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destino final dos resíduos produzidos na cidade do Rio de Janeiro é, hoje, uma questão ambiental controversa. Segundo a Comlurb, órgão responsável pela limpeza urbana do município, quando o aterro sanitário de Paciência entrar em atividade, os p roblemas estarão encerrados, já que a própria empresa admite que os atuais aterros em fun- cionamento – Gramacho e Gericinó – estão com seus dias contados. Já para as ONGs e associações ambientais especializadas no assunto, os aterros sanitários, isoladamente, jamais darão conta de resolver a questão da produção dos resíduos urbanos, em toda a sua complexidade, e, além disso, a tão anunciada solução re p resentada pelo a t e rro sanitário de Paciência é um blefe, pois o p rojeto desrespeita muitas condições fundamen- tais para que possa ser considerado ambiental- mente correto. Aliás, a primeira controvérsia, quando se fala em aterro sanitário, é justamente que, para muitos ambientalistas, eles não existem de fato, no município; o que há são ex-“lixões” transformados pela Comlurb em aterros controlados, sem várias Julho/Dezembro 2006 46 O preto no branco Reportagem investiga e revela o atoleiro em que se encontra a gestão do lixo no Rio de Janeiro ANA LUISA LYRA, DANIEL LEAL, DÉBORA RYCHTER E LUIZ FERNANDO CARVALHO Catadores em atividade em Gramacho

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destino final dos resíduos produzidos nacidade do Rio de Janeiro é, hoje, umaquestão ambiental controversa. Segundoa Comlurb, órgão responsável pela

limpeza urbana do município, quando o aterrosanitário de Paciência entrar em atividade, osp roblemas estarão encerrados, já que a própriae m p resa admite que os atuais aterros em fun-cionamento – Gramacho e Gericinó – estão comseus dias contados. Já para as ONGs e associaçõesambientais especializadas no assunto, os aterro ssanitários, isoladamente, jamais darão conta de

resolver a questão da produção dos re s í d u o surbanos, em toda a sua complexidade, e, alémdisso, a tão anunciada solução re p resentada peloa t e rro sanitário de Paciência é um blefe, pois op rojeto desrespeita muitas condições fundamen-tais para que possa ser considerado ambiental-mente corre t o .

Aliás, a primeira controvérsia, quando se fala ematerro sanitário, é justamente que, para muitosambientalistas, eles não existem de fato, nomunicípio; o que há são ex-“lixões” transformadospela Comlurb em aterros controlados, sem várias

Julho/Dezembro 200646

O preto no brancoReportagem investiga e revela o atoleiro em que se

encontra a gestão do lixo no Rio de JaneiroANA LUISA LYRA, DANIEL LEAL, DÉBORA RYCHTER E LUIZ FERNANDO CARVALHO

Catadores em atividade em Gramacho

das condições necessárias parareceber a designação de aterrossanitários.

O esgotamento de Gramachoe Gericinó

Atualmente, dois aterros – parautilizar a nomenclatura oficialdada pela Comlurb – re c e b e mtodo o material coletado no Rio.No município de Duque deCaxias, Gramacho recebe diaria-mente 8.000 toneladas prod u-zidas pelos cariocas, enquantoem Gericinó, bairro do Rio, sãodespejadas mais 2.000 toneladas, em um totalde 10 mil toneladas por dia, uma montanha deresíduos equivalente a um prédio de quatroa n d a re s.

Segundo José Henrique Penido, assessor da direto-ria industrial da Comlurb, o aterro de Gericinó estácom sua vida útil praticamente encerrada: “aquestão local é complicada, principalmente porfalta de espaço, pois esse aterro é vizinho ao com-plexo penitenciário de Bangu. Ainda temos, é ver-dade, um espaço razoável, mas há um limite.Ainda assim, tudo lá está funcionando muito bem.Basta dar como exemplo o conjunto habitacionalconstruído há dois anos a apenas 150 metros doaterro e cujos moradores, até hoje, não nos trou-xeram uma única queixa de mau cheiro ou dequalquer outro problema. Tudo o que os habitantesde lá vêem é um morro gramado”.

Já em relação ao aterro de Gramacho, o assessorda Comlurb destaca o que talvez seja o único pontode concordância entre os técnicos da empresa e osambientalistas: “de fato, Gramacho foi construídosobre uma área de manguezal, terreno composto deargila orgânica mole, o que pode levar a eventuaisdeslizamentos, em função de sobre c a rgas loca-lizadas”, afirma Penido

De 1978, quando surgiu como lixão, sem qual-quer controle ambiental, até hoje, o aterro deGramacho já sofreu várias intervenções que dimi-nuíram seu impacto sócio-ambiental. Desde 1996,parte do chorume (líquido resultante da decom-posição do lixo) passou a ser tratado e o gás, tam-

bém proveniente da decom-posição dos resíduos, aproveita-do. Além disso, o perímetro foicercado e se criou um cadastro dec a t a d o res, ainda que esse sis-tema funcione de forma pre-cária.

Embora admita que o terrenonão é adequado à sua utilização,Penido não leva em conside-ração que o aterro está situadoem uma área de preservação per-manente e reafirma que ele fun-ciona, hoje, em condições ambi-entalmente adequadas: “os apo-

calípticos de plantão alardeiam há 15 anos que osolo de Gramacho pode rachar a qualquer momen-to e poluir gravemente a baía de Guanabara. Nãohá, no entanto, a menor possibilidade de isso acon-t e c e r. Não há nenhum risco para a baía deGuanabara, nem para o rio Sarapuí, nem para orio Iguaçu, todos lindeiros ao aterro. A Comlurbnunca arriscaria tal possibilidade, depois do esforçogigantesco para recuperar o que já foi um dosmaiores lixões que conheci”.

Com uma visão absolutamente oposta, EduardoBernhardt, da Associação Ecológica EcoMarapendi,instituição de referência no Brasil em educaçãoambiental e gerenciamento de resíduos sólidos,afirma: “se Gramacho desabar da pior maneirapossível, ou seja, de uma só vez, teremos um sérioacidente ambiental, com graves conseqüênciassociais, uma vez que várias ruas vizinhas serãoinundadas num processo semelhante, mas emmenor escala, ao do Tsunami, na Ásia”.

De acordo com Penido, o que vai apontar o fimda vida útil de Gramacho são os instrumentos demonitoramento geotécnico mantidos no local pelaComlurb: “sabemos que ocorrem pequenos desliza-mentos em pontos de sobrecarga, mas que sãodetectados por um sistema extremamente sofistica-do. Temos hastes que vão até 30 m de profundidadee detectam qualquer movimento do terreno emtoda a periferia do aterro. Essas informações é quevão conduzir a uma eventual decisão de encerrar asatividades em Gramacho”.

Há indicações de que esse dia não está distante.

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“Os apocalípticos deplantão alardeiam há 15

anos que o solo deGramacho pode rachar a

qualquer momento epoluir gravemente a baía de Guanabara.

Não há, no entanto, amenor possibilidade de

isso acontecer”José Henrique Penido

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Segundo a presidente e fundado-ra da ONG Reviverde, especia-lizada em reciclagem, ReginaLaginestra, 30% da área nãopode mais ser utilizada sob orisco de o terreno ceder: “sabe-se,desde 2005, que a capacidade doaterro de Gramacho está próxi-ma do esgotamento. Na verdade,de acordo com o cronograma daprópria Comlurb, ele deveria tersido desativado no fim de 2004”.

Embora haja divergências en-tre a Comlurb e as diversas enti-dades ambientais quanto aomomento certo de desativar osdois únicos aterros sanitários deque o Rio de Janeiro dispõe hoje, ninguém nega quea data se aproxima. Diante da posição oficial daComlurb de que aterro sanitário é a melhor alter-nativa de destino final dos resíduos urbanos pro-duzidos pelo município, todas as atenções sevoltam, então, para o projeto do aterro sanitário dePaciência, cuja construção tem sido adiada e é alvode uma polêmica envolvendo a própria Comlurb,diversos órgãos municipais e entidades ambientais,além das comunidades vizinhas.

Paciência: o projeto que não sai do papelEm 2003, após sucessivos acordos sobre o

fechamento de Gramacho entre a Prefeitura do Riode Janeiro e o Ministério Público Estadual, foilançado um edital para a construção e a operaçãode um aterro sanitário em Paciência, no Rio.Proprietária do terreno, a empresa Júlio SimõesTransportes S.A. venceu a licitação para construir eoperar esse Centro de Tratamento de ResíduosSólidos (CTRS).

No entanto, o contrato fechado entre essa empre-sa e a Comlurb foi considerado ilegal pelo Tribunalde Contas do Município por não ter a Júlio Simõesqualificações para atuar na área, já que nuncac o n s t ruiu nem operou um aterro sanitário. Omesmo Tribunal de Contas considerou, ainda, umato regulamentar ilegal a edição, em outubro de2004, de um decreto do prefeito declarando a áreacompatível para aterros, o que, até então, era veda-

do pela legislação urbanística daárea.

O IBAMA, por sua vez, questio-nou, inicialmente, vários aspec-tos referentes ao projeto, como afalta de um mapa hidrológico daá rea, o tratamento que seriadado aos resíduos industriais eaos remanescentes florestais eespécies ameaçadas de extinçãoe, mesmo, quanto a alternativasde localização. No entanto, semque fosse divulgada a resoluçãos o b re as considerações feitasnesse primeiro parecer, o IBAMAemitiu um segundo documentoem que essas questões não foram

mais sequer mencionadas.Na verdade, desde que a Comlurb assinou o con-

trato com a empresa Júlio Simões, várias críticastêm surgido ao projeto. No terreno previsto existem,por exemplo, 12 nascentes de água, o que, por si só,transforma o local em área de preservação perma-nente, segundo critérios do Código Florestal. Alémdisso, o nível do lençol freático na área é muitos u p e rficial, a ponto de aflorar nos pontos denascente, e qualquer rompimento da manta de iso-lamento do aterro, o que poderia ser provocado pormateriais perfurantes freqüentemente presentes nolixo, causaria a contaminação imediata das águas.

A localização do terreno, em Paciência, é umproblema em vários aspectos, pois o aterro seriainstalado a menos de um quilômetro de núcleosurbanos, o que fere lei municipal sobre o assunto.Além disso, estaria também a menos de 10quilômetros da Base Aérea de Santa Cruz e próxi-mo ao aeroporto de Jacarepaguá, o que o colocariad e n t ro da área de Segurança Aero p o rt u á r i a .Embora a Comlurb alegue que o projeto prevêcuidados ambientais que não permitiriam que oaterro atraísse urubus – principal ave envolvida emacidentes aéreos –, há sempre o risco de um aterrosanitário se tornar foco de pássaros. “As pessoaspensam que há sempre urubus rondando os ater-ros, mas isso não é verdade. Os urubus que apare-cem em Gramacho, por exemplo, estão lá por contados lixões clandestinos que se formam na periferia

Os cariocas se vêemdiante da possibilidadede um eventual acidente

ambiental – caso aconteçam rachaduras

no solo do aterro deGramacho, antes que ele

seja desativado – e daausência de uma soluçãopara o destino final das10 toneladas de resíduosproduzidos diariamente

no município

do aterro e que nós não podemos impedir, garanteo assessor da Comlurb”, José Henrique Penido.

O projeto do Centro também não prevê a insta-lação de uma unidade de tratamento dos resíduosdo serviço de saúde, o que fere resolução doConselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).

Apesar de todas essas objeções, o assessor daDiretoria Industrial da Comlurb, José HenriquePenido considera bastante adequada a área esco-lhida para o Centro de Tratamento de ResíduosSólidos e seu projeto extremamente sofisticado: “jáfoi feito um estudo de impacto ambiental, a FEEMAe a SERLA (órgão gestor de recursos hídricos do esta-do do Rio de Janeiro) já aprovaram integralmente oprojeto. No entanto, houve tentativas de audiênciapública desmarcadas por decisões judiciais, e atéações judiciais, mais de 40, em que são rés aComlurb e a Júlio Simões. Tudo isso visa impedir aimplantação desse aterro por interesses econômicosdiversos de outras empresas”.

Para as entidades ambientalistas, o impasse cria-do pelo projeto do Centro de Tratamento de

Resíduos Sólidos de Paciência é de natureza ambi-ental. A Comlurb, porém, trata o assunto como seos impedimentos à continuidade do projeto fossemtodos de ordem político-econômica. Enquanto isso,os cariocas se vêem diante da possibilidade de umeventual acidente ambiental – caso aconteçamrachaduras no solo do aterro de Gramacho, antesque ele seja desativado – e da ausência de umasolução para o destino final das 10 toneladas deresíduos produzidos diariamente no município.

Comlurb de um lado, ambientalistas de outro,sobressai de toda essa discussão a necessidade deque o Rio de Janeiro tenha, não apenas, um aterrosanitário em moldes ambientalmente corretos, masuma efetiva e abrangente política de gestão de resí-duos sólidos. E já que surgem tantos empecilhospara que o projeto de Paciência se torne realidade,esse parece ser o momento propício para que osvários setores da sociedade se mobilizem – cadaqual assumindo sua parcela de responsabilidade –em torno do desenvolvimento desta macro políticaambiental para a gestão dos resíduos sólidos.

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O entorno do Aterro de Gramacho

Sebastião Moraes