida, e iniciam um tratamento adequado, terão chance de desen­volver seu balbucio dentro da etapa certa ou, pelo menos, próximo dela.

Diante dessa sequência de desenvolvimentos inter-relacionados, podemos depreender que se a protetização for efetuada até os seis meses de idade a criança cquiparar-se-á à faixa de desenvolvimento da criança ouvinte.

Terapia

O trabalho terapêutico será centrado na visão holística. As atividades propos­tas e o modo de conduzi-las girarão em torno da criança, sobre as suas possi­bilidades e limitações, características individuais e de aprendizagem;

• O atendimento será feito, preferencialmente, três vezes por semana, em ses­sões com duração de 45 a 50 minutos e sempre com a presença dos pais para que dêem continuidade ao trabalho de estimulação em casa;

• As atividades serão feitas sempre através de brinquedos e jogos lúdicos, den­tro do interesse e vivência da criança, num contexto de maternagem, adequadas ao período sensório-motor. Seguindo-se as etapas do desenvolvimento da audição e de linguagem retoma-se o balbucio da criança numa tentativa de instalação do feed back auditivo;

'Fonoaudióloga e Audiologista da Secretaria Municipal de Saúde - RJ/Policlínica J. P. Fontenelle.

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• Serão trabalhadas, independentemente de quaisquer abordagens metodológicas, os hábitos e atitudes; motricidade; funções intelectivas; estimulação sensorial com ênfase no treinamento auditivo e atividades de linguagem oral; Concomitante ao programa de estimulação à criança, também será implantado um programa de atendimento aos pais, a fim de apoiá-los, esclarecê-los e orientá-los da melhor forma possível. O diagnóstico apresentado aos pais, sem preparação e esclarecimentos para

com o problema, causa impacto e desespero, chegando mesmo a desorganizar toda a dinâmica familiar.

Os pais ficam sem saber como ajudar aos filhos, quais suas possibilidades e limitações, quais as providências a tomar, com quem podem contar, a quem recor­rer, qual a escola ideal, qual a conduta médica. Enfim, desconhecem todas as condições que poderão levá-los a encarar a deficiência do filho com determinação e coragem para atenuá-la ou superá-la.

Intercâmbios precoces entre os pais e a criança estimulam o desenvolvimento de padrões pessoais de interação e apego. A participação dos pais é vital para o progresso subsequente da criança.

O primeiro ano é critico para o desenvolvimento da linguagem, seguindo-se a aquisição das habilidades cognitivas, sociais e emocionais.

Pólos de Atendimento em Audiologia da Prefeitura da Cidade do rio de Janeiro

CMS ERNESTO ZEFERINO TIBAU JÚNIOR Av. do Exército, n° 1 - São Cristóvão - Tel: (021) 580-7029

CMS MANOEL JOSÉ FERREIRA R. Silveira Martins, n° 161 - Flamengo -Tel: (021) 265-4282

HOSPITAL MUNICIPAL JESUS R. Oito de Dezembro, n" 717 - Vila Isabel - Tel: (021) 204-2366

CMS HEITOR BELTRÃO R. Desembargador Isidro, n" 144-Tijuca-Tel: (021) 268-7352

CMS JOSÉ PERANHOS FONTENELLE R. Leopoldina Rego, n° 700 - Penha - Tel: (021) 280-2922

CMS MILTON FONTES MAGARÃO R. Amaro Cavalcante, n° 1.387- Eng. de Dentro - Tel: (021) 289-9197

CMS CLEMENTINO FRAGA R. Caiçaras, n" 514 - Irajá - Tel: (021)351-8589

CMS JORGE SALDANHA BANDEIRA DE MELLO Av. Geremário Dantas, n° 135-Jacarepaguá-Tel: (021) 392-1555

CMS WALDIR FRANCO Pça. Cecília Pedro s/n°- Bangu -Tel: (021) 331 -1270

CMS BELIZÁRIO PENA R. Franklin, n° 29 - Campo Grande -Tel: (021) 394-2418

CMS LINCOLN DE FREITAS (em implantação) R. Lopes de Moura, n°46-Santa Cruz-Tel: (021) 395-1315/0605

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Audiologia Clínica

Triagem Auditiva Neonatal Universal nas Maternidades da Secretaria

Municipal de Saúde do Rio de Janeiro Arthur Marcelo G. Carvalho*

A Gerência de Programas de Fonoaudiologia da SMS/RJ implantou a Triagem Auditiva Universal nas sete maternidades da rede.

A implantação do programa tem sido um grande desafio, mediante a grande demanda envolvida. Nas sete maternidades nascem, em média 2.500 bebês ao mês, sendo 30.000 ao ano.

Possuímos um fluxo específico para adequarmos à realidade da rede pública. Todos os bebês, de risco ou não, são triados através do equipamento de emissão otoacústica com produto de distorção portátil. Os que não passam na triagem são encaminhados para um dos três Pólos de Audiologia, distribuídos estrategicamen­te no município para conclusão diagnostica. Estes pólos estão equipados com audiômetros clínicos de dois canais, cabines acústicas com campo livre, impedanciômetros, timpanômetros pediátricos, instrumentos sonoros, emissão otoacústica com produto de distorção para conclusão diagnostica etc, sendo que um dos pólos possui um BERA para diagnóstico diferencial de patologias retrococleares. Caso seja diagnosticada a deficiência auditiva, o paciente inicia o processo de seleção e adaptação de AASI, doado pelo programa e após ser protetizado é encaminhado para um dos dez pólos de deficientes auditivos mais próximo de sua residência para estimulação auditiva.

O programa tem gerado informações metodológicas, dados epidemiológicos para ações preventivas, além da experiência de toda a equipe de fonoaudiólogos hospitalares, fonoaudiólogos audiologistas clínicos e educacionais.

Maternidades (triagem)

• Maternidade Oswaldo Nazareth • 1MM Fernando Magalhães • HM Miguel Couto • Maternidade Carmela Dutra • Maternidade Herculano Pinheiro • Maternidade Alexander Fleming • Maternidade Leila Diniz

Pólos de Audiologia (conclusão diagnostica)

CMS Manoel José Ferreira HM Jesus CMS Milton Fontes Magarão

•Fonoaudiólogo e Subgerente de Ação Terapêutica Diferenciada da Gerência de Programa de Fonoaudiologia da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

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Aquisição de Língua Portuguesa - Modalidade Oral

A Construção da Língua Portuguesa, Modalidade Oral: Reflexões a Partir de uma Abordagem Fonoaudiológica Valderez Prass Lemes*

Todos sabemos que o conhecimento do desenvolvimento normal das etapas de evolução da percepção auditiva e a construção da linguagem são necessários para que tenhamos parâmetros para avaliar e traçar metas de atuação, quando estamos diante do desenvolvimento alterado de um indivíduo, devido às limitações e impli­cações que a deficiência auditiva acarreta.

A literatura nacional e internacional nos premia com autores conceituados que abordam estes temas, com propriedade, nos passando conhecimentos científicos que norteiam nossos trabalhos. Assim sendo, neste texto, não pretendo transcor­rer a respeito desses assuntos, e sim pontuar itens que nos levem a refletir a respeito de nossa atuação como profissionais que somos, atuando com a (ha)reabilitação auditiva e a construção da linguagem.

Em meu ponto de vista, o fonoaudiólogo que trabalha com o surdo, antes de adotar qualquer metodologia, filosofia, abordagem ou modelo teórico para estruturar sua atuação dentro da Audiologia Educacional, deverá ler em mente:

• o desenvolvimento do indivíduo como um todo bio-psíquico social; • estar com a criança, não é uma soma (eu + você), é uma interação (eu com

você), que levará à internalização da cultura e à construção da linguagem; • a linguagem tem origem no ciclo de vida da pessoa. E construída muito antes

das primeiras emissões, iniciando-se desde a fase pré-linguística; • a família é o agente construtor da linguagem no início da história de vida de uma

criança. De sua interação e estimulação vai resultar o desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo, social e verbal da criança;

• a família tem de ser informada a respeito das alterações que acarretaram a surdez durante o desenvolvimento da criança, para poder entendê-la, aceitá-la e a partir daí atuar, interagindo com ela. Se faz incluso também o conhecimento da importância do uso do AAS1 ou Implante Coclear Multicanal, seu manu­seio e manutenção;

• os avanços científicos e tecnológicos em relação às pesquisas de AASI, cada vez mais eficazes na busca da melhor qualidade de vida para os portadores de deficiência auditiva, em qualquer tipo e grau de perda, são de suma importân­cia na época atual;

• as pesquisas e resultados obtidos com o advento do Implante Coclear

'Especialista em Linguagem e em Audiologia; Professora convidada do curso de pós-graduação, especialização do IBMR, da Universidade Estácio de Sá e do CEFAC/RJ; Autora de livros específicos para trabalhar Português com os Surdos e Membro do Conselho Federal de Fonoaudiologia.

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Multicanal, têm sido aliados consideráveis para aqueles cujo uso do AASI dão nenhum ou poucos resultados;

• a importância das avaliações audiológicas periódicas visando que a Audiologia Clínica e Educacional atuem em conjunto;

• a (ha)reabilitação auditiva, independente do tipo e grau da perda auditiva, é um falo que não pode ser negado e um elemento básico para o desenvolvimento do indivíduo para que possa vir a construir a Língua Portuguesa na modalidade oral; atualização constante do profissional na busca e conhecimento de novas tecnologias que possam vir a auxiliar nosso desempenho profissional junto à criança surda. Atualmente contamos com aparelhos vibradores, sistemas FM, programas especializados, usados em computador;

• cada caso é único; os surdos não são todos iguais. Temos de levar em conta aspectos relevantes como a etiologia, o grau, o tipo de perda auditiva, a idade em que ocorreu (pré ou pós-lingual), a idade cm que foi diagnosticada e protetizada, se é bi ou monoaural, a localização (periférica ou central), a exis­tência ou não de problemas associados, as habilidades de comunicação e cognitivas inerentes a essa criança c principalmente à sua família;

• em nível de amplificação sonora, com uma indicação bem feita, há possibilidade de serem alcançados limiares auditivos que compreendem os espectros da fala; o homem tem de ser exposto à linguagem desde os primeiros anos de vida, para que seu desenvolvimento não seja prejudicado, para que possa ter acesso à cultura e seu discurso seja eficiente no processo de comunicação. "Falamos para dizer a nós mesmos o que pensamos, a fala é parte do pensamento" (Jackson). Para que a criança surda venha a construir a Língua Portuguesa, além de levar­

mos em conta os tópicos acima mencionados, devemos atuar com a sua família, provendo-a de estratégias de comunicação, visando desenvolvê-la globalmente nos contextos familiar, escolar, social, enfim, no contexto da vida dela e da família.

Nossa orientação priorizará: • orientar a família e fazer com que seja nossa aliada no processo de desenvolvi­

mento da criança e da construção da linguagem; • criar ambiente propício para a construção da linguagem do desenvolvimento e

das habilidades auditivas, através do uso constante do AASI ou Implante Coclear Multicanal; gerar situações propícias de diálogos (jogos e brincadeiras);

• aceitar a sugestão da criança (suas tendências e preferências); • levar os irmãos ou amigos a participarem das brincadeiras, passeios, festas,

jogos, enfim, de todas atividades comuns à vida de uma criança, e encorajar a comunicação com pessoas de fora;

• saber estimular e esperar a criança se expressar (dar espaço e tempo para que ela manifeste sua linguagem);

• filmar a atuação do profissional com a criança (para análise, autocrítica e possíveis atitudes mais adequadas); usar uma linguagem interessante, em nível de criança, e vir crescendo com ela, sempre enriquecendo a linguagem com novas informações. A princípio use frases simples, que com o passar dos anos irão se estruturando em busca de uma complexidade, tendo como referencial um contexto significativo;

• reestruturar o diálogo com ela, para que do conteúdo apresentado pela própria criança surjam estruturas mais adequadas, semântica e gramaticalmente;

• cuidar do vínculo criança / família / fonoaudiólogo;

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• Saber improvisar e tirar proveito das improvisações da criança; • Não influir naquilo em que acha que a criança está querendo lhe passar. Dê o

tempo hábil para ter certeza da necessidade da criança e interagir com ela, indo ao encontro das suas necessidades;

• Nunca achar que o jogo proposto é demasiadamente fácil ou difícil, e por isso não permiti-lo ou bloqueá-lo ou sugerir outro. A criança gosta de repetir situações e a repetição de atos e ações através de atitudes aurais-orais é impor­tante. Explore o mesmo jogo de maneiras diferentes sempre acrescentando (somatório) informações de linguagem, enriquecendo-o; Não pense que a criança não é capaz. Somos nós que não sabemos chegar em seu nível, aproveitando o que possa nos dar, e dali tirar bases para a criatividade e construção de um discurso rico; e,

• A criança surda nada mais é do que uma criança que tem de passar pelas mesmas fases de desenvolvimento global como qualquer outra, para que possa crescer e construir uma linguagem que lhe possibilitará as enunciações verbais que configurarão seu discurso, manifestado pelo uso da Língua Portuguesa.

Considerações Finais

Atuando há mais de 25 anos com crianças surdas dentro de uma proposta de trabalho que enfoca a audição e a linguagem, objetivando que essas crianças pos­sam construir e usar funcionalmente a Língua Portuguesa na modalidade oral, os princípios que continuam segmentando minha trajetória vêm sendo fundamenta­dos na abordagem aural-oral.

Na abordagem aural-oral, alguns princípios precisam ser observados, como diagnóstico precoce; a indicação e adaptação precoce de AASI ou uso de Implante Coclear Multicanal, quando indicado; o desenvolvimento da percepção auditiva através do trabalho auditivo das habilidades auditivas; a orientação às famílias (um enfoque); o desenvolvimento da linguagem; a orientação à escola da criança.

Podemos acrescentar também o uso de tecnologia como recurso para o traba­lho; vibrador tátil; sistema de FM; programas especializados para computadores.

O trabalho cm grupo com as crianças também é realizado visando a construção da linguagem. Este é de grande proveito, pois a interação com o amigo surdo, a troca de turnos de papéis na conversação, o respeito à pessoa do outro, o controle dos seus impulsos emocionais, a passagem de troca de experiência, toda a interação entre os elementos do grupo, faz o trabalho crescer e a linguagem fluir através da verbalização das situações. Este grupo é assessorado por uma fonoaudióloga e uma psicopedagoga.

Os resultados que eu e minha equipe temos obtido ao longo dos anos têm sido muito gratificantes. Com satisfação vemos que a grande maioria destes indivíduos consegue usar funcionalmente a Língua Portuguesa e muitos já chegaram à univer­sidade.

Não existe nada mais sublime do que propiciar juntos (profissionais, família, escola) a integração social de um indivíduo que a natureza fez deficiente, de um dos sentidos básicos para a sobrevivência e comunicação, através da interação audição e linguagem, visando o domínio da Língua.

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Aquisição de Língua Portuguesa - Modalidade Oral

Método Audio + Visual de Linguagem Oral para Crianças com Perda Auditiva e Necessidade Atual

do Surdo Oralizado Jordelina Montalvão Corrêa*

Apresentação da metodologia

Minhas primeiras palavras são de agradecimento a Deus e à Comissão Organizadora, pelo convite para participar do V Seminário Nacional do INES.

Essa participação é motivo de alegria, já que fui aluna do INES no Curso de Especialização de Professoras para Surdos no ano de 1972, que foi muito impor­tante na minha trajetória profissional.

Como professora especializada para surdos e da prática clínica, como fonoaudióloga especialista em linguagem - C.F.P, venho desenvolvendo a Metodologia Audio+Visual de Linguagem Oral para crianças com perda auditiva.

O tema dessa Mesa Redonda: Aquisição da Língua Portuguesa - Modalidade Oral, numa abordagem social, educacional e clínica, me faz afirmar que o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa, dentro da filosofia oralista tem como meta o desenvolvimento:

• do treino auditivo; • da voz/fala - articulação; • da linguagem oral -aprendizado do modelo da língua (diálogo).

O processo na percepção dessa Metodologia é que o êxito dessa aprendizagem independe da gravidade da perda auditiva (se leve, moderada, severa, ou profun­da). Essa aprendizagem depende, isso sim, do trabalho integrando os quatro fato­res: a criança, o aparelho auditivo, a família e os profissionais da área, observan­do-se que:

•Fonoaudióloga e professora especializada: Autora do livro "Surdez e o método audiovisual da linguagem oral".

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• 25% do tratamento -> E a criança ter apenas perda auditiva e iniciar o trata­mento a partir da estimulação precoce, entre zero e três anos);

• 25% do tratamento -> É o uso do aparelho auditivo adequado para o seu quadro; • 25% do tratamento -> É a participação e o engajamento da Camiliano tratamento; • 25% do tratamento -> É o atendimento adequado pelos profissionais da área.

Desenvolvimento do Método

• Estágio A - estimulação precoce (crianças de zero a três anos) meta: recepção do pensamento oral;

• Estágio B - pré-escolar (crianças de três a cinco e seis anos) meta: estruturação do pensamento oral;

• Estágio C- a alfabetização (crianças a partir de seis anos) meta: mecânica da leitura e da escrita;

• Estágio D - da leitura à interpretação (crianças após a alfabetização) meta: leitura com compreensão e interpretação.

Com a junção desses fatores e estágios, a criança irá se desenvolver dentro da maior igualdade possível, em relação à criança ouvinte, no aprendizado da comuni­cação oral e da socialização.

Essa visão da criança com perda auditiva, tornou-se realidade a partir dos inúmeros pacientes/crianças que se tornaram adultos, fazendo uso normal da Lín­gua Portuguesa oral/escrita.

No entanto, às vésperas do século XXI, a falta de informação sobre a oralização dessas pessoas as impedem de uma vida mais completa, apesar da surdez, mesmo lendo conseguido descobrir e desenvolver suas potencialidades, na audição, na linguagem oral, na escolaridade e como pessoas.

Passo a relatar as dificuldades que vêm acontecendo com alguns ex-pacientes da Metodologia e que hoje são alunos universitários. Faço das palavras deles a minha palavra, já que eles me autorizaram expor esse assunto. Antes porém farei a apresentação deles:

• Graziella Castelões Faiai - aluna da Faculdade de Arquítetura (UNESA) - É portadora de uma perda auditiva neurosensorial bilateral em grau profundo;

• Mariza Mara Mattos Salazar - aluna da Faculdade de Direito (UNESA) - É portadora de uma perda auditiva neurosensorial bilateral em grau profundo;

• Raul Silva Pinheiro - aluno da Faculdade de Astronomia (UFRJ) - E portador de uma perda auditiva neurosensorial em grau profundo.

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PROPOSTA PARA MAIOR PARTICIPAÇÃO DOS SURDOS ORALIZADOS

EM SALAS DE AULA NAS UNIVERSIDADES

Ouça o que o surdo oralizado tem para lhe dizer:

- Lutamos por uma universidade que nos inclua!

APRESENTAÇÃO

Ouvimos mais do que a sociedade

As vésperas do século XXI, sobrevivem os preconceitos contra os deficientes auditivos. Embora leis, portarias e declarações de direitos internacionais aparente­mente nos garantam direitos legais, a sombra do preconceito c da discriminação ainda nos impede de ter uma vida socialmente integrada. O primeiro preconceito é o de que o surdo também é mudo - ou quiçá retardado. A ele é reservado, no mercado de trabalho, apenas funções como as de faxineiro, lixeiro ou de, no máxi­mo, digitadores em ambientes barulhentos. Consideramos que. assim como outras profissões, as de faxineiro e lixeiro são dignas, mas queremos garantir o nosso direito à escolha pessoal, com base na Declaração Internacional dos Direitos dos Deficientes:

"As pessoas deficientes têm direito à segurança econômica e social e a um nível de vida decente e, de acordo com suas capacidades, a obter e manter um emprego ou desenvolver atividades úteis, produtivas e remuneradas c a participar de sindicatos."

Todos os deficientes auditivos, se trabalhados desde a infância, podem se comunicar pela fala e de se integrar à sociedade de maneira produtiva, podendo escolher sua profissão, guardadas as limitações evidentes. Somos surdos, sim, mas falamos e muitos de nós, hoje, estudam em universidades, onde muitas vezes esbarramos em dificuldades concretas de aprendizado nas salas de aula.

O simples preconceito é incompatível com a cidadania, que se pretende esten­der a todo o cidadão brasileiro. Esta é uma causa que deve ser defendida por todos, porque é a todos atinente.

Por essas dificuldades, vimos a necessidade de organizar reuniões, uma vez por mês na Clínica Espaço de Fonoaudiologia de JMC, no Flamengo, orientados por psicóloga e fonoaudiólogas, expor nossas dificuldades e nos organizar com o objetivo de elaborar uma proposta para melhorar nosso aproveitamento em sala de aula, através da conscientização de professores, diretores, reitores e demais mem­bros da universidade.

O primeiro passo é a constituição de uma entidade sem fins lucrativos, com o objetivo claro de formar um grupo de surdos dispostos a fazerem valer os seus direitos.

Objetivos da Proposta

A presente proposta objetiva obter ajuda para os estudantes universitários com perda auditiva leve, moderada, severa ou mesmo profunda e que falam, com a finalidade de conseguir melhor participação em salas de aula, podendo assim,

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absorver melhores informações necessárias à sua formação acadêmica e deixar claro a necessidade de criação de meios de orientação e conscientização do corpo docente a respeito dos deficientes auditivos que falam, de forma a acabar com o conceito medieval de que todo surdo é mudo.

Dificuldades e Soluções

A Portaria do Ministério da Educação de n" 1.679, de 2 de dezembro de 1999, dispõe o seguinte, no artigo 2o alínea "c":

"Para alunos com deficiência auditiva. Compromisso formal da instituição de proporcionar, caso seja solicitada,

desde o acesso até a conclusão do curso: quando necessário, intérpretes de língua de sinais/língua portuguesa, especialmente quando da realização de provas ou sua revisão, complementando a avaliação expressa em texto escrito ou quando este não tenha expressado o real conhecimento do aluno: flexibilidade na correção das provas escritas, valorizando o conteúdo semântico; aprendizado da língua portuguesa, principalmente na modalidade escrita (para o uso do vocabulário pertinente às matérias do curso em que o estudante estiver matriculado); materi­ais de informação aos professores para que se esclareça a especificidade linguís­tica dos surdos."

Até agora, no entanto, nem mesmo alguns procedimentos dentro da sala, que são prejudiciais ao aprendizado total, são observados:

• Professor fala de costas para a classe: a maioria dos deficientes auditivos faz leitura labial para complementar o entendimento sonoro: portanto, seria necessário que o professor falasse de frente para a turma, se possível sobre um tablado colocado nas salas de aula, como já existe em algumas universidades, para facilitar o aluno a fazer leitura labial. Informações importantes, como data, horário, matéria de provas, adiamento das mesmas e trabalhos, são apenas faladas: torna-se necessário escrever essas informações no quadro ou avisar o aluno pessoalmente (por causa de barulhos externos ou até mesmo da conversa de alunos dentro da sala, há dificuldade na assimilação do que o professor fala).

• Mudanças repentinas sobre datas ou locais de provas e trabalhos, avisos sobre a ausência do professor ou qualquer outro aviso importante por meio oral: assim como no caso anterior, todos esses avisos devem ser escritos no quadro ou informados diretamente ao estudante.

• Falta de livros universitários específicos: mesmo com o professor falando de frente para a classe, escrevendo no quadro os tópicos da matéria e o aluno copiando de um colega tudo o que foi dito: é fundamental que o professor passe, junto com a matéria, uma bibliografia relacionada à matéria dada para que o aluno possa estudar em casa e absorver todo o plano de aula. Nas aulas de projeção de slides e transparências no telão, apagam-se as luzes -prática comum nas universidades dopais - é extremamente prejudicial ao aluno com perda auditiva: seria útil manter uma iluminação parcial que pro­piciasse mais claridade, pois ele não pode ler os lábios do professor e saber o que acontece ao seu redor, no escuro!

• Os sons externos, não inerentes ao processo de ensino, atrapalham as pessoas que fazem o uso do aparelho auditivo. Alunos conversando, pessoas no corredor, aparelhos que geram ruídos e todas as formas de som no ambiente

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são capazes de desviar a concentração e dificultar o entendimento da maté­ria dada: diminuir ao máximo a quantidade de ruído de máquinas (ex: ventila­dores, ar condicionado) e pedir a compreensão da turma e dos professores. O uso da indução magnética nas salas grandes, auditórios e diversas dependên­cias da universidade solucionaria este problema.

• Quando a sala for grande e não houver mais lugar na frente, o aluno acaba tendo que sentar no fundo da sala: sempre reservar lugares na frente para alunos deficientes, a fim de lhes proporcionar melhor leitura labial.

• Que a universidade crie um sistema de incentivo para que um aluno volun­tário, de bom nível, possa monitorar o aluno deficiente auditivo, fornecen-do-lhe a matéria tratada em aula por escrito, ou que lhe esclareça as dúvidas que não sejam de responsabilidade direta do professor: infelizmente, o que outrora ocorria por mera solidariedade, hoje em dia deve ser premiado. Os alunos, de modo geral, não têm paciência para esclarecer dúvidas dos colegas com perda auditiva, demonstrando nitidamente má vontade a cada vez que são solicitados. E sempre constrangedor para um aluno deficiente ter de depender de outro para obter informações que não conseguiu captar. Desse modo, faze­mos à entidade de ensino uma sugestão para que seja criado um sistema de bolsa parcial ou de crédito em notas, caso alguém se voluntarize para ajudar o outro colega, portador de deficiência auditiva.

As medidas acima sugeridas dependem única e exclusivamente da boa vontade do professor e da entidade de ensino. Na sua maioria, fazem parte de procedimen­tos metodológicos comuns a qualquer ensino, mas muitas vezes são esquecidas ou negligenciadas.

Finalidade da proposta

A finalidade desta proposta é minimizar os problemas provocados pela falta de informação do corpo docente e da sociedade em geral a respeito de deficientes auditivos oralizados. Os professores não estão orientados para lidar com alunos surdos e muitas vezes agem de forma inadequada, tratando-os diferentemente.

Esta proposta também faz parte de um projeto maior que é a luta das pessoas com perda auditiva oralizadas que querem mostrar aos ouvintes que têm sua capacidade e querem também que a sociedade garanta-lhes os direitos, de forma geral.

Aproveitamos a oportunidade para agradecer a algumas emissoras de televisão a introdução do "closed caption " que nos permitiu a compreensão dos programas de forma independente. E também às empresas de telefonia celular pelos benefí­cios da comunicação através dos envios e recebimentos de mensagens.

Conclusão

Essa matéria nos mostra que, pior do que uma deficiência é a falta de eficiência na formação e informação da mídia, da escola e da sociedade em geral.

Por isso, aproveito o ensejo para parabenizar o Instituto Nacional de Educa­ção ao Surdo - INES, por proporcionar essa diversidade de formação e informação na área da surdez.

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Aquisição de Língua Portuguesa - Modalidade Oral

Discriminação Auditiva para Surdos Severos e Profundos Eliane Alonso Novello*

Há algum tempo, para os portadores de surdez severa e profunda, não existia muita chance de desenvolver a linguagem oral e muito menos a percepção auditiva.

Nós seres humanos temos uma característica que nos faz bem diferentes em relação à comunicação: organizamos nosso pensamento, traduzimos em palavras os nossos sentimentos, os nossos anseios, colocamos na entonação, toda a nossa mensagem emocional. Criamos nossa própria linguagem; nós vivemos e nos relaci­onamos através do que falamos.

Não importa em que lugar do planeta nascemos, temos todos a capacidade de aprender a língua pátria. Essa capacidade está em cada um de nós.

Por outro lado, sabemos também que uma criança ouvinte que viva em ambi­ente silencioso e sem estimulação vai ter dificuldades para adquirir a linguagem oral. Ouvir e participar é fundamental.

Na minha opinião, o objetivo principal da comunicação e da linguagem é, sem dúvida, a integração social. Nós só somos felizes se integrados. Faz parte da nossa natureza.

Hoje, em pleno ano 2000 enquanto vemos a tendência global em abolir precon­ceitos, deparamos com conceitos como:

• quem é surdo é mudo, • portador de surdez severa ou profunda não precisa usar AASI, porque não

adianta; • que os D.A. precisam de uma linguagem especial porque não são capazes de

adquirir a língua falada em seu país.

E o pior e mais cruel de tudo que devem relacionar-se somente ou principal­mente entre eles mesmos e estudar em escolas especiais para D.A. onde devem procurar cursos profissionalizantes; muitas vezes aquém de sua capacidade inte­lectual.

E então, vejo com tristeza que, no momento em que a humanidade está tentan­do derrubar barreiras, ainda vemos pessoas tentando excluir, privar um ser huma­no do seu direito à língua pátria no seu próprio país.

O meu tema de hoje há algum tempo atrás, seria considerado sandice. Para entendermos melhor, o primeiro passo é compreender o processo de

percepção do som. Para que um som seja percebido é necessário uma intensidade dentro do limiar

auditivo, que no portador de surdez severa e profunda é tão baixo que temos que aumentar muito a intensidade. É necessário também que este som dure por volta de

*Fonoaudióloga e representante da AIPEDA. Pós-graduada em Metodologia Audiofonatória, Audiologia Educacional e Voz Falada

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um centésimo de segundo porque se for muito breve ouve-se apenas um clique, mas se ele dura por um período maior é melhor percebido.

Com base nesses fatos, podemos afirmar que a duração do som é o elemento decisivo para a sua percepção.

Dentro da metodologia audiofonatória a educação auditiva é essencial para a aquisição da linguagem oral o mais naturalmente possível, baseando-se todo o processo em que todos nós, inclusive os D.A., temos dois tipos de limiares de audição:

1) Limiares absolutos 2) Limiares diferenciais A educação auditiva se faz propiciando o desenvolvimento dos limiares dife­

renciais. As etapas da educação auditiva são as seguintes: • Audição passiva • Ausência e presença de som • Duração (ritmo e melodia) • Intensidade • Frequência A seguir foi exibido um vídeo com a demonstração prática do processo de

discriminação auditiva.

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Aquisição de Língua Portuguesa - Modalidade Orai

Ana Maria de Oliveira*

A Associação de Reabilitação e Pesquisa Fonoaudiológica - ARPEF, que atua no Rio de Janeiro desde 1986, portanto há 14 anos, inicialmente realizava um trabalho que visava a aquisição de língua oral; a partir de 1990, após estudos da problemática da surdez, adotou uma proposta bilíngue.

A língua oral é estimulada através da Metodologia Verbotonal e a língua de sinais (Libras) através da interação com instrutores surdos.

A passagem de uma proposta oralista para uma proposta bilíngue não foi devido a nenhum descrédito na oralização dos surdos, foi determinado por um olhar novo, dentro da perspectiva mais ampla, apoiada em bases científicas e humanísticas.

A abertura desse espaço mostrou que mesmo que o surdo consiga uma oralização satisfatória, um bom rendimento escolar e uma integração familiar e social adequada, permanecerá sempre na condição de surdo.

São os próprios surdos que nos mostram isso; hoje os que se tornaram biculturais, participam da comunidade surda, são mais integrados, realizados e felizes, inclusive na sociedade de ouvintes.

Vocês podem perguntar: - Por que oralizar? E sistematicamente podemos responder que 95% das crianças surdas, têm

pais ouvintes; a sociedade em que vivemos é de ouvintes, e a língua falada é o principal meio de comunicação; finalmente, porque existe uma real possibilidade de se criar condições para que ocorra uma oralização satisfatória.

Portanto, consideramos indispensável darmos oportunidade à criança surda para adquirir as duas línguas em momentos distintos:

1) a língua oral utilizando a Metodologia Verbotonal; 2) a língua oral na interação com instrutores surdos.

Método Verbotonal de Educação da Audição e Linguagem

O Método Verbotonal foi criado pelo professor Peter Guberina, linguista jugoslavo que estudou os sons da fala.

É um método de reeducação que objetiva ensinar a falar as crianças com qual­quer grau de deficiência auditiva, não se preocupando com o grau da deficiência.

Desde 1939, Peter Guberina levantou a importância do ritmo e da entonação na percepção e produção da fala. Continuando seus estudos, parte para uma análise da linguagem dentro da visão interacionalista e pragmática, já que considera a língua falada um ato social. "- Neste sentido o significado da fala é transmitido não só através de elementos linguísticos mas também através de formações auditi­vas e visuais presentes no ritmo, na entonação, na intensidade, no tempo, na pausa, na tensão e nos gestos do falante" (Guberina, 1991).

A análise da linguagem proposta por Guberina, está centrada no ato da comu­nicação diferente do ato da fala, levando em conta como a mensagem é passada e como é percebida.

Guberina levanta dois pontos de grande importância para a sua metodologia que são:

•Fonoaudióloga da Associação de Reabilitação de Pesquisas Fonoaudiológicas.

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a) a linguagem deve ser desenvolvida dentro de um contexto significativo: o método cria estratégias naturais para o processamento e aquisição da língua em situações de comunicação.

b) A importância da estimulação do resíduo auditivo, incentivando o uso de AAS1.

A Metodologia Verbotonal faz uso de técnicas que utilizam estratégias espe­ciais capazes de estimular a aquisição e desenvolvimento da linguagem da fala: conjunto, audiovisual, ritmo corporal, ritmo musical e o atendimento individual.

• Conjunto - visa fundamentalmente a ampliação do universo linguístico da criança, trabalhando cm nível semântico - cognitivo. Esse processo segue o caminho natural da aquisição, da linguagem; centrada num tema de interesse busca-se criar situações lúdicas e prazerosas, situações facilitadoras da aquisi­ção, compreensão e expressão da linguagem oral. A língua falada é sempre apresentada dentro de um contexto; a fala tem significado.

Audiovisual - trabalha a estimulação da língua em nível morfossintático. Através de estórias contendo diálogos, busca-se estimular a aquisição da lin­guagem possibilitando a fala espontânea através da língua gramaticalmente correta. É em torno do tema do audiovisual que o trabalho desenvolvido nos outros atendimentos (conjunto, rítmica corporal, musical e individual) se estruturará.

• Rítmica Corporal - é uma das técnicas básicas que compõem o Método Verbotonal, onde a fala é ensinada através de movimentos corporais e movi­mentos rítmicos. O corpo tem um papel de grande importância na comunica­ção, e podemos afirmar que o corpo fala. A rítmica corporal busca uma harmonização da tonicidade do corpo a fim de criar melhores condições para que a fala ocorra. Além disso busca desenvolver nas crianças a percepção de como nosso corpo pode participar como agente facilitador na emissão dos fonemas. Buscamos colocar nosso corpo dentro de condições que expressem as características do fonema em questão: para um fonema mais relaxado leva­mos nosso corpo a esse estado com movimentos mais relaxados e com pouca tensão em condições optimais favoráveis à emissão desse fonema. Os movi­mentos usados no ritmo corporal não são padronizados, pouco a pouco os macromovimentos vão se reduzindo até a suspensão total.

Rítmica Musical - desenvolve os valores supra-segmentais da fala, permitin­do ao surdo adquirir boa pronúncia e fala mais natural possível. Busca levar a criança a perceber diferentes entonações, duração, tensão e pausa a fim de que ela possa vir a usá-la na sua comunicação oral espontânea. O ritmo musical faz uso de estruturas rítmicas compostas de sílabas simples, palavras e frases, utilizadas de acordo com o nível linguístico e as condições rítmicas das crian­ças.

Individual O atendimento individual vem complementar o trabalho feito no grupo e tem por objetivos:

- pesquisa e adaptação de AASI;

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- estimulação do canal auditivo; - trabalhar a aquisição dos fonemas; - fixação do material trabalhado nas atividades de grupo; - trabalhar a atenção e concentração da criança; - integrar os pais ao processo de reabilitação; e, - trabalhar as necessidades específicas de cada criança.

As técnicas da Metodologia Verbotonal, apesar de usarem diferentes estraté­gias e de enfocarem determinados aspectos da linguagem, são articuladas como parte de um sistema funcional, buscam a internalização com um todo.

A língua falada é sempre apresentada dentro de um contexto; é mais bem aprendida através da comunicação, e assim o trabalho em grupo permite um exer­cício linguístico mais eficiente.

A orientação e participação dos pais é fundamental: eles serão os grandes provocadores do desenvolvimento da linguagem dos seus filhos através da sua interação diária.

Concluindo, a ARPEF com sua proposta bilíngue, garante a "comunicação surdo-surdo e surdo-ouvinte, na medida em que a língua de sinais (LIBRAS) é oferecida como uma língua natural eficiente, e a comunicação oral descrita neste trabalho através da proposta Verbotonal, é buscada como recurso importante e facilitador à vida desses indivíduos dentro da sociedade de ouvintes." (Dale, Helena).

Rio de Janeiro, 5 de setembro de 2000-10-11

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Apresentação de Trabalhos

Aspectos Psicossociais da Comunicação entre Pais Ouvintes e Filhos Surdos que

Utilizam-seda LIBRAS Cíntia N. Madeira Sanchez*; Célia Cristina Lobato** e

Giani Maria R. Cabrini Ernestino***

O Núcleo Integrado de Reabilitação e Habilitação é um programa do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo - HRACV USP, em Bauru, que realiza atendimento a surdos, oferecendo apoio pedagógico em língua portuguesa escrita, o ensino da LIBRAS e educação profissional, visando seu desenvolvimento pessoal e profissional dentro da filosofia bilíngue. Esse programa estende-se também na sua especificidade a portadores de fissura lábio-palatal.

Nesta proposta enfatiza-se o trabalho com as famílias dos surdos, partindo do princípio que apesar da controvérsia sobre métodos de comunicação, há uma área de concordância unânime: os pais são essenciais para o desenvolvimento emocio­nal, social e linguístico de uma criança surda. Nem todos os profissionais do mundo poderiam substituí-los.

O objetivo deste trabalho é mostrar a importância da participação efetiva da família no processo de desenvolvimento social, pessoal e educacional dos deficien­tes auditivos; trabalhar tanto os aspectos emocionais, quanto a dificuldade de comunicação; sensibilizar a família ao adotar uma nova filosofia educacional para seus filhos; orientar a família quanto à necessidade de seus filhos tornarem-se independentes, atuantes, participativos do meio social; sensibilizar e incentivar a família quanto à nova modalidade de comunicação aceita ao ingressar neste progra­ma; mostrar à família a importância de se desenvolver a língua oficial do país na modalidade escrita, como facilitador da comunicação entre ouvintes-surdos.

O Grupo de Família é realizado uma vez por mês, no sábado. Tem a duração de duas horas, é dirigido por uma psicóloga, uma fonoaudióloga e uma assistente social, quando é aplicado um questionário - antes dos temas serem abordados -com questões referentes ao relacionamento e à comunicação na família, para pos­terior avaliação das mudanças ocorridas; para possibilitar melhor análise dos resul­tados, as sessões serão filmadas.

Os assuntos são elaborados previamente e selecionados pelos técnicos ou surgidos do interesse do próprio grupo: aspectos da surdez, orientação quanto à filosofia bilíngue, etiologia da surdez, entre outros.

Esta proposta de trabalho já possui alguns dados parciais.

Referências Bibliográficas

FREMAN, R.D.; CARBIN, CF. ; BOESE, R.J. Seu filho não escuta? Um guia para todos que lidam com crianças surdas. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - corde. valci. 1999-356 p.

'Psicóloga; Especialista em Psicopedagogia - HRAC7USP. Bauru/SP; ••Assistente Social - HRAC/USP. Bauru/SP; •••Fonoaudióloga - HRAC/USP. Bauru/SP.

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Apresentação de Trabalhos

Uma Proposta de Intervenção Educacional para Alunos Surdos Rosimar Bortolini Poker*

Constatou-se em pesquisa anterior que a forma pela qual os métodos de ensino de surdos vêm sendo empregados não estão favorecendo ao desenvolvi­mento cognitivo, porque não exercitam a capacidade de representação, comprome­tendo o desenvolvimento do pensamento. As trocas simbólicas permitem ao sujei­to a interação efetiva com o meio, dando-lhe condições de absorver suas solicita­ções e desenvolver-se cognitivamente, devendo ter um espaço garantido no mo­mento da intervenção pedagógica, levando o aluno a reorganizar progressivamente suas estruturas cognitivas.

A presente pesquisa pretendeu avaliara ação de uma metodologia baseada nos pressupostos teóricos piagetianos, nos quais se considera a importância da troca simbólica. Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica com o intuito de compreender as categorias fundamentais que deveriam orientar a prática pedagógi­ca na teoria de Piaget, para instaurar o incremento da troca simbólica. Depois, constituíram-se dois grupos de sujeitos surdos: um de controle e outro de inter­venção. Foram selecionados quatro sujeitos de nove a catorze anos para cada grupo, portadores de surdez severa/profunda. Os sujeitos deveriam apresentar atraso na avaliação cognitiva. Para a avaliação empregaram-se as provas operató­rias de Piaget e as provas sobre a construção do real. A seguir, iniciou-se a inter­venção solicitando aos sujeitos a organização de fatos e acontecimentos numa sequência lógica espaço-temporal, para o exercício da atividade representativa. Realizaram-se 60 encontros com o grupo de intervenção em 16 meses. Os resulta­dos indicaram que os sujeitos desenvolveram significativamente a capacidade de organização representativa, as noções de espaço, tempo, seriação, classificação e conservação, diferentemente do que ocorreu com aqueles do grupo de controle. Constatou-se que uma proposta de trabalho pedagógico precisa considerar as necessidades diferenciadas do aluno surdo para este poder superá-las, possibili­tando o desenvolvimento de seu pensamento.

*Departamento de Educação Especial da FFC/UNESP. Marília/SP

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Apresentação de Trabalhos

Aquisição Léxica Inicial em Duas Crianças Surdas

Andréa Ortiz Corrêa*

Abstract

The present paper refers lo the beginning lexical acquisition in 2 deafchildren of listening paratis, weekly watched for 4 months at their school.

We have identified dialogue processes in lhe communicative activily, the time of oralang signs language acquisition the children are in, the variety and amounl of signs expressed by them. Besides, we have lested their comprehensive and expressive vocahulary, and have analysed their communicalive interaction at school.

Sumário

O objetivo da presente pesquisa foi investigar a aquisição léxica inicial em duas crianças surdas, filhas de ouvintes, a partir de observações e filmagens semanais da atividade comunicativa na escola, pelo período de quatro meses.

O sujeito 1 iniciou a pesquisa com dois anos e cinco meses de idade, apresen­tou características correspondentes ao período do balbucio na língua oral e primei­ras combinações na Língua de Sinais. Seus resultados na testagem do vocabulário em sinais, aproximam-se dos resultados obtidos com crianças ouvintes de dois anos e quatro meses de idade. Na língua oral, e, na atividade comunicativa, este sujeito demonstra dependência discursiva.

O sujeito 2 iniciou a pesquisa com três anos e dois meses de idade; encontra-se no estágio das primeiras palavras na língua oral e no estágio de múltiplas combinações na língua de sinais. Demonstrou desempenho similar ao de crianças ouvintes de dois anos e meio na testagem do vocabulário e na conquista da autono­mia discursiva.

Na expressão em sinais de ambas as crianças, foi observada a presença de superextensões, substituições do sinal adequado por função, atributo (do sinal ou do objeto), e paráfrase semântica, além do predomínio dos substantivos.

Os resultados indicaram que a conversação espontânea entre adulto e criança(s), viabiliza a maior utilização de processos dialógicos, favorecendo maior diversida­de e quantidade de sinais produzidos.

*Escola Municipal de Educação Especial para Surdos (EMEES), Gravalaí/RS.

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Apresentação de Trabalhos

Recursos Orais e Gestuais Usados por Crianças Surdas no Processo de Construção da Linguagem Escrita Sandra Eli Sartoreto de Oliveira Martins* Ana Maria Torezan**

Muitas propostas de alfabetização para crianças ouvintes têm ressaltado o papel da língua materna corno mediadora no processo de aprendizagem da escrita. Com base na constatação de que, em geral, as crianças surdas iniciam o processo formal de alfabetização a partir de um domínio precário da língua oral majoritária, é possível supor que elas possam vir a se utilizar de uma série de outros recursos semióticos no processo de construção da escrita. A partir dessa suposição e amparada na teoria sócio-cultural, esta pesquisa tem como objetivo analisar a utilização dos recursos orais e gestuais durante o processo de sistematização da língua escrita por um grupo de crianças surdas educadas cm uma proposta oralista.

Considerando esse objetivo, foram descritas e analisadas situações de interação entre os participantes do estudo: quatro crianças surdas e a terapeuta, que desen­volvia diferentes atividades com o objetivo de promover a aprendizagem da lingua­gem escrita. Os dados de interesse foram obtidos através de vídeo-gravação dessas diferentes atividades de aprendizagem. Na análise do material coletado, foram identificados os recursos orais e gestuais empregados pelos participantes do estu­do no processo de construção da escrita, estes últimos reconhecidos no decorrer dessa pesquisa como gestos interpretantes de fonemas, gestos culturalmente sig­nificados e gestos mímicos.

O conjunto dos dados indicou que os gestos assumiram estatuto linguístico para as crianças, que, ao compartilharem entre si os seus conhecimentos sobre a escrita, informavam o modo como estavam significando esse processo.

•Docente do Departamento de Educação Especial da UNESP/Marília, SP. ** Professora Doutora da Universidade de Campinas - UNICAMP/SP.

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Apresentação de Trabalhos

LIBRAS: Conhecendo sua estrutura

Denise Maria Duarte Coutinho*

Introdução

Esta pesquisa vem sendo realizada de forma sistemática desde 1995. Durante estas duas décadas de convivência com os surdos, muitos ouvintes chegaram a mim para perguntar sobre a LIBRAS.

Por um longo tempo fui tentando responder de forma imediata para sanar aquele momento de curiosidade. No entanto, com o passar dos anos, fui perceben­do que podia dar maior contribuição para os ouvintes e consequentemente para os surdos também.

Hoje essas pesquisas estão sendo realizadas para dar suporte a instrutores surdos que necessitam deste conhecimento metalinguístico para o seu desempe­nho profissional.

Objetivos

Registrar e analisar a Língua de Sinais dos surdos brasileiros e desenvolver um processo de análise contrastava com a Língua Portuguesa.

Material e metodologia

Utilizamos o material coletado através de filmagens dos surdos em diversas situações: bate papo, festa, reunião, seminário, atividade desportiva etc).

Através da exibição das filmagens fazemos anotações sobre os aspectos da língua c da cultura surda que estamos descobrindo e conhecendo melhor.

A associação destes registros ao conhecimento da estrutura gramatical da Língua Portuguesa dá-nos a possibilidade de produzirmos estudos na perspectiva contrastiva e apresentarmos as características da cultura surda.

Estes resultados são verificados com surdos que os confirmam ou não. Os resultados confirmados foram transformados em desenhos para servir de

apoio às comissões de LIBRAS, cursos e publicações.

Resultados

Apresentaremos, a seguir, algumas das conclusões' às quais chegamos:

Polissêmicos x Monossêmicos

Na língua portuguesa usamos a palavra claro para significar: a) o que óbvio;

"Intérprete da LIBRAS reconhecida pela FENEIS. Membro do Centro de Educação Permanente para Surdos - CEPES, João Pessoa/PB. Autora dos livros: LIBRAS e Lingua Portuguesa (semelhanças e diferenças) - volume I e II. 'Fonte: COUTINHO, D. LIBRAS e Língua Portuguesa (Semelhanças e Diferenças) - Volume II. João Pessoa, Arpoador, 2000

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b) o que é compreensível; c) a parte do dia quando o sol está acima do horizonte etc.

Na LIBRAS temos para significar o que é óbvio, um sinal monossêmico e outro polissêmico, para significar o que é compreensível ou parte do dia quando o sol está acima do horizonte.

1. o que é óbvio.

CLARO: utilizar o alfabeto manual. Sinalizar "C" e girar a mão configurando-a em "L".

1. o que é compreensível; 2. parte do dia quando o sol está acima do horizonte.

CLARO: mãos colocadas lado a lado diante do peito, pontas dos dedos unidas. Elevar as mãos em uma curva para os lados opostos, separan­do os dedos ao mesmo tempo.

Ter: usado no sentido de posse e presença.

a) João está aí? b) João tem uma caneta?

TER: mão em "L", Encostar o dedo polegar no meio do peito. Repetir o movimento.

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Formas variantes dos sinais

Além da possibilidade de variação quanto à configuração de mão, é possível haver variação quanto ao:

Local de realização do sinal

BANHEIRO: mão com os dedos indicador e mínimo distendidos, os demais dobrados. Colocar a mão sobre o dorso da mão fecha­da, braço distendido.

BANHEIRO: mão com os dedos indicador e mínimo distendidos, os demais dobrados. Colocar a mão sobre o antebraço distendido cuja mão está fechada, palma para baixo.

Há casos em que o falante da LIBRAS pode variar ao mesmo tempo a configu­ração da mão e o local, sem com isso alterar o significado.

TER: mão em "L", encostar o dedo polegar no meio do peito. Repetir o movimento.

TER: mão em "G", encostar o dedo polegar ao lado do peito. Repetir o movimento.

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O uso do "porque"

Quando os surdos sinalizam, fazem as seguintes distinções:

Por que (interrogativo)

POR QUE (INTERROGATIVO): mãos em "D", colocar os dedos indicadores um sobre o outro em forma de cruz. Balançar o dedo, que está em cima, para cima e para baixo. Expres­são do rosto de pergunta.

Por que (substantivo)

POR QUE (SUBSTANTIVO): mãos em "D", colocar os dedos indicadores um sobre o outro em forma de cruz. Balançar o dedo, que está em cima, para cima e para baixo, acompanhado de um balançar da cabeça para um lado e para o outro e da expressão de questionamento.

Porque (conjunção)

ESTAVA DOENTE: mão aberta, dedos separa­dos, colocá-la sobre o dorso da outra mão em "S "., Tremular os dedos. A expressão do rosto, às vezes, é de desculpas.

- Por que você não viajou? - Porque estava doente

ou Estava doente.

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Emprego do verbo acabar

Na Língua Portuguesa o verbo acabar pode ser usado com várias acepções (polissemia). Já na LIBRAS existem vários sinais para exprimir as ideias contidas neste verbo:

In terpretação: a água acabou.

AGUA: mão em "L". Colocar a ponta do dedo polegar no queixo e mover um pouco o dedo indicador.

ACABAR: mão aberta, dedos juntos. Colocar a mão perto da face. Baixá-la rapidamente diante da face.

In terpretação: a reunião acabou.

REUNIÃO: mão em "R", palma a palma. Mover as mãos em círculo à frente do corpo.

ACABAR: mãos abertas, palmas para baixo, postas uma sobre a outra. Afastá-las rapidamente para os lados opostos. Repetir.

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Interpretação: o namoro acabou.

NAMORAR: mãos abertas, separadas, palma a palma, dedos para cima. Dobrar os dedos médios duas vezes.

ACABAR: mãos abertas, palma a palma, unidas pelas pontas dos dedos, colocá-las diante do peito. Afastá-las para os lados opostos e para baixo.

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