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0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA ANA LÍGIA ALVES DE ARAÚJO MULHERES EM LUTA: memória e história do feminismo na São Luís dos anos 80 São Luís 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

CURSO DE HISTÓRIA

ANA LÍGIA ALVES DE ARAÚJO

MULHERES EM LUTA:

memória e história do feminismo na São Luís dos anos 80

São Luís

2007

1

ANA LÍGIA ALVES DE ARAÚJO

MULHERES EM LUTA:

memória e história do feminismo na São Luís dos anos 80

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em História. Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Rios Ribeiro

São Luís

2007

2

ANA LÍGIA ALVES DE ARAÚJO

MULHERES EM LUTA:

memória e história do feminismo na São Luís dos anos 80

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em História.

Aprovada em:____/____/_____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Prof. Dr. Paulo Roberto Rios Ribeiro (Orientador)

Faculdade São Luís

______________________________________________ Profª Ms. Elisabeth de Sousa Abrantes Universidade Estadual do Maranhão

______________________________________________ Profª. Ms. Júlia Constança Pereira Camelo

Universidade Estadual do Maranhão

3

AGRADECIMENTOS

Sendo este trabalho resultado de uma trajetória que não teve início na UEMA,

agradecer não é tarefa fácil. Por isso agradeço de antemão a todos e a todas que passaram pela

minha vida e contribuíram para a construção de quem sou hoje.

Agradeço especificamente a algumas pessoas pela contribuição direta neste

trabalho:

Ao professor Paulo Rios que em aula despertou meu interesse pela luta feminista,

e como meu orientador incentivou-me e contribuiu para a construção deste conhecimento.

A todos os professores e professoras do curso de História da Universidade

Estadual do Maranhão, fundamentais na minha vida acadêmica.

À Mary Ferreira, Florilena Aranha, Ieda Batista, Maria Lúcia “Gato” e Sandra

Nascimento, mulheres em luta, pelas entrevistas concedidas e a disposição atenciosa em

narrar as suas experiências no movimento feminista maranhense.

À querida Camila, pela amizade construída ao longo de nossa trajetória

universitária, pelo incentivo nesta pesquisa e por ouvir-me sempre com carinho.

À Glória Pacheco, pelas conversas valiosas na biblioteca e pela boa vontade em

conceder seus livros.

Às amigas, Bruna e Rosane, pela companhia do dia-a-dia e pelos momentos de

conversas sobre nossas experiências acadêmicas, familiares e afetivas.

A Davi, pela companhia, pela ajuda na transcrição, pelas palavras de apoio na

concretização desta pesquisa e a atenção com que sempre me ouve.

Às minhas irmãs, Ana Laura, Ana Régia e Ana Raquel, pela amizade, pelos

encontros prazerosos nas férias e pela confiança mútua.

À Fátima, minha querida mãe, pela dedicação, pelas conversas, carinho e estímulo

constantes mesmo de longe.

Agradeço também a um grande homem, meu querido pai, Aristófanes, exemplo de

luta e presença fundamental em minha vida.

4

“[...] falar da mulher, em termos de aspiração e projeto, [...] é assumir a postura incômoda de se indignar com o fenômeno histórico em que metade da humanidade se viu excluída nas diferentes sociedades no decorrer dos tempos; é acreditar que essa condição, perpetuada em dimensão universal, deva ser transformada radicalmente; é solidarizar-se com todas as mulheres que desafiaram os poderes solidamente organizados, assumindo as duras conseqüências que esta atitude acarretou em cada época”

Maria Amélia de Almeida Teleseles

5

RESUMO

O feminismo no Brasil reaparece num momento histórico em que outros movimentos

denunciam a existência de formas de opressão e buscam a construção de uma nova sociedade.

Nos anos oitenta, com o processo de redemocratização, esses movimentos espalharam-se em

todo o território nacional, inclusive no Maranhão. O surgimento do feminismo maranhense

está, portanto, relacionado a esse clima de abertura política e ainda às transformações nos

meios acadêmicos que passaram a estudar questões relativas às mulheres. O primeiro grupo

feminista maranhense, Grupo de Mulheres da Ilha de São Luís, surgiu no ano de 1980 e a

partir dele outras organizações feministas foram formadas ao longo da década, como o

Comitê Oito de Março, Espaço Mulher e o Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa.

Utilizando a metodologia de História Oral, este trabalho trata do feminismo organizado na

capital São Luís a partir de entrevistas com cinco mulheres que nele militaram naquele

período. Após visualizar a atuação feminina durante o processo de abertura do regime, busca-

se conhecer através das memórias das próprias mulheres, as origens do movimento, as

motivações que as levaram a realizar uma trajetória de militância feminista e o cotidiano

dessa militância. Interessa conhecer também as discussões que os grupos levantavam, suas

reivindicações, suas articulações, os conflitos e sua relação com a sociedade em geral.

Palavras-chave: Anos 80. Feminismo no Maranhão. História Oral. Memórias.

6

ABSTRACT

The feminism on Brasil reappear in a Historic moment that others movements accuse the

existence of oppression ways and seek the construction of a new society. At 80’s, with the

process of redemocratization, these movements were spread all over the national territory.

The emerge of feminism on Maranhão is, therefore, related to these environment of political

opening and still the changes on historiography that began to give voice to the women e

consider them subject of history. The first feminism group, Grupo de Mulheres da Ilha de

São Luis, emerge on 1980 and after that others organizations were created by the time of that

decade, as the Comitê Oito de Março, Espaço Mulher and the Grupo de Mulheres Negras

Mãe Andresa. Using the methodology of Oral History, these work treat of feminism organized

on the São Luis city from interviews with five women that fought for it in that period. After

the presentation of reputable works about the Brazilian feminism and the visualization of

feminism actions during the process of regime opening, to seek after through the memories of

the own women, the origin of the movement, the motivation that took them to a trajectory of

feminism militancy and the quotidian of these experience. Interesting know too the

discussions that the groups raised, such as your claim, possible conflicts and your relation

with the society in general.

Keywords: 80’s. Feminism on Maranhão. Oral History. Memories.

7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Feministas em passeata pelas Diretas .............................................................. 40

Figura 2 - Populares reagem contra o não cumprimento de tabela de preços .................... 43

Gráfico 1 - Crescimento populacional de São Luis (1980-1986) ....................................... 46

Figura 3 - Mulheres no Congresso Nacional .................................................................... 49

Quadro 1 - Comparativo entre os preceitos constitucionais e a realidade do cotidiano da

mulher ............................................................................................................ 51

Figura 4 - Feministas em passeata pelo Dia Internacional da Mulher ............................... 69

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

1 FEMINISMO NA LITERATURA RECENTE: notas introdutórias .......................... 15

2 REVISITANDO OS ANOS 80 ................................................................................... 30

2.1 O feminismo na redemocratização ............................................................................ 31

2.2 As crises socioeconômicas e a mobilização pelas diretas .......................................... 37

2.3 O caráter conservador da redemocratização ............................................................ 41

2.4 Novas medidas e mais crises: o governo Sarney e o fracasso do plano cruzado .......... 42

2.5 “Constituinte sem mulher fica pela metade” ............................................................ 48

3 O MOVIMENTO FEMINISTA NO MARANHÃO ................................................. 56

3.1 Trabalhando com a história oral ............................................................................... 56

3.2 O feminismo nas páginas jornalísticas maranhenses ................................................ 61

3.3 A composição do movimento feminista ..................................................................... 70

3.4 “São inquietações que você traz consigo”: as razões da militância feminista .................. 74

3.5 Mulheres na luta contra a violência: as reivindicações pela Delegacia Especial da

Mulher ......................................................................................................................... 77

3.6 A diferença de posição e organização dos grupos ..................................................... 82

3.7 “Um bando de mal amadas e mal resolvidas”: o preconceito vivido pelas feministas

maranhenses ................................................................................................................. 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 91

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 94

APÊNDICES ............................................................................................................. 100

9

INTRODUÇÃO

Quando observamos no cenário público brasileiro as mulheres transitando pelas

ruas, nas escolas, nas universidades, nos postos de trabalho, mesmo que não nos cargos de

comando, algumas ocupando lugares na esfera política, e todas tendo o direito ao voto, talvez

poucos de nós saibam que no início do século XX a presença feminina nesses espaços era mal

vista pela sociedade, pois a “mulher pública” referia-se à prostituta.1,2

Até o final dos 70 ser mulher significava ter vocação natural às tarefas leves e

delicadas com pouca exigência físico-mental, sonhar com um bom casamento e desejar ser

mãe, não podendo de modo algum comparecer em lugares públicos desacompanhadas e se

envolver em assuntos de política, pois do contrário pagariam um alto preço: a condenação

moral e outras formas de violência.3

Embora as mudanças mentais e culturais sejam difíceis de se processar, “essas

verdades” sobre a mulher foram sendo derrubadas e questionadas, sobretudo, com a entrada

das mulheres no mercado de trabalho e a persistente atuação do movimento feminista. Desse

modo, só muito recentemente a imagem da mulher pública associada à “mulher da vida”,

aquela pertencente a todos, foi sendo “pensada pelos mesmos parâmetros pelos quais se pensa

o homem público, ou seja, um ser racional, dotado de capacidade intelectual e moral”. 4

Atitudes como ter acesso à educação, exercer o direito do voto, ocupar postos de

trabalho, que parecem tão cabíveis ou “normais” aos olhos da sociedade atual, são só alguns

dos exemplos de bandeiras de lutas e conquistas empreendidas pelas mulheres brasileiras, e

que datam ainda do final do século XIX e início do século XX. No entanto, como objeto de

investigação e sujeito histórico elas só foram reconhecidas a partir dos anos 70.

Interessada em descrever os grandes feitos políticos e militares, a ciência histórica

marginalizou todos e todas aquelas que não tinham visibilidade na cena pública, pois sendo o

cenário da política e da diplomacia quase sempre restrito aos homens, a história por muito

tempo privilegiou apenas o universo masculino.

Bons ventos, no entanto, sopraram no ofício historiográfico a partir do lançamento

da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, em 1929, quando então foram

discutidas as possibilidades de novos objetos e novas temáticas que não apenas a política. Os

1 PERROT, Michelle. Mulheres públicas. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Fundação Editora da

UNESP, 1998. 2 RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In. DEL PRIORE, Mary (Org.). História das

mulheres no Brasil. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2001. 3 Ibid. 4 Ibid., p. 603-604.

10

fundadores da revista, Bloch e Febvre, combatiam uma história somente interessada nos fatos

singulares. Combatiam também aquela história que se mantinha à distância das demais

ciências humanas, como a psicologia, a antropologia, a geografia e a sociologia. Contra essa

ciência histórica événementielle ou historicizante, propunham uma história que

problematizasse o social, que enfatizasse as condições materiais, sem, no entanto, considerar a

determinância do econômico no todo social, e que estivesse interessada nas massas anônimas,

seus modos de sentir e pensar. Mas, foi, sobretudo, com a chamada Nova História, a terceira

geração dos Annales, nos anos 70, que os “excluídos” 5 e/ou as minorias conseguiram o status

de objeto e sujeitos históricos.6

Houve também transformações no marxismo, a exemplo de Edward Palmer

Thompson, que realizou uma interconexão de uma História Social com uma História Cultural,

cujos trabalhos valorizaram o enfoque do cotidiano, procurando reconstruir as trajetórias de

segmentos considerados às margens dos estudos historiográficos. Thompson procurou novas

“metáforas” para substituir a de “base-superestrutura”, e para isso centrou-se na análise da

consciência da classe operária, na subjetividade, na relação entre as classes, na cultura e nos

processos de formação da classe subalterna. Thompson lançou-se no estudo das resistências

da classe operária e dos trabalhadores rurais na Inglaterra do século XVIII e do início do

século XIX valorizando condutas e comportamentos tradicionais e cotidianos que, embora

parecessem insignificantes ou imediatistas, revelavam, no fundo, uma identidade social em

formação.7

Podemos perceber dentre as contribuições de Thompson o interesse pelas classes

populares e pelas manifestações de resistência no cotidiano de suas práticas sociais, negando,

assim, a visão unilateral do poder que tem os dominados como frágeis e passivos. Muitos

estudos sobre as mulheres adotam essa noção de resistência formulada por Thompson, embora

elas não tenham constituído seu objeto específico. Estudos como esse, contribuíram, portanto,

para pluralizar os objetos da disciplina histórica e a forma de focalizá-los. 8

5 PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres, prisioneiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1992. 6 VAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e história cultural. In: CARDOSO, Ciro; VAINFAS,

Ronaldo. (Org.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 127-162.

7 FERRERAS, Norberto O. Culturalismo e experiência: leitura dos debates em torno da obra de E.P. Thompson. Revista Diálogos, v. 3, n. 1. 1999. Disponível em: <http://www.uem.br/~dialogos/viewissue.php?id=3>. Acesso em: 6 nov. 2007.

8 SOIHET, Rachel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres e a militância feminista de Bertha Lutz. Rev. Brasil. de Educ., São Paulo, p. 98, nov./dez. 2000.

11

Outro aspecto de êxito para dar vozes às mulheres baseou-se na História Oral e

nos trabalhos com a memória feminina. Foi indispensável a reabilitação da subjetividade e sua

introdução na interpretação das fontes. Evocando a subjetividade do privado, a História Oral

conseguiu dar significação política aos discursos pessoais das mulheres.9

A pluralização dos objetos de investigação histórica e a conseqüente

transformação das mulheres, antes vistas como meras coadjuvantes10, em sujeitos históricos

não se processou sem que as próprias mulheres participassem dessa mudança. A história das

mulheres que emergiu a partir de 1970 está intimamente atrelada à explosão do feminismo, e

num primeiro momento foi realizada pelas militantes feministas antes mesmo dos

historiadores.11

Assim, embora o interesse pelas mulheres como objeto de estudo também esteja

articulado à renovação historiográfica, como o florescimento da história das mentalidades e da

história cultural, assim como aos novos trabalhos da história social e às pesquisas sobre

memória popular, até a década de 70 inéditas, o feminismo deve ser fortemente evidenciado

no processo de ampliação da abordagem histórica na qual as mulheres encontravam-se

silenciadas.

A explosão do movimento feminista, em todas as partes em que se apresentou a

partir dos anos 60 causou uma forte procura de informações a respeito das questões

levantadas. Os professores propuseram a criação de cursos dentro das universidades

focalizados no estudo das mulheres e as pesquisas foram, então, multiplicadas tornando essa

história reconhecida institucionalmente. Essas pesquisas estenderam-se por todo o mundo,

incluindo o Brasil, no entanto, o reconhecimento da história das mulheres, ou melhor, das

relações entre os sexos como fundamentais na história, ainda apresenta um caráter frágil

dentro da academia brasileira.12

Nos anos 80 processou-se uma mudança teórica nos estudos sobre a mulher. Sob

influência dos debates norte-americanos e europeus a respeito da construção social de sexo e

do gênero, as estudiosas brasileiras começaram a substituir a categoria “mulher” pela

categoria “gênero”. Há um consenso entre as acadêmicas de que a categoria gênero abre a

possibilidade de um novo paradigma no estudo das questões referentes às mulheres. Gênero é

9 DEL PRIORE, Mary. História das mulheres: as vozes do silêncio. In: FREITAS, Marcos Cezar (Org.).

Historiografia brasileira em perspectiva. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 220. 10 PERROT, op. cit. 11 DEL PRIORE, op. cit., p. 229. 12 SOIHET, Rachel. História das Mulheres. In: CARDOSO, Ciro; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da

História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 276-277.

12

entendido como uma relação socialmente construída entre homens e mulheres, e serve como

categoria de análise para a investigação da construção social do feminino e do masculino.

Enquanto o paradigma do patriarcado sugeria papéis sociais rígidos, condicionados

culturalmente pelas diferenças biológicas entre homem e mulher, a perspectiva de gênero

pressupõe a diferença entre o social e o biológico.13

No Brasil, o movimento feminista teve como primeira bandeira a luta pelo direito

das mulheres votarem e também o direito de serem eleitas, movimento conhecido como

sufragismo. Essa primeira manifestação feminina processou-se de forma ainda tímida na

segunda metade do século XIX, mas que nos primeiros anos do século XX chegou a atingir

um grande potencial em alguns estados.

Passado um intervalo de refluxo entre o início do Estado Novo até a década de

sessenta, mas nem por isso sem manifestações de mulheres, o feminismo ressurgiu em terras

brasileiras nos anos 70 com um caráter bem mais contestador se comparado à atuação

sufragista. É o que se convencionou denominar “novo feminismo”. Nesse momento, o

feminismo ganhou mais visibilidade, arregimentando mulheres em todo o território nacional,

assumindo nos anos 80 o papel de elemento atuante na luta pela democracia juntamente com

os demais movimentos.

Nos meios acadêmicos o movimento feminista brasileiro constitui-se numa

temática bastante abordada, com destaque para os estudos pioneiros de Branca Moreira Alves

(1980), Jacqueline Pitanguy (1981), Maria Amélia Almeida Teles (2003) e ainda Céli Jardim

Pinto (2003), Rachel Soihet (2000; 2005), entre outras. No que se refere ao Maranhão, a luta

das mulheres pela igualdade de direitos ainda não constitui temática muito focalizada. No

entanto, podemos citar a dissertação de mestrado da professora Maria Mary Ferreira, As

‘Caetanas’ vão à luta: a trajetória do Movimento Feminista no Maranhão face às políticas

públicas (1999), como um dos trabalhos que tratam do feminismo organizado na sociedade

maranhense e as monografias O Segundo Eleitorado: Voto e Participação Política Feminina

no Maranhão, de Maria da Glória Costa Pacheco, e Gênero e Política: mulheres no

legislativo estadual maranhense, de Yankee Costa Magalhães.

O presente estudo tem por objetivo conhecer a origem do feminismo no

Maranhão, enquanto movimento organizado, e a atuação de suas militantes. É nosso interesse

13 IZUMINO, Wânia Pasinato; SANTOS, Cecília MacDowell. Violência contra as mulheres e violência de

Gênero: notas sobre Estudos Feministas no Brasil. Revista Estad. Interdicip. de América Latina y El Caribe, Israel, p. 10-11, 2005. Disponível em: <http://www.nevusp.org/conteudo/index.php?conteudo_id=309>. Acesso em: 4 fev 2007.

13

ainda verificar que características o feminismo assumiu, quais suas reivindicações principais,

a recepção da sociedade maranhense às manifestações feministas e como era a relação entre

os diferentes grupos existentes, tendo em vista que o movimento feminista não é homogêneo.

Para a realização destas propostas, este trabalho divide-se em três partes. A

primeira delas apresenta uma revisão de algumas obras de relevância, seja em livros ou

artigos, que tomam o movimento feminista brasileiro como objeto de estudo. Incluem-se

nesse primeiro momento pesquisas sobre o sufragismo, a exemplo dos estudos de Branca

Moreira Alves (1980) e Rachel Soihet (2000; 2005), e a respeito do “novo” feminismo”,

como os estudos de Cynthia Andersen Sarti (2004). Obras que tratam da trajetória do

feminismo no Brasil também estão incluídas pois permitem a percepção das mudanças do

movimento, com suas tendências e características, nos referimos a Branca Moreira Alves e

Jacqueline Pitanguy (1981), Céli Jardim Pinto (2003) e Margareth Rago (2003). Temos

ainda o estudo já mencionado de Mary Ferreira (1999), estudo pioneiro sobre o feminismo

maranhense com foco especial no primeiro grupo feminista aqui fundado, o Grupo de

Mulheres da Ilha de São Luís.

O segundo capítulo trata do cenário em que surgiu o movimento feminista no

Maranhão. Acreditamos que essa contextualização faz-se necessária porque a partir dela

podemos estudar o feminismo maranhense, tendo em vista que estamos tratando de um

movimento que é múltiplo e assume as características do contexto em que se manifesta.

Enfocamos o processo de redemocratização brasileiro, marcado por acontecimentos como a

Anistia e a reforma partidária de 1979, as campanhas pelas eleições diretas de grande

potencial mobilizador e a elaboração da Constituição Federal de 1988, tudo isso envolvido

num cenário de dificuldades socioeconômicas. Tendo o feminismo se constituído como um

sujeito ativo na redemocratização, procuramos relacionar a atuação feminista nesse processo.

Para a construção deste capítulo, além de referências bibliográficas, utilizamos notícias

veiculadas em jornais maranhenses.

O terceiro momento deste trabalho é construído através das entrevistas realizadas

com militantes pioneiras na luta feminista na sociedade maranhense. É nesse capítulo, que

utilizando a metodologia de História Oral, tratamos da origem e manifestação do feminismo.

Abordamos também a repercussão das idéias feministas na sociedade, tanto através dos

jornais como nos discursos das entrevistadas.

Além de referências bibliográficas, utilizamos ainda os jornais e a Constituição

Federativa do Brasil de 1988. Os jornais são significativos porque permitiram visualizar os

14

cenários político e econômico tanto nacional como local, já que fazem referências a esses

aspectos. Além disso, os jornais constituem-se documentos relevantes porque possibilitaram

verificar o espaço que o feminismo teve nos meios de comunicação e a sua a repercussão na

sociedade maranhense. Essas fontes jornalísticas são de fácil acesso e foram pesquisadas na

Biblioteca Pública Estadual Benedito Leite. A Constituição de 1988, por sua vez, nos

possibilitou conhecer os novos direitos femininos, objeto de reivindicações do movimento de

mulheres em geral.

15

1 FEMINISMO NA LITERATURA RECENTE: notas introdutórias

Ao estudar as origens e a atuação feminista no Maranhão, o presente trabalho

alinha-se à vertente apontada por Soihet preocupada com os movimentos organizados por

mulheres, nesse caso específico, o movimento feminista maranhense. 14

Para efeito deste trabalho consideramos relevante como ponto de partida uma

revisão das abordagens recentes sobre o feminismo brasileiro e a partir desse processo

conhecer as origens, as tendências assumidas e seus questionamentos, para enfim realizar uma

leitura do feminismo organizado no nosso Estado.

Como já assinalamos anteriormente, fazem parte deste diálogo as autoras Branca

Moreira Alves (1980; 1981), Jacqueline Pitanguy (1981), Céli Regina J. Pinto (2003),

Margareth Rago (2003), Rachel Soihet (2005), Cynthia Andersen Sarti (2004) e Mary Ferreira

(1998; 1999).

Começando pela obra da historiadora Branca Moreira Alves, podemos dizer que

em Ideologia e Feminismo, a autora pontua o desinteresse dos cientistas sociais em abordar o

sexo feminino, fato que só foi mudado com o ressurgimento do feminismo na década de 70 e

as transformações historiográficas, e deixa claro seu interesse em “acrescentar algo a este

campo tão pouco conhecido e participar da recuperação de nossa história”.15 Esse interesse

refere-se a um momento em que os estudos sobre as mulheres no Brasil ainda começavam.

Nesta obra, Alves dá visibilidade à luta feminina pelo voto no Brasil, como

também nos remete ao movimento feminista de massa do qual foi militante, fazendo uma das

primeiras leituras do feminismo da década de 70. Para tanto, a autora utilizou além de

documentação oficial, entrevistas com militantes, dentre elas a bióloga e funcionária pública

Bertha Lutz, considerada líder da luta pelo voto no Brasil empreendida no início do século

XX. Trata-se, portanto, do movimento sufragista liderado pela Federação Brasileira pelo

Progresso Feminino (FBPF), que segundo a autora, é herdeiro do movimento sufragista inglês

e americano. 16

Alves na sua análise do sufragismo brasileiro procurou discutir as características

ideológicas que embasavam o debate sobre a mulher e o voto e qual o papel que tinha para a

sociedade a manutenção dos padrões de dominação nas relações de sexo. Diferente dos

14 SOIHET, op. cit., p. 276-277. 15 ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo: a luta da mulher pelo voto no Brasil. Petrópolis: Vozes,

1980. 16 Ibid.

16

movimentos operários do período, a leitura que Alves faz do movimento sufragista é que ele

não apareceu como uma reivindicação de massas e nem tampouco teve pretensões de se opor

ao regime político. Na realidade, segundo a autora, o sufragismo surgiu no seio de um grupo

elitizado não atingindo outras classes sociais. Sua penetração foi reduzida até mesmo dentro

do próprio grupo social a que pertenciam suas militantes. Foi um movimento que atuou dentro

da estrutura de poder e nela procurou seus aliados.17

O movimento sufragista brasileiro, enquanto movimento liberal burguês de

influências ideológicas da classe e sexo dominantes, não foi capaz de elaborar uma contra-

ideologia. Sua luta já demonstrava limites claros: lutava-se pelo direito ao voto, mas

mantinha-se intacto o funcionamento do sistema. Segundo Alves foi exatamente por isso que

o movimento não sofreu grandes repressões como outros sofreram, sendo bastante tolerado

pela sociedade e autoridades da época.

Alves ao mesmo tempo em que critica o caráter limitado das reivindicações do

sufragismo brasileiro, termina por considerá-lo uma fase necessária para que houvesse uma

maior participação das mulheres nos movimentos da década de 70. Ou seja, sem esta

passagem jamais teria sido possível ao feminismo de massa denunciar as verdadeiras origens

da opressão da mulher, pois se percebeu que a discriminação ainda permanecia forte e viva

como fruto de uma cultura patriarcal, fundamentada na divisão de papéis de sexo e na

permanência da mulher como mera reprodutora, mesmo com os ganhos políticos sufragistas.

Para Branca Moreira Alves, o movimento sufragista tratou-se de uma primeira

etapa do movimento feminista embora não pusesse em xeque o papel da mulher na sociedade

buscando transformar sua condição. A mulher nessa primeira fase tendo internalizado a

ideologia dominante era ainda incapaz de criticá-la, mas à medida que foi adentrando ao

espaço público, trabalhando fora do ambiente doméstico, o campo foi se tornando mais

propício para atitudes mais radicais frente às relações de sexo.18

No final da obra, a autora defende as limitações sócio-históricas do sufragismo,

colocando-o como o movimento que foi possível dentro do quadro social de sua época e

demonstra o caráter lento do processo de construção de uma consciência e das transformações

da condição de opressão vividas pelas mulheres. No entanto, ela passa grande parte da sua

obra criticando as condutas das sufragistas lideradas por Bertha Lutz como uma atuação

conformada, incapaz de questionar as raízes de sua inferioridade.

17 ALVES, op. cit., p. 16. 18 Ibid., p. 184.

17

A perspectiva de Branca M. Alves, de que as sufragistas não foram capazes de

desenvolver uma consciência questionadora, é analisada por Rachel Soihet, que defende a

idéia de que as feministas longe de vergarem a uma submissão alienante, construíram recursos

com vistas a subverter a relação de dominação. Soihet interpreta a atuação das sufragistas

lideradas por Bertha Lutz como sendo uma tática, uma ação calculada, pois:

[...] nas condições em que se desenvolvia a luta feminista no país, não havia naquele momento, espaço para uma outra opção. Havia que exaltar a maternidade, valor uníssono na sociedade brasileira, especialmente para aqueles que ocupavam posições de poder e que tinham acesso aos meios de comunicação da época.19

Dessa forma, as sufragistas faziam suas reivindicações, mas sempre afirmando a

consciência de seus papéis como mães e esposas, e que a conquista de seus direitos não

ameaçaria o equilíbrio das relações entre os gêneros. Segundo Soihet, o fato de exaltarem a

maternidade e os demais valores tradicionais da sociedade de então, mostra que aquelas

mulheres tinham consciência do espaço e do tempo onde estavam inseridas e por isso

escolheram essa tática como o modo que lhes pareceu mais adequado para atingir seus

objetivos. 20

Enquanto o sufragismo não formulou, na interpretação de Alves, ou não esteve

preocupado em formular uma contra-ideologia, o movimento feminista em sua segunda etapa,

que corresponde no Brasil aos movimentos surgidos na década de 70, o feminismo de massa,

elaborou uma crítica à sociedade patriarcal, revelando a necessidade da construção de uma

outra sociedade pautada na igualdade entre os sexos. Mas tal posição segundo a autora, jamais

seria possível não fosse a atuação das militantes do sufragismo e a comprovação de que as

suas reivindicações não foram capazes de reverter a condição da mulher. Constatado isso, a

luta deveria ir além dos aspectos jurídicos e transformar a ordem social em vigor. 21

A superação do sexismo, segundo a autora, só se tornaria possível quando as

mulheres entendessem que seus problemas pessoais são resultado de uma condição comum de

opressão, criando a partir dessa conscientização uma base solidária e a possibilidade de

romper com a ideologia dominante a qual dizia que as mulheres eram seres inferiores,

irracionais, emocionais e desprotegidas. Antes, deveria haver uma etapa de autoconhecimento

da condição de opressão. 22

19 SOIHET, 2000, p. 108. 20 SOIHET, op. cit., p. 98. 21 ALVES, op. cit., p. 185. 22 ALVES, op. cit., p. 100.

18

Embora o sufragismo tenha atuado de forma “bem comportada”, pouco

ameaçador da ordem, mesmo assim ele foi encarado como uma ameaça ao equilíbrio das

relações de poder entre os sexos. A autora não deixa de evidenciar a conduta conservadora da

imprensa e dos estudiosos da época em deturpar a imagem do movimento. Na década de 70, a

imprensa repetiu o processo de deformação da imagem do feminismo no mesmo intuito de

impedir a realização das transformações por ele defendidas. Até mesmo os grupos de

oposição ao regime, a quem as feministas estavam articuladas ou simpatizavam-se, não

reconheceram as contradições entre as categorias étnicas e de sexo colocando-as em segundo

plano. 23

Sobre o descrédito da imprensa ao movimento feminista da década de 70, Rachel

Soihet, utilizando estudos que tratam o riso como instrumento capaz de constranger e

persuadir adversários evidencia o caráter conservador até mesmo entre aqueles que criticavam

os costumes tradicionais e o autoritarismo do regime ditatorial, como foi o caso do jornal

alternativo O Pasquim. Ao mesmo tempo em que seus colaboradores utilizavam a

ridicularização como crítica à ditadura, também faziam das feministas alvos de zombaria

rotulando-as de “masculinizadas, feias, promíscuas, depravadas, mal amadas e despeitadas”,

esteriótipos que ainda perduram.24

Assim como Moreira Alves, Rachel Soihet entende a atitude em desacreditar a

luta feminista como uma demonstração do receio da perda do predomínio masculino nas

relações de poder entre os gêneros, receio muito forte até mesmo entre libertários, o que já

demonstra a potencialidade do machismo no conjunto geral da sociedade.

A história do feminismo no Brasil durante os anos 70 tende sempre a procurar

suas origens na resistência à ditadura militar e nos movimentos de esquerda. No entanto,

como na análise de Soihet dos escritos do jornal O Pasquim, esse “berço” esquerdista nunca

foi garantia de um real compromisso da esquerda com as causas feministas.

Em uma matéria do referido jornal, intitulada Cadelas, uni-vos!, Soihet nos

mostra o tom desrespeitoso e altamente machista assumido pelos colaboradores de O Pasquim

ao ditarem os papéis mais adequados às mulheres:

Em Connecticut, nos EUA, as licenças de cachorro têm a forma de um hidrante. Organizações feministas prontamente protestaram contra a discriminação sofrida pelas cadelas. Depois as mulheres se queixam quando a gente manda elas pro tanque, pra cozinha, pra cama, esses lugares enfim

23 Ibid., p. 181. 24 SOIHET, Rachel. Zombaria como arma antifeminista: instrumento conservador entre libertários. Rev. Estud.

Fem., Florianópolis, v. 13, n. 3, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?>. Acesso em: 27 jan 2007.

19

onde são mais úteis, chateiam menos e podem usar melhor a cabeça25. (grifo nosso)

Adotando o conceito de violência simbólica de Roger Chartier, que supõe a

interiorização pelos dominados das categorias que embasam sua dominação, Rachel Soihet

demonstra que essa conduta machista, misógina, tinha grande repercussão na sociedade em

geral, quer sejam entre homens ou mulheres. A título de exemplo temos a entrevista com a

jornalista Cidinha Campos, que ao ser perguntada por Jaguar, colaborador do O Pasquim, se o

show que ela estava promovendo tinha parceria com Heloneida Studart, Rose Marie Muraro e

Betty Friedman, respondeu que: "Betty Friedman não. As feias que me perdoem, mas beleza

é essencial” . Ou ainda outra jornalista que ao ser entrevistada pelo mesmo jornal afirmou:

"eu sou contra feminista, acho horroroso feminista. Acho que a mulher é um complemento do

homem", conceituando feminismo como “guerra de sexos”, expressando uma idéia

equivocada do movimento.

A outra obra analisada é O que é Feminismo, das historiadoras Branca M. Alves e

Jacqueline Pitanguy. Nela as autoras se propõem recuperar a presença da mulher na história,

preocupação primeira dos estudiosos que se voltavam para a história das mulheres nesse

momento. Em busca desse passado ignorado, abordam em linhas gerais a condição feminina

na Antiguidade Clássica, na Idade Média e no Renascimento, e ainda, registram as primeiras

mulheres a se insurgirem que se tem conhecimento, até passar pelo sufragismo e as formas

contemporâneas de organização das feministas.26

Assumindo claramente a posição de que é difícil definir precisamente o

feminismo, pois ele tem suas raízes no passado, mas que se constrói no cotidiano, e, portanto,

não tem um ponto de chegada, as autoras de imediato atribuem um caráter dinâmico e

também heterogêneo ao feminismo, já que ele pode assumir tanto a forma de organização

publicamente visível, como também pode revelar-se no mundo privado, no trabalho, ou em

qualquer outra esfera em que as mulheres tentam recriar as relações onde o feminino não seja

o menor, o desvalorizado.

Moreira e Pitanguy também relacionam o surgimento do feminismo no Brasil ao

movimento sufragista liderado por Bertha Lutz. Embora deixem claro os questionamentos

levantados pelos movimentos feministas da década de 60 quanto às raízes culturais das

desigualdades de sexo, o refutamento da ideologia legitimadora da diferenciação de papéis e a

defesa da igualdade entre os sexos em qualquer esfera, questões não levantadas pelas

25 LESSA, 1976 apud SOIHET, 2000, passim. 26 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 2003.

20

sufragistas, ainda assim as autoras pontuam que se o sufragismo “não se confunde com o

feminismo ele foi, no entanto, um movimento feminista, por denunciar a exclusão da mulher

da possibilidade de participação nas decisões públicas”.27

As autoras dão visibilidade ainda aos grupos de reflexões criados ao longo dos

anos 60 em países como os Estados Unidos e Inglaterra, e no Brasil dos anos 70 se

estendendo até a década de 80. Esses grupos são encarados pelas autoras como estratégias de

lutas surgidas espontaneamente. Ao participar desses grupos as mulheres descobriram que as

suas experiências de opressão, dificuldades e frustrações não eram isoladas, pois muitas

outras também viviam situação parecida. Partilhando essas experiências, as mulheres tiveram

a oportunidade de perceber a dimensão política de suas vidas particulares e a questionar a

naturalização do ambiente doméstico como espaço naturalmente feminino. Perceberam

também que por cumprirem os papéis de educadoras, seja enquanto professora ou mãe, elas

transmitiam os valores tradicionais – como a fragilidade e sua necessidade de proteção, sua

vocação inata para o casamento, a educação dos filhos e a realização de afazeres domésticos,

dentre outros – perpetuando assim o seu lugar inferior na sociedade. Portanto, cabia a elas

mesmas a tarefa de transformação. Fica claro que entre a opressão e a luta contra ela existiria

um processo de conscientização e reconhecimento da experiência de inferioridade. 28

Durante a ditadura militar as autoras pontuam que o feminismo esteve alinhado a

outros movimentos contra a opressão e o autoritarismo e que concomitante a transição do

sistema novas esferas de atuação são criadas, como a pesquisa acadêmica.

O que Moreira e Pitanguy fazem, portanto, ao longo da obra é enfatizar o caráter

vivo do feminismo, podendo suas lutas e estratégias serem recriadas a todo o momento, ou

seja, como todo processo de transformação, o feminismo contém contradições, avanços,

recuos, medos e alegrias.

Partindo para outra obra, temos Uma História do Feminismo no Brasil da

historiadora Céli Regina Jardim Pinto. Nessa obra, a autora inicia da seguinte maneira:

“Escrever uma história do feminismo no Brasil é uma tarefa bastante peculiar, pois se trata

de um fenômeno que ainda vivemos de forma muito presente e sobre o qual ninguém, homens

ou mulheres, nas últimas décadas, ficou imune a ter uma opinião”. 29

Assim como as autoras anteriores, as quais escreveram no final da década de 70 e

início dos anos 80, Céli Pinto está situada no mesmo tempo de seu objeto de estudo – o

27 Ibid., p. 48. 28 Ibid., p. 62-64. 29 PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,

2003.

21

feminismo permanece no presente – e sua preocupação é mostrar as tendências que se

expressaram e se expressam até hoje no Brasil, enquanto aquelas se preocuparam mais em dar

visibilidade à mulher na história e por isso tentaram mapear as origens do feminismo, atitude

própria de um momento em que a história das mulheres ainda começava a ganhar espaço no

país. E se Céli Pinto evidencia as tendências do feminismo no Brasil, isso por si só já leva a

inferir que na sua visão não há um feminismo: ela o entende como um movimento

fragmentado, de múltiplas manifestações e objetivos diversos.

Céli Pinto aponta os primórdios do feminismo na virada do século XIX para o

XX, fase que vai até 1932, quando as brasileiras conquistaram o direito de votar. Mas para a

autora o feminismo surge no Brasil “de fato” na década de 70, quando então as mulheres

reivindicaram transformações dos papéis a elas atribuídos pela sociedade.

Mesmo em seus primórdios, segundo a autora, o feminismo não assume caráter

homogêneo. Sem reduzir a luta feminina no início do século XX ao sufrágio, nem tampouco a

atuação da sufragista Bertha Lutz, Céli Pinto identifica duas tendências nesse momento: uma

que ela denomina de feminismo “bem-comportado” liderado pela cientista Bertha Lutz e a

outra tendência que apresenta um caráter heterogêneo constituído por mulheres que assumem

uma postura bem mais contestadora da dominação masculina. Nessa tendência “mal

comportada” encontram-se mulheres anarquistas, operárias e mulheres jornalistas, as quais já

davam relevância às questões femininas no mundo do trabalho. Quanto a Bertha Lutz, Céli

Pinto aponta que ela reuniu três condições fundamentais que a levaram a ser uma das

principais líderes sufragistas: condições econômicas – era de uma família de elite -, condições

culturais dos pais que lhe deram relativa liberdade e puderam custear seus estudos fora do país

-, e condições profissionais – era uma das raras cientistas existentes no Brasil.

Após essa primeira fase, Céli Pinto identifica um período de refluxo entre 1932

até as manifestações da década de 1970, refluxo também apontado por Branca Alves e J.

Pitanguy para quem “essa luta estava fadada a desaparecer”, já que o objetivo havia sido

alcançado. Nesse intervalo o feminismo pareceu sucumbir devido ao golpe de 1937, situação

que se estende da redemocratização, em 1946, até o golpe militar de 1964, período em que

não houve espaço para as lutas sociais ditas particularistas no Brasil e no mundo, pois os

movimentos sociais estavam fortemente influenciados pelo socialismo e pela utopia

comunista, para quem em primeiro plano deveriam vir a luta contra as contradições de classe.

Quando reconhecidas, as demais contradições, - de sexo e de etnia -, seriam resolvidas por

extensão ao fim das contradições de classe.

22

No entanto, não quer dizer que nesse período não tenha existido a atuação das

mulheres: no início dos anos 50 elas se organizaram contra o custo de vida, todavia não se

tratavam de movimentos feministas, já que não lutavam contra a transformação das relações

de gênero.

Enquanto a Europa e os Estados Unidos viviam um período de efervescência em

torno das liberdades civis e da igualdade de direitos, o Brasil vivia oprimido pela ditadura.

Embora o terreno não parecesse fértil aos movimentos sociais, o feminismo, segundo Pinto,

surgiu no Brasil nesse período, em pleno governo Médici, considerado o período mais radical

do regime ditatorial, tornando-se ao final da década de 70 uma das vozes mais importantes

contra o regime e reivindicador da anistia.

Céli Pinto considera o movimento feminista brasileiro, assim como o europeu e

norte-americano, como um movimento gestado entre pessoas intelectualizadas, ou seja, não se

trata de um movimento popular, nem no sentido de classes, nem no sentido de seu raio de

ação. Segundo Pinto a sua chegada até as classes populares ocorreu ao longo de sua história

como uma escolha política estratégica, já que viviam um contexto muito hostil às discussões

mais específicas, como a sua posição na sociedade, o corpo, a sexualidade, entre outras.

Quando discutiam essas questões, as feministas não o faziam sem um pedindo de desculpas

por tratarem dessas temáticas enquanto a nação vivia sob o jugo dos militares. Por este motivo

o feminismo nesse contexto apresenta uma tendência a articular-se aos grupos de mulheres

existentes nos bairros populares, os quais discutiam questões mais gerais como a repressão, as

condições de vida da família, a carestia, entre outras temáticas próximas.30

Na redemocratização dois acontecimentos são evidenciados por Pinto como

fatores de influência sobre os movimentos feministas: a anistia aos presos políticos e a

reforma partidária de 1979. A anistia, porque trouxe de volta para o território nacional

militantes da vanguarda da esquerda brasileira dos anos 60, os quais traziam novas idéias e

experiências. A reforma partidária, porque pôs fim ao bipartidarismo e quebrou a unidade da

oposição: muitas militantes feministas até então identificadas com o Movimento Democrático

Brasileiro (MDB) se dividiram entre o Partido do Movimento Democrático Brasileiro

(PMDB), sucedâneo do MDB e o Partido dos Trabalhadores (PT). Além disso, outra divisão

entre as feministas ocorreu: de um lado ficaram as que lutavam pela institucionalização do

movimento e por uma aproximação à esfera estatal e, de outro, as autonomistas, que viam

nessa aproximação um sinal de cooptação. 31

30 PINTO, op. cit., p. 85. 31 Ibid., p. 68.

23

Ao lado das ações mais políticas, relativas à partidarização, se consolidaram no

Brasil grupos autônomos organizados principalmente em torno de temas específicos como a

violência e a saúde. A partir dessa abordagem específica, muitos grupos tenderam a uma

profissionalização sob a forma de organizações não governamentais (ONGs) ao longo da

década de 1980, característica assumida pelo movimento feminista brasileiro também por toda

a década de 1990. Céli Pinto considera esse momento como “um divisor de águas no

movimento feminista”, pois até então as militantes identificavam-se como sujeitos de sua

causa: elas eram as vítimas da opressão contra a qual lutavam.32

No entanto, com a profissionalização as militantes se viram prestando serviços às

vítimas de violência, fato que as fizeram notar profundas diferenças entre as feministas e as

mulheres que buscavam ajuda, pois enquanto aquelas se preocupavam com a sexualidade, o

corpo, a identidade de gênero, estas enfrentavam problemas como a falta de moradia,

alimentação precária e a violência doméstica.

Paralelamente à tendência profissionalizante e especializada dos movimentos

feministas, por meio das ONGs, outro aspecto relativo ao feminismo é observado durante os

anos 90: a sociedade, mais receptiva, passa a incorporar as questões levantadas pelo

feminismo, mesmo que as pessoas não se reconheçam enquanto feministas, o que Céli Pinto

(2003) denomina de feminismo difuso. Nas palavras da autora, “é como se depois de uma fase

‘mal-comportada’ – dos anos 70 e 80 – o feminismo caminhasse para uma fase ‘bem

comportada’ ”.

O estudo panorâmico de Céli Pinto, que se pretende apenas uma interpretação do

feminismo no Brasil como o próprio título sugere, aponta, portanto as principais tendências

assumidas pelo feminismo: desde o sufragismo, ligado às camadas elitizadas e o feminismo

de tendências anarquistas do início do século XX, o feminismo “de fato” surgido nos anos 70,

ligado à esquerda e articulado aos grupos de mulheres, até assumir a forma de ONGs e,

paralelamente, se difundir na sociedade em geral.

Diferente dos estudos anteriores que traçam uma trajetória do feminismo ou

tratam das primeiras manifestações feministas, Cynthia Sarti revisita a trajetória do feminismo

brasileiro a partir dos anos 70. Para a autora o feminismo trata-se de um fenômeno que tem

32 Ibid., p. 81.

24

sua concretização em contextos sociais, culturais, políticos e, portanto, históricos

específicos.33

Assim como Alves, Pitanguy e Pinto, Cynthia Sarti considera o feminismo plural

em suas manifestações, no entanto, no caso brasileiro, seja qual for a forma assumida, ele

esteve articulado com o momento histórico e político vivido no país e para ser pensado deve

estar intimamente relacionado a esse contexto. Dentre seus legados está o impacto tanto no

plano das instituições sociais e políticas, como nos costumes e hábitos cotidianos, ao ampliar

o espaço de atuação pública da mulher brasileira.

Segundo a autora, o feminismo eclodiu no Brasil devido a uma confluência de

fatores. Um deles foi a declaração em 1975 do Ano Internacional da Mulher pela Organização

das Nações Unidas, ligada ao impacto dos feminismos europeu e norte-americano. Essa

declaração abriu espaço de ação para os grupos que agiam na clandestinidade e a formação de

grupos políticos de mulheres que passaram a existir abertamente. Outro fator que contribuiu

para a eclosão do feminismo nos anos 70, segundo Sarti, foi o processo de modernização

vivido no Brasil, ou seja, vivia-se a expansão do mercado de trabalho e do sistema

educacional, e ainda que de forma excludente abriu oportunidades para as mulheres. Aliada a

essa modernização, a efervescência cultural de 1968 juntamente com os novos

comportamentos sociais e sexuais também influenciou o mundo privado. Novas experiências

cotidianas entraram nesse momento em conflito com os padrões tradicionais de valores nas

relações familiares.34

Nascido nesse contexto, o feminismo brasileiro apresenta algumas especificidades

que o diferencia do feminismo europeu e norte-americano. Dentre as especificidades, Sarti

aponta a forte articulação do feminismo, iniciado nas camadas médias, com as camadas

populares e suas organizações de bairro gerando um movimento interclasses. Aproximando-se

dos grupos de mulheres, o feminismo relacionou-se delicadamente com a Igreja Católica,

importante opositora do regime ditatorial. Os grupos feministas enfrentaram a igreja na busca

pela hegemonia dentro dos grupos populares, mas como evidencia Sarti, “o tom

predominante, entretanto, foi o de uma política de alianças entre o feminismo, que buscava

explicitar questões de gênero, os grupos de esquerda e a Igreja Católica, todos navegando

contra a corrente do regime autoritário”. 35

33 SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Rev.

Estud. Fem., Florianópolis, v. 12, n. 2, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br >. Acesso em: 21 jan 2007.

34 Ibid. 35 Ibid., p. 39.

25

A autora enxerga duas tendências dentro da corrente feminista do movimento de

mulheres nos anos 70. A primeira voltada para a atuação pública das mulheres, focalizando-se

nas questões sobre o trabalho, o direito, a saúde e a redistribuição de poder entre os sexos. Foi

a corrente que influenciou as políticas públicas utilizando os canais institucionais criados

dentro da esfera estatal nos anos 80. A outra corrente preocupava-se com o “terreno fluido” da

subjetividade, com as relações interpessoais, tendo no mundo privado seu campo de ação

privilegiado, através de grupos de estudos, de reflexão e convivência.

Outra especificidade da trajetória feminista apontada por Sarti diz respeito ao

caráter dos movimentos sociais no Brasil em relação ao Estado. Os movimentos sociais

organizavam-se em torno de reivindicações de infra-estrutura urbana básica tendo como

parâmetro o mundo cotidiano. Sendo assim, o feminismo atuou articulado às demandas

femininas das organizações de bairro, tornando-as próprias do movimento geral das mulheres

brasileiras.

As questões propriamente feministas, aquelas referentes à identidade de gênero,

relegadas a um plano secundário, de acordo com Sarti, só ganharam espaço quando se

consolidou o processo de abertura política no país em fins da década de 1970. Mas a unidade

dos grupos de mulheres persistiu até o início dos anos 80, quando a luta da oposição contra o

“inimigo comum”, o regime militar, ainda aglutinava os grupos. Após a reforma partidária e o

andamento da abertura do regime, a oposição tende a se fragmentar, seja através da formação

de novos partidos, seja na constituição de novos movimentos, autônomos, que criam novos

lugares para a ação política, reivindicadores de seus interesses, muitos vezes criando novos

direitos.36

Para a autora, na década de 1980 o movimento de mulheres já era uma força

política e social consolidada e as idéias feministas difundiram-se na sociedade, resultado não

só do trabalho das feministas, mas também do clima receptivo da sociedade causado pela

modernização. Paralelamente à expansão da consciência da opressão feminina os grupos

feministas foram atuando de forma mais específica, com um caráter mais técnico e

profissional. Assumiram a forma de organizações não-governamentais e tentaram influenciar

as políticas públicas em áreas específicas, através de canais institucionais. Sobre esse aspecto

Cynthia Sarti considera que essa institucionalização implicou o seu direcionamento para as

questões que respondiam às prioridades das agências financiadoras, muitas vezes sem discutir

a relação entre essas prioridades e a realidade das mulheres na sociedade local.

36 Ibid.

26

Em artigo intitulado Os feminismos no Brasil: dos anos de chumbo à era global”,

Margareth Rago analisa a participação das mulheres em todas as esferas de atividade na

sociedade brasileira, observando a atuação dos movimentos de mulheres e feministas para

conquista destes espaços, território que tende a ser esquecido ou desvalorizado.37

Rago relaciona o surgimento do movimento feminista ao processo de

modernização acelerado, promovido pela ditadura militar e denominado de “milagre

econômico”, em que os padrões tradicionais de vínculos entre os indivíduos, os grupos e a

família se desestabilizaram, e um momento marcado também pela entrada maciça das

mulheres no mercado de trabalho.

Contrariamente à violenta repressão política e cultural por parte do regime

ditatorial, emergiu nesse período uma forte cultura da resistência38 e novos modos alternativos

e libertários da vida em sociedade, como o movimento hippie.

Foi exatamente nesse contexto de crise e elaboração de novos modelos de

subjetividade que emergiu os movimentos de mulheres das camadas médias, em geral

intelectualizadas: o feminismo organizado, que teve que enfrentar o machismo até mesmo

dentro das organizações de esquerda às quais estava articulado. Essas primeiras feministas

brasileiras, acima de tudo, questionavam as relações de poder entre os gêneros e tentavam

impedir que a dominação machista fosse diluída pelo discurso tradicional marxista, embora

em sua maioria também se pautassem pelo mesmo referencial. As feministas empreenderam,

portanto, uma luta para legitimar as suas reivindicações e apresentar-se como um grupo

político digno de confiança: “procuraram utilizar a linguagem predominante na esquerda do

país (marxista) e provar que em todas questões levantadas era possível pensar a dimensão

feminina”.39

Em meados da década de 70 até início dos anos 80 muitos grupos feministas

abertos a “novos horizontes teóricos e políticos” surgiram no país. Esses grupos tentaram

construir uma linguagem própria, autônoma, e especificamente feminina, valorizando desta

forma as temáticas e os atributos femininos, “dando visibilidade ao que antes fora escondido e

recusado”. Questões como a relação direta entre a luta pela emancipação feminina, a

dessexualização e o embrutamento da mulher foram levantadas. Ou seja, esse novo feminismo

37 RAGO, Margareth. Os feminismos no Brasil: dos “anos de chumbo” à era global. Labrys. Estud. Fem.

Brasília, n. 3, 2003. Disponível em: <http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys3/web/bras/marga1.htm>. Acesso em: 21 jan 2007.

38 A exemplo das composições musicais de Geraldo Vandré, Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, entre outros.

39 RAGO, op. cit.

27

passou a considerar a estética, a saúde, a beleza, os cuidados de si como temas do leque de

discussões, sem, no entanto, aderir acriticamente aos ideais de beleza divulgados pela mídia.

Esse repensar das práticas do movimento levou a uma articulação com outros

movimentos, como os movimentos de mulheres surgidos nas periferias urbanas, apoiados pela

Igreja progressista e os demais grupos envolvidos na luta pela redemocratização. Esses grupos

de mulheres não levantavam questões feministas como bandeira de luta: reivindicavam

creches, transportes urbanos, melhores condições de vida, entre outros. Foi um contato muito

fértil para ambos os movimentos. Afinal as feministas atingiram um campo maior de

mulheres, e os grupos de mulheres passaram a discutir outras questões antes dificilmente

tocadas. Segundo Rago, “desse encontro o feminismo no Brasil desenvolveu e ampliou suas

bandeiras de luta, dando destaque às questões da violência e dos direitos reprodutivos”.40

Se não restam dúvidas quanto as enormes conquistas realizadas pelos feminismos,

em especial as conquistas no mercado de trabalho, não há como negar também que nem todas

as conquistas estão consolidadas: as mulheres continuam ameaçadas pelo machismo que

acusa as mulheres da desestabilização da família, pela dura jornada dupla, entre outros.

Mary Ferreira também estuda o movimento feminista, mas busca enfatizar sua

ação na formulação e implementação de políticas públicas. Ou seja, a autora aborda o

feminismo enquanto sujeito de políticas públicas, como elemento de pressão e ação com o

intuito de provocar mudanças sociais tendo como base a igualdade social.41

Entendendo políticas públicas como “respostas políticas do Estado frente às

demandas da sociedade” e um processo dinâmico, permanente e contínuo, Mary Ferreira

defende a idéia de que o movimento feminista tem se comportado como um sujeito

importante no processo de políticas públicas e conseqüentemente na melhoria das condições

de vida das mulheres. Mas, além disso, o movimento feminista tem proporcionado a

ampliação dos debates na sociedade, no que se refere às questões femininas, e dos espaços

políticos.

Se durante os anos 70 o movimento feminista enfrentou arduamente o regime

militar, a opressão masculina e os papéis ditados pela sociedade, Mary Ferreira considera a

década de 80 como o “coroamento de todos os enfrentamentos”, pois foi nessa década que o

Estado respondeu às demandas e pressões feministas e femininas com a criação do Conselho

Nacional, Conselhos Estaduais e Municipais da Condição Feminina, as Delegacias Especiais

40 Ibid. 41 FERREIRA, Maria Mary. As “Caetanas” vão à luta: a trajetória do Movimento Feminista no Maranhão

face às políticas públicas. São Luis: UFMA, 1999.

28

da Mulher, os programas de creches, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher

(PAISM) e ainda as leis que garantiram a ampliação dos espaços políticos às mulheres (Lei

9.100/95) e a ampliação da licença maternidade de 90 para 120 dias. 42

Ferreira evidencia, no entanto, que algumas políticas públicas não são

conquistadas, porque o Estado defende interesses que muitas vezes não correspondem às

reivindicações das mulheres e nem sempre cede às demandas da sociedade. Mas considera

que o fato de tornar visível a questão da mulher, sua exclusão e desigualdade, já são

consideradas uma grande conquista. Com relação a esse aspecto, a autora coloca que os

desafios não terminam quando uma demanda é conquistada; assim como Margareth Rago,

Ferreira identifica toda uma problemática na efetivação e ampliação das conquistas, cabendo à

sociedade assumir uma posição de controle e ao movimento feminista estabelecer parcerias

para consolidar e avançar nas propostas e políticas já implementadas.43

A discussão que Ferreira realiza se aproxima das análises anteriores: o feminismo

que surgiu no Brasil na década de 70 tratou-se de um feminismo “novo”, porque foi além das

reivindicações do sufragismo; ele questionou as estruturas da família, do trabalho, e da

sociedade propondo uma redefinição do papel social da mulher nesses espaços. Esteve

articulado ao movimento de mulheres, propiciando discussões que vão desde a prática política

a questões que envolvem o cotidiano, até então silenciado. 44

A partir desse diálogo, assumimos a posição que parece consensual entre os

trabalhos revisados de que não existe um feminismo, e sim feminismos! Ele pode assumir

tanto a forma organizada como, de acordo com Pinto e Sarti, fazer parte dos discursos da

sociedade de maneira difusa e sólida e está presente em todas as esferas em que homens e

mulheres se relacionem, no exercício do trabalho, na família, na escola, entre outras.

O feminismo será aqui tomado como um fenômeno múltiplo, plural, até porque as

próprias mulheres, não constituem categorias universais. Segundo Simone Beauvoir, elas

tornam-se mulheres em contextos sociais e culturais específicos, e como são múltiplos esses

contextos, as mulheres também são múltiplas, basta remetermos ao momento em que as

feministas das organizações não-governamentais se depararam com as diferenças que as

distanciavam das mulheres das camadas populares vítimas de violência.

Se os contextos sociais e culturais são diferenciados, o feminismo se diferencia de

acordo com eles, afinal as estratégias de luta e resistência agem pensando esse contexto. Mas

42 Ibid. 43 Id. Movimento Feminista como sujeito das políticas públicas. In: LIMA, Terezinha Moreira (Org.).

Cadernos de Exercícios 2. ed. São Luís: Mestrado em Políticas Públicas UFMA, 1998. 44 FERREIRA, 1999. p. 68.

29

uma coisa parece certa entre as feministas: existe uma opressão específica a todas as

mulheres, sejam elas brancas, negras, pobres, ricas, donas de casa, operárias, brasileiras,

maranhenses. E essa opressão contra as mulheres aparece de diferentes maneiras: seja sob a

forma de discriminação manifesta, discriminação encoberta ou ainda na autodiscriminação. 45

Nesse sentido, a opressão não é uniforme, pois não afeta todas as mulheres por igual. Na

sociedade, por exemplo, por intermédio do machismo e do racismo, a mulher negra e pobre é

vista como objeto sexual e serviçal, o que não ocorre com a mulher branca.

Em que pese a existência do feminismo difuso na sociedade, sob forma de

pensamento, práticas políticas e sociais que defendem a igualdade de direitos e deveres entre

homens e mulheres, o presente trabalho trata do feminismo enquanto a ação política

organizada, de caráter coletivo assumida pelas mulheres maranhenses que visam transformar

a situação de opressão das mulheres e as relações sociais que determinam tal situação.

45 YANNOULAS, Silvia; VALLEJOS, Adriana L.; LENARDUZZI, Zulma V. Feminismo e academia. Rev.

Est. Pedag., Brasília, v. 81, n. 199, set./dez. 2000.

30

2 REVISITANDO OS ANOS 80

Entendendo o movimento feminista como uma experiência histórica que

genericamente luta contra a inferioridade feminina e se realiza dentro das possibilidades e

limites de contextos políticos, sociais e culturais específicos, este capítulo procura visualizar o

cenário em que o movimento feminista maranhense originou-se e atuou.

Em estudo sobre o movimento feminista no Maranhão, Mary Ferreira aponta 1980

como o ano do surgimento do primeiro grupo feminista na sociedade maranhense, o Grupo de

Mulheres da Ilha de São Luís46. Dessa maneira, o início dos anos 80 representa a inauguração

da atuação feminista no Maranhão enquanto movimento, pois o feminismo parece ter ganhado

visibilidade aqui a partir da formação do referido grupo, como deixa crer também o

levantamento em jornais da época e entrevistas com militantes feministas.

A criação do Grupo Mulheres da Ilha de São Luís e de outras organizações nos

anos seguintes como o Comitê Oito de Março, o Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa,

União de Mulheres, Espaço Mulher e Viva Maria, pareceu acompanhar o fenômeno apontado

por uma série de estudiosas do feminismo brasileiro: a organização de grupos feministas em

todo o território nacional ao longo da década de 80 47.

A proliferação dos movimentos sociais, entre eles o feminista, está relacionada,

sobretudo, com dois aspectos que marcaram esse período: as crises econômicas e o processo

de redemocratização brasileiro, sobre os quais nos deteremos a seguir procurando visualizar a

atuação feminina, sobretudo feminista.

O fim do modelo econômico baseado na substituição das importações, na

intervenção estatal e no endividamento externo que atingiu o seu auge durante o governo

militar de Médici ficando conhecido como “milagre econômico”, desde a segunda metade dos

anos 70 apresentava claros sinais de esgotamento. Essa crise econômica que se estendeu ao

longo da década de 80, e por isso denominada, sobretudo pelos economistas, de “a década

perdida”, criou um ambiente propício para as manifestações populares. Aliado aos problemas

econômico-sociais, o processo de redemocratização também abriu espaço para as

organizações sociais devido a fatores como a anistia política e a reforma partidária. Dentre 46 FERREIRA, op. cit. 47 PINTO, op. cit. RAGO, op. cit. SARTI, op. cit. TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003.

(Coleção tudo é história).

31

essas organizações está o movimento feminista, na medida em que sua luta contra a opressão

feminina se trava no campo do direito, da liberdade, da democracia, constituindo-se assim,

num dos sujeitos interessados pelo fim do autoritarismo. Dito isto, vejamos como se deu a

volta do regime democrático no Brasil e que rumos o feminismo tomou nesse cenário de

mudanças políticas.

2.1 O feminismo na redemocratização

Um processo de redemocratização envolve genericamente três etapas48, que

seriam o início da dissolução do regime autoritário, a criação da democracia e a consolidação

do novo regime. No Brasil, o longo e gradual processo de transição possibilita diferenciar

essas etapas. A primeira delas, a dissolução, ocorreu de 1974 a março 85, abrangendo os

governos militares de Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985). A segunda

etapa processou-se no governo civil de José Sarney (1985-1990) e a terceira, a consolidação

democrática, iniciou-se em 1990, com a presidência de Fernando Collor de Mello e ainda não

se concretizou por inteiro. 49

Não são poucas as discussões questionadoras se a dissolução do regime militar foi

uma iniciativa dos próprios militares ou se foi motivada pela pressão da oposição. Quanto a

isso, José Murilo de Carvalho considera que o “ponta-pé” inicial veio dos próprios militares,

posição também assegurada por Fausto, Rodrigues e Stepan, para quem não havia pressão

suficiente da sociedade50, tanto política quanto civil, para forçar uma abertura, embora a partir

de 1973 a oposição recomeçasse a dar claros sinais de força, a exemplo do confronto entre a

Igreja Católica e o Estado. 51

As contradições no interior do aparelho militar parecem então responder como

uma das principais razões do processo de abertura realizado pelos governos dos generais

48 Alguns autores dividem esse processo de maneira diferenciada, o que, no entanto, não constitui foco deste

trabalho. Cf. OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. De Geisel a Collor: forças armadas, transição e democracia. Campinas: Papirus, 1994. Aqui os termos abertura, distensão e flexibilização referem-se à etapa do início da dissolução do regime autoritário. Cf. ARTURI, Carlos S. O Debate Teórico sobre a Mudança de regime político: o caso brasileiro. Rev. de Sociol. e Polít., n. 17, nov. 2001.

49 ARTURI, op. cit.. 50 Os grupos armados urbanos, por exemplo, declinaram e praticamente desapareceram no governo Médici em

razão da eficácia da repressão empreendida pelos órgãos de segurança governamentais. 51 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização

Barsileira, 2005. p. 173-174. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002. RODRIGUES, Marly. A década de 80. Brasil: quando a multidão voltou às praças. 3. ed. São Paulo: Ática,

2001. STEPAN, Alfred. C. Os militares: da abertura à nova república. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

32

Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo, contando com a participação do general Golbery do

Couto e Silva, criador e primeiro diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI). Havia

dentro das Forças Armadas posicionamentos muito independentes, tanto sobre questões

políticas quanto ao que se referia à repressão ilimitada. Sobre isso, o próprio Golbery defendia

a idéia de que a repressão ilimitada, na tentativa de uma segurança absoluta, levaria, em

última análise, à debilitação da segurança nacional pretendida, idéia contrária ao que

pensavam os militares da chamada linha-dura.52

O certo é que a hierarquia e a ordem, tão caras ao setor militar, vinham sofrendo

fraturas, já que os órgãos de repressão agiam como um grupo quase autônomo. Além disso, a

própria imagem da corporação vinha se desgastando socialmente, sendo amplamente

associada a torturadores e assassinos. Tornava-se necessário para manter a ordem, neutralizar

a autonomia dos militares que faziam parte dos órgãos de segurança, abrandar a repressão e

promover a volta dos militares às suas atividades profissionais.53

Outros argumentos podem ainda estar associados à motivação de abertura política,

como o fato de Geisel pertencer ao grupo de oficiais liberais-conservadores ligados a Castelo

Branco, o qual nunca tivera a pretensão de permanecer no governo indefinidamente como

pareciam querer os militares linha-dura que viveram seu auge no governo Médici. Com

Geisel, os “castelistas”, como eram denominados aqueles ligados a Castelo Branco, voltaram

ao poder, travando nos bastidores uma luta contra os mais conservadores.54

Outra razão tem a ver com a primeira crise do petróleo ocorrida em 1973. Sendo o

Brasil altamente dependente da importação de oitenta por cento do petróleo que consumia, a

triplicação do preço do produto pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo

(OPEP) deixou o país em má situação. Dessa maneira, a flexibilização do regime foi encarada

como uma forma de manter o controle da situação em tempo de crise, pois em caso de

recessão econômica o regime político perderia facilmente a sua legitimidade junto aos setores

que mais foram beneficiados pelo “milagre econômico”, a classe média e o empresariado.55

Em que pese a força dessas razões que indicam uma iniciativa por parte das

próprias Forças Armadas para a abertura política, concordamos com Götz Ottmann quando

afirma que “a busca de uma nova fórmula de legitimação e uma nova estratégia hegemônica

52 RAMOS, Eloisa Helena Capovilla da Luz. De Golbery a Lula: olhares sobre a redemocratização no Brasil.

Unisinos. 2004. Disponível em: < http://www.corredordelasideas.org/docs/sesiones/de_golbery_a_lula.doc.>. Acesso em: 21 jan. 2007.

53 FAUSTO, op. cit., p. 490 54 CARVALHO, op. cit. 55 Ibid.

33

tendo como premissa a institucionalização foram os determinantes-chave para a abertura do

regime”.56

Isto posto, podemos dizer que a abertura foi pensada para se processar de modo

lento, gradual e seguro como forma de legitimar o Estado autoritário então vigente, o que

explicaria a permanência de atos de exceção, assim como perseguições, torturas e mortes

durante a transição do regime, caracterizando uma “transição pactuada”.57 Geisel, por

exemplo, revogou o Ato Institucional nº 5, restabeleceu o hábeas corpus para crimes

políticos, mas em seu governo a censura seletiva aos meios de comunicação permaneceu

vigorando.

Quanto a Figueiredo, foi concedida em seu governo a anistia em agosto de 1979 e

em dezembro do mesmo ano, a reforma partidária, dando um fim ao bipartidarismo que

perdurava desde a declaração do Ato Institucional nº 2 em 1965. Essa reforma, entretanto, foi

parcial, já que continuou proibindo a organização de partidos de orientação marxista e das

centrais sindicais. Quanto à lei de anistia, ela também trouxe restrições e fez uma relevante

concessão à linha-dura, pois ao perdoar crimes de qualquer natureza que tivessem relação

com crimes políticos ou praticados por motivações políticas, a lei impossibilitou que os

responsáveis pelas perseguições, torturas e mortes fossem julgados e condenados.58

No que se refere ao feminismo, muitas militantes, que foram levadas ao exílio em

1968 e lá participaram do movimento feminista, puderam voltar ao Brasil trazendo

pensamentos acadêmicos renovados e novas experiências, passando a representar uma nova

fonte discursiva para o movimento brasileiro, infundindo novo material estratégico e

conceitual.59

Apesar das restrições, a anistia representou o início de uma maior liberalização de

manifestação e expressão, pois o medo da repressão, por exemplo, que obstaculizava a

organização de feministas e a livre defesa de suas idéias já não atormentava como antes.

Dessa maneira, o movimento feminista foi ganhando mais força com a renovação e o

surgimento de novos grupos por todo o território nacional.

56 OTTMANN, Götz. Movimentos sociais urbanos e democracia no Brasil: uma abordagem cognitiva. Novos

Estudos, São Paulo, n. 41, p. 197, 1995. 57 Guilhermo O’Donnel distinguiu duas formas clássicas de transição: uma rápida e com forte ruptura com o

autoritarismo vigente, denominada de transição por colapso, e outra, lenta e gradual, segura para as forças até então no poder, resultado de acordos entre os setores conservadores e as forças progressistas de oposição, tratando-se de uma transição pactuada, como aconteceu no Brasil, Chile e Espanha. Cf. SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Brasil, em direção ao século XXI. In: LINHARES, Maria Yedda. História geral do Brasil. 9. ed. Rio janeiro: Campus, 1990. p. 389.

58 FAUSTO, op. cit. SILVA, op. cit. 59 OTTMANN, op. cit., p. 199.

34

Quanto à reforma partidária, os militares pretenderam e conseguiram, com a

aprovação da Nova Lei Orgânica dos Partidos60, minar a unidade da oposição que se

organizava em torno da sigla do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).61 Ou seja, as

diferentes tendências ficaram juntas em torno do MDB porque era o único partido de oposição

legalmente permitido.

No entanto, ao passo que o regime foi se flexibilizando, as diferenças ideológicas

e pessoais começaram a surgir e a romper a unidade dos opositores do regime, ocorrendo

assim a constituição de novos partidos: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro

(PMDB), o Partido Democrático Social (PDS), o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Popular (PP) e o Partido dos Trabalhadores

(PT). Quanto ao feminismo, a reforma partidária também levou as militantes feministas a se

dividirem entre partidos, sobretudo entre o PMDB e o PT. 62

Se a volta à normalidade política, por um lado, possibilitou o surgimento de novas

instituições partidárias, por outro, ela propiciou também, por parte da sociedade civil, a

constituição dos denominados “novos movimentos sociais”, aqueles que se organizaram como

espaços de ação reivindicativa, recusando relações de dependência ou de cooptação por parte

do Estado, dos partidos ou de outras instituições. Esses “novos sujeitos”, inclusive o

movimento feminista, segundo Sáder, construíram uma cultura participativa e autônoma, com

uma vasta rede de organizações populares que se mobilizaram em torno da conquista, da

garantia e da ampliação de direitos, tanto os relativos ao trabalho como à melhoria das

condições de vida no meio urbano e rural, ampliando sua agenda para a luta contra quaisquer

discriminações, como as de gênero e de raça.63.

Afirmar que movimentos eram independentes do Estado soa um tanto ingênuo.

Para Gohn, há uma grande diferença entre o que os movimentos apregoavam e o que

acontecia na prática, pois a total autonomia e isolamento pretendida nunca existiu, visto que é

impossível obter as demandas reivindicadas fora da esfera estatal. Além disso, o Estado define

60 Essa lei permitiu a criação de novos partidos e obrigou às novas instituições partidárias a pôr em seu nome o

termo “partido”, ao que o MDB passou a denominar-se PMDB e a Arena, que se constituía em um nome já impopular, organizou-se sob a sigla PDS (Partido Democrático Social) (FAUSTO, 2002).

61 ARTURI, op.cit. FAUSTO, op.cit. PINTO, op. cit. RODRIGUES, op. cit. 62 PINTO, op. cit. 63 SÁDER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores

da Grande São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

35

linhas de atuação dos movimentos à medida que cria programas sociais, com subvenções e

financiamentos.64

A rejeição à aproximação com o Estado desencadeou uma nova separação no seio

do feminismo, pois as feministas dividiram-se entre aquelas que lutavam pela

institucionalização do movimento e as que viam nessa aproximação um sinal de perda de

autonomia. O maior temor era que o partido orientasse ou direcionasse as ações do

movimento, fazendo deste um mero instrumento para conseguir objetivos estratégicos,

qualquer que fosse a linha política partidária. 65

Embora houvesse fortes posições contrárias à institucionalização, o fato é que ela

acabou acontecendo ao longo da década de 80, ganhando mais visibilidade sob forma de

conselhos da condição da mulher. Em São Paulo, por exemplo, um grupo de feministas

apresentou a proposta ao governador Franco Montoro, eleito pelo PMDB em 1982, de criação

de um conselho feminino. A proposta foi aceita e oficializada por decreto em abril de 1983,

constituindo-se assim o Conselho da Condição Feminina de São Paulo, o primeiro órgão

desse tipo a ser criado no país. A partir desse conselho foram criados outros órgãos nos níveis

nacional, estadual e municipal. 66

Em que pese o risco de perda da autonomia, aquelas feministas que defenderam a

institucionalização alegaram que a aproximação junto à esfera estatal abria possibilidades de

influências na sociedade como um todo, não só na forma coercitiva, mas também através de

leis, de políticas sociais e econômicas, de ações e de mecanismos reguladores da cultura. O

Estado foi percebido como um instrumento fundamental na transformação da condição

feminina. Não deixavam, no entanto, de reconhecer que se de um lado, o Estado poderia ser

um aliado, por outro, as feministas deveriam resistir constantemente a esse mesmo aliado, que

afinal conservava um forte caráter patriarcal e conservador dificultando suas ações. 67 Em

1983, por exemplo, o governo de São Paulo foi pressionado pelas mulheres e pelo Conselho

Estadual da Condição Feminina para a implantação de uma assistência à saúde das mulheres,

ao que o governo respondeu com a criação do Programa de Assistência Integral à Saúde da

64 GOHN, Maria da Glória Marcondes. Os sem-terras, ONGs e cidadania: a sociedade civil brasileira na era

da globalização. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2003. 65 TABAK, Fanny. Autoritarismo e participação política da mulher. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983. 66 PINTO, op.cit. 67 COSTA, Ana Alice Alcântara. O Movimento Feminista no Brasil: dinâmicas de uma intervenção política.

Estudos feministas. Labrys: Estd. Fem., jan./jul. 2005. Disponível em: </www.unb.br/ih/his/gefem.> Acesso em: 18 nov. 2006.

36

Mulher (PAISM). No entanto não aprofundou questões como o planejamento familiar,

evitando atritos com os setores sociais mais conservadores como a Igreja. 68

Seguindo a onda da institucionalização, muitos grupos feministas tenderam a

fragmentar-se, esvaziando as organizações formadas em torno da bandeira da opressão

feminina, ganhando força uma atuação mais especializada e profissional. Foi assim que

muitos grupos transformaram-se em organizações não-governamentais (ONGs), ou seja,

organizações com equipes profissionais relativamente estáveis e com financiamentos, por

agências internacionais ou do próprio governo, que se notabilizam por sua capacidade

técnico-propositiva de intervenção frente ao Estado em audiências, pressões ou ações

jurídicas, em capacidade de se articular em redes e fóruns. A mobilização social que

desenvolvem é feita muito mais através dos meios de comunicação, da produção do

conhecimento e da articulação com outras organizações ligadas aos movimentos sociais do

que de mecanismos de ação direta e de manifestações de massa.69

É pertinente observar que em muitos casos, ONG é um termo utilizado para

designar mini-empresas que na prática comerciam com o social e competem entre si por

fundos de agências internacionais, ou ainda constituem-se em organizações neo-

governamentais, presas à lógica dos governantes e emaranhadas na execução dos projetos

vinculados às políticas públicas.

Como foi visto, a anistia e a reforma partidária foram decisões devidamente

pensadas pelos militares articuladores da abertura “lenta, gradual e segura”, no entanto, alguns

acontecimentos deram sinais da perda da capacidade do regime militar em controlar a situação

política e econômica do país.

Em 1982, por exemplo, a oposição disputou as eleições diretas para os cargos de

governadores, prefeitos de capitais e municípios de interesse para a segurança nacional, e

embora fragmentada, conseguiu eleger nesse pleito dez governadores, incluindo os Estados

considerados mais importantes: Franco Montoro em São Paulo, Leonel Brizola no Rio de

Janeiro e Tancredo Neves em Minas Gerais.70 Foram eleições em que as feministas tiveram

contundente participação, através do debate de idéias, do lançamento de candidaturas, da

elaboração de plataformas contendo suas reivindicações. A presença da mulher e o peso das

68 TELES, op. cit., p. 151. 69 SILVA, Carmem S. M. Identidade das Ongs e Campo Político dos Movimentos Sociais. Disponível em:

<http://www.forumsocialnordestino.org.br/publi/ongs_ms.doc.>. Acesso em: 15 jan. 2007. 70 SILVA, op. cit.

37

idéias feministas não foram ignorados: todos os partidos criados em virtude da reforma

partidária incluíram em seus programas referências às questões femininas. 71

2.2 As crises socioeconômicas e a mobilização pelas diretas

Esse processo de redemocratização ocorreu em meio à crises econômicas com

altos níveis inflacionários: a inflação chegando a 90% ao ano em 1982 e 200% dois anos

depois. Os compromissos assumidos por empréstimos junto ao FMI ocasionaram na redução

do crédito, do déficit público, dos subsídios, a desvalorização da moeda e também a

compressão dos salários. Atingindo os trabalhadores como um todo, essas medidas levaram a

eclosão de greves, não só entre a classe operária, mas também entre professores, médicos,

funcionários públicos, motoristas, bancários, os quais protestavam contra os baixos salários e

as demissões em massa. 72

Sem recursos e com uma dívida externa em crescimento, o país entrou em um

período de estagnação econômica, levando ao empobrecimento daquelas classes médias

oriundas dos tempos do milagre econômico e que garantiram apoio ao regime militar. De

1981 a 1984, por três anos consecutivos a renda média dos brasileiros caiu ao invés de subir. 73

Com um contingente de desempregados em torno de 4 milhões, as grandes e

médias cidades vivenciaram a realização de protestos e passeatas, que acabavam muitas vezes

em saques a supermercados, deixando claro o descrédito nas medidas governamentais de

resolução do desemprego. No meio rural também eclodiram greves de trabalhadores, a

exemplo dos bóias-frias de Guariba no interior de São Paulo, os quais reivindicavam melhores

salários.74

A crise dos anos 80, no entanto, não interrompeu o processo da inserção feminina

no mercado de trabalho, processo que já vinha se intensificando desde a década anterior.

Nesse período, houve a junção de vários fatores influenciadores do trabalho feminino. A

política salarial repressiva, as mudanças nos padrões de comportamento e nos valores

relacionados ao papel da mulher, contribuindo para isso o movimento feminista, a expansão

da escolaridade feminina e o acesso às universidades, e ainda o controle da reprodução, em

virtude da maior disponibilidade de métodos contraceptivos no Brasil, são todos fatores que

71 TABAK, op. cit. 72 RODRIGUES, op. cit. 73 Idem. 74 Idem.

38

facilitaram a oferta de mulheres no mercado de trabalho. Entre 1976 e 1985, por exemplo, a

taxa de atividade feminina passou de 28,8% para 36,9%, com um crescimento do contingente

de mulheres economicamente ativas a uma taxa anual de 5,6%, contra apenas 2,9% de

incremento masculino, como podemos observar nas tabelas 1 e 2.

Tabela 1 - Mulheres economicamente ativas

Fonte: FIBGE/PNADs75

Tabela 2 - Homens economicamente ativos

Fonte: FIBGE/PNADs76

Mergulhada em crise econômica, a população brasileira intensificou as críticas ao

governo, facilitando a mobilização popular e o surgimento das “Diretas Já”, que exigia, sob

forma de comícios e caminhadas, eleições diretas para presidente da República. Esse

75 FIBGE/PNADs. Microdados. Disponível em: <http:/www.fcc.org.br/mulher/series_historicas/tabelas/mmt1.

html>. Acesso em: 12 jan. 2007 76 Ibid.

MULHERES PEA Ocupadas Empregadas

Anos (milhões) Taxa de

Atividade

Porcentagem na PEA (milhões) (milhões)

Porcentagem entre os

empregados 1976 11,4 28,8 28,8 11,2 7,3 30,3 1981 14,8 32,9 31,3 14,1 9,4 32,3

1983 16,8 35,6 33,0 16,0 10,5 33,4 1985 18,4 36,9 33,5 17,8 11,8 34,4 1990 22,9 39,2 35,5 22,1 14,7 36,7

HOMENS PEA Ocupados Empregados

Anos (milhões) Taxa de

atividade

Porcentagem na PEA (milhões) (milhões)

Porcentagem entre os

empregados 1976 28,2 73,6 71,2 27,8 16,7 69,7 1981 32,6 74,6 68,7 31,2 19,8 67,8

1983 34,6 74,8 67,0 32,4 21,0 66,6 1985 36,6 76,0 66,5 35,4 22,5 65,2 1990 41,6 75,3 64,5 40,0 25,4 63,3

39

movimento envolveu diferentes setores da sociedade, como organizações de classe, a exemplo

da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e representantes da Igreja, além de uma frente

única que reunia partidos da esquerda, como o PMDB, PDT e o PT, que pela primeira vez se

dispôs a entrar em uma frente juntamente com outros partidos. 77

No Maranhão, a população também se movimentou na capital e no interior com a

realização de comícios e passeatas em prol das eleições diretas:

Muita gente participou ontem à noite, na Praça do Pantheon, do comício pelas eleições diretas organizado pelos Partidos de Oposição. Presentes os presidentes do PMDB, Ulisses Guimarães, do PT, Luis Inácio da Silva, e do PDT, Doutel de Andrade, além do deputado federal Freitas Nobre, da economista Conceição Tavares e da atriz da Rede Globo Dina Sfat78

Cerca de duas mil pessoas participaram ontem a tarde da passeata pelas eleições diretas presidenciais [...] Todos os partidos de oposição estiveram presentes, inclusive o proscrito Partido Comunista Brasileiro que mostrou sua grande bandeira. [...] A passeata percorreu as principais ruas do centro de São Luís a partir da Praça Deodoro. 79

A sociedade em geral colocou as suas esperanças nesse movimento, vendo as

diretas não apenas como a possibilidade de uma representação autêntica, mas também como

uma oportunidade para protestos em busca de soluções para os problemas que assolavam a

nação, como a inflação, o salário baixo e outros problemas enfrentados no cotidiano: “O

Comício Pró-Diretas de Imperatriz foi aberto com uma passeata de protesto promovida por

moradores da Vila Lobão revoltados contra o descaso das autoridades em adiar

sucessivamente o início dos trabalhos de infra-estrutura urbana ali exigidos”. 80

77 FAUSTO, op. cit. 78 MUITO concorrido o comício Pró-diretas. O Estado do Maranhão. São Luís, n. 4367, p. 02, 15 fev. 1984. 79 DIRETAS Já movimenta população. O Imparcial. São Luís, n. 15935, p. 1, 18 abr. 1984. 80 IMPERATRIZ faz comício pelas eleições diretas. O Imparcial. São Luís, n. 15932, p. 7, 4 abr. 1984.

40

Figura 1- Feministas em passeata pelas Diretas Fonte: Jornal “O Estado do Maranhão”81

Encontramos também nas páginas jornalísticas indicativos da movimentação das

maranhenses pelas diretas (figura 1). No trecho transcrito abaixo, as mulheres de um dos

grupos convidam a população feminina da sociedade para se fazer presente em uma passeata:

O Grupo de Mulheres da Ilha está organizando uma passeata em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. A intenção é mobilizar as mulheres em favor de seus direitos e pelas eleições diretas para presidente num dia em que haverá manifestação no Brasil inteiro. Estamos solicitando a todas as mulheres que compareçam trazendo uma flor amarela que pode ser de pano, de papel, de plástico, ou natural, já que o amarelo é a cor oficial da luta pelas diretas e a flor significa para nós a feminização da sociedade. Caso desejem portar faixas e cartazes durante a passeata, apelamos para que as palavras de ordem sejam estritamente relacionadas com as questões específicas da mulher, seus direitos, suas lutas, suas conquistas.82

Embora as Diretas Já tenha mobilizado milhões de pessoas por todo o país entre

janeiro e abril de 1984, o movimento não conseguiu impedir a rejeição do projeto de emenda

constitucional apresentado pelo deputado Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para

presidente, pois para isso dependia do voto de dois terços do Congresso. Portanto, para que a

emenda fosse aprovada seria preciso que congressistas do PDS, partido do governo, votassem

a favor das diretas, o que ainda chegou a acontecer: dos 298 votos recebidos, 55 eram de

deputados governistas. De qualquer maneira, caso a emenda tivesse passado pela Câmara,

seria muito difícil a sua aprovação no Senado dada a composição deste. 83 Em todo caso, a

campanha pelas diretas estabeleceu-se no imaginário coletivo como o primeiro grande

momento de participação política do país após duas décadas de ditadura militar.

81 NA LUTA por direitos iguais. O Estado do Maranhão. São Luís, p. 1, 8mar 1984. 82 GRUPO de Mulheres da Ilha. Jornal Pequeno. São Luís, n. 11611, 4 mar. 1984. 83 FAUSTO, op. cit.

41

2.3 O caráter conservador da redemocratização

Em que pese o fato de não ter atingido seu objetivo, o potencial de mobilização do

movimento pelas diretas, revelador da impopularidade do regime, foi fator fundamental para

estimular e justificar a dissidência no partido do governo. 84 Esses dissidentes formaram a

Frente Liberal, que por sua vez chegou a um pacto com peemedebistas ocasionando na

constituição da Aliança Democrática. Na realidade, enquanto dava apoio à emenda Dante de

Oliveira, a oposição liberal já tecia a referida aliança que lançaria Tancredo Neves e José

Sarney à presidência e a vice, respectivamente, em oposição ao candidato governista, Paulo

Maluf. 85

A aceitação de Tancredo Neves pelos dissidentes foi baseada, sobretudo, no seu

caráter conciliador, sua posição conservadora, ou seja, na sua “confiabilidade” política

pessoal, que fazia crer o cumprimento das prerrogativas políticas oferecidas às Forças

Armadas, como as promessas de não atingir os interesses econômicos das classes dominantes

por eventuais reformas.

Quanto a Sarney, ex-presidente da ARENA e do PDS e líder da campanha contra

as Diretas, sua trajetória política marcada por anos de vínculos com os militares e de

mandonismo político no Maranhão exercido sob o manto protetor da velha ARENA, fazia

dele uma figura nada compatível com o processo de redemocratização, sendo visto com

restrições por alguns políticos do PMDB86. No entanto, através de acordos, a Frente Liberal

fechou em seu nome e o PMDB cedeu.

Enquanto Tancredo aparecia na mídia e nos comícios reforçando seu prestígio

popular, embora se tratasse de uma eleição indireta, Maluf tratou de utilizar “técnicas de

sedução” na tentativa de ganhar um a um os membros do Colégio Eleitoral, inclusive no

Maranhão. A Assembléia Legislativa maranhense deveria enviar seis deputados para

representá-la no Colégio Eleitoral. Entendendo que esses deputados poderiam naturalmente

votar em Tancredo, devido a seu vice que era maranhense, Maluf tratou em “conquistar” a

qualquer preço esses votos. 87

Como estratégia, conseguiu persuadir dezessete deputados estaduais e levá-los

para Brasília onde se encontraram com o Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, aliado

político de Maluf. O ministro, adotando como práticas políticas o oferecimento de uma série

84 ARTURI, op. cit. 85 KUCINSKI, Bernardo. O fim da ditadura militar. São Paulo: Contexto, 2001. 86 Recorde-se que José Sarney filiou-se ao PMDB apenas para poder concorrer à vice presidência. 87 MEIRELES, Mário M. História do Maranhão. São Paulo: Siciliano, 2001.

42

de conveniências caso os deputados aderissem ao PDS, garantiu os votos dos congressistas

maranhenses no Colégio Eleitoral para Paulo Maluf. No entanto, as estratégias de Maluf não

tiveram potencial suficiente para “conquistar” a maioria dos congressistas brasileiros

perdendo para Tancredo. 88

O pacto político que aconteceu entre o candidato oposicionista, dissidentes do

PDS e militares demonstra que a maioria das lideranças oposicionistas estavam satisfeitas

com a “legalidade autoritária” e com os ganhos políticos vislumbrados. Nesse quadro de

acordos políticos, o PT negou-se a compor uma frente junto às oposições e mais do que isso,

as acusou de capitulação frente aos interesses conservadores. 89 Portanto, a Aliança

Democrática acentuou o caráter conservador da transição política.

Com a vitória do candidato das oposições, iniciou-se uma nova etapa do processo

de transição política, cabendo a José Sarney a condução desse processo, dada a morte de

Tancredo Neves. Nos termos de Teixeira da Silva, “parecia irônico, e mesmo um jogo

amargo do destino, que após o movimento das “Diretas Já” e da campanha nacional pró

Tancredo, coubesse ao ex - presidente da Arena e do PDS, e não um político da oposição,

conduzir a democratização do país”. 90

2.4 Novas medidas e mais crises: o governo Sarney e o fracasso do plano cruzado

A Nova República, como passou a ser chamado o restabelecimento do governo

civil, nasceu sob circunstâncias bastante frágeis: Sarney assumiu o cargo sem um plano de

governo propriamente dito, com uma administração quase paralisada, devendo enfrentar uma

crise econômico-social que só se avolumava. Para combatê-la, Sarney anunciou em fevereiro

de 1986 um plano econômico sob a coordenação do ministro Dílson Funaro: o Plano Cruzado.

Esse plano tratou-se de uma ampla reforma monetária: criou uma nova moeda - o Cruzado -, e

tomou medidas de estabilização econômica como o congelamento de preços e salários, abono

de 8% para todos os trabalhadores, salário-desemprego e reajuste salarial sempre que a

inflação atingisse 20%.

88 Ibid. 89 ARTURI, op.cit. 90 SILVA, 1990. p. 389.

43

Figura 2 - Populares reagem contra o não cumprimento de tabela de preços Fonte: Jornal “O Imparcial”91

Os brasileiros e brasileiras foram chamados a participar da nova reforma como

“fiscais do Sarney”. Altamente prejudicada pela inflação, a população aderiu em massa ao

chamado do presidente e, mal havia sido lançado o novo plano, já estava a postos. Nos jornais

maranhenses foram constantes as notícias sobre o desrespeito dos empresários às tabelas de

preços e o conflito entre consumidores ludovicenses e os funcionários de supermercados

(figura 2):

[A população] Sentiu-se vilipendiada quando comparou os preços afixados nas mercadorias com os anunciados pela tabela oficial de preços congelados. Cansados de esperar sem que lhes apresentassem uma solução, populares terminaram por depredar o supermercado Lusitana da Rua de Santana. [...] O povo aplaudiu a chegada da polícia e cantou o hino nacional.92

Num primeiro momento, a reforma surtiu efeito positivo, pois a inflação de 237%

caiu para 57% de março a outubro de 1986, causando um clima otimista no país e fazendo de

Sarney um presidente extremamente popular. Com os preços congelados, houve uma

verdadeira corrida ao consumo, desde produtos como leite até pacotes de viagens

internacionais e automóveis. No entanto, após alguns meses, os empresários começaram a

pressionar o governo, pois o congelamento dos preços impediu a geração de lucros. Sem

resposta, os produtores diminuíam a produção, fazendo sumir das prateleiras dos

supermercados bens importantes na alimentação do dia-a-dia, como o leite e a carne. Em São

91 O POVO na guerra contra inflação. O Imparcial. São Luís, n. 16491, p. 8, 5 mar. 1986. 92 O POVO na guerra contra inflação. O Imparcial. São Luís, n. 16491, p. 8, 5 mar. 1986.

44

Paulo, por exemplo, mais de 20% dos 4,5 mil açougues fecharam no ano de 86 por falta do

produto93.

Com a dificuldade em obter produtos indispensáveis, o povo brasileiro teve que

enfrentar constantes filas e assim mesmo pagar um preço acima do tabelado. No caso da falta

de carne, como saída para esse problema, o governo passou a confiscar gado de corte nas

fazendas dos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande

do Sul.

A falta de alimentos nos mercados, inclusive dos produtos regionais, provocada

pelo boicote dos empresários ao Plano Cruzado também foi sentida pelos maranhenses: “Com

a contínua ausência da carne nos açougues – nem peixe nem mariscos são encontrados em

quantidade suficientes para o abastecimento da população que resolveu jogar sua última

cartada apelando para o camarão seco, ovos, conservas, etc”. 94

Para combater a escassez de carne, o Maranhão chegou a importar o produto do

mercado europeu: “[...] a COBAL recebeu esta semana 102 toneladas de carne proveniente

da Itália para abastecer São Luís por alguns dias. [Podendo] a carne já ser encontrada nas

feiras, mercados, supermercados e frigoríficos de São Luís.” 95

Até mesmo a única fábrica de leite do Maranhão foi atingida pela falta de matéria-

prima:

[...] Nos últimos 15 dias não foi distribuído o produto. [...] O problema é a falta de leite in-natura para a produção de leite. Desde que os proprietários de vacarias de São Luís suspenderam a venda de leite à COPEMA a crise ficou mais séria. Eles alegam que é mais lucrativo vender o leite na porta que para o órgão do governo que paga muito pouco pelo litro. 96

Com freqüência os jornais noticiavam os discursos do presidente José Sarney que

faziam crer o bom andamento da economia, mas que para isso precisava do apoio popular às

medidas governamentais, mesmo aquelas consideradas mais austeras, como o caso do

confisco de gado:

“É hora de todos colaborarem, ou todos ajudarem o Brasil”, apelou o presidente. Para observar que o País está saindo das perspectivas de grande “desastre”, Sarney disse que o País progride, assim como aumenta o seu prestígio internacional. [...] “Não é possível que existam brasileiros que desejam atrasar o País. O progresso começa, como tenho dito, dentro de cada um de nós. Todos devem colaborar, porque todos nós somos responsáveis”, disse Sarney.97

93 RODRIGUES, op. cit, 2001. 94 ALIMENTAÇÃO preocupa consumidor. O Estado do Maranhão. São Luís, n. 8752, p. 2, 14 set. 1986. 95 COBAL distribuiu 102 t de carne. O Imparcial. São Luís, n. 16894, p. 3, 9 out. 1986. 96 LEITE Ilma vai sumir de vez do mercado interno. O Imparcial. São Luís, n. 16896, p. 5, 11 out. 1986. 97 SARNEY diz que não vai vacilar. O Imparcial. São Luís, n. 16896, p. 3, 11 out. 1986.

45

Em discursos como esse, o governo atacava os produtores que se negavam a

colaborar com as medidas governamentais, como os criadores que não colocavam o gado para

o corte, estendendo assim à população a responsabilidade da economia do país.

Na realidade, o Plano Cruzado começava a transparecer as suas fraquezas. Com a

passagem das eleições de novembro de 1986 o plano ruiu de vez. A crise das contas externas

levou o Brasil a declarar uma moratória em fevereiro de 1987, suspendendo por tempo

indeterminado o pagamento de juros referentes à dívida externa de médio e longo prazo

contraída junto a órgãos de crédito internacionais. Foram ainda reajustados os preços de

tarifas públicas, como água, energia e gás, derivados de petróleo, bebidas, entre outros,

demonstrando a subida inflacionária.

Seguiram-se ainda outros planos econômicos: o Plano Bresser e o Plano Verão, o

qual substituiu o Cruzado pelo Cruzeiro Novo. Mas ambos não surtiram os efeitos esperados.

Durante o ano de 1988 a inflação acumulada ultrapassou 930% deixando o país em situação

crítica. A cesta básica, por exemplo, no ano de 1989 comprometia 56% do salário mínimo do

trabalhador!98 Como não sentir os efeitos de uma crise econômica nessas proporções?

Nas cidades grandes, um enorme contingente de desempregados, subempregados

e trabalhadores urbanos enfrentaram cotidianamente problemas como o desemprego, a falta

de moradia e a violência. Com a população maranhense não foi diferente: para a execução de

grandes programas econômicos, a exemplo do Programa Grande Carajás99 (PGC) foram

concedidos à Companhia Vale do Rio Doce (CRVD) mais de 2 mil hectares, incluindo a praia

do Boqueirão, a praia dos pescadores e Anjo da Guarda.

Em 1979, foram concedidos mais de 6 mil hectares entre o Maracanã e a Estiva

para a fábrica de alumina e alumínio, a ALUMAR, desalojando em torno de 4.000 famílias

que viviam de pequenas roças e da pesca. Embora tenham sido indenizados, os moradores não

tiveram criadas novas condições de trabalho. Tendo em vista que o PGC estava programado

para atingir de forma direta 14 municípios no Maranhão, de acordo com a divisão geopolítica

prevalecente na época, certamente o número de famílias desalojadas em todo o Estado atingiu

proporções maiores. 100

O problema em São Luís complicou-se mais ainda devido à forte atração exercida

pela industrialização sobre a população interiorana e de Estados vizinhos, em sua maioria

98 RODRIGUES, op. cit. 99 Programa do governo federal, administrado pela CVRD, que compreende um sistema integrado pela extração

mineral na Serra dos Carajás, uma ferrovia de Carajás a São Luís e as instalações portuárias (Porto da Madeira), administrativas, operacionais e de manutenção na capital maranhense.

100 GISTELINCK, Frans. Carajás, usinas e favelas. São Luís: Minerva, 1988.

46

trabalhadores rurais expulsos do campo devido a problemas fundiários, como a ação de

grileiros, a violência e uma reforma agrária ineficiente. Sem qualificação esses trabalhadores

empregaram-se na construção civil em caráter temporário sendo dispensados com o término

da fase de construção.

No período de implantação da CVRD e da ALUMAR, que corresponde ao

intervalo 1980-1985, a população de São Luís cresceu em 81,5%, ou seja, 266.889

habitantes.101 Isso leva a questionar se a cidade estava preparada para atender tamanho fluxo

de pessoas, e ainda, como essas pessoas foram aqui estabelecidas (gráfico 1).

CRESCIMENTO POPULACIONAL DE SÃO LUÍS (1980 - 1986)

322.578

429.670

596.691585.467

540.645

499.870

369.529

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

700.000

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986

Gráfico 1 - Crescimento populacional de São Luis (1980-1986) Fonte: SUCAM102

Com baixos salários, a inflação nas alturas, situação que perdurou toda a década, e

o alto preço do aluguel e dos terrenos, esses estratos mais pobres instalaram-se nas áreas

periféricas, longe do centro da cidade. Nos jornais da época eram comuns as notícias a

respeito das ocupações de terrenos vazios, e até conjuntos habitacionais, processo que deu

origem a vários bairros, como São Bernardo, Vila Brasil, Divinéia, Vila Fecury, Vila Janaína,

João de Deus e Vila Luisão. Quando essas áreas ocupadas foram sendo valorizadas, a

administração local e os proprietários deixaram de tolerar os ocupantes iniciando a retomada

dos terrenos, em geral de forma violenta. 103

101 Ibid., p. 33. 102 Ibid. 103 RIBEIRO JÚNIOR, José Reinaldo Barros. Formação do espaço urbano de São Luís: 1612-1991. 2. ed. São

Luís: Editora do Autor, 2001.

47

“Mais de 150 pessoas na rua da amargura”. Assim um jornal veiculava a notícia

da ação da polícia na destruição da Vila Cruzeiro, área de “invasão” na periferia da cidade de

São Luís. 104 Em setembro do mesmo ano mais uma vez o problema de moradia e a ameaça de

áreas nobres estavam nas manchetes: “Centenas de casebres são construídos diariamente em

vários bairros da periferia e algumas vezes até em bairros considerados nobres como o São

Francisco”. 105

As notícias também deixaram claro o tipo de tratamento dispensado às pessoas

que se alojavam nessas áreas:

A polícia agiu com rigor na derrubada de duas mil casas durante todo o dia de ontem, numa área pertencente ao grupo Arpaso nos arredores da Cidade Operária. Noventa homens de um pelotão de choque e outros armados de metralhadoras, fuzis e bombas de efeito moral não intimidaram a população que reagiu à violência. [...]. a polícia tocou fogo em centenas de casas e prendeu 15 pessoas. [...] Os moradores reagiram atirando pedras e pau contra a polícia que disse estar cumprindo liminar judicial expedida pela justiça de São José de Ribamar. 106

Nesse contexto, a grande demanda por moradias explicaria a construção de

conjuntos habitacionais para a população carente, inclusive com habitações de apenas um

cômodo, como a Cidade Operária, num total de 7.500 unidades, concluída em 1987, e o

Maiobão, com 4.770 unidades, inaugurado em 1982. 107

O estabelecimento de moradias nas áreas periféricas muito raramente foi

acompanhado da extensão do saneamento básico ou de qualquer outra infra-estrutura, como

água encanada, energia elétrica, transporte e escolas. Quanto a isso as notícias dos jornais dão

idéia das péssimas condições da periferia da cidade: “Moradores do bairro Anjo da Guarda

estão reclamando da falta de água naquele bairro que já dura mais de dois anos, embora

diversas reivindicações já tenham sido feitas à Companhia de Águas e Esgotos do

Maranhão”. 108

Nem mesmo os conjuntos habitacionais planejados garantiam condições dignas de

moradia para os habitantes: “A urbanização e a limpeza continuam causando transtornos aos

moradores. A [empresa de recolhimento de lixo] Coliseu também se recusa a entrar na

104 SEM direito de morar. O Imparcial. São Luís, n. 16698, p. 8, 13 mar. 1986. 105 INVASORES ocupam a periferia. O Imparcial. São Luís, n. 1703, p. 1, 11 set. 1986. 106 POLÍCIA age com rigor na derrubada de mil casebres. O Imparcial. São Luís, n. 17432, p. 6, 2 nov. 1988. 107 RIBEIRO JÚNIOR, op. cit. 108 ÁGUA é problema sério nos bairros. O Imparcial. São Luís, n. 16493, p. 7, 6 mar. 1986.

48

Cidade Operária por afirmar que a mesma está fora de São Luís, a exemplo do Maiobão e

Cohatrac”.109

Nesse sentido, Lourdes de Maria L. N. Rocha aponta como a origem de alguns

movimentos sociais na sociedade ludovicense na década de 80 a falta de infra-estrutura dos

bairros (urbanização e saneamento), a não legalização de posse de lotes urbanos e a

reivindicação por moradia. A essas reivindicações, os órgãos estatais responderam na maioria

das vezes com prisões, demolição das casas, intimidação, assistencialismo e descaso com as

manifestações. 110

2.5 “Constituinte sem mulher fica pela metade”

Vivenciando sérios problemas socioeconômicos, as esperanças da população

brasileira passaram a girar em torno da convocação da Constituinte para a elaboração de uma

nova Constituição. Para a maior parcela do povo ela representava uma maior participação

política, econômica e social. No que se refere à esquerda, como o PDT, o PT, os partidos

comunistas e uma parcela do PMDB, ela representava a remoção do “entulho autoritário”, ou

seja, uma série de leis, órgãos e atos implantados com a ditadura que ainda restringiam o

exercício da cidadania. O SNI, por exemplo, continuou existindo e recebendo recursos

consideráveis durante o Governo Sarney. A maioria do PMDB e seus aliados viam na

Constituinte uma reforma jurídica que permitiria que o país se organizasse de acordo com as

regras representativas, no entanto, livre de qualquer “excesso” democrático. 111

A forte presença no Governo Sarney dos membros mais conservadores da Aliança

Democrática e de outros partidos, sendo a maioria provenientes da Frente Liberal, viria

influenciar a formação da Assembléia Constituinte. A maioria liberal-conservadora no

Congresso em 1985, a vontade da presidência da República e as pressões dos militares

impuseram uma Constituinte formada pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado

que seriam eleitos em 1986, derrotando a proposta da esquerda que desejava compor uma

Assembléia com representantes eleitos exclusivamente para redigir a nova Lei Maior do país.

109 OS ESTUDANTES da Operária sem a meia passagem. O Imparcial. São Luís, n. 16949, p. 13, 18 mar.1987. 110 ROCHA, Lourdes de M. L. Nunes. Movimentos Sociais em São Luís: revisitando a década de 80. In. LIMA,

Terezinha M. (Org.). Cadernos de Estudos 2. São Luís: UFMA, 1998. 111 SILVA, op. cit., p. 389.

49

112 O grupo majoritário na Constituinte era o Centro Democrático, conhecido como "Centrão",

formado por uma parcela dos parlamentares do PMDB, pelo PFL, PDS e PTB, além de outros

partidos menores. O "Centrão", apoiado pelo poder Executivo e representantes das tendências

mais conservadoras da sociedade, conseguiu influir decisivamente na regulamentação dos

trabalhos da Constituinte e no resultado de votações importantes, como a duração do mandato

de Sarney (estendido para cinco anos), a questão da reforma agrária e o papel das Forças

Armadas.

Atendendo às pressões da população através de novas formas de representação, a

Constituinte aceitou emendas populares propostas por petições encaminhadas por pelo menos

três organizações da sociedade civil acompanhadas de 30 mil assinaturas. Campanhas

variadas circularam o país em prol da incorporação de medidas institucionais em favor dos

trabalhadores, das minorias étnicas e sexuais, entre outras. 113

Figura 3 - Mulheres no Congresso Nacional Fonte: Pinto (2003)

Organizadas sob o slogan Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher, as

mulheres também se fizeram presente nesse processo, tendo sua mobilização facilitada pelos

órgãos públicos específicos para a questão feminina, a exemplo dos Conselhos Estaduais da

Condição Feminina (figura 3). Através desses órgãos, as mulheres ultrapassaram as

divergências partidárias e se aliaram às 26 deputadas federais constituintes, o conhecido

“lobby do batom”, conseguindo acompanhar os trabalhos e debater as novas leis que estavam

112 ARTURI, op. cit., p.22. 113 Ibid., p. 391.

50

sendo elaboradas. 114 Essas 26 deputadas representavam nove partidos e chegaram ao

Congresso Nacional com posturas ideológicas e motivações variadas. Nos termos de Tabak,

“pouquíssimas aceitariam a condição de feminista”, no entanto, adotaram uma estratégia de

conciliar posições.115

Em agosto de 1986, cerca de 1500 mulheres encontraram-se em Brasília e

levantaram uma série de reivindicações, posteriormente apresentadas aos constituintes num

documento chamado Carta das Mulheres, “um dos mais importantes documentos produzidos

pelo feminismo contemporâneo”.116 Esse documento incluía propostas que ultrapassavam os

interesses das mulheres, e eram relativas ao trabalho, família, saúde, cultura, discriminação,

violência e propriedade da terra.

Em um dos relatos colhidos para efeito desta pesquisa, a entrevistada fala da ida à

Brasília para a entrega da Carta. Nesse relato ela dá pistas de que o momento teria sido tenso:

Eu fui também pra Brasília levar com a caravana daqui do Maranhão [...] as cartas aos constituintes. Foi outro momento ridículo porque não queriam receber a gente e aí foi aquele chega pra lá, vem pra cá, era mulher rolando nos corredores com sacola.117

Das 122 emendas enviadas pela sociedade civil, quatro referiam-se às mulheres,

sendo três delas formuladas pelo movimento de mulheres e feministas. Quase todas as

reivindicações feministas foram incorporadas ao texto constitucional, com exceção da

proposta de aposentadoria da dona-de-casa, embora tenha tido grande repercussão popular

com mais de duzentas mil assinaturas, e a polêmica questão do direito ao aborto.

Na realidade, se, de um lado, as feministas não conseguiram a legalização do

aborto, por outro, elas conseguiram impedir que houvesse um retrocesso na lei brasileira,

tendo em vista que alguns deputados evangélicos e católicos pretenderam proibir até o direito

ao aborto nos casos de estupro e de risco à vida materna, já previstos em lei anterior. 118

Acerca disso, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher esclarecia, sob muita polêmica, a

posição das feministas: “o aborto é uma questão de foro íntimo de decisão individual, não

cabendo, portanto, nenhuma imposição do Estado”. 119

114 TELES, op. cit., p. 143-144. 115 TABAK, Fanny. A Mulher Brasileira no Congresso Nacional. Brasília: Câmara dos Depurados,

Coordenação de Publicações, 1989, p. 125. 116 PINTO, op. cit., p. 75. 117 Ieda Cutrim Batista 118 TELES, op. cit., p. 144. 119 MULHERES lutam pela liberação do aborto. O Imparcial. São Luís. n. 17024, p. 13, 04 de set. de 1987.

51

No Maranhão também houve manifestações das mulheres durante os trabalhos da

Constituinte. Integrantes de vários grupos de São Luís fizeram uma Carta contendo

reivindicações para serem inseridas na Constituição Federal, resultado de ampla discussão em

um encontro regional. Em março de 1987 representantes de nove grupos, foram recebidas

pelo Legislativo Estadual, que cedeu espaço para que proferissem discurso na defesa de seus

direitos. “Com este ato excepcional, que nossos direitos como mulheres e como cidadãs sejam

assegurados na Constituição Federal”, expressou-se uma delas. 120 A participação das

mulheres na Constituinte expressa, portanto, uma das marcas do movimento feminista

brasileiro durante os anos 80, ou seja, a atuação política através da pressão organizada.

Em 5 de outubro de 1988, após dezoito meses de trabalhos, foi então promulgada

a nova Constituição Federativa do Brasil, que apresentou 245 artigos e 70 disposições

transitórias, tratando de uma série de assuntos, inclusive aqueles não considerados de natureza

constitucional. Esse caráter “enciclopédico” da Constituição pode ser explicado como uma

espécie de garantia do cumprimento das regras nela estabelecidas, afinal a memória da

arbitrariedade dos “anos de chumbo” ainda estava muito viva no país. Embora apresentando

grandes limitações, a Constituição refletiu o avanço na área da extensão dos direitos sociais e

políticos a segmentos sociais até então discriminados e marginalizados social e juridicamente:

mulheres, crianças, população negra, pessoas com deficiências, idosas e presidiárias, o que lhe

valeu o título de “Constituição Cidadã”.

A Constituição igualou homens e mulheres em deveres e direitos (Art. 5º) e

representou um marco nas conquistas do movimento de mulheres em geral, inclusive o

feminista, pois englobou grande parte do que havia sido por ele reivindicado. Por outro lado,

embora as reivindicações tenham constado na Lei Maior, isso não foi o suficiente para que as

mulheres pudessem ter seus direitos respeitados.

O quadro 1 retrata as discrepâncias entre os preceitos constitucionais e a realidade

do cotidiano da mulher:

O que a Constituição estabeleceu:121 O que acontece na realidade: “Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da

As condições (berçários ou outros locais adequados) para o aleitamento dos filhos de presidiárias não são garantidas em mais da

120 MULHERES deixam a carta com deputados. O Imparcial. São Luís, n. 16950, p. 3, 19 mar. 1987. 121 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,

1988.

52

O que a Constituição estabeleceu: O que acontece na realidade:

amamentação. (Art. 5º, L)”

metade das unidades prisionais do país. Não há políticas integradas de saúde e educação e nem tampouco um padrão sobre o tempo de permanência da criança com a mãe. Em geral o recém-nascido é entregue aos familiares, terceiras pessoas ou instituições ou, permanece na cela, ao lado de outras detentas, em situação absolutamente adversa. 122

“Licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário com duração prevista de cento e vinte dias” (Art. 7º, XVIII);

O Ministério do Trabalho e especialistas admitem que a gravidez é o motivo oculto da maioria das demissões nas semanas seguintes ao retorno ao trabalho após a licença-maternidade. Um estudo realizado pelo Instituto de Saúde de São Paulo em 13 indústrias, mostrou que pelo menos uma em cada 10 mulheres demitidas é dispensada neste período. Outra pesquisa, realizada entre as trabalhadoras que se queixaram ao sindicato paulista dos comerciários, mostrou que, só na cidade de São Paulo, os patrões usaram a gravidez como motivo de dispensa de 59 mulheres. Destas, 53 foram reintegradas após denúncia e seis entraram com ações judiciais.123

“Licença paternidade, nos termos fixados em lei (Idem, XIX);

Embora na sociedade já exista um discurso sobre a importância da presença paterna para o desenvolvimento da criança, o trabalho continua organizado por gênero e não prevê a participação masculina nas tarefas familiares. A licença paternidade de apenas cinco dias demonstra que ainda é sobre a mãe (mesmo trabalhando fora de casa) que recai a responsabilidade nos cuidados com a criança.

“Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (Idem, XXX);

A diferença salarial entre homens e mulheres diminuiu, mas ainda está longe de refletir igualdade. A disparidade aumenta quanto maior é o nível de escolaridade: a proporção é de cerca de 65% entre aqueles que possuem de 11 a 14 anos de escolaridade e de aproximadamente 60% entre os que estão com 15 anos ou mais.

122 PRESAS não têm direitos e nem condições de amamentar. Disponível em:

<http://www.aleitamento.com.br/a_artigos. 29/01/2007>. Acesso em: 22 jun. 2007. 123 RABELO, Carina. Trabalho: licença-maternidade de seis meses: por que as mulheres são alvo de

críticas quando saem para ter e cuidar de seus filhos? Disponível em: <http://www.terra.com.br/istoe/1953/comportamento/1953_licenca_maternidade.htm>. Acesso em: 4 jul. 2007.

53

O que a Constituição estabeleceu: O que acontece na realidade:

Em 2003, as mulheres recebiam, por hora, aproximadamente 83% do rendimento dos homens. Em todas as situações, os ganhos das mulheres negras é ainda inferior, representando de 35% a 50% do recebido pelos homens brancos; e entre 45% e 65% aos das mulheres brancas.,124

“São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos [...] bem como sua integração na previdência social” (Idem, XXXIV);

Embora o número de mulheres supere o de homens nos grupos de trabalhadores domésticos, apenas 26,1% delas têm carteira assinada. 125 E os benefícios médios pagos às seguradas são mais baixos que os dos homens. Dos 129 bi concedidos em benefícios, 67 bi (52%) couberam aos homens, enquanto, entre elas, a distribuição foi de 62 bi (47%). A distorção vem do mercado de trabalho: a média salarial e o tempo de contribuição das mulheres são menores do que os dos homens. 126

“O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem e à mulher, ou a ambos, independentemente de estado civil, nos termos e condições previstos em lei” (Art. 189);

Na zona rural, por exemplo, muito dificilmente na partilha da propriedade agrícola as filhas herdam como os filhos. No caso da luta pela terra, as mulheres são cadastradas no Incra como dependentes dos homens, e a tradicional exclusão do acesso à terra faz com que elas sejam ignoradas pelas políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. Entre 1996 e 2002, o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) teve entre seus beneficiários/as apenas 7% de mulheres e só 12,6% dos lotes de terras em assentamentos estavam em nome das mulheres em 1996.127

“Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos pelo homem e pela mulher” (Art. 226, Parágrafo 5º);

Mesmo que homens e mulheres sejam responsáveis pelo sustento familiar, socialmente espera-se que o homem seja o principal provedor. Seu status é definido pelo seu sucesso profissional; já o da mulher ainda está marcado pelo sucesso em articular o

124 SANTOS, Renato Vale; RIBEIRO, Eduardo. Diferenciais de Rendimentos entre homens e mulheres no

Brasil revisitado: explorando o “Teto de Vidro”. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/eventos/seminarios/pesquisa/texto06_05_02.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2007.

125 TONETTI, Rosana. Mulheres: elas são mais conscientes da importância da Previdência. 2005. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/agprev/agprev_mostraNoticia.asp>. Acesso em: 19 jun. 2007.

126 ROLLI, Cláudia. Desvantagem da mulher cresce com escolarização. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 mar. 2007. Disponível em: <http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=341135>. Acesso em: 19 jun. 2007.

127 PAULILO, Maria Ignez S. Trabalho familiar: uma categoria esquecida de análise. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 12, n. 1, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2004000100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 25 out. 2007.

54

O que a Constituição estabeleceu: O que acontece na realidade:

trabalho e a família. No caso de disputas pela custódia dos filhos, o Estado não garante tratamento igual: invariavelmente um(a) juiz(a) decidirá a favor da mãe. Esse tipo de decisão mostra que o cuidado com os filhos é socialmente construído como sendo uma responsabilidade da mulher. 128

“Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas” (Idem, Parágrafo 7º).

O Brasil é o campeão mundial de laqueaduras (40% das mulheres em idade reprodutiva esterilizadas). Cerca de 47% se submeteram à esterilização na faixa de 20 a 25 anos e 35% entre 26 e 30 anos, auge da fertilidade. Dentre as que se submetem a esse procedimento, 10% dizem-se arrependidas. A explicação seria a falta de informação sobre a sua irreversibilidade e a falta de acesso aos meios de regulação da fecundidade.129 Além disso, há por parte do Estado práticas coercitivas de planejamento familiar, a exemplo da implantação de contraceptivos hormonais em jovens que vivem em abrigos sob a tutela estatal. 130

Quadro 1 - Comparativo entre os preceitos constitucionais e a realidade do cotidiano da mulher

Como se percebe, a conquista de direitos no plano normativo não foi capaz de

alterar os desequilíbrios sociais e nem garantiu o exercício dos direitos instituídos pelas

mulheres brasileiras: continuamos recebendo salários menores que os homens; permanecemos

vivendo a insegurança no mercado de trabalho; ainda cabe a nós a maior responsabilidade

com os cuidados dos filhos e, além disso, somos alvos de políticas irresponsáveis de controle

de natalidade.

Acreditamos que a sociedade necessita de uma prática social controladora do

aparelho estatal de forma que a Constituição seja um privilégio de todos e todas e não apenas

para os segmentos sociais mais abastados.

Quanto à democracia, podemos dizer que em decorrência de acordo por parte de

quase todos os sujeitos políticos, permanecem no Brasil práticas opostas à verdadeira

democracia, como o clientelismo, a corrupção e a desigualdade de oportunidades. A

128 RIDENTI, Sandra G. Unbehaum. A Desigualdade de gênero nas relações parentais: o exemplo da custódia

dos filhos. Disponível em: <http://www.papai.org.br/textos/txt-unbehaum-01.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2007. 129 DEPOIS da laqueadura o arrependimento. Jornal da Unicamp, Campinas, 5 a 18 abr. 2004. Disponível em:

<http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/247pag11.pdf.>. Acesso: 22 jun. 2007. 130 FAVA, Antônio Roberto. Implantes hormonais em jovens: a volta do controle da natalidade, uma violação

aos direitos humanos. Disponível em: <www.mulheresdeolho.org.br/mp-content/uploads/2006/12/nota implantes.pdf.>. Acesso em: 19 jun. 2007.

55

democracia brasileira, portanto, legou “resíduos autoritários” que reforçam práticas políticas

tradicionais e dificultam a sua consolidação, embora passados dezenove anos de sua

promulgação. Não seria impertinente afirmar que “o fim do autoritarismo levou o país mais a

uma ‘situação democrática’ do que a um regime democrático consolidado”. 131

Este foi o contexto em que os acontecimentos da década de 80 se processaram.

Tratou-se de um período marcado por graves crises socioeconômicas e grandes mudanças

políticas, nas quais as mulheres também se fizeram presentes. É sobre esse cenário que o

movimento feminista maranhense deve ser pensado, pois se trata de uma experiência que é

histórica e se caracteriza de acordo com contextos sociais e culturais específicos.

131 FAUSTO, op. cit., p. 527.

56

3 O MOVIMENTO FEMINISTA NO MARANHÃO

A análise neste capítulo está pautada no uso da grande imprensa jornalística,

porque através dela podemos acompanhar o movimento das idéias que circularam na época e

perceber os olhares da sociedade dirigidos à organização feminista, o espaço que esse

movimento questionador de valores e padrões sociais ocupou nos matutinos maranhenses, as

questões em debates, as formas de atuação, dentre outros aspectos.

Aliada às fontes jornalísticas, recorremos a entrevistas concedidas por cinco

feministas que atuaram em nossa sociedade durante a década de oitenta. A partir dessas

entrevistas buscamos responder aos seguintes questionamentos: quais as origens do

feminismo no Maranhão? Que mulheres foram essas que dele participaram? Que motivação

ou motivações as fizeram adotar idéias feministas e a militar no movimento? Que

características podemos perceber no feminismo maranhense?

3.1 Trabalhando com a história oral

A história das mulheres por muito tempo foi ignorada, em grande medida, porque

aos historiadores interessavam as grandes personagens, pessoas de destaque no meio público.

Presas, portanto, ao mundo do privado, a vida das mulheres transcorreu sem ser documentada.

O feminismo dos anos 70 levantou a questão desse silêncio das mulheres no âmbito da

história, dominada pelo pensamento masculino, em um momento propício, pois os

historiadores expandiam seus olhares para os chamados “excluídos” da história. Considerando

as dificuldades em encontrar documentação sobre as mulheres, a História Oral foi buscada

pelos pesquisadores para possibilitar que elas pudessem ser ouvidas. Mas o alcance da

História Oral se resume a dar voz aos indivíduos pertencentes a categorias sociais geralmente

excluídas da história oficial, ou ela vai para além disso? E ainda, em que consiste a História

Oral?

Consideramos a História Oral uma metodologia de pesquisa e de constituição de

fontes para a análise histórica contemporânea. Ela consiste na realização de entrevistas

gravadas com pessoas que participaram ou testemunharam acontecimentos, processos e

conjunturas. O trabalho com essa metodologia se favorece de ferramentas teóricas de

57

diferentes disciplinas das Ciências Humanas, como a Antropologia, a História, a Literatura, a

Sociologia e a Psicologia, o que demonstra seu caráter interdisciplinar. 132

Sem desconsiderar iniciativas anteriores, a História Oral parece ter nascido

mesmo nos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra com a invenção do gravador portátil.

Nesse primeiro momento, os historiadores elegiam como colaboradores as grandes

personagens, como os políticos aposentados entrevistados por Alan Nevins em 1948. Essas

entrevistas eram utilizadas para complementar os documentos escritos. Constituiu-se, então,

numa História Oral política, elitizada e complementar. 133

Paralelamente ao aperfeiçoamento do gravador portátil, na década de 1960, em

meio ao clima dos movimentos de 1968, foram freqüentes as entrevistas com pessoas de

grupos sociais que em geral não deixavam registros escritos de suas ações e visões de mundo.

Constituiu-se numa “outra história”, praticada por militantes, marginalizada da academia, que

procurou dar vozes aos excluídos, abordando temáticas do cotidiano de pessoas comuns.

Nesse sentido, ao opor-se à história dos “grandes homens”, essa história tornou-se uma

contra-história, a história do local e do comunitário, constituindo-se numa História Oral

antropológica, ou “militante”. 134

Mais tarde algumas práticas dessa História Oral antropológica foram sendo

questionadas, como o fato de considerar o relato a própria história, como se a fonte oral

revelasse “o” real, descartando o esforço interpretativo, considerando que “uma única

entrevista ou um grupo de entrevistas era capaz de dar conta de forma definitiva e completa

do que aconteceu no passado.” 135

A aceitação da História Oral, portanto, não foi tão simples. Alguns anos se

passaram até que suas possibilidades fossem reconhecidas e incorporadas às práticas

acadêmicas, pois, nas primeiras décadas de sua existência, ela teve que enfrentar arduamente

as críticas dos historiadores que consideravam as fontes escritas como as verdadeiras

detentoras da objetividade e, portanto, as únicas que deveriam ser utilizadas nos estudos

históricos. Como resposta a essas críticas, os historiadores orais, visando legitimar o uso dos

registros orais, buscaram seus antepassados nos primeiros historiadores, Heródoto e

132 ALBERTI, Verena. Histórias dentro da história. In: PINSKY, Carla B. (Org.). Fontes Históricas. São Paulo:

Contexto: 2005. 133 Ibid. 134 JOUTARD, Philippe. História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos. In:

FERREIRA, Marieta de M; AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 52.

135 ALBERTI, op. cit., p. 158.

58

Tucídides, os quais utilizaram testemunhos orais em seus estudos. 136 Hoje, no entanto, já é

reconhecido que as fontes escritas também podem ser subjetivas e que a própria subjetividade

pode ser objeto científico.

O reconhecimento da História Oral junto à academia não teria se processado sem

o amplo movimento de transformação das Ciências Humanas, as quais deixaram de pensar em

termos de uma única história ou uma identidade nacional, ou seja, consideraram a existência

de múltiplas histórias, memórias e identidades em uma sociedade. 137

No que se refere à ciência histórica, o progresso da História Oral não deve ser

separado da influência da escola francesa dos Annales e de suas gerações posteriores. Os

annalistas propuseram a diversificação e problematização de temas e sujeitos históricos. A

partir dos Annales, o crescente interesse dos historiadores pelas massas anônimas, como as

mulheres, seja no seu cotidiano, no trabalho operário, doméstico ou em sua vida afetiva,

desempenhou um papel fundamental em sua aceitação pelos historiadores desconfiados dos

trabalhos com a oralidade.

Uma das riquezas da História Oral encontra-se na possibilidade do estudo das

formas como as pessoas comuns ou grupos efetuaram e elaboraram experiências, servindo-se,

pois, para questionar as interpretações generalizantes de determinados acontecimentos e

conjunturas. Ela permite, pois, a ampliação da percepção histórica, ou seja, permite uma

“mudança de perspectiva”. 138

Outra possibilidade dessa metodologia tem a ver com o estudo da memória. Desde

que a História Oral estabeleceu-se como prática nos anos 1960 e 1970, os historiadores orais

debatem questões referentes à memória e à história. No início, as críticas a ela dirigidas

diziam respeito às possíveis distorções da memória causadas pela deterioração física e a

nostalgia da velhice, e o fato do relato está carregado de preconceitos do entrevistado. No

entanto, na atualidade considera-se que as distorções podem levar à melhor compreensão dos

valores coletivos e das próprias ações de um grupo. Por sua vez, reconhecer a subjetividade

não significa se desfazer de todas as regras e rejeitar uma abordagem cientifica, isto é, a

confrontação das fontes, o trabalho crítico, a adoção de uma perspectiva. 139 Pode-se mesmo

dizer que o fato de reconhecer a subjetividade das fontes orais já é a primeira manifestação de

espírito crítico.

136JOUTARD, loc. cit. 137 ALBERTI, op. cit., p. 158. 138 THOMSON, Alistair; FRISCH, Michael; HAMILTON, Paula. Os debates sobre a memória e história: alguns

aspectos internacionais. In: FERREIRA, Marieta de M; AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

139 ALBERTI, op. cit., p. 166.

59

Segundo Halbwachs apud Bravin, a memória trata-se de um processo de

reconstrução do passado a partir dos valores do presente, e não a pura conservação das

experiências vividas. Para o autor em questão, o caráter central da memória é que ela é social.

Dessa forma, a pessoa lembra e pensa a partir de grupos ao qual se vincula. Ou seja, a

memória é entendida como um fenômeno coletivo e social, construído na coletividade e

submetido a mudanças constantes. Halbwachs diz ainda que as memórias se manifestam de

três maneiras: individual, social e coletiva. Sendo a memória um fenômeno que é social e

sofre a influência do grupo em que o indivíduo está inserido, a memória individual conserva-

se através da memória dos outros. A memória social pertence a toda a sociedade, enquanto a

memória coletiva pertence a grupos determinados.140

Os estudos com História Oral vêm mostrando ainda que a memória coletiva é

resultado de um trabalho de organização e de seleção do que é importante para o sentimento

de unidade, de continuidade e de coerência, pois ela está intimamente relacionada à

construção da identidade de um grupo. À luz de Pollack, entendemos que esse processo de

seleção é marcado não pelo consenso como sugere Halbwachs, mas pelo conflito entre os

agentes sociais. As disputas a respeito das memórias que devem prevalecer em um grupo são,

pois, importantes para o entendimento desse mesmo grupo. Nesse sentido, uma pesquisa de

História Oral pode mostrar como a constituição da memória é objeto de contínua

negociação.141

A identidade é entendida por Pollack como a imagem que a pessoa tem de si

mesma adquirida durante a sua vida, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si,

para acreditar na sua própria representação e também para ser percebida da maneira que quer

pelos outros; essa imagem pode ser modificada e se produz através da negociação com os

outros.

Dessa maneira, podemos dizer que ao trabalharmos com relatos orais de mulheres

que militaram no feminismo maranhense, estamos estudando um passado repensado,

construído de acordo com o presente de cada uma. E mais: quando elas falam sobre sua

história de militância feminista, elas estão falando sobre si mesmas, se auto representando, ou

melhor, falando sobre sua identidade e a identidade do grupo do qual fizeram e ainda fazem

parte, no caso de algumas, pois a experiência de militância está em geral associada ao “nós” e

140HALBWACHS, 1990 apud BRAVIN, Adriana. Tessituras do Presente: mídia, memória e identidade.

2004. Disponível em: <http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/17308/1/R0897-1.pdf>. Acesso em: 7 ago, 2007.

141 POLLACK, 1989 apud BRAVIN, Adriana. Tessituras do presente: mídia, memória e identidade. Disponível em: <http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/17308/1/R0897-1.pdf>. Acesso: 7 ago de 2007.

60

“a gente”: “nós participamos”, “a gente ia andar na praça Deodoro”, “nossos debates”. Nesse

sentido, podemos dizer que há uma intrínseca relação entre memória e identidade. 142

As possibilidades abertas pelo uso da História Oral são, sem dúvida, bastante

profícuas. No entanto, trabalhar com a fonte oral não é tarefa fácil. A entrevista de História

Oral é uma fonte intencionalmente constituída, ou seja, sua produção acontece a posteriori.

Enquanto as outras fontes utilizadas pelo historiador são feitas no passado, a fonte oral é

constituída após o evento. O entrevistado fala a respeito do que viveu ou testemunhou no

passado posicionado no presente. Trata-se de uma narração de fatos lembrados, o que nos leva

a fazer o seguinte questionamento: seria a visão de hoje da entrevistada a mesma daquela

quando o evento aconteceu? Sendo o campo da memória movediço, mutável e em estado de

contínua construção, a resposta é certamente não.

Nesse sentido a saída plausível seria não se limitar ao entendimento do que a

pessoa narrou, mas como ela vê seu passado. Quanto a isso, é relevante enfatizar que a fala do

entrevistado depende da circunstância da entrevista e do modo como percebe seu

entrevistador. Nem todos se sentem à vontade para falar diante de alguém que não conhecem

e nem tampouco com a presença de um gravador, tarefa mais fácil para aqueles que estão

mais acostumados a falar em público. No nosso caso, as mulheres entrevistadas, acreditamos

que por estarem sempre em contato com o público, em reuniões, na mídia, por serem

professoras, mostraram-se à vontade para falar das suas experiências no movimento e

contribuir com a pesquisa.

Do mesmo modo como nem todos os documentos textuais “rendem” o que a

priori esperávamos, assim também ocorre com as entrevistas. Uma pesquisa de História Oral

produz entrevistas diferentes em qualidade e densidade, e muitas vezes isso depende dos

entrevistados. Existem indivíduos que embora sejam representativos para falar sobre o tema

em questão, não estão interessados em explorar sua experiência de vida. No caso específico

desta pesquisa, conseguimos entrar em contato por telefone com uma das militantes do

Comitê Oito de Março, um grupo que apresentou um caráter mais partidário, no entanto, ela

negou-se à realização da entrevista alegando não ter nada a contribuir, embora seu nome tenha

sido citado por duas das entrevistadas como uma pessoa de expressão no movimento.

Consideramos que os seus relatos seriam significativos para a pesquisa, pois o grupo do qual

fez parte apresentou um caráter que mais divergia dos demais. Não conseguimos também

colher entrevista de uma militante do Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa, fundado em

142 Ibid., p. 167.

61

meados da década de oitenta. Fizemos várias tentativas por telefone não conseguindo

encontrá-la e quando do último contato ela não mostrou-se interessada, alegando estar muito

ocupada, quando então decidimos buscar uma outra militante do mesmo grupo.

Para selecionar as mulheres a serem entrevistadas, seguimos o critério de rede

recomendado por Meihy, ou seja, as próprias entrevistadas indicaram outras mulheres que

poderiam colaborar com a pesquisa, embora já tivéssemos em mente o nome de algumas das

possíveis colaboradoras.143 Entre as indicações de rede, procuramos dar representatividade

aos grupos que atuaram no momento estudado. Não queremos dizer com isso que uma ou

duas entrevistas sejam capazes de representar em sua totalidade qualquer um dos grupos. Para

nós cada entrevista tem valor em si, e elas não são capazes de visualizar um movimento como

o feminista em toda a sua complexidade, mas nos permitem explorar dentre outros pontos, a

atuação dos grupos na cena pública, seus obstáculos, suas reivindicações, suas estratégias de

luta, sua composição e a motivação de suas militantes.

Foram entrevistadas apenas mulheres que militaram no feminismo, todas elas com

idades entre 50 a 66 anos (APÊNDICE A). As entrevistas duraram em média 50 minutos,

sendo os extremos 30 mim e 1h 10 minutos. Além da realização de entrevistas com mulheres

dos grupos, colhemos relato de uma feminista que não fez parte do quadro de nenhum deles,

mas esteve sempre presente nas movimentações públicas. Após ampla pesquisa bibliográfica

sobre o tema, realizamos as entrevistas com o auxílio de um roteiro (APÊNDICE B), que não

foi concebido como um guia rígido, pois foi sofrendo alterações quando da identificação de

ganchos nas falas das entrevistadas. Demos preferências às perguntas abertas, de modo que as

nossas colaboradoras ficassem mais livres nas respostas.

Adotamos, portanto, a História Oral por considerarmos que através de suas

possibilidades multiplicamos os olhares pelo território da história buscando também as

mulheres, sujeitos como os homens, nos acontecimentos políticos, sociais e econômicos.

Acreditamos que através da análise das fontes orais, conseguimos pistas da atuação de

mulheres feministas fundamentais na construção de uma leitura do feminismo no Maranhão.

4.2 O feminismo nas páginas jornalísticas maranhenses

O feminismo no Maranhão foi organizado no início da década de 1980, numa

época em que se processavam uma série de mudanças com a redemocratização, sobre a qual

143 MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Loyola, 1998. p.

166.

62

nos referimos em momento anterior. Criou-se em todo o território nacional um clima propício

para a organização de grupos que defendiam os valores democráticos e que estavam

envolvidos na luta pela democracia, entre eles, o movimento feminista.

No Maranhão não foi diferente. A primeira organização feminista criada foi o

Grupo de Mulheres da Ilha de São Luís e sua formação está intimamente relacionada à

expansão dos estudos sobre as mulheres nos meios acadêmicos brasileiros. Em três dos relatos

colhidos, as mulheres se reportaram a um curso oferecido pelo Departamento de Sociologia

da Universidade Federal do Maranhão, quando perguntadas sobre a origem do feminismo

maranhense ou quando elas teriam entrado em contato mais direto com as idéias feministas:

“[...] eu voltei pra Universidade pra fazer especialização e algumas mulheres de São Paulo tavam vindo pra cá pra fazer um curso modular de especialização em Sociologia e nesse curso tava muito evidente naquele momento que a questão da mulher deveria ser uma questão estudada.”.144

Meu primeiro contato foi assim. Teve um curso promovido pelo Departamento de Sociologia da UFMA chamado Mulher em Sociedade. Esse curso veio uma professora da UNICAMP chamada Marize Correa, professora muito conhecida, autora de muitos livros, até hoje ela dá aula lá na UNICAMP. Ela veio dar esse curso e a partir desse curso e várias mulheres se interessaram em continuar a discussão após o curso. E aí marcaram uma primeira reunião na casa de uma delas lá no São Francisco e nessa reunião me convidaram.145

No relato de uma das colaboradoras que participou do curso, aparece o nome de

uma outra professora, Lucila Scavone, que seria na visão da entrevistada uma pessoa

importante para a organização do Grupo de Mulheres da Ilha:

[...] a Lucila Scavone é uma figura central nesse processo de constituição do Grupo de Mulheres. Então ela não só iniciou o trabalho de pesquisa como ela convidou pessoas pra participar disso e caminhou esse processo de constituição do grupo e muitas outras mulheres, Lúcia Sabóia, um bando de mulheres interessantes e outras que vieram da Unicamp. Então eu estava estruturando um projeto de pesquisa e convidei a Marilda Vilela Yamamoto pra fazer uma parte de assessoria conosco. E comecei também a participar das atividades públicas que estavam se promovendo na constituição do grupo. 146

A iniciativa de formação do grupo teria sido, portanto, de estudantes

universitárias, que após a participação em um curso que abordava questões femininas

resolveram continuar as discussões visto que algumas delas já pesquisavam ou passaram a

pesquisar temas relacionados às mulheres.

144 Sandra Nascimento 145 Maria Mary Ferreira 146 Ieda Batista

63

Além desse grupo foram se configurando outros ao longo da década, como o

Espaço Mulher, o Viva Maria, o Comitê Oito de Março, o Grupo de Mulheres Negras Mãe

Andresa e União de Mulheres. 147

Tem-se, portanto, nos anos 80 uma realidade no Maranhão muito diferente

daquela do início do século XX, pois, ao contrário de alguns estados brasileiros onde as

mulheres manifestaram-se ativamente na luta pelo voto, as maranhenses apresentaram-se de

forma muito apática. Segundo pesquisa de Maria da Glória Costa Pacheco, nenhum jornal,

dentre eles, Tribuna, O Combate, Folha do Povo, A Rua e O Tempo, indica a existência de

liga, grupo, associação ou federação feminina engajada nessa bandeira ou em qualquer outra

reivindicação. Naquele momento, a imprensa local, inclusive aquela partidária da causa

sufragista, apresentou-se com um discurso conservador, afirmando que as maranhenses não

deveriam se perder de sua “missão” – de boa filha, mãe dedicada e esposa exemplar - face ao

“sufragismo destruidor”. 148

Ao contrário dessa atitude por parte da imprensa jornalística no início do século

XX, podemos visualizar na década de 80 uma imprensa receptiva à causa feminista, ou pelo

menos, muito aberta à veiculação de suas idéias.

Como vimos, o movimento feminista no Brasil obteve características distintas do

movimento americano e europeu, pois a conjuntura histórica impôs que as mulheres se

posicionassem também contra a ditadura, por melhores condições de vida e pela

redemocratização. Mas ainda assim, debateram-se bastante as temáticas ditas específicas das

mulheres. Quanto a isso, percebemos nos periódicos jornalísticos a presença de notícias e

artigos acerca do feminismo e até a veiculação de opiniões de feministas manifestando-se a

favor do aborto, do divórcio, do planejamento familiar, temas que ainda hoje geram forte

polêmica quando discutidos.

Quase sempre esses artigos e notícias considerados tabus tinham maior

visibilidade nos jornais, com direito a imagens, um título com letras em negrito e um espaço

maior. Contudo, no que se refere à abordagem pelo movimento de temáticas menos

polêmicas, os matutinos concediam espaços de pouca visualização, quase sempre anunciados

nas últimas páginas, em letras miúdas e sem ilustração, o que não deixa de indicar que as

idéias feministas existiam e circulavam na sociedade maranhense.

147 FERREIRA, 1999, passim. 148 PACHECO, Maria da Glória Costa. “O Segundo Eleitorado”: Voto e Participação Política Feminina no

Maranhão (1900-1934). 2007. 70 f. Monografia (Graduação em História). Universidade Estadual do Maranhão. São Luís, 2007.

64

São comuns na imprensa escrita referências à atuação feminista em outros estados

e a publicação de entrevistas com feministas nacionalmente conhecidas. O Estado do

Maranhão, por exemplo, reproduziu em agosto de 1981 uma entrevista com a socióloga Rose

Marie Muraro, responsável pela vinda, em 1972 ao Brasil, de Betty Friedan, autora do livro A

Mística Feminina que inaugurou o feminismo norte-americano. Nessa entrevista, Muraro

respondia questões sobre o planejamento familiar, o divórcio e o aborto fundamentada em

suas pesquisas. A respeito do aborto assim ela se expressou:

Tenho cinco filhos, nunca fiz aborto, mas não penso nele como um crime. O aborto é feito pela mulher em último caso, e também aí eu vejo uma perspectiva de classe. As classes baixas fazem aborto por não poderem sustentar o filho que viria, por motivos econômicos. Já as classes dominantes o fazem por não quererem aborrecimento ou não quererem o filho. Para entender o problema do aborto é preciso dar a ele um enfoque de classe social. Eu sou contra o aborto como uma pessoa que tem dinheiro e pode sustentar os filhos, mas sou a favor da legalização devido àquelas mulheres que têm perigo de vida e não tem informação sexual.149

Muraro de antemão apresenta a idéia de não ver no aborto um método

contraceptivo, aspecto sempre levantado por aqueles e aquelas que se dizem contra. Ela diz

ainda que é preciso dar ao aborto um enfoque de classe social, ou seja, além de levantar o

problema da mulher poder ou não optar por uma maternidade consciente, a questão do aborto

deveria levar a discussão da situação concreta em que estão submetidas milhares de mulheres

brasileiras, em que as condições sociais as impossibilitam de criar dignamente seus filhos.

Embora trate-se de um fenômeno presente em todas as camadas sociais ele é motivado

segundo a classe social, não sendo as mesmas razões que levam as mulheres dos estratos mais

altos e as mulheres das camadas populares a praticarem abortos.

Em outro momento, O Estado do Maranhão apresentou na capa de seu Caderno

Alternativo, com direito a imagens, uma entrevista com a feminista Fanny Tabak. A

entrevistadora parece não ter entendido a mensagem de sua colaboradora e intitulou a matéria

de As mulheres se queixam dos homens, reproduzindo a idéia de que o inimigo do feminismo

eram os homens, e não o machismo presente tanto neles quanto nelas.

Embora Fanny Tabak trabalhasse a questão entre mulher e política, e no momento

estivesse em voga as discussões a respeito da Constituinte, os temas específicos discutidos

pelo feminismo brasileiro foram os assuntos mais questionados por sua entrevistadora, como a

reivindicação por autonomia sobre o corpo:

[...]. Quando as feministas falam no direito a conhecer seu próprio corpo e fazer dele o que bem querem se referem ao planejamento familiar e aborto

149 EMANCIPAÇÃO da Mulher. O Estado do Maranhão. Caderno Sete Dias. São Luís, 9 ago. 1981.

65

na medida em que a maternidade e suas conseqüências são, exclusivamente, assuntos femininos. Sim, porque seus corpos têm sido usados não apenas pelos maridos, amantes e namorados, mas também por governos. 150

Na realidade, Fanny Tabak expressava uma idéia muito debatida entre as

feministas de que as mulheres não possuíam autonomia sobre o próprio corpo. Para o

feminismo em geral, o Estado não deveria vincular o acesso aos serviços de planejamento

familiar às suas políticas de controle demográfico, devendo garantir liberdade de decisão para

o casal e prover recursos educacionais e científicos para o exercício desse planejamento por

parte da sociedade.

A política de controle de natalidade por parte do Estado foi abertamente criticada

pelo feminismo brasileiro, inclusive o maranhense, desde o início da década, como

percebemos em um panfleto distribuído pelo Grupo de Mulheres da Ilha:

[...] Partindo do pressuposto de que a pobreza está diretamente relacionada ao crescimento populacional o Estado assume um programa de controle de natalidade, programa esse dirigido especificamente às mulheres, sem que estas tenham participado de qualquer discussão na sua elaboração. Diante desses fatos, o Grupo de Mulheres da Ilha considera necessário analisar estas questões sob o ponto de vista feminista a partir dos seguintes pontos: 1 - a contradição entre o controle imposto e o desejo das mulheres em planejar a natalidade; 2 - ser mãe é uma escolha. Muitas mulheres não desejam ser mães, outras desejam ter poucos filhos e outras terem muitos; 3 - A dificuldade de informação e acesso aos métodos contraceptivos existentes para as mulheres em geral; 4 - Porque um programa de controle da natalidade dirigido exclusivamente às mulheres? 151

Chama a atenção a posição do grupo expressada de forma contundente no panfleto: a

maternidade é desconstruída como uma etapa obrigatória na vida das mulheres, devendo ser

vista como uma escolha, e ainda levanta o questionamento sobre a ausência do homem

quando se fala em planejamento familiar.

No que tange à saúde da mulher, o que também inclui o planejamento familiar, as

maranhenses estiveram envolvidas na implantação do Programa de Assistência Integral à

Saúde da Mulher (PAISM) a nível nacional pelo Ministério da Saúde. Os grupos feministas

cuidaram em envolver todas as mulheres em geral, como indica no trecho do artigo abaixo,

em que sua autora questionava o público feminino sobre o que desejavam em termos de

saúde:

[...] Mas afinal o que nós mulheres estamos querendo em relação à nossa saúde? Queremos um tratamento mais humano, onde possamos ser ouvidas e esclarecidas; queremos que o Sistema de Saúde passe a fazer um trabalho preventivo, que só será eficiente se desenvolvido através de um processo

150 AS MULHERES se queixam dos homens. O Estado do Maranhão. Caderno Alternativo, São Luís, n. 8765,

p. 9, 27 set. 1986. 151 FERREIRA, op. cit., p. 152.

66

educativo e informativo; queremos ter participação na implantação do Plano de Assistência Integral à Saúde das Mulheres, pois temos consciência que só quando a mulher exercer total controle sobre seu corpo, poderá identificar os agravos que sobre ela recaem desde a infância até a velhice.152

Esse programa representava para suas defensoras ações educativas e preventivas

que contemplassem a mulher em todas as fases de sua vida, da adolescência à velhice,

considerando aspectos sociais e não só biológicos. Mas o que a leitura dos jornais e os relatos

de militantes feministas indicam é que o PAISM não teria sido implantado à maneira

defendida pelo movimento de mulheres em geral. Em um dos relatos colhidos, a entrevistada,

embora tenha falado do PAISM quando indagada sobre as conquistas do feminismo no

Maranhão, considera que a efetividade do programa foi limitada:

[...] ainda no governo Cafeteira nós conseguimos implantar um programa chamado PAISM. Ele foi implantado só parcialmente, mas a filosofia desse programa, que foi implantado em vários Estados do Brasil, entretanto, todos os Estados não foi feito, não foi implantado dentro da filosofia que se pronunciava, mas aconteceu e aqui a gente implantou o programa... Teve a assessoria do Grupo de Mulheres da Ilha, uma assessoria permanente durante dois anos e se conseguiu implantar o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher e correspondia a um acompanhamento da mulher desde a adolescência até a velhice depois da menopausa, desde a orientação sobre o corpo, da higiene, da sexualidade, dos contraceptivos, na gravidez, no parto, todo esse acompanhamento, todo o ciclo reprodutivo até o após reprodutivo. Então esse programa é um programa extremamente revolucionário que dá a mulher a condição de se apropriar de informações pra que ela possa ela mesma controlar a sua fertilidade... E no programa ele previa também, embora não acredite que tenha sido implantado, uma parceria com os homens, ou seja, era um programa que era pra mulher, mas que os homens tavam presente pra fazer parte desse processo de conhecimento sobre a sexualidade das mulheres pra poder serem parceiros153 (grifo nosso)

Percebemos que o movimento feminista esteve realmente muito envolvido com o

programa, exercendo o controle sobre o seu funcionamento como visualizamos em uma

espécie de denúncia, em que sua autora, uma das integrantes do Grupo de Mulheres da Ilha,

acusava a prática de uma política de saúde reduzida aos aspectos da fertilidade, não levando

em conta a mulher em sua integralidade, sendo a pouca assistência dada às mulheres da

periferia realizada indevidamente, visto que o público alvo dessa política não detinha as

informações necessárias nem ao menos sobre o uso dos contraceptivos:

[...] a Bemfam é o responsável principal pela distribuição indiscriminada de anticoncepcionais às mulheres de baixa renda, principalmente da periferia, diz Beatriz Fontana. Em recente pesquisa feita pela socióloga, as mulheres de periferia, que recebem o medicamento sem fiscalização médica, não sabem como usá-lo. Algumas, depois de um tempo de uso, muitas das quais

152 FERREIRA, Maria Mary. Como é o atendimento à saúde da mulher. O Estado do Maranhão. Caderno

Alternativo, São Luís, p. 1, 19 set. 1986. 153 Maria Mary Ferreira

67

passam a engordar, distribuem os anticoncepcionais aos filhos, como vitaminas. _ Esta distribuição indiscriminada por parte da Benfam, só acontece em alta escala no Maranhão e só visa uma diminuição no número de filhos. “Não há responsabilidade para com a saúde da mulher”, finaliza Beatriz.154

Implicitamente, a notícia contém uma crítica ao Estado, já que a distribuição

indiscriminada e sem acompanhamento médico estava sendo realizada pela BENFAM –

(Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Brasil), entidade sem fins lucrativos a ele

conveniada. Beatriz Fontana acusa o Estado de utilizar práticas irresponsáveis de controle de

natalidade, sem que as maiores interessadas fossem devidamente informadas.

Na imprensa maranhense não faltou também a presença de feministas explicando

do que realmente se tratava o feminismo. A então presidente do Conselho Nacional do Direito

da Mulher, Jacqueline Pitanguy, em entrevista reproduzida por um dos jornais, negava a

acusação de que as feministas fossem mulheres que lutavam contra os homens:

Esta é uma acusação que já foi feita diversas vezes e imputada às feministas de todo o mundo e, em especial, em países tradicionalmente machistas e patriarcais como o Brasil. Mas a verdade é que o feminismo não implica um comportamento antimasculino ou contra os homens em geral e o que queremos é igualdade e respeito, seja por parte dos homens ou mulheres que muitas vezes são mais machistas que os próprios. Mas se os homens se recusam a admitir que a mulher tem seus próprios direitos e capacidade de ocupar um lugar de igualdade, então precisamos combatê-los , mas não por serem homens e sim machistas. 155

Os esforços pela desmistificação do feminismo como um movimento que luta

contra os homens foram realmente válidos para a mudança de tal concepção. No entanto,

ainda persistem os julgamentos errôneos sobre o que seria o movimento, como podemos

observar na pesquisa A mulher brasileira nos espaços público e privado realizada em 2001

pela Fundação Perseu Abramo, em que 12% das mulheres entrevistadas associaram o

feminismo à superioridade da mulher em relação ao homem e 7% entendiam o feminismo

como mulheres briguentas ou mandonas.156

Não faltaram ainda anúncios das reuniões realizadas pelas maranhenses. No início

essas reuniões aconteciam no ambiente doméstico e apresentavam certa regularidade. No caso

do Grupo de Mulheres da Ilha, primeiro grupo constituído, encontramos um anúncio que

informava suas atividades tão logo ele havia se formado:

O Grupo de Mulheres da Ilha de São Luís vem se reunindo a algum tempo todas as segundas feiras para discutir problemas relacionados à mulher. Os

154 MULHERES criticam programa. O Imparcial. São Luis, n. 16843, 19 ago. 1986. 155 NA CONSTITUINTE a luta pela igualdade. O Estado do Maranhão. São Luís, 10 mar. 1987. 156 VENTURI, Gustavo; RECAMÁN, Marisol; OLIVEIRA, Suely de (Orgs.). A mulher brasileira nos espaços

público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.

68

encontros são efetuados nas casas das participantes do grupo e tem caráter de reflexão, com leituras de textos e discussão sobre os mesmos.157

O anúncio, que acreditamos ter sido divulgado por iniciativa das participantes,

em momento algum utiliza o termo feminista, aspecto percebido em grande parte das notícias

e artigos sobre o referido grupo nos primeiros anos de atuação. No entanto, o anúncio já

sugere a preocupação do grupo em “discutir problemas relacionados à mulher”. As mulheres

não anunciaram que problemas seriam esses, mas em um dos primeiros encontros realizado

no Liceu Maranhense elas abordaram sexo e prostituição, e trataram sobre preconceitos e

tabus que as mulheres conservavam em relação à prática sexual. Na programação do evento

ocorreram exposição de fotos, venda de apostilas contendo trabalhos realizados pelo grupo e

palestras, tendo sido uma delas proferidas pela médica convidada Maria Aragão que

denunciou a “insatisfação sexual feminina motivada pela incompreensão masculina ou

mesmo pelo cansaço devido ao trabalho rotineiro e ainda a grande falta de colaboração do

homem no que diz respeito à efetivação dos trabalhos domésticos tidos como incumbência

feminina.”158

O referido evento foi apresentado na imprensa jornalística em letras garrafais com

os seguintes dizeres: Mulheres abordam sexo e prostituição no encontro. Acreditamos que a

atenção dada pelo matutino ao evento tenha sido motivada em grande medida pela abordagem

de temas considerados tabus, de forma que a notícia pudesse chamar atenção e gerar alguma

repercussão social.

Após os primeiros encontros domésticos, que se configuraram em espaços de

reflexão e discussões, como uma espécie de momento de conhecimento, o grupo passou a

realizar também eventos formais em outros locais, até mesmo em espaços religiosos:

Bom, a partir dessas primeiras conversas, a gente ficou acho que meses só discutindo, só conversando, acho que a partir do terceiro, quinto mês a gente começou sentir a necessidade de levar essa discussão pra público. Aí nós começamos a elaborar e a pensar um primeiro encontro, primeira mesa de debate que se realizou, eu acho que foi outubro ou foi novembro de 1980, lá no Colégio Marista 159

Para discutirem os problemas que fazem parte do seu cotidiano, sobretudo em meio à sociedade, e em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o Grupo de Mulheres da Ilha de São Luís tem reunião marcada para hoje, domingo, no Salão Paroquial da Igreja dos Remédios a partir das 15 h. Para o encontro, a entidade está convidando todas as pessoas do sexo feminino do Maranhão, quando juntas refletirão sobre a sua atual condição. Entre os obstáculos pelos quais atravessam as integrantes do Grupo de Mulheres da

157 INFORMATIVO Feminino. O Estado do Maranhão. 2º Caderno. São Luís, 25 jun. 1981. 158 MULHERES abordam sexo e prostituição no encontro. O Estado do Maranhão. São Luís, 10 mar. 1981. 159 Maria Mary Ferreira

69

Ilha de São Luís, colocarão em debate a desigualdade salarial, a exploração no trabalho e a falta de mais oportunidades de emprego.160

Esses eventos aconteciam em geral nas comemorações do oito de março, o Dia

Internacional da Mulher. Pela leitura dos jornais e dos relatos das militantes feministas

percebemos que as comemorações desse dia constituíram-se ao longo da década em

momentos-chave para a organização de eventos entre as mulheres, que articulavam protestos

públicos contra a discriminação de gênero, consolidando assim laços de solidariedade: “A

gente tinha os momentos que todo mundo se juntava. Por exemplo, no 8 de março. Todos

esses grupos se juntavam pra poder discutir a questão da mulher. Todos os grupos se

articulavam pra fazer um movimento amplo”. 161

Uma integrante do Espaço Mulher também nos indica a existência desses

momentos de ação conjunta, em que os grupos se reuniam por uma causa comum (figura 4):

Participávamos de passeatas quando tinha alguma denúncia pra se fazer em termos de junção na praça pública. Então nós saíamos da Deodoro íamos até a Rua Grande. Ou então um dia festivo, o Dia Internacional da Mulher, sempre tinha eventos assim, passeatas, todos os eventos a gente aparecia, nas discussões, seminários, grupos de estudo, congressos. [...] As mulheres que estavam naquele momento numa situação de grupo quase sempre participavam de todas as coisas que estavam ocorrendo.162 (grifo nosso)

Figura 4 - Feministas em passeata pelo Dia Internacional da Mulher Fonte: Jornal “O Imparcial”163

160 MULHERES de São Luís têm encontro hoje. O Imparcial. São Luis, 7 mar. 1982. 161 Maria Mary Ferreira 162 Sandra Nascimento 163 HOJE é o dia internacional da mulher. O Imparcial. São Luís, n. 16494, p. 1, 08 mar. 1986.

70

Atualmente, essas comemorações continuam constituindo-se em momentos

privilegiados de encontros do movimento de mulheres, inclusive do feminista.

A presença de anúncios e de entrevistas nas páginas jornalísticas nos levam a

concluir que a imprensa de todo o país, inclusive a maranhense, abriu espaço para a

veiculação das idéias feministas e que se ela assim o fazia sem dúvida havia espaço para tais

idéias na sociedade e que cada vez mais se expandia.

4.3 A composição do movimento feminista

No que se refere à composição do feminismo maranhense, através dos relatos

concluímos que as origens das militantes estão nas camadas populares, com formação em

escolas da rede pública e em geral de baixo poder aquisitivo. Mas quando da atuação no

movimento percebemos que elas já se encontravam em um outro momento de suas vidas, ou

seja, é unânime a presença de “mulheres de classe média, que estavam na universidade,

trabalhando; era o grupo mais presente.”164 “Então ali tinha mulheres brancas, mulheres

negras, mulheres dos setores mais populares, mulheres dos setores médios, não é. Então esse

grande público vai se diferenciar, inclusive de gente de dentro da universidade ”.165

Uma das militantes diz que o Grupo Mulheres da Ilha:

[...] era um grupo de mulheres mais intelectualizadas, mulheres que já tinha uma formação. Algumas já eram até doutoras, outras já eram mestras e dentro desse grupo tinha as estudantes universitárias, tinha uma comerciária. Mas assim, todo mundo tava no nível universitário.166

A leitura dos matutinos também aponta para isso, pois quando da identificação das

mulheres nas notícias, ou quando escreviam para os jornais notamos quase sempre mulheres

com passagem pela academia. Essa aproximação do feminismo com o mundo erudito,

especificamente com a universidade é apontada por Céli Pinto quando trata do feminismo

brasileiro. Entre as feministas brasileiras, diz a autora, há um número significativo de

professoras universitárias e profissionais liberais, ligadas geralmente às áreas das ciências

sociais e humanas, e as da área de saúde geralmente são aquelas envolvidas com os assuntos

referentes ao planejamento familiar.167

164 Sandra Nascimento 165 Ieda Batista 166 Maria Mary Ferreira 167 PINTO, op. cit., p. 85.

71

No Maranhão percebemos a mesma característica. Dentre as nossas entrevistadas

temos uma bibliotecária, uma professora de história, uma bióloga, uma pedagoga e uma com

formação em Serviço Social.

Diante disso, podemos dizer que o Maranhão também se encaixa na constatação

de Céli Pinto, quando ela afirma que o feminismo brasileiro trata-se de um movimento

originado entre pessoas intelectualizadas, não se tratando de um movimento popular. 168 Mas

se ele não foi popular no sentido de sua origem, concordamos com Sarti169 quando diz que se

transformou num movimento interclasses, já que se expandiu através de uma articulação

peculiar com as camadas populares e suas organizações de bairro.

Nesse sentido, alguns grupos maranhenses também articularam-se às camadas

populares. Eles não se mantiveram alheios às condições socioeconômicas da população,

abordando também direitos elementares de sobrevivência humana, ao lado das discussões

mais específicas, aquelas referentes ao corpo, à sexualidade, à saúde, dentre outras.

Sobre essa articulação, uma das integrantes do Comitê Oito de Março em meados

da década falava sobre trabalhos junto a mulheres dos bairros populares: “Semana passada

estivemos na Vila Embratel com uma reunião com um pequeno grupo de quinze mulheres. Foi

uma reunião excelente em que todas as mulheres participaram, entendendo o que é

Constituinte, colocando seus problemas e os do bairro”. 170

A militante diz que na reunião tanto assuntos referentes ao momento político pelo

qual o país passava - a elaboração da Constituição -, como os problemas do bairro eram

discutidos. Isso nos leva a afirmar que as discussões não se limitavam aos assuntos

específicos das mulheres; elas abordavam as dificuldades pelas quais aquelas mulheres dos

estratos mais populares passavam.

Dentre os possíveis problemas enfrentados pelos moradores de bairro, em geral

os mais periféricos, estão aqueles relacionados à falta de infra-estrutura e à moradia, como as

ocupações de áreas da capital maranhense por moradores expulsos do campo. No que tange às

ocupações, os moradores ocupantes viveram momentos de tensão e conflitos, como o

enfrentamento direto contra as forças repressivas da administração pública, como observamos

no capítulo anterior. Nesses conflitos não foram os homens os únicos envolvidos; as mulheres

168 Ibid. 169 SARTI, op.cit. 170 DIREITOS..., loc. cit.

72

também foram sujeitos importantes na luta pela terra, pois enquanto eles ficavam na linha de

frente, as mulheres permaneciam no local ocupado com o objetivo de garantir a sua posse. 171

A presença feminina nesses conflitos chamou a atenção de alguns setores da

sociedade, a exemplo da Igreja. A partir do reconhecimento das mulheres nessas lutas diárias,

seja por moradia ou melhores condições de vida para suas famílias, as feministas, por

intermédio de religiosos, passaram a dirigir-se às comunidades para discutir sobre os

problemas do país e também do cotidiano daqueles moradores.

As feministas do Grupo Mulheres da Ilha, por exemplo, foram convidadas pelo

padre Marcos Passerine para construírem espaços de reflexão com as mulheres do Bairro do

São Bernardo, que naquele momento estava em processo de ocupação, assim como a Vila

Parque Xavier, Vila Isabel, Vila Conceição, dentre outros.

Ao contrário da facilidade de aproximação com o mundo acadêmico, o contato

das feministas com as camadas populares não foi pacífico. Eram comuns as interferências dos

grupos políticos de esquerda que criticavam a posição do grupo em discutir questões

específicas quando o país passava por um momento de grandes transformações para todos.

Outro fator para o fim dessa articulação diz respeito ao preconceito por parte dos

companheiros das mulheres, por não verem com bons olhos as discussões sobre prazer, o

corpo e a sexualidade.172 Cabe aqui também o questionamento com relação à atitude da Igreja

em relação às discussões sobre as temáticas específicas, ou melhor, até que ponto as

feministas articuladas com a Igreja eram livres para pôr em debate tais questões?

Falando sobre a composição, as mulheres apresentam ainda a presença de

mulheres negras e a diferença de interesses surgidos pelo recorte étnico-racial. Sobre essa

questão Ieda Batista considera que: “No Grupo de Mulheres havia mulheres negras, mas a questão

racial não era o forte do nosso debate, então naturalmente na hora que o movimento negro tá no

mesmo processo, se fortalece, elas vão constituir um grupo próprio porque a discussão que era feita

não contemplava ainda isso aqui”.173

Sobre esse aspecto, Maria Mary Ferreira disse que dentro do Grupo de Mulheres

da Ilha de São Luís, tinha:

[...] duas mulheres negras, que era a Silvia, que foi uma das fundadoras, e depois uma outra que chegou depois, que foi a Paula Baltazar. Então. Outras mulheres negras entraram, mas saíram e essas duas permaneceram mais tempo. Partiu da Paula a discussão sobre a questão da mulher negra, mas da forma como o grupo se formava, todo mundo tinha plena liberdade de discutir suas questões, era perfeitamente possível cada uma levantar, e o

171 FERREIRA, 1999, passim. 172 Ibid, p. 102. 173 Ieda Batista

73

grupo, olha vamos discutir isso, e se discutia. Então. No entendimento do grupo faltou por parte da Paula e da Silvia puxar a discussão com mais ênfase. Se discutia também a questão da mulher negra. Sempre que você vai ver os textos que o grupo produziu, sempre essa questão ta presente, nunca deixou de tá presente, que dentro das desigualdades, as desigualdades da mulher negra ainda é superior à desigualdade da mulher branca, isso sempre era falado, era unanimidade dentro das concepções da filosofia do grupo. Mas elas discutiam, e elas reclamavam de uma atenção maior pra essa questão. De forma que me parece que, aí também eu não me lembro, que era a questão que a Paula puxava, que foi a questão que de certa maneira levou ela a sair do grupo e juntar-se com um grupo que daí originou esse Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa. Esse descontentamento com as questões de etnia levou esse grupo a formar outro grupo. Como também a Sandra passou pelo grupo e resolveu articular outro grupo, Sandra Nascimento. Outro grupo que também teve algumas pessoas que passaram pelo grupo e depois saíram, formaram o 8 de Março e é um grupo mais marxista, que é um grupo que era coordenado pela Maria Aragão. Então na verdade as pessoas que foram assim se definindo por outras tendências.174 (grifo nosso)

Após dizer que do Grupo de Mulheres da Ilha fizeram parte mulheres negras, a

entrevistada continua a sua fala explicando porque essas mulheres saíram do grupo. Tal fato

não teria chamado a atenção não fosse uma outra entrevistada, dizer que houve divergências

quanto a isso no interior do Grupo de Mulheres da Ilha.175 Mary Ferreira diz que o grupo

estava aberto às discussões que envolvessem questões raciais, ao que ela aponta como prova

os trabalhos desenvolvidos em que sempre estava incluso o tema da mulher e as

desigualdades de raça. Para explicar que não se tratou de uma falha do grupo, mas sim

daquelas que não puxavam as discussões, Mary Ferreira fala em nome da coletividade: “no

entendimento do grupo faltou por parte da Paula e da Silvia puxar a discussão com mais

ênfase”.

Em sua dissertação de mestrado, a mesma questão é abordada no seguinte

parágrafo:

A partir dessa pesquisa [da professora Lucila Scavone que teve a colaboração de algumas integrantes do Mulheres da Ilha e tratava sobre saúde], o grupo foi assumindo uma linha mais voltada para a questão da saúde, gerando, ao mesmo tempo, um grande descontentamento entre aquelas que não se identificavam muito com a questão. A insatisfação gerada pelas inúmeras discussões que se processaram a partir de então, aliada a outras questões não explicitadas, ocasionou o afastamento de algumas integrantes que, por sua vez, fundaram outras organizações, a exemplo do Grupo Viva Maria, Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa. Ao ouvir algumas das ex-militantes indagamos sobre as razões que as levaram a se afastar do grupo, e percebemos claramente que as divergências se deram em

174 Maria Mary Ferreira 175 Florilena fez esse comentário quando a entrevista já havia sido terminada.

74

virtude da forma como as questões eram conduzidas e que não contemplavam todas as mulheres em suas especificidades.176 (grifo nosso)

Nos relatos colhidos por ocasião de sua pesquisa, Maria Mary Ferreira afirma que

as razões para as divergências teriam sido a não contemplação de especificidades. No seu

relato, ela não foge a essa idéia e afirma que o grupo estava aberto às discussões, embora na

sua dissertação ela tenha dito que a organização tomou um rumo voltado para as questões da

saúde, o que nos infere dizer que não havia mais tanto espaço para outras questões, o que

conseqüentemente teria levado à saída de algumas integrantes.

Ao comparar a saída das mulheres negras com outras mulheres que também o

fizeram, a entrevistada apresenta esse fato como algo sem grande relevância, que não teria

afetado o grupo. Na realidade, trata-se de um trabalho de seleção e organização daquilo que

deve ser lembrado e esquecido a respeito do grupo, de maneira tal que a organização seja

percebida como uma organização em geral coesa, sem grandes tensões e rupturas. 177

4.4 “São inquietações que você traz consigo”: as razões da militância feminista

Examinando as motivações que levaram essas mulheres ao feminismo,

encontramos razões muito próximas em todos os relatos. Quando entraram em contato com o

feminismo, elas manifestaram a sensação de ter encontrado idéias que elas já pensavam, que

tinha a ver com suas atitudes, mas que elas não sabiam se tratar de comportamentos e idéias

feministas. Elas pareciam buscar “algo” que respondesse aos questionamentos a respeito das

relações sociais que estabeleciam, quer seja no espaço privado ou no espaço público. A

“entrada” delas para o feminismo tem referência com as experiências pessoais e até

profissionais permeadas por relações de poder entre os gêneros. Uma delas assim se

expressou quando indagada como entrou em contato com o feminismo e porque entrou para o

movimento:

Tem coisa assim que são inquietações que você traz consigo, não é isso? Eu lhe disse que sou de uma família numerosa, então eu sou a sexta filha de nove filhos e lá em casa o irmão que eu tive, ele era mais novo do que eu, então o sistema de privilégios dentro de casa ele era diferenciado e isso me incomodava muito, muito, muito. Eu só não sabia era explicar. Então essa é uma coisa que você tinha. A mesma coisa com a luta pela terra também, que eu vi meu pai ser retirado toda a porção de terra que ele cultivava e aquilo me causava uma grande inquietação, uma grande angústia, pra eu poder entender. Meu pai era trabalhador rural, viveu de roça a vida inteira. Pois bem, então essa inquietação, você traz consigo e então quando você começa

176 FERREIRA, op. cit. 1999. 177 POLLACK, 1989, passim.

75

a estudar e a articular isso teórica e politicamente com sua prática, suas escolhas vão ficando mais claras, por isso que eu digo que entrou simultaneamente na minha compreensão e no meu cotidiano três coisas juntas e que eu acabei privilegiando, fazendo uma escolha pelo movimento feminista, pelo Grupo de Mulheres mais do que por partido ou por sindicato.(grifo nosso)178

E sendo as três primeiras filhas mulheres as tarefas domésticas eram sempre de nós mulheres, né. Eu nunca gostei muito de tarefa doméstica. Essa é a primeira característica que talvez justifique eu ser o que eu sou hoje. Eu sempre vivi dentro de casa uma relação de extrema desigualdade, que até hoje, essa relação de desigualdade tá presente, embora eu seja feminista, brigue muito, discuta muito, mas ainda vejo a mamãe reproduzindo a mesma relação desigual em relação a criação dos filhos. Claro que tá todo mundo criado, mas ela ainda faz isso em relação aos netos. Então eu fui criada vivenciando essa relação de desigualdade nas tarefas domésticas e também me desviei dessas tarefas, fugia delas estudando.

[...]Meu primeiro contato foi assim: teve um curso promovido pelo Departamento de Sociologia da UFMA chamado Mulher em Sociedade. Esse curso veio uma professora da UNICAMP chamada Mariza Correa. Ela veio dar esse curso e a partir desse curso, que foi sobre mulher brasileira, mulher e sociedade e várias mulheres se interessaram em continuar a discussão após o curso. E aí marcaram uma primeira reunião na casa de uma delas lá no São Francisco e nessa reunião me convidaram[...]Então talvez pela minha forma de ser eu tenha sido convidada pra essa primeira reunião mesmo sem ter feito o curso. E aí fui, daí dessa primeira reunião não saí mais, porque eu me identifiquei com as idéias discutidas nesse grupo. (grifo nosso)179

Nos dois relatos elas falam de inquietações, da vivência de relações desiguais no

seio familiar, em que, por serem mulheres, eram sempre designadas para aquelas atividades

ditas exclusivamente femininas, portanto, menos valorizadas.

Embora em suas falas elas afirmem que na família já percebiam uma relação

desigual e falem também da percepção de que possuíam comportamentos “diferentes” –

“talvez pela minha forma de ser eu tenha sido convidada”, acreditamos que essas memórias

não são a pura reconstrução do passado, mas são uma releitura do vivido a partir dos valores

atuais, ou seja, a partir de valores e idéias adquiridos ao longo da experiência feminista. 180

Em todo caso, elas nos narraram experiências que nos levam a inferir que antes

mesmo de terem conhecimento do feminismo, ou com ele terem entrado em contato, elas já

tinham uma atitude contestadora das relações sociais que mantinham, sobretudo no meio

familiar, em que sempre o feminino estava em condição inferior.

178 Ieda Batista 179 Maria Mary Ferreira 180 HALBWACHS, 1990 apud BRAVIN, Adriana. Tessituras do presente: mídia, memória e identidade.

Disponível em: <http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/17308/1/R0897-1.pdf.> Acesso: 7 ago. 2007.

76

Um outro relato apresenta os primeiros contatos com as idéias feministas através

de revistas, tendo a entrevistada reconhecido nessas idéias, pensamentos parecidos com o que

já tinha e possíveis respostas para suas inquietações:

Nos anos oitenta aqui em São Luís havia um rumor muito grande [ sobre as idéias feministas]. Coincidiu com um momento que eu tinha separado. Aliás, assim também, é..esse fato de eu ler muito. Teve uma escritora jornalista, Carmem da Silva, que escrevia na Revista Cláudia e que ela escrevia uns artigos assim muito polêmicos a respeito da situação da mulher, então isso nos anos setenta foi bastante forte, eu lia muito, gostava muito desses artigos, essa questão assim da subordinação, o papel que a mulher tinha em casa me inquietava muito e tinha uma porção assim meio aventureira. Só que também dando prioridade a questão familiar, eu ficava meio dividida como resolver um lado e outro, conciliar essa questão pra que viesse a dar certo. E aí o período do início dos anos oitenta coincidiu que eu...com quem eu vivia,[...] nós rompemos a relação mais ou menos por esse período de início dos anos oitenta. E foi um momento também que eu voltei pra Universidade pra fazer especialização e algumas mulheres de São Paulo tavam vindo pra cá pra fazer um curso modular de especialização em Sociologia e nesse curso tava muito evidente naquele momento que a questão da mulher deveria ser uma questão estudada. Vinha as idéias feministas e foi aí que eu tomei um contato mais de nível mais, em termos de nível mais de estudo, ligando mais a experiência e a questão do estudo que começava-se a se fazer na universidade naquele momento. (grifo nosso)181

Através da leitura de artigos de revista, a entrevistada relata que entrou em contato

com as idéias feministas e que a faziam sentir-se inquietada. Ela fala que a sua prioridade era

a família, mas ficava meio dividida. Consideramos que essa sensação refere-se ao fato do

choque existente entre as idéias com as quais ela entrava em contato e o momento que ela

vivenciava na família, a sua separação conjugal.

Através dos relatos, notamos que o acesso às idéias feministas de alguma maneira

despertou essas mulheres para o feminismo, de modo que fez surgir uma identificação, ponto

inicial da experiência de militância feminista.

Em um dos relatos colhidos encontramos um comportamento não apenas

inconformado com as regras ditadas às mulheres, mas também uma atitude de enfrentamento,

antes mesmo de militar no feminismo:

[...] Eu sou dum tempo, foi 79...que ainda íamos em barzinhos que as mulheres eram impedidas de sentar. No final dos anos 70 e nos anos 80 isso ainda era muito presente aqui em São Luís, tanto é que esse barzinho especialmente onde eu fui barrada, onde eu não fui atendida, mas onde eu fiz um escândalo, fiz uma briga, subi na mesa, fiz maior movimento, nesse dia tava só eu e outra amiga. Esse mesmo bar, alguns anos depois, cinco ou seis anos depois, continuava a mesma coisa e aí várias mulheres, mas aí já

181 Sandra Nascimento

77

não tava nesse dia, várias mulheres se reuniram, fizeram movimento e fecharam o bar. (grifo nosso)182

Até bem pouco tempo atrás, as mulheres não podiam desfrutar da sociabilidade

dos bares, restaurantes e de outros espaços de lazer e prazer, pelo menos não nas mesmas

condições que os homens. Esse relato, além de apresentar o tipo de comportamento exigido

das mulheres há não mais que três décadas atrás, apresenta um caso de resistência, desfazendo

a imagem de passividade e submissão quase sempre atribuída às mulheres brasileiras. Mesmo

sabendo que o público feminino era proibido ou mal visto ao freqüentar bares, algumas delas

desrespeitavam essas normas, expressando claramente uma atitude contestadora dos códigos

de conduta femininos, não só pelo fato da briga, do escândalo, como se expressou a

entrevistada, mas pela atitude de irem ao bar, embora soubessem que dificilmente seriam

atendidas.

No entanto, apenas a percepção de que eram inferiorizadas e discriminadas por

serem mulheres, por si só não explica porque se mobilizaram, formaram grupos e porque

construíram espaços de reflexões. Concordamos com Silva quando ela diz que a idéia de

identificação é fundamental para compreender a motivação das pessoas para se mobilizarem e

se organizarem em torno de seus interesses. Ou seja, “não são as carências e nem tampouco o

sofrimento que mobilizam as pessoas, mas sim a percepção de que é injusto e que pode e deve

ser mudado”. 183 Isso explicaria, portanto, porque algumas mulheres se articulam e se

mobilizam, e outras não, mesmo que também passem pelas mesmas experiências de

discriminação e sejam alvo constante do machismo.

4.5 Mulheres na luta contra a violência: as reivindicações pela Delegacia Especial da

Mulher

A violência contra a mulher sempre foi entendida no Brasil como um assunto

restrito ao espaço privado. Até os anos 80, quase nada se sabia e nem se falava sobre essa

violência praticada contra as mulheres. Foi o movimento feminista o sujeito que apresentou e

pôs em discussão esse problema enfrentado pelo público feminino.

Quando perguntamos às colaboradoras sobre as movimentações e suas ações

afloraram as memórias sobre as reivindicações da Delegacia da Mulher, que parece ter se

constituído num momento de atuação conjunta entre os grupos: “A questão da Delegacia da

182 Maria Mary Ferreira 183 SILVA, 2007, passim.

78

Mulher, foi uma coisa assim que eu me envolvi bastante com outras mulheres. Foi uma luta

muito grande. A questão da violência ela continua aí! Conviver com isso, acompanhar, ser

fraterna, solidária é uma coisa muito difícil na sociedade”.184

E ainda:

[...] nós levamos até o governador, que na época era o governador Luis Rocha pra criação da delegacia das mulheres. Nós fizemos uma carta, fizemos inclusive algumas exigências nessa carta do modo como desejávamos que uma delegada deveria conduzir essa questão da violência contra a mulher que era uma questão também que aparecia muito.185

Desde a fundação do Grupo de Mulheres da Ilha, a questão da violência esteve

presente nas suas discussões. Mas as feministas não só discutiram, elas também se

manifestaram publicamente contra os casos de violência e a impunidade. Criticaram inclusive

a jurisprudência protetora do homem que assassinava uma mulher e alegava ter agido em

nome da honra. Na Justiça brasileira, foi muito comum os assassinos serem absolvidos sob

essa alegação, transformando-se em vítimas e as mulheres em réu. No Maranhão não foi

diferente. O caso de Marina Canto, uma mulher de classe média assassinada pelo marido, é

bem característico da conivência das autoridades instituídas, judiciárias e policiais:

Um dos fatos de maior contestação das feministas tem sido a violência que atinge as mulheres. De Canto a Doca Street a mulher tem sido vítima fatal, enquanto que os acusados passam a ser donos da verdade e absolvidos. Negam, porém, posição favorável a um desfecho contrário “porque condenamos a violência sobre qualquer pretexto”. Assim o grupo [Grupo Mulheres da Ilha] teve forte presença no julgamento do assassino de Marina Canto. “Nosso pretexto contra a farsa da Justiça, nos casos de assassinatos deste tipo, absolvendo o assassino e transformando a vítima em ré, foi um pequeno, mas significativo “grito” no escuro que não passou despercebido para àqueles que se consideram detentos da “verdade”. (grifo nosso)186

Embora as feministas tenham se manifestado exigindo a punição, o “grito” delas

foi pequeno porque, quando levado a julgamento, o assassino foi absolvido sob a alegação de

legítima defesa da honra.

Essas manifestações contra os casos de violência continuaram acontecendo

mesmo quando o referido grupo, em meados da década, passou a focalizar assuntos referentes

à saúde, como percebemos pelos matutinos e como faz crer o relato de uma das entrevistadas:

[...] Eu lembro no ano em que a Marina César Canto foi morta pelo marido dela dentro de casa, um problema de violência, e aí o grupo se manifestou publicamente. Houve um outro incidente envolvendo duas pessoas do grupo, uma antropóloga e uma que era estudante de serviço social com estupro lá dentro da universidade. E aí também novamente a questão da violência e o

184 Florilena Aranha 185 Sandra Nascimento 186 MARANHENSES preparados para o dia da mulher. O Estado do Maranhão. São Luís, n. 4212, p. 7, 6 mar.

1983.

79

grupo tinha que dar uma resposta. Então o que eu tô querendo dizer. Se a gente pretendeu trabalhando a saúde, a sexualidade, os direitos reprodutivos, a questão da violência ela também sempre foi discutida por forças das circunstâncias.(grifo nosso)187

Tão logo havia se formado, o Grupo de Mulheres da Ilha, em novembro de 1980,

realizou seu primeiro encontro aberto ao público tendo como tema a questão da violência.

Esse encontro levou à discussão os casos de violência levantados em uma pesquisa realizada

pelas feministas do referido grupo em Delegacias de São Luís:

Como uma das discussões era a questão da violência, a gente resolveu então, sintonizada com o movimento nacional, fazer um estudo nas delegacias de São Luis pra ver como é que estava, qual era o índice de denúncia que as mulheres faziam nas delegacias... Nessa época não tinha delegacia da mulher ainda. Aí nós levantamos em três distritos policiais. Um eu lembro muito bem que foi no distrito do Centro, o outro foi o distrito do João Paulo , o terceiro eu não lembro qual foi. Então nós ficamos lá eu e a Silvia durante vários dias levantando aquele livro e levantando o que tinha de mulheres denunciando e o tipo de violência. Aí nós conseguimos levantar quase 400 casos de violência nesses três distritos no período de três meses apenas. A gente listou e via quais eram os casos mais de espancamentos, morte, assassinato, estupro... Fizemos e levantamos, e daí nós nos juntamos ao grupo e montamos uma brochura falando da violência, o outro texto já foi a questão da política e outro texto foi a questão da saúde. Aí a gente juntou esse material, fizemos essa brochura que foi a primeira publicação do grupo e lançamos a público essa discussão e montamos o debate que foi promovido no Colégio Marista, um debate E-N-O-R-M-E (enfatizando) com mais de 300 pessoas que foram assistir. E aí divulgamos esses dados e foi assim um impacto muito grande que caiu sobre a cidade dos índices de violência, principalmente dos índices de violência.188

Apresentando e discutindo o problema da violência, as feministas maranhenses,

alinhadas ao movimento nacional, passaram a pensar a criação de uma delegacia específica

para os crimes praticados contra as mulheres ludovicenses. A primeira delegacia da mulher

criada nesse sentido foi a do Estado de São Paulo, no ano de 1985, resultado de reivindicações

do movimento de mulheres contra a indiferença com que o Poder Judiciário e os distritos

policiais – em regra, integrados por policiais homens – lidavam com casos de violência nos

quais a vítima era a mulher. Nas delegacias comuns, a existência de policiais mau preparados

para atender esse tipo de violência dificultava a denúncia por parte das mulheres violentadas,

pois elas sentiam-se desencorajadas a entrar em um ambiente composto em sua maioria por

homens e ainda serem mal atendidas.189

Nesse sentido, as mulheres que se colocaram na luta pela delegacia reivindicavam

também atendimento e assistência social, jurídica e psicológica, acompanhado de trabalho

187 Ieda Batista 188 Maria Mary Ferreira 189 FERREIRA, 1999, passim.

80

educativo para as mulheres vítimas de violência. Mas foram necessárias muitas passeatas e

confrontos contra o Estado até que as mulheres pudessem ser por ele ouvidas. Por causa dessa

forte resistência da administração pública, a delegacia feminina de São Luís só foi criada em

1987, dois anos depois da instalação da Delegacia da Mulher em São Paulo:

[...] Foi a ação mais direta que se teve a delegacia, eu mesma estava na reunião que o governador aprovou, a reivindicação do movimento foi feita a partir de uma grande passeata que saiu daqui da universidade e terminou lá no Palácio dos Leões. Ele nos recebeu e eu fui uma das representantes do movimento que estava na mesa com o Cafeteira onde ele aprovou e assumiu o compromisso de criar a delegacia da mulher. Essa criação da delegacia da mulher foi em 87, mas essa ação já iniciava desde desse primeiro debate que nós fizemos em 80 [ A mulher e a violência], já se falava de delegacia, de criar um instrumento, porque na época quando a gente ia até ás delegacias, os distritos policiais os delegados se recusavam a registrar as queixas. Eu mesma fui muitas vezes, tinha eu que brigar com o delegado pra ele registrar queixa com as mulheres. Às vezes ele não queria registrar. Então desde esse momento já nasce a reivindicação da delegacia da mulher, de criar a delegacia da mulher. Aí cria-se em São Paulo acho que em 1982 se não me falha a memória e de São Paulo pra cá todos os Estados começaram a reivindicar isso. Então nós também começamos a reivindicação. Foram feitas algumas audiências entre 83,84,85, mas a gente só conseguiu criar no governo Cafeteira de 87 quando teve duas tentativas de estupro aqui na universidade e a partir dessas duas tentativas as mulheres fizeram essa passeata que terminou no Palácio dos Leões. (grifo nosso)190

À resistência do Estado em criar essa instituição, as feministas responderam com

ações contundentes. Uma de suas estratégias de luta foi usar a imprensa como meio de atacar

o poder público e conscientizar a população da importância da delegacia feminina:

No Largo dos Amores, no Solar das Missionárias, às 18 horas e 30 minutos de amanhã, o Grupo Mulheres da Ilha promove reflexão sobre a violência contra a mulher. O assunto cresce de importância, justamente pelos tristes registros policiais recentemente testemunhados. Numa sociedade que busca ser desenvolvida é inconcebível ver-se determinado segmento da comunidade marginalizado, maltratado ou explorado pelo outro. O poder público tem obrigação de possibilitar meios para que todos, homens e mulheres, colaborem. Ignorar a situação real será omissão, no mínimo um comportamento relapso. A Delegacia Especial de Defesa da Mulher não passou de promessas do Secretário de Justiça e Segurança Pública, coronel João Ribeiro Silva Júnior. A esperança de que uma delegacia de mulheres em São Luís ajudasse a minimizar a violência surgiu com a badalação da instalação da primeira Delegacia da Mulher no Brasil, no Estado de São Paulo, em setembro de 1985. O Grupo SOS Violência chegou a reivindicar alguns requisitos para o funcionamento da delegacia. As delegadas de polícia de São Luís, que também lutaram por sua criação não escondem seu desapontamento. As pessoas que estarão reunidas no Largo dos Amores avaliarão as perdas e avanços na luta das mulheres. Contra o machismo que o Maranhão tão bem conhece e que não deixa de ter seu significado de símbolos – a herança ibérica ao culto da virgem e da Mãe - , já se somam anos de luta. Louvor ao desafio do SOS Violência, Comitê Oito de Março,

190 Maria Mary Ferreira

81

Grupo de Mulheres da Ilha, Fórum de Debates e Grupo de Mulheres Negras do Centro de Cultura Negra. (grifo nosso)191

Na notícia, as mulheres de várias organizações criticaram o poder público pelas

falsas promessas de instalação da Delegacia da Mulher, apresentando-o à sociedade como

omisso e hostil às questões femininas.

Vencendo as resistências, a Delegacia de Defesa da Mulher foi então criada em

1987. No entanto, nem todas as reivindicações foram contempladas. As feministas se deram

conta que o problema não havia acabado, pois a instituição não funcionou de acordo como

haviam exigido: as instalações eram deficientes e o pessoal pouco qualificado. Elas passaram

então a cobrar do Estado a efetiva realização das exigências estabelecidas no projeto de

criação da instituição.

Outra limitação dos alcances da delegacia é apontado por uma das militantes:

Ela [a delegacia] vai permitir a visibilidade porque a atenção mesmo, o tratamento, o processo de educação da sociedade, as campanhas, essa parte dela não pôde ser feita porque ela passou a ser tratada como a enjeitada dentro do sistema jurídico. Então, ela é uma coisa importante, ela é necessária, mas ela não é dotada das condições para desempenhar a sua competência de combate à violência contra as mulheres. Nós apoiamos a criação, nós revisamos o primeiro projeto que foi apresentando e depois foi fechado pra lá, caminhamos junto com os outros grupos pra que isso aqui fosse criado, a gente defendia que a delegacia da mulher tivesse um acompanhamento do movimento. Agora, é um avanço, é um ganho, mas com grandes deficiências causadas pela falta de importância que dentro do sistema se dá a isso aqui (grifo nosso).192

Ao falar que a delegacia da mulher “passou a ser tratada como a enjeitada dentro

do sistema jurídico”, a entrevistada se refere ao fato de que a exigência de manter nas

delegacias a presença de uma delegada mulher, fez surgir uma discriminação dentro da

corporação policial e jurídica. Algumas delegadas viam na designação para essas delegacias

uma espécie de castigo, pois criou-se um pensamento de que problemas de mulher eram

problemas menores. Dessa maneira, essas delegadas certamente não se dispuseram a

desempenhar um atendimento adequado às mulheres e nem à apuração dos casos de violência.

A entrevistada não deixa de destacar que embora a Delegacia da Mulher não tenha sido

instalada como se desejava, ela tratou-se de uma conquista do feminismo organizado na

medida em que pôde dar visibilidade à violência praticada contra as mulheres,

desmistificando o caráter sagrado da família, visto que é no espaço do privado que as

mulheres estão mais vulneráveis a sofrer violência.

191 MULHER comemora dia lembrando violência. O Estado do Maranhão. São Luís, p. 2, n. 8925, 8 mar.

1987. 192 Ieda Batista

82

Como vimos, as feministas realizaram pesquisas, encontros e passeatas cobrando do

poder público alguma atitude contra os casos de estupros e utilizaram a imprensa como

estratégia para criticar a resistência do governo e influenciar a sociedade a seu favor.

Consideramos, portanto, que além da visualização do problema da violência, o processo de

reivindicação pela delegacia feminina revela ainda uma ação politizada dessas mulheres, em

que retiram do espaço privado a questão da violência e expõem para a sociedade, tornando-a

um problema de natureza pública.

4.6 A diferença de posição e organização dos grupos

O feminismo no Maranhão, assim como nos demais Estados, não foi homogêneo.

Embora atuassem muitas vezes conjuntamente, percebemos algumas particularidades em cada

grupo. Ou seja, havia uma diversidade de idéias, deixando transparecer o caráter múltiplo do

movimento. Tal diversidade é evidenciada nos pontos centrais de cada organização. Enquanto

alguns priorizavam as especificidades, tratando de assuntos como o corpo, o planejamento

familiar e a saúde, discutindo sobre o aborto, a exemplo do Grupo de Mulheres da Ilha, alguns

grupos como o Comitê Oito de Março priorizavam as questões mais gerais, defendendo a

idéia de que os problemas das mulheres iriam solucionar-se quando as diferenças de classes

chegasse ao fim.

Essa característica de diversidade de pensamentos entre os diferentes grupos pode

ser evidenciada em algumas temáticas, dentre elas as opiniões acerca da criação da Delegacia

Especial da Mulher.

Como vimos, as delegacias femininas constituíram objeto de reivindicação do

movimento feminista por todo o país. No caso específico do Maranhão, nem todos os grupos

feministas apresentaram as mesmas opiniões a respeito da criação dessa instituição, como foi

o caso do Comitê Oito de Março. Uma das integrantes desse grupo, a médica Maria Aragão,

em entrevista por ocasião do Dia Internacional da Mulher assim manifestou-se:

Eu não entendo essa Delegacia de Polícia Feminina. Eu não consigo entender. Enquanto não se tem delegacias de polícia que protejam toda a sociedade, como vamos nos dar o luxo de ter uma delegacia que atenda só aos problemas da mulher? Pode ser limitação minha, mas não entendo. Sou contra a violência sobre toda a sociedade. 193

A crítica a respeito da criação da delegacia feminina pode ser entendida quando se

conhece de qual lugar social a militante fala. Maria Aragão teve forte atuação esquerdista na

193 DIREITOS iguais e sem discriminação. O Imparcial. São Luís. n. 16494, p. 7, 8 mar. 1986.

83

luta contra a ditadura, tendo sido até mesmo exilada. Portanto, a não concordância com as

reivindicações pela criação da instituição, pode ser compreendida pela posição a favor de uma

luta ampla, como ela mesma expressou: “Eu sempre fui mulher engajada nas lutas. A minha

luta não foi somente pelas mulheres, foi muito mais ampla. Sempre lutei em favor de uma

modificação da sociedade contra a exploração do homem pelo homem. 194

Identificada com as idéias marxistas, a militante disse que sempre “lutou em favor

de uma modificação da sociedade contra a exploração do homem pelo homem”. Talvez por

ler o marxismo como um processo eminentemente econômico, Maria Aragão se coloque

contra a luta pela delegacia, no sentido de que em primeiro lugar viria a luta de classes e só

com o fim desta a emancipação feminina, ou seja, a luta feminina estaria relegada a um

segundo plano. Essa idéia seria, portanto, a explicação para a posição do Oito de Março

quanto à defesa da delegacia feminina.

A influência esquerdista de Maria Aragão leva-nos a inferir também que o

referido grupo apresentou um caráter mais partidário que os demais. Visualizamos isso na

forma como o grupo se organizava. Enquanto o Oito de Março apresentava uma estrutura com

hierarquia – Maria Aragão era a coordenadora, os demais grupos buscavam romper com essa

tradicional forma de organização existente nos sindicatos e nos partidos políticos.

No relato de Maria Mary Ferreira sobre o Grupo Mulheres da Ilha percebemos a

tentativa de ruptura com o modelo tradicional de organização política:

[...]. Não tinha uma pauta como tem nos grupos políticos [...]. era um grupo completamente informal. Ou seja, não tinha hierarquia, não tinha nenhum presidente, nem uma coordenadora...quem coordena a reunião...cada dia se elegia uma pra coordenar. Hoje vai ser você, aí no outro dia era outra que coordenava. [...]. Um dia uma ficava com o livro de caixa e já passava pra outra no outro dia. Então não tinha uma hierarquia absoluta. Era um grupo que tava num formato bem anárquico, bem anarquista. Por que? Porque não tinha essa formalidade.195

Tratava-se de uma tentativa de construção de outros padrões de grupo, como se

referiu Sandra Nascimento do Grupo Espaço Mulher:

[...]. Em torno do grupo a gente fazia seções de estudo e a cada dia alguém se mobilizava pra coordenar aquilo ali pra fazer um sistema de rodízio de modo que todos os grupos participavam da mesma forma. Era uma das ênfases: quebrar os padrões hierárquicos, quebrar o formato que se tinha, nos grupos masculinos, por exemplo, os partidos políticos, os sindicatos. A gente queria tentar construir um outro modelo de grupo, de relação de grupo.196

194 Ibid. 195 Maria Mary Ferreira 196 Sandra Nascimento

84

Em que pese a evidenciação das relações sociais hierárquicas em todos os níveis e

a tentativa de romper com esse modelo a começar pela organização dos grupos, não

acreditamos que dentro dessas organizações não tenham sido estabelecidas relações de poder

e nem acreditamos que esses grupos tenham conseguido se afastar totalmente do modelo de

organização dos partidos e sindicatos, sem estabelecer uma pauta ou uma coordenação para

um determinado tempo, pois percebemos que são grupos com uma atuação bem organizada,

com discussões semanais, com a realização freqüente de palestras, eventos e passeatas.

Tratam-se de ações que não são espontâneas, elas precisam ser pensadas, discutidas,

formalizadas.

Nas matérias jornalísticas em que as feministas são procuradas para expor suas

opiniões, ou mesmo quando escrevem para os jornais, observamos que essa participação

feminina é exercida em sua grande maioria pelas mesmas mulheres, são elas que estão nas

fotografias, concedendo entrevistas, como se fossem elas que conhecessem mais a

organização, os problemas, e por isso assumiam informalmente o papel de líderes. As

próprias feministas assumem a limitação dessa desconstrução hierárquica. Uma delas fala que

“a intenção era não ter relações de poder, embora relações de poder permeassem o grupo,

porque tinha aquelas que tinham mais conhecimento, mais informação, mais conteúdo.197

Parece evidente, portanto, que a diferença de níveis de conhecimento entre as

militantes no que diz respeito aos assuntos femininos gerava relações de poder, em que

algumas controlavam em maior grau as ações do grupo.

Quanto ao cotidiano dos grupos pudemos chegar a algumas constatações: percebemos

que o Grupo de Mulheres da Ilha de São Luís, ao lado das reuniões de discussões, apresentou

como estratégias de ação o uso da imprensa para a apresentação de suas idéias,

reivindicações, pesquisas e ainda a promoção de eventos e a organização de manifestações

públicas, como passeatas. Quanto ao grupo Espaço Mulher, Sandra Nascimento é muito

enfática quando diz que a intenção era formar um “espaço mesmo de estudo, espaço teórico

de discussão, embora a gente tivesse participando de passeatas, de eventos, de congressos,

agora ele foi constituído basicamente como um grupo de estudo”. Podemos dizer que suas

estratégias de ação estavam limitadas ao espaço das discussões; ele não puxava manifestações

públicas, indo para a rua participando das movimentações organizadas pelos outros grupos.

Dos demais grupos pouco encontramos sobre o seu cotidiano, o que já nos diz

alguma coisa. O fato de não ter encontrado vestígios a respeito nos jornais indica que o uso da

197 Maria Mary Ferreira

85

imprensa não contemplava uma de suas estratégias, mas todos os grupos - o Grupo de

Mulheres Negra Mãe Andresa, o Comitê Oito de Março, Espaço Mulher – são citados como

parceiros nas manifestações públicas ou na realização de encontros em geral realizadas pelo

Grupo de Mulheres da Ilha.

4.7 “Um bando de mal amadas e mal resolvidas”: o preconceito vivido pelas feministas

maranhenses

Embora com ampla divulgação jornalística da atuação feminista e de suas idéias

isso não significa que as feministas não tenham sofrido julgamentos errôneos e

preconceituosos. Todas as entrevistadas apresentaram em suas falas experiências próprias ou

o testemunho de preconceitos contra militantes do movimento. Na realidade, embora

houvesse todo um clima de transformação com o processo de redemocratização, a mulher que

ousava criticar a relação entre os gêneros, quebrando os padrões de comportamento feminino

deparava-se em seu meio com diversas formas de repressão e condenação moral.

Falando sobre sua trajetória de participação em vários movimentos, como o

sindical, estudantil e o feminista, tendo no seu dia-a-dia passado por diversas experiências de

confronto como passeatas e greves, a professora Florilena Aranha fez perceber o tipo de

comportamento exigido das mulheres e o tom do preconceito contra aquelas que

manifestassem desacordos com as normas estabelecidas:

[...] Eu fiz um monte de coisa na vida, ta entendendo? Eu ia pro carnaval, eu fui uma das primeiras mulheres a desfilar em escola de samba, aprender a dançar tambor de crioula no meio da rua [...] eu tive problemas porque é uma sociedade muito conservadora. Eu fiz uma seleção para o Colégio Agrícola, e eu não fiquei pra ser professora de história porque o diretor teria dito que uma pessoa como eu que vivia em barzinho, que dançava tambor de crioula não era pessoa adequada para ser professora de uma escola como o Colégio Agrícola que era uma escola federal.198

As representações das feministas como libertinas, briguentas, mal amadas,

masculinizadas atingiram também as militantes maranhenses, o que consideramos uma

atitude que pretendia desacreditar ou desmoralizar a ação dessas mulheres:

A minha imagem era de mulher briguenta. Ah..as pessoas diziam assim para mim: ah Florilena é uma mulher muito louca, uma mulher muito destemperada. Eu trabalhei no Mobral, então tem uma questão de alguém que trabalhou comigo até hoje ele se dirige pra mim da seguinte forma: me chama de desabutinada. Então tinha um lado pejorativo. [...] Os maridos das minhas colegas, eu não era uma pessoa adequada pra ser amiga delas. E tinha uma coisa assim, as mulheres tinham muito medo dos maridos, dos

198 Florilena Aranha

86

namorados se aproximarem de mim. Era uma coisa assim, uma mulher inteligente, eu não diria nem assim, eu não era considerada uma mulher de uma beleza, eu sou uma mulher fora dos padrões. Eu sou negra, e de traços indígenas, não sou branca, não tenho esses gestos, minhas irmãs tem uma outra muito mais feminina. Tem uma outra questão: fui questionada muitas vezes até hoje ainda sou sobre a minha sexualidade por causa dessa questão das minhas posições.199

Nesse caso, Florilena descreve a imagem que as pessoas tinham dela: mulher

briguenta, perigosa e masculinizada. Na sua visão essas representações ocorriam pelo fato

dela não se incluir dentro dos padrões femininos: ela não possuía e não possui os gestos finos

considerados adequados para as mulheres, fator que a impediu de assumir um cargo de

professora e levou até mesmo ao questionamento de sua orientação sexual.

O relato de outra feminista segue a mesma linha, mas nesse caso o preconceito foi

amenizado por causa de uma imagem mais próxima dos padrões femininos:

Não batia a imagem que eles tinham de feminista com a minha imagem pessoal. Então nesse ponto, a minha imagem ajudava a desmistificar aquele preconceito que se tinha em relação a ser feminista, era mal amada, masculinizada, sapatão, tudo o mais. Porque eu era uma figura que gostei muito de saia, vesti pouca calça e também o fato de ter cabelos compridos é um perfil que não batia. [ Feminista] era sinônimo de tudo isso que já falei, além de mulher livre, livre no sentido pejorativo, ou seja, mulher de vida fácil. Então era muito comum os homens se aproximarem com essa intencionalidade. 200

O relato deixa claro que embora sua imagem física condizente com os padrões

ditados às mulheres a tenha protegido de algumas representações, ela não ficou imune da

caracterização de “mulher de vida fácil”, atribuída corriqueiramente às feministas, e, portanto,

alvo da aproximação masculina mal intencionada.

Em outra fala percebemos associação parecida: “Mulheres do meu grupo, eu

conheço de perto, elas sofreram insultos e ataques muito violentos. Então eu vivenciei assim

indiretamente através de certas companheiras. [As pessoas] acham que ser feminista é uma

mulher que pode ir para a cama com qualquer um”.201

Fora Sandra Nascimento, as demais colaboradoras tinham alguma relação ou

mesmo experiência de militância em partidos de esquerda e sindicatos, tendo algumas delas

até participado da fundação do Partido dos Trabalhadores no Maranhão no início da década

de 80. Na realidade, durante a década de 60 e 70, inúmeras foram as militantes feministas

brasileiras que em termos de luta contra as desigualdades e a ditadura, se envolveram

inicialmente na militância em partidos políticos de esquerda. No Maranhão encontramos a

199 Florilena Aranha 200 Maria Mary Ferreira 201 Ieda Batista

87

mesma característica, lembremos das movimentações pelas diretas e a participação na

elaboração da Constituição.

A esse respeito, nas comemorações do Dia Internacional da Mulher no ano de

1982, as mulheres do Grupo de Mulheres da Ilha se negaram a participar do evento

promovido pela Fundação Bandeira Tribuzi. Visto que esse evento seria aberto pelo então

Governador João Castelo do PDS, essa recusa indica uma postura política descontente com a

gestão em vigor, aliada aos militares. Ao que parece, a não participação do Grupo de

Mulheres da Ilha causou repercussão social, pois após o encerramento do referido evento, o

Estado do Maranhão veiculou uma notícia intitulada Opinião das mulheres a respeito do I

Encontro em São Luís, em que o Grupo de Mulheres da Ilha justificava porque não havia

comparecido àquela comemoração pelo dia das mulheres:

Os festejos do Dia Internacional da Mulher devem ser organizados por entidades ou grupos femininos e feministas que desenvolvem trabalhos em prol dos interesses específicos das mulheres. A afirmativa é do Grupo de Mulheres da Ilha de São Luís, ao justificar a sua não participação no primeiro Encontro de Mulheres Maranhenses promovido pelo Centro de Cultura Bandeira Tribuzi em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Segundo as mulheres desse grupo o fato deste Encontro ter sido organizado por uma entidade mista e estranha aos objetivos das lutas pela emancipação das mulheres justifica a indevida escolha dos temas e dos palestrantes que na sua grande maioria não se tratavam de pessoas envolvidas com movimentos feministas. Por outro lato observam que o próprio resultado do encontro revela uma apropriação indevida da questão da mulher uma vez que esta foi quem menos teve espaço na semana, na qual muitos assuntos interessantes sobre a mulher poderiam ter sido discutidos e foram omitidos em razão das circunstâncias de como, por quem foi programado. A insatisfação do Grupo de Mulheres da Ilha se tornou mais acentuada depois dos resultados não muito louváveis do Encontro, em razão do despreparo de alguns palestrantes e pela forma como foram abordados os temas. (grifo nosso) 202

As mulheres referiam-se às homenagens realizadas no encontro a uma série de

personalidades da administração pública do Estado, em que todos os homenageados foram

homens, como indica uma notícia veiculada no mesmo jornal no dia 12. Ou seja, a

organização do evento simpatizada com a gestão do momento, aproveitou o dia das mulheres

para dar visibilidade a pessoas da cena pública, todos homens, que nada tinham em comum

com a luta feminina.

Em que pese o fato das feministas serem simpatizantes dos partidos políticos

esquerdistas, ou deles egressas, não significava que as lutas femininas ou feministas fossem

pelos partidos reconhecidas. Na realidade, a relação entre as mulheres e os homens das

organizações de esquerda sempre foi marcada pela discriminação. No caso dos grupos 202 OPINIÃO..., loc. cit.

88

clandestinos, sabemos que as mulheres também neles militaram. Mas elas não foram bem

recebidas pelos homens. Ou seja, os militantes de esquerda relutaram em aceitar as mulheres

nessas organizações, porque em grande medida as consideravam incapazes de desempenhar

com êxito as ações. Visto que ainda permanecia a associação da mulher com o espaço do

doméstico, do privado, nessas organizações as mulheres eram designadas para atividades que

exigiam menor esforço físico e intelectual.203

Duas colaboradoras expressaram em suas falas a existência de preconceitos a elas

dirigidos por colegas militantes de grupos de esquerda, ou seja, elas tiveram que conviver e

enfrentar as desigualdades de gênero entre aqueles que como elas também defendiam valores

democráticos, liberdades individuais, dentre outros. Nos relatos abaixo percebemos a

caracterização, por parte da esquerda, das lutas específicas das mulheres como uma luta

secundária:

[...] aí que vai o grande paradoxo da discussão, que é você tem uma imprensa que abre, tem alguns setores da sociedade que são extremamente favoráveis, mas você tem um movimento de esquerda que é extremamente desfavorável ao movimento feminista. Nossa maior oposição foi exatamente dentro da esquerda. Dentro dos chamados partidos ex-comunistas, os comunistas que estavam agregados ao MDB, eram essas pessoas quem mais faziam oposição e mais rechaçavam o movimento feminista. Então nossos grandes adversários foram os movimentos, os partidos de esquerda e os militantes de esquerda. Aquele militante identificado muito com o marxismo, o marxismo mais ortodoxo, digamos assim, foram esses nossos maiores opositores e eles chegavam a fazer comentários muito, muito deprimentes até. Comentários tipo assim ‘são um bando de mal amadas, um monte de mal resolvidas e que quer discutir coisa de mulher, sendo que tem que discutir a questão, a luta é geral, não tem negocio de luta específica’, isso a gente viu dentro do MDB, dentro do PT, [que] a gente se filiou logo assim que ele se formou; a gente vê até hoje em vários partidos isso se reproduzindo.(grifo nosso)204

As organizações de esquerda consideravam que a luta deveria ser dirigida contra o

governo autoritário e a desigualdade de classes vigente no país.205 Era uma preocupação

constante do movimento de esquerda manter a luta aglutinada contra o inimigo comum, a

ditadura militar, e contra a sociedade de classes. Portanto, qualquer idéia e atitude que viesse

a pôr em xeque essa unidade era altamente condenada pelos militantes esquerdistas como

interesses divisionistas. No caso das feministas, elas ainda eram acusadas de está provocando

uma divisão entre homens e mulheres, gerando uma “guerra de sexos”:

[...] nos anos 80, nesse período aí o Partido dos Trabalhadores ele estava também se estruturando que é outra coisa que vai fazer parte da minha

203 CARBONARI, Márcia. A atuação da mulher na resistência à ditadura militar. Disponível em:

<<http://www.2csh.clio.pro.br/marcia%20carbonari.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2007. 204 Mary Ferreira 205 SOIHET, 2005, passim.

89

vivência. Eram três coisas importantes: o movimento docente, coma criação da APRUMA, era a constituição do PT aqui, ao qual fui me vincular e a experiência da constituição do Grupo de Mulheres. O que eu me lembro assim? É que os partidos chamados de esquerda que a gente tinha aqui e que estavam discutindo, por exemplo, candidaturas de mulheres, não incluía essa questão da subordinação da mulher. E os que debatiam com a gente de forma mais pública faziam a acusação que era generalizada dentro da esquerda de que a gente era divisionista e aquela frase célebre, que a gente queria fazer a guerra dos sexos. Então nesse sentido aí, eu percebo da parte dos partidos políticos esse preconceito que não entendia que a questão de gênero como uma forma de subordinação de mais da metade da população facilita a exploração. Não é de praxe que eles pretendiam tá discutindo. (grifo nosso) 206

Desde o início da formação do primeiro grupo feminista, as questões específicas

eram colocadas em discussão. No primeiro encontro aberto ao público realizado em 1980, por

exemplo, trazia à tona a questão da violência, não só a física como também aquelas formas

encobertas de violência. O panfleto abaixo demonstra a prioridade do grupo pelas temáticas

específicas:

Queremos fazer um debate sobre a violência. Talvez lhes ocorra, os atentados à bomba, o adiantamento das eleições, o aumento do preço dos gêneros alimentícios, a instalação da ALCOA, as expulsões do Bequimão, as verbas da Educação, os, as...mas não é nada disso. Queremos falar da violência. Dessa que, você, eu, sua vizinha, aquela desconhecida, sofremos quotidianamente, de forma sutil e descarada. Queremos falar do que aparece como simples e natural, normal. [...] Queremos começar a falar dessa violência tão “natural”. Das passadas de mão, das palavras no pé de ouvido no meio da rua, dos apertos nos ônibus, das gracinhas no cinema. Queremos começar a falar dos espancamentos, dos estupros, dos assassinatos...Queremos começar a falar, enfim de toda a violência que perpassa o nosso exercício de viver enquanto mulheres e que nos mutila... Queremos aprender a ser inteiras e vamos começar a botar a boca no mundo. E já estamos atrasadas. 207

Eram discussões como essas que os militantes de partidos políticos de oposição

condenavam, acusando as feministas de discutirem assuntos secundários, específicos, quando,

na realidade para eles, a luta deveria ser ampla. Uma coisa de cada vez: primeiro a luta de

classes, depois as lutas das mulheres, dos negros, dentre outras.

Na literatura sobre o movimento feminista parece haver um consenso em afirmar

que, com o fim do bipartidarismo e a grande movimentação das mulheres na cena pública, os

partidos políticos recém-formados passaram a incluir em suas plataformas de governos as

questões femininas. No entanto, os “assuntos de mulher” nem sempre foram considerados,

embora as mulheres já constituíssem uma força significativa no eleitorado. Ieda Batista, tendo

sido candidata às eleições para a Constituinte, relata que os colegas do partido queriam

206 Ieda Batista 207 FERREIRA, op. cit., p. 93-94.

90

convencê-la a não falar sobre “coisas de mulher” no palanque porque isso não dava voto: “eu

só aceitei a candidatura com o compromisso de se discutir essas coisas, não é. “Mas isso não

dá voto”. Eu disse: não tem problema que não dê voto, a questão foi eu dar conta do que eu

me propus.”208

Como o movimento feminista priorizava temáticas femininas, de fato ele não poderia

ser bem aceito pelos grupos de esquerda e por isso uma das entrevistadas fala da existência de

um “movimento de esquerda que é extremamente desfavorável ao movimento feminista”.

De todos os lados percebemos que o feminismo confrontou-se com o preconceito,

tanto por parte da sociedade em geral, como dos grupos de esquerda, que comungavam dos

mesmo ideais democráticos que as militantes feministas.

208 Ieda Batista

91

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o regime militar as mulheres emergiram na cena pública inserindo-se nos

movimentos populares de oposição lutando por justiça econômica, direitos sociais e

democratização. Ao lado desses movimentos apareceu nesse mesmo cenário o “novo”

feminismo, que além de se colocar como sujeito contra o autoritarismo vigente, introduziu no

país questões específicas das mulheres.

No Maranhão, as mulheres, embora em número reduzido, também adentraram a

esfera pública, filiando-se aos novos partidos políticos criados quando do fim do

bipartidarismo em fins da década de 70. Todavia, algumas se identificaram com o movimento

feminismo, organizando grupos que se auto-reconheciam como feministas. O que percebemos

na exploração dos relatos das entrevistadas, foi que algumas delas já eram engajadas

politicamente, passando pelo movimento estudantil, movimento sindical, filiação a partidos

políticos até chegar na militância feminista, como foi o caso de Mary Ferreira, Ieda Batista e

Florilena Aranha. A partir disso, podemos apontar como característica do feminismo

maranhense a presença de mulheres politizadas, com experiências políticas, atuantes na luta

contra o autoritarismo.

Negando o imaginário social que vêem as mulheres como desinteressadas por

questões políticas, as feministas maranhenses, na sua mobilização em torno das questões

referentes às mulheres, trouxeram à tona questões como a violência, tanto em sua forma

física quanto nas formas sutis – “passadas de mão, das palavras no pé de ouvido no meio da

rua, dos apertos nos ônibus, das gracinhas no cinema” –, o planejamento familiar, a

sexualidade, dentre outras. Nesse sentido, elas romperam, não sem resistências, com os

limites do que era considerado político, inserindo na esfera pública questões antes delimitadas

ao domínio do privado, do doméstico, do familiar, entendidas como “coisas de mulher”.

Outro aspecto perceptível em nossa pesquisa sobre o feminismo maranhense é

que, além de politizadas, as militantes feministas eram, em sua maioria, mulheres

intelectualizadas. Num país marcado por desigualdades sociais, sabemos que as experiências e

oportunidades não são iguais para todas as mulheres, limitando a sua identificação com as

lutas feministas, muito embora o feminismo seja um movimento que busca benefícios à

condição social feminina em geral.

Em seu cotidiano de dificuldades socioeconômicas, as mulheres das camadas

sociais mais populares muito dificilmente se sensibilizaram com as bandeiras feministas que

contestam a superioridade masculina enraizada na sociedade. Dessa maneira, consideramos

92

que a identificação com o feminismo pressupõe recursos de ordem material e simbólica não

acessíveis por todas as pessoas, sensibilizando mulheres com um significativo grau de

educação, ou experiência cosmopolita e em grande medida pertencentes às camadas sociais

médias, como no caso de nossas entrevistadas e as militantes às quais tivemos acesso nos

jornais que, ou estavam em processo de formação universitária, ou já possuíam educação

superior, algumas delas com especialização cursada em outros centros do país.

As feministas maranhenses possuíam muita liberdade para se expressarem na

imprensa jornalística, pois verificamos na documentação compulsada convites de eventos,

reuniões e passeatas, além da exposição de opinião sobre os assuntos que diziam respeito às

mulheres e ainda em manifestações de críticas ao poder público. A imprensa pareceu muito

alinhada ao feminismo em âmbito nacional, visto que publicava matérias referentes à atuação

feminista em outros estados brasileiros, inclusive no que toca assuntos polêmicos, aqueles que

contestam valores tradicionais, como o aborto, a sexualidade e a maternidade como uma

opção.

Diferente das mulheres do início do século XX, que pouco se posicionaram em

relação às reivindicações pelo voto ou qualquer outra bandeira feminina, as militantes

maranhenses saíram do silêncio que as anulava, contestando as relações hierarquizadas entre

os gêneros e apresentando-se como sujeitos da transformação da condição feminina. Não

devemos, no entanto, deixar de considerar que essas mulheres atuaram em um momento e em

condições bem mais propícias para as suas reivindicações, tendo em vista que a situação

feminina já havia passado por relevantes transformações e a sociedade se mostrava

consideravelmente mais aberta a novos valores.

Uma constatação faz-se relevante: nos jornais observamos quase nenhuma

utilização do termo “feminista” quando se referem às movimentações das militantes. Só

visualizamos o uso da palavra pelos próprios grupos. Apontamos como uma possível

explicação, a conotação negativa associada ao feminismo, resultado de uma potente reação

antifeminista que promoveu um desgaste de significado do termo, transformando suas

militantes em sinônimo de mulheres feias, machonas e mal-amadas.209

Através dos relatos pudemos perceber ainda que embora os grupos atuantes em

São Luís tenham constituído laços de solidariedade entre si, momentos em que se

mobilizaram conjuntamente, as particularidades de cada organização não deixaram de existir.

209 DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura. Estud. av., São Paulo, v. 17, n. 49, set./dez. 2003.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php>. Acesso em: 5 jul. 2007.

93

Como vimos, enquanto um privilegiou a imprensa como estratégia de ação e a movimentação

pública, outros se dedicaram às discussões e reflexões sobre a condição feminina, além disso,

uns tentaram construir relações menos hierárquicas e outros já se baseavam na estrutura dos

partidos e sindicatos. Isso nos leva a inferir que o movimento feminista não é um movimento

homogêneo, nem mesmo dentro de uma mesma realidade espacial.

Apesar das inquestionáveis conquistas engendradas pelo feminismo no Maranhão,

acreditamos que a luta feminista não acabou. São muitas as bandeiras conquistadas, como a

participação na determinação da igualdade jurídica entre homens e mulheres no plano

normativo, a Delegacia Especial Feminina, a politização do privado, no entanto, ainda

persistem os nichos machistas e patriarcais, pois as fronteiras do feminino e masculino se

deslocam, mas continuam deixando intacta a hierarquia social que confere superioridade ao

masculino.

Dessa maneira alguns questionamentos são colocados ao feminismo maranhense:

a igualdade jurídica levou as mulheres maranhenses ao exercício pleno de seus direitos?

Sejam negras ou brancas, elas percebem os mesmos salários para funções igualmente

exercidas pelos homens? E no que se refere aos cargos de maior responsabilidade, como

visualizamos a presença feminina? No que tange a violência, além da visualização desse

problema enfrentado pelas mulheres, que outros aspectos positivos a instalação da delegacia

representou, considerando que os índices de registros de denúncias só vêm aumentando: 3.296

denúncias no ano de 1988, número que subiu para 5.777 em 1991.210

A partir disso, consideramos que embora as bandeiras conquistadas pelo

feminismo representem transformações importantes na condição feminina, as conquistas

sociais nem sempre são estáveis e dependem da continuidade, da firmeza e da intensidade da

pressão das pessoas envolvidas. Embora seja evidente que as estratégias de manifestações

públicas não fazem parte da atuação feminista no atual momento, não vemos o feminismo

como movimento ultrapassado. Entendemos essa realidade como um refluxo das mobilizações

públicas e a criação de novas estratégias de atuação, tendo em vista a ampliação do espaço

democrático.

210 FERREIRA, Maria Mary. Movimento Feminista e Políticas Públicas. In: FERREIRA, Maria Mary (Org.).

Mulher, Gênero e Políticas Públicas. São Luís: Grupo de Mulheres da Ilha, 1999.

94

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100

APÊNDICES

101

APÊNDICE A - Relação das entrevistadas

Ieda Cutrim Batista – Grupo de Mulheres da Ilha

Maria Mary Ferreira – Grupo de Mulheres da Ilha

Sandra Sousa Nascimento – Espaço Mulher

Maria Lúcia do Sagrado Jesus – Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa

Florilena Gomes Aranha – Sindicalista

102

APÊNDICE B - Roteiro de Entrevistas

Dados pessoais

Nome Local e data de nascimento Profissão da entrevistada Profissão dos pais (participavam de algum movimento?) Educação: local e tipo (religiosa, leiga, pública, mista, nível superior) Estado civil: Filhos?

1. Que posicionamento a sua família tomava em relação à educação e trabalho da

mulher? Lembra-se de algum fato ocorrido que demonstre a posição da família?

2. Quando começou a trabalhar?

3. A senhora poderia nos dizer que motivos e influências a fizeram ter uma profissão e

como isso ocorreu? Foi espontâneo ou dirigido?

4. Porque e quando você entrou para o movimento sindical? (para a sindicalista Florilena

Aranha)

5. Quais as suas percepções sobre a mulher na sociedade?

6. Como e quando a senhora tomou conhecimento do feminismo?

7. Como a senhora definiria o feminismo? O que é ser feminista?

8. Por que a senhora não entrou para um grupo feminista? ( para a sindicalista Florilena

Aranha)

9. Como era a sua atuação junto ao movimento feminista de São Luís?

10. A senhora poderia relatar como acontecia a realização dos eventos, a participação em

eventos feministas?

11. Quais as reivindicações do feminismo realizadas durante a década de 80? Qual a

estratégia de luta do movimento durante a década de 80? E a estratégia atual?

12. Considerando que no início da década de 80 o país ainda vivia sob o regime militar,

embora em processo de abertura, e que, além disso, havia uma forte opinião

conservadora que cuidou em deformar a imagem e o sentido do feminismo, como a

senhora avalia a recepção da sociedade maranhense às feministas?

13. A senhora poderia relatar como seus familiares, amigos, colegas de trabalho reagiram

quando da sua entrada para o movimento sindical e assumiu ser feminista?

14. Como era a relação as feministas com o Estado?Havia um interesse em se

institucionalizar? Qual o posicionamento dos governantes, políticos para com o

movimento feminista?

103

15. Em artigo intitulado História das mulheres: as vozes do silêncio, Mary Del Priore é

pontual ao dizer que o feminismo no Brasil inicialmente foi combativo e efervescente,

mas que encontra-se hoje num estado de contradições e interrogações. A senhora

compartilha com essa visão? Por que?

16. O que a senhora consideraria como conquista do grupo? E o que consideraria como

fracasso?

17. A que classe social a maioria das participantes pertenciam?

18. Que momento da sua trajetória no grupo a senhora considera como o que mais lhe

marcou? Por que?

19. Como o grupo se sustentava?

20. Na sua opinião o movimento feminista no Maranhão é um movimento de mudança

social no sentido considerado mais radical que é o da desnaturalização transformação

dos papéis ditados para os homens e mulheres pela sociedade ou age mais na

reivindicação imediata?

21. (Se tem filhos) Considerando que o feminismo além de um pensamento, também é

uma prática, como a senhora avalia as relações com os filhos?

104

Araújo, Ana Lígia Alves de. Mulheres em luta: memória e história do feminismo na São Luís dos anos 80/ Ana Lígia Alves de Araújo. – São Luís, 2007. 104 f.: il. Monografia (Graduação em História) – Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2007. 1. Anos 80. 2. Feminismo no Maranhão 3. História oral. 4. Memória. I. Título

CDU 396:316.482.3(812.1)“1980”