prisioneiros do silÊncio: livro reportagem sobre a...

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PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a Comunicação Relegada * Célia Mota Universidade de Cuiabá – UNIC Índice Introdução ............................. 3 1 Gênero Informativo ...................... 7 1.1 Relação Sentimental entre Leitor e Texto .......... 9 2 Reportagem e Jornalismo Literário: primo-irmãos ...... 10 2.1 Livro Reportagem é Informação com Arte ......... 14 3 Dar Voz a Quem Não Ouve .................. 19 4 A Comunicação Além da Oralidade ............. 22 5 O Que é Ser Surdo? ...................... 26 5.1 Para Entender o Processo .................. 26 5.2 Deficiência Auditiva tem Cura? ............... 32 5.2.1 Implante Coclear ..................... 33 6 O Surdo Pelo Surdo ...................... 35 6.1 Essa Língua tem História .................. 40 6.1.1 Que libras é essa? ..................... 43 6.1.2 Ler lábios é ver vozes ................... 46 * Revisão bibliográfica de monografia, orientada pela prof. a Ms. Juliana Velasco e o prof. Esp. Sérgio Maiolini, apresentada na disciplina TCC1 para obtenção do título de bacharel em Jornalismo. Estudante do 7 o semestre da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Cuiabá – Unic.

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PRISIONEIROS DO SILEcircNCIOLivro Reportagem sobre a Comunicaccedilatildeo

Relegadalowast

Ceacutelia Motadagger

Universidade de Cuiabaacute ndash UNIC

IacutendiceIntroduccedilatildeo 31 Gecircnero Informativo 711 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto 92 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos 1021 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte 143 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve 194 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade 225 O Que eacute Ser Surdo 2651 Para Entender o Processo 2652 Deficiecircncia Auditiva tem Cura 32521 Implante Coclear 33

6 O Surdo Pelo Surdo 3561 Essa Liacutengua tem Histoacuteria 40611 Que libras eacute essa 43612 Ler laacutebios eacute ver vozes 46lowastRevisatildeo bibliograacutefica de monografia orientada pela profa Ms Juliana Velasco e

o prof Esp Seacutergio Maiolini apresentada na disciplina TCC1 para obtenccedilatildeo do tiacutetulode bacharel em JornalismodaggerEstudante do 7o semestre da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Cuiabaacute

ndash Unic

2 Ceacutelia Mota

613 Como eacute que se diz 4762 Ser Bilingue eacute 51621 As raiacutezes do bilinguismo 5263 Codas uma Ponte Entre dois Mundos 547 Materiais e Meacutetodos 59Consideraccedilotildees Finais 59Referecircncias 61

Resumo

A construccedilatildeo da notiacutecia eacute a mesma utilizada para produzir um livro-reportagem pauta extensa pesquisa entrevistas e documentaccedilatildeo abun-dante a fim de mostrar ao leitor uma narrativa envolvente e idocircneaNesse sentido esta monografia que teve orientaccedilatildeo da prof Ms Ju-liana Velasco e do prof Esp Seacutergio Maiolini discute todas essas fasesnecessaacuterias para construir um livro-reportagem sobre surdos denomi-nado ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Na etapa de revisatildeo de literatura foinecessaacuterio abordar duas temaacuteticas centrais linguagem do jornalismoliteraacuterio e Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras) A primeira por permi-tir maior liberdade na escolha do tema tempo espaccedilo e da narrativa(formal ou coloquial) Jaacute a segunda por elucidar o universo dos atoresdesta pesquisa exploratoacuteria Ao todo foram eleitos trecircs personagens dosEstados da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Acoleta de dados vai ser finalizada no segundo semestre de 2011 O livro-reportagem que se discute aqui eacute do subgecircnero retrato e seraacute analisadocom teacutecnicas qualitativas e quantitativas Este estudo espera contribuircom discussotildees em torno das produccedilotildees especializadas no acircmbito dasescolas de Comunicaccedilatildeo Ressalta ainda a comunicaccedilatildeo entre falantes(ouvinte e surdo) e as dificuldades ou ruiacutedos de um diaacutelogo entre emis-sor e receptor na sociedade contemporacircnea

Palavras-chave Reportagem Livro- reportagem Surdez LibrasOralidade

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Introduccedilatildeo

REFLEXAtildeO e valor documental satildeo caracteriacutesticas fundamentais deuma reportagem Esse gecircnero jornaliacutestico tem a funccedilatildeo de trans-

mitir determinada informaccedilatildeo de maneira praacutetica e precisa sobre fatosamparados pelos tripeacutes da apuraccedilatildeo pesquisa entrevista checagem ere-checagem Espera-se que a mensagem transmitida seja de alta fide-lidade e que represente de forma inquestionaacutevel as ideias aspiraccedilotildeese duacutevidas apresentadas no texto ou discurso Caso contraacuterio podehaver distorccedilotildees e erros de interpretaccedilatildeo que comprometam o objetivoda mensagem provocando o que os comunicadores costumam chamarde ruiacutedo1

Natildeo haacute como falar desse conceito sem que se fale em fidelidade Satildeosentidos opostos mas dependentes Eliminar imprecisotildees ou incoerecircn-cias resulta em aumentar a fidelidade assim como a produccedilatildeo de ruiacutedorestringe a fidelidade Berlo (2003 p 41) diz que parte da literatura decomunicaccedilatildeo fala em ruiacutedo parte em fidelidade Seja qual for o roacutetuloo problema seraacute o mesmo Por isso eacute preciso cuidado ao transmitir umanotiacutecia Na acircnsia de dar ldquoo furordquo vaacuterios repoacuterteres respeitados cometemerros agraves vezes irreversiacuteveis

Para que o jornalista natildeo se envolva em situaccedilotildees desagradaacuteveisexiste uma regra fundamental apurar os fatos ouvir vaacuterias versotildees damesma pergunta e comparar respostas Assim a reportagem deve adotarum ponto de vista distanciado e global aleacutem de propor questionamentosobre o fenocircmeno tratado Ainda que difiacutecil pois eacute uma regra questio-nada por vaacuterios pesquisadores exigi-se do repoacuterter a imparcialidade

Todo processo de construccedilatildeo da notiacutecia se repete na produccedilatildeo dolivro-reportagem desde a pauta ateacute documentaccedilatildeo sobre o assunto Eacutesobre esse aspecto que este estudo aponta os diversos subgecircneros e asdificuldades de construir um livro-reportagem Espera-se aprofundar odebate sobre o conteuacutedo e linguagem do texto literaacuterio que por sua vez eacutetatildeo jornaliacutestico jaacute que cumpre a funccedilatildeo de informar explicar e orientarMas por outro lado a praacutetica do jornalismo literaacuterio permite maior

1Eacute a falha na transmissatildeo da mensagem provocada por ideias confusas escritaincorreta ou mesmo erros teacutecnicos (som e imagem) no caso dos veiacuteculos de comuni-caccedilatildeo

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liberdade na escolha do tema tempo espaccedilo e da narrativa (formal oucoloquial)

O livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo2 mostra uma reflexatildeosobre a comunicaccedilatildeo natildeo verbal e a dificuldade em se comunicar natildeosendo sujeito praticante da linguagem oral e ouvinte Por meio dashistoacuterias de vida e do olhar de trecircs personagens distintos ndash uma matildeede surdo de Minas Gerais o presidente do Centro de Surdos da Bahia(Cesba) tambeacutem surdo e um professorinteacuterprete de libras de Cuiabaacutendash espera-se construir um retrato que possa delinear o panorama da co-municaccedilatildeo por meio da Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras) Tambeacutemsatildeo mostrados preconceitos e violecircncias que ouvintes impotildeem aos sur-dos a fim de forccedilar os mesmos a apreensatildeo da liacutengua falada Aleacutem dasdificuldades enfrentadas por eles no acircmbito familiar e social

Inicialmente a monografia foi dividida em quatro partes e a ordemdos toacutepicos procura seguir a mesma dialeacutetica de construccedilatildeo do livro-reportagem conceito de reportagem jornalismo literaacuterio algumas de-finiccedilotildees do subgecircnero livro-reportagem e detalhes sobre o esboccedilo dolivro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo produto do Trabalho deConclusatildeo de Curso (TCC-2) a ser apresentado no final de 2011 naUniversidade de Cuiabaacute (Unic)

Esta pesquisa analisa como se daacute a comunicaccedilatildeo entre surdos Comisso eacute possiacutevel identificar as vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo natildeo verbala utilizaccedilatildeo da Liacutengua dos Sinais (Libras) e sua eficaacutecia a aceitaccedilatildeodessa liacutengua pela sociedade e as relaccedilotildees sociais dos surdos com ou-tros surdos e surdos com ouvintes A Liacutengua de Sinais (Libras) possuigramaacutetica proacutepria e eacute utilizada pelos surdos como liacutengua oficial Aleacutemde ser reconhecida e oficializada pelo governo federal como liacutengua ma-terna eacute regulamentada pelo Decreto n 5626 de 22122005 atraveacutesda Lei no 10436 de 2442002 No entanto natildeo eacute acolhida pela so-ciedade que a desconhece e ignora Isso obriga os surdos a usarem ou-tros paliativos (como leitura labial por exemplo) para estabelecer umacomunicaccedilatildeo sem qualquer reciprocidade por parte dos ouvintes Talato resulta em ruiacutedos e ineficaacutecia na emissatildeo e recepccedilatildeo das mensagens

2Produto final do projeto que estaacute em desenvolvimento para compor a segundaetapa do Trabalho de Conclusatildeo do Curso de Jornalismo (20112) exigido pela Facul-dade de Comunicaccedilatildeo da Universidade de Cuiabaacute (Unic)

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Assim fica evidente a barreira comunicacional imposta aos surdos pelacomunidade ouvinte

Mostrar o quanto a Libras eacute importante para a comunicaccedilatildeo noBrasil localizar os entraves que impedem os surdos de terem uma co-municaccedilatildeo eficiente e analisar as causas eacute o objetivo geral dessa pesqui-sa Mais especificamente pretende-se investigar as origens dos ruiacutedosna comunicaccedilatildeo entre surdos e ouvintes ponderar as formas utilizadaspelos surdos para enviar receber e disseminar mensagens observar sea Libras eacute entendida utilizada e apreendida pelos ouvintes mais proacute-ximos aos surdos e constatar se haacute rejeiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais pelasociedade

Para melhor compreensatildeo do leitor o trabalho foi dividido em toacutepi-cos primeiro um esclarecimento acerca do que seja reportagem paraem um segundo momento explanar sobre Jornalismo literaacuterio Por fimsatildeo apresentados detalhes sobre o esboccedilo do projeto livro-reportagemacerca da comunicaccedilatildeo entre surdos Na captura de boa qualidade lite-raacuteria foram selecionadas as histoacuterias de vida de trecircs personagens paraservirem de fio condutor das informaccedilotildees e teorias expostas no livroSatildeo eles Iolanda Xavier 66 dona de casa do interior de Minas Geraismatildee de um casal de filhos surdos Marli 42 e Marcos 32 sendo queo rapaz possui doenccedila mental (Disritmia) Everaldo Pereira dos San-tos 51 que nasceu surdo eacute vice-presidente do Centro de Surdos daBahia (Cesba) eacute casado com uma deficiente auditiva com quem teveum filho ouvinte que estaacute com 15 anos O terceiro personagem seraacutemato-grossense professor de Libras profissional que trabalha com adeficiecircncia auditiva Assim poderaacute esclarecer de forma mais imparcialalgumas duacutevidas sobre convivecircncia entre surdos e ouvintes relaccedilatildeo emsociedade se existe espaccedilo no mercado de trabalho para os surdos ecomo satildeo tratados no mercado de consumo Assim fecha-se um ciacuter-culo que desenha o retrato da comunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircsolhares distintos Inicialmente foi realizada pesquisa de campo paraentrevistar os personagens e colher documentos e fotografias Ateacute a uacutel-tima apresentaccedilatildeo em janeiro de 2012 deveratildeo ser concluiacutedas todas ashistoacuterias e documentaccedilatildeo referente a esse livro-reportagem

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo e servir de embasamentoteoacuterico deste trabalho seratildeo utilizadas teorias de pesquisadores reno-

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mados nesta aacuterea de estudo Alguns deles satildeo Flora Davis (1979)Alex Curione (2004) Santana e Beacutergamo (2005) Mailce Mota (2008)Grolla (2009) Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) Eles traccedilamum perfil da identidade surda mostrando as expectativas e anseios dessepuacuteblico Na uacuteltima etapa seraacute realizado um segundo trabalho de campoNova bateria de entrevistas com os personagens seraacute necessaacuteria Aleacutemde mais documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotos viacutedeos e outros) apu-raccedilatildeo atualizaccedilatildeo dos fatos e localizaccedilatildeo do personagem que aindafalta Essas tarefas demandam a realizaccedilatildeo de viagens para Salvadoronde mora Everaldo Santos e Minas Gerais casa de Iolanda Fonsecadedicaccedilatildeo curiosidade e teacutecnica na coleta de dados cuidados redobra-dos aos detalhes aleacutem de compromisso com as fontes respeito ao leitore pontualidade no deadline3

Tal anaacutelise justifica-se pelo fato de que uma parcela consideraacutevelda sociedade brasileira (145 de acordo com o censo de 2000) eacute dedeficientes entre eles mais de cinco milhotildees satildeo surdos Mas esse casoeacute desconhecido por quem natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo familiar ou amizadecom algum deficiente auditivo Vivemos na cultura do egoiacutesmo ou sejase natildeo possuiacutemos carecircncia alguma e nem temos parentes ou amigos quenecessitem de atenccedilatildeo especial sequer lembramos que a deficiecircncia eacuteuma realidade proacutexima

Por meio dessa revisatildeo de literatura foi possiacutevel chegar a algunsresultados e talvez o mais inquietante seja relativo aos entraves comu-nicacionais e o convencionalismo que ronda a comunidade surda e acomunicaccedilatildeo atraveacutes da LibrasOs surdos tecircm lutado contra os estigmasda patologia da mudez alegoacuterica ndash que vem junto com a surdez atraveacutesda denominaccedilatildeo ldquosurdo-mudordquo ndash imposta pela falta de informaccedilatildeo e dadiscriminaccedilatildeo Natildeo satildeo respeitados e tratados como pessoas normaisHaacute um (preacute) conceito na sociedade de que o deficiente seja improdu-tivo incapaz e humanamente inferior Poreacutem os surdos lutam contra osequiacutevocos causados por essa marca que acompanha a surdez desde suaorigem

Essa luta natildeo conta com o apoio da sociedade da miacutedia ou sequerde uma liacutengua abrangente compreendida e utilizada pela maioria Natildeoeacute assunto discutido e questionado nas rodas de bate-papo nem ilustradonas tramas de novelas ou seriados pois os surdos satildeo considerados

3Prazo final para a entrega do trabalho

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menos importantes menos polecircmicos Mas isso natildeo os desmotiva oudesencoraja Eles natildeo desistem porque o esforccedilo natildeo eacute somente paraextinguir preconceitos roacutetulos e arcaiacutesmos e sim um retrato construiacutedopelo imaginaacuterio coletivo haacute seacuteculos Eacute preciso mais do que toleracircnciae aceitaccedilatildeo Os surdos necessitam ser entendidos e compreendidos nasua proacutepria liacutengua primaacuteria a Libras Por isso numa eacutepoca em que sefala tanto em liberdade de expressatildeo no jornalismo e de defesa das mi-norias nada mais justificaacutevel do que um livro-reportagem que decirc voz aquem natildeo possui os mesmos direitos nem liberdades quando o assuntoeacute comunicaccedilatildeo e expressatildeo

Muitas vezes o entrave agrave aprendizagem e disseminaccedilatildeo da Liacutenguados sinais comeccedila em casa e eacute imposto pelos pais e fonoaudioacutelogosEles acreditam que permitir a comunicaccedilatildeo por meio dos gestos iraacute pre-judicar a oralidade do deficiente auditivo No entanto essa atitude acar-reta em atraso e frustraccedilatildeo para quem estaacute agrave sua mercecirc O pedagogoAleacutex Curione (2004) pede que se faccedila uma reflexatildeo sobre esse assuntoldquoSeraacute que uma crianccedila Surda que nasce numa famiacutelia de pais ouvintesteraacute condiccedilotildees de se desenvolver plenamente adquirindo uma liacutengua demodalidade oral-auditivardquo E ele mesmo esclarece que isso natildeo eacute pos-siacutevel Pois essa crianccedila natildeo teraacute as mesmas condiccedilotildees e apresentaraacutefalhas nessa aquisiccedilatildeo Entre as piores consequecircncias que isso acar-reta estatildeo os problemas no desenvolvimento da aprendizagem (atrasocognitivo) A pessoa que natildeo eacute exposta adequadamente a uma liacutenguanatural acaba prejudicada na construccedilatildeo do conhecimento e da proacutepriaidentidade

1 Gecircnero InformativoNum primeiro momento os textos foram classificados em explicativosopinativos entretenimento e informativos Hoje satildeo divididos em textosnarrativos descritivos e argumentativos Na classificaccedilatildeo jornaliacutestica areportagem eacute rotulada como gecircnero informativo e quase sempre segueas regras que enquadram esse modelo

Adair Bonini (2006 p 66) define que ldquoa reportagem [] podese parecer com uma notiacutecia com um perfil ou com uma entrevistardquoNo entanto vaacuterios estudiosos trazem a entrevista junto com apuraccedilatildeoe pesquisa como elementos fundamentais para uma boa reportagem

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Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

annalliablogmaos_falamjpg

Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 2: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

2 Ceacutelia Mota

613 Como eacute que se diz 4762 Ser Bilingue eacute 51621 As raiacutezes do bilinguismo 5263 Codas uma Ponte Entre dois Mundos 547 Materiais e Meacutetodos 59Consideraccedilotildees Finais 59Referecircncias 61

Resumo

A construccedilatildeo da notiacutecia eacute a mesma utilizada para produzir um livro-reportagem pauta extensa pesquisa entrevistas e documentaccedilatildeo abun-dante a fim de mostrar ao leitor uma narrativa envolvente e idocircneaNesse sentido esta monografia que teve orientaccedilatildeo da prof Ms Ju-liana Velasco e do prof Esp Seacutergio Maiolini discute todas essas fasesnecessaacuterias para construir um livro-reportagem sobre surdos denomi-nado ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Na etapa de revisatildeo de literatura foinecessaacuterio abordar duas temaacuteticas centrais linguagem do jornalismoliteraacuterio e Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras) A primeira por permi-tir maior liberdade na escolha do tema tempo espaccedilo e da narrativa(formal ou coloquial) Jaacute a segunda por elucidar o universo dos atoresdesta pesquisa exploratoacuteria Ao todo foram eleitos trecircs personagens dosEstados da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Acoleta de dados vai ser finalizada no segundo semestre de 2011 O livro-reportagem que se discute aqui eacute do subgecircnero retrato e seraacute analisadocom teacutecnicas qualitativas e quantitativas Este estudo espera contribuircom discussotildees em torno das produccedilotildees especializadas no acircmbito dasescolas de Comunicaccedilatildeo Ressalta ainda a comunicaccedilatildeo entre falantes(ouvinte e surdo) e as dificuldades ou ruiacutedos de um diaacutelogo entre emis-sor e receptor na sociedade contemporacircnea

Palavras-chave Reportagem Livro- reportagem Surdez LibrasOralidade

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Prisioneiros do Silecircncio 3

Introduccedilatildeo

REFLEXAtildeO e valor documental satildeo caracteriacutesticas fundamentais deuma reportagem Esse gecircnero jornaliacutestico tem a funccedilatildeo de trans-

mitir determinada informaccedilatildeo de maneira praacutetica e precisa sobre fatosamparados pelos tripeacutes da apuraccedilatildeo pesquisa entrevista checagem ere-checagem Espera-se que a mensagem transmitida seja de alta fide-lidade e que represente de forma inquestionaacutevel as ideias aspiraccedilotildeese duacutevidas apresentadas no texto ou discurso Caso contraacuterio podehaver distorccedilotildees e erros de interpretaccedilatildeo que comprometam o objetivoda mensagem provocando o que os comunicadores costumam chamarde ruiacutedo1

Natildeo haacute como falar desse conceito sem que se fale em fidelidade Satildeosentidos opostos mas dependentes Eliminar imprecisotildees ou incoerecircn-cias resulta em aumentar a fidelidade assim como a produccedilatildeo de ruiacutedorestringe a fidelidade Berlo (2003 p 41) diz que parte da literatura decomunicaccedilatildeo fala em ruiacutedo parte em fidelidade Seja qual for o roacutetuloo problema seraacute o mesmo Por isso eacute preciso cuidado ao transmitir umanotiacutecia Na acircnsia de dar ldquoo furordquo vaacuterios repoacuterteres respeitados cometemerros agraves vezes irreversiacuteveis

Para que o jornalista natildeo se envolva em situaccedilotildees desagradaacuteveisexiste uma regra fundamental apurar os fatos ouvir vaacuterias versotildees damesma pergunta e comparar respostas Assim a reportagem deve adotarum ponto de vista distanciado e global aleacutem de propor questionamentosobre o fenocircmeno tratado Ainda que difiacutecil pois eacute uma regra questio-nada por vaacuterios pesquisadores exigi-se do repoacuterter a imparcialidade

Todo processo de construccedilatildeo da notiacutecia se repete na produccedilatildeo dolivro-reportagem desde a pauta ateacute documentaccedilatildeo sobre o assunto Eacutesobre esse aspecto que este estudo aponta os diversos subgecircneros e asdificuldades de construir um livro-reportagem Espera-se aprofundar odebate sobre o conteuacutedo e linguagem do texto literaacuterio que por sua vez eacutetatildeo jornaliacutestico jaacute que cumpre a funccedilatildeo de informar explicar e orientarMas por outro lado a praacutetica do jornalismo literaacuterio permite maior

1Eacute a falha na transmissatildeo da mensagem provocada por ideias confusas escritaincorreta ou mesmo erros teacutecnicos (som e imagem) no caso dos veiacuteculos de comuni-caccedilatildeo

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liberdade na escolha do tema tempo espaccedilo e da narrativa (formal oucoloquial)

O livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo2 mostra uma reflexatildeosobre a comunicaccedilatildeo natildeo verbal e a dificuldade em se comunicar natildeosendo sujeito praticante da linguagem oral e ouvinte Por meio dashistoacuterias de vida e do olhar de trecircs personagens distintos ndash uma matildeede surdo de Minas Gerais o presidente do Centro de Surdos da Bahia(Cesba) tambeacutem surdo e um professorinteacuterprete de libras de Cuiabaacutendash espera-se construir um retrato que possa delinear o panorama da co-municaccedilatildeo por meio da Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras) Tambeacutemsatildeo mostrados preconceitos e violecircncias que ouvintes impotildeem aos sur-dos a fim de forccedilar os mesmos a apreensatildeo da liacutengua falada Aleacutem dasdificuldades enfrentadas por eles no acircmbito familiar e social

Inicialmente a monografia foi dividida em quatro partes e a ordemdos toacutepicos procura seguir a mesma dialeacutetica de construccedilatildeo do livro-reportagem conceito de reportagem jornalismo literaacuterio algumas de-finiccedilotildees do subgecircnero livro-reportagem e detalhes sobre o esboccedilo dolivro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo produto do Trabalho deConclusatildeo de Curso (TCC-2) a ser apresentado no final de 2011 naUniversidade de Cuiabaacute (Unic)

Esta pesquisa analisa como se daacute a comunicaccedilatildeo entre surdos Comisso eacute possiacutevel identificar as vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo natildeo verbala utilizaccedilatildeo da Liacutengua dos Sinais (Libras) e sua eficaacutecia a aceitaccedilatildeodessa liacutengua pela sociedade e as relaccedilotildees sociais dos surdos com ou-tros surdos e surdos com ouvintes A Liacutengua de Sinais (Libras) possuigramaacutetica proacutepria e eacute utilizada pelos surdos como liacutengua oficial Aleacutemde ser reconhecida e oficializada pelo governo federal como liacutengua ma-terna eacute regulamentada pelo Decreto n 5626 de 22122005 atraveacutesda Lei no 10436 de 2442002 No entanto natildeo eacute acolhida pela so-ciedade que a desconhece e ignora Isso obriga os surdos a usarem ou-tros paliativos (como leitura labial por exemplo) para estabelecer umacomunicaccedilatildeo sem qualquer reciprocidade por parte dos ouvintes Talato resulta em ruiacutedos e ineficaacutecia na emissatildeo e recepccedilatildeo das mensagens

2Produto final do projeto que estaacute em desenvolvimento para compor a segundaetapa do Trabalho de Conclusatildeo do Curso de Jornalismo (20112) exigido pela Facul-dade de Comunicaccedilatildeo da Universidade de Cuiabaacute (Unic)

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Assim fica evidente a barreira comunicacional imposta aos surdos pelacomunidade ouvinte

Mostrar o quanto a Libras eacute importante para a comunicaccedilatildeo noBrasil localizar os entraves que impedem os surdos de terem uma co-municaccedilatildeo eficiente e analisar as causas eacute o objetivo geral dessa pesqui-sa Mais especificamente pretende-se investigar as origens dos ruiacutedosna comunicaccedilatildeo entre surdos e ouvintes ponderar as formas utilizadaspelos surdos para enviar receber e disseminar mensagens observar sea Libras eacute entendida utilizada e apreendida pelos ouvintes mais proacute-ximos aos surdos e constatar se haacute rejeiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais pelasociedade

Para melhor compreensatildeo do leitor o trabalho foi dividido em toacutepi-cos primeiro um esclarecimento acerca do que seja reportagem paraem um segundo momento explanar sobre Jornalismo literaacuterio Por fimsatildeo apresentados detalhes sobre o esboccedilo do projeto livro-reportagemacerca da comunicaccedilatildeo entre surdos Na captura de boa qualidade lite-raacuteria foram selecionadas as histoacuterias de vida de trecircs personagens paraservirem de fio condutor das informaccedilotildees e teorias expostas no livroSatildeo eles Iolanda Xavier 66 dona de casa do interior de Minas Geraismatildee de um casal de filhos surdos Marli 42 e Marcos 32 sendo queo rapaz possui doenccedila mental (Disritmia) Everaldo Pereira dos San-tos 51 que nasceu surdo eacute vice-presidente do Centro de Surdos daBahia (Cesba) eacute casado com uma deficiente auditiva com quem teveum filho ouvinte que estaacute com 15 anos O terceiro personagem seraacutemato-grossense professor de Libras profissional que trabalha com adeficiecircncia auditiva Assim poderaacute esclarecer de forma mais imparcialalgumas duacutevidas sobre convivecircncia entre surdos e ouvintes relaccedilatildeo emsociedade se existe espaccedilo no mercado de trabalho para os surdos ecomo satildeo tratados no mercado de consumo Assim fecha-se um ciacuter-culo que desenha o retrato da comunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircsolhares distintos Inicialmente foi realizada pesquisa de campo paraentrevistar os personagens e colher documentos e fotografias Ateacute a uacutel-tima apresentaccedilatildeo em janeiro de 2012 deveratildeo ser concluiacutedas todas ashistoacuterias e documentaccedilatildeo referente a esse livro-reportagem

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo e servir de embasamentoteoacuterico deste trabalho seratildeo utilizadas teorias de pesquisadores reno-

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mados nesta aacuterea de estudo Alguns deles satildeo Flora Davis (1979)Alex Curione (2004) Santana e Beacutergamo (2005) Mailce Mota (2008)Grolla (2009) Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) Eles traccedilamum perfil da identidade surda mostrando as expectativas e anseios dessepuacuteblico Na uacuteltima etapa seraacute realizado um segundo trabalho de campoNova bateria de entrevistas com os personagens seraacute necessaacuteria Aleacutemde mais documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotos viacutedeos e outros) apu-raccedilatildeo atualizaccedilatildeo dos fatos e localizaccedilatildeo do personagem que aindafalta Essas tarefas demandam a realizaccedilatildeo de viagens para Salvadoronde mora Everaldo Santos e Minas Gerais casa de Iolanda Fonsecadedicaccedilatildeo curiosidade e teacutecnica na coleta de dados cuidados redobra-dos aos detalhes aleacutem de compromisso com as fontes respeito ao leitore pontualidade no deadline3

Tal anaacutelise justifica-se pelo fato de que uma parcela consideraacutevelda sociedade brasileira (145 de acordo com o censo de 2000) eacute dedeficientes entre eles mais de cinco milhotildees satildeo surdos Mas esse casoeacute desconhecido por quem natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo familiar ou amizadecom algum deficiente auditivo Vivemos na cultura do egoiacutesmo ou sejase natildeo possuiacutemos carecircncia alguma e nem temos parentes ou amigos quenecessitem de atenccedilatildeo especial sequer lembramos que a deficiecircncia eacuteuma realidade proacutexima

Por meio dessa revisatildeo de literatura foi possiacutevel chegar a algunsresultados e talvez o mais inquietante seja relativo aos entraves comu-nicacionais e o convencionalismo que ronda a comunidade surda e acomunicaccedilatildeo atraveacutes da LibrasOs surdos tecircm lutado contra os estigmasda patologia da mudez alegoacuterica ndash que vem junto com a surdez atraveacutesda denominaccedilatildeo ldquosurdo-mudordquo ndash imposta pela falta de informaccedilatildeo e dadiscriminaccedilatildeo Natildeo satildeo respeitados e tratados como pessoas normaisHaacute um (preacute) conceito na sociedade de que o deficiente seja improdu-tivo incapaz e humanamente inferior Poreacutem os surdos lutam contra osequiacutevocos causados por essa marca que acompanha a surdez desde suaorigem

Essa luta natildeo conta com o apoio da sociedade da miacutedia ou sequerde uma liacutengua abrangente compreendida e utilizada pela maioria Natildeoeacute assunto discutido e questionado nas rodas de bate-papo nem ilustradonas tramas de novelas ou seriados pois os surdos satildeo considerados

3Prazo final para a entrega do trabalho

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menos importantes menos polecircmicos Mas isso natildeo os desmotiva oudesencoraja Eles natildeo desistem porque o esforccedilo natildeo eacute somente paraextinguir preconceitos roacutetulos e arcaiacutesmos e sim um retrato construiacutedopelo imaginaacuterio coletivo haacute seacuteculos Eacute preciso mais do que toleracircnciae aceitaccedilatildeo Os surdos necessitam ser entendidos e compreendidos nasua proacutepria liacutengua primaacuteria a Libras Por isso numa eacutepoca em que sefala tanto em liberdade de expressatildeo no jornalismo e de defesa das mi-norias nada mais justificaacutevel do que um livro-reportagem que decirc voz aquem natildeo possui os mesmos direitos nem liberdades quando o assuntoeacute comunicaccedilatildeo e expressatildeo

Muitas vezes o entrave agrave aprendizagem e disseminaccedilatildeo da Liacutenguados sinais comeccedila em casa e eacute imposto pelos pais e fonoaudioacutelogosEles acreditam que permitir a comunicaccedilatildeo por meio dos gestos iraacute pre-judicar a oralidade do deficiente auditivo No entanto essa atitude acar-reta em atraso e frustraccedilatildeo para quem estaacute agrave sua mercecirc O pedagogoAleacutex Curione (2004) pede que se faccedila uma reflexatildeo sobre esse assuntoldquoSeraacute que uma crianccedila Surda que nasce numa famiacutelia de pais ouvintesteraacute condiccedilotildees de se desenvolver plenamente adquirindo uma liacutengua demodalidade oral-auditivardquo E ele mesmo esclarece que isso natildeo eacute pos-siacutevel Pois essa crianccedila natildeo teraacute as mesmas condiccedilotildees e apresentaraacutefalhas nessa aquisiccedilatildeo Entre as piores consequecircncias que isso acar-reta estatildeo os problemas no desenvolvimento da aprendizagem (atrasocognitivo) A pessoa que natildeo eacute exposta adequadamente a uma liacutenguanatural acaba prejudicada na construccedilatildeo do conhecimento e da proacutepriaidentidade

1 Gecircnero InformativoNum primeiro momento os textos foram classificados em explicativosopinativos entretenimento e informativos Hoje satildeo divididos em textosnarrativos descritivos e argumentativos Na classificaccedilatildeo jornaliacutestica areportagem eacute rotulada como gecircnero informativo e quase sempre segueas regras que enquadram esse modelo

Adair Bonini (2006 p 66) define que ldquoa reportagem [] podese parecer com uma notiacutecia com um perfil ou com uma entrevistardquoNo entanto vaacuterios estudiosos trazem a entrevista junto com apuraccedilatildeoe pesquisa como elementos fundamentais para uma boa reportagem

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Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 3: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 3

Introduccedilatildeo

REFLEXAtildeO e valor documental satildeo caracteriacutesticas fundamentais deuma reportagem Esse gecircnero jornaliacutestico tem a funccedilatildeo de trans-

mitir determinada informaccedilatildeo de maneira praacutetica e precisa sobre fatosamparados pelos tripeacutes da apuraccedilatildeo pesquisa entrevista checagem ere-checagem Espera-se que a mensagem transmitida seja de alta fide-lidade e que represente de forma inquestionaacutevel as ideias aspiraccedilotildeese duacutevidas apresentadas no texto ou discurso Caso contraacuterio podehaver distorccedilotildees e erros de interpretaccedilatildeo que comprometam o objetivoda mensagem provocando o que os comunicadores costumam chamarde ruiacutedo1

Natildeo haacute como falar desse conceito sem que se fale em fidelidade Satildeosentidos opostos mas dependentes Eliminar imprecisotildees ou incoerecircn-cias resulta em aumentar a fidelidade assim como a produccedilatildeo de ruiacutedorestringe a fidelidade Berlo (2003 p 41) diz que parte da literatura decomunicaccedilatildeo fala em ruiacutedo parte em fidelidade Seja qual for o roacutetuloo problema seraacute o mesmo Por isso eacute preciso cuidado ao transmitir umanotiacutecia Na acircnsia de dar ldquoo furordquo vaacuterios repoacuterteres respeitados cometemerros agraves vezes irreversiacuteveis

Para que o jornalista natildeo se envolva em situaccedilotildees desagradaacuteveisexiste uma regra fundamental apurar os fatos ouvir vaacuterias versotildees damesma pergunta e comparar respostas Assim a reportagem deve adotarum ponto de vista distanciado e global aleacutem de propor questionamentosobre o fenocircmeno tratado Ainda que difiacutecil pois eacute uma regra questio-nada por vaacuterios pesquisadores exigi-se do repoacuterter a imparcialidade

Todo processo de construccedilatildeo da notiacutecia se repete na produccedilatildeo dolivro-reportagem desde a pauta ateacute documentaccedilatildeo sobre o assunto Eacutesobre esse aspecto que este estudo aponta os diversos subgecircneros e asdificuldades de construir um livro-reportagem Espera-se aprofundar odebate sobre o conteuacutedo e linguagem do texto literaacuterio que por sua vez eacutetatildeo jornaliacutestico jaacute que cumpre a funccedilatildeo de informar explicar e orientarMas por outro lado a praacutetica do jornalismo literaacuterio permite maior

1Eacute a falha na transmissatildeo da mensagem provocada por ideias confusas escritaincorreta ou mesmo erros teacutecnicos (som e imagem) no caso dos veiacuteculos de comuni-caccedilatildeo

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liberdade na escolha do tema tempo espaccedilo e da narrativa (formal oucoloquial)

O livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo2 mostra uma reflexatildeosobre a comunicaccedilatildeo natildeo verbal e a dificuldade em se comunicar natildeosendo sujeito praticante da linguagem oral e ouvinte Por meio dashistoacuterias de vida e do olhar de trecircs personagens distintos ndash uma matildeede surdo de Minas Gerais o presidente do Centro de Surdos da Bahia(Cesba) tambeacutem surdo e um professorinteacuterprete de libras de Cuiabaacutendash espera-se construir um retrato que possa delinear o panorama da co-municaccedilatildeo por meio da Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras) Tambeacutemsatildeo mostrados preconceitos e violecircncias que ouvintes impotildeem aos sur-dos a fim de forccedilar os mesmos a apreensatildeo da liacutengua falada Aleacutem dasdificuldades enfrentadas por eles no acircmbito familiar e social

Inicialmente a monografia foi dividida em quatro partes e a ordemdos toacutepicos procura seguir a mesma dialeacutetica de construccedilatildeo do livro-reportagem conceito de reportagem jornalismo literaacuterio algumas de-finiccedilotildees do subgecircnero livro-reportagem e detalhes sobre o esboccedilo dolivro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo produto do Trabalho deConclusatildeo de Curso (TCC-2) a ser apresentado no final de 2011 naUniversidade de Cuiabaacute (Unic)

Esta pesquisa analisa como se daacute a comunicaccedilatildeo entre surdos Comisso eacute possiacutevel identificar as vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo natildeo verbala utilizaccedilatildeo da Liacutengua dos Sinais (Libras) e sua eficaacutecia a aceitaccedilatildeodessa liacutengua pela sociedade e as relaccedilotildees sociais dos surdos com ou-tros surdos e surdos com ouvintes A Liacutengua de Sinais (Libras) possuigramaacutetica proacutepria e eacute utilizada pelos surdos como liacutengua oficial Aleacutemde ser reconhecida e oficializada pelo governo federal como liacutengua ma-terna eacute regulamentada pelo Decreto n 5626 de 22122005 atraveacutesda Lei no 10436 de 2442002 No entanto natildeo eacute acolhida pela so-ciedade que a desconhece e ignora Isso obriga os surdos a usarem ou-tros paliativos (como leitura labial por exemplo) para estabelecer umacomunicaccedilatildeo sem qualquer reciprocidade por parte dos ouvintes Talato resulta em ruiacutedos e ineficaacutecia na emissatildeo e recepccedilatildeo das mensagens

2Produto final do projeto que estaacute em desenvolvimento para compor a segundaetapa do Trabalho de Conclusatildeo do Curso de Jornalismo (20112) exigido pela Facul-dade de Comunicaccedilatildeo da Universidade de Cuiabaacute (Unic)

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Prisioneiros do Silecircncio 5

Assim fica evidente a barreira comunicacional imposta aos surdos pelacomunidade ouvinte

Mostrar o quanto a Libras eacute importante para a comunicaccedilatildeo noBrasil localizar os entraves que impedem os surdos de terem uma co-municaccedilatildeo eficiente e analisar as causas eacute o objetivo geral dessa pesqui-sa Mais especificamente pretende-se investigar as origens dos ruiacutedosna comunicaccedilatildeo entre surdos e ouvintes ponderar as formas utilizadaspelos surdos para enviar receber e disseminar mensagens observar sea Libras eacute entendida utilizada e apreendida pelos ouvintes mais proacute-ximos aos surdos e constatar se haacute rejeiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais pelasociedade

Para melhor compreensatildeo do leitor o trabalho foi dividido em toacutepi-cos primeiro um esclarecimento acerca do que seja reportagem paraem um segundo momento explanar sobre Jornalismo literaacuterio Por fimsatildeo apresentados detalhes sobre o esboccedilo do projeto livro-reportagemacerca da comunicaccedilatildeo entre surdos Na captura de boa qualidade lite-raacuteria foram selecionadas as histoacuterias de vida de trecircs personagens paraservirem de fio condutor das informaccedilotildees e teorias expostas no livroSatildeo eles Iolanda Xavier 66 dona de casa do interior de Minas Geraismatildee de um casal de filhos surdos Marli 42 e Marcos 32 sendo queo rapaz possui doenccedila mental (Disritmia) Everaldo Pereira dos San-tos 51 que nasceu surdo eacute vice-presidente do Centro de Surdos daBahia (Cesba) eacute casado com uma deficiente auditiva com quem teveum filho ouvinte que estaacute com 15 anos O terceiro personagem seraacutemato-grossense professor de Libras profissional que trabalha com adeficiecircncia auditiva Assim poderaacute esclarecer de forma mais imparcialalgumas duacutevidas sobre convivecircncia entre surdos e ouvintes relaccedilatildeo emsociedade se existe espaccedilo no mercado de trabalho para os surdos ecomo satildeo tratados no mercado de consumo Assim fecha-se um ciacuter-culo que desenha o retrato da comunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircsolhares distintos Inicialmente foi realizada pesquisa de campo paraentrevistar os personagens e colher documentos e fotografias Ateacute a uacutel-tima apresentaccedilatildeo em janeiro de 2012 deveratildeo ser concluiacutedas todas ashistoacuterias e documentaccedilatildeo referente a esse livro-reportagem

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo e servir de embasamentoteoacuterico deste trabalho seratildeo utilizadas teorias de pesquisadores reno-

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mados nesta aacuterea de estudo Alguns deles satildeo Flora Davis (1979)Alex Curione (2004) Santana e Beacutergamo (2005) Mailce Mota (2008)Grolla (2009) Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) Eles traccedilamum perfil da identidade surda mostrando as expectativas e anseios dessepuacuteblico Na uacuteltima etapa seraacute realizado um segundo trabalho de campoNova bateria de entrevistas com os personagens seraacute necessaacuteria Aleacutemde mais documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotos viacutedeos e outros) apu-raccedilatildeo atualizaccedilatildeo dos fatos e localizaccedilatildeo do personagem que aindafalta Essas tarefas demandam a realizaccedilatildeo de viagens para Salvadoronde mora Everaldo Santos e Minas Gerais casa de Iolanda Fonsecadedicaccedilatildeo curiosidade e teacutecnica na coleta de dados cuidados redobra-dos aos detalhes aleacutem de compromisso com as fontes respeito ao leitore pontualidade no deadline3

Tal anaacutelise justifica-se pelo fato de que uma parcela consideraacutevelda sociedade brasileira (145 de acordo com o censo de 2000) eacute dedeficientes entre eles mais de cinco milhotildees satildeo surdos Mas esse casoeacute desconhecido por quem natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo familiar ou amizadecom algum deficiente auditivo Vivemos na cultura do egoiacutesmo ou sejase natildeo possuiacutemos carecircncia alguma e nem temos parentes ou amigos quenecessitem de atenccedilatildeo especial sequer lembramos que a deficiecircncia eacuteuma realidade proacutexima

Por meio dessa revisatildeo de literatura foi possiacutevel chegar a algunsresultados e talvez o mais inquietante seja relativo aos entraves comu-nicacionais e o convencionalismo que ronda a comunidade surda e acomunicaccedilatildeo atraveacutes da LibrasOs surdos tecircm lutado contra os estigmasda patologia da mudez alegoacuterica ndash que vem junto com a surdez atraveacutesda denominaccedilatildeo ldquosurdo-mudordquo ndash imposta pela falta de informaccedilatildeo e dadiscriminaccedilatildeo Natildeo satildeo respeitados e tratados como pessoas normaisHaacute um (preacute) conceito na sociedade de que o deficiente seja improdu-tivo incapaz e humanamente inferior Poreacutem os surdos lutam contra osequiacutevocos causados por essa marca que acompanha a surdez desde suaorigem

Essa luta natildeo conta com o apoio da sociedade da miacutedia ou sequerde uma liacutengua abrangente compreendida e utilizada pela maioria Natildeoeacute assunto discutido e questionado nas rodas de bate-papo nem ilustradonas tramas de novelas ou seriados pois os surdos satildeo considerados

3Prazo final para a entrega do trabalho

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menos importantes menos polecircmicos Mas isso natildeo os desmotiva oudesencoraja Eles natildeo desistem porque o esforccedilo natildeo eacute somente paraextinguir preconceitos roacutetulos e arcaiacutesmos e sim um retrato construiacutedopelo imaginaacuterio coletivo haacute seacuteculos Eacute preciso mais do que toleracircnciae aceitaccedilatildeo Os surdos necessitam ser entendidos e compreendidos nasua proacutepria liacutengua primaacuteria a Libras Por isso numa eacutepoca em que sefala tanto em liberdade de expressatildeo no jornalismo e de defesa das mi-norias nada mais justificaacutevel do que um livro-reportagem que decirc voz aquem natildeo possui os mesmos direitos nem liberdades quando o assuntoeacute comunicaccedilatildeo e expressatildeo

Muitas vezes o entrave agrave aprendizagem e disseminaccedilatildeo da Liacutenguados sinais comeccedila em casa e eacute imposto pelos pais e fonoaudioacutelogosEles acreditam que permitir a comunicaccedilatildeo por meio dos gestos iraacute pre-judicar a oralidade do deficiente auditivo No entanto essa atitude acar-reta em atraso e frustraccedilatildeo para quem estaacute agrave sua mercecirc O pedagogoAleacutex Curione (2004) pede que se faccedila uma reflexatildeo sobre esse assuntoldquoSeraacute que uma crianccedila Surda que nasce numa famiacutelia de pais ouvintesteraacute condiccedilotildees de se desenvolver plenamente adquirindo uma liacutengua demodalidade oral-auditivardquo E ele mesmo esclarece que isso natildeo eacute pos-siacutevel Pois essa crianccedila natildeo teraacute as mesmas condiccedilotildees e apresentaraacutefalhas nessa aquisiccedilatildeo Entre as piores consequecircncias que isso acar-reta estatildeo os problemas no desenvolvimento da aprendizagem (atrasocognitivo) A pessoa que natildeo eacute exposta adequadamente a uma liacutenguanatural acaba prejudicada na construccedilatildeo do conhecimento e da proacutepriaidentidade

1 Gecircnero InformativoNum primeiro momento os textos foram classificados em explicativosopinativos entretenimento e informativos Hoje satildeo divididos em textosnarrativos descritivos e argumentativos Na classificaccedilatildeo jornaliacutestica areportagem eacute rotulada como gecircnero informativo e quase sempre segueas regras que enquadram esse modelo

Adair Bonini (2006 p 66) define que ldquoa reportagem [] podese parecer com uma notiacutecia com um perfil ou com uma entrevistardquoNo entanto vaacuterios estudiosos trazem a entrevista junto com apuraccedilatildeoe pesquisa como elementos fundamentais para uma boa reportagem

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Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

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Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 4: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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liberdade na escolha do tema tempo espaccedilo e da narrativa (formal oucoloquial)

O livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo2 mostra uma reflexatildeosobre a comunicaccedilatildeo natildeo verbal e a dificuldade em se comunicar natildeosendo sujeito praticante da linguagem oral e ouvinte Por meio dashistoacuterias de vida e do olhar de trecircs personagens distintos ndash uma matildeede surdo de Minas Gerais o presidente do Centro de Surdos da Bahia(Cesba) tambeacutem surdo e um professorinteacuterprete de libras de Cuiabaacutendash espera-se construir um retrato que possa delinear o panorama da co-municaccedilatildeo por meio da Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras) Tambeacutemsatildeo mostrados preconceitos e violecircncias que ouvintes impotildeem aos sur-dos a fim de forccedilar os mesmos a apreensatildeo da liacutengua falada Aleacutem dasdificuldades enfrentadas por eles no acircmbito familiar e social

Inicialmente a monografia foi dividida em quatro partes e a ordemdos toacutepicos procura seguir a mesma dialeacutetica de construccedilatildeo do livro-reportagem conceito de reportagem jornalismo literaacuterio algumas de-finiccedilotildees do subgecircnero livro-reportagem e detalhes sobre o esboccedilo dolivro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo produto do Trabalho deConclusatildeo de Curso (TCC-2) a ser apresentado no final de 2011 naUniversidade de Cuiabaacute (Unic)

Esta pesquisa analisa como se daacute a comunicaccedilatildeo entre surdos Comisso eacute possiacutevel identificar as vaacuterias formas de comunicaccedilatildeo natildeo verbala utilizaccedilatildeo da Liacutengua dos Sinais (Libras) e sua eficaacutecia a aceitaccedilatildeodessa liacutengua pela sociedade e as relaccedilotildees sociais dos surdos com ou-tros surdos e surdos com ouvintes A Liacutengua de Sinais (Libras) possuigramaacutetica proacutepria e eacute utilizada pelos surdos como liacutengua oficial Aleacutemde ser reconhecida e oficializada pelo governo federal como liacutengua ma-terna eacute regulamentada pelo Decreto n 5626 de 22122005 atraveacutesda Lei no 10436 de 2442002 No entanto natildeo eacute acolhida pela so-ciedade que a desconhece e ignora Isso obriga os surdos a usarem ou-tros paliativos (como leitura labial por exemplo) para estabelecer umacomunicaccedilatildeo sem qualquer reciprocidade por parte dos ouvintes Talato resulta em ruiacutedos e ineficaacutecia na emissatildeo e recepccedilatildeo das mensagens

2Produto final do projeto que estaacute em desenvolvimento para compor a segundaetapa do Trabalho de Conclusatildeo do Curso de Jornalismo (20112) exigido pela Facul-dade de Comunicaccedilatildeo da Universidade de Cuiabaacute (Unic)

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Assim fica evidente a barreira comunicacional imposta aos surdos pelacomunidade ouvinte

Mostrar o quanto a Libras eacute importante para a comunicaccedilatildeo noBrasil localizar os entraves que impedem os surdos de terem uma co-municaccedilatildeo eficiente e analisar as causas eacute o objetivo geral dessa pesqui-sa Mais especificamente pretende-se investigar as origens dos ruiacutedosna comunicaccedilatildeo entre surdos e ouvintes ponderar as formas utilizadaspelos surdos para enviar receber e disseminar mensagens observar sea Libras eacute entendida utilizada e apreendida pelos ouvintes mais proacute-ximos aos surdos e constatar se haacute rejeiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais pelasociedade

Para melhor compreensatildeo do leitor o trabalho foi dividido em toacutepi-cos primeiro um esclarecimento acerca do que seja reportagem paraem um segundo momento explanar sobre Jornalismo literaacuterio Por fimsatildeo apresentados detalhes sobre o esboccedilo do projeto livro-reportagemacerca da comunicaccedilatildeo entre surdos Na captura de boa qualidade lite-raacuteria foram selecionadas as histoacuterias de vida de trecircs personagens paraservirem de fio condutor das informaccedilotildees e teorias expostas no livroSatildeo eles Iolanda Xavier 66 dona de casa do interior de Minas Geraismatildee de um casal de filhos surdos Marli 42 e Marcos 32 sendo queo rapaz possui doenccedila mental (Disritmia) Everaldo Pereira dos San-tos 51 que nasceu surdo eacute vice-presidente do Centro de Surdos daBahia (Cesba) eacute casado com uma deficiente auditiva com quem teveum filho ouvinte que estaacute com 15 anos O terceiro personagem seraacutemato-grossense professor de Libras profissional que trabalha com adeficiecircncia auditiva Assim poderaacute esclarecer de forma mais imparcialalgumas duacutevidas sobre convivecircncia entre surdos e ouvintes relaccedilatildeo emsociedade se existe espaccedilo no mercado de trabalho para os surdos ecomo satildeo tratados no mercado de consumo Assim fecha-se um ciacuter-culo que desenha o retrato da comunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircsolhares distintos Inicialmente foi realizada pesquisa de campo paraentrevistar os personagens e colher documentos e fotografias Ateacute a uacutel-tima apresentaccedilatildeo em janeiro de 2012 deveratildeo ser concluiacutedas todas ashistoacuterias e documentaccedilatildeo referente a esse livro-reportagem

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo e servir de embasamentoteoacuterico deste trabalho seratildeo utilizadas teorias de pesquisadores reno-

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mados nesta aacuterea de estudo Alguns deles satildeo Flora Davis (1979)Alex Curione (2004) Santana e Beacutergamo (2005) Mailce Mota (2008)Grolla (2009) Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) Eles traccedilamum perfil da identidade surda mostrando as expectativas e anseios dessepuacuteblico Na uacuteltima etapa seraacute realizado um segundo trabalho de campoNova bateria de entrevistas com os personagens seraacute necessaacuteria Aleacutemde mais documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotos viacutedeos e outros) apu-raccedilatildeo atualizaccedilatildeo dos fatos e localizaccedilatildeo do personagem que aindafalta Essas tarefas demandam a realizaccedilatildeo de viagens para Salvadoronde mora Everaldo Santos e Minas Gerais casa de Iolanda Fonsecadedicaccedilatildeo curiosidade e teacutecnica na coleta de dados cuidados redobra-dos aos detalhes aleacutem de compromisso com as fontes respeito ao leitore pontualidade no deadline3

Tal anaacutelise justifica-se pelo fato de que uma parcela consideraacutevelda sociedade brasileira (145 de acordo com o censo de 2000) eacute dedeficientes entre eles mais de cinco milhotildees satildeo surdos Mas esse casoeacute desconhecido por quem natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo familiar ou amizadecom algum deficiente auditivo Vivemos na cultura do egoiacutesmo ou sejase natildeo possuiacutemos carecircncia alguma e nem temos parentes ou amigos quenecessitem de atenccedilatildeo especial sequer lembramos que a deficiecircncia eacuteuma realidade proacutexima

Por meio dessa revisatildeo de literatura foi possiacutevel chegar a algunsresultados e talvez o mais inquietante seja relativo aos entraves comu-nicacionais e o convencionalismo que ronda a comunidade surda e acomunicaccedilatildeo atraveacutes da LibrasOs surdos tecircm lutado contra os estigmasda patologia da mudez alegoacuterica ndash que vem junto com a surdez atraveacutesda denominaccedilatildeo ldquosurdo-mudordquo ndash imposta pela falta de informaccedilatildeo e dadiscriminaccedilatildeo Natildeo satildeo respeitados e tratados como pessoas normaisHaacute um (preacute) conceito na sociedade de que o deficiente seja improdu-tivo incapaz e humanamente inferior Poreacutem os surdos lutam contra osequiacutevocos causados por essa marca que acompanha a surdez desde suaorigem

Essa luta natildeo conta com o apoio da sociedade da miacutedia ou sequerde uma liacutengua abrangente compreendida e utilizada pela maioria Natildeoeacute assunto discutido e questionado nas rodas de bate-papo nem ilustradonas tramas de novelas ou seriados pois os surdos satildeo considerados

3Prazo final para a entrega do trabalho

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menos importantes menos polecircmicos Mas isso natildeo os desmotiva oudesencoraja Eles natildeo desistem porque o esforccedilo natildeo eacute somente paraextinguir preconceitos roacutetulos e arcaiacutesmos e sim um retrato construiacutedopelo imaginaacuterio coletivo haacute seacuteculos Eacute preciso mais do que toleracircnciae aceitaccedilatildeo Os surdos necessitam ser entendidos e compreendidos nasua proacutepria liacutengua primaacuteria a Libras Por isso numa eacutepoca em que sefala tanto em liberdade de expressatildeo no jornalismo e de defesa das mi-norias nada mais justificaacutevel do que um livro-reportagem que decirc voz aquem natildeo possui os mesmos direitos nem liberdades quando o assuntoeacute comunicaccedilatildeo e expressatildeo

Muitas vezes o entrave agrave aprendizagem e disseminaccedilatildeo da Liacutenguados sinais comeccedila em casa e eacute imposto pelos pais e fonoaudioacutelogosEles acreditam que permitir a comunicaccedilatildeo por meio dos gestos iraacute pre-judicar a oralidade do deficiente auditivo No entanto essa atitude acar-reta em atraso e frustraccedilatildeo para quem estaacute agrave sua mercecirc O pedagogoAleacutex Curione (2004) pede que se faccedila uma reflexatildeo sobre esse assuntoldquoSeraacute que uma crianccedila Surda que nasce numa famiacutelia de pais ouvintesteraacute condiccedilotildees de se desenvolver plenamente adquirindo uma liacutengua demodalidade oral-auditivardquo E ele mesmo esclarece que isso natildeo eacute pos-siacutevel Pois essa crianccedila natildeo teraacute as mesmas condiccedilotildees e apresentaraacutefalhas nessa aquisiccedilatildeo Entre as piores consequecircncias que isso acar-reta estatildeo os problemas no desenvolvimento da aprendizagem (atrasocognitivo) A pessoa que natildeo eacute exposta adequadamente a uma liacutenguanatural acaba prejudicada na construccedilatildeo do conhecimento e da proacutepriaidentidade

1 Gecircnero InformativoNum primeiro momento os textos foram classificados em explicativosopinativos entretenimento e informativos Hoje satildeo divididos em textosnarrativos descritivos e argumentativos Na classificaccedilatildeo jornaliacutestica areportagem eacute rotulada como gecircnero informativo e quase sempre segueas regras que enquadram esse modelo

Adair Bonini (2006 p 66) define que ldquoa reportagem [] podese parecer com uma notiacutecia com um perfil ou com uma entrevistardquoNo entanto vaacuterios estudiosos trazem a entrevista junto com apuraccedilatildeoe pesquisa como elementos fundamentais para uma boa reportagem

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Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 5: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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Assim fica evidente a barreira comunicacional imposta aos surdos pelacomunidade ouvinte

Mostrar o quanto a Libras eacute importante para a comunicaccedilatildeo noBrasil localizar os entraves que impedem os surdos de terem uma co-municaccedilatildeo eficiente e analisar as causas eacute o objetivo geral dessa pesqui-sa Mais especificamente pretende-se investigar as origens dos ruiacutedosna comunicaccedilatildeo entre surdos e ouvintes ponderar as formas utilizadaspelos surdos para enviar receber e disseminar mensagens observar sea Libras eacute entendida utilizada e apreendida pelos ouvintes mais proacute-ximos aos surdos e constatar se haacute rejeiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais pelasociedade

Para melhor compreensatildeo do leitor o trabalho foi dividido em toacutepi-cos primeiro um esclarecimento acerca do que seja reportagem paraem um segundo momento explanar sobre Jornalismo literaacuterio Por fimsatildeo apresentados detalhes sobre o esboccedilo do projeto livro-reportagemacerca da comunicaccedilatildeo entre surdos Na captura de boa qualidade lite-raacuteria foram selecionadas as histoacuterias de vida de trecircs personagens paraservirem de fio condutor das informaccedilotildees e teorias expostas no livroSatildeo eles Iolanda Xavier 66 dona de casa do interior de Minas Geraismatildee de um casal de filhos surdos Marli 42 e Marcos 32 sendo queo rapaz possui doenccedila mental (Disritmia) Everaldo Pereira dos San-tos 51 que nasceu surdo eacute vice-presidente do Centro de Surdos daBahia (Cesba) eacute casado com uma deficiente auditiva com quem teveum filho ouvinte que estaacute com 15 anos O terceiro personagem seraacutemato-grossense professor de Libras profissional que trabalha com adeficiecircncia auditiva Assim poderaacute esclarecer de forma mais imparcialalgumas duacutevidas sobre convivecircncia entre surdos e ouvintes relaccedilatildeo emsociedade se existe espaccedilo no mercado de trabalho para os surdos ecomo satildeo tratados no mercado de consumo Assim fecha-se um ciacuter-culo que desenha o retrato da comunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircsolhares distintos Inicialmente foi realizada pesquisa de campo paraentrevistar os personagens e colher documentos e fotografias Ateacute a uacutel-tima apresentaccedilatildeo em janeiro de 2012 deveratildeo ser concluiacutedas todas ashistoacuterias e documentaccedilatildeo referente a esse livro-reportagem

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo e servir de embasamentoteoacuterico deste trabalho seratildeo utilizadas teorias de pesquisadores reno-

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mados nesta aacuterea de estudo Alguns deles satildeo Flora Davis (1979)Alex Curione (2004) Santana e Beacutergamo (2005) Mailce Mota (2008)Grolla (2009) Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) Eles traccedilamum perfil da identidade surda mostrando as expectativas e anseios dessepuacuteblico Na uacuteltima etapa seraacute realizado um segundo trabalho de campoNova bateria de entrevistas com os personagens seraacute necessaacuteria Aleacutemde mais documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotos viacutedeos e outros) apu-raccedilatildeo atualizaccedilatildeo dos fatos e localizaccedilatildeo do personagem que aindafalta Essas tarefas demandam a realizaccedilatildeo de viagens para Salvadoronde mora Everaldo Santos e Minas Gerais casa de Iolanda Fonsecadedicaccedilatildeo curiosidade e teacutecnica na coleta de dados cuidados redobra-dos aos detalhes aleacutem de compromisso com as fontes respeito ao leitore pontualidade no deadline3

Tal anaacutelise justifica-se pelo fato de que uma parcela consideraacutevelda sociedade brasileira (145 de acordo com o censo de 2000) eacute dedeficientes entre eles mais de cinco milhotildees satildeo surdos Mas esse casoeacute desconhecido por quem natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo familiar ou amizadecom algum deficiente auditivo Vivemos na cultura do egoiacutesmo ou sejase natildeo possuiacutemos carecircncia alguma e nem temos parentes ou amigos quenecessitem de atenccedilatildeo especial sequer lembramos que a deficiecircncia eacuteuma realidade proacutexima

Por meio dessa revisatildeo de literatura foi possiacutevel chegar a algunsresultados e talvez o mais inquietante seja relativo aos entraves comu-nicacionais e o convencionalismo que ronda a comunidade surda e acomunicaccedilatildeo atraveacutes da LibrasOs surdos tecircm lutado contra os estigmasda patologia da mudez alegoacuterica ndash que vem junto com a surdez atraveacutesda denominaccedilatildeo ldquosurdo-mudordquo ndash imposta pela falta de informaccedilatildeo e dadiscriminaccedilatildeo Natildeo satildeo respeitados e tratados como pessoas normaisHaacute um (preacute) conceito na sociedade de que o deficiente seja improdu-tivo incapaz e humanamente inferior Poreacutem os surdos lutam contra osequiacutevocos causados por essa marca que acompanha a surdez desde suaorigem

Essa luta natildeo conta com o apoio da sociedade da miacutedia ou sequerde uma liacutengua abrangente compreendida e utilizada pela maioria Natildeoeacute assunto discutido e questionado nas rodas de bate-papo nem ilustradonas tramas de novelas ou seriados pois os surdos satildeo considerados

3Prazo final para a entrega do trabalho

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menos importantes menos polecircmicos Mas isso natildeo os desmotiva oudesencoraja Eles natildeo desistem porque o esforccedilo natildeo eacute somente paraextinguir preconceitos roacutetulos e arcaiacutesmos e sim um retrato construiacutedopelo imaginaacuterio coletivo haacute seacuteculos Eacute preciso mais do que toleracircnciae aceitaccedilatildeo Os surdos necessitam ser entendidos e compreendidos nasua proacutepria liacutengua primaacuteria a Libras Por isso numa eacutepoca em que sefala tanto em liberdade de expressatildeo no jornalismo e de defesa das mi-norias nada mais justificaacutevel do que um livro-reportagem que decirc voz aquem natildeo possui os mesmos direitos nem liberdades quando o assuntoeacute comunicaccedilatildeo e expressatildeo

Muitas vezes o entrave agrave aprendizagem e disseminaccedilatildeo da Liacutenguados sinais comeccedila em casa e eacute imposto pelos pais e fonoaudioacutelogosEles acreditam que permitir a comunicaccedilatildeo por meio dos gestos iraacute pre-judicar a oralidade do deficiente auditivo No entanto essa atitude acar-reta em atraso e frustraccedilatildeo para quem estaacute agrave sua mercecirc O pedagogoAleacutex Curione (2004) pede que se faccedila uma reflexatildeo sobre esse assuntoldquoSeraacute que uma crianccedila Surda que nasce numa famiacutelia de pais ouvintesteraacute condiccedilotildees de se desenvolver plenamente adquirindo uma liacutengua demodalidade oral-auditivardquo E ele mesmo esclarece que isso natildeo eacute pos-siacutevel Pois essa crianccedila natildeo teraacute as mesmas condiccedilotildees e apresentaraacutefalhas nessa aquisiccedilatildeo Entre as piores consequecircncias que isso acar-reta estatildeo os problemas no desenvolvimento da aprendizagem (atrasocognitivo) A pessoa que natildeo eacute exposta adequadamente a uma liacutenguanatural acaba prejudicada na construccedilatildeo do conhecimento e da proacutepriaidentidade

1 Gecircnero InformativoNum primeiro momento os textos foram classificados em explicativosopinativos entretenimento e informativos Hoje satildeo divididos em textosnarrativos descritivos e argumentativos Na classificaccedilatildeo jornaliacutestica areportagem eacute rotulada como gecircnero informativo e quase sempre segueas regras que enquadram esse modelo

Adair Bonini (2006 p 66) define que ldquoa reportagem [] podese parecer com uma notiacutecia com um perfil ou com uma entrevistardquoNo entanto vaacuterios estudiosos trazem a entrevista junto com apuraccedilatildeoe pesquisa como elementos fundamentais para uma boa reportagem

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Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 6: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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mados nesta aacuterea de estudo Alguns deles satildeo Flora Davis (1979)Alex Curione (2004) Santana e Beacutergamo (2005) Mailce Mota (2008)Grolla (2009) Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) Eles traccedilamum perfil da identidade surda mostrando as expectativas e anseios dessepuacuteblico Na uacuteltima etapa seraacute realizado um segundo trabalho de campoNova bateria de entrevistas com os personagens seraacute necessaacuteria Aleacutemde mais documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotos viacutedeos e outros) apu-raccedilatildeo atualizaccedilatildeo dos fatos e localizaccedilatildeo do personagem que aindafalta Essas tarefas demandam a realizaccedilatildeo de viagens para Salvadoronde mora Everaldo Santos e Minas Gerais casa de Iolanda Fonsecadedicaccedilatildeo curiosidade e teacutecnica na coleta de dados cuidados redobra-dos aos detalhes aleacutem de compromisso com as fontes respeito ao leitore pontualidade no deadline3

Tal anaacutelise justifica-se pelo fato de que uma parcela consideraacutevelda sociedade brasileira (145 de acordo com o censo de 2000) eacute dedeficientes entre eles mais de cinco milhotildees satildeo surdos Mas esse casoeacute desconhecido por quem natildeo tem nenhuma relaccedilatildeo familiar ou amizadecom algum deficiente auditivo Vivemos na cultura do egoiacutesmo ou sejase natildeo possuiacutemos carecircncia alguma e nem temos parentes ou amigos quenecessitem de atenccedilatildeo especial sequer lembramos que a deficiecircncia eacuteuma realidade proacutexima

Por meio dessa revisatildeo de literatura foi possiacutevel chegar a algunsresultados e talvez o mais inquietante seja relativo aos entraves comu-nicacionais e o convencionalismo que ronda a comunidade surda e acomunicaccedilatildeo atraveacutes da LibrasOs surdos tecircm lutado contra os estigmasda patologia da mudez alegoacuterica ndash que vem junto com a surdez atraveacutesda denominaccedilatildeo ldquosurdo-mudordquo ndash imposta pela falta de informaccedilatildeo e dadiscriminaccedilatildeo Natildeo satildeo respeitados e tratados como pessoas normaisHaacute um (preacute) conceito na sociedade de que o deficiente seja improdu-tivo incapaz e humanamente inferior Poreacutem os surdos lutam contra osequiacutevocos causados por essa marca que acompanha a surdez desde suaorigem

Essa luta natildeo conta com o apoio da sociedade da miacutedia ou sequerde uma liacutengua abrangente compreendida e utilizada pela maioria Natildeoeacute assunto discutido e questionado nas rodas de bate-papo nem ilustradonas tramas de novelas ou seriados pois os surdos satildeo considerados

3Prazo final para a entrega do trabalho

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menos importantes menos polecircmicos Mas isso natildeo os desmotiva oudesencoraja Eles natildeo desistem porque o esforccedilo natildeo eacute somente paraextinguir preconceitos roacutetulos e arcaiacutesmos e sim um retrato construiacutedopelo imaginaacuterio coletivo haacute seacuteculos Eacute preciso mais do que toleracircnciae aceitaccedilatildeo Os surdos necessitam ser entendidos e compreendidos nasua proacutepria liacutengua primaacuteria a Libras Por isso numa eacutepoca em que sefala tanto em liberdade de expressatildeo no jornalismo e de defesa das mi-norias nada mais justificaacutevel do que um livro-reportagem que decirc voz aquem natildeo possui os mesmos direitos nem liberdades quando o assuntoeacute comunicaccedilatildeo e expressatildeo

Muitas vezes o entrave agrave aprendizagem e disseminaccedilatildeo da Liacutenguados sinais comeccedila em casa e eacute imposto pelos pais e fonoaudioacutelogosEles acreditam que permitir a comunicaccedilatildeo por meio dos gestos iraacute pre-judicar a oralidade do deficiente auditivo No entanto essa atitude acar-reta em atraso e frustraccedilatildeo para quem estaacute agrave sua mercecirc O pedagogoAleacutex Curione (2004) pede que se faccedila uma reflexatildeo sobre esse assuntoldquoSeraacute que uma crianccedila Surda que nasce numa famiacutelia de pais ouvintesteraacute condiccedilotildees de se desenvolver plenamente adquirindo uma liacutengua demodalidade oral-auditivardquo E ele mesmo esclarece que isso natildeo eacute pos-siacutevel Pois essa crianccedila natildeo teraacute as mesmas condiccedilotildees e apresentaraacutefalhas nessa aquisiccedilatildeo Entre as piores consequecircncias que isso acar-reta estatildeo os problemas no desenvolvimento da aprendizagem (atrasocognitivo) A pessoa que natildeo eacute exposta adequadamente a uma liacutenguanatural acaba prejudicada na construccedilatildeo do conhecimento e da proacutepriaidentidade

1 Gecircnero InformativoNum primeiro momento os textos foram classificados em explicativosopinativos entretenimento e informativos Hoje satildeo divididos em textosnarrativos descritivos e argumentativos Na classificaccedilatildeo jornaliacutestica areportagem eacute rotulada como gecircnero informativo e quase sempre segueas regras que enquadram esse modelo

Adair Bonini (2006 p 66) define que ldquoa reportagem [] podese parecer com uma notiacutecia com um perfil ou com uma entrevistardquoNo entanto vaacuterios estudiosos trazem a entrevista junto com apuraccedilatildeoe pesquisa como elementos fundamentais para uma boa reportagem

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Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 7: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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menos importantes menos polecircmicos Mas isso natildeo os desmotiva oudesencoraja Eles natildeo desistem porque o esforccedilo natildeo eacute somente paraextinguir preconceitos roacutetulos e arcaiacutesmos e sim um retrato construiacutedopelo imaginaacuterio coletivo haacute seacuteculos Eacute preciso mais do que toleracircnciae aceitaccedilatildeo Os surdos necessitam ser entendidos e compreendidos nasua proacutepria liacutengua primaacuteria a Libras Por isso numa eacutepoca em que sefala tanto em liberdade de expressatildeo no jornalismo e de defesa das mi-norias nada mais justificaacutevel do que um livro-reportagem que decirc voz aquem natildeo possui os mesmos direitos nem liberdades quando o assuntoeacute comunicaccedilatildeo e expressatildeo

Muitas vezes o entrave agrave aprendizagem e disseminaccedilatildeo da Liacutenguados sinais comeccedila em casa e eacute imposto pelos pais e fonoaudioacutelogosEles acreditam que permitir a comunicaccedilatildeo por meio dos gestos iraacute pre-judicar a oralidade do deficiente auditivo No entanto essa atitude acar-reta em atraso e frustraccedilatildeo para quem estaacute agrave sua mercecirc O pedagogoAleacutex Curione (2004) pede que se faccedila uma reflexatildeo sobre esse assuntoldquoSeraacute que uma crianccedila Surda que nasce numa famiacutelia de pais ouvintesteraacute condiccedilotildees de se desenvolver plenamente adquirindo uma liacutengua demodalidade oral-auditivardquo E ele mesmo esclarece que isso natildeo eacute pos-siacutevel Pois essa crianccedila natildeo teraacute as mesmas condiccedilotildees e apresentaraacutefalhas nessa aquisiccedilatildeo Entre as piores consequecircncias que isso acar-reta estatildeo os problemas no desenvolvimento da aprendizagem (atrasocognitivo) A pessoa que natildeo eacute exposta adequadamente a uma liacutenguanatural acaba prejudicada na construccedilatildeo do conhecimento e da proacutepriaidentidade

1 Gecircnero InformativoNum primeiro momento os textos foram classificados em explicativosopinativos entretenimento e informativos Hoje satildeo divididos em textosnarrativos descritivos e argumentativos Na classificaccedilatildeo jornaliacutestica areportagem eacute rotulada como gecircnero informativo e quase sempre segueas regras que enquadram esse modelo

Adair Bonini (2006 p 66) define que ldquoa reportagem [] podese parecer com uma notiacutecia com um perfil ou com uma entrevistardquoNo entanto vaacuterios estudiosos trazem a entrevista junto com apuraccedilatildeoe pesquisa como elementos fundamentais para uma boa reportagem

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Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

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Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 8: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

8 Ceacutelia Mota

Isso levaria crer segundo Campos em mateacuteria exibida em 2002 no siteobservatoacuterio que ldquograndes entrevistadores desenvolvem teacutecnicas quetransformam o jogo de perguntas e respostas numa espeacutecie de xadrezconseguindo arrancar informaccedilotildees que o entrevistado natildeo pretendiadarrdquo

Vale lembrar-se de detalhes que garantem o sucesso da entrevistapor exemplo atenccedilatildeo especial ao anotar nuacutemeros e nomes se acharnecessaacuterio fazer uso da gravaccedilatildeo sempre atento agraves reaccedilotildees e preferecircn-cias do entrevistado Alexandre Garcia citado por Campos 2002 siteldquoObservatoacuteriordquo diz que o repoacuterter dedicado estuda o perfil psicoloacutegicodo entrevistado a fim de saber qual atitude adotar diante dele para natildeose arriscar a irritaacute-lo colocando em perigo o ecircxito da entrevista Algode fundamental importacircncia para definir o sucesso ou o fracasso da re-portagem

Mas afinal o que eacute reportagem Resumidamente eacute o relato de umacontecimento importante feito por um profissional que tenha apuradoos fatos relativos a ele Eacute o produto fundamental da atividade jornaliacutes-tica o aprofundamento da notiacutecia descrito com uma pitada de literaturapara dar ao leitor um gostinho especial ao folhear as paacuteginas do jornalimpresso ou revista saboreando os detalhes da estoacuteria ou histoacuteria Areportagem natildeo deve ser confundida com a notiacutecia pois existem maisdiferenccedilas do que semelhanccedilas entre ambas Magno (2006) esclarece

Notiacutecia mora na superfiacutecie Reportagem eacute mergulho Notiacute-cia eacute seca reportagem estaacute impregnada com a umidade deperfumes e suores Notiacutecia eacute o olhar do repoacuterter sobre ofato Reportagem tem que explicar o fato ir aleacutem deleNotiacutecia eacute urgente raacutepida Reportagem carece de tempopara apuraacute-la Notiacutecia natildeo precisa de fotos Reportagemcasa com fotojornalismo Notiacutecia vem da fonte pode sercaptada atraveacutes do telefone da internet da entrevista Afonte preferencial da reportagem satildeo os olhos e os ouvidosdo repoacuterter Notiacutecia significa conhecimento Reportagem eacuteum jeito de conhecer (MAGNO 2006 p 20)

Pode-se dizer que a reportagem eacute uma extensatildeo da notiacutecia mas comdireito a caprichar em alguns detalhes que para o factual informativo

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

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Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 9: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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seriam irrelevantes No entanto eacute justamente essa minuacutecia do jorna-lismo literaacuterio que atrai o leitor

11 Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e TextoO texto de essecircncia informativo ou opinativo trabalha com a moti-vaccedilatildeo Convida o leitor ao raciociacutenio a desdobrar um ponto de vistaou simplesmente apresenta relatos profundos E ele corresponde a to-dos esses estiacutemulos no momento em que se encanta pelo desenrolar datrama ou pelos resultados de uma pesquisa Esse indiviacuteduo ri chorase enfurece sente envergonha fica assustado ou emocionado durante aboa viagem literaacuteria Eacute impossiacutevel interromper a leitura quando o textoamarra atenccedilatildeo de quem o lecirc No entanto para obter essa qualidadede narrativa conhecer o objeto a ser exposto no texto eacute algo impres-cindiacutevel Berlo (2003) defende que se mostre conhecimento do assuntomas sem comprometer a esteacutetica textual

Ningueacutem eacute capaz de comunicar aquilo que natildeo sabe nin-gueacutem comunica com a maacutexima efetividade material quenatildeo conhece De outro lado se a fonte sabe ldquodemaisrdquo seeacute ultraespecializada poderaacute errar pelo fato de suas habili-dades comunicadoras serem empregadas de forma tatildeo teacutec-nica que o receptor acabe natildeo entendendo (BERLO 2003p 49)

Tal observaccedilatildeo eacute complementada por Bucci no artigo4 que escreveupara a Folha de Satildeo Paulo em 2001 quando alerta para a importacircnciade se obter informaccedilotildees consistentes para produccedilatildeo textual agradaacutevelUm texto que possa prender o leitor cada vez mais exigente e menospassivo

De fato reportagem bem feita mobiliza o receptor da mensagemOrwel (2003 p 143-150) faz isso com muita maestria em mateacuteria-denuacutencia sobre a pobreza do norte industrial da Inglaterra Para tantoescolheu como cenaacuterio o quotidiano de uma pensatildeo em peacutessimo estadode conservaccedilatildeo e higiene administrada pelos Brookers uma famiacutelia

4O artigo ldquoO Tolo Interativordquo (2001) escrito para o jornal Folha de Satildeo Paulotambeacutem foi divulgado no site Observatoacuterio da imprensa no mesmo ano

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 10: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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de haacutebitos estranhamente curiosos que vivia de alugar camas para osoperaacuterios aposentados forasteiros e desempregados ingleses

Os uacutenicos hoacutespedes permanentes eram o mineiro escocecircso senhor Reily dois velhos aposentados e um desempre-gado que vivia do seguro desemprego chamado Joe ndash otipo de pessoa que natildeo tem sobrenome O mineiro escocecircsera um chato quando a gente o conhecia Como tantos de-sempregados passava grande parte do tempo lendo jornaise se a gente natildeo lhe desse atenccedilatildeo ele discursava durantehoras sobre coisas como o Perigo amarelo assassinos demala astrologia e conflito entre religiatildeo e ciecircncia Os ve-lhos aposentados tinham sido como de costume expulsosde suas casas pelo Means Test Entregavam seus 10 xelinssemanais aos Brookers e em troca tinham o tipo de aco-modaccedilatildeo que se consegue por 10 xelins quer dizer umacama no soacutetatildeo e refeiccedilatildeo em geral de patildeo com manteiga(ORWELL apud LEWIS 2003 p 146)

O assunto natildeo eacute atual e nem seria interessante se natildeo fosse pelariqueza de detalhes o aspecto investigativo e o valor quase documentalda mateacuteria Ele consegue ligar um paraacutegrafo ao outro de forma que anarrativa termina sem que o leitor perceba Esse talvez seja o segredocosturar bem os paraacutegrafos

Em oposiccedilatildeo do exemplo de Orwel (2003 p143-150) natildeo eacute rarotextos tatildeo pobremente representados ndash com frases confusas ausecircnciade detalhes ou alegaccedilotildees infundadas e ateacute mesmo teacutecnicas demais

2 Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeosExistem semelhanccedilas entre reportagem e texto literaacuterio Ambos cami-nham juntos na mesma direccedilatildeo tanto que se confundem O jorna-lismo literaacuterio natildeo consiste somente em liberdade autoral tempo parapesquisa ou colocar as aspiraccedilotildees literaacuterias na construccedilatildeo de um livro-reportagem O conceito eacute muito mais amplo assim define Pena (2005)

Significa potencializar os recursos do jornalismo ultrapas-sar os limites dos acontecimentos cotidianos proporcionar

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 11: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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visotildees amplas da realidade exercer plenamente a cidada-nia romper as correntes burocraacuteticas do lide evitar os defi-nidores primaacuterios e principalmente garantir perenidade eprofundidade aos relatos No dia seguinte o texto deveservir para algo mais do que simplesmente embrulhar opeixe na feira (PENA 2005 p 7)

Eacute preciso alertar que natildeo se abandona o aprendizado ou as teacutecnicasestudadas no jornalismo tradicional pelo contraacuterio muitas delas podemauxiliar nas apuraccedilotildees entrevistas fotografias e principalmente a eacuteticaAlgumas caracteriacutesticas como periodicidade e atualidade eacute que diferemas duas abordagens

Quando Pena (2005 p 9) fala em desenvolver a cidadania explicaque o repoacuterter pode fazer isso escolhendo temas que sejam relevantespara a sociedade Antes de tudo eacute preciso pensar em ldquocomo sua abor-dagem pode contribuir para a formaccedilatildeo do cidadatildeo para o bem comumpara a solidariedaderdquo

De acordo com Pena (2005 p 12) os conceitos e classificaccedilotildeesdo jornalismo literaacuterio no Brasil satildeo variaacuteveis Para alguns o gecircnero eacutedefinido pelo periacuteodo da histoacuteria no seacuteculo XIX em que os escritoresassumiram as funccedilotildees de editores articulistas cronistas e autores de fo-lhetins Outros assimilam o gecircnero somente agrave criacutetica de obras literaacuteriasdifundida em jornais revistas etc E existem aqueles que identificamo conceito com o movimento conhecido como new journalism5 quecomeccedilou nas redaccedilotildees americanas por volta de 1960

Biografia romance-reportagem e a ficccedilatildeo jornaliacutestica satildeo subgecircne-ros do jornalismo literaacuterio Apesar de ser bastante apreciado pelosleitores e jornalistas o livro reportagem soacute conquistou espaccedilo no mer-cado brasileiro apoacutes a queda da ditadura no fim dos anos de 1980quando houve abertura poliacutetica e instabilidade econocircmica Assim Belo(2006) contextualiza

5Foi um movimento manifestaccedilatildeo ou tendecircncia do jornalismo literaacuterio Surgiunos Estados Unidos e visava revigorar a praacutetica de um jornalismo de profundidadecomo ocorreu nos ano 1960-70 Eacutepoca tambeacutem em que surgiram grandes nomes comoTruman Capote Orwell e outros Bruno Pessa (2010) afirma que o novo jornalismocontribuiu imensamente para o ldquoaprimoramento da reportagem e do olhar jornaliacutesticosobre a realidaderdquo

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 12: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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A redemocratizaccedilatildeo do paiacutes possibilitou a publicaccedilatildeo de al-gumas obras que desvendaram os uacuteltimos anos do periacuteodomilitar e os primeiros da volta ao poder civil [] Livroscom esse perfil tratando dos bastidores da poliacutecia e dasdificuldades da economia daquela eacutepoca fizeram imediatosucesso Natildeo soacute os temas mas a maneira de exploraacute-lostinha um sabor de novidade (BELO 2006 p53)

Aproveitar a credibilidade para produccedilatildeo de grandes reportagenscom material envolvente e bem amarrado seria uma iniciativa inteligen-te e providencial dos veiacuteculos impressos Esse eacute um assunto que vemsendo abordado por outros pesquisadores engajados na defesa da mu-danccedila de perfil dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo principalmente os impres-sos em prol da qualidade textual e interesse do puacuteblico

O surgimento da internet trouxe ao espectador a possibilidade deobter informaccedilatildeo de forma raacutepida e objetiva por meio de textos curtose atualizados de hora em hora Mas isto natildeo eacute o bastante existemlacunas a serem preenchidas Apoacutes se informar atraveacutes da internet ouTV e ateacute mesmo raacutedio o leitor fica sempre com aquele gostinho deldquoquero maisrdquo e esse ldquoa maisrdquo pode ser oferecido pelos jornais revistase livros-reportagens

De acordo com Gramacho (2009) a histoacuteria dos meios de comu-nicaccedilatildeo mostra que um veiacuteculo natildeo some do mercado em funccedilatildeo dosurgimento de outro Mas o autor aponta que eacute necessaacuterio fazer umareestruturaccedilatildeo especialmente no jornal impresso

Para garantir a permanecircncia do jornal necessaacuterio se fazaleacutem de promover a mudanccedila na linguagem de modo a serespeitar as adequaccedilotildees linguiacutesticas necessaacuterias aos meiosjornaliacutesticos a exemplo do uso da variante ldquocultardquo da liacuten-gua quando necessaacuterio aumentar a qualidade do conteuacutedodo noticiaacuterio Eacute preciso entender que o leitor de jornal temo perfil intelectual e econocircmico diferente daquele que con-some exclusivamente a informaccedilatildeo televisiva Assim eacuteaquele que dispotildee de internet banda larga assinaturas derevista inclusive especializada TV a cabo () Destarte oque ele busca no jornal natildeo eacute mais a notiacutecia mas a expli-

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caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 13: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 13

caccedilatildeo desta a sua expansatildeo repercussatildeo etc (GRAMA-CHO 2009 p 12- 13)

Belo (2009 p 15) alega que ldquojornais e em menor grau revistasainda natildeo encontraram um caminho adequado para sobreviver na erada informaccedilatildeo eletrocircnica massificada e quase imediatardquo Ele alerta parao fato de que tais veiacuteculos tecircm deixado de lado um dos seus maioresdiferenciais em relaccedilatildeo agraves miacutedias eletrocircnicas a reportagem

A concepccedilatildeo do jornal enxuto estaacute banindo as reportagens das reda-ccedilotildees e as consequecircncias satildeo visiacuteveis nos nuacutemeros das vendas nas bancase no fechamento de vaacuterios jornais de renome e tradiccedilatildeo nos EstadosUnidos Gramacho (2009) confirma a diminuiccedilatildeo das tiragens

Haacute jaacute algum tempo que jornais da Franccedila Inglaterra e Es-tados Unidos reclamam do aumento de seus encalhes nasbancas e a perda de assinantes No Brasil natildeo eacute diferenteA Folha de Satildeo Paulo o tiacutetulo de maior circulaccedilatildeo nacionalexperimentou de 2001 a 2005 uma retraccedilatildeo de cem mil e-xemplares na sua tiragem diaacuteria que caiu de 400 mil parapouco mais de 300 mil (GRAMACHO p 24 2009)

Uma das soluccedilotildees encontradas pelos veiacuteculos para contornar talcrise foi construir sites especializados e fazer uma versatildeo online dosjornais e revistas No Brasil essas parcerias se mostram promissoras aexemplo da Folhacom Vejacom entre outras A evoluccedilatildeo tecnoloacutegicapermite ainda que o leitor experimente durante a visualizaccedilatildeo online amesma sensaccedilatildeo de estar virando as paacuteginas de uma revista impressaIsso garante aos mais conservadores prazeres proporcionados pelas ver-sotildees tradicionais

Alguns jornais estatildeo investindo de forma maciccedila nos conteuacutedos di-vulgados nos sites A Folha de Satildeo Paulo estaacute digitalizando todo oseu acervo e disponibilizando no Folhacom A memoacuteria do jornal estaacutesendo catalogada numa hemeroteca digital em comemoraccedilatildeo aos 90anos de publicaccedilotildees A princiacutepio esse conteuacutedo histoacuterico de grandes re-portagens estaraacute disponiacutevel gratuitamente Poreacutem depois do periacuteodo deldquodegustaccedilatildeordquo as pesquisas somente seratildeo liberadas para os assinantesAssim a internet passa de concorrente a parceira dos impressos Ad-ministradores dos maiores veiacuteculos do paiacutes sabem como utilizar as no-

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 14: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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vas formas de comunicaccedilatildeo midiaacutetica para complementar e fortaleceras jaacute existentes

21 Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com ArteEsse gecircnero tem se mostrado uma alternativa de peso ao jornalismo dolide e da piracircmide invertida O livro-reportagem por ser demorado etrabalhoso eacute daquelas tarefas que se faz por paixatildeo Pois acima de serum bom jornalista eacute preciso talento na arte de contar e escrever boashistoacuterias

Para Belo (2009 p16) o repoacuterter que deseja se aprofundar emdeterminado assunto e natildeo encontra abertura do jornal ou revista emque trabalha deve se aventurar a escrever um livro-reportagem que semostra como uma boa alternativa para quem sabe escrever de formaatraente e se dispotildee a fazer um bom trabalho de pesquisa e apuraccedilatildeo

O jornalismo literaacuterio natildeo eacute algo novo no Brasil pois jaacute era umtraccedilo marcante nas escritas de Machado de Assis6 e Euclides da Cunha(2003) que fez da narrativa dos fatos decorrentes na Guerra de Canudos(1893-1897) uma reportagem mais humana com detalhes de quem seenvolvera na histoacuteria algo que seria inconcebiacutevel dentro das regras dojornalismo claacutessico Poreacutem o resultado foi e eacute um livro de tamanhaimportacircncia que se tornou seacuterie televisiva e serve como referecircncia deleitura e pesquisa para vaacuterios estudiosos e inspiraccedilatildeo para diversos ou-tros escritores

6O perfil do autor foi encontrado no site de biografias e textos releituras fundadopor Arnaldo Nogueira Juacutenior em 1996

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

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Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 15: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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FIG 1Cena do filme brasileiro ldquoGuerra de Canudosrdquo (1997)Fonte Site

httpwwwportuguesonlinecomimagescanudosjpg

Antes de esclarecer duacutevidas acerca de como escrever uma obra lite-raacuteria jornaliacutestica eacute preciso entender melhor o livro propriamente ditoO dicionaacuterio da liacutengua portuguesa (BUENO 2007 p 476) define livrocomo ldquoreuniatildeo de folhas impressas ou manuscritas em volume obra emprosa ou verso com certa extensatildeordquo

De acordo com as normas da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas paraa Educaccedilatildeo Ciecircncia e Cultura (Unesco) para ser considerada comolivro a obra precisa conter no miacutenimo 48 paacuteginas No caso do livro-reportagem tais paacuteginas devem possuir literatura natildeo ficcional comoconteuacutedo ou seja fatos informaccedilatildeo com vieacutes literaacuterio

A funccedilatildeo do livro-reportagem natildeo se difere da proacutepria reportagementenda-se informar em profundidade Poreacutem o livro-reportagem vaialeacutem apresenta os personagens de forma mais humanizada e conta ahistoacuteria dando detalhes e curiosidades que ultrapassam o jornalismo deinformaccedilatildeo apenas

Para Pessa (2009 p 2) as peculiaridades e utilidades especiacuteficasdo livro-reportagem se delineiam a partir de uma parceria com veiacuteculos

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 16: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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de comunicaccedilatildeo perioacutedicos ldquocuja natureza cria demandas para que seproduzam livros-reportagensrdquo

Uma das vantagens em relaccedilatildeo ao jornalismo convencional eacute que olivro-reportagem foge do factual ele eacute atemporal e serve como registrohistoacuterico sobre os fatos divulgados em outros veiacuteculos

Para entender a contemporaneidade o livro-reportagem a-vanccedila no tempo histoacuterico ldquoressuscitandordquo o preteacuterito queganha sobrevida e eacute reatualizado em seus significados Taisprocedimentos aproximam o jornalismo praticado no livro-reportagem da histoacuteria o que natildeo acontece de forma aci-dental pois o exerciacutecio do jornalismo literaacuterio estampadono suporte livro estaacute sempre aberto ao diaacutelogo e apropria-ccedilatildeo de recursos das ciecircncias humanas e sociais (PESSA2009 p03)

Assim como no jornalismo convencional para a produccedilatildeo do livro-reportagem eacute necessaacuterio alguns procedimentos como a elaboraccedilatildeo dapauta extensa pesquisa entrevistas documentaccedilatildeo abundante e ediccedilatildeocompetente no aspecto de mostrar ao leitor uma narrativa envolventee idocircnea Tambeacutem eacute possiacutevel classificar o livro-reportagem em sub-gecircneros7 satildeo eles

7Informaccedilotildees retiradas do artigo de Bruno Pessa apresentado no Regiocom queaconteceu em junho de 2009 na Universidade Metodista de Satildeo Paulo

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SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 17: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 17

SUBGEcircNERO CARACTERIacuteSTICASPerfil Confirma detalhes sobre o quotidiano de uma

celebridade ou de personagem anocircnima ndash quepode ser representante de algum grupo social outer feito algo de chocante para a sociedade exmaniacuteaco do parque Este subgecircnero tem comovariante o livro-reportagem-biografia que enfocamais o passado da pessoa

Depoimento Descreve determinado fato relevante para a so-ciedade com participaccedilatildeo ativa de testemunha ouparticipante

Retrato Escolhe um objeto que pode ser regiatildeo geograacute-fica determinado segmento da economia algumsetor da sociedade e ateacute mesmo uma instituiccedilatildeo(puacuteblica privada ou terceirizada) para traccedilar a i-magem do elemento em questatildeo atraveacutes de des-criccedilotildees sobre mecanismos problemas e comple-xidades

Ciecircncia Anaacutelise ou proposta de reflexatildeo sobre a descobertacientiacutefica normalmente satildeo temas especiacuteficos

Ambiente Defesa da ecologia Este livro pode ser criacutetico noque diz respeito agraves atitudes humanas com relaccedilatildeoagrave natureza

Histoacuteria Temas do passado e tem como variantes o livro-reportagem-empresarial e o livro-reportagem-e-popeacuteia que narra fatos histoacutericos importantes co-mo revoluccedilotildees conflitos e guerras

Nova consciecircncia Relato de novas atitudes sociais no que diz re-speito ao comportamento cultura religiatildeo oueconomia que podem resultar da aproximaccedilatildeo agravesculturas orientais assim como tambeacutem da contra-cultura

Instantacircneo ou da his-toacuteria imediata e Atua-lidade

O primeiro debruccedila-se sobre um fato receacutem-con-cluiacutedo cujos contornos finais jaacute podem ser identifi-cados o segundo deteacutem um tema mais importantee estaacutevel no tempo cujos desdobramentos finaissatildeo desconhecidos O livro identifica os proble-mas e esboccedila convergecircncias possiacuteveis de epiacutelogo

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Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Prisioneiros do Silecircncio 25

Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 18: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

18 Ceacutelia Mota

Antologia Reuniatildeo de diversas reportagens com juiacutezos dis-tintos As mateacuterias podem ser agrupadas por au-tor tema ou por autores diferentes poreacutem commesmo gecircnero ou categoria

Denuacutencia Estilo investigativo procura identificar injusticcedilaspreconceitos e escacircndalos

Ensaio Evidente presenccedila do autor e sua opiniatildeo sobre otema Tem caracteriacutestica persuasiva e geralmenteusa a narrativa em primeira pessoa

Viagem ou ldquoDiaacuterio debordordquo

Impressotildees do autor sobre sua viagem a deter-minada regiatildeo geograacutefica em vaacuterios aspectos decaraacuteter socioloacutegico humano cultural e histoacutericodo local Baseado em muita pesquisa informaccedilatildeoe anaacutelise de conflitos

Quadro 1 Classificaccedilatildeo do livro-reportagem em subgecircnerosFonte Pessa (2009)

A literatura aliada agrave reportagem resulta no que se chama de com-petecircncia narrativa ou em outras palavras livro-reportagem Belo(2006 p 58) afirma que ldquoa reportagem em livro natildeo sobrevive somentedas falhas de cobertura e da suposta miopia dos perioacutedicos para comdeterminados assuntos Bebe tambeacutem das suas virtudesrdquo e para que odesdobramento seja positivo conta com a competecircncia e curiosidade dojornalista

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 19: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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3 Dar Voz a Quem Natildeo Ouve

FIG 2 As matildeos comunicamFonte site httpi558photobucketcomalbumsss29

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Superar as barreiras do silecircncio e escrever um livro ndash reportagemsobre o universo dos surdos sem cair no senso comum eacute o desafio pro-posto pelo objeto de pesquisa ndash Livro-reportagem sobre a comunicaccedilatildeorelegada ndash em construccedilatildeo na Universidade de Cuiabaacute (Unic) a ser apre-sentado em 20112 para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de bacharel em JornalismoVaacuterios dos procedimentos inerentes ao jornalismo foram necessaacuteriospara dar os primeiros passos rumo agrave concretizaccedilatildeo desse sonho En-tre eles entrevista pesquisa e apuraccedilatildeo Provavelmente outras teacutecnicasseratildeo utilizadas no decorrer das investigaccedilotildees isso eacute importante paradar a credibilidade e a objetividade necessaacuterias a um livro de natildeo ficccedilatildeoPoreacutem o mais importante nesse caso eacute expor este universo tatildeo desco-nhecido pela maioria dos sujeitos ouvintes e falantes a surdez

Na captura de boa qualidade literaacuteria foram selecionadas as histoacuteriasde vida de trecircs personagens para servirem de fio condutor das infor-maccedilotildees e teorias expostas no livro Satildeo eles Iolanda Xavier 66 donade casa do interior de Minas Gerais matildee de um casal de filhos sur-dos Marli 42 e Marcos 32 sendo que o rapaz possui doenccedila mental(Disritmia) O que eacute novidade nesse campo pois raramente se vecirc umahistoacuteria sobre a surdez contada pela perspectiva de uma matildee Iolanda

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 20: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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mostra o quanto de amor e toleracircncia eacute necessaacuterio no combate aos pre-conceitos As barreiras comunicacionais e a incompreensatildeo podem afe-tar tambeacutem e ateacute mais os ouvintes que tem filhos irmatildeos ou outrosparentes surdos Em alguns momentos Iolanda agradece pelo fato de ofilho natildeo ouvir certas agressotildees verbais e palavras de intoleracircncia queela escuta e absorve no lugar dele Agrave medida que esta histoacuteria foi seremontando delinearam-se vaacuterias situaccedilotildees de preconceito perda e bar-reiras comunicacionais

Essa matildee luta haacute mais de 40 anos para entender os filhos e para queeles sejam entendidos pelos outros Na eacutepoca em que os criou natildeo sefalava em preconceito ou discriminaccedilatildeo como hoje por isso foi aindamais difiacutecil conviver com a intoleracircncia e os olhares curiosos dos ou-vintes

Agraves vezes a incompreensatildeo vem da proacutepria famiacutelia O segundo per-sonagem Everaldo Pereira dos Santos que nasceu surdo sabe bem oque eacute isso Desde crianccedila enfrenta dificuldades comunicacionais emcasa jaacute que seus pais natildeo entendem a liacutengua dos sinais e sempre semostraram contra a comunicaccedilatildeo feita por miacutemicas e gestos Por meiode muita persistecircncia ele superou essas barreiras mas enfrenta outrastantas agrave frente de uma instituiccedilatildeo para surdos

Atualmente Everaldo Santos 51 eacute vice-presidente do Centro deSurdos da Bahia (Cesba) e eacute casado com uma deficiente auditiva comquem teve um filho ouvinte ndash o que eacute natural com casais de surdosndash que estaacute com 15 anos Atraveacutes da histoacuteria de Everaldo eacute possiacutevelvivenciar as dificuldades enfrentadas pelos surdos desde a infacircncia ateacutea maturidade

Em uma dessas passagens Everaldo lembra com tristeza de comofoi seu primeiro contato oficial com as palavras Mas antes eacute precisoesclarecer um grande equiacutevoco em relaccedilatildeo agrave surdez A maioria das pes-soas pensa que ser surdo acarreta em ser mudo engano que resulta dafalta de informaccedilatildeo O fato eacute que a surdez nada tem haver com as cordasvocais que aliaacutes funcionam perfeitamente A grande dificuldade nessecaso eacute a falta de intimidade entre o surdo e a sonoridade das palavraso que acaba por impedi-lo de pronunciaacute-las de forma clara Por issoagraves vezes os sons proferidos por eles saem disformes e de difiacutecil com-preensatildeo

Everaldo afirma que antigamente as crianccedilas eram obrigadas a falar

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 21: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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sem o auxiacutelio dos gestos e seu fonoaudioacutelogo chegava a usar um objetochamado palmatoacuteria8 para dar palmadas em suas matildeos e inibi-lo de usaacute-las durante a conversaccedilatildeo Isso ainda assombra suas lembranccedilas ateacutehoje

Curione (2004) aponta que eacute possiacutevel encontrar atitudes semelhan-tes no cenaacuterio atual da educaccedilatildeo para surdos no Brasil ainda eacute impostaa oralidade aos surdos Por isso defende a Liacutengua de Sinais ndash Libras ndashcomo primeira liacutengua dos surdos e aponta

Os ouvintes tecircm bloqueado a aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinaispelos Surdos natildeo permitindo que estes aprendam essa liacuten-gua quando crianccedilas e tambeacutem natildeo favorecendo um am-biente adequado para essa aquisiccedilatildeo natural da Liacutengua deSinais Ouvintes natildeo tecircm bloqueio na sua aquisiccedilatildeo deLiacutengua pois tecircm garantia para desenvolvecirc-la (CURIONE2004 p 04)

O terceiro personagem seraacute mato-grossense professor de Libras ouprofissional que trabalhe com a deficiecircncia auditiva Assim poderaacute es-clarecer de forma mais imparcial algumas duacutevidas sobre convivecircnciaentre surdos e ouvintes relaccedilatildeo em sociedade se existe espaccedilo no mer-cado de trabalho para os surdos e como satildeo tratados no mercado deconsumo Dessa forma fecha-se um ciacuterculo que desenha o retrato dacomunicaccedilatildeo entre surdos a partir de trecircs olhares distintos

Para explicar algumas situaccedilotildees vividas pelos personagens que satildeocomuns a vaacuterios outros membros do grupo seratildeo utilizados trabalhos devaacuterios pesquisadores interessados neste tema por isso natildeo foi possiacutevellistaacute-los todos neste espaccedilo Poreacutem fez-se uma seleccedilatildeo dos mais cita-dos para representar o conjunto Satildeo eles Flora Davis (1979) no livroComunicaccedilatildeo natildeo Verbal mostra que eacute possiacutevel se comunicar atraveacutesde outros sentidos como tato olfato e por meio das posturas do corpoas expressotildees faciais as matildeos etc Essa infinidade de formas comuni-cacionais permite observar que haacute uma superestimaccedilatildeo na importacircnciadas palavras O pedagogo Alex Curione (2004) escreve sobre a im-portacircncia em se permitir que o surdo aprenda a Libras como primeira

8Basicamente eacute uma taacutebua em formato redondo ou retangular com cinco furos ecabo Tambeacutem chamado de ferrolho o instrumento era muito utilizado antigamentenas escolas como puniccedilatildeo fiacutesica aos alunos desobedientes

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

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Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 22: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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liacutengua Outros pesquisadores como Ana Paula Santana e AlexandreBeacutergamo (2005) Mailce Mota (2008) Grolla (2009) Piacutezzio Rezendee Muller de Quadros (2009) e Perlin (2008) traccedilam um perfil da identi-dade surda mostrando as expectativas e anseios desse puacuteblico

4 A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade

FIG 3 Representaccedilatildeo dos gestos como formas de comunicaccedilatildeo natildeoverbal

Fonte sitehttp1bpblogspotcom_R8GueqnkiOoS6FdnSckbII

AAAAAAAAAHo7hgKO95k4Hks320mudocegosurdojpg

Acredita-se que as crianccedilas satildeo capazes de se comunicar antes mes-mo de vir ao mundo Alguns especialistas creem que o bebecirc estabeleceligaccedilatildeo com a matildee ainda no uacutetero na qual ela eacute capaz de perceber asvariaccedilotildees de humor ou desconforto do filho Ao nascerem essas cri-anccedilas satildeo capazes de reconhecer os pais principalmente a matildee pelavoz e o cheiro Nas primeiras semanas eles se comunicam atraveacutes dosgestos expressotildees faciais gemidos e choro Davis (1979) denominaesse aspecto interativo de ldquocomunicaccedilatildeo natildeo verbalrdquo A pesquisadoraafirma que esta forma de comunicar vem desde os primoacuterdios antesdo surgimento da oralidade quando a comunicaccedilatildeo natildeo verbal era ouacutenico meio de que o homem dispunha Ela garante ser possiacutevel enviarmensagens ao outro sem pronunciar nenhuma palavra usando apenas

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expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

ReferecircnciasAires Almeida org (2003) Aristoacuteteles in Dicionaacuterio Escolar de

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 23: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 23

expressotildees faciais e esclarece ainda que algumas delas satildeo universais einconfundiacuteveis

Mais de mil expressotildees faciais satildeo possiacuteveis do ponto devista anatocircmico e os muacutesculos do rosto satildeo tatildeo versaacuteteisque teoricamente todas elas podem ser demonstradas emapenas duas horas [] A prova mais citada por aqueles queacreditam nessas expressotildees universais eacute o estudo realizadoacerca de crianccedilas cegas de nascenccedila Descobriu-se porexemplo que todos os bebecircs externam um sorriso socialpor volta das cinco semanas ateacute mesmo os cegos isto eacuteaqueles que natildeo podem imitar quem os rodeia As crianccedilascegas riem choram fazem beicinho e adotam as expressotildeestiacutepicas de raiva medo e tristeza (DAVIS 1979 pp 59-61)

No entanto essa eacute apenas uma entre as diversas aacutereas da linguiacutesticaque busca ilustrar a capacidade comunicativa dos seres humanos Vaacuteriasteorias9 tentam explicar o fenocircmeno da aquisiccedilatildeo da linguagem pelascrianccedilas Poreacutem os testes mostram que satildeo poucas as que apresentamconsistecircncia e relevacircncia O quadro abaixo apresenta algumas delasexplicando suas caracteriacutesticas e validade cientifica

9As teorias e conceitos satildeo expostos por Elaine Grolla (2009) no artigo ldquoAquisiccedilatildeoda Linguagemrdquo

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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Prisioneiros do Silecircncio 31

POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 24: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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TEORIA ASPECTO VALIDADETentativa e er-ro

A crianccedila aprende a liacutenguaatraveacutes de tentativa e erro

Facilmente derrubado pelo pro-cesso de repeticcedilatildeo no qualos cientistas observaram queas crianccedilas passavam semprepelos mesmos estaacutegios e co-metiam os mesmos erros

Imitaccedilatildeo dosadultos

Acredita-se que o apren-dizado acontece porque acrianccedila imita a forma que osadultos falam

Natildeo tem muita validade poisas crianccedilas se expressam demaneira distinta e satildeo ca-pazes de produzir estruturasproacuteprias que nunca ouviramantes Aleacutem do fato que ou-vem um nuacutemero limitado depalavras e frases mas pro-duzem uma infinidade delas

Simplificaccedilatildeode lingua-gem peloadulto ouldquomaternecircsrdquo

Acredita-se que os adul-tos simplificam as frasese usam entonaccedilatildeo de vozdiferente quando falam comcrianccedilas

Pesquisas provaram que cri-anccedilas que natildeo tecircm contato como ldquomaternecircsrdquo apresentam de-senvolvimento semelhante agravesque crescem em ambiente ondeos adultos usam a linguagemIsso demonstra que essa natildeo eacutea forma pela qual aprendem afalar

Correccedilatildeo dosadultos

Essa teoria propotildee que ascrianccedilas aprendem a lin-guagem porque satildeo corrigi-das pelos adultos quandofalam errado

Desconsiderado quando se con-statou que a forma que os paiscorrigem as crianccedilas priorizao conteuacutedo do que dizem enatildeo a gramaacutetica Foi tambeacutemcomprovado que as crianccedilas re-sistem agraves correccedilotildees

Inatista Baseada nas ideias deNoam Chomsky10que de-fendem um conhecimentolinguiacutestico inato

Essa teoria seria capaz de ex-plicar a forma como as crianccedilassatildeo capazes de criar uma lin-guagem proacutepria a partir da liacuten-gua materna com a qual con-vivem

10Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados UnidosAs ideias sobre a teoria inatista satildeo expostas no livro Aspects of the Theory of Syntaxde 1965

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Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 25: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 25

Princiacutepios eParacircmetros

Propotildee a existecircncia de umestado inicial comum atodas as crianccedilas Eacute aGramaacutetica Universal (GU)constituiacuteda por dois tiposde princiacutepios abstratos osriacutegidos que satildeo invariaacuteveise os abertos chamados deparacircmetros Os primeirossimulam as propriedades eas operaccedilotildees que estatildeo pre-sentes nas gramaacuteticas de to-das as liacutenguas naturais e osuacuteltimos opccedilotildees de escolhacujo valor deve ser fixadopara cada liacutengua durante oprocesso de aquisiccedilatildeo a par-tir da liacutengua que serviu deinput11 para a crianccedila

A TPP fortalece a Teoria Ina-tiva pois constitui que umaboa parte da noccedilatildeo gramati-cal eacute inata e os princiacutepios natildeosatildeo aprendidos e sim amadure-cidos Os paracircmetros tam-beacutem jaacute estatildeo conjeturados pre-cisando apenas ser fixados apartir da experiecircncia dos pe-quenos com os elementos lin-guiacutesticos primaacuterios Nessa teo-ria (TPP) eacute comprovado quejuntamente com a GU haacute umprograma maturacional que de-termina o que a crianccedila faraacute emdeterminados periacuteodos

Quadro 2 Aquisiccedilatildeo da linguagem pelas crianccedilasFonte Grolla (2009)

De acordo com Grolla (2009 p 16) a crianccedila soacute precisa ser ex-posta a qualquer tipo de liacutengua para aprendecirc-la A autora dedica maioratenccedilatildeo a ldquoteoria Inatistardquo e afirma ser possiacutevel que o indiviacuteduo jaacute nasccedilacom vaacuterios aspectos das liacutenguas humanas geneticamente determinadose natildeo precisa que isso seja ensinado Ela explica

O conhecimento linguiacutestico inato com o qual as crianccedilasnascem eacute chamado de ldquoDispositivo de Aquisiccedilatildeo de Lin-guagem - DALrdquo (em inglecircs ldquoLanguage Acquisition De-vicerdquo ou LAD) O DAL inclui princiacutepios que satildeo comunsa todas as liacutenguas humanas Tais princiacutepios satildeo chamadosde Gramaacutetica Universal (GU) Em outras palavras a GU eacutecaracterizada como a soma dos princiacutepios linguiacutesticos ge-neticamente determinados especiacuteficos agrave espeacutecie humana euniformes atraveacutes da espeacutecie Uma vez que tais princiacutepiossatildeo inatos eles natildeo tecircm que ser aprendidos A GU se de-senvolve na crianccedila como um oacutergatildeo bioloacutegico (GROLLA2009 p 22)

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 26: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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Independentemente das explicaccedilotildees controveacutersias e novos dadosintriacutensecos as teorias cientiacuteficas eacute possiacutevel perceber no dia a dia vaacuteriasmaneiras de comunicaccedilatildeo natildeo verbal uma piscadela o sorriso e seusinuacutemeros significados levantar a sobrancelha ou os ombros para de-monstrar duacutevida ou espanto jogar beijo levar o dedo indicador agrave bocapara pedir silecircncio entre outros Todos estes gestos falam e agraves vezesgritam sem verbalizar Basta ficar atento e manter a sensibilidade sen-sorial ativa para notar a diversidade do universo comunicacional ao re-dor Nessa infinidade de liacutenguas e linguagens o que se diz por meio dasmatildeos eacute um capiacutetulo agrave parte pois elas satildeo tatildeo eficazes no ato de comu-nicar que possuem uma liacutengua e gramaacutetica proacutepria a Liacutengua de Sinais(Libras) liacutengua oficial dos surdos no Brasil

5 O Que eacute Ser SurdoQuando se faz a pergunta parece que a resposta eacute espontacircnea e obviasurdo eacute o sujeito que natildeo ouve A definiccedilatildeo encontrada no dicionaacuterioSoares Amora (2008 p 701) reforccedila esse conceito ldquoadj 1 Que natildeoouve ou que ouve muito poucordquo Realmente essa eacute a explicaccedilatildeo univer-sal para o termo teacutecnico Mas seraacute que isso engloba todo o significadoda palavra e explica quem eacute o sujeito surdo como ele vive e sente essasurdez Algumas pessoas nascem com a deficiecircncia outras adquiremdepois de adultas No primeiro caso eacute preciso contar com a sensibili-dade da famiacutelia em se adequar ao fato e facilitar a adaptaccedilatildeo do surdo aomeio social que vive De acordo com Rinaldi (1997 p 13) pelo menosuma em cada mil crianccedilas nasce profundamente surda No segundo haacuteum conflito maior jaacute que a audiccedilatildeo foi perdida aos poucos ou abrupta-mente dependendo do tipo de surdez e a maneira que foi adquirida Emambos os episoacutedios o processo eacute complicado e trabalhoso mas algumasvariaccedilotildees da deficiecircncia satildeo reversiacuteveis completa ou parcialmente

51 Para Entender o ProcessoO ouvido humano eacute dividido em trecircs partes cada uma com funccedilatildeo dis-tinta12 O ouvido externo que serve para coletar o som e levar por um

12Informaccedilotildees e imagem retiradas do texto ldquoO ouvido humanordquo de Bertulani parao site da Universidade do Rio de Janeiro

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

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Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Prisioneiros do Silecircncio 41

Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

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_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

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Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 27: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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canal ao ouvido meacutedio O ouvido meacutedio que por sua vez transforma aenergia de uma onda sonora em vibraccedilotildees internas da estrutura oacutessea doouvido meacutedio para enfim converter estas vibraccedilotildees em uma onda decompressatildeo ao ouvido interno E finalmente o ouvido interno trans-forma a onda de compreensatildeo em impulsos nervosos que podem sertransmitidos ao ceacuterebro atraveacutes da coacuteclea oacutergatildeo em forma de caracolRinaldi (1997) explica

Os trecircs ossos do ouvido meacutedio satildeo os menores do corpoDevido ao seu formato chamam-se martelo bigorna e es-tribo Eles estatildeo interligados de maneira que as vibraccedilotildeesde um osso provocam vibraccedilotildees no proacuteximo osso da cadeialevando as ondas sonoras ateacute o ouvido interno onde satildeotransformadas em impulsos eleacutetricos que chegam ao ceacutere-bro atraveacutes do nervo auditivo [] As vibraccedilotildees que as on-das sonoras causam no ar satildeo convertidas em sinais eleacutetri-cos na coacuteclea do ouvido interno onde penetram por umamembrana chamada janela oval e passam para um canalcheio de liacutequido Tudo isso tem mais ou menos o tamanhodo dedo mindinho e o formato de um caracol O canalconteacutem membranas com milhares de terminaccedilotildees nervosasparecidas com ciacutelios Eacute o chamado oacutergatildeo de Corti As vi-braccedilotildees movimentam o liacutequido que mexe os ciacutelios e faz osnervos dispararem sinais eleacutetricos Esses sinais satildeo trans-mitidos ao ceacuterebro por meio do nervo auditivo Vibraccedilotildeesmais fortes criam sons mais intensos (RINALDI 1997 p11 12)

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Prisioneiros do Silecircncio 41

Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

20Pessapdf acesso em 10 de abril de 2011

_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

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Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 28: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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FIG 4 Parte interna do aparelho auditivoFonte httpwwwifufrjbrteachingfis2ondas2

ouvidoouvidohtml

Qualquer lesatildeo ou irregularidade em um desses trecircs ouvidos afetadiretamente a capacidade auditiva Muitas pessoas desenvolvem pro-blemas auditivos ao longo da vida por causa de acidentes ou doenccedilasTecnicamente a surdez eacute classificada em leve moderada severa e pro-funda podendo ser condutiva (ou condutiva-perceptiva) que afeta o ou-vido externo ou meacutedio neurossensorial ou sensoacuterio-neural envolve oouvido interno ou o nervo auditivo e mista quando o problema se lo-caliza no ouvido meacutedio e interno Rinaldi (1997 p 13) exemplifica

A surdez condutiva faz perder o volume sonoro eacute comotentar entender algueacutem que fala muito baixo ou estaacute muitolonge A surdez neurossensorial corta o volume sonoro etambeacutem distorce os sons Essa interpretaccedilatildeo descoorde-nada de sons eacute um sintoma tiacutepico de doenccedilas do ouvidointerno [] A surdez neurossensorial pode se manifestarem qualquer idade desde o preacutenatal ateacute a idade avanccediladaA coacuteclea eacute um oacutergatildeo muito sensiacutevel e vulneraacutevel aos fa-tores geneacuteticos agraves doenccedilas infantis aos sons muito altos e

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a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

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Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 29: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 29

a alguns medicamentos Muitos idosos tambeacutem sofrem desurdez neurossensorial (RINALDI 1997 p 14)

As causas13 satildeo diversas e variam entre preacute neo e poacutes-natal Agravidade dos danos agrave audiccedilatildeo acompanha a classificaccedilatildeo da proacutepriasurdez leve moderada e severa Tudo depende do grau de comprome-timento submetido agrave viacutetima conforme descrito na tabela 3

CAUSAS CARACTERIacuteSTICASPREacute-NATAL Surdez do tipo congecircnita aquela que se pode con-

statar no ato do nascimento Adquirida atraveacutes damatildee durante a gestaccedilatildeo

Hereditariedade Eacute o processo bioloacutegico que permite a transmissatildeode informaccedilotildees contidas no DNA e transmitidade geraccedilatildeo a geraccedilatildeo por meio dos genes Nocaso da surdez as causas satildeo endoacutegenas ou exoacute-genas No primeiro caso por influecircncia da con-sanguinidade quando existe histoacuterico familiar ouquando natildeo haacute compatibilidade sanguiacutenea entre opai e a matildee No segundo os fatores hereditaacuteriosnatildeo satildeo a origem da deficiecircncia e sim alteraccedilotildeesprovocadas (por rubeacuteola por exemplo) no meiointrauterino

Rubeacuteola Doenccedila infecto-contagiosa causada por viacuterus (to-gavirus) A gestante eacute contagiada atraveacutes das viasaeacutereas e por sua vez transmite para o feto pelaplacenta por meio da corrente sanguiacutenea Emsua forma congecircnita causa surdez e ateacute mesmocegueira na crianccedila

Toxoplasmose Eacute contraiacuteda atraveacutes do contato com fezes de gatoou ingestatildeo de alimentos mal cozidos e higieniza-dos Transmitida para o feto atraveacutes da placenta

Citomegaloviacuterus Doenccedila viral da famiacutelia do HerpesHerpes Herpes simples eacute doenccedila sexualmente transmis-

siacutevel e pode ser transmitida ao feto no uacutetero oudurante o parto

13Informaccedilotildees retiradas do artigo sobre ldquoDeficiecircncia auditiva na crianccedilardquo do acervoda Revista Brasileira de Otorrinolaringologia

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30 Ceacutelia Mota

Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 30: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

30 Ceacutelia Mota

Siacutefilis Tambeacutem eacute doenccedila sexualmente transmissiacutevelTransmitida ao bebecirc pela matildee atraveacutes de infecccedilatildeointrauterina

Medicamentos Algumas drogas como antibioacuteticos e diureacuteticosingeridos pela gestante podem causar danos agrave au-diccedilatildeo do bebecirc

Traumatismos Traumas obsteacutetricos como escoriaccedilotildees cortes ouhematomas

Malformaccedilotildees Anomalia na constituiccedilatildeo de algum oacutergatildeo A mal-formaccedilatildeo aparece como consequecircncia das causasacima

NEO-NATAL Surdez em receacutem-nascidos adquirida ateacute oito diasapoacutes o parto A crianccedila fica surda por causa pro-blemas que surgem durante o parto

Eristoblastose fetal Destruiccedilatildeo das hemaacutecias pelo soro materno devi-do agrave incompatibilidade sanguiacutenea ndash fator RH

Prematuridade Quando o bebecirc nasce antes de completar as 37 se-manas de gestaccedilatildeo O organismo eacute mais fraacutegilpouco peso as orelhas satildeo finas e moles podendohaver malformaccedilatildeo do ouvido

Foacuterceps14 Aparelho em formato parecido com uma colherusado durante partos naturais (via vaginal) emcaso de urgecircncia desgaste da matildee ou sofrimentodo feto

Icteriacutecia Eacute causada pelo excesso de bilirrubina no sanguedeixa a pele e o branco dos olhos amarela-dos A bilirrubina eacute um pigmento gerado pelometabolismo das ceacutelulas vermelhas do sangue Acrianccedila apresenta os sintomas da icteriacutecia quandoa formaccedilatildeo de bilirrubina eacute maior do que a capaci-dade do seu fiacutegado de metabolizaacute-la A doenccedilase manifesta por volta do segundo ou terceiro diade vida e comeccedila pela cabeccedila progredindo para oresto do corpo

14De acordo com Schmitt - autor de Your Childrsquos Health Bantam Books - emmateacuteria para o site Uol Sauacutede (1999) A pressatildeo do foacuterceps sobre a pele pode deixarcontusotildees ou arranhotildees ou mesmo pode danificar o tecido adiposo em qualquer parteda cabeccedila ou face

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 31: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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POacuteS-NATAL Todo o tempo depois do parto Alteraccedilotildees doouvido interno e das vias nervosas auditivas ad-vindas nesse periacuteodo satildeo denominadas disacusiasneurossensoriais e podem afetar um ou ambos osouvidos A surdez nesse caso eacute severa ou pro-funda Poreacutem tambeacutem pode ocorrer a surdez con-dutiva ou do ouvido meacutedio causada por otitesbloqueio da trompa de Eustaacutequio ou corpo es-tranho no canal auditivo externo Essa uacuteltima eacuteleve e reversiacutevel podendo ser tratada facilmente

Otites Termo meacutedico para todo tipo de infecccedilatildeo no ou-vido Pode ser aguda ou crocircnica Afeta o ouvidoexterno ou o meacutedio

Parotidites Tumor de paroacutetida ou tumor nas glacircndulas sali-vares A infecccedilatildeo eacute causada pelo viacuterus da ca-xumba e frequentemente resulta em manifes-taccedilotildees discretas ou eacute assintomaacutetica Egrave contagiosae predomina o crescimento no nuacutemero de casosna primavera e inverno Pode levar agrave surdez tran-sitoacuteria ou permanente em um para 20 mil casosusualmente de iniacutecio brusco e unilateral em cercade 80 das vezes

Sarampo Eacute uma doenccedila infecto-contagiosa provocada porviacuterus (Morbili viacuterus) e transmitida atraveacutes de es-pirros e tosse Os sintomas satildeo manchas verme-lhas na pele febre tosse mal-estar conjuntivitecoriza perda do apetite e manchas brancas naparte interna das bochechas (exantema de Kop-lik) Leva ateacute doze dias entre o contaacutegio e o apare-cimento dos sintomas poreacutem a doenccedila pode sertransmitida tambeacutem nesse periacuteodo Entre as com-plicaccedilotildees graves do sarampo estatildeo otite pneumo-nia encefalite Quando leva a uma infecccedilatildeo noouvido meacutedio pode danificar a coacuteclea

Meningite Inflamaccedilatildeo das meninges (membrana que envolveo ceacuterebro) causada por bacteacuterias ou viacuterus (pneu-mococo ou meningococo por exemplo) eacute con-tagiosa sendo que a bacteriana eacute a mais graveHaacute uma produccedilatildeo de pus que espalha a doenccedilapor todo o sistema nervoso central Atinge a gar-ganta o nariz e os ouvidos pode destruir o oacutergatildeode Corti e o nervo auditivo Os sintomas satildeo dorde cabeccedila vocircmitos rigidez da nuca prostraccedilatildeo efebre alta Haacute dois grupos de maior risco receacutem-nascidos e idosos

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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Prisioneiros do Silecircncio 61

clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 32: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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Ototoacutexicos Satildeo agentes quiacutemicos que lesam o nervo auditivoOs principais satildeo monoacutexido de carbono mer-cuacuterio tabaco ouro arsecircnico aacutelcool Em adultosa aspirina o quinino e os diureacuteticos satildeo as uacutenicasdrogas que causam perdas auditivas temporaacuteriaspassiacuteveis de recuperaccedilatildeo quando se retira a me-dicaccedilatildeo Os efeitos satildeo amplos e atingem todas asfaixas etaacuterias

Traumatismo Crani-ano

Pancada forte na cabeccedila pode causar o trauma-tismo craniano Os sintomas satildeo desmaio ton-tura irritabilidade perda de memoacuteria entre ou-tros Uma das possiacuteveis consequecircncias pode ser asurdez suacutebita que pode variar de leve a severa

Quadro 3 Fatores que causam a surdez

52 Deficiecircncia Auditiva tem CuraPor mais que se fale em aceitar os surdos como satildeo haacute sempre quemqueira ldquocuraacute-losrdquo Mas quem garante que eles realmente precisem dessacura Qual foi o momento em que a surdez passou a ser deficiecircncia ndash decondiccedilatildeo a patologia Silva (2006) garante que essa histoacuteria teve iniacuteciocom a exclusatildeo da liacutengua de sinais do ensino para surdos15

Desde o seacuteculo XVII ateacute o Congresso em Milatildeo a crenccedilano paradigma homem-maacutequina engendrada pela ciecircnciamodernavai excluindo os surdos do processo educativo etransformando-os em deficientes Simultacircnea e contradi-toriamente o surdo que se expande e se organiza poliacuteticae socialmente vai se tornando ao mesmo tempo objeto depesquisa para a medicina uma vez que no novo paradigmaa surdez eacute uma anomalia orgacircnica e portanto sujeita agrave curaNesse processo de transferecircncia de concepccedilatildeo ndash de traba-lhador para deficiente ndash o surdo perde o direito de vender asua forccedila de trabalho e passa a depender das habilidades edos instrumentos do meacutedico para curar aquilo que lhe falta

15Este processo assim como o que foi o Congresso de Milatildeo eacute explicado no capiacutetulo61 sobre a histoacuteria da Libras

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um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Prisioneiros do Silecircncio 41

Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

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_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

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Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

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Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 33: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 33

um dos sentidos mais importantes na perspectiva dos ou-vintes a audiccedilatildeo (SILVA 2006 p30)

A boa notiacutecia para os que almejam a cura eacute que alguns tipos da sur-dez satildeo reversiacuteveis outros a depender do grau podem ser amenizadospor meio de aparelhos auditivos A medicina tem avanccedilado muito nessecampo e em casos especiais se estiver de acordo com a vontade dosurdo haacute a possibilidade de se fazer a cirurgia coclear Poreacutem haacute sem-pre aquela versatildeo da deficiecircncia auditiva que eacute permanente Nesse casoa sensoacuterio-neural ou neurossensorial De acordo com Rinaldi (1997p 14) ldquoEacute impossiacutevel curar a surdez neurossensorial do ouvido internoEntretanto os adultos ou idosos e agraves vezes ateacute as crianccedilas podem fazerimplante de eletrodos na coacutecleardquo

Os tipos mais leves e reversiacuteveis da surdez satildeo os que configuram aperda da capacidade auditiva por conduccedilatildeo ou transmissatildeo forma con-dutiva (no ouvido externo ou meacutedio) Essas podem ser tratadas commedicamentos podendo haver necessidade de cirurgias para fechar per-furaccedilotildees nos tiacutempanos drenagens e substituiccedilatildeo do estribo por outroartificial Haacute casos em que se pode recorrer aos implantes cocleares

521 Implante Coclear

Eacute um aparelho eletrocircnico de alta complexidade recurso utilizado paratentar recuperar a audiccedilatildeo total ou parcial de deficientes auditivoscom histoacuterico de surdez sensoacuterio-neural de severa a profunda Aque-les que natildeo conseguem melhorar a percepccedilatildeo sonora apenas com o usoda proacutetese (amplificador) comum Trata-se de procedimento ciruacutergicocom duraccedilatildeo aproximada de 3h sob o efeito de anestesia geral em que eacuteimplantado um dispositivo na coacuteclea O dispositivo possui aproximada-mente 22 eletrodos que estimulam diretamente o nervo auditivo quemanda os sinais para o ceacuterebro O aparelho coclear16 eacute composto poruma parte interna e outra externa Como pode ser visto na imagem

16Fonte de informaccedilotildees e imagens Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP(Hospital das Cliacutenicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Satildeo Paulo)Atraveacutes do site wwwotorrinos24horascombr

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

O-implante-coclearjpg

Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

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Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 34: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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FIG 5 aparelho usado para implante coclearFonte Site http

wwwouvidobionicoorgbrimagesAparelhosFig2jpg

A unidade interna possui um feixe de eletrodos que seraacute posicionadodentro da coacuteclea Este feixe de eletrodos se conecta a um receptor (de-codificador) que ficaraacute localizado na regiatildeo atraacutes da orelha implantadosob a pele Acoplado ao receptor estaacute a antena e o imatilde que servem parafixar a unidade externa e captar os sinais eleacutetricos

FIG 6 Aparelho coclear jaacute implantado por meio da cirurgia coclearFonte Site httpwwwqircombrwp-contentuploads

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Desde 20 de outubro de 1999 cresceu consideravelmente o nuacutemero

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de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 35: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 35

de procura pelos implantes Nesta data foi aprovada a Portaria 1278 queacata na forma do Anexo II as Normas para Cadastramento de Cen-trosNuacutecleos para realizaccedilatildeo de Implante Coclear Ou seja as cirurgiaspassam a ser oferecidas pelo Serviccedilo Uacutenico de Sauacutede (SUS) Algunshospitais puacuteblicos como o Hospital Santo Antocircnio das Obras SociaisIrmatilde Dulce (OSID) de Salvador BA jaacute estatildeo habilitados para realizaacute-las Entretanto eacute necessaacuterio que o candidato passe por uma anamnese17

completa a fim de avaliar suas condiccedilotildees fiacutesicas e psicoloacutegicas e definirqual o procedimento adequado

Nem sempre haacute indicaccedilatildeo para a cirurgia De acordo com o grupode fonoaudiologia do Hospital das Cliacutenicas os melhores resultados satildeoobtidos em dois casos quando a cirurgia eacute feita em crianccedilas de 0 a2 anos e nos casos sensoacuterio-neural No segundo quanto maior for otempo de surdez pior o resultado Nos outros tipos da deficiecircncia audi-tiva fica comprometida a eficaacutecia dos resultados no poacutes-operatoacuterio

6 O Surdo Pelo SurdoAteacute aqui foram expostas as formas verbais e natildeo verbais de comunicare os conceitos da surdez quando tratada como patologia cliacutenica Agoraseraacute mostrado outro lado dessa questatildeo como a surdez eacute vivida e sen-tida Pois a deficiecircncia auditiva jaacute natildeo eacute mais como antes nem na ter-minologia e tampouco no significado Santana e Beacutergamo (2005 p 03)esclarecem que a ldquomudanccedila de nomenclatura natildeo eacute soacute terminoloacutegicamas conceitualrdquo A surdez passa de patologia para fato social e o defi-ciente auditivo torna-se e passa a ser chamado de surdo pessoa normalapenas diferente

Ainda assim as mudanccedilas seguem em ritmo lento e na maioriadas vezes pouco perceptiacuteveis para quem vive a surdez e tudo que vemcom ela Um bom exemplo para ilustrar tal experiecircncia eacute a histoacuteriade Marcos Rosa Fonseca Ele eacute do interior de Minas Gerais tem 32anos e sua matildee atende pelo nome de Iolanda que tambeacutem eacute uma daspersonagens do livro-reportagem proposto neste trabalho

Marcos nasceu surdo numa famiacutelia de ouvintes em que jaacute havia ummembro na mesma situaccedilatildeo Poreacutem a surdez natildeo era seu uacutenico pro-

17Eacute o conjunto das informaccedilotildees recolhidas pelo meacutedico a respeito de um doente

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

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Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 36: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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blema depois de vaacuterios exames foi detectada uma disritmia cerebral18

e raquitismo19 que demandavam acompanhamento meacutedico e remeacutedioscontrolados Desde crianccedila ele conhece as limitaccedilotildees da deficiecircnciaauditiva e o preconceito acerca dela

Quando saiacutea na rua Marcos era apontado pelas outras crianccedilas comoo doido Elas corriam de medo pois aprenderam com os pais que ele eraldquoo mudinho doidordquo e iria pegaacute-los para fazer-lhes alguma maldade Issopiorava ainda mais a situaccedilatildeo porque Marcos natildeo entendia a reaccedilatildeo dascrianccedilas nem a agressividade dos adultos que lhe viravam o rosto e oignoravam como se ele tivesse alguma doenccedila contagiosa Parece inco-mum e cruel mas esse natildeo eacute um caso isolado Vaacuterios cientistas apontamsituaccedilotildees parecidas e tentam esclarecer a origem da discriminaccedilatildeo Ri-naldi (1997 p 15) esclarece que por um longo tempo a deficiecircncia au-ditiva era confundida com deficiecircncia mental e ateacute mesmo possessotildeesdemoniacuteacas Os surdos tecircm sido taxados de ldquolsquodoidinhosrsquo mudos ousurdos-mudosrdquo

O estigma social acompanha o surdo desde os primoacuterdios Ateacute ondese sabe nunca ocuparam lugares de destaque na histoacuteria poliacutetica oucultural deste paiacutes Muumlller de Quadros e Perlin (2007) confirmam essaafirmaccedilatildeo

A histoacuteria nos colocou como deserdados [] e toda sortede estereoacutetipos menos valias nos colocaram todos com osmesmos caracteres todos natildeo constantes dos espaccedilos dedesenvolvimento do paiacutes apesar da visibilidade de nossasdiferenccedilas O triste espaccedilo da deficiecircncia foi o aacutelibi paranos manterem ldquobaixas do progressordquo Usurparam nossadiferenccedila e disso sequer poderiacuteamos sair pelos cadeadoscolocados aqui e ali (MUumlLLER DE QUADROS amp PER-LIN 2007 p 13)

A histoacuteria realmente foi um importante fator de atraso na trajetoacuteriade conquistas dos surdos Regina Maria de Souza escreveu para o site

18Essa doenccedila acarreta um conjunto de sintomas que se distinguem por fatos recor-rentes e breves capazes de distorcer a consciecircncia Podem se associar a alteraccedilotildeesdos movimentos convulsotildees e mesmo transtornos do sentimento das emoccedilotildees daconduta ou tudo isso junto

19Deficiecircncia de caacutelcio nos ossos causada pela falta da vitamina D

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popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Prisioneiros do Silecircncio 41

Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

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hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

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_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

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Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 37: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 37

popsiccom em agosto de 1995 que por toda a antiguidade ldquocom o avalde filoacutesofos como Aristoacuteteles ateacute quase o final da Idade Meacutedia os sur-dos eram considerados imbecis e portanto sem direitos legais ou civisrdquoFoi somente depois do coacutedigo Justiniano de 52920 que surgiu distinccedilatildeoentre surdos inatos e os que haviam adquirido a surdez apoacutes terem rece-bido educaccedilatildeo Apenas a estes era concedido o exerciacutecio da cidadania

Nesse sentido Marcos tem duplo motivo para sofrer preconceito ouseja ainda que natildeo portasse a disritmia estaria agrave mercecirc do julgamentohumilhaccedilatildeo e isolamento da sociedade A mesma que rotula e excluiindiviacuteduos pelos mais variados motivos Entre eles a deficiecircncia audi-tiva Poreacutem muitas vezes por falta de conhecimento ou desinteresseo preconceito comeccedila em casa Mas quando isso acontece o que podeser feito

Dificilmente o surdo consegue ir contra a vontade dos pais As-sim como acontece com outros surdos quando se notou a deficiecircn-cia Marcos foi encaminhado para um profissional em fonoaudiologiaEsse fonoaudioacutelogo orientou Dona Iolanda a matildee a natildeo deixaacute-lo usarmiacutemica para se comunicar A razatildeo era tentar forccedilar a oralidade jaacute queo garoto tinha as cordas vocais em perfeito estado como aliaacutes a maiorparte da comunidade surda Ela obedeceu e armou uma batalha inces-sante acompanhada de mal-estar e estresse com o filho que insistiaem usar miacutemica O resultado foi que Marcos natildeo aprendeu a Liacutengua deSinais (Libras)

As teacutecnicas usadas para se conseguir ldquoarrancarrdquo a fala dos surdoseram e ainda satildeo questionaacuteveis Seraacute que eacute mesmo necessaacuterio privaacute-losda comunicaccedilatildeo manual para obrigaacute-los a usar a oralidade Nesse casoos prejuiacutezos podem significar muito mais do que retirar dos surdos odireito a uma liacutengua Santana e Beacutergamo (2005 pp 0304) afirmamque haacute uma perda de identidade pois eacute preciso que haja contato comoutros surdos que usem a liacutengua de Sinais para que surjam novas for-mas de interagir Eles descobrem formas de dialogar e aprender quenatildeo conseguem por meio da liacutengua falada ldquoAo tomar a liacutengua comodefinidora de uma identidade social ainda que se leve em conta as re-

20Justiniano foi um imperador romano que subiu ao trono em agosto de 527 dCiniciando obra militar e legislativa Reuniu comissatildeo de dez membros para compilaras constituiccedilotildees imperiais vigentes e instituiu o que ele chamou de ldquoNovus JustinianusCodexrdquo

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laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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Prisioneiros do Silecircncio 61

clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 38: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

38 Ceacutelia Mota

laccedilotildees e os conflitos relativos agraves distintas posiccedilotildees ocupadas por grupossociais enfatiza-se o seu caraacuteter instrumentalrdquo E os autores creditam anatureza e significaccedilatildeo dos surdos em sociedade agraves interaccedilotildees sociais agravesquais estatildeo ligados

SOUZA (agosto de 1995) confirma que os problemas afetivos en-frentados pelos surdos estavam fortemente ligados agrave privaccedilatildeo linguiacutesticaque imputaacutevamos a eles Por isso grande parte dessas pessoas acaboupor confirmar os argumentos em favor da necessidade de acompanha-mento psicoloacutegico e meacutedico Fortaleceu-se a ideia de que era precisomeacutetodos corretivos ou preventivos dos sintomas que a teoria esperavaque emergissem Assim criou-se um ciacuterculo vicioso ldquoa privaccedilatildeo lin-guiacutestica provocada pelos preconceitos da sociedade e dos profissionaisem relaccedilatildeo agrave LS condicionava graves comprometimentos afetivos ecognitivos no surdo o que por sua vez compelia o psicoacutelogo a adotaruma praxis21 lsquoreabilitadorarsquo Natildeo havia aparentemente outra saiacutedardquo

Os surdos jaacute possuem sua proacutepria liacutengua que eacute reconhecida por leiPoreacutem ateacute entatildeo pouco aderida e respeitada pela sociedade Mas porque ocorre a rejeiccedilatildeo Algumas suspeitas jaacute podem ser levantadas pelohistoacuterico de descaso com o surdo por haver uma minoria de deficientesauditivos na sociedade falta de interesse em aprender a liacutengua e inter-agir com os surdos pouca divulgaccedilatildeo e oferta de cursos para habilitaros ouvintes ou todas as alternativas acima Muumlller de Quadros e Perlin(2007) apontam para uma rotulaccedilatildeo dos surdos colocando-os agrave margemda sociedade e desvalorizando sua cultura

Noacutes surdos somos aquele grupo [] de paacuterias da socieda-de O que nos levou a ser classificados como isto se es-tamos bem vestidos comemos em restaurantes de classe etransitamos em qualquer ambiente como qualquer gruposimplesmente a chamada normalidade [] Hoje os paacuteriasos natildeo-normais natildeo iratildeo para quaisquer paiacuteses como nostempos da colonialidade em que o rei determinava a criaccedilatildeode novas cidades e os deficientes eram jogados pelos des-penhadeiros por representarem um peso para a sociedade

21Termo que significa acccedilatildeoou actividadee que foi introduzido por Aristoacutetelespara por oposiccedilatildeo a theoria (teoria) e poiecircsis (arte) Na linguagem comum a praacuteticaeacute frequentemente entendida em oposiccedilatildeo a teoria (Dicionaacuterio de Filosofia 2003)

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

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Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 39: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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A temporalidade daqueles feitos incautos mudou Ficamosentre os homens e mulheres pois assim a vida eacute possiacutevel[] Natildeo nos importa que nos marquem como refugoscomo excluiacutedos como anormais Importa-nos quem so-mos o que somos e como somos A diferenccedila seraacute semprediferenccedila (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007pp 09-10)

O fato apontado por vaacuterios teoacutericos a Liacutengua dos Sinais (Libras) eacuteum fator que define e reforccedila a identidade e a cultura surdas No en-tanto outro elemento de relevacircncia eacute a resistecircncia social em acolher eintegrar a comunidade surda e suas diferenccedilas junto aos ouvintes Elesnatildeo querem nem precisam de cura apenas de respeito Afirmam suadiferenccedila poreacutem rejeitam o estigma da patologia ldquoContinuamos a dizerque somos normais com nossa liacutengua de sinais com o nosso jeito deser surdosrdquo (MUumlLLER DE QUADROS e PERLIN 2007 p10) E porisso lutam se organizam em Associaccedilotildees e outros espaccedilos onde for-mam grupos de resistecircncia aos preconceitos e exclusatildeo como esclareceMiorando (2006)

O Movimento Surdo no mundo proporcionou uma organi-zaccedilatildeo poliacutetica que avanccedila no sentido de superar a margina-lizaccedilatildeo trazendo esse sujeito para os espaccedilos que o enxer-guem como um cidadatildeo Eacute uma organizaccedilatildeo que atua apartir de estrateacutegias que buscam romper estereoacutetipos queameacem a sua acessibilidade a uma gama de direitos ad-quiridos principalmente a uma educaccedilatildeo de qualidadeNas camisetas que seus integrantes usam estaacute estampado oseu desejo de reconhecimento ldquoPelo direito de ser surdordquopela natildeo obrigaccedilatildeo de ser submetido a estrateacutegias que oqueiram ouvinte como se natildeo fosse normal Ou seja acondiccedilatildeo que encorajou surdos a criarem estrateacutegias proacute-prias para fazerem o que um cidadatildeo por direito faz es-tudar aprender trabalhar ser feliz (MIORANDO 2006 p78)

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Prisioneiros do Silecircncio 41

Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 40: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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FIG 7 Camiseta de protesto contra o preconceitoFonte site httpwwwzazzlecombreu_nao_sou_

ignorante_mim_sou_surdo_camiseta-235477705924753764

Nota-se que a aceitaccedilatildeo dos surdos pela sociedade fica intrinseca-mente condicionada a algumas regras uma delas eacute que o surdo se o-ralize e abandone sua liacutengua Condiccedilatildeo que eles definitivamente natildeoaceitam pois seria abandonar o que os definem como seres sociais dis-tintos carregados de sua proacutepria cultura Agentes significantes produ-tores de significados acerca da histoacuteria de exclusatildeo e lutas sociais nessepaiacutes

61 Essa Liacutengua tem HistoacuteriaHaacute relatos da existecircncia de uma liacutengua de sinais (ou miacutemica como erachamada) desde os primoacuterdios assim foi descrito por Ramos (2004)

O primeiro ponto de vista eacute defendido por cientistas comoG Reacuteveacutesz que em seu livro Origine et Preacutehistoire du lan-gage (citado por Kristeva 1981) aponta para uma per-spectiva evolutiva na qual em seis etapas traccedila uma linhadesde a comunicaccedilatildeo animal ateacute a linguagem humana al-tamente desenvolvida e complexa O homem em seu es-tado primitivo estaria associado agrave decircixis aos gritos e aosgestos Essa visatildeo compartilhada durante muito tempopela comunidade cientiacutefica trouxe e traz ainda uma boadose de rejeiccedilatildeo agraves Liacutenguas de Sinais das comunidades sur-das associando-as agrave gestualidade primitiva e portanto agrave in-ferioridade (RAMOS 2004 p 03)

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 41: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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Essa afirmaccedilatildeo explicaria pelo menos em parte o histoacuterico de ex-clusatildeo que acompanha os surdos e sua liacutengua Mas o homem somenteconsidera uma liacutengua como tal se houver uma cultura a ela ligada porisso Ramos (2004 p 01) afirma que ldquosob esse ponto de vista as Liacuten-guas de Sinais existiram desde que existe a liacutengua oral humanardquo E osinteresses cientiacuteficos sobre essa linguiacutestica tambeacutem eacute bastante antigo

Data de 1644 o primeiro livro22 em inglecircs com autoria de J Bul-wer que descreve a liacutengua dos sinais Mais tarde em 1860 na Franccedila oabade lrsquoEpeacutee a partir de trabalho desenvolvido com duas surdas acercada liacutengua utilizada nas ruas de Paris desenvolve uma metodologia queele chamou de ldquoSinais Metoacutedicosrdquo Sacks (apud SOUZA 1995) contaque ele se empenhava muito no uso dessa liacutengua mas ao contraacuterio dosoralistas natildeo tentava a qualquer custo fazer os surdos falarem

Aleacutem do mais LrsquoEpeacutee contava com o apoio de renomados filoacutesofosda eacutepoca que consideravam sua chamada ldquomiacutemica dos surdosrdquo maisdo que uma simples linguagem Era arte de ensinar que ateacute mesmo su-perava a fala ldquoA ideologia reabilitadora teve pois com LrsquoEpeacutee outraroupagem Jaacute natildeo era mais a deficiecircncia fiacutesica do surdo o alvo paracorreccedilatildeo mas sim seu proacuteprio modo de se comunicarrdquo (SACKS apudSOUZA agosto de 1995) Essa teoria foi respeitada e aderida pelo Insti-tuto de Surdos e Mudos (atual Instituto Nacional de Jovens Surdos) deParis para a educaccedilatildeo dos seus alunos

Enquanto isso em 1817 foi fundada nos Estados Unidos pelo pro-fessor Thomas Hopkins Gallaudet e um dos seus melhores estudantesa primeira escola permanente para surdos em Hartford Connecticut ALiacutengua Americana de Sinais (ASL) foi completamente aceita como liacuten-gua de instruccedilatildeo nas escolas dos Estados Unidos em 1835 E de acordocom Ramos (2004 p 65) ldquohouve em consequecircncia dessa atitude umaelevaccedilatildeo do grau de escolarizaccedilatildeo das crianccedilas surdas que passarama atingir o mercado profissional de niacutevel mais alto a maioria delas op-tando por se tornarem professores de surdosrdquo A pesquisadora comprovaque estudos realizados em 17 paiacuteses da Europa mostram uma tendecircn-cia agrave adesatildeo da liacutengua dos sinais na educaccedilatildeo dos surdos nessa mesmaeacutepoca e com os mesmos resultados positivos

22Fonte Cleacutelia Regina Ramos em artigo escrito e divulgado pela editora AraraAzul em fevereiro de 2004

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 42: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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No entanto em 1880 ouve uma mudanccedila radical e a liacutengua de sinaispassa a ser banida de forma progressiva das escolas de surdos Essamudanccedila ocorreu depois do Congresso de Milatildeo que reuniu 182 dosmais renomados professores de surdos na maioria ouvintes oriundos depaiacuteses como Beacutelgica Franccedila Alemanha Inglaterra Itaacutelia Sueacutecia Ruacutes-sia Estados Unidos e Canadaacute Natildeo haacute nenhuma explicaccedilatildeo plausiacutevelpara tal atitude poreacutem Silva (2006) esclarece alguns pontos sobre oevento

O objetivo foi discutir a educaccedilatildeo de surdos e analisar asvantagens e os inconvenientes do internato o periacuteodo ne-cessaacuterio para educaccedilatildeo formal o nuacutemero de alunos porsalas e principalmente como os surdos deveriam ser ensi-nados por meio da linguagem oral ou gestual Nesse Con-gresso que no momento da deliberaccedilatildeo natildeo contava coma participaccedilatildeo nem com a opiniatildeo da minoria interessada ndashos surdos ndash um grupo de ouvintes impocircs a superioridadeda liacutengua oral sobre a liacutengua de sinais e decretou que aprimeira deveria constituir o uacutenico objetivo do ensino Adiscussatildeo foi extremamente agitada e por ampla maioriao Congresso declarou que o meacutetodo oral na educaccedilatildeo desurdos deveria ser preferido em relaccedilatildeo ao gestual poisas palavras eram para os ouvintes indubitavelmente supe-riores aos gestos (SILVA 2006 p 26)

A partir desta data a maioria dos paiacuteses optou por restringir a edu-caccedilatildeo dos surdos a uma uacutenica liacutengua a oral o que os afastou do pro-cesso educativo Isso os tornou ldquodeficientesrdquo aos olhos da sociedadepreacute-conceito que originou depois do Congresso de Milatildeo e resiste ateacutehoje Vaacuterios pesquisadores entre eles Souza (fevereiro 2007) contamque muitas escolas especiais tiveram suas portas fechadas ou abando-nadas as segundas com subsiacutedios insuficientes para mantecirc-las O temorera que essas escolas se tornassem pontos disseminadores da liacutengua desinais ldquoA orientaccedilatildeo era que as crianccedilas surdas fossem preferencial-mente colocadas em escolas regulares junto com alunos lsquonormaisrsquo eque natildeo tivessem nenhum contato com outras crianccedilas surdasrdquo (Souzafev 1995)

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Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 43: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

Prisioneiros do Silecircncio 43

Assim se estabelece uma lacuna na histoacuteria da LS que vai ateacute a deacute-cada de 1940 quando surgem pistas de retorno desta liacutengua agraves escolasDessa forma entre trancos e barrancos a LS resiste ao tempo ateacute a a-tualidade apesar dos entraves E os Estados Unidos continuam a ser amaior referecircncia em pesquisa linguiacutestica no campo da Liacutengua de SinaisEmpregam inclusive alguns pesquisadores surdos em suas equipes Oque eacute uma grande conquista A inserccedilatildeo desses estudiosos nos gruposde anaacutelise deveraacute gerar mudanccedilas qualitativas nas pesquisas que vemsendo realizadas Isso faz pensar na possibilidade de talvez as comu-nidades acadecircmicas e poliacuteticas brasileiras copiarem este modelo Seriauma revoluccedilatildeo em prol do avanccedilo rumo agrave inclusatildeo dos surdos nos vaacuteriossetores a que ainda satildeo privados neste paiacutes

611 Que libras eacute essa

E no Brasil como surgiu a Libras Em 26 de setembro de 1857 foi fun-dado no Rio de Janeiro o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSMatual Instituto Nacional de Educaccedilatildeo de Surdos- INES) por meio da Lei839 assinada por D Pedro II Assim ficou marcado o iniacutecio oficial daeducaccedilatildeo dos surdos no Brasil Poreacutem de acordo com Reis citado porRamos em artigo escrito para o site da editora Arara Azul em fevereirode 2004 em 1835 um deputado de nome Corneacutelio Ferreira apresentouagrave Assembleia um projeto de lei com base na criaccedilatildeo do cargo de pro-fessor de primeiras letras para o ensino de cegos e surdos-mudos Masnatildeo obteve ecircxito na aprovaccedilatildeo

De acordo com Reis (apud Ramos 2004 p 05) o interesse de DomPedro II em educaccedilatildeo para surdos viria do fato de ser a princesa Isabelmatildee de um filho surdo e casada com o Conde DrsquoEu parcialmente surdoHouve realmente grande empenho por parte de D Pedro II na fundaccedilatildeode uma escola para surdos ele determinou inclusive que viesse para oBrasil em 1855 um professor surdo francecircs Ernest (ou Eduard) Huet Ointeacuterprete francecircs vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris garan-tiu que o trabalho com os surdos estivesse atualizado com as novasmetodologias educacionais

Por isso acredita-se que haja grande influecircncia da liacutengua de SinaisFrancesa sobre a Liacutengua Brasileira de Sinais O fato eacute que naquele

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 44: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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tempo a liacutengua dos sinais e o alfabeto datiloloacutegico23 eram aceitos eateacute estimulados na educaccedilatildeo dos surdos pois se acreditava que podiamfacilitar a integraccedilatildeo entre professores e alunos Em 1973 finalmentefoi escrito um livro sobre a liacutengua dos sinais pelo estudante brasileiroFlausino Joseacute da Gama Iconographia dos Signaes dos Surdos-MudosA obra eacute inspirada em livro de publicaccedilatildeo francesa o qual pesquisou nabiblioteca do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (INSM)

E em 1911 o INSM passou a usar a oralidade pura como meacutetodo deensino a exemplo dos demais paiacuteses Mas ouve mesmo que veladauma luta contra a metodologia por parte de professores funcionaacuteriossurdos e os ex-alunos que sempre mantiveram o haacutebito de frequentar aescola Poreacutem natildeo foi o suficiente pois ainda hoje a comunidade surdacontabiliza os prejuiacutezos morais intelectuais e financeiros da supressatildeode sua liacutengua Tal ato de mutilaccedilatildeo identitaacuteria teve origem no Congressode Milatildeo e adesatildeo no mundo inteiro Sobre isso Silva (2008) diz

Diante da concepccedilatildeo medicalizada da surdez as escolaspouco a pouco satildeo transformadas em salas de tratamentoAs estrateacutegias pedagoacutegicas passam a ser estrateacutegias tera-pecircuticas Os professores surdos satildeo excluiacutedos e incluem-seos profissionais ouvintes Os trabalhos pedagoacutegicos cole-tivos satildeo transformados em terapias individuais e o que eacutemais grave a partir dessa concepccedilatildeo entendeu-se que a sur-dez afetaria de modo direto a competecircncia linguiacutestica dosalunos surdos estabelecendo assim uma equivocada identi-dade entre a linguagem e a liacutengua oral Dessa ideacuteia se inferea noccedilatildeo de que o desenvolvimento cognitivo estaacute condi-cionado ao maior ou menor conhecimento que tenham osalunos surdos da liacutengua oral (SILVA 2008 p 32)

Finalmente no ano de 2002 a Liacutengua Brasileira de Sinais (Libras)eacute reconhecida como Liacutengua oficial dos surdos no Brasil por meio da leino 10436 regulamentada pelo decreto 562605 E consta no ParaacutegrafoUacutenico que a Libras eacute uma liacutengua visual-motora de estrutura gramati-cal proacutepria e um ldquosistema linguiacutestico de transmissatildeo de ideias e fatosoriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasilrdquo

23Alfabeto dos surdos da Libras Usam-se as matildeos para soletrar

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 45: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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Essa accedilatildeo representa um grande avanccedilo na luta da comunidade surdapor reconhecimento e respeito As accedilotildees implementadas impulsionama sociedade a dar mais um passo rumo agrave devoluccedilatildeo da cidadania surdatolhida por anos na histoacuteria Ramos (2006) confirma

A Regulamentaccedilatildeo da Lei no 10436 (conhecida tambeacutemcomo a ldquoLei de Librasrdquo) em 22 de dezembro de 2005 pas-saraacute para a histoacuteria como um marco positivo na luta pe-los direitos de cidadania dos surdos brasileiros O Decreto5626 prevecirc a inserccedilatildeo da liacutengua de sinais como disciplinacurricular obrigatoacuteria nos cursos de formaccedilatildeo de profes-sores para o exerciacutecio do magisteacuterio em niacutevel meacutedio e su-perior e como disciplina curricular optativa nos demais cur-sos de educaccedilatildeo superior e na educaccedilatildeo profissional Prevecirctambeacutem a formaccedilatildeo de profissionais surdos e ouvintes parao ensino da liacutengua de sinais assim como a formaccedilatildeo e avali-accedilatildeo dos Inteacuterpretes e Tradutores de Libras entre outras di-versas e importantes accedilotildees (RAMOS apud MUumlLLER DEQUADROS 2006 p 04)

Muumlller de Quadros e Massutti (2007 p 244) ratificam tal afirmaccedilatildeoe complementam tal lei visa preservar e disseminar a Liacutengua Brasileirade Sinais Isso assegura o compromisso de formar professores de Librase inteacuterpretes e propotildee curso superior biliacutengue voltado a educaccedilatildeo infan-til Aleacutem do mais determina a inclusatildeo da liacutengua de sinais em todos oscursos que formam educadores no Brasil

Na teoria parece perfeito Mas na praacutetica a realidade eacute outra aindanatildeo se pode dizer que com essa lei os surdos passam a compartilhardos mesmos benefiacutecios que o ouvinte no interior das salas de aula nasuniversidades nas agecircncias bancaacuterias lojas ou quaisquer outros locaispuacuteblicos As barreiras da linguagem ainda satildeo visiacuteveis e difiacuteceis detranspor A liacutengua de Sinais eacute pouco compreendida pela larga maioriada sociedade Vale ressaltar que por natildeo haver outra forma de com-preender a liacutengua falada os surdos aprenderam uma teacutecnica bastantefuncional para facilitar a interatividade com os ouvintes a leitura labial

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 46: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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612 Ler laacutebios eacute ver vozes

Com a demanda de oralizar o estudante surdo a qualquer preccedilo criou-se o que os cientistas chamam de ldquomedicalizaccedilatildeo da surdezrdquo Acompa-nhando essa tendecircncia e usando como justificativa uma falsa inclusatildeosurgiu na catequizaccedilatildeo por meio de certo meacutedico holandecircs uma teacutec-nica diferente Johann K Amman (1669-1724) visando interesses reli-giosos tinha por objetivo inserir na educaccedilatildeo para surdos a articulaccedilatildeode palavras por meio da leitura labial Para tanto ele desenvolveu ateacutecnica do espelho Assim os surdos reproduziam mecanicamenteos movimentos da liacutengua falada na pronuacutencia das palavras ldquoEmbasa-dos nos ideais da ciecircncia mecanicista que aventava a cura audioloacutegicainicia-se com Amman a cura da fala ou [] lsquoa pedagogia corretivarsquordquo(SILVA 2006 p 31)

O que se percebe ateacute entatildeo eacute um vasto histoacuterico de supressatildeo da liacuten-gua matildee (Libras) e imposiccedilatildeo arbitraacuteria da linguagem oral aos surdosTalvez seja esse o motivo pelo qual a comunicaccedilatildeo entre surdos e ou-vintes seja ainda uma via de matildeo uacutenica Essa ideia de que natildeo eacute precisoaprender a liacutengua deles pode ser observada no interior das salas de aulasnas escolas de ensino regular puacuteblicas que acolhe estudantes ouvintese surdos O professor ouvinte que natildeo sabe Libras prioriza a apren-dizagem dos estudantes ouvintes Pois simplesmente natildeo sabem comointeragir com os surdos As condiccedilotildees oferecidas aos alunos surdos satildeodesiguais e inferiores em relaccedilatildeo agraves disponibilizadas aos ouvintes Osurdo quando em sala de aula natildeo tem suas necessidades observadasou supridas impossibilitando assim o seu completo desenvolvimentoEnfim ldquoos conhecimentos e informaccedilotildees trabalhados nas escolas satildeovinculados exclusivamente agrave liacutengua portuguesardquo (MACHADO 2006 p49) Sobre isso Silva (2008) diz

As representaccedilotildees do ser surdo em um universo essen-cialmente regulado pelo som ouvir e falar traduzidas napraacutetica pedagoacutegica pelo ler e escrever tornaram-se tatildeo es-sencializadas no espaccedilo escolar que qualquer outra formade ensino natildeo centrado na Liacutengua Portuguesa provoca es-tranheza e sofre profundas restriccedilotildees se natildeo impedimentoslegais no processo de implantaccedilatildeo (SILVA 2008 p 82)

Lajonquiegravere (apud SOUZA agosto de 1995) confirma o que vaacuterios

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 47: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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pesquisadores apontam quando esclarece que jaacute natildeo eacute mais o aluno quea escola recebe e sim o ldquodeficienterdquo Ele afirma que ficava a cargo daldquosubmissatildeo agraves praacuteticas lsquoortopeacutedicasrsquo de reabilitaccedilatildeo a busca do resgatede uma funccedilatildeo que jaacute deveria ser operanterdquo

Vistos por esse ponto sucumbindo aos empecilhos impostos nocaminho da alfabetizaccedilatildeo e vida escolar os surdos acabam desistindode ir para a escola Assim vatildeo sendo esquecidos como estudantes emais tarde como profissionais Haacute um grave bloqueio comunicacionalque dificulta a inserccedilatildeo dos surdos nas universidades e cursos de ca-pacitaccedilatildeo a falta de inteacuterpretes Ateacute mesmo nos cursos de habilitaccedilatildeoem comunicaccedilatildeo social a escassez da mateacuteria Libras na grade eacute visiacutevelQuando haacute aulas dessa disciplina satildeo oferecidas em caraacuteter opcionalEnquanto isso os profissionais da aacuterea saem das faculdades com umabrecha no ensino adquirido Natildeo estatildeo amplamente aptos para a comu-nicaccedilatildeo natildeo verbal Natildeo sabem comunicar com os surdos

613 Como eacute que se diz

Amine Leitatildeo estudante de jornalismo em uma faculdade de SalvadorBA certa vez se viu agraves voltas com uma mateacuteria que precisaria produzirsobre a inclusatildeo de deficientes no mercado de trabalho Era simples soacuteteria que pesquisar um pouco e entrevistar as fontes Ela ficou sabendoque um supermercado nos arredores da faculdade tinha um quadrode empregados com esse perfil e foi ateacute laacute a fim de entrevistaacute-los Noentanto natildeo foi possiacutevel concluir sua tarefa Havia duas empacotadorasque poderiam ter dado as entrevistas mas eram surdas e Amine natildeosabia se comunicar com elas

Esta histoacuteria serve para ilustrar a falta de interatividade entre sur-dos e ouvintes no Brasil assim como a situaccedilatildeo constrangedora paraambas as partes Uma porque natildeo consegue entender e a outra por natildeoser entendida apesar de ter sua liacutengua reconhecida por lei Amine aocontraacuterio da maioria se mostrou curiosa sobre o significado dos gestosmanuais e faciais utilizados pelas surdas

ndash Seraacute que aprender Libras eacute assim tatildeo complicado Todos aquelessinais parecem muito complexos ndash Ela pensou

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

ReferecircnciasAires Almeida org (2003) Aristoacuteteles in Dicionaacuterio Escolar de

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 48: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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FIG 8 Os sinais parecem mais complicados do que realmente satildeoFonte site httpretratosdaalmacombrwp-content

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Na verdade aprender a se comunicar por meio da liacutengua de sinaispode ser divertido e prazeroso As semelhanccedilas entre a liacutengua de sinais ea liacutengua falada se datildeo tanto em relaccedilatildeo agrave sua complexidade quanto agrave suaexpressividade Devido a sua modalidade viso-gestual satildeo utilizadas asmatildeos e expressotildees faciais e corporais Assim satildeo produzidos os sinaislinguiacutesticos que satildeo captados pelos olhos e traduzidos pela mente Nocaso das liacutenguas orais eacute utilizada a modalidade oral auditiva nela ossons satildeo percebidos pelos ouvidos ldquoAleacutem disso as diferenccedilas natildeo serestringem apenas ao canal de comunicaccedilatildeo mas tambeacutem agraves estruturasgramaticais de cada liacutenguardquo (Oliveira e Cunha 2009 paacuteg 2)

Como qualquer outra tarefa para bem apreender a Libras basta in-teresse dedicaccedilatildeo e trabalho Por meio das matildeos eacute possiacutevel dizer tudoA figura abaixo mostra o alfabeto como eacute na Liacutengua Brasileira de Sinais

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 49: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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FIG 9 Os gestos correspondentes a cada letra do alfabetoFonte site

http1bpblogspotcom_A8fPA0p6NTETClA6NilwcI

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A Libras tem gramaacutetica e significados proacuteprios Os sinais represen-tam as palavras e isso eacute feito atraveacutes da combinaccedilatildeo do movimento dasmatildeos com certa representaccedilatildeo corporal Por exemplo parte externa damatildeo sobre os laacutebios quer dizer mamatildee ou dedo indicativo sobre o laacutebiosuperior no canto da boca eacute papai Mas natildeo eacute regra que esses sinaissejam os mesmos para todos os surdos ao contraacuterio haacute muitas vari-accedilotildees de acordo com a regiatildeo do Brasil A liacutengua de sinais tambeacutem temregionalismo assim como outras liacutenguas Os sinais variam natildeo soacute deacordo com o estado mas tambeacutem com as culturas regionais religiotildeesgrupos sociais etc No entanto alguns paracircmetros foram encontradoscomo descrevem Oliveira e Cunha (2009)

Os paracircmetros encontrados em liacutengua de sinais satildeo os se-guintes

Configuraccedilatildeo de matildeos que seria a forma das matildeos durantea realizaccedilatildeo do sinal ponto de articulaccedilatildeo ou locaccedilatildeo queeacute o espaccedilo de enunciaccedilatildeo movimento envolvendo movi-mentos internos da matildeo do pulso e outros direcionais no

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

201104orelhajpg

FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

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hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

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Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 50: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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espaccedilo orientaccedilatildeo direcionalidade referindo-se agrave direccedilatildeoda palma da matildeo ao produzir os sinais expressatildeo facialeou corporal que satildeo os componentes natildeo manuais impor-tantes na distinccedilatildeo entre alguns sinais Pesquisas mostramque a liacutengua de sinais assim como a liacutengua oral se estru-tura em niacuteveis fonoloacutegico morfoloacutegico sintaacutetico semacircn-tico e pragmaacutetico (OLIVEIRACUNHA 2009 pp 02-03)

Apesar de ambas as liacutenguas (LS e a Liacutengua Portuguesa) possuiacuteremmorfologia sintaxe semacircntica e fonologia foi detectado diferenccedilas ex-pressivas entre elas Oliveira e Cunha (2009) afirmam que por se tratarda liacutengua de sinais a morfologia ldquoapresenta caracteriacutesticas bem com-plexas em relaccedilatildeo agrave derivaccedilatildeo flexatildeo e composiccedilatildeo sendo observaacuteveisquanto agrave motivaccedilatildeo icocircnica lexicalizaccedilatildeo e sistematicidade linguiacutesticardquoIsso pode ser detectado observando as modificaccedilotildees da configuraccedilatildeo dematildeos durante o diaacutelogo O niacutevel fonoloacutegico eacute aplicado de forma abs-trata jaacute que na Libras natildeo se trabalha com os sons efetivamente

Na sintaxe haacute controveacutersias em relaccedilatildeo agrave organizaccedilatildeo das frasesNota-se certa flexibilidade na ordem das palavras Ainda assim a formaque prevalece eacute Sujeito-Verbo-Objeto Haacute tambeacutem discussotildees sobre osestudos das relaccedilotildees foi detectado que natildeo existe ligaccedilatildeo direta entreos significados da liacutengua de sinais e a liacutengua oral ldquoRessaltando que ossinais natildeo satildeo criados aleatoriamente mas seguindo criteacuterios estruturaispreacute-definidosrdquo Oliveira e Cunha (2009 p 4)

O que se nota eacute um grande descaso em relaccedilatildeo agrave disseminaccedilatildeo daLibras pois essa liacutengua relegada pela sociedade ainda natildeo conta coma credibilidade e apoio necessaacuterios para conquistar espaccedilo como dis-ciplina nas grades fixas de escolas regulares e faculdades brasileirasEacute considerada ldquopantomimardquo ou ldquomiacutemicardquo incapaz de transmitir men-sagens de forma dinacircmica como apontado por alguns pesquisadores

A rejeiccedilatildeo dessa liacutengua pela sociedade eacute negar aos surdos o seudireito de ser de viver sua proacutepria humanidade Teixeira e Silva emsua tese de doutorado apresentada na PUC-Rio em agosto de 2004 es-clarecem que uma das principais caracteriacutesticas dos seres humanos eacute asua capacidade de simbolizar e construir por meio das linguagens omundo ao seu redor A liacutengua dos surdos (liacutengua de Sinais) eacute utilizadaquase que exclusivamente por eles proacuteprios poucos satildeo os nativos deoutras liacutenguas que sabem utilizar a LS Os pesquisadores afirmam que a

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 51: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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observaccedilatildeo empiacuterica confirma o status inferiorizado da Libras em com-paraccedilatildeo com a Liacutengua Portuguesa isso se tratando dos que a conhe-cem Alguns grupos sequer sabem de sua existecircncia A desconsideraccedilatildeoda LS traz grandes prejuiacutezos agrave comunidade surda pode-se afirmar ateacuteque ldquoesta comunidade perde aos olhos dos outros sua humanidadesua possibilidade de significar junto com outros grupos sociaisrdquo (TEI-XEIRA E SILVA 2004 p 23)

Por isso conveacutem ratificar que a implantaccedilatildeo da Liacutengua de Sinaisnas instituiccedilotildees principalmente nas escolas regulares de ensino baacutesicosoacute iria enriquecer a comunicaccedilatildeo entre os membros da sociedade As-sim seria instituiacutedo o bilinguismo que viabiliza a interatividade entresurdos e ouvintes em um niacutevel de compreensatildeo equivalente

62 Ser Bilingue eacuteTer uma liacutengua materna e outra secundaacuteria Os surdos o biliacutengues satildeoaqueles que convivem com duas realidades comunicacionais e culturasdiferentes Quando nascem em famiacutelia de ouvintes o primeiro contatoeacute com cultura oralizada aprende a ler laacutebios e passa a reconhecer aspalavras A essa condiccedilatildeo Perlin (apud CUNHA 2007 p 58) chamaldquoidentidade surda de transiccedilatildeordquo Seria aquele surdo que apesar decrescer com todos os conceitos ouvintistas24 consegue achar o caminhorumo agrave identidade surda25 Mas natildeo sem muito questionar os estereoacuteti-pos impostos e a educaccedilatildeo oferecida a ele

Algumas crianccedilas surdas satildeo mandadas para escolas de educaccedilatildeoespecial como a APAE26 que natildeo eacute direcionada apenas a instruccedilatildeo dossurdos e sim a portadores de todos os tipos de necessidades especiais

A criaccedilatildeo dessas instituiccedilotildees se deu por motivos questionaacuteveis as-sim como sua funccedilatildeo de origem Foucault citado por Souza em artigopara o site pepsiccom em agosto de 1995 explica

24O ouvintismo eacute ldquoum conjunto de representaccedilotildees dos ouvintes a partir do qual osurdo estaacute obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR apudCUNHA 2007 p 58)

25Surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo nas suas diver-sas manifestaccedilotildees O trocar dessas experiecircncias eacute uma caracteriacutestica importante naconstruccedilatildeo dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos)(PERLIN apud CUNHA 2007 p 58)

26Associaccedilatildeo de Pais e Amigos dos Excepcionais

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 52: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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O Estado ndash ao menos nas constituiccedilotildees ndash tomava para si odever de reabilitaro anormalatraveacutes de mecanismos in-stitucionais que asseguravam sua reclusatildeo e confinamentoApareceram as prisotildees os manicocircmios as escolas espe-ciais os coleacutegios internos etc Vemos surgir as primeirasescolas para surdos os primeiros institutos para a educaccedilatildeodos cegos a ortopedia dos defeitos fiacutesicos o tratamentomoral da loucura uma praacutetica pedagoacutegica corretiva e ades-tradora dirigida tanto aos seres humanos normaiscomoagravequeles ditos anormais(Foucault apud SOUZA 1995)

Atualmente o Estado se empenha na luta para mudar essa imagemnegativa Basta visitar os sites das escolas especiais para notar o esforccediloem apresentar agrave sociedade uma imagem positiva e confiaacutevel Mas pormais que esses conceitos tenham mudado e a pedagogia nessas escolastomem novos rumos ainda haacute uma lacuna no ensino bilinguista Emoutros casos os surdos dividem a mesma sala de aula com estudantese professores ouvintes como jaacute foi mostrado Em ambos o ensino natildeose mostra adequado pois natildeo se adquirem nessas instituiccedilotildees as duasliacutenguas O que representa grande prejuiacutezo aos surdos e ouvintes Poiso conceito do bilinguismo eacute justamente de colocar o surdo em contatocom as duas liacutenguas principalmente a liacutengua de sinais o mais cedopossiacutevel Assim ele poderaacute aplicar seus conhecimentos de LS na liacuten-gua Portuguesa e aprendecirc-la com mais facilidade A aquisiccedilatildeo da LScomo primeira liacutengua e a liacutengua oral como segunda possibilita ao surdovivenciar uma identidade bicultural

621 As raiacutezes do bilinguismo

O bilinguismo surgiu em meados de 1950-1960 mesma eacutepoca em quese intensificaram os estudos acerca da sociolinguiacutestica E dentro dessaspesquisas comprovou-se que havia uma gama de variaccedilotildees no mesmocontexto de fala o que muito contribuiu para refutar o conceito depureza linguiacutestica tatildeo pregado pelos defensores da oralidade

A partir de entatildeo as mudanccedilas passaram a ser relacionadas com asvariaacuteveis sociais e passou-se a acreditar que eram natildeo soacute esperadasmas necessaacuterias Autores como Weinreich Labov e Herzog (1968

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 53: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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apud SOUZA 1995) ligados a esta abordagem explicavam que a he-terogeneidade refletia uma parte essencial da competecircncia linguiacutesticauniliacutengue Para eles a ausecircncia de variaccedilatildeo eacute que deveria ser conside-rada como disfuncional Foi tambeacutem nessa eacutepoca que se potencializa-ram as lutas pelas minorias e nesse contexto estudos como a Antropo-logia e psicologia social apontavam para novos caminhos conceituaissobre uma diversidade possiacutevel Assim surge maior interesse nos sinaisutilizados para a comunicaccedilatildeo entre surdos Souza (1995) explica queStokoe docente e linguista do Gallaudet College percebeu as seme-lhanccedilas existentes na multiplicidade dos gestos empregados pelos sur-dos e se propocircs a estudaacute-los Concentrou entatildeo sua atenccedilatildeo no aspectofonoloacutegico desses sinais Notou que eram compostos por um numerolimitado de unidades que isoladas natildeo significavam nada assim comoos fonemas das liacutenguas faladas E dessa forma chegou a alguns resulta-dos

Propocircs que cada palavra em sinal tinha pelo menos trecircspartes independentes locaccedilatildeo formato de matildeo e movi-mento e que cada uma destas partes possuiacutea um nuacutemerolimitado de combinaccedilotildees Constataram 19 formas de matildeosdiferentes 12 locaccedilotildees 24 tipos de movimentos e inven-tou uma notaccedilatildeo para representaacute-los Em Sign LanguageStructure Stokoe (1960) demonstrou que a estrutura da liacuten-gua de sinais possuiacutea aspectos similares agrave estrutura de to-das as liacutenguas Portanto era de fato uma liacutengua Nosanos seguintes houve um pipocar de trabalhos que demon-stravam que crianccedilas surdas filhas de pais surdos e sina-lizadores tinham um melhor desempenho acadecircmico econstruiacuteam uma autoimagem mais positiva quando com-paradas com crianccedilas surdas filhas de pais ouvintes (SOU-ZA agosto de 1995)

Os avanccedilos nos estudos sobre a LS provocaram uma efervescecircnciaem torno do bilinguismo que foi ganhando forccedila e chamando a atenccedilatildeode um nuacutemero cada vez maior de cientistas E dessa forma compro-vados os aspectos positivos do bilinguismo tais estudiosos se empen-haram na defesa da aquisiccedilatildeo das duas liacutenguas Vale salientar que o

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 54: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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primeiro paiacutes a instaurar o ensino biliacutengue para surdos e reconhecer aLS como liacutengua oficial foi a Sueacutecia

No Brasil mesmo com o reconhecimento da Libras como liacutenguamaterna dos surdos brasileiros e segunda liacutengua oficial do paiacutes o ca-minho para o bilinguismo eacute tortuoso e cheio de pedras No entanto essasituaccedilatildeo pode ser menos complicada e mais natural no caso dos filhosde surdos CODAs27 como satildeo chamados

63 Codas uma Ponte Entre dois Mundos

FIG10- Representaccedilatildeo do mundo ouvinteFonte site httpwwwcorposauncomwp-contentuploads

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FIG 11 Representaccedilatildeo do mundo surdoFig 11 site http3bpblogspotcom_aKLq-0WNjDg

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27Children of Deaf Adults (Crianccedilas de adultos surdos) Geralmente satildeo ouvintesfilhos de pais surdos

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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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Os filhos de surdos tecircm acesso agraves duas liacutenguas sem maiores difi-culdades jaacute que aprendem a liacutengua de Sinais com os pais e a liacutenguaoral geralmente com outros membros ouvintes da famiacutelia Nesse casoassumem instantaneamente o papel de inteacuterpretes dos pais e para ospais Poreacutem alguns CODAS sentem-se extremamente desconfortaacuteveisao serem interpelados ndash tanto por surdos como por ouvintes ndash para ocumprimento dessa missatildeo imposta na maioria das vezes pelos paisNesse sentido o CODA acaba sendo utilizado como um objeto de tradu-ccedilatildeo simultacircnea para ambas as partes

Poreacutem nada eacute tatildeo simples As liacutenguas tecircm sua subjetividade e asdiferenccedilas de interpretaccedilatildeo natildeo podem ser traduzidas Assim os CO-DAs se veem numa situaccedilatildeo delicada e difiacutecil de resolver Esse descon-forto eacute apontado por MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) quandodescrevem os conflitos gerados pela convivecircncia do CODA com doisgrupos distintos com representaccedilotildees linguiacutesticas diacutespares Um mar-cado pela falta de conhecimento e interesse pelo outro que por sua veztem sua liacutengua demarcada pelo embate e rejeiccedilatildeo social

A convivecircncia familiar de uma pessoa com os costumes princiacutepiose crenccedilas acolhidos e ensinados no interior de cada lar de geraccedilatildeo emgeraccedilatildeo acaba por interferir na percepccedilatildeo que o sujeito tem do mundoao redor Contudo ainda haacute os conflitos suscitados pelo campo das sig-nificaccedilotildees de toda liacutengua natildeo eacute diferente com a liacutengua de sinais e aliacutengua portuguesa O CODA fica na fronteira entre ambas Ele pertencetanto ao grupo cultural dos surdos quanto dos ouvintes e isso se traduzem uma agonia na interpretaccedilatildeo e traduccedilatildeo de ambos Natildeo haacute comopassar para a liacutengua portuguesa algo que em Libras eacute repleto de subje-tividade sem perder muito do significado O mesmo acontece quando setenta traduzir para Libras frases que carregam carga semacircntica proacutepriada liacutengua portuguesa e que no imaginaacuterio do surdo tem outro tipo derepresentaccedilatildeo ldquoNatildeo apenas a forma de dizer na liacutengua de sinais ena liacutengua falada que difere mas o proacuteprio campo afetivo se constituiculturalmente de substacircncias diferentesrdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 248-249)

O impasse se mostra mais acentuado na fase em que a crianccedila CO-DA comeccedila a interagir com as duas culturas Eacute impossiacutevel natildeo percebera diferenccedila de valoraccedilatildeo entre uma e outra Para a crianccedila o censo co-mum muitas vezes eacute o que dita o certo e o errado o melhor e o pior

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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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E isso pode ser ilustrado por meio de uma experiecircncia vivida pela per-sonagem do livro-reportagem ldquoPrisioneiros do Silecircnciordquo Marli filhade Iolanda surda casada com Carlos tambeacutem surdo O casal tem umfilho de 13 anos chamado Juacutelio ouvinte Ele aprendeu a liacutengua de sinaiscom os pais e a oralidade com os tios e avoacutes Tornou-se biliacutengue comoesperado

O problema surgiu quando o garoto comeccedilou a frequentar a escolanormal do ensino fundamental Em contato com as outras crianccedilas ou-vintes ele comeccedilou a confrontar as duas culturas e consequentementese comparar aos colegas o que eacute comum entre crianccedilas e adolescentesLevando-se em conta que estatildeo na fase de desenvolvimento corporal eformaccedilatildeo da personalidade isso natildeo seria problema a natildeo ser pelo fatode que Juacutelio assim como todos os CODAs estaacute em contato direto comduas culturas completamente indissoluacuteveis e heterogecircneas Em algummomento ele se viu numa encruzilhada onde teria que escolher entreuma e outra Nesse impasse prevaleceu a mais forte a liacutengua falada

Quem primeiro notou essa mudanccedila foi Marli Ela ia levar e bus-car o filho na escola todos os dias poreacutem depois de um tempo Juacuteliocomeccedilou a se esconder da matildee soacute aparecendo depois que os colegas jaacutetinham ido embora Junto com os desaparecimentos de Juacutelio comeccedila-ram a sumir tambeacutem os recados dos professores marcando reuniatildeo depais e mestres O menino atravessava uma crise de identidade e porainda estar em fase de formaccedilatildeo de valores natildeo sabia como lidar com talsituaccedilatildeo Muumlller de Quadros e Massutti explicam que o ponto de vistabiliacutengue de um CODA em escola de ouvintes eacute negligenciado As ca-racteriacutesticas culturais sociais e linguiacutesticas que deveriam ser subsiacutediosimportantes para melhor interaccedilatildeo escolar do coda satildeo neutralizadas Aescola recebe essa crianccedila ouvinte filha de pais surdos e estabelece umbloqueio entre elas e os pais No interior dessas escolas os pais viramldquofiguras alieniacutegenasrdquo natildeo satildeo orientados em relaccedilatildeo aos seus filhos

A maioria das escolas de ensino fundamental e meacutedio natildeo estaacute pre-parada nem para compreender a cultura surda e tampouco a liacutengua desinais E isso natildeo eacute soacute problema detectado nas escolas puacuteblicas tam-beacutem os educandaacuterios particulares ignoram essa realidade ldquoIsso criauma cisatildeo entre o mundo escolar e o universo iacutentimo espaccedilos que con-correm de maneira distinta na forma de colocar relevacircncia aos assun-

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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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tos e construir um olhar para a realidaderdquo (MUumlLLER de QUADROSMASSUTTI 2007 p 257)E mais a frente

[] A escola desconhece os surdos e sua liacutengua Entatildeoquando esta crianccedila precisa ir agrave escola ela se sente fora deseu mundo ela natildeo tem uma relaccedilatildeo de pertencimento comaquele espaccedilo Para a escola os pais surdos satildeo vistos comoalieniacutegenas A escola natildeo consegue atribuir a esses pais ostatus de pais por que eles satildeo surdos Eles natildeo satildeo vistoscomo pais mas vistos como surdos A eles natildeo eacute outorgadoo direito de serem pais A escola repassa agrave proacutepria crianccedilaa responsabilidade dos pais porque ela ouve (MUumlLLERde QUADROS MASSUTTI 2007 p 257)

Na maioria das vezes o que acontece eacute um estranhamento entre aescola e os pais surdos Por ser uma instituiccedilatildeo de ouvintes e para ou-vintes natildeo haacute nenhum esforccedilo para que haja uma interaccedilatildeo entre osprofessores e os pais de CODAs Isso estabelece uma fronteira comuni-cacional e tambeacutem desconforto para o aluno CODA por perceber essaanimosidade entre as culturas Juacutelio com o tempo tambeacutem comeccedilou atrocar os passeios com os pais nas associaccedilotildees de surdos pela casa dosavoacutes ou tios Ele natildeo queria mais participar das festas e manifestaccedilotildeesculturais dos surdos De alguma forma rejeitava a ideia de pertencer auma cultura que eacute estranha para a maioria e excluiacuteda pela sociedade Asautoras MUumlLLER de Quadros e Massutti (2007) esclarecem

Paradoxalmente os codas tambeacutem satildeo viacutetimas do proacutepriopreconceito que cada liacutengua porta Muitas vezes esse su-jeito natildeo compartilha de uma seacuterie de estereoacutetipos disse-minados nos distintos sistemas culturais justamente porquetem a percepccedilatildeo da diferenccedila em sua vivecircncia cotidianaEntretanto esse sujeito natildeo consegue apagar a leitura cul-tural que faz de si e dos outros e eacute intensamente afetado porela Por haver internalizado os sistemas de representaccedilotildeeslinguiacutesticos e culturais esse sujeito reconhece os precon-ceitos que se incrustaram em ambas as liacutenguas em cadauma a sua forma (MUumlLLER de QUADROS MASSUTTI2007 p 251)

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

ReferecircnciasAires Almeida org (2003) Aristoacuteteles in Dicionaacuterio Escolar de

Filosofia Lisboa Plaacutetano Versatildeo online disponiacutevel em http

wwwdefnaredecomahtml acesso em 04052011

Amora Antocircnio Soares (2008) Minidicionaacuterio Soares Amora da Liacuten-gua Portuguesa ndash 18a ed ndash Satildeo Paulo Saraiva

Belo Eduardo (2006) Livro Reportagem Satildeo Paulo Contexto

Berlo David Kenneth ( 2003) O Processo da Comunicaccedilatildeo intro-duccedilatildeo a teoria e a praacutetica 10a Ed Satildeo Paulo Martins Fontes

Bertulani Carlos A O ouvido humano Texto preparado para o projetode Ensino de Fiacutesica a Distacircncia Disponiacutevel em httpwww

ifufrjbrteachingfis2ondas2ouvidoouvidoh

tml acesso em 29 de abril de 2011

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Bonini Adair (2006) Os gecircneros do Jornal questatildeo de pesquisae ensino In KARVOSKI Acir Maacuterio GAYDECZKA Beatrize SIEBENEICHER Karim Brito (org) Gecircneros textuais re-flexotildees e ensino Rio de Janeiro Lucerna

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Campos Pedro Celso Teacutecnicas de entrevista Observatoacuterio da Im-prensa 2002 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodai

mprensacombrartigosda240420024htm acesso em21 de fev 2011

Capotte Truman (2003) A Sangue Frio Satildeo Paulo Companhia dasLetras

Cunha Euclides (2003) Os Sertotildees Satildeo Paulo Ateliecirc

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Curione Alex Aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais como Primeira LiacutenguaDireito dos Surdos FENEIS 2004 Disponiacutevel em http

docsgooglecomviewera=vampq=cachejyUPZql3czEJ

wwwfonojphpgvipigcombrlibraslib06pdf+A

lex+Curione+2B+aquisiC3A7C3A3o+da+Libras+c

omo+primeira+lingua+direito+dos+surdosamphl=pt-BR

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1D9zbWs8YIK-A-hAileampsig=AHIEtbTt0zXx_foMMnFY18F

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Prisioneiros do Silecircncio 63

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Machado Paulo Ceacutesar (2006) Integraccedilatildeo Inclusatildeo na Escola Regu-lar um Olhar do Egresso Surdo IN Quadros Ronice MuumlllerPerlin Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ Arara Azul pp38-75

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64 Ceacutelia Mota

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O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

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comdownloadjorlitpdf acesso em 24 de fev de 2011

Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

20Pessapdf acesso em 10 de abril de 2011

_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

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Prisioneiros do Silecircncio 65

Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

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3605ampReturnCatID=1780 acesso em 29 de abril de 2011

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_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

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_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
Page 58: PRISIONEIROS DO SILÊNCIO: Livro Reportagem sobre a ...bocc.ufp.pt/pag/fonseca-celia-prisioneiros-do-silencio.pdf · A primeira, por permi-tir maior liberdade na escolha do tema,

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Nesses momentos o apoio dos membros ouvintes mais proacuteximos eacutede extrema importacircncia para conscientizar o coda do seu papel comofilho de surdos biliacutengue Eacute preciso um trabalho conjunto entre famiacuteliae escola a fim derrubar os muros impostos pela oralidade e valorizar acultura e a liacutengua dos surdos Assim os Codas aprendem a ter orgulhoda sua condiccedilatildeo de ponte entre essas duas realidades

Ao contraacuterio de Juacutelio haacute casos em que o coda rejeita a cultura ou-vinte e muitas vezes abandona ou evita o conviacutevio em escolas mistasAlgumas crianccedilas que nascem e crescem no seio de uma famiacutelia desurdos natildeo entendem o preconceito os roacutetulos e nem mesmo a falsapatologia imposta pelo senso-comum O depoimento de uma estudantebiliacutengue filha de surdos e ouvinte recortado do artigo assinado porQuadros e Massutti (2007) ilustra com clareza a situaccedilatildeo vivida por umfilho de pais surdos na escola de ouvintes Ela conta que o maior pro-blema foi agrave falta de conhecimento da escola em relaccedilatildeo a sua condiccedilatildeode coda Ningueacutem sabia nada sobre a liacutengua ou a cultura dela Natildeosabiam lidar com uma filha de surdos e natildeo estavam preparados paraamparaacute-la e acolhecirc-la como tal Ao contraacuterio os colegas debochavamde seus pais transformando a convivecircncia em verdadeira tortura Nessesentido natildeo eacute errado afirmar que os codas na maioria das vezes tambeacutemsatildeo viacutetimas de bullying28

Para conviver com a sociedade ouvinte tanto os surdos quanto oscodas satildeo sujeitados a vaacuterias situaccedilotildees desagradaacuteveis Poreacutem muitosdeles persistem em levar os estudos ateacute o fim apesar das dificuldadesO trecho abaixo revela um pouco dessa persistecircncia

Meus colegas tiravam sarro dos meus pais todo o tempoEu tive que conviver com uma perspectiva ouvinte da sur-dez que eu natildeo compartilhava Para mim era normal sersurdo mas para eles era algo ruim Eu natildeo gostei da minhaprimeira escola Apesar disso meus pais estavam tatildeo con-fiantes sobre a escola que nem se importavam com o que aescola pensava sobre eles Eles sempre me diziam que aspessoas zombavam deles porque natildeo conheciam as pessoas

28O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully que significa valentatildeobrigatildeo Mesmo sem uma denominaccedilatildeo em portuguecircs eacute entendido como ameaccedilatirania opressatildeo intimidaccedilatildeo humilhaccedilatildeo e maltrato (Fonte site nova escola)

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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

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Campos Pedro Celso Teacutecnicas de entrevista Observatoacuterio da Im-prensa 2002 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodai

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Capotte Truman (2003) A Sangue Frio Satildeo Paulo Companhia dasLetras

Cunha Euclides (2003) Os Sertotildees Satildeo Paulo Ateliecirc

Cunha Patriacutecia Marcondes Amaral (2007) Cenas do atendimento es-pecial numa escola biliacutengue os discursos sobre a surdez e a pro-duccedilatildeo de redes de saber-poder In MUumlLLER DE QUADROSPERLIN Gladis Estudos Surdos II Petroacutepolis RJ Arara Azulpp 38-85

Curione Alex Aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais como Primeira LiacutenguaDireito dos Surdos FENEIS 2004 Disponiacutevel em http

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omo+primeira+lingua+direito+dos+surdosamphl=pt-BR

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Davis Flora (1979) A Comunicaccedilatildeo Natildeo-Verbal Satildeo Paulo Sum-mus

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Prisioneiros do Silecircncio 63

Gramacho Derval (2009) Qualidade conteuacutedo e desempoderamentoin Gramacho Derval (org) Comunicaccedilao e Cultura Satildeo PauloScortecci pp 11-38

Grolla Elaine (2009) Aquisiccedilatildeo da Linguagem Universidade Federalde Santa Catarina Florianoacutepolis

Hersey John (2002) Hiroshima Satildeo Paulo Companhia das Letras

Junior Arnaldo Nogueira Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico de Ma-chado de Assis Projeto Releituras 1996 Disponiacutevel em http

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Magno Ana Beatriz (2006) A Agonia da Reportagem Universi-dade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpbdtdbceunbbr

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Machado Paulo Ceacutesar (2006) Integraccedilatildeo Inclusatildeo na Escola Regu-lar um Olhar do Egresso Surdo IN Quadros Ronice MuumlllerPerlin Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ Arara Azul pp38-75

Miorando Tacircnia Micheline (2006) Formaccedilatildeo de Professores Surdosmais professores para a escola sonhada IN Quadros RoniceMuumlller PERLIN Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ AraraAzul pp 76-109

Muumlller de Quadros Raonice Perlin Gladis (2007) Estudos Surdos IIPetroacutepolis RJ Arara Azul

_____ Massutti Mara (2007) CODAs brasileiros Libras e Por-tuguecircs em zonas de contato In Estudos Surdos II PetroacutepolisRJ Arara Azul pp 232-268

Oliveira Christiane Cunha CUNHA Karina Miranda Machado Bor-ges Concordacircncia verbal em Liacutengua de Sinais e suas impli-caccedilotildees na escrita da segunda liacutengua Revista Eutomia ndash 2009

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Ano II No 01 Disponiacutevel em httpwwwrevistaeutomi

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O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

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Pena Felipe O jornalismo Literaacuterio como gecircnero e conceito PDFFelipe Pena 2005 Disponiacutevel em httpwwwfelipepena

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

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_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

Ramos Cleacutelia Regina (2004) Libras a Liacutengua de Sinais dos SurdosBrasileiros RJ Arara Azul Disponivel no site httpwww

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Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

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Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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surdas e sua liacutengua de sinais Nesse sentido meus pais noscolocam em vantagem em relaccedilatildeo aos ouvintes da escolapois noacutes sabiacuteamos sobre os surdos sobre a liacutengua de sinaise que ainda eu iria aprender a ler e escrever a liacutengua por-tuguesa Essa foi a mensagem dada pelos meus pais a mimespecialmente da minha proacutepria matildee Para mim como umaCODA esse contexto natildeo era faacutecil e eu tive que aprendercomo lidar com essas diferentes perspectivas (MUumlLLERDE QUADROS e MASSUTTI 2007 p 259)

Nota-se que a postura da famiacutelia eacute essencial para a formaccedilatildeo doCODA Quando os pais surdos tem uma atitude firme em relaccedilatildeo a suacondiccedilatildeo e passa isso para os filhos ouvintes os laccedilos satildeo fortalecidose as convicccedilotildees partilhadas

7 Materiais e MeacutetodosA comunicaccedilatildeo entre falantes (ouvinte e surdo) pode ser mais eficientepor meio da Libras A disseminaccedilatildeo da Liacutengua de Sinais- Libras ainda eacutetiacutemida o que dificulta a comunicaccedilatildeo entre ouvinte e surdo na sociedadecontemporacircnea Avaliar o impacto e as consequecircncias do uso da Librasem pessoas com diferentes tipos de surdez Demonstrar a importacircnciada Libras na comunicaccedilatildeo e observar se a Libras eacute entendida utilizadae apreendida pelos ouvintes proacuteximos aos surdos satildeo os objetivos destetrabalho Para desenvolver as pesquisas e concluir o livro-reportagemproposto por essa monografia foram eleitos trecircs personagens dos Esta-dos da Bahia Minas Gerais e Mato Grosso para compor a obra Assimvale ressaltar que o livro-reportagem debatido aqui eacute do subgecircnero re-trato e seraacute analisado com teacutecnicas qualitativas e quantitativas Trata-sede uma Pesquisa Exploratoacuteria feita por meio de questionaacuterios e roteirosde entrevista semi-estruturados A coleta tabulaccedilatildeo e tratamento dosdados seraacute finalizada no 2o semestre de 2011

Consideraccedilotildees FinaisO exemplo de tiacutetulos como Hiroshima (Hersey 2002) A Sangue Frio(Capote 2003) e dos brasileiros Falcatildeo Meninos do traacutefico (Athayde

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e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

ReferecircnciasAires Almeida org (2003) Aristoacuteteles in Dicionaacuterio Escolar de

Filosofia Lisboa Plaacutetano Versatildeo online disponiacutevel em http

wwwdefnaredecomahtml acesso em 04052011

Amora Antocircnio Soares (2008) Minidicionaacuterio Soares Amora da Liacuten-gua Portuguesa ndash 18a ed ndash Satildeo Paulo Saraiva

Belo Eduardo (2006) Livro Reportagem Satildeo Paulo Contexto

Berlo David Kenneth ( 2003) O Processo da Comunicaccedilatildeo intro-duccedilatildeo a teoria e a praacutetica 10a Ed Satildeo Paulo Martins Fontes

Bertulani Carlos A O ouvido humano Texto preparado para o projetode Ensino de Fiacutesica a Distacircncia Disponiacutevel em httpwww

ifufrjbrteachingfis2ondas2ouvidoouvidoh

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Cunha Euclides (2003) Os Sertotildees Satildeo Paulo Ateliecirc

Cunha Patriacutecia Marcondes Amaral (2007) Cenas do atendimento es-pecial numa escola biliacutengue os discursos sobre a surdez e a pro-duccedilatildeo de redes de saber-poder In MUumlLLER DE QUADROSPERLIN Gladis Estudos Surdos II Petroacutepolis RJ Arara Azulpp 38-85

Curione Alex Aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais como Primeira LiacutenguaDireito dos Surdos FENEIS 2004 Disponiacutevel em http

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Grolla Elaine (2009) Aquisiccedilatildeo da Linguagem Universidade Federalde Santa Catarina Florianoacutepolis

Hersey John (2002) Hiroshima Satildeo Paulo Companhia das Letras

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Machado Paulo Ceacutesar (2006) Integraccedilatildeo Inclusatildeo na Escola Regu-lar um Olhar do Egresso Surdo IN Quadros Ronice MuumlllerPerlin Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ Arara Azul pp38-75

Miorando Tacircnia Micheline (2006) Formaccedilatildeo de Professores Surdosmais professores para a escola sonhada IN Quadros RoniceMuumlller PERLIN Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ AraraAzul pp 76-109

Muumlller de Quadros Raonice Perlin Gladis (2007) Estudos Surdos IIPetroacutepolis RJ Arara Azul

_____ Massutti Mara (2007) CODAs brasileiros Libras e Por-tuguecircs em zonas de contato In Estudos Surdos II PetroacutepolisRJ Arara Azul pp 232-268

Oliveira Christiane Cunha CUNHA Karina Miranda Machado Bor-ges Concordacircncia verbal em Liacutengua de Sinais e suas impli-caccedilotildees na escrita da segunda liacutengua Revista Eutomia ndash 2009

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Ano II No 01 Disponiacutevel em httpwwwrevistaeutomi

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O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

20Pessapdf acesso em 10 de abril de 2011

_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

Ramos Cleacutelia Regina (2004) Libras a Liacutengua de Sinais dos SurdosBrasileiros RJ Arara Azul Disponivel no site httpwww

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lingua_brasileira_sinais_mecpdf acesso em 20 deabril de 2011

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Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

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Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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60 Ceacutelia Mota

e MV Bill 2006) e Carandiru (Varella 1999) mostra que eacute possiacutevelobter no livro reportagem e no jornalismo literaacuterio a oportunidade derealizar um trabalho mais minucioso e gratificante

A comunicaccedilatildeo entre surdos eacute uma viagem que compensa ser feitapois eacute pouco explorada e a novidade satildeo personagens e situaccedilotildees vividaspelos atores da pesquisa Satildeo pontos de vista distintos que abrangemboa parte da comunicaccedilatildeo e tudo que ela acarreta

O trabalho que inicia a etapa de coleta de dados espera apontar osruiacutedos na comunicaccedilatildeo entre os atores envolvidos (surdos e ouvintes)e avaliar o preconceito velado ou declarado de que os ouvintes satildeoseres mais aptos e mais completos no ato de comunicar Apontamentosesses descritos e denunciados por vaacuterios autores inclusive surdos aolongo dessa revisatildeo bibliograacutefica Alguns pesquisadores como Muumlllerde Quadros e Massutti (2007) Perlin (2007) e o pedagogo Curione(2004) inclusive foram enfaacuteticos ao mostrar a rejeiccedilatildeo e bloqueio daLibras pela sociedade Nota-se grande hostilidade e falta de conheci-mento das necessidades dos surdos no que diz respeito agrave inclusatildeo dosmesmos no meio social

O que eacute largamente exposto nos artigos e livros sobre o assunto satildeoos atos de desrespeito e discriminaccedilatildeo contra os surdos sendo consi-derados como normais ou pouco relevantes A escassez de informaccedilatildeoassim como campanhas de conscientizaccedilatildeo para que a sociedade possaconhecer esses atores eacute um agravante que deve ser levado em conta Asiniciativas do governo tiveram alguns avanccedilos mas anda a passos lentose com o risco de regredir Jaacute que ainda eacute discutida a inserccedilatildeo de surdosem escolas mistas sem a disponibilidade de inteacuterpretes para auxiliaacute-losSe a Libras eacute a segunda liacutengua oficial do Brasil desde 2002 por que natildeofaz parte das grades curriculares das escolas de ensino fundamental emeacutedio Esse eacute outro aspecto desse assunto que natildeo foi debatido nessetrabalho pois necessita de mais aprofundamento Nem todas as abor-dagens dos estudos sobre surdos seratildeo mostradas e discutidas pois otempo eacute curto e o que se descobriu acerca das necessidades e bloqueiosna utilizaccedilatildeo da Libras sobressaiu e tornou-se o foco desta monografiaAs carecircncias satildeo muitas e os preconceitos tambeacutem

Mas como condenar certas atitudes se ateacute mesmo profissionais for-mados como fonoaudioacutelogos insistem em considerar a deficiecircncia audi-tiva como doenccedila e os surdos pacientes Nessa etapa do trabalho os es-

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Prisioneiros do Silecircncio 61

clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

ReferecircnciasAires Almeida org (2003) Aristoacuteteles in Dicionaacuterio Escolar de

Filosofia Lisboa Plaacutetano Versatildeo online disponiacutevel em http

wwwdefnaredecomahtml acesso em 04052011

Amora Antocircnio Soares (2008) Minidicionaacuterio Soares Amora da Liacuten-gua Portuguesa ndash 18a ed ndash Satildeo Paulo Saraiva

Belo Eduardo (2006) Livro Reportagem Satildeo Paulo Contexto

Berlo David Kenneth ( 2003) O Processo da Comunicaccedilatildeo intro-duccedilatildeo a teoria e a praacutetica 10a Ed Satildeo Paulo Martins Fontes

Bertulani Carlos A O ouvido humano Texto preparado para o projetode Ensino de Fiacutesica a Distacircncia Disponiacutevel em httpwww

ifufrjbrteachingfis2ondas2ouvidoouvidoh

tml acesso em 29 de abril de 2011

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62 Ceacutelia Mota

Bonini Adair (2006) Os gecircneros do Jornal questatildeo de pesquisae ensino In KARVOSKI Acir Maacuterio GAYDECZKA Beatrize SIEBENEICHER Karim Brito (org) Gecircneros textuais re-flexotildees e ensino Rio de Janeiro Lucerna

Bucci Eugecircnio O Tolo interativo Observatoacuterio da Imprensa httpwwwobservatoriodaimprensacombrartigosasp

2410200199htm (copyright Folha de Satildeo Paulo ndash 21102001)acesso em 22 de fev de 2011

Campos Pedro Celso Teacutecnicas de entrevista Observatoacuterio da Im-prensa 2002 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodai

mprensacombrartigosda240420024htm acesso em21 de fev 2011

Capotte Truman (2003) A Sangue Frio Satildeo Paulo Companhia dasLetras

Cunha Euclides (2003) Os Sertotildees Satildeo Paulo Ateliecirc

Cunha Patriacutecia Marcondes Amaral (2007) Cenas do atendimento es-pecial numa escola biliacutengue os discursos sobre a surdez e a pro-duccedilatildeo de redes de saber-poder In MUumlLLER DE QUADROSPERLIN Gladis Estudos Surdos II Petroacutepolis RJ Arara Azulpp 38-85

Curione Alex Aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais como Primeira LiacutenguaDireito dos Surdos FENEIS 2004 Disponiacutevel em http

docsgooglecomviewera=vampq=cachejyUPZql3czEJ

wwwfonojphpgvipigcombrlibraslib06pdf+A

lex+Curione+2B+aquisiC3A7C3A3o+da+Libras+c

omo+primeira+lingua+direito+dos+surdosamphl=pt-BR

ampgl=bramppid=blampsrcid=ADGEESiE_JDY4zNw7p2JKTSt3NL

lXEWThZfoitswH88sj7Xu7QE2BbiQhAi5_JKLLUgHOXAohB

Tdoxxw3BPPjOI3gbmnqiR0BsUP2ND3aha6N6ajXxtBJm551

1D9zbWs8YIK-A-hAileampsig=AHIEtbTt0zXx_foMMnFY18F

z8sQRKYpqcg acesso em 10 de abril de 2011

Davis Flora (1979) A Comunicaccedilatildeo Natildeo-Verbal Satildeo Paulo Sum-mus

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Prisioneiros do Silecircncio 63

Gramacho Derval (2009) Qualidade conteuacutedo e desempoderamentoin Gramacho Derval (org) Comunicaccedilao e Cultura Satildeo PauloScortecci pp 11-38

Grolla Elaine (2009) Aquisiccedilatildeo da Linguagem Universidade Federalde Santa Catarina Florianoacutepolis

Hersey John (2002) Hiroshima Satildeo Paulo Companhia das Letras

Junior Arnaldo Nogueira Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico de Ma-chado de Assis Projeto Releituras 1996 Disponiacutevel em http

wwwreleiturascommachadodeassis_bioasp aces-so em 10 de abril de 2011

Magno Ana Beatriz (2006) A Agonia da Reportagem Universi-dade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpbdtdbceunbbr

tedesimplificadotde_arquivos39TDE-2007-06-05

T111017Z-1203Publicoreservavaledissertacaoval

epdpdf acesso em 22 fev 2011

Machado Paulo Ceacutesar (2006) Integraccedilatildeo Inclusatildeo na Escola Regu-lar um Olhar do Egresso Surdo IN Quadros Ronice MuumlllerPerlin Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ Arara Azul pp38-75

Miorando Tacircnia Micheline (2006) Formaccedilatildeo de Professores Surdosmais professores para a escola sonhada IN Quadros RoniceMuumlller PERLIN Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ AraraAzul pp 76-109

Muumlller de Quadros Raonice Perlin Gladis (2007) Estudos Surdos IIPetroacutepolis RJ Arara Azul

_____ Massutti Mara (2007) CODAs brasileiros Libras e Por-tuguecircs em zonas de contato In Estudos Surdos II PetroacutepolisRJ Arara Azul pp 232-268

Oliveira Christiane Cunha CUNHA Karina Miranda Machado Bor-ges Concordacircncia verbal em Liacutengua de Sinais e suas impli-caccedilotildees na escrita da segunda liacutengua Revista Eutomia ndash 2009

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Ano II No 01 Disponiacutevel em httpwwwrevistaeutomi

acombreutomia-ano2-volume1-artigos-linguisti

cahtml acesso em 02 de maio de 2011

O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

ilcombrcrianca-e-adolescentecomportamentob

ullying-escola-494973shtml acesso em 24 de maio de2011

Orwel George (2003) Os Brookers In LEWIS Jon E (org) OGrande Livro do Jornalismo Rio de Janeiro Joseacute Olympio Ltdapp 143-150

Pena Felipe O jornalismo Literaacuterio como gecircnero e conceito PDFFelipe Pena 2005 Disponiacutevel em httpwwwfelipepena

comdownloadjorlitpdf acesso em 24 de fev de 2011

Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

20Pessapdf acesso em 10 de abril de 2011

_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

Ramos Cleacutelia Regina (2004) Libras a Liacutengua de Sinais dos SurdosBrasileiros RJ Arara Azul Disponivel no site httpwww

editora-arara-azulcombrpdfartigo2pdf acessoem 02 de maio de 2011

Rinaldi Giusepe (1997 org) Deficiecircncia Auditiva Brasiacutelia SEESPDisponiacutevel em httpwwwapilmsorgmenudownloads

lingua_brasileira_sinais_mecpdf acesso em 20 deabril de 2011

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Prisioneiros do Silecircncio 65

Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

boasaudeuolcombrlibShowDoccfmLibDocID=

3605ampReturnCatID=1780 acesso em 29 de abril de 2011

Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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Prisioneiros do Silecircncio 61

clarecimentos fornecidos pelos personagens do livro-reportagem ldquoPri-sioneiros do Silecircnciordquo foram de grande valia E para as informaccedilotildees teacutec-nicas foi indispensaacutevel a colaboraccedilatildeo de autores como Oliveira e Cunha(2009) e Rinaldi (1997) Talvez seja construindo essas vinculaccedilotildees desaberes e agregando conhecimentos que se edifique o respeito Ou natildeoA consideraccedilatildeo pelo proacuteximo talvez seja algo que se aprende em casacomo diz a sabedoria popular De um jeito ou de outro eacute preciso que sefaccedila uma ponte entre essas duas culturas - da liacutengua falada e da liacutenguade sinais ndash para mudar a realidade que se apresenta

O livro-reportagem pode ajudar a construir essa ponte entre socieda-de e surdos Eacute preciso ressaltar que natildeo seraacute possiacutevel abraccedilar todas aspeculiaridades sobre a surdez e Libras aqui Seratildeo necessaacuterias novasentrevistas com os personagens documentaccedilatildeo comprobatoacuteria (fotosviacutedeos e outros) apuraccedilatildeo e atualizaccedilatildeo dos fatos Essas tarefas in-cluem realizaccedilatildeo de viagens para Salvador onde mora Everaldo Santose Minas Gerais casa de Iolanda Fonseca Em suma eacute esperado ao finalda pesquisa contribuir para diminuiccedilatildeo do preconceito e difundir Librascomo liacutengua materna Aleacutem de abolir a ideia de que todo surdo eacute mudoe incapaz

ReferecircnciasAires Almeida org (2003) Aristoacuteteles in Dicionaacuterio Escolar de

Filosofia Lisboa Plaacutetano Versatildeo online disponiacutevel em http

wwwdefnaredecomahtml acesso em 04052011

Amora Antocircnio Soares (2008) Minidicionaacuterio Soares Amora da Liacuten-gua Portuguesa ndash 18a ed ndash Satildeo Paulo Saraiva

Belo Eduardo (2006) Livro Reportagem Satildeo Paulo Contexto

Berlo David Kenneth ( 2003) O Processo da Comunicaccedilatildeo intro-duccedilatildeo a teoria e a praacutetica 10a Ed Satildeo Paulo Martins Fontes

Bertulani Carlos A O ouvido humano Texto preparado para o projetode Ensino de Fiacutesica a Distacircncia Disponiacutevel em httpwww

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Bonini Adair (2006) Os gecircneros do Jornal questatildeo de pesquisae ensino In KARVOSKI Acir Maacuterio GAYDECZKA Beatrize SIEBENEICHER Karim Brito (org) Gecircneros textuais re-flexotildees e ensino Rio de Janeiro Lucerna

Bucci Eugecircnio O Tolo interativo Observatoacuterio da Imprensa httpwwwobservatoriodaimprensacombrartigosasp

2410200199htm (copyright Folha de Satildeo Paulo ndash 21102001)acesso em 22 de fev de 2011

Campos Pedro Celso Teacutecnicas de entrevista Observatoacuterio da Im-prensa 2002 Disponiacutevel em httpwwwobservatoriodai

mprensacombrartigosda240420024htm acesso em21 de fev 2011

Capotte Truman (2003) A Sangue Frio Satildeo Paulo Companhia dasLetras

Cunha Euclides (2003) Os Sertotildees Satildeo Paulo Ateliecirc

Cunha Patriacutecia Marcondes Amaral (2007) Cenas do atendimento es-pecial numa escola biliacutengue os discursos sobre a surdez e a pro-duccedilatildeo de redes de saber-poder In MUumlLLER DE QUADROSPERLIN Gladis Estudos Surdos II Petroacutepolis RJ Arara Azulpp 38-85

Curione Alex Aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais como Primeira LiacutenguaDireito dos Surdos FENEIS 2004 Disponiacutevel em http

docsgooglecomviewera=vampq=cachejyUPZql3czEJ

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lex+Curione+2B+aquisiC3A7C3A3o+da+Libras+c

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Tdoxxw3BPPjOI3gbmnqiR0BsUP2ND3aha6N6ajXxtBJm551

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Davis Flora (1979) A Comunicaccedilatildeo Natildeo-Verbal Satildeo Paulo Sum-mus

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Gramacho Derval (2009) Qualidade conteuacutedo e desempoderamentoin Gramacho Derval (org) Comunicaccedilao e Cultura Satildeo PauloScortecci pp 11-38

Grolla Elaine (2009) Aquisiccedilatildeo da Linguagem Universidade Federalde Santa Catarina Florianoacutepolis

Hersey John (2002) Hiroshima Satildeo Paulo Companhia das Letras

Junior Arnaldo Nogueira Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico de Ma-chado de Assis Projeto Releituras 1996 Disponiacutevel em http

wwwreleiturascommachadodeassis_bioasp aces-so em 10 de abril de 2011

Magno Ana Beatriz (2006) A Agonia da Reportagem Universi-dade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpbdtdbceunbbr

tedesimplificadotde_arquivos39TDE-2007-06-05

T111017Z-1203Publicoreservavaledissertacaoval

epdpdf acesso em 22 fev 2011

Machado Paulo Ceacutesar (2006) Integraccedilatildeo Inclusatildeo na Escola Regu-lar um Olhar do Egresso Surdo IN Quadros Ronice MuumlllerPerlin Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ Arara Azul pp38-75

Miorando Tacircnia Micheline (2006) Formaccedilatildeo de Professores Surdosmais professores para a escola sonhada IN Quadros RoniceMuumlller PERLIN Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ AraraAzul pp 76-109

Muumlller de Quadros Raonice Perlin Gladis (2007) Estudos Surdos IIPetroacutepolis RJ Arara Azul

_____ Massutti Mara (2007) CODAs brasileiros Libras e Por-tuguecircs em zonas de contato In Estudos Surdos II PetroacutepolisRJ Arara Azul pp 232-268

Oliveira Christiane Cunha CUNHA Karina Miranda Machado Bor-ges Concordacircncia verbal em Liacutengua de Sinais e suas impli-caccedilotildees na escrita da segunda liacutengua Revista Eutomia ndash 2009

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Ano II No 01 Disponiacutevel em httpwwwrevistaeutomi

acombreutomia-ano2-volume1-artigos-linguisti

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O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

ilcombrcrianca-e-adolescentecomportamentob

ullying-escola-494973shtml acesso em 24 de maio de2011

Orwel George (2003) Os Brookers In LEWIS Jon E (org) OGrande Livro do Jornalismo Rio de Janeiro Joseacute Olympio Ltdapp 143-150

Pena Felipe O jornalismo Literaacuterio como gecircnero e conceito PDFFelipe Pena 2005 Disponiacutevel em httpwwwfelipepena

comdownloadjorlitpdf acesso em 24 de fev de 2011

Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

20Pessapdf acesso em 10 de abril de 2011

_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

Ramos Cleacutelia Regina (2004) Libras a Liacutengua de Sinais dos SurdosBrasileiros RJ Arara Azul Disponivel no site httpwww

editora-arara-azulcombrpdfartigo2pdf acessoem 02 de maio de 2011

Rinaldi Giusepe (1997 org) Deficiecircncia Auditiva Brasiacutelia SEESPDisponiacutevel em httpwwwapilmsorgmenudownloads

lingua_brasileira_sinais_mecpdf acesso em 20 deabril de 2011

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Prisioneiros do Silecircncio 65

Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

boasaudeuolcombrlibShowDoccfmLibDocID=

3605ampReturnCatID=1780 acesso em 29 de abril de 2011

Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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Curione Alex Aquisiccedilatildeo da Liacutengua de Sinais como Primeira LiacutenguaDireito dos Surdos FENEIS 2004 Disponiacutevel em http

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Davis Flora (1979) A Comunicaccedilatildeo Natildeo-Verbal Satildeo Paulo Sum-mus

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Prisioneiros do Silecircncio 63

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Grolla Elaine (2009) Aquisiccedilatildeo da Linguagem Universidade Federalde Santa Catarina Florianoacutepolis

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Junior Arnaldo Nogueira Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico de Ma-chado de Assis Projeto Releituras 1996 Disponiacutevel em http

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Machado Paulo Ceacutesar (2006) Integraccedilatildeo Inclusatildeo na Escola Regu-lar um Olhar do Egresso Surdo IN Quadros Ronice MuumlllerPerlin Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ Arara Azul pp38-75

Miorando Tacircnia Micheline (2006) Formaccedilatildeo de Professores Surdosmais professores para a escola sonhada IN Quadros RoniceMuumlller PERLIN Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ AraraAzul pp 76-109

Muumlller de Quadros Raonice Perlin Gladis (2007) Estudos Surdos IIPetroacutepolis RJ Arara Azul

_____ Massutti Mara (2007) CODAs brasileiros Libras e Por-tuguecircs em zonas de contato In Estudos Surdos II PetroacutepolisRJ Arara Azul pp 232-268

Oliveira Christiane Cunha CUNHA Karina Miranda Machado Bor-ges Concordacircncia verbal em Liacutengua de Sinais e suas impli-caccedilotildees na escrita da segunda liacutengua Revista Eutomia ndash 2009

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Ano II No 01 Disponiacutevel em httpwwwrevistaeutomi

acombreutomia-ano2-volume1-artigos-linguisti

cahtml acesso em 02 de maio de 2011

O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

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ullying-escola-494973shtml acesso em 24 de maio de2011

Orwel George (2003) Os Brookers In LEWIS Jon E (org) OGrande Livro do Jornalismo Rio de Janeiro Joseacute Olympio Ltdapp 143-150

Pena Felipe O jornalismo Literaacuterio como gecircnero e conceito PDFFelipe Pena 2005 Disponiacutevel em httpwwwfelipepena

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

stabrunesco1_Regiocom202009arquivostrabal

hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

20que20eacute_20para20quecirc20-20Bruno20Ravanelli

20Pessapdf acesso em 10 de abril de 2011

_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

Ramos Cleacutelia Regina (2004) Libras a Liacutengua de Sinais dos SurdosBrasileiros RJ Arara Azul Disponivel no site httpwww

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Rinaldi Giusepe (1997 org) Deficiecircncia Auditiva Brasiacutelia SEESPDisponiacutevel em httpwwwapilmsorgmenudownloads

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Prisioneiros do Silecircncio 65

Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

boasaudeuolcombrlibShowDoccfmLibDocID=

3605ampReturnCatID=1780 acesso em 29 de abril de 2011

Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

acesso em 04 de maio de 2011

Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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Prisioneiros do Silecircncio 63

Gramacho Derval (2009) Qualidade conteuacutedo e desempoderamentoin Gramacho Derval (org) Comunicaccedilao e Cultura Satildeo PauloScortecci pp 11-38

Grolla Elaine (2009) Aquisiccedilatildeo da Linguagem Universidade Federalde Santa Catarina Florianoacutepolis

Hersey John (2002) Hiroshima Satildeo Paulo Companhia das Letras

Junior Arnaldo Nogueira Resumo Biograacutefico e Bibliograacutefico de Ma-chado de Assis Projeto Releituras 1996 Disponiacutevel em http

wwwreleiturascommachadodeassis_bioasp aces-so em 10 de abril de 2011

Magno Ana Beatriz (2006) A Agonia da Reportagem Universi-dade de Brasiacutelia Disponiacutevel em httpbdtdbceunbbr

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T111017Z-1203Publicoreservavaledissertacaoval

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Machado Paulo Ceacutesar (2006) Integraccedilatildeo Inclusatildeo na Escola Regu-lar um Olhar do Egresso Surdo IN Quadros Ronice MuumlllerPerlin Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ Arara Azul pp38-75

Miorando Tacircnia Micheline (2006) Formaccedilatildeo de Professores Surdosmais professores para a escola sonhada IN Quadros RoniceMuumlller PERLIN Gladis Estudos Surdos I Petroacutepolis RJ AraraAzul pp 76-109

Muumlller de Quadros Raonice Perlin Gladis (2007) Estudos Surdos IIPetroacutepolis RJ Arara Azul

_____ Massutti Mara (2007) CODAs brasileiros Libras e Por-tuguecircs em zonas de contato In Estudos Surdos II PetroacutepolisRJ Arara Azul pp 232-268

Oliveira Christiane Cunha CUNHA Karina Miranda Machado Bor-ges Concordacircncia verbal em Liacutengua de Sinais e suas impli-caccedilotildees na escrita da segunda liacutengua Revista Eutomia ndash 2009

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Ano II No 01 Disponiacutevel em httpwwwrevistaeutomi

acombreutomia-ano2-volume1-artigos-linguisti

cahtml acesso em 02 de maio de 2011

O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

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Pena Felipe O jornalismo Literaacuterio como gecircnero e conceito PDFFelipe Pena 2005 Disponiacutevel em httpwwwfelipepena

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

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hosREGIOCOM203420-20Livro20Reportagem20O

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20Pessapdf acesso em 10 de abril de 2011

_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

Ramos Cleacutelia Regina (2004) Libras a Liacutengua de Sinais dos SurdosBrasileiros RJ Arara Azul Disponivel no site httpwww

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Rinaldi Giusepe (1997 org) Deficiecircncia Auditiva Brasiacutelia SEESPDisponiacutevel em httpwwwapilmsorgmenudownloads

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Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

boasaudeuolcombrlibShowDoccfmLibDocID=

3605ampReturnCatID=1780 acesso em 29 de abril de 2011

Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

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Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

Acesso em 01 de maio de 2011

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
                      • Como eacute que se diz
                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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64 Ceacutelia Mota

Ano II No 01 Disponiacutevel em httpwwwrevistaeutomi

acombreutomia-ano2-volume1-artigos-linguisti

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O que eacute Bullying In Revista Nova Escola Satildeo Paulo Ed Abrilagosto de 2009 Disponiacutevel em httprevistaescolaabr

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Orwel George (2003) Os Brookers In LEWIS Jon E (org) OGrande Livro do Jornalismo Rio de Janeiro Joseacute Olympio Ltdapp 143-150

Pena Felipe O jornalismo Literaacuterio como gecircnero e conceito PDFFelipe Pena 2005 Disponiacutevel em httpwwwfelipepena

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Pessa Bruno Ravanelli Livro-Reportagem origens conceitos e apli-caccedilotildees Para apresentaccedilatildeo do Regiocom 2009 na UniversidadeMetodista de Satildeo Paulo Disponiacutevel em httpwww2metodi

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_____ Aproximaccedilotildees entre Jornalismo Literaacuterio e Imprensa Alterna-tiva Satildeo Paulo Para o 6o Interprogramas de Mestrado ndash Facul-dade Caacutesper Liacutebero novembro de 2010

Ramos Cleacutelia Regina (2004) Libras a Liacutengua de Sinais dos SurdosBrasileiros RJ Arara Azul Disponivel no site httpwww

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Rinaldi Giusepe (1997 org) Deficiecircncia Auditiva Brasiacutelia SEESPDisponiacutevel em httpwwwapilmsorgmenudownloads

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Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

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Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

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Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
          • Dar Voz a Quem Natildeo Ouve
          • A Comunicaccedilatildeo Aleacutem da Oralidade
          • O Que eacute Ser Surdo
            • Para Entender o Processo
            • Deficiecircncia Auditiva tem Cura
              • Implante Coclear
                  • O Surdo Pelo Surdo
                    • Essa Liacutengua tem Histoacuteria
                      • Que libras eacute essa
                      • Ler laacutebios eacute ver vozes
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                        • Ser Bilingue eacute
                          • As raiacutezes do bilinguismo
                            • Codas uma Ponte Entre dois Mundos
                              • Materiais e Meacutetodos
                              • Consideraccedilotildees Finais
                              • Referecircncias
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Santana Ana Paula BEacuteRGAMO Alexandre Cultura e identidadesurdas Encruzilhada de lutas sociais e teoacutericas Educ SocCampinas vol 26 n 91 p 565-582 MaioAgo 2005 Disponiacute-vel em httpwwwcedesunicampbr acesso em 10 de a-bril de 2011

Schmitt MD Traumatismos por Foacuterceps ou no Canal do Parto Co-pyright 1999 Clinical Reference Systems Disponiacutevel em http

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3605ampReturnCatID=1780 acesso em 29 de abril de 2011

Silva Vilmar (2006) Educaccedilatildeo de surdos uma releitura da primeiraescola Puacuteblica para surdos em Paris e do Congresso de Milatildeoem 1880 in Quadros Ronice Muumlller Perlin Gladis EstudosSurdos I RJ Arara Azul pp 14-37

_____ As representaccedilotildees em ser surdo no contexto da educaccedilatildeo Biliacuten-gue in Quadros Ronice Muumlller Estudos Surdos III RJ AraraAzul 2008 pp 80-97

Souza Regina Maria de Educaccedilatildeo especial psicologia do surdo ebilinguismo bases histoacutericas e perspectivas atuais UniversidadeEstadual de Campinas Centro de Estudos e Pesquisas em Rea-bilitaccedilatildeo (CEPREUNICAMP) Agosto de 1995 Disponiacutevel emhttppepsicbvsaludorgscielophppid=S1413-

389X1995000200009ampscript=sci_arttextamptlng=en

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Teixeira E Silva Roberval (2004) Portuguecircs como segunda liacutenguacontribuiccedilotildees para a implantaccedilatildeo de um programa de ensino bi-liacutengue para surdosTese (doutorado) Pontifiacutecia Universidade Ca-toacutelica do Rio de Janeiro Departamento de Letras Rio de Janeiro PUC Letras

Varella Draacuteuzio (1999) Estaccedilatildeo Carandiru Satildeo Paulo Companhiadas Letras

_____ Meningite Sarampo Rubeacuteola Site oficial Entrevistas e arti-gos Disponiacutevel em httpwwwdrauziovarellacombr

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  • Introduccedilatildeo
  • Gecircnero Informativo
    • Relaccedilatildeo Sentimental entre Leitor e Texto
      • Reportagem e Jornalismo Literaacuterio primo-irmatildeos
        • Livro Reportagem eacute Informaccedilatildeo com Arte
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