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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
HABITAÇÃO DE BAIXA RENDA COMO PRODUTO DO CAPITAL
O PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR) EM
PRESIDENTE PRUDENTE-SP
SIBILA CORRAL DE ARÊA LEÃO HONDA
São Paulo - SP - 2011
SIBILA CORRAL DE ARÊA LEÃO HONDA
HABITAÇÃO DE BAIXA RENDA COMO PRODUTO DO CAPITAL
O PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR) EM
PRESIDENTE PRUDENTE-SP
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para obtenção do título de Doutor.
Orientador: Profa. Dra. Angélica Aparecida Tanus Benatti Alvim
Mackenzie - São Paulo - SP 2011
ESTE TRABALHO FOI FINANCIADO EM PARTE PELO FUNDO MACKENZIE DE PESQUISA
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. ASSINATURA: E-MAIL: sibila@sibila.arq.br
II
FICHA DE APROVAÇÃO Sibila Corral de Arêa Leão Honda Habitação de baixa renda como produto do capital – o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) em Presidente Prudente-SP
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para obtenção do título de Doutor
Aprovada em ___________________ Banca Examinadora Profa. Dra. Angélica Aparecida Tanus Benatti Alvim Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie
Assinatura ___________________________________
Prof. Dr. Luiz Guilherme Rivera de Castro Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie
Assinatura ___________________________________
Profa. Dra. Eunice Helena Squizzardi Abascal Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie
Assinatura ___________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Zahn Instituição: Universidade de São Paulo
Assinatura ___________________________________
Profa. Dra. Maria Helena Pereira de Oliveira Instituição: Universidade do Oeste Paulista
Assinatura ___________________________________
I
Dedico este trabalho ao meu pequeno ARTUR, que foi concebido, nasceu e cresceu em meio
ao turbilhão do doutorado.
II
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que possibilitaram a elaboração desta tese, aos que
ajudaram tecnicamente, aos que me incentivaram, e aos que me deram carinho e
apoio.
À minha família, meu marido Alexandre que me incentivou e agüentou
diretamente o resultado do meu estresse; meus pais Tertuliano e Ana Maria, que além
de me estimularem, criaram a possibilidade de eu cursar o Doutorado; meu Artur que,
mesmo sem saber, deu-me forças para continuar; e minha avó, que, com suas
orações, protegeu-me no caminho do estudo.
À Profa. Dra. Gilda Collet Bruna pelo apoio desde o início do processo de
seleção do Doutorado. À Profa. Dra. Nádia Somekh pelo incentivo, a quem mantenho
grande apreço e respeito. À Profa. Dra. Maria Isabel Villac pela força e auxílio no
processo de definição da banca de qualificação. Às Dras. Maria Augusta Justi Pisani e
Eunice Helena Squizzardi Abascal pelo estímulo e amizade.
Aos professores das disciplinas que cursei na Pós-Graduação e aos integrantes
da Banca de Qualificação, Prof. Dr. Luiz Guilherme Rivera de Castro e Prof. Dr. Carlos
Eduardo Zahn, que, com suas observações fundamentais, auxiliaram na reflexão e no
aprofundamento sobre o tema.
Aos colegas Luiz Benedito Telles e Rafael Manzo que me deram um grande
apoio e estímulo durante o curso, a quem tive um super prazer de conviver. Aos
colegas que conheci e convivi no decorrer das disciplinas cursadas.
Ao colega Marcelo José da Mota que me auxiliou em vários momentos na
produção deste trabalho, e às alunas Mayara Pissutti Albano, Clarissa Bertasso e
Camila Junko Nosaki que me ajudaram em levantamentos e na elaboração dos
desenhos de implantação, plantas e vistas dos conjuntos residenciais.
Agradeço muito, também, à equipe da Secretaria de Planejamento,
Desenvolvimento Urbano e Habitação da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente,
funcionários que sempre me auxiliaram nas pesquisas e no processo de compreensão
sobre o Poder Público municipal.
À Reitoria da Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE, que me possibilitou
cursar o Doutorado, conciliando horas de estudo com o trabalho docente e de
coordenação de curso.
III
Ao MackPesquisa que me auxiliou na impressão e finalização deste trabalho
por meio da Reserva Técnica.
E um especial agradecimento à minha orientadora Angélica Aparecida Tanus
Benatti Alvim, pelos auxílios e estímulos à pesquisa produzida, além da amizade e
compreensão nos momentos necessários; a quem muito devo.
IV
Mais do que nunca, torna-se fundamental a ação dos movimentos sociais, das organizações não governamentais e do poder local na configuração de políticas urbanas que mantenham a responsabilidade do Estado no
financiamento de programas urbanos e sociais (...). (BONDUKI. Habitar São Paulo: reflexões sobre a gestão urbana. 2000. p.32)
V
RESUMO Esta pesquisa busca contribuir para uma análise crítica sobre a produção da
habitação de baixa renda em cidades médias, no período entre 1999 e 2008. A
pesquisa aborda a política habitacional no Brasil pós-Constituição Federal de 1988,
com ênfase no papel dos municípios e nos novos programas de financiamento que
possibilitam a articulação com a iniciativa privada para a produção de habitações de
baixa renda, particularmente as que utilizam recursos do Programa de Arrendamento
Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal, instituído em 1999 pelo Governo
Federal. Com base no estudo de caso de Presidente Prudente, município localizado no
oeste do Estado de São Paulo, busca-se discutir a relação entre as políticas urbanas e
habitacionais e a implantação de empreendimentos residenciais para a baixa renda
pela iniciativa privada, seus mecanismos e efeitos no território municipal. Parte-se do
pressuposto que o PAR sinalizou nova oportunidade para o financiamento de
habitações de baixa renda, para o município em parceria com a iniciativa privada, e
a política urbana, especialmente o Plano Diretor e seus instrumentos, deve orientar a
ação dos agentes em prol de um desenvolvimento urbano equilibrado e não
excludente. No caso de Presidente Prudente, a ausência de uma política urbana com
diretrizes claras para a política habitacional contribui para uma atuação direta do
capital privado, que contribui para a produção de espaços segregados e
excludentes. Para tanto, a pesquisa apresenta a trajetória da política habitacional no
Brasil, as ações públicas locais em Presidente Prudente voltadas à produção de
habitação social e a legislação municipal que apóia ou controla essa produção.
Discutem-se os princípios da formulação e instituição do PAR, no âmbito nacional, e a
inserção de Presidente Prudente ao programa. São levantados cinco
empreendimentos de financiamento federal, cuja normatização busca o apoio de
diretrizes municipais de controle do espaço urbano, e comparados às normas
municipais existentes em Presidente Prudente. A base das análises realizadas está
apoiada na liberdade de ação que o Poder Público local possibilita à iniciativa
privada. Conclui-se que para a produção de uma cidade mais justa e equitativa, a
política urbana e habitacional municipal precisam ser revistas, de modo articulado,
apresentando diretrizes adequadas e embasadas na realidade local, e possibilitando
o uso de instrumentos urbanísticos includentes.
Palavras-chave: Políticas públicas, Habitação de interesse social, Programa de Arrendamento Residencial
VI
ABSTRACT This research seeks to contribute to a critical analysis on the production of low-income
housing in mid-sized cities between the years 1999 through 2008. The research focuses
on housing policy in Brazil after the 1988 Federal Constitution, with emphasis on the role
of municipalities and the new financing programs that allows the articulation with the
private sector for the production of low-income housing, particularly those that use
resources from Residential Leasing Program (PAR) of the Caixa Econômica Federal,
established in 1999 by the Federal Government. Based on case study of Presidente
Prudente, a city located west of Sao Paulo State, we discuss the relationship between
the urban and housing policies and implementation of residential developments for low
income through private enterprise, its mechanisms and effects on municipal territory. It
starts from the assumption that the PAR signaled new opportunities for financing low-
income housing for the city in partnership with the private sector, and urban policy,
especially the Urban Master Plan and its instruments, should guide the action of agents
on behalf of a balanced urban development, not excluding. In the case of Presidente
Prudente, the absence of an urban policy with clear guidelines for housing policy
contributes to a direct action of private capital, which contributes to the production of
exclusive and segregated spaces. For this, the research presents the trajectory of
housing policy in Brazil, the local public actions in Presidente Prudente aimed to
produce social housing and municipal laws that support or control this production. We
discuss the principles of formulation and institution of PAR nationwide, and the insertion
of Presidente Prudente in the program. Five enterprises with federal funding are
created, seeking regularization in the municipal guidelines for controling of urban
space, and compared to existing municipal regulations in Presidente Prudente. The
basis of the analysis is the freedom of action that the local government allows to the
private sector. We conclude that for the production of a more fair and equitable, the
municipal urban and housing policy must be reviewed, in a articulate way, with proper
guidelines and based in the local reality, allowing the use of inclusive urban planning
instruments.
Key-words: Public policies, Social interest housing, Residential Leasing Program
VII
LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Programa Minha Casa Minha Vida - distribuição percentual dos valores a serem
financiados por região do país ............................................................................................................... 50
Figura 2 - Mapa da Região Administrativa de Presidente Prudente e da região da Alta
Sorocabana................................................................................................................................................ 80
Figura 3 - Planta esquemática dos primeiros loteamentos da cidade de Presidente Prudente ..... 85
Figura 4 - Malha urbana de Presidente Prudente - 1950 ......................................................................... 87
Figura 5 - Conjuntos habitacionais construídos em Presidente Prudente entre 1968 e 2009 ............ 92
Figura 6 – Evolução da malha urbana de Presidente Prudente ............................................................ 92
Figura 7 - Malha urbana de Presidente Prudente - localização dos empreendimentos de
habitação social construídos no município entre 1968 e 1988, e os primeiros condomínios
fechados de alto padrão ........................................................................................................................ 93
Figura 8 – Planta de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo – 2003............................................. 110
Figura 9 - Planta de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo – 2008 ............................................. 113
Figura 10 - Identificação dos conjuntos habitacionais financiados pelo PAR .................................. 125
Figura 11 – Zoneamento em vigor em Presidente Prudente à época das aprovações dos
conjuntos habitacionais financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR)
da Caixa Econômica Federal ............................................................................................................... 128
Figura 12 - Localização do Conjunto Residencial Bela Vista na malha urbana de Presidente
Prudente .................................................................................................................................................... 132
Figura 13 - Localização do conjunto Residencial Bela Vista - zoneamento de uso e
ocupação do solo .................................................................................................................................. 132
Figura 14 - - Imagem do Conjunto Residencial Bela Vista e seu entorno próximo ........................... 133
Figura 15 - Entrada do Conjunto Residencial Bela Vista - acesso por portaria ................................. 133
Figura 16 - Implantação do Conjunto Residencial Bela Vista ............................................................... 136
Figura 17 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Bela Vista ....................... 136
Figura 18 - Área interna do Conjunto Residencial Bela Vista - construção de muros e
alteração das fachadas ........................................................................................................................ 137
Figura 19 - Área interna do Conjunto Residencial Bela Vista - construção de muros e
alteração das fachadas ........................................................................................................................ 137
Figura 20 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Bela Vista ........... 138
Figura 21 - Acesso ao Conjunto Residencial Bela Vista - Rua José Quirino da Silva - Estrada
Municipal Dona Santa ............................................................................................................................ 138
Figura 22 - Localização do Conjunto Residencial Atalaia na malha urbana de Presidente
Prudente .................................................................................................................................................... 139
Figura 23 - Imagem do Conjunto Residencial Atalaia e seu entorno próximo.................................. 140
Figura 24 - Localização do conjunto Residencial Atalaia - zoneamento de uso e ocupação
do solo ....................................................................................................................................................... 140
Figura 25 - Conjunto Residencial Atalaia - entrada do condomínio ................................................... 142
Figura 26- Implantação do Conjunto Residencial Atalaia .................................................................... 142
Figura 27 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Atalaia ............................ 143
Figura 28 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Atalaia ................ 144
Figura 29 - Localização Conjunto Residencial Atalaia, Secr. de Obras, Distrito Industrial e
Mata do Furquim ..................................................................................................................................... 144
Figura 30 - Localização do Conjunto Residencial Laura na malha urbana de Presidente
Prudente .................................................................................................................................................... 145
Figura 31 - Imagem do Conjunto Residencial Laura e seu entorno próximo..................................... 146
Figura 32 - Conjunto Residencial Laura - entrado do condomínio ...................................................... 146
Figura 33 - Localização do conjunto Residencial Laura - zoneamento de uso e ocupação
do solo ....................................................................................................................................................... 147
VIII
Figura 34- Implantação do Conjunto Residencial Laura ....................................................................... 149
Figura 35 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Laura ............................... 149
Figura 36 - Conjunto Residencial Laura - edifícios com quatro pavimentos em zona de
ocupação máxima até dois pavimentos ........................................................................................... 149
Figura 37 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Laura ................... 150
Figura 38 - Localização do Conjunto Residencial Esmeralda na malha urbana de Presidente
Prudente .................................................................................................................................................... 152
Figura 39 - Localização do conjunto Residencial Esmeralda - zoneamento de uso e
ocupação do solo .................................................................................................................................. 152
Figura 40 - Imagem do Conjunto Residencial Esmeralda (identificado) e seu entorno próximo .. 153
Figura 41 - Imagem do Conjunto Residencial Esmeralda e seu entorno próximo ............................ 153
Figura 42 - Conjunto Residencial Esmeralda - unidades habitacionais padronizadas .................... 155
Figura 43- Implantação do Conjunto Residencial Esmeralda .............................................................. 155
Figura 44 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Esmeralda ...................... 156
Figura 45 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Esmeralda .......... 157
Figura 46 - Conjunto Residencial Esmeralda e área de uso comercial .............................................. 157
Figura 47 - Entrada do Conjunto Residencial Esmeralda ....................................................................... 157
Figura 48 - Localização do Conjunto Residencial Monte Carlo na malha urbana de
Presidente Prudente ................................................................................................................................ 159
Figura 49 - Localização do conjunto Residencial Monte Carlo - zoneamento de uso e
ocupação do solo .................................................................................................................................. 159
Figura 50 - Imagem do Conjunto Residencial Monte Carlo e seu entorno próximo ........................ 160
Figura 51 - Conjunto Residencial Monte Carlo ........................................................................................ 161
Figura 52- Implantação do Conjunto Residencial Monte Carlo .......................................................... 162
Figura 53 - Entrada única ao loteamento Monte Carlo......................................................................... 162
Figura 54 - Acessos improvisados pela população residente do bairro ............................................. 162
Figura 55 - Unidade residencial - Conjunto Residencial Monte Carlo ................................................. 163
Figura 56 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Monte Carlo ...... 163
Figura 57 - Conjunto Residencial Monte Carlo e área de uso comercial .......................................... 164
Figura 58 - Conjuntos Habitacionais de Interesse Social em Presidente Prudente ........................... 166
IX
LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS Quadro 1 - Conjuntos habitacionais executados em Presidente Prudente - 1968 a 2009 ................ 98
Quadro 2 - Conjuntos Habitacionais financiados pelo Programa de Arrendamento
Residencial (PAR) ..................................................................................................................................... 125
Quadro 3 – Quadro síntese dos empreendimentos do PAR executados em Presidente
Prudente .................................................................................................................................................... 167
Gráfico 1 - Crescimento populacional do município de Presidente Prudente-SP ............................. 88
X
LISTA DE SIGLAS AEIS Área Especial de Interesse Social APEC Associação Prudentina de Educação e Cultura BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BNH Banco Nacional de Habitação CAIXA Caixa Econômica Federal CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano CECAP Caixa Estadual de Casas para o Povo CF Constituição Federal CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna CMDHIS Conselho Municipal da Habitação de Interesse Social COHAB Companhia de Habitação CPEU Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos CURA Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada EC Estatuto da Cidade EIV Estudo de Impacto de Vizinhança FAR Fundo de Arrendamento Residencial FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social FAU Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FDS Fundo de Desenvolvimento Social FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FINASA Programa de Financiamento para Saneamento FINSOCIAL Fundo de Investimento Social FJP Fundação João Pinheiro FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social GIDUR Gerência de Desenvolvimento Urbano da CAIXA IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil IAP Instituto de Aposentadoria e Previdência IBH Instituto Brasileiro de Habitação IBMEC Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais IPASE Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado IPMF Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira IPTU Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial LOM Lei Orgânica Municipal MCidades Ministério das Cidades MNRU Movimento Nacional pela Reforma Urbana MP Medida Provisória NIP Distrito Industrial Não-poluente OGU Orçamento Geral da União ONG organização não governamental ONU Organização das Nações Unidas PAC Programa de Aceleração do Crescimento PAIH Programa de Ação Imediata para Habitação PAR Programa de Arrendamento Residencial PBQP-H Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat PDDI Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado PLAME Plano Mínimo de Educação PLANASA Plano Nacional de Saneamento PLANHAB Plano Nacional da Habitação Popular PlanHab Plano Nacional de Habitação PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida PMPP Prefeitura Municipal de Presidente Prudente PNH Política Nacional de Habitação PPA Plano Plurianual PROFILURB Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados
XI
Pró-Moradia Programa de Atendimento Habitacional PROMORAR Programa de Erradicação de Sub-habitação PROTECH Programa de Difusão Tecnológica para Construção de Hab. de Baixo Custo PSH Programa de Subsídio à Habitação REDUR Representação de Apoio ao Desenvolvimento Urbano da CAIXA SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Emprétimos SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SEDU Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano SEPURB Secretaria de Política Urbana SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo SFH Sistema Financeiro de Habitação SFI Sistema Financeiro Imobiliário SNH Sistema Nacional de Habitação SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social UBS Unidade Básica de Saúde UNESP Universidade Estadual Paulista USF Unidade de Saúde da Família USP Universidade de São Paulo ZEIS Zona Especial de Interesse Social ZR zona residencial
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 2
1. POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO – PERCURSO E ATUALIDADE 14
1.1. ANÁLISE CONCEITUAL DE POLÍTICA URBANA 16
1.2. BREVE RELATO SOBRE O PERCURSO DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL PRÉ-CONSTITUIÇÃO 19
1.3. A POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO PÓS-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 31
1.3.1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A QUESTÃO DA HABITAÇÃO 32
1.3.2. PERCURSO PÓS 1988 DA POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO 35
1.3.3. PLANOS E PROGRAMAS DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL 43
2. POLÍTICA URBANA E A QUESTÃO DA HABITAÇÃO DE BAIXA RENDA 51
2.1. ANTECEDENTES DA POLÍTICA URBANA NO BRASIL 53
2.2. POLÍTICA URBANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 55
2.3. PLANO DIRETOR E OS INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS PARA HABITAÇÃO 60
3. PRESIDENTE PRUDENTE E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 67
3.1. PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO 69
3.2. O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DA ALTA SOROCABANA E OS REFLEXOS EM PRESIDENTE PRUDENTE 79
3.3. O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO PRUDENTINO E A HABITAÇÃO DE BAIXA
RENDA 84
3.3.1. PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E A HABITAÇÃO DE BAIXA RENDA ENTRE 1968 E 1988 88
4. POLÍTICA URBANA EM PRESIDENTE PRUDENTE: PLANOS DIRETORES PÓS 1988 E A
QUESTÃO DA HABITAÇÃO 99
4.1. ANTECEDENTES 101
4.2. POLÍTICA URBANA E HABITACIONAL EM PRESIDENTE PRUDENTE PÓS-CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988 103
4.3. POLÍTICA URBANA E HABITACIONAL PÓS-ESTATUTO DA CIDADE 109
5. O PAR EM PRESIDENTE PRUDENTE – O ESPAÇO CONSTRUÍDO E A TIPOLOGIA DO
PAR 115
5.1. O PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR): UMA FORMA DE AGENCIAMENTO DA
HABITAÇÃO 117
5.2. PRESIDENTE PRUDENTE E O PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL 122
5.3. A LOCALIZAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS E A LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA VIGENTE 126
5.4. ESTUDO DE CASOS 129
5.4.1. RESIDENCIAL BELA VISTA 131
5.4.2. RESIDENCIAL ATALAIA 139
5.4.3. RESIDENCIAL LAURA 145
2
5.4.4. RESIDENCIAL ESMERALDA 151
5.4.5. RESIDENCIAL MONTE CARLO 158
5.5. ANÁLISE E DISCUSSÃO 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS 170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 175
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 182
APÊNDICE 187
ANEXO I 188
ANEXO II 189
3
INTRODUÇÃO
Este trabalho busca compreender a recente produção da habitação
de interesse social no espaço urbano de cidades de porte médio, e tem-se como
estudo de caso Presidente Prudente, cidade média do interior do Estado de São Paulo,
focando na produção da habitação social por agentes privados, por meio do
Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal.
O intenso processo de urbanização no Brasil, ocorrido principalmente a partir
da década de 19601, colocou inúmeros desafios às questões relativas às políticas
públicas e à gestão e organização do território municipal. Considerado um dos mais
rápidos do mundo, o processo de urbanização brasileiro elevou, ao mesmo tempo, a
demanda por moradia, empregos e serviços públicos nas cidades. Entre os anos de
1970 e 2000, a urbanização fez emergir um conjunto de problemas relacionados à
dificuldade de acesso à terra por grande parte da população, carência de
1 Ainda no início da década de 1970 a população brasileira torna-se predominantemente urbana, sendo que 56% da população total passa a viver nas cidades contra 45% em 1960, conforme os respectivos Censos do IBGE. Vale observar que o Sudeste, região que envolve os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, destaca-se com taxas de urbanização mais elevadas já a partir dos anos de 1960 quando sua população urbana ultrapassa a rural com 57,4% de taxa de urbanização, uma década antes da população total do Brasil tornar-se predominantemente urbana (ALVIM, 1996).
4
infraestrutura de saneamento básico e de transporte, e ausência de políticas públicas,
particularmente de políticas urbanas e habitacionais (ANTONUCCI et al, 2009).
Atualmente, nos grandes centros urbanos, encontra-se visível um
quadro de condição de miséria, que se propaga também com bastante intensidade
para cidades médias e pequenas. Frente ao processo de crise urbana, o
enfrentamento dos graves problemas que atingem a população requer soluções
articuladas de planejamento urbano e gestão urbana. Nesse contexto, a formulação
de políticas públicas adequadas aos cidadãos que hoje habitam o meio urbano é
fundamental, principalmente àquelas relativas ao uso do solo urbano, à habitação, à
infraestrutura de saneamento básico e de transportes, ao meio ambiente, etc., e
devem contribuir para a construção de ambientes urbanos equilibrados e justos.
Principalmente a partir da Constituição Federal de 1988 as temáticas da
política urbana e da gestão das cidades, no Brasil, passaram a ocupar um lugar de
destaque em diversas esferas institucionais, políticas e sociais. A promulgação dessa
Constituição teve como base o fortalecimento do município, quando define em seu
artigo 30 que este passa a ser um dos entes federativos conjuntamente com o Estado
e a União, devendo também reger-se por Lei Orgânica própria. Na Constituição, sua
autonomia foi ampliada política, administrativa e financeiramente. Para Costa (2002),
as competências e responsabilidades dos municípios se expressam por meio da
municipalização das políticas urbanas (particularmente aquelas que se inscrevem no
território municipal – uso e ocupação do solo, habitação, etc) e sociais (saúde e
educação).
Em seus artigos 182 e 183, definem-se as diretrizes básicas para a política
urbana brasileira, assim como a obrigatoriedade de algumas cidades em aprovar um
Plano Diretor. Em 2001, esses artigos foram regulamentados por meio da instituição da
Lei Federal nº.10.257/2001, conhecida como o Estatuto da Cidade.
No campo da concepção de políticas urbanas, a questão da política
habitacional passou a ser central e estratégica para o município, uma vez que um dos
principais problemas é a provisão de moradias adequadas à grande parcela da
população. Entretanto, não atribuiu institucionalmente essa política como uma
responsabilidade isolada do Poder Público municipal e sim num campo de políticas
comuns de responsabilidade das três esferas de governo. Em seu artigo 23, IX, a Carta
5
Magna atribuiu à União, Estados e Municípios a competência comum para “promover
programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais [...]”.
O Estatuto da Cidade identificou as competências, que inicialmente
pareciam concorrentes, em seu artigo 3º, III, definindo, expressamente, que “compete
à União promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais [...]”. Ou seja, a responsabilidade da política habitacional é
da União, mas pode ser partilhada com os estados e municípios.
De acordo com a Política Nacional de Habitação de 2004 (Ministério
das Cidades, 2004-a), foi a partir da Constituição de 1988 e do processo de
descentralização que se estabeleceu no Brasil, que a gestão dos programas sociais, e
dentre eles o de habitação, seja por iniciativa própria, seja por adesão a algum
programa proposto por outro nível de governo, passou a ser dos estados e dos
municípios.
Durante os anos de 1990, ainda de acordo com a Política Nacional de
Habitação (Ibidem), ocorreu um conjunto de crises políticas e institucionais no âmbito
da política federal, passando os governos estaduais e municipais a tomarem iniciativas
no desenvolvimento de ações locais relacionadas à habitação, “com elevado grau
de autofinanciamento, e baseadas em modelos alternativos, destacando-se entre eles
os programas de urbanização e regularização de favelas e de loteamentos
periféricos” (Ibidem, p. 10).
A contínua crise financeira e perda de quadros técnicos no plano
federal fez com que as áreas da habitação e do desenvolvimento urbano
permanecessem sem contar com recursos financeiros expressivos e sem capacidade
institucional de gestão. Ao ampliar as condições de autonomia e de iniciativa locais
na definição de agendas e implementação de políticas públicas, as iniciativas em
programas habitacionais, por parte de administrações municipais, disseminaram-se a
partir do final dos anos de 1980, e ganharam maior legitimidade durante os anos de
1990 e inicio dos anos 2000, na medida em que foram também apoiadas pelas novas
políticas de financiamento em curso no Brasil.
É nesse contexto que surgiram novas linhas de financiamento
promovidas pelo Governo Federal, a partir da Caixa Econômica Federal, que visavam
6
a beneficiar tanto os governos estaduais e municipais quanto uma parcela da
iniciativa privada na construção nas políticas habitacionais.
Tais linhas tomaram, por um lado, como base projetos de iniciativa dos
governos estaduais e municipais, com sua concessão estabelecida a partir de um
conjunto de critérios técnicos de projeto e apoiada na capacidade de pagamento
desses entes federativos; e por outro, limitou as possibilidades de financiamento
federal, devido à restrição de utilização de recursos do Orçamento Geral da União
(OGU) como do FGTS para esse fim. Assim,
[...] os programas de oferta de novas unidades habitacionais puderam ser viabilizados por meio de financiamento do setor privado, como ocorre no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), ou por meio de empréstimos individuais, como o Programa Carta de Crédito. (Ibidem, p.11).
Ou seja, embora não esteja definido institucionalmente que o município
tenha responsabilidade plena sobre a política habitacional, é evidente que a
responsabilidade de implementação de uma política urbana justa e equitativa, com
objetivos de justiça social e de qualidade de vida, prevista no Estatuto da Cidade,
inclui estratégias de elaboração de políticas públicas setoriais, principalmente a da
habitação na escala local.
Como parte do processo de planejamento urbano, atualmente os
municípios brasileiros vêm incorporando os instrumentos urbanísticos fundamentais à
questão. Entre eles, destaca-se a possibilidade de definição, no território municipal, da
Zona Especial de Interesse Social - ZEIS (artigo 4º da Lei nº.10.257/2001), área a ser
delimitada pelo Poder Público Municipal, no Plano Diretor, destinada à implantação
de habitação de interesse social. Entretanto, tal possibilidade não necessariamente
vem sendo traduzida da mesma maneira por todos os municípios brasileiros, por
motivos diversos, seja pela sua condição financeira, pela incapacidade político
institucional, ou mesmo, pelo continuo descaso em relação às questões urbana e
habitacional.
Assim, embora a responsabilidade de definir um desenvolvimento
urbano municipal equilibrado e, consequentemente, garantir a todos o direito à
cidade de forma ampla seja função do município as políticas de âmbito municipal
apresentam competência comum às três esferas de governo, permanecendo uma
incógnita em relação ao papel do município na produção e gestão da habitação de
7
interesse social. Soma-se a isso, a ausência de recursos financeiros na esfera municipal,
em uma sociedade cada vez mais urbana, onde o déficit habitacional é crescente.
A partir da década de 1990, a entrada de uma fatia da iniciativa
privada na produção de unidades habitacionais, para o mercado de baixa renda, por
meio de vários programas governamentais, entre eles o Programa de Arrendamento
Residencial (PAR), passou a se constituir em uma oportunidade para o governo
municipal resolver parcelas significativas de seus problemas relacionados à demanda
crescente por habitação.
No entanto, para além da possibilidade de contribuição com a
construção de novas moradias para a baixa renda pelo setor privado, destaca-se o
papel do município como gestor municipal, sendo fundamental que este regule a
atuação do mercado imobiliário na produção de moradias de baixa renda, em
consonância com a política de desenvolvimento urbano e com as diretrizes que vão
ao encontro dos propósitos da função social da cidade.
No âmbito dos programas de financiamento da política habitacional,
destaca-se o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado em 1999 como
resposta ao não atendimento da população de menor renda no financiamento de
habitação nos demais programas implementados até então, além da constatação de
que 65% dos ocupantes dos imóveis financiados para baixa renda pela Caixa
Econômica Federal não estavam mais nas mãos dos adquirentes originais (CAIXA,
2008), fato que levava a ser repensado o modelo de aquisição com dinheiro público
da habitação de baixa renda.
Na proposta original do PAR, havia a preocupação da fixação da
população em áreas com infraestrutura e acesso, tentando proporcionar diminuição
dos vazios urbanos, e a especulação que deriva disso. O projeto e a execução dos
conjuntos são entregues a construtoras privadas, que precisam manter padrão mínimo
de construção e acabamento ditados pela Caixa Econômica Federal. A tipologia
construtiva das habitações pode ser residência unifamiliar ou edifício residencial
multifamiliar.
A formulação do PAR, no campo da política federal de habitação,
sinaliza uma nova oportunidade aos municípios para o financiamento de habitações
para baixa renda, visando a redução do seu déficit habitacional. Esse programa
8
permite a construção de moradias pela iniciativa privada de modo a atender as
classes de rendas menos favorecidas, por meio de dois parâmetros de renda - para
até três salários mínimos e até seis salários -, em ambos os casos, projetado e
executado pela iniciativa privada (construtoras e incorporadoras de mercado).
Entretanto, o PAR, segundo regras do próprio programa, deveria ser
implementado em áreas prioritárias para a localização habitação de interesse social,
definidas pelo Poder Público municipal, como as ZEIS, e estar em consonância com a
política urbana municipal, seguindo regras para seleção de arrendatários definidas
segundo critérios estabelecidos pelos governos municipais.
Nesse contexto, Presidente Prudente, município de porte médio,
localizado no oeste do Estado de São Paulo, foi um dos beneficiados pelo programa
habitacional.
Embora esse município tenha sido objeto de três Planos Diretores, entre
1968 e 20082, o processo de expansão urbana vem ocorrendo na contramão dos
propósitos dos instrumentos urbanísticos. Aliado a isso, a política habitacional, ora
atrelada aos propósitos do governo federal ou do estadual, ora aos do município, vem
sendo implementada dissociada de uma política urbana includente, voltada a um
desenvolvimento urbano equilibrado.
Para Leite (1972), Presidente Prudente, desde sua formação, apresenta
o populismo como modelo de governo municipal. Esse fato contribui para a ausência
de um processo de planejamento e gestão urbanos efetivos e coerentes, além de
política habitacional adequada, e a reprodução do modelo de reprodução urbana
calcado na segregação socioespacial.
Recentemente, quando ocorre no nível federal a formulação do PAR,
no âmbito da política federal de habitação, o município de Presidente Prudente foi
uma das cidades selecionadas para implantação do programa.
2 O município teve três Planos Diretores nesse período: o primeiro elaborado em 1969 pelo Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos (CPEU) da FAU/USP. Outro em 1996, elaborado com participação da Prefeitura (Lei Municipal nº.29 de 31/07/1996), e sua revisão, em 2008 (Lei Municipal nº.151 de 10/01/2008).
9
Entre 2003 e 2006 foram executados cinco3 empreendimentos com
características distintas; inclusive com os dois patamares de renda estipulados pelo
programa: PAR 1 (para renda de até seis salários mínimos) e PAR 2 (para renda de até
três salários mínimos).
No entanto, nessa cidade, a lógica de implementação dos
empreendimentos imobiliários para a população de baixa renda, apesar de haver
assinatura de convênio entre a Prefeitura Municipal e a Caixa Econômica Federal, não
observa a participação direta daquela, embora seja um requisito legal. Ao que
parece, a Prefeitura não tem controle desse programa, e muito menos dos
empreendimentos habitacionais executados.
Diante do exposto, esta pesquisa tem como objeto a produção da
habitação de baixa renda no espaço urbano da cidade de Presidente Prudente,
promovida por agentes privados, no âmbito do Programa de Arrendamento
Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal no período de 1999 a 2008, e os
principais objetivos são descritos a seguir.
O objetivo geral desta pesquisa é contribuir para uma análise crítica
sobre a produção da habitação de baixa renda em cidades médias, particularmente
aquelas implementadas pela iniciativa privada, com recursos do Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal, no período entre 1999
e 2008, tendo como estudo de caso o município de Presidente Prudente.
A partir do estudo de caso do município de Presidente Prudente têm-se
os objetivos específicos:
• Discutir em que medida o Poder Público municipal previu instrumentos
fundamentais à produção da habitação de baixa renda no âmbito de sua política
urbana, definida nos dois últimos Planos Diretores Municipais (Leis Municipais nº.29/1996
e nº.151/2008), e, particularmente, por meio de definição de zonas especiais de
interesse social (ZEIS);
• Entender os fenômenos da segregação socioespacial na cidade por meio da ação
do capital na produção das áreas de baixa renda;
3 Os empreendimentos executados são Conjunto Residencial Laura, Conjunto Residencial Esmeralda, Conjunto Residencial Atalaia, Conjunto Residencial Monte Carlo e Conjunto Residencial Bela Vista
10
• Sistematizar o percurso da política habitacional de Presidente Prudente, a partir da
década de 1960, com implantação do primeiro conjunto habitacional financiado pelo
BNH, à 2008, com a aprovação do novo Plano Diretor municipal (Lei n°.151/2008);
• Caracterizar o papel do mercado imobiliário prudentino na produção de espaço
urbano para população de baixa renda, identificando o interesse dos particulares
(construtoras, incorporadoras, imobiliárias, etc.) nessa parcela do mercado,
especificamente junto à Caixa Econômica Federal e ao PAR.
Para a construção da hipótese central que norteia a pesquisa, os
seguintes pressupostos são fundamentais.
A lacuna em relação à habitação social em Presidente Prudente-SP,
representada pela carência de investimentos públicos e pela alta taxa de população
com alta vulnerabilidade4, 24,6% do total da população (SEADE, 2000), geram grande
necessidade de investimentos reais na construção e financiamento de moradias para
população de renda baixa.
Associado a isso, a ausência de uma política habitacional municipal
efetiva e o desinteresse público declarado na definição clara de áreas voltadas à
habitação social na estrutura urbana abrem espaço para a reprodução da
segregação e da especulação imobiliária, expondo essa fatia do mercado.
Em Presidente Prudente, devido à carência de uma política urbana
includente, que não chega sequer a definir Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), a
sua aplicabilidade fica bastante fragilizada, uma vez que reproduz e reforça o modelo
de expansão urbana periférica e segregada ocorrido nas últimas décadas.
Os empreendimentos do PAR nessa cidade se localizam na franja
urbana, e em sua maioria são condomínios fechados, reproduzindo o modelo de
habitação voltado para as camadas de mais altas rendas da cidade.
4 Segundo SEADE, “a vulnerabilidade social decorre de fenômenos diversos, com causas e consequências distintas, obtém-se uma visão mais abrangente das condições de vida e dos riscos sociais que atingem os vários segmentos populacionais, bem como das possibilidades de sua superação ou minimização. Nessa perspectiva, é no confronto entre as características individuais e familiares – ciclo de vida, tipo de arranjo familiar, escolaridade, renda corrente, formas de inserção no mercado de trabalho e condições de saúde – e suas possibilidades de desfrute dos bens e serviços ofertados pelo Estado, sociedade e mercado que se definem suas efetivas condições de vida e possibilidades de mobilidade social.”
11
Ou seja, em Presidente Prudente, a aplicação deste programa não leva
em conta aspectos que poderiam ser definidos no âmbito de uma política urbana
justa e equitativa, conforme diretrizes do Estatuto da Cidade, principalmente em
relação à escolha das áreas para implantação desses empreendimentos e ao modelo
que vem sendo implementado.
Portanto, a hipótese que sustenta esta pesquisa é a seguinte: A
produção do espaço urbano prudentino, tendo como estudo de caso a construção
da habitação de baixa renda por meio do Programa de Arrendamento Residencial
(PAR) da Caixa Econômica Federal, é produto direto do capital, sem interesse de
controle ou direcionamento pelo Poder Público municipal, fruto da ausência de uma
política urbana socialmente justa e includente.
A partir da comprovação da hipótese principal, pretende-se defender a
seguinte tese: O Poder Público municipal não tem apresentado políticas urbanas e
habitacionais inclusivas, deixando para os agentes privados tanto a provisão como a
gestão da habitação social, que, por sua vez, reproduz espaços urbanos segregados.
O período escolhido para esta pesquisa compreende os anos de 1999 a
2008. Sua definição se deve à instituição do Programa de Arrendamento Residencial
(PAR), na esfera federal, em 1999, por meio da publicação da Medida Provisória (MP)
nº.1.823 de 1999 do Governo Federal. Essa MP teve vigência até 2001, quando foi
convertida na Lei nº.10.188 em 12 de fevereiro de 2001.
Entretanto, é importante ressaltar que para a análise da produção
habitacional no espaço prudentino é necessário recuar no tempo de modo a
compreender aspectos históricos do processo de provisão habitacional no Brasil, as
diversas alterações da estrutura da política habitacional, entre outros aspectos.
Em contrapartida, define-se o ano de 2008 como fim do período devido
à aprovação do novo Plano Diretor municipal (Lei Complementar n°.151, de 10 de
janeiro de 2008), que revisou o plano anterior, elaborado em 1996, o qual deveria
introduzir um conjunto de instrumentos urbanísticos inovadores segundo diretrizes da
política urbana federal – Lei nº.10.257/2001, o Estatuto da Cidade – principalmente
aqueles ligados à justiça social da cidade.
12
A metodologia utilizada na pesquisa foi interativa e sistêmica, de
análises e sínteses recorrentes e sucessivas, percorrendo fases de investigação
científica simples e objetiva.
Inicialmente, a pesquisa aprofundou os conceitos e teorias relacionados
à temática. A partir da teoria apreendida e dos conceitos elaborados, a investigação
passou para a fase prática, procurando efetuar a análise de casos estabelecidos, a
fim de verificar a consistência das hipóteses de trabalho.
Pesquisas documentais, de campo e entrevistas qualitativas foram
realizadas, e mapeamentos foram elaborados. Buscou-se, analisar e compreender
aspectos fundamentais da política urbana, e a lógica de implementação dos cinco
empreendimentos imobiliários implementados no período com verba advinda do
Programa de Arrendamento Residencial (PAR). A metodologia que orientou o estudo
de caso será descrita detalhadamente no capítulo 5, quando da descrição e
discussão dos empreendimentos.
A elaboração das análises de maneira intercorrente, considerando a
relação das ações levantadas com as políticas urbanas e setoriais definidas para o
território municipal, particularmente em relação aos dois últimos planos diretores, foi
fundamental para a elaboração do corpo de argumentação; que foi finalizada com
a organização definitiva da tese.
O trabalho, portanto, está estruturado em cinco capítulos. No capítulo
1, é feito levantamento histórico das políticas, planos e programas federais de
habitação. A abrangência dessa análise, entre as décadas de 1930 e 2010, visa a
compreender o percurso das ações públicas na área habitacional, identificar as
competências dos entes federativos, principalmente as voltadas à política
habitacional, e a inclusão dos artigos de política urbana na Constituição Federal de
1988,
O capítulo 2 tem o objetivo de identificar o momento histórico voltado
às discussões urbanas e habitacionais, desde a década de 1950 até a inclusão do
capítulo sobre Política Urbana na Constituição Federal de 1988. Também é feita
análise dos instrumentos constitucionais para regulação e controle do espaço urbano,
e identifica a abrangência de planos diretores e legislação municipal relacionados às
ações públicas municipais na área habitacional.
13
A compreensão do espaço urbano de Presidente Prudente, seus
agentes produtores, e sua dinâmica urbana são tratados no capítulo 3 desta pesquisa,
assim como os aspectos de segregação socioespacial e a compreensão sobre os
conceitos necessários. O levantamento histórico da formação da região e da cidade,
e o processo de expansão urbana associado à implantação dos conjuntos
habitacionais buscam demonstrar as ações públicas e privadas na cidade.
A análise dos planos diretores elaborados e aprovados no município e
de legislação específica voltada ao controle do espaço urbano e à habitação visam
a uma discussão mais clara dos processos que ocorrem nessa cidade, sendo
apresentados no capítulo 4.
O quinto e último capítulo trata do estudo de caso desta tese,
compreendendo o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), a legislação e as
diretrizes federais que o instituíram, além da análise dos cinco empreendimentos
executados na cidade.
Visa a comprovar, dessa forma, que o Poder Público municipal optou
em deixar para os agentes privados a produção da habitação social, sem apresentar
políticas de controle e desenvolvimento do espaço urbano, possibilitando a
reprodução de espaços segregados. Assim, busca-se contribuir analiticamente para a
discussão sobre a produção da habitação de interesse social em cidades médias,
principalmente as executadas pela iniciativa privada.
15
1. POLÍTICA NACIONAL DE HABITAÇÃO –
PERCURSO E ATUALIDADE
As ações governamentais sobre assuntos habitacionais são recentes no
Brasil, e podem ser observadas juntamente com processos de industrialização dos
centros urbanos, e de maneira pontual intenciona compreender mais claramente
essas ações, este capítulo busca analisar o percurso das Políticas Federais de
Habitação no Brasil, assim como compreender os planos e programas criados pelos
Governos, em instância Nacional.
A centralização política no país e a busca pela sua descentralização
por meio da competência dada aos entes federativos pela Constituição Federal de
1988 embasam a análise com enfoque nacional. Assim, o período levantado se inicia
em 1938 com a criação de Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e
Previdência (IAP´s), estendendo-se aos dias atuais.
16
1.1. Análise conceitual de política urbana
Não se consegue conceituar política de forma simples devido à sua
abrangência. Muitos são os especialistas que investigaram (ou ainda investigam) o
assunto. Aristóteles1 (WEFFORT, 1993) descrevia o ser humano como um ser político,
necessitando de inter-relacionamento e proximidade com outros seres humanos. Para
Maquiavel2 (Ibidem), política está associada à ação humana no controle social,
norteando a vida privada. Popularmente, o termo política pode ser compreendido
como arte ou ciência de governar, dirigir e administrar Estados e povos.
Segundo Monteiro (1982, p.12), política é “ação (ou inação)
conscientemente escolhida e orientada para um determinado fim”. Cunha & Cunha
(2002) focam na coletividade e nas demandas da sociedade, concretizando os
direitos sociais (Direito Coletivo) e sua legitimidade; embora esclareçam que, apesar
dessa legitimidade na criação das políticas públicas pelo Estado, “elas englobam
preferências, escolhas e decisões privadas, podendo (e devendo) ser controladas
pelos cidadãos” (Ibidem, p.12).
No entanto, há sempre conflito entre os agentes envolvidos, ou seja, aos
grupos de interesse, que buscam reafirmar seus valores e preferências, e influenciar
tanto a opinião pública quanto os governantes, beneficiando-se. Melazzo (2006),
citando Pierre Bourdieu3, descreve o campo de ação dessas políticas: “nada mais é
que um sistema estruturado de forças objetivas, [...] espaço de lutas materiais e
simbólicas, [...] e onde se estabelece uma lógica de funcionamento [...] colocando
frente a frente indivíduos e instituições” (Ibidem, p.36).
A atenção a diferenças no contexto das políticas públicas é
fundamental na análise do objeto políticas urbanas, tanto conceitualmente quanto no
estudo das ações e seus resultados. Em relação a estes, é crucial a constante
1 Aristóteles foi um importante filósofo grego, que viveu entre 384 e 322 a.C na Grécia antiga. Seus pensamentos influenciaram o pensamento ocidental contemporâneo, sendo considerado o pai do pensamento lógico. 2 Maquiavel foi um diplomata italiano, que viveu entre 1469 e 1527. É considerado o fundador do pensamento e da ciência política moderna, concentrando seus trabalhos no Estado. 3 BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa:Difel, 1989. – A economia das trocas simbólicas. 3ª.ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. – Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.
17
adequação da gestão das políticas, pois se podem observar direcionamentos
imprevisíveis, cujos rumos imponham reformulações. Mas, atentando para Villaça
(1999, p.180), as políticas urbanas “devem referir-se às reais ações e às propostas
consequentes de ação do Estado sobre o urbano.”.
Assim, Melazzo (2006, p.30) afirma que:
O conceito de políticas públicas aparece com inequívocas ligações com a formulação de estratégias de intervenção que envolvem a formulação, planejamento, gestão/execução e avaliação de ações propostas ou implementadas no plano consciente, racional e sem margem a dúvidas ou subjetivismos, uma vez que tais ‘tarefas’ seriam realizadas pelo Estado.
Entretanto, o comportamento dos atores responsáveis pela execução e
pela implementação das políticas é desconsiderado; justamente o segmento da
administração pública mais em contato com o público alvo. Isso deveria resultar na
maneira como o conjunto de informações ganha corpo na forma de lei,
estabelecendo os princípios e objetivos da política. Considerando as políticas públicas
na esfera urbana, a discussão se solidifica em menor escala, mas com atores em todas
as escalas na Federação Brasileira.
O estudo da política urbana pode levar em conta diferentes campos
interligados, como o da planificação e dos movimentos sociais urbanos (CASTELLS,
2000). A planificação urbana pode ser observada como uma intervenção política
sobre a questão econômica, objetivando a igualdade no espaço. Mas no âmbito da
estruturação da sociedade, o econômico é fundamental, pois envolve a luta política
de classes, com a manutenção do aparelho de Estado.
As políticas públicas são desenvolvidas em resposta a problemas
urbanos, desde a previsão de bens coletivos e serviços públicos até o controle da
expansão urbana, e uso e ocupação do solo; sendo identificada como o setor de
ordenamento legal do território das cidades através de conjunto de ações descritas,
com a observação das demandas e a tentativa de harmonização.
Segundo Alvim, Castro e Zioni (2010, p.13), as políticas urbanas têm
relação “ao conjunto das políticas públicas e das ações do Poder Público sobre
processos urbanos”, orientando essas ações por meio de metas e diretrizes
relacionadas às necessidades e demandas sociais no espaço urbano. Ou seja, as
18
políticas urbanas podem ser identificadas como políticas públicas voltadas às
demandas e práticas sociais locais.
Esses autores (Ibidem) também afirmam que as políticas urbanas são um
conjunto particular de políticas públicas, que visam a orientar a organização e
ordenamento do território das cidades, por meio da produção do espaço, da
infraestrutura, dos serviços e equipamentos públicos, e da regulamentação das
funções e da densidade construtiva.
E completam que são várias as áreas passíveis de atuação do Poder
Público no âmbito local, sendo a política habitacional considerada uma política
urbana especifica, setorial. No entanto, mesmo sendo parte da política urbana, a
política habitacional pode envolver programas de responsabilidade de qualquer um
dos três níveis de governo: federal, estadual e municipal.
No entanto, para alcançar seu propósito, faz-se necessário que as
dimensões política e técnico-científica estejam alinhadas, revendo e reordenando os
instrumentos de planejamento e gestão, com atenção a questões de valor e objetivos.
Como também é fundamental a participação popular, inclusive quando em disputas
de grupos de interesses; sendo importante verificar quais suas reais forças no
levantamento histórico e na construção da realidade, reforçando-as.
Lacaze (1999, p.49) comenta que:
Se admitirmos que o papel das políticas urbanas consiste em intervir para melhor organizar a cidade em função das necessidades econômicas e sociais, põe-se imediatamente a questão de saber quem deve avaliar essas necessidades, e a da preparação e da aplicação das decisões que permitem passar dos discursos aos actos.
As políticas urbanas implicam uma dimensão de natureza real, da ação.
No exercício da sua vontade é necessária a análise dos atores e das regras da ação
política. Entretanto, as decisões não são justas a todos, seja devido à raridade do
espaço urbano ou à diversidade de interesses. São claras as tentativas de se justificar
as decisões em nome do interesse geral, que viriam a contrariar os interesses
particulares.
O discurso não reflete necessariamente a realidade da ação, e muitas
vezes, há uma imposição legal no espaço urbano, gerado por políticas urbanas e
19
ratificado por legislação aprovada; criando, reproduzindo ou reforçando
características de expansão e/ou segregação urbana4. A manutenção da
segregação está baseada na utilização de força (social, psicológica ou física), de
forma implícita ou explícita; e que essa força somente pode ser exercida pelo Estado,
através de seu poder discricionário5; ou seja, este pode escolher a quem atender e/ou
beneficiar.
Como resultado de busca de diferentes conceitos e compreensões
sobre política pública urbana, pode-se subdividir sua análise em atuação
governamental direta, por meio de instituições públicas ou particulares; tomada de
decisões, desde a fase de planejamento e execução, até a avaliação dos resultados;
e disputas e busca de direitos, com a incorporação de interesses de grupos na
sociedade. No entanto, a política urbana é justificada enquanto instrumento de ação,
mas pode vir, na prática, a se opor aos seus próprios princípios (MELAZZO, 2006).
Dessa maneira, em muitos casos, verificam-se políticas escritas e
divulgadas voltadas a beneficiar a população mais carente de serviços e condições
financeiras, mas cujas ações não reflitam sua forma legal. Assim, a política pública dos
discursos, planos, programas e projetos não podem necessariamente ser considerados
como política, pela sua não realização e/ou desvirtuamento real.
1.2. Breve relato sobre o percurso da política habitacional no
Brasil pré-Constituição
A partir de 1930, assume no Brasil o novo regime denominado de “Era
Vargas”6, e com a incorporação de outros setores sociais, o Estado começa a
4 A discussão conceitual sobre segregação urbana e seus agentes é realizada no item 3.1 desta tese. 5 Poder discricionário – é aquele que o direito concede à Administração Pública para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. 6 Era Vargas – período de governo, que durou quinze anos (1930-1945), no qual Getúlio Vargas governa o Brasil. Foi iniciado por meio de movimento revolucionário que depôs o presidente Washington Luiz em outubro de 1930, e tomou posse como chefe do Governo Provisório Getúlio Vargas, com a dissolução do Congresso Nacional e de quaisquer outros órgãos legislativos e deliberativos no país. Em 1933 foi eleita a Assembléia Constituinte, e, em 1934, foi promulgada nova Constituição Federal. Em 1937, novo golpe de
20
desenvolver políticas de modernização do país, além de tentar ganhar apoio popular
com atendimento de diversos aspectos da vida urbana, inclusive a área habitacional.
Antes desse período, a habitação social não era objetivo do Estado,
que se limitou “à fixação de legislação normativa e ao controle sanitário” (BONDUKI,
1994, p.116). Era a iniciativa privada diretamente que se ocupava da construção da
moradia, buscando seu lucro financeiro por meio de imóveis de aluguel.
Assim, a partir do governo Vargas, a ação pública no setor habitacional
ocorreu em níveis distintos, como a criação de Carteiras Prediais dos Institutos de
Aposentadoria e Previdência (IAP´s), em 1938, responsável pela construção e
financiamento de unidades habitacionais. Esse órgão foi base para a criação da
Fundação da Casa Popular, em 1946, por meio do Decreto-lei n°.9.218, no governo do
presidente Eurico Gaspar Dutra.
Em 1945, na cidade de São Paulo, ocorreu o primeiro Congresso
Brasileiro de Arquitetura, que, baseado nas idéias da Bauhaus e dos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM’s), que, conforme Sachs (1999, p.111),
“propôs um programa radical de intervenção pública em matéria de habitação
popular”. Ou seja, buscava uma política habitacional nacional descentralizada, com
construção de grandes conjuntos de apartamentos.
As Carteiras atuavam em certas cidades e regiões no território nacional,
de forma pontual e fragmentada; sendo que a Fundação da Casa Popular foi
instituída como a primeira entidade voltada para o fornecimento de moradia à
população de menor renda em âmbito nacional, constituindo-se na primeira política
nacional de habitação (Ministério das Cidades, 2004-a).
Segundo Azevedo e Andrade (1982, p.20), o governo buscava “angariar
legitimidade e alcançar penetração junto aos trabalhadores urbanos” com a oferta
da casa própria. Os recursos da Fundação dependiam de dotações orçamentárias da
União, e o processo de construção era tanto por empreitada como por administração
direta, mas predominando apenas o primeiro modelo.
Estado ocorreu com o fechamento do Congresso Nacional, manutenção de Vargas na Presidência da República, sendo instalado o ‘Estado Novo’, com características ditatoriais. A forma de governo da Era Vargas é caracterizada pelo nacionalismo e populismo, com investimentos em infraestrutura e no setor industrial, e avanços em setores sociais. (GOMES et al, 1996)
21
A população foco do financiamento da Fundação não foi definida
com exatidão, havendo possibilidade de pleitear o financiamento candidatos com
renda familiar líquida não superior a 12,8 salários mínimos. No entanto, não ocorreu a
participação de famílias com altas rendas devido à “exclusão voluntária dos setores
médios, que não achavam condizente com a sua posição social habitar os conjuntos
populares” (Ibidem, p.28).
O acesso aos financiamentos era, entretanto, limitado por questões de
falta de informações, pois os editais de divulgação tinham alcance restrito, os prazos
de inscrição nem sempre eram suficientes para permitir maior divulgação e a
apresentação dos interessados. Também ocorria a existência de reserva de unidades
em cada conjunto, não sujeitas aos critérios formais de distribuição.
A localização das edificações construídas privilegiou centros urbanos
com população superior a 50 mil habitantes (68%), mas a distribuição dos conjuntos
mostra-se com característica diversa, sendo que quase metade deles foram
edificados em núcleos urbanos com menos de 20 mil habitantes (Ibidem).
A Fundação da Casa Popular passou a atuar, também, em outras áreas
complementares à habitação para população de baixa renda, como órgão de
política urbana. No entanto, ao longo de sua trajetória, tomou-se consciência das
limitações desse modelo e foi percebido que a dependência dos recursos
orçamentários e a estrutura institucional criavam barreiras à execução dos objetivos
da política habitacional.
No início da década de 1960, durante o governo de Jânio Quadros,
buscou-se uma complexa estruturação na política habitacional, por meio do Plano de
Assistência Habitacional. Esse Plano propunha linhas de ação de curto e longo prazos,
e a criação do Instituto Brasileiro de Habitação (IBH). O Plano não saiu do papel por
questões políticas, mas o IBH foi objeto de projeto de Lei, visando a ocupar lacunas da
política habitacional, e assumiu as atividades da Fundação.
No IBH, pretendia-se a centralização do planejamento, unindo os
esforços de todas as entidades públicas e privadas, também assumindo a
responsabilidade por assuntos urbanos de forma geral. O projeto demonstrava a
necessidade de encontrar novas soluções para a política habitacional, combinando
as diretrizes nacionais com as peculiaridades regionais.
22
Nessa ocasião, o processo de urbanização no país ocorria com grande
intensidade7, gerando crescimento da demanda por moradias, agravando a situação
habitacional brasileira; além do processo inflacionário que causou diminuição de
investimentos no setor. Mas o padrão de expansão urbana periférica foi consolidado.
A intervenção direta do Estado nas questões urbana e habitacional pode ser sentida
como nova forma de estruturação da cidade, baseada no aumento de veículos
particulares e a verticalização das edificações.
Apesar das enormes variações, as políticas públicas do pré-1964 foram marcadas por aquilo que pode ser denominado de “laissez-faire urbano”, no sentido de permitir às volumosas e crescentes levas populacionais se fixarem onde e como pudessem no cenário metropolitano, acelerando um padrão periférico de crescimento baseado na autoconstrução de moradias em terrenos “clandestinos” e destituídos de serviços básicos. (KOWARICK e BONDUKI, 1994, p.147).
Em 1964, com o regime militar8, o sistema até então vigente foi rejeitado.
A antiga política habitacional foi extinta, e a nova pretendeu, com o propósito de
facilitar o acesso à casa própria, por meio da construção de habitações populares e
da eliminação das favelas, auxiliar a recuperação da economia e favorecer a
estabilidade social. A nova política habitacional assumiu novos rumos com o Banco
Nacional da Habitação (BNH).
A Lei n°.4.380, de 21 de agosto de 1964, criou o Sistema Financeiro de
Habitação (SFH), o Banco Nacional da Habitação (BNH), as Sociedades de Crédito
Imobiliário, as Letras Imobiliárias e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
(SERFHAU), marcando a institucionalização da política habitacional em nível federal.
Sob três aspectos principais o modelo projetado pelo BNH representou
uma inovação na política habitacional: por se tratar de um banco, pela previsão de
correção da inflação nos financiamentos, e pela busca de articulação do setor
público com o privado (este sendo o responsável pela execução das obras) (SACHS,
1999).
7 Dados do IBGE (Disponível em: www.ibge.gov.br/ ibgeteen/ pesquisas/demograficas.html. Acesso em: 23.jul.2010) mostram um aumento populacional de 18,8 milhões de habitantes urbanos em 1950 para 31,3 milhões em 1960 e 52,1 milhões em 1970, enquanto a população rural brasileira cresceu de 33,2 milhões para 38,8 milhões, chegando a 41,1 milhões, respectivamente em 1950, 1960 e 1970. Esses números significam que a população urbana cresceu de 36,15%, em 1950, para 44,65%, em 1960, e 55,72%, em 1970, considerando a população total do país nessas datas. 8 Regime Militar – período em que os militares governaram o Brasil por meio de um regime ditatorial, durante vinte e um anos (entre 1964 e 1985), a partir de golpe de Estado (CANCIAN, 2005).
23
Entretanto, segundo Abranches9 (apud SACHS, 1999), a política social
da época pode ser descrita como privatizada de três formas: subordinação do
funcionamento dos programas sociais a critérios de eficiência econômica e auto-
suficiência financeira; entrega da produção de bens e serviços sociais à empresas
privadas e profissionais liberais; desvio, para fins privados, de recursos públicos
destinados a fins sociais, inclusive a habitação.
O SFH foi um ambicioso programa governamental para o setor da
habitação, uma vez que se pretendia acabar num prazo de 4 anos com o déficit
habitacional, estimado em 8 milhões de unidades na época, segundo o Instituto
Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) (SANTOS, 1999), causado principalmente
pela intensificação do processo de urbanização do país e crescimento da demanda
por habitação, pelo processo inflacionário, e por leis existentes voltadas ao mercado
de aluguéis (como desestimuladoras de investimento na área de habitação), como já
foi dito.
Segundo Kampel e Valle10 (apud SANTOS, Ibidem, p.10):
O sistema [vigente antes de 64] de concessão de empréstimos a valores nominais fixos distorcia o mercado em três aspectos: primeiro, premiava os mutuários, os quais pagavam suas amortizações em cruzeiros desvalorizados; segundo, afastava a poupança voluntária desse mercado, tendo em vista as taxas reais de juros fortemente negativas; terceiro, minguava a capacidade de aplicação das poucas instituições existentes.
As fontes de recursos do SFH eram basicamente duas: arrecadação do
Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE) e, a partir de 1967, do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Buscava-se a captação de poupança de longo
prazo para financiamentos habitacionais, com aplicação de mecanismo de correção
monetária sobre as prestações e a dívida, para viabilização dos investimentos.
Desde sua concepção, o princípio básico do SFH foi a autossustentação
financeira, também apoiada na correção monetária sobre a dívida e as prestações
dos financiamentos, visando à garantia do pagamento do recurso disponibilizado e do
valor real da prestação. A habitação começa a ser tratada como mercadoria, e
9 ABRANCHES, S.H. Os Despossuidos – Crescimento e Pobreza no País do Milagre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. 10 KAMPEL, L.C.; VALLE, M.T.M. Sistema Financeiro de Habitação. Rio de Janeiro: IBMEC, 1974.
24
acredita-se que os tomadores teriam totais condições de arcar com os custos da
operação.
O órgão central do SFH era o BNH, e este era o responsável pelo
gerenciamento do FGTS e das aplicações das poupanças, e pela definição das
condições de financiamento das habitações para população. Os valores utilizados do
FGTS tinham como propósito primeiro a construção de residências de interesse social,
embora também tenham sido canalizados para setores de saneamento e
desenvolvimento urbano, posteriormente.
Azevedo e Andrade (1982) consideram o conceito do BNH uma
inovação na política habitacional, sob alguns aspectos: primeiro por se tratar de um
banco e os financiamentos preverem correção da inflação, e porque esse órgão
buscava articular o setor público com o privado na fase de execução.
Os principais responsáveis pela construção das unidades habitacionais
de interesse social eram as Companhias de Habitação (COHAB). Estas eram empresas
mistas sob o controle acionário dos governos estaduais e/ou municipais; que obtinham
financiamentos do BNH mediante apresentação e aprovação de projetos pelo banco,
que supervisionavam a construção das residências, de acordo com as prioridades
estabelecidas pelo Poder Público.
Como apoio na organização e implantação das COHAB’s, assim como
órgão de apoio aos Estados, Municípios e agentes do setor habitacional e urbano na
elaboração de planos diretores, e de promoção de pesquisa e estudos no setor
habitacional, foi criado o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), ligado
ao Ministério de Planejamento. O SERFHAU passou por inúmeras transformações e
acabou sendo extinto em 1974 (MCidades11).
Os locais em que conjuntos habitacionais foram executados eram
distantes e sem qualquer infraestrutura ou equipamento urbano, criando sérios
problemas para os moradores e para o Poder Público municipal. Esse acabava sendo
obrigado a estender a oferta de serviços básicos até aqueles locais; e, em muitos
casos, devido à distância dos locais de trabalho e à precariedade dos serviços
11 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Nacional de Habitação. Disponível em: www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretarias-de-habitacao/planhab/produtos/produto-2/Capitulo%207.pdf. Acesso em 23.jun.2009.
25
disponíveis, tenha havido recusa em ocupar os conjuntos habitacionais construídos,
por parte da população.
A ação do BNH, para Valladares (1983), pode ser subdividida em quatro
períodos distintos: de 1964 a 1967, com a implantação e estruturação do SFH e do
próprio BNH; de 1967 a 1971, com transformações no modo de funcionamento do
banco; de 1971 a 1979, com a transformação do BNH em banco de segunda linha,
como agente responsável em viabilizar e gerenciar as operações, não operando mais
diretamente; e a última, de 1979 a 1986, com mudanças na atitude do Poder Público
na questão habitacional.
O primeiro período (1964-1967) é caracterizado por falta de recursos
para financiamento habitacional, situação alterada com a criação, em 1966, do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e, em 1967, do Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo (SBPE). Assim, o BNH começou a contar com importantes
fontes de recursos, cujos volumes crescem fortemente durante os anos de crescimento
econômico (o milagre econômico).
Nesses primeiros anos do BNH, os financiamentos foram dirigidos às
camadas mais carentes da população, com prioridade para os programas de
remoção de favelados para conjuntos habitacionais. Numa tentativa de baixar os
custos dos empreendimentos, esses projetos foram construídos na periferia das
cidades, onde os terrenos eram mais baratos, embora distantes e sem infraestrutura ou
equipamento urbano.
A produção dos conjuntos financiados pelo BNH, fora da malha urbana
existente, impôs modelo de expansão periférica para as cidades. Essa localização,
além do custo do solo ser mais baixo, contava com a disponibilidade de extensas
áreas, permitindo a construção em escala e com barateamento das unidades. O
processo de periferização também ocorreu em função do processo de especulação
imobiliária, valorizando áreas localizadas ao entorno dos conjuntos, no tecido
intermediário, entre eles e a malha urbana existente.
A espacialização periférica dos conjuntos do BNH, aliada à sua grande
dimensão, gerou uma transformação na estrutura e na paisagem urbana da maioria
das cidades brasileiras. Esses grandes conjuntos construídos foram predominantemente
formados por casas individuais ou blocos de edifícios de até quatro pavimentos,
26
apoiado nas diretrizes modernistas, que “ainda acreditavam na possibilidade de
dominar a questão da habitação popular através de sua produção em massa”
(SACHS, 1999, p.150).
Esse modelo de implantação perdurou até os primeiros anos da década
de 1990, com os programas do governo Fernando Collor de Melo.
O segundo período descrito por Valladares (1983) engloba os anos de
1967 a 1971, quando ocorreram transformações no modo de funcionamento do BNH,
com aumento de suas funções, além de crescimento no número de financiamentos às
faixas de renda mais altas. Outra alteração foi o estabelecimento de vários tipos de
planos de pagamento dos financiamentos, protegendo os tomadores contra
defasagem entre alterações salariais e saldo devedor com o BNH; com compensação
de possíveis saldos devedores.
Em 1968, a falta de infraestrutura nos conjuntos habitacionais gerou a
necessidade de entrada do BNH no financiamento de obras urbanas, com a criação
do Programa de Financiamento para o Saneamento (FINASA). Em 1971, o Plano
Nacional de Saneamento (PLANASA) foi proposto para regular e dar maior impulso a
este setor. Em pouco tempo, essas aplicações de recursos cresceram até suplantar os
investimentos feitos em habitação.
Pela dificuldade da população de baixa renda arcar com os custos
financeiros dos contratos habitacionais, ocorreu a mudança dos financiamentos,
voltando-se para as classes de maior poder aquisitivo.
O período entre 1971 e 1979 corresponde ao terceiro período, com
transformação do BNH em empresa pública, que assumia as funções de banco e
concedia empréstimos por intermédio de outros órgãos públicos e privados; ocorrendo
ampliação das atividades de desenvolvimento urbano.
Um novo programa foi lançado em 1972 – Comunidade Urbana para
Recuperação Acelerada (CURA), conhecido como Projeto CURA, era destinado às
municipalidades, a longo prazo, voltado para renovação urbana, que também
financiou desapropriação e aquisição de áreas para implantação de projetos de
habitação. Ele se propunha a “racionalizar o uso do solo urbano, melhorar as
27
condições de serviços de infraestrutura das cidades e corrigir as distorções causadas
pela especulação imobiliária.” (AZEVEDO e ANDRADE, 1982, p.82).
Também houve intensificação de programas de desenvolvimento
urbano com a criação dos Fundos de Desenvolvimento Urbano, ainda em 1972. O
Plano Nacional da Habitação Popular (PLANHAB) foi criado em 1973, voltado a
financiar habitação para as camadas de até três salários mínimos de renda familiar,
tentando eliminar o déficit em dez anos.
Até 1973, as prestações dos financiamentos habitacionais foram
reajustadas de acordo com a variação do salário mínimo; embora entre 1973 e 1982,
elas tenham subido abaixo do mínimo. Mas, como já foi dito, a intenção do SFH era
um sistema autossustentável, gerando os próprios recursos. No entanto, seu
desempenho dependia fundamentalmente dos fatores de arrecadação do FGTS e do
SBPE, e do grau de inadimplência dos mutuários; e a questão da inadimplência
sempre afetou as classes de renda de até três salários mínimos (SACHS, 1999).
Em 1975, o Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados
(PROFILURB) foi criado. Sua principal ação era o financiamento de lotes servidos de
infraestrutura urbana, e uma unidade residencial embrião como alternativa
habitacional às famílias impossibilitadas pela renda aos programas tradicionais das
COHABs (VALLADARES, 1983; LIMA, 2007).
A partir desse mesmo ano, o desempenho das COHABs melhorou
sensivelmente com a inclusão de financiamento para famílias com até cinco salários
mínimos, e permaneceu assim até a recessão que marcou o início da década de
1980.
Em 1979, segundo Azevedo e Andrade (1982, p.121):
[...] pode-se constatar que os mutuários com rendimentos mensais até 5,85 salários mínimos captam apenas 23,68% dos recursos do Sistema Financeiro da Habitação. Dentro desse setor popular chamam atenção os estratos mais pobres, com renda até 3,10 salários mínimos, que não chegam a usufruir de 10% das aplicações. [...] Embora, em meados de 1979, o FGTS representasse 42% das disponibilidades do BNH, aos setores populares couberam, como se viu, minguados recursos.
28
Nesse mesmo ano, teve início o quarto período (1979-1986), com o
processo de redemocratização gradual do país. Nesse período, foram lançados
programas habitacionais especiais destinados à população de renda mensal inferior a
três salários mínimos, os quais se destacam PROMORAR12 e João de Barro13, que
visavam auxiliar a autoconstrução e a reurbanização de áreas habitacionais
degradadas.
Nos anos de 1983 e 1984 ocorreu a aceleração inflacionária e, pela
primeira vez desde o início do SFH, o reajuste das prestações dos mutuários das classes
média e alta foi maior do que seus reajustes salariais. Esse fato foi ocasionado pela
mudança da política salarial em 1983, instituindo reajustes diferenciados para as várias
classes de renda, com redutores aplicados aos cálculos dos salários da população de
maior renda.
O BNH apresentou desempenho significativo ao longo do regime militar,
segundo Santos (1999), pois no período de maior número de financiamentos, entre os
anos de 1976 e 1982, a quantidade ficou próxima a 400 mil unidades habitacionais
anuais. No entanto, o sistema foi incapaz de atender à população de baixa renda.
Das unidades habitacionais financiadas pelo SFH, ao longo da
existência do BNH, menos de 35% foram destinadas à habitação de interesse social. O
valor médio desses financiamentos é inferior ao valor médio dos destinados às classes
de maior renda, verifica-se que parcela ainda menor do valor total dos
financiamentos foi direcionada para os primeiros (AZEVEDO e ANDRADE, 1982; SANTOS,
1999).
Kowarick (1994) afirma que transformações políticas ocorreram nos anos
do regime militar, traduzidas na crescente importância do papel do Estado e na
oligopolarização da economia, com maximização de lucros, e políticas elitistas e
excludentes, reforçando a segregação socioespacial nas grandes cidades.
12 PROMORAR – Programa de Erradicação de Sub-habitação, criado em 1979, destinado a financiamento para urbanização de favelas e erradicação de habitações sem condições mínimas de salubridade, e sua ação era limitada fisicamente aos espaços onde se localizavam as sub-habitações, possibilitando à população beneficiada sua permanência nas áreas originais (LIMA, 2007; SACHS, 1999). 13 João de Barro – Programa Nacional de Autoconstrução, criado em 1984, visava à produção de habitação por meio de mutirão, em pequenas cidades do interior, com doação dos lotes pelo BNH ou poder público estadual ou municipal, e financiamento do material de construção, destinado a famílias com renda de até um salário mínimo e meio (LIMA, op cit; SACHS, op cit).
29
O período que se seguiu a esse regime é caracterizado pela crise do
modelo de política habitacional baseado no SFH. Seus problemas se agravaram,
chegando a inviabilizar qualquer tentativa de retomada da política habitacional nesse
modelo. A idéia de que a política habitacional poderia ser capaz de
autofinanciamento não foi seguida.
Com a aceleração da inflação e as políticas salariais, além da crise do
início da década de 1980, que causou grande desemprego e o saque do FGTS, o SFH
ficou abalado. Ao contrário das propostas iniciais, o SFH tornou-se um sistema
fortemente subvencionado, mas sem dotação orçamentária federal, tendo causado
acúmulo de enormes dívidas.
A fragilidade das propostas voltadas ao enfrentamento dos problemas
da moradia no país, a cada mandato presidencial após a ditadura, é visível, e
constantes mudanças na estrutura institucional de apoio à política setorial foram
associadas à criação e à extinção de programas habitacionais.
Bonates (2008) afirma que o governo de José Sarney (1986-1989) pode
ser considerado como o período de transição da política de habitação de Estado
(praticada pelo BNH) para uma política de habitação de governo, ou seja, uma
sucessão de políticas habitacionais (ou ausências delas) a cada novo mandato
presidencial.
No entanto, para Santos (1999, p.18), “o novo governo tomou uma série
de medidas que vieram a prejudicar sensivelmente o desempenho da área
habitacional”, como concessão de elevado subsídio para os mutuários do sistema.
Esse subsídio contribuiu para diminuir as taxas de inadimplência e, consequentemente,
aumentar a liquidez de curto prazo do sistema, mas aumentou o desnível entre o
passivo (saldos de poupanças e do FGTS) e do ativo (prestações) do SFH, gerando
grande déficit do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS).
Com o lançamento do Plano Cruzado14, em 1986, o equilíbrio financeiro
do sistema foi ainda mais comprometido, pois as prestações deveriam ser reajustadas
14 Plano Cruzado foi uma reforma monetária que ‘cortou três zeros’ da moeda, com alteração de seu nome, de Cruzeiro para Cruzado, seguido por congelamento de preços por prazo de um ano, visando reequilibrar a economia. Extinguiu-se a correção monetária, e foi criado o índice de Preços ao Consumidor (IPC), voltado à correção da poupança e aplicações financeiras superiores a um ano.
30
pela média dos reajustes dos doze meses imediatamente anteriores, além de
permanecer congeladas pelos doze meses seguintes, enquanto o passivo do sistema
continuou a ser corrigido.
A complicada situação macroeconômica vivida pelo país contribuiu
para a desorganização das políticas públicas. As atribuições na área habitacional,
que eram concentradas no BNH, foram distribuídas por vários órgãos federais. A partir
de então, as propostas voltadas à questão de moradia no país, a cada mandato
presidencial, apresentaram constantes mudanças, com criação e extinção de
programas habitacionais.
Em 1986, ocorreu o encerramento do BNH, com paralisação de
financiamento para habitação entre os anos de 1987 e 1989, período em que o país
presenciou a ausência de política de habitação clara e sistemática, tendo agravado
as necessidades de moradia. Paralelamente, ocorreu, nos grandes centros, aumento
do número de favelas e outras formas de habitação precária.
Sobre o fechamento do BNH, Santos (1999) inclui descrição de
Azevedo15:
A forma como se deu essa decisão foi motivo de surpresa [...] uma vez que ocorreu de maneira abrupta e sem margem para contrapropostas. Este procedimento chocava-se com as declarações de intenções e encaminhamentos anteriores feitos pelo próprio governo. [...] A maneira como o governo incorporou o antigo BNH à Caixa Econômica Federal torna explícita a falta de proposta clara para o setor. [...] Nesse sentido, a pura desarticulação institucional do banco, sem o enfrentamento de questões substantivas, somente agravou os problemas existentes.
Após a extinção do BNH, ocorre, no Brasil, o fortalecimento de
programas alternativos, como o Programa Nacional de Mutirões Comunitários, voltado
para famílias de renda inferior a 3 salários mínimos. Esse programa contou com grande
aporte de recursos orçamentários a fundo perdido, e propunha-se a financiar cerca
de 550 mil unidades habitacionais, meta não atingida. Nessa mesma época, as
COHABs tiveram seus financiamentos bastante limitados, devido à justificativa de evitar
crescimento do endividamento de estados e municípios com a União.
15 AZEVEDO, S. O desempenho do Poder Público na área habitacional: um breve retrospecto. In: Déficit habitacional no Brasil. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1995.
31
Em 1987 a discussão sobre reforma urbana16, favelização das cidades e
a questão da habitação é retomada com encaminhamento de emenda popular de
reforma urbana à Assembléia Nacional Constituinte. No ano seguinte (1988) acontece
a promulgação da nova Constituição Federal, e a sociedade brasileira passa a contar
com apoio legal para questões de planejamento e gestão urbanos, por meio do
capítulo da política urbana (artigo 182 e 183).
1.3. A Política Nacional de Habitação pós-Constituição
Federal de 1988
Na década de 1980, juntamente com o processo de redemocratização
brasileiro, ocorre a retomada das discussões sobre a reforma urbana. No entanto, o
movimento articulado, a partir de então, apresenta diferença quanto às forças
políticas envolvidas, pois os movimentos sociais de luta pela moradia se tornam seus
interlocutores, pressionando reformas em várias áreas e esferas do Estado Brasileiro
(CYMBALISTA, 2007).
Nacionalmente, ocorre a busca pela criação de novos paradigmas na
política urbana, e, na esfera municipal, novos instrumentos são propostos visando
ampliar as discussões técnicas incluindo a sociedade (Ibidem).
A partir desse contexto, serão analisados determinados artigos da
Constituição Federal de 1988 que embasam as ações públicas federais sobre a
política habitacional, assim como os projetos e programas da União na área de
moradia popular, no percurso histórico do retorno da democracia no Brasil.
16 A reforma urbana será tratada no próximo capítulo desta pesquisa.
32
1.3.1. A Constituição Federal de 1988 e a questão da habitação
A década de 1980 marcou o país pelos novos rumos políticos, visando à
redemocratização. Ocorreu a retomada das discussões sobre reforma urbana e os
problemas dos centros urbanos com acelerados processos de urbanização e
favelização.
Em 1988, a Constituição passa a oferecer subsídios legais para questões
de planejamento e gestão urbanos, por meio do capítulo da política urbana (artigos
182 e 183), que vêm ocupar um lugar de destaque em diversas esferas institucionais,
políticas e sociais no Brasil.
A promulgação dessa Constituição teve como base o fortalecimento
do Município, quando o define como um dos entes federativos conjuntamente com o
Estado e a União, devendo também reger-se por Lei Orgânica própria (CF, artigo 29),
sendo ampliada sua autonomia, política, administrativa e financeira.
E esse novo ente federativo recebe a competência para legislar sobre
assuntos de interesse local; promover ordenamento territorial adequado, por meio de
planejamento e controle do uso, ocupação e parcelamento do solo urbano; e deve
buscar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, ou seja, tem a
responsabilidade das políticas urbanas, por meio da implementação de um processo
de planejamento urbano democrático, participativo e inclusivo.
No artigo 182, o Plano Diretor é definido como o principal instrumento
da política urbana, sendo obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes.
Em 2001, os artigos “Da Política Urbana” foram regulamentados por meio da Lei
Federal nº.10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o qual instituiu prazo para aprovação dos
Planos Diretores nos municípios abrangidos pela lei, como instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana (artigo 40).
No entanto, a Constituição Federal afirma expressamente em seu artigo
21, XX, que compete à União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano,
inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”, ou seja, “é de
33
competência privativa da União [...] estabelecer as normas gerais de direito
urbanístico” (SAULE Jr, 2001, p.12).
Saule Jr, citando Hely Lopes Meirelles17, ensina que “norma geral é a que
estabelece princípios ou diretrizes de ação e se aplica indiscriminadamente a todo
território nacional” (Ibidem, p.12).
A Carta Magna18 também afirma como competência comum dos entes
federativos, em seu artigo 23, IX, “promover programas de construção de moradias e a
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.
Por meio dessa discussão, pode-se compreender que o campo das
políticas urbanas e habitacionais é de responsabilidades das três esferas de governo,
cabendo ao Governo Federal a instituição de suas diretrizes gerais.
Embora as políticas urbana e habitacional sejam inseparáveis na
prática, são tratadas de maneira bastante diversa pela Constituição Federal, ou seja,
a política habitacional é tratada em artigos além do capítulo “Da Política Urbana”.
O Estatuto da Cidade (Lei Complementar nº.10.257/2001) define a
competência sobre as políticas habitacionais em seu artigo 3º, III e IV. Segundo essa lei,
a responsabilidade da política habitacional seria da União, mas que poderia ser
partilhada com os estados e municípios; pois consta expressamente que compete à
União “promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico” e “instituir diretrizes para o
desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes
urbanos”.
Para Saule Jr (2001), no entanto, o Estatuto da Cidade provê as diretrizes
gerais da política urbana como normas gerais de direito urbanístico, sendo que o
município é “o ente federativo com maior competência e responsabilidade em
promover a política urbana” e “Cabe aos Municípios aplicar as diretrizes gerais, de
acordo com as suas especificidades e realidade local [...]” (Ibidem, p.13-14).
17 MEIRELLES, H.L. Direito de Construir. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.107. 18 A análise da Constituição Federal de 1988 será retomada no capítulo 2 quando a Política Urbana for tratada, assim como o Movimento Nacional pela Reforma Urbana.
34
O Estatuto também define alguns instrumentos19 da política urbana, dos
quais constam o Plano Diretor, Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), concessão de
uso para fins de moradia, entre outros. Mas, entre esses três, o Plano Diretor é tratado
em capítulo específico, sendo obrigatória sua aprovação em cidades especificadas,
como com mais de 20 mil habitantes e integrantes de regiões metropolitanas.
As definições da concessão de uso para fins de moradia foram
completamente vetadas na lei, e a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) não teve
tratamento específico pela lei, mas é uma categoria de zoneamento voltada a
possibilitar normas especiais de uso e ocupação do solo, em áreas já ocupadas ou
não por população de baixa renda, visando a garantir o direito à moradia (SAULE Jr,
2006; DIAS, 2008).
As áreas categorizadas como ZEIS devem constar no Plano Diretor
municipal, e ser regulamentadas por legislação específica, em âmbito municipal. Isso
possibilita a compreensão da ação municipal direta na área de política habitacional.
Costa (2002) afirma que, entre as competências dos municípios, a
questão habitacional está incluída. Da mesma forma, Saule Jr (1997) destaca as
atividades que a Constituição Federal de 1988 atribuiu aos municípios, tendo em vista
sua autonomia política, dentre elas “promover programas de construção de moradias
e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (Ibidem, p.226).
Segundo Rolnik et al (2004, p.73), a “política habitacional é instrumento
para alcançar o direito à moradia e passa, necessariamente, pela esfera municipal”.
Ela informa que essa política apresenta importância significativa na gestão e no
desenvolvimento urbanos, refletindo nos aspectos de reprodução social do espaço
urbano, como territorial, pela expansão, reprodução e adensamento; social, com
segregação; e econômico. Assim sendo, seu direcionamento deve ser dado com foco
na sociedade à que se aplica, na satisfação de suas necessidades e na sua
capacidade (econômica e de reprodução).
A discussão sobre a competência sobre as ações, planos e programas
habitacionais a partir da Constituição Federal de 1988, abriu espaço para a
19 Os instrumentos de política urbana voltados à habitação social serão tratados no capítulo 2 deste trabalho.
35
descentralização política e a ação de municípios na formulação de um conjunto de
políticas e programas habitacionais.
Entretanto, os governos federais continuam atuando diretamente junto
ao problema habitacional, por meio de políticas nacionais, e planos e programas de
construção e financiamento habitacional, como pode ser verificado nos próximos
itens.
1.3.2. Percurso pós 1988 da Política Nacional de Habitação
No final do período do governo militar no Brasil, a situação apresentada
pelo setor habitacional era: baixo desempenho social, alto nível de inadimplência,
baixa liquidez do sistema, movimento de mutuários e grande expectativa para
resolução dos problemas (AZEVEDO, 2007).
No mandato do presidente José Sarney (1985-1990), transpareceu que
seriam tomadas medidas de profundas reformas, com debates regionais apoiados
pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil e envolvimento de setores universitários, entidades
de classe e associações de mutuários (Ibidem). Mas, inversamente, o Banco Nacional
de Habitação (BNH) foi extinto em 1986.
Dessa forma, suas atribuições foram divididas entre alguns órgãos
federais. O Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) passou a ser
gerenciado e fiscalizado pelo Banco Central, e a Caixa Econômica Federal (CAIXA)
passou a ser a gestora do FGTS, tendo incorporado o passivo do BNH (LIMA, 2007).
No entanto, não houve proposta clara para o setor habitacional, pois “a
questão urbana, e em especial a habitacional, passasse a depender de uma
instituição em que esses temas, embora importantes, fossem objetivos setoriais”
(AZEVEDO, 2007, p.16).
Durante o primeiro semestre de 1988, devido à Resolução nº.1464/1988,
do Conselho Monetário Nacional, ocorreu grande diminuição do número de
36
financiamentos, sob o pretexto de controle das dívidas dos estados e municípios,
resultando em redução do crédito às COHABs e de capacidade de ação em
questões habitacionais por parte desses entes da Federação. Também houve
transferência dos créditos da habitação social para a iniciativa privada (Ibidem).
Em outubro de 1988, ocorreu a promulgação da nova Constituição
Brasileira. Essa lei incorporou aspectos discutidos e propostos pela reforma urbana. A
política urbana passou a ser responsabilidade dos municípios, enquanto a política
habitacional passa a ser competência comum aos três entes federativos.
Nesse período, entre as ações na área habitacional que ainda
ocorriam, os programas alternativos foram fortalecidos e passaram a apresentar
desempenho superior ao sistema convencional, como o Programa Nacional de
Mutirões Comunitários e os antigos PROFILURB, PROMORAR e João de Barro, voltados
para famílias com renda de até três salários mínimos. Essas ações incentivavam a
iniciativa de estados e municípios, com maior autonomia (LIMA, 2007).
Em 1990, com a posse do novo presidente, Fernando Collor de Melo, foi
feita reforma ministerial quanto a questões habitacionais, e tanto a Habitação como a
CAIXA passaram a fazer parte do Ministério da Ação Social. Houve divulgação de
documento com a síntese dos “pressupostos e fundamentos da política nacional de
habitação” (FREITAS, 2004, p.22).
Esse documento propôs metas ambiciosas para o período de 1991 a
1995, como linha de crédito para: compra de material de construção para 450 mil
unidades, recuperação de áreas de cortiços e favelas (900 mil unidades), remoção de
população de áreas de risco com construção de 100 mil unidades, execução de 210
mil unidades novas, entre outros aspectos; e recursos de FGTS (Ibidem).
No entanto, segundo Freitas (Ibidem, p.23),
[...] o governo definiu sua ação pública com uma forte natureza assistencial, e assistencial de caráter seletivo, cujo parâmetro de corte teve base na renda da população. Naturalmente, se o parâmetro de corte teve como base a renda, consolidou-se como resultado urbano desta política a formação de grandes ‘guetos’ de baixa renda, apartados do tecido urbano. Este conceito desconsidera a habitação enquanto questão urbana. [grifos da autora]
37
Azevedo (2007), citando Marcus André de Melo20, informa que ocorreu
uma “banalização da política, com dissociação das atividades de saneamento e
desenvolvimento urbano e sua transformação em uma política distributiva” (Ibidem,
p.19).
O tomador do financiamento passou a ser a construtora, e, na busca de
maiores lucros, buscou-se redução dos custos através de doação de terrenos pelos
poderes públicos locais interessados, que ocasionou construção das moradias em
municípios com baixa demanda habitacional e em locais fora da malha urbana, e
sem infraestrutura básica. Segundo Freitas (2004), ainda hoje há muitas unidades sem
comercialização.
Maricato (1998, p.5) afirma que, mesmo as centrais sindicais alertas, não
“impediu que o governo Collor fizesse um espetacular e desastroso investimento em
aproximadamente 200.000 moradias, das quais quase 50% foram abandonadas antes
do término e ocupadas ilegalmente”.
Esse investimento, durante os anos de 1990 e 1991, causou
comprometimento do orçamento dos anos seguintes, provocando crise junto ao FGTS
e impedindo a realização de novas operações, inclusive após Itamar Franco assumir a
presidência (1993-1994). Mas, esses anos foram importantes na discussão de questões
qualitativas relacionadas à habitação.
Em 1994, com a implantação do Plano Real e a estabilização da
economia do país, outros programas foram criados, baseados principalmente nos
recursos do FGTS, contribuindo para que a política habitacional voltasse a se
desenvolver de maneira mais segura.
Os programas na área de habitação popular passaram a exigir o
acompanhamento de conselhos, com a participação dos governos locais; além de
contrapartida financeira da municipalidade aos investimentos da União. Eles foram a
base para mudança de direção no encaminhamento das políticas públicas na área
da habitação de interesse social.
20 MELO, Marcus André Barreto Campelo. Classe, Burocracia e Intermediação de Interesse na Formação da Política de Habitação. In: Encontro Anual da ANPOCS, XII, 1988. ANAIS. Águas de São Pedro, out/1988. __________. Explicando a Formação de Políticas: atores, interesses, agendas e a análise da política habitacional. In: Encontro Anual da ANPOCS, XIV, 1990. ANAIS. Caxambu, out/1990.
38
Em 1995, tomou posse como Presidente da República o ex-Ministro da
Fazenda do governo anterior, Fernando Henrique Cardoso, mantendo a estabilidade
político-econômica conseguida com o Plano Real e alterando o padrão
desenvolvimentista do Estado brasileiro, mas reforçando as funções de regulação e de
estimulação da atividade econômica.
O Ministério do Bem-Estar Social foi extinto e criada a Secretaria de
Política Urbana (SEPURB), junto ao Ministério do Planejamento e Orçamento. A
atuação da SEPURB visava a descentralização da execução de programas nas áreas
de habitação, saneamento e infraestrutura, cabendo à União as funções normativas e
reguladoras (SANTOS, 1999).
A ocorrência da Conferência UN-HABITAT II21, organizada pela ONU, em
1996, influenciou a política habitacional brasileira. Nesta ocasião, pode ser verificado o
desenvolvimento de nova postura no enfrentamento de problemas urbanos, oposto à
centralização político-administrativa, ou seja, baseada na descentralização, com a
participação popular e de organizações não governamentais (ONG’s), respeito ao
meio ambiente e ao direito à cidade (BONDUKI, 2000).
Assim, a questão habitacional voltou a despertar grande preocupação,
resultando na criação de uma nova Política Nacional de Habitação (PNH), mais
consistente e composta por inúmeros programas voltados para lidar com as
necessidades habitacionais tanto quantitativas quanto qualitativas.
As ações dessa nova política foram respaldadas em estudo elaborado
pela Fundação João Pinheiro22 (FJP) para a Secretaria de Política Urbana (SEPURB).
Esse estudo, publicado no final de 1995, apontava um déficit de aproximadamente 4
milhões de novas moradias na área urbana. Esse déficit quantitativo, segundo
Lorenzetti (2001), refere-se a domicílios improvisados e a coabitação familiar, cujo
enfrentamento dependia de programas de construção de novas moradias.
21 A Conferência UN-HABITAT II – Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos - foi realizada em Istambul, em 1996. A descentralização das políticas e a valorização do poder local marcaram as discussões, as recomendações e as diretrizes de ação. Na questão do direito à habitação, verificam-se aspectos de regulação, financiamento, direitos e gestão políticos, tecnológicos e metodológicos. No entanto, segundo seu Plano de Ação Global, as políticas habitacionais devem estar integradas às políticas macroeconômicas, sociais, demográficas, ambientais e culturais (ANTONUCCI et al, 2010). 22 Fundação João Pinheiro (FJP) é entidade do governo de Minas Gerais de apoio técnico. Atua e presta serviços técnicos nas áreas de avaliação de políticas públicas e de produção de indicadores estatísticos, econômico-financeiros, demográficos e sociais, além do ensino superior.
39
A renda familiar foi questão levantada no estudo da FJP, na verificação
do déficit, relacionando sua quantidade aos níveis de renda. Mostrou-se a
responsabilidade do Estado na solução do problema habitacional, pois os resultados
apontaram que cerca de 55% do déficit situava-se na faixa de renda familiar mensal
de até dois salários mínimos, 30%, entre dois e cinco salários mínimos, e apenas 15%
para renda acima desse patamar.
Por meio desse estudo, ficou claro, também, o déficit qualitativo, que se
mostrou concentrar-se nas camadas de renda mais baixas da população; sendo que,
dos domicílios considerados inadequados por carência de infraestrutura básica e dos
inadequados por insuficiência, para famílias com renda mensal de até cinco salários
mínimos, os valores foram 76% e 54%, respectivamente.
O documento de política habitacional do governo Fernando Henrique
Cardoso, segundo Maricato (1998, p.5), “revela uma proposta sensível e atualizada
com as análises técnicas e críticas [...]”. São pontos básicos: focalização ao
atendimento das camadas populacionais de baixa renda; necessidade de
descentralizar e aumentar a participação democrática na gestão da política e dos
programas federais de habitação; preocupação com questões fundiária e urbanística,
e com as áreas de ocupação precária; a atenção às políticas públicas para não
negligenciar a grande parcela da população que trabalha no setor informal e/ou
habita moradias informais; grande diversidade de programas; e reconhecimento da
incapacidade de resolver sozinho o problema habitacional do país, e da importância
da produção privada não lucrativa através do crédito associativo. (MARICATO,
Ibidem; SANTOS, 1999).
A atuação preconizada consistia na descentralização da execução de
programas de habitação, saneamento e infraestrutura, permanecendo as funções
normativas e reguladoras para a União, por meio da edição de medidas provisórias ou
portarias e instruções normativas. O papel dos governos municipais deveria ser
incentivado, “como agentes promotores da habitação popular, incentivando-os
inclusive a adotar linhas de ação diversificadas” (AZEVEDO, 2007, p.23). A ação
deveria levar em consideração as características da sociedade, suas demandas e as
diferenças regionais.
Assim, a PNH objetivava a universalização do acesso à moradia,
tentando garantir seu direito, deixando claro que a atuação do Governo Federal na
40
área habitacional deveria ser sempre entendida como parte de um esforço que
congregaria os diferentes níveis do Poder Público, a iniciativa privada e a sociedade
civil.
Por meio dessa Política Nacional de Habitação, vários programas
criados no governo anterior foram mantidos e outros idealizados, inclusive com
incentivo aos programas de concessão de crédito direto aos cidadãos, como a Carta
de Crédito Individual e Carta de Crédito Associativo, verificando redução da
responsabilidade do Poder Público com a oferta de moradias voltadas às famílias com
renda de até doze salários mínimos, com recursos do FGTS. No entanto, inicia um
período com controle financeiro mais rígido, restringindo o acesso a estados e
municípios sem comprovação de capacidade de endividamento (EMILIANO, 2006).
Nesse governo, também foram empreendidas “iniciativas com vistas ao
desenvolvimento institucional e à modernização da legislação que incide sobre a
habitação, de forma que o desempenho do setor pudesse ser incrementado” (LIMA,
2007, p.102). Ocorreu a implantação do Programa Brasileiro de Qualidade e
Produtividade no Habitat (PBQP-H) e a criação do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).
O SFI foi criado em 1997, baseado na busca pela melhoria do mercado
habitacional com ampliação do volume de recursos de longo prazo, e teve, como
principal característica, o contrato prevendo a alienação fiduciária do imóvel até sua
quitação, como garantia do banco, ou seja, o mutuário tem a posse e o direito de
uso, mas a propriedade permanece do agente financiador.
O PBQP-H foi instituído em dezembro de 1998, vinculado ao Ministério do
Planejamento e Orçamento, visando a difundir conceitos de qualidade, gestão e
organização nas empresas de construção civil, na busca da sua modernização e
competitividade, padronização de produtos e ampliação de escala de produção, e
consequente diminuição de custos de produção da moradia (Ibidem).
Em resumo, segundo Lima (Ibidem), durante o primeiro mandato de
Fernando Henrique Cardoso, o Governo Federal teve atuação em três frentes: o
financiamento subsidiado ou a fundo perdido, com parcerias de estados e municípios,
focando a população de baixa renda; a provisão de recursos para financiamentos
para a classe média; e ações para o aquecimento do mercado habitacional.
41
Em 1999, teve início o segundo mandato de Fernando Henrique
Cardoso, sendo que no campo institucional, destaca-se o fim da Secretaria de Política
Urbana, subordinada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,
transformada, nesse mesmo ano, em Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano
(SEDU), ligada diretamente à Presidência da República.
Em relação aos programas habitacionais, alguns que vinham sendo
desenvolvidos foram mantidos, outros remodelados, como o Habitar-Brasil, e criaram-
se mais dois: Programa de Subsídio à Habitação (voltado para a população com
renda de até três salários mínimos) e o Programa de Arrendamento Residencial - PAR
(para população de até seis salários mínimos)23.
Em 2003, no novo governo (primeiro mandato de Luis Inácio Lula da
Silva), a Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU) foi transformada em
Ministério das Cidades (MCidades), que incorporou as atividades relacionadas ao
setor habitacional.
Esse Ministério manteve os programas habitacionais criados no governo
anterior, como o Habitar-Brasil/BID, o PSH e os programas de habitação e saneamento
operados pela CAIXA (inclusive o PAR).
Os recursos do FGTS, a partir de 2003, foram responsáveis pelo aporte
financeiro da maioria dos programas habitacionais, constituindo-se na maior fonte de
recursos para o fomento da política habitacional federal. Segundo Bremaeker (2005,
p.25):
O poder público tem a obrigação de atuar de forma decisiva no setor de habitação de interesse social, o que ainda tem sido feito de forma extremamente tímida. Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional, as despesas governamentais na função habitação, no ano de 2003, alcançaram pouco mais de R$1,7 bilhão, sendo que os Municípios foram responsáveis por 60,5% do montante aplicado, os Estados responderam por 32,5% e a União por apenas 7,0% destes recursos. Frente ao balanço orçamentário de cada esfera de Governo, os Municípios aplicaram 0,83% dos seus recursos na função habitação, enquanto que os Estados alocaram 0,27% e a União tão-somente 0,01%.
23 O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) é objeto da tese e será discutido no capítulo 5.
42
Em 2004, foi elaborada nova Política Nacional de Habitação (PNH), cujo
objetivo, segundo informação do próprio governo24, era a de retomar o planejamento
habitacional, com promoção de moradia digna em área urbanizada dentro da malha
urbana, principalmente para população de baixa renda.
Nesse mesmo ano, visando a atender o objetivo do Fundo de
Desenvolvimento Social (FDS), instituído em 1991 e regulamentado em 1994, com o
propósito de financiamento de projetos de habitação de interesse social, foi criado o
Programa de Crédito Solidário. Este visava a proporcionar acesso à moradia
adequada à população de baixa renda, mediante crédito subsidiado; contribuir para
redução do déficit habitacional, atingindo prioritariamente população com renda
inferior a três salários mínimos; e estimular a cooperativa habitacional.
Para viabilização da política federal, foram previstos alguns
instrumentos, como o Sistema Nacional de Habitação (SNH) e o Plano Nacional de
Habitação (PlanHab). O SNH busca a integração entre os três entes federativos (União,
estados e municípios), além de outros agentes públicos e privados, definindo as regras
para articulação financeira.
O SNH está baseado em dois subsistemas: o Sistema Nacional de
Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Sistema de Habitação de Mercado. Com o
SNHIS, busca-se centralizar todos os programas e projetos destinados à habitação de
interesse social, com objetivo principal de implementar políticas e programas para
facilitar o acesso à moradia digna (LIMA, 2007).
A atuação do SNHIS está voltada principalmente para a concessão de
subsídios financeiros, buscando complementar a capacidade de pagamento das
famílias beneficiadas, além da redução ou isenção de impostos.
Bremaeker (2005, p.23) afirma que “Os critérios adotados no sentido de
dimensionar o famoso ‘déficit habitacional’ [...] são bastante variados, mas o que
todos sabem é que a cada ano que passa este número segue crescendo, já
assumindo um caráter dramático [...]”.
24 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Política Nacional de Habitação. Disponível em: www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/politica-nacional-de-habitacao/4PoliticaNacionalHabitacao.pdf. Acesso em 23.jun.2009
43
O Sistema de Habitação de Mercado está voltado para as famílias com
renda acima de cinco salários mínimos, por meio do mercado privado de imóveis;
buscando estimular sua ampliação (LIMA, 2007).
A elaboração do Plano Nacional de Habitação (PlanHab), no entanto,
foi iniciada em 2007. Segundo o Ministério das Cidades25, esse plano deve buscar
estratégias para combater o déficit habitacional brasileiro até 2023, com propostas de
articulação de programas e ações com maior envolvimento dos três níveis de
governo, e de outros agentes sociais, ou seja, com ampliação da ação do setor
privado. No entanto, suas diretrizes estão longe de serem instituídas.
1.3.3. Planos e programas de financiamento habitacional
Durante o governo do ex-Presidente da República José Sarney
ocorreram a extinção do BNH, em 1986, a promulgação da nova Constituição Federal,
em 1988, e a paralisação dos financiamentos habitacionais federais, até 1989, quando
foram retomados sem uma política clara.
Em 1990, toma posse como Presidente Fernando Collor de Melo, e
durante seus quase três anos de governo (1990 a 1992), houve a criação de novos
programas habitacionais, baseados nos recursos do FGTS, mas com características
diversas entre si.
O Programa de Ação Imediata para Habitação (PAIH), lançado em
1990, vinculado ao recém criado Ministério da Ação Social, utilizando recursos do FGTS,
almejava a construção de aproximadamente 245 mil unidades habitacionais em
caráter emergencial (prazo de 180 dias contado a partir do início do processo),
voltadas para famílias com renda de até cinco salários mínimos, executadas por
construtoras privadas, e restringia o limite máximo de valor de financiamento por
unidade (BOTEGA, 2007; EMILIANO, 2006; FREITAS, 2004).
25 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Disponível em: www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/planhab. Acesso em 23.jun.2009
44
O PAIH apresentava três modalidades: Programa de Moradias
Populares, caracterizado por oferecer unidades acabadas mas sem infraestrutura;
Programa de Lotes Urbanizados e Cesta Básica; e Programa de Ação Municipal para
Habitação Popular, com unidades acabadas em áreas urbanizadas. Todos os
programas buscavam atender famílias de baixa renda, por meio de implantação de
conjuntos habitacionais (LIMA, 2007; FREITAS, 2004).
Entretanto, acabou ficando em segundo plano o financiamento direto
à população com renda abaixo dos três salários mínimos, e, segundo Botega (2007),
55,2% do déficit habitacional brasileiro, nesse momento, era de famílias com renda de
até dois salários.
Isso porque o tomador do financiamento era a construtora, como
promotora do sistema, causando elevação dos preços das unidades habitacionais,
gerando incompatibilidade entre os programas e a população a quem se destinava.
Embora tenha ocorrido redução máxima dos custos dessas unidades, por meio de
doação das áreas por interessados locais; unidade embrião com 35m²; baixa
qualidade construtiva; e falta de infraestrutura básica (FREITAS, 2004).
Assim, devido aos valores e visando aos objetivos políticos, nesse
período houve comprometimento dos recursos advindo do FGTS, também dos anos
seguintes, acarretando impedimento de realização de novas operações de
financiamento habitacional, inclusive durante os anos de 1993 e 1994, no governo de
Itamar Franco.
No entanto, nesses anos, importantes aspectos sobre questões
qualitativas relacionadas à habitação foram discutidos, resultando na criação dos
programas Habitar-Brasil e Morar-Município, a partir de recursos do Orçamento Geral
da União (OGU) e do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF)
(BONATES, 2008; LIMA, 2007).
O programa Habitar-Brasil se destinava aos municípios com mais de 50
mil habitantes, enquanto o Morar-Município era voltado às cidades menores, mas
ambos apresentavam as mesmas características básicas, com participação dos
poderes públicos municipais e de organizações comunitárias locais, e voltados a
famílias de baixa renda ou que residiam em áreas de risco, podendo financiar
45
construção ou melhoria de moradias, urbanização de favelas ou produção de lotes
urbanizados (Ibidem).
Segundo Lima (Ibidem), devido à obrigatoriedade de participação de
organizações comunitárias, ocorreu uma melhora na definição da aplicação dos
recursos, no entanto, não beneficiaram o número de famílias esperado.
Em 1995, Fernando Henrique Cardoso tomou posse como Presidente da
República. Devido à conferência UN-HABITAT II, realizada em 1996, a questão
habitacional voltou a despertar grande interesse, e uma nova Política Nacional de
Habitação (PNH) foi divulgada, com programas habitacionais voltados às análises
quantitativas e qualitativas, embasados nos dados da FJP.
Buscou-se a descentralização da execução desses programas,
reconhecendo a capacidade local para adequação do financiamentos à realidade,
devido às diferenças regionais no país, sendo que a União manteve as funções
normativas e reguladoras.
Com a nova PNH, também houve incentivo aos programas de
concessão de crédito direto aos cidadãos com renda de até doze salários mínimos,
por meio da Carta de Crédito Individual, verificando redução da responsabilidade do
Poder Público com a oferta de moradias voltadas à classe média; podendo ser
enquadradas unidades novas ou usadas, para ampliação e melhoria ou construção,
unidades prontas ou lotes urbanizados para construção, e materiais de construção,
com recursos do FGTS (Ibidem).
O programa Carta de Crédito Associativo, semelhante às características
do individual, funcionava com a criação de grupos associados organizados para
financiamento da construção de condomínios.
Em 1999, com a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, ocorreu a
manutenção de alguns programas que vinham sendo desenvolvidos, a reformulação
do Habitar-Brasil, e a criação de mais dois: Programa de Subsídio à Habitação (PSH) e
o Programa de Arrendamento Residencial (PAR).
A remodelação do programa Habitar-Brasil foi elaborada em 1999, a
partir da participação direta do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e a
46
criação de dois subprogramas: o Desenvolvimento Institucional, por meio da
ampliação da capacidade dos municípios em agir na melhoria das condições
habitacionais; e a Urbanização de Favelas, que visava a execução de projetos de
reurbanização de áreas degradadas ou urbanização de novas áreas para remoção
de população moradora de áreas de risco (Ibidem).
Esse programa se viabilizava por repasse da verba aos municípios para
a implementação das ações, que após sua finalização, deveria legalizar a situação
das famílias beneficiadas, das quais não era exigida nenhuma contrapartida.
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) foi elaborado em 1999,
como alternativa para o atendimento à população de baixa renda, não incluída no
programa de Carta de Crédito. É foco desta pesquisa, e será tratado no capítulo 5.
O Programa de Subsídio à Habitação (PSH) foi criado em 2001, e visava
a oferecer acesso à habitação adequada à população de renda baixa segundo
concessão de subsídios, que são concedidos no momento da assinatura do contrato
de crédito habitacional, segundo duas modalidades: cobrir os custos financeiros da
operação e complementação do preço da unidade.
Na primeira modalidade, o mutuário arca com as prestações
acrescidas de juros (máximos de 6%aa), e o programa cobre os demais custos e a
remuneração do agente financeiro. Na segunda, a CAIXA assumia parte dos custos
do imóvel, sendo que o financiamento era calculado com base em parte do valor da
habitação, com comprometimento máximo de 20% da renda; apresentando a
relação de quanto menor a renda, maior o subsídio de complementação do preço, e
menor o subsídio para equilíbrio financeiro (LIMA, 2007).
Os estados e/ou municípios interessados em participar do programa
precisariam assinar convênio específico, e seriam os responsáveis pelo cadastramento
das famílias interessadas, pela elaboração dos projetos, assim como pela
contrapartida necessária (áreas, infraestrutura urbana e material de construção).
No início de 2003, Luis Inácio Lula da Silva tomou posse como Presidente
da República e criou o Ministério das Cidades (MCidades), que incorporou as
atividades relacionadas ao setor habitacional. Esse Ministério manteve alguns
47
programas habitacionais vigentes, dentre eles, o Habitar-Brasil/BID, o Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) e o programa de subsídio do PSH.
Em 2004, foi elaborada a nova Política Nacional de Habitação (PNH), e,
no mesmo ano, foi criado o Programa de Crédito Solidário. Este programa tinha o
propósito de financiamento de projetos de habitação de interesse social, com
utilização de crédito subsidiado, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social
(FDS), no âmbito do SFH, buscando a redução do déficit habitacional principalmente
na faixa de renda inferior a três salários mínimos, por meio de entidades organizadoras.
Essas entidades, habilitadas no programa por intermédio do MCidades,
precisariam comprovar atividade e experiência em gestão habitacional por, no
mínimo, três anos; e, a partir de então, aprovar projeto de novo empreendimento junto
à CAIXA, que encaminharia à Secretaria Nacional de Habitação para classificação e
seleção das propostas a serem contratadas.
Os empreendimentos poderiam estar localizados em área urbana ou
rural, desde que servidos de infraestrutura urbana. Mas, atualmente todo o
procedimento desse programa está suspenso, segundo a CAIXA.
Em 2005, a Lei n°.11.124 criou o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).
Aquele busca a viabilização de acesso à terra urbanizada e à habitação para famílias
de menor renda, com a implementação de políticas e programas de investimentos e
subsídios, e a articulação de instituições e órgãos voltados ao setor habitacional; por
meio da centralização de todos os programas e projetos destinados à habitação de
interesse social.
O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) tem como
objetivo dar apoio aos estados e municípios nas ações para regularização fundiária e
salubridade habitacional voltadas à população residente em áreas de risco.
No início de 2007, no segundo mandato de Luis Inácio Lula da Silva, foi
lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com o propósito de
crescimento econômico, aumento dos postos de emprego e melhoria das condições
de vida da população brasileira (MCidades, 2010). A meta almejada busca incentivar
investimentos privados juntamente com a ampliação dos investimentos públicos,
48
sendo estes concentrados em infraestrutura, nas áreas de logística, energia, e social e
urbana.
Na área habitacional, o PAC visa ao financiamento público para
acesso à habitação digna por população com renda de até três salários mínimos, na
tentativa de redução das desigualdades sociais, por meio de três modalidades:
produção ou aquisição de unidades habitacionais, produção ou aquisição de lotes
urbanizados, e requalificação de imóveis (Ibidem). Para viabilização desses
investimentos, o Governo Federal se utiliza de programas habitacionais específicos,
como o Pró-Moradia e o Programa de Produção Social da Moradia.
O Pró-Moradia – Programa de Atendimento Habitacional – é
financiamento disponibilizado por meio do Poder Público municipal ou estadual,
voltado ao acesso à habitação para população em situação de vulnerabilidade
social e rendimento familiar máximo de R$1.050,00 mensais.
O Programa de Produção Social da Moradia visa à execução de ações
integradas e articuladas entre o Poder Público e entidades sem fins lucrativos
vinculadas ao setor habitacional, por meio de modalidades de aquisição ou
produção de áreas urbanizadas e/ou unidades habitacionais, ou requalificação de
imóveis existentes.
Em agosto do mesmo ano (2007), foi iniciada a elaboração do Plano
Nacional de Habitação (PlanHab), como “etapa essencial de implantação e
consolidação da Política Nacional de Habitação” e que, “quando finalizado, orientará
o planejamento das ações públicas e privadas [...] para o enfrentamento das
necessidades habitacionais do país” (MCidades26).
O PlanHab é categorizado como processo de planejamento de longo
prazo, com revisões periódicas, correspondendo aos anos de elaboração dos Planos
Plurianuais (PPA): 2011, 2015 e 2019; e seu horizonte é o ano de 2023.
Sua elaboração envolve três etapas de trabalho: contextualização,
elaboração de metas, e definição do plano de ação e implementação. No entanto,
26 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Nacional de Habitação – PlanHab – Disponível em www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/ planhab. Acesso em: 23 jun 2009.
49
ainda se encontra atualmente na fase de elaboração das metas (Ibidem), sem
previsão de conclusão do Plano.
Seminários regionais têm ocorrido na fundamentação dos cenários e
estratégias, e têm ressaltado as diferenças entre as regiões do país, assim como de
seus estados. Foi demonstrado que a região sudeste, onde está a maior parte da
população urbana do país, é a região com maior déficit habitacional urbano, e que o
Estado de São Paulo concentra mais da metade desse déficit, em termos quantitativos
(1.450.000 unidades27).
Mesmo ainda não tendo sido fechada proposta do PlanHab, o Governo
Federal lançou em março de 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV); por
meio do qual visava criar mecanismos para incentivar a produção e a aquisição de
unidades habitacionais voltadas a famílias com renda de até dez (10) salários mínimos
(Ibidem).
Em julho de 2009, foi aprovada a Lei 11.977/09, que dispõe sobre o
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Essa lei, na Seção II: “Do Programa
Nacional de Habitação Urbana – PNHU”, informa o objetivo de subsidiar produção e
aquisição de imóvel urbano para famílias com renda de até seis (6) salários mínimos
mensais.
O PMCMV tinha o objetivo de construção de 1 milhão de moradias,
com reflexo na geração de emprego e renda devido aumento de investimento na
construção civil, com recursos subsidiados pela União e pelo FGTS, e
comprometimento máximo de 20% da renda familiar para financiamento.
Segundo critérios, o PMCMV financiaria imóveis residenciais, nos
municípios em que houvesse doação de terrenos urbanizados pelo governo estadual
ou municipal, e que possuíssem lei aprovada regulamentando instrumentos de
controle de áreas urbanas em ociosidade.
Segundo o Ministério das Cidades, a distribuição percentual dos valores
financiados estaria relacionada ao déficit habitacional verificado por região (Figura 1),
27 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Nacional de Habitação – PlanHab – Disponível em: www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/planhab/caderno-i-2013-planhab. Acesso em: 23 jun 2009. p.33.
50
por tamanho de cidade, além da concentração por renda. Neste caso, embora
dados informados pelo próprio governo28 demonstrem déficit habitacional para faixa
de renda de zero a três salários em 90,9%, seu financiamento almejado é de 40% (em
número de unidades).
Segundo o Ministério das Cidades29, são vários os programas federais
voltados à produção de habitação de interesse social atualmente em vigor. No
entanto, no site da CAIXA, os programas de habitação urbana disponíveis limitam-se
a: Carta de Crédito, Pró-Moradia, Habitar-Brasil/BID, Urbanização e Regularização e
Integração de Assentamentos Precários, Morar Melhor, Minha Casa Minha Vida.
Figura 1 - Programa Minha Casa Minha Vida - distribuição percentual dos valores a serem financiados por região do país (Fonte: Ministério das Cidades, 2009)
O programa Urbanização e Regularização e Integração de
Assentamentos Precários é voltado ao Poder Público, com recursos do Fundo Nacional
de Habitação de Interesse Social (FNHIS); da mesma forma que o Programa Morar
Melhor, voltado ao melhoramento das condições de habitação e infraestrutura
urbana, nas regiões de maior pobreza, por meio de ações do Poder Público.
Entretanto, em relação aos programas habitacionais de interesse social
vigentes, segundo a REDUR Presidente Prudente, da CAIXA, as novas contratações têm
se restringido ao Programa Minha Casa Minha Vida. O fundo (Fundo de Arrendamento
Residencial – FAR) criado para disponibilizar recursos para o Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) foi direcionado ao PMCMV.
28 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Minha Casa Minha Vida. Disponível em: www.cidades.gov.br/ministerio-das-cidades/arquivos-e-imagens-oculto/Apresentacao25309.pdf. Acesso em 17 ago 2009. 29 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Habitação – Programas e Ações. Disponível em: www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habitacao/ programas-e-acoes. Acesso em: 31 ago 2010.
52
2. POLÍTICA URBANA E A QUESTÃO DA
HABITAÇÃO DE BAIXA RENDA
A inclusão da política urbana na Constituição Federal de 1988 se tornou
de grande importância no processo de desenvolvimento e gestão das cidades. As
discussões de reforma urbana e a aplicação dos instrumentos urbanísticos para
regularização e controle do espaço urbano possibilitam ações públicas municipais
mais justas na área habitacional, quando aprovados por legislação municipal.
O objetivo deste capítulo é identificar o momento histórico voltado às
discussões urbanas e habitacionais, tendo como período inicial a década de 1950,
incluindo o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) e o capítulo sobre
Política Urbana na Constituição Federal de 1988. A análise dos instrumentos
urbanísticos constitucionais para regulação e controle do espaço urbano dará
subsídios ao estudo de caso desta pesquisa, assim como a compreensão da
abrangência dos planos diretores e legislação municipal voltados às ações na área
habitacional.
53
2.1. Antecedentes da Política Urbana no Brasil
O processo de urbanização no Brasil e a escassez de moradia
proporcionaram insatisfação no espaço urbano, fazendo emergir a idéia de reforma
urbana já na década de 1950 (SOUZA, 2007).
Segundo Ribeiro e Pontual (2009), a questão habitacional era um dos
muitos temas debatidos na discussão sobre reforma urbana. Em 1963, durante o
governo de João Goulart, o IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) e o IPASE (Instituto de
Previdência e Assistência dos Servidores do Estado) organizaram o ‘Seminário de
Habitação e Reforma Urbana: o homem, sua casa, sua cidade’, nas cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo.
Como resultado, um documento foi elaborado apresentando a reforma
urbana como processo contínuo: “conjunto de medidas estatais, visando à justa
utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das aglomerações urbanas
e ao fornecimento de habitação condigna a todas as famílias” (Ibidem).
No entanto, devido ao regime militar que se instalou no país a partir de
1964, os debates foram abafados, e, somente na década de 1980, com o processo de
redemocratização, a discussão foi retomada. Maricato (2001) informa que o Governo
Militar, ao invés de considerar as discussões e diretrizes sobre a reforma urbana, age
diversamente na criação e no direcionamento das ações do SFH e do BNH.
Para Rolnik et al (1999), com o fim do regime militar, tornam-se claras as
tensões existentes no contexto urbano sobre a apropriação do solo. Temas de
planejamento urbano, como instrumentos de regulação fundiária, controle de oferta
de terras urbanas e participação popular, entram em discussão, com pressão de
movimentos populares urbanos organizados e órgãos de classe profissional.
Nesse contexto surge o Movimento Nacional pela Reforma Urbana
(MNRU). Este, juntamente com a Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior da
Câmara de Deputados, incentivou a realização de Congressos das Cidades.
54
A abrangência das discussões foi grande desde o início, mas o conceito
principal de reforma urbana se aproximava da “condenação das práticas
econômicas que tornam a cidade um objeto de lucro” (ABREU e RIBEIRO, 1986, p.7). A
partir desse aspecto, buscava-se o estabelecimento de um controle social sobre a
cidade, visando à democratização do solo urbano, a busca pela habitação digna e a
redução máxima da segregação espacial urbana.
Também se buscava a participação direta e abrangente da população
nas tomadas de decisão, com a “municipalização da cidade” (ABREU e RIBEIRO, 1986,
p.10), a gestão local de políticas habitacionais e o fortalecimento dos governos
municipais.
Segundo Souza (2007, p. 113):
Os objetivos específicos da reforma urbana [...] são diversificados. Os mais importantes são: 1) coibir a especulação imobiliária, a qual, tipicamente, corre desenfreada em cidades de países periféricos e semiperiféricos; 2) reduzir o nível de disparidade sócio-econômico-espacial intra-urbana, assim reduzindo o nível de segregação residencial; 3) democratizar o mais possível o planejamento e a gestão do espaço urbano.
Com a perspectiva de elaboração da nova Constituição Brasileira e a
abertura para envio de propostas para Assembléia Constituinte, em 1987, o MNRU
encaminhou “uma emenda popular da reforma urbana contendo assinatura de
130.000 eleitores” (SOUZA e RODRIGUES1, apud ALVIM et al, 2006-b, p.73), tendo
ocorrido aprovação parcial dessa emenda (incluídos na Constituição como ‘Da
Política Urbana’ – Título VII - Capítulo II – artigos 182 e 183).
Souza (2007) afirma que o movimento de reforma urbana tem
apresentado momentos profícuos, mas que, no entanto, hoje, essa bandeira não é
muito conhecida pela opinião pública brasileira.
1 SOUZA, M.L.; RODRIGUES, G.B. Planejamento Urbano e ativismos sociais. São Paulo: Ed.Unesp, 2004.
55
2.2. Política Urbana na Constituição Federal de 1988
O processo acelerado de urbanização no Brasil, desde a década de
1960, com a preocupação com o desenvolvimento das cidades, fez nascer a busca
por um espaço urbano menos segregado. No entanto, é a partir da década de 1980,
com o país sendo direcionado para novos rumos políticos, visando à sua
redemocratização, que ressurgem a participação popular e o tema da reforma
urbana, incluindo questões como urbanização de favelas e regularização fundiária.
Durante o processo institucional da Assembléia Nacional Constituinte foi
apresentada emenda popular da reforma urbana, “com um conjunto de princípios,
regras e instrumentos destinados não só ao reconhecimento e à institucionalização de
direitos às pessoas que vivem na cidade, mas também a capacitar o Poder Público
para a promoção de políticas públicas para concretizar esses direitos.” (SAULE JR, 1997,
p.25).
Assim, na Constituição Federal de 1988, as temáticas da política urbana
e da gestão das cidades ocupam um lugar de destaque em diversas esferas
institucionais, políticas e sociais. Segundo Silva (2006), as matérias urbanísticas
receberam bastante atenção dessa Constituição por meio de diretrizes de
desenvolvimento urbano, preservação ambiental, planos urbanísticos, função da
cidade e da propriedade urbana.
Segundo o artigo 30 dessa Constituição, o município passou a ser um
ente federativo, sendo igualado aos Estados e à União, e sua autonomia foi ampliada,
política, administrativa e financeiramente. Nesse mesmo artigo, há informação sobre a
competência dos municípios, e, em seu inciso VIII, há reconhecimento da
competência exclusiva dos municípios em “promover, no que couber, adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento
e da ocupação do solo urbano. [...] não comporta interferência nem da União, nem
do Estado.” (Ibidem, p.58).
Apesar disso, anteriormente, em seu artigo 21, XX, afirma-se que
compete “à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos” (Ibidem, p.59). No entanto,
56
explica Silva (Ibidem, p.59) que esse artigo refere-se à ampla perspectiva de política
urbana, a qual visa ao “desenvolvimento adequado do sistema de cidades
(planejamento interurbano) em nível nacional ou macrorregional de competência
federal”, sendo o município o responsável no “território municipal (planejamento intra-
urbano)”.
Costa (2002) afirma que a municipalização das políticas urbanas está
relacionada diretamente às competências e responsabilidades dos municípios,
principalmente as voltadas ao uso e ocupação do solo e à habitação, e às políticas
sociais (saúde e educação).
A Constituição apresenta capítulo específico sobre política urbana
(artigo 182 e 183), no qual oferece aos municípios instrumentos que possibilitem o
direito à cidade, por meio de sua função social, da defesa da propriedade e da
democratização da gestão urbana. Nesses artigos, são definidas as diretrizes básicas
para a política urbana brasileira. Particularmente nesse primeiro artigo “[...] a política
de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, e tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Particularmente no artigo 182, a Carta Magna ressalta que o município
é a instância de poder político, no nível da federação, que tem a responsabilidade
das políticas urbanas, por meio da implementação de um processo de planejamento
urbano democrático, participativo e principalmente inclusivo. Esse artigo define
também que o Plano Diretor passa a ser o principal instrumento da política urbana, de
desenvolvimento e de expansão urbana, sendo obrigatório para as cidades com mais
de 20 mil habitantes.
Saule Jr. (2001, p.18) explica que “Essa norma constitucional permite a
aplicação dos [...] instrumentos em situações nas quais a propriedade urbana não
atende à sua função social”. E continua:
Os instrumentos adotados pelo texto constitucional têm por característica obrigar o proprietário a um comportamento positivo de promover uma destinação concreta para a sua propriedade. São mecanismos destinados a impedir e inibir o processo de especulação imobiliária nas cidades, conferindo aos imóveis urbanos ociosos uma destinação voltada a beneficiar a coletividade. Isto significa que o proprietário de imóvel urbano, para garantir o seu direito de propriedade, já deveria ter conferido a este uma função social. Na falta dessa destinação, o poder público municipal está
57
constitucionalmente capacitado para tornar social a função da propriedade urbana. (Ibidem, p.18)
No entanto, esse autor (1997) afirma que, em relação à política
habitacional, especificamente, a Constituição prevê a obrigação do Poder Público
formular suas políticas, assegurando o direito à moradia, inclusive garantindo a
implantação de habitação de interesse social a fundo perdido. Ele destaca que,
apesar da crise habitacional vivida no país, a extinção do BNH e a falta de controle
dos recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), “a Constituinte não
tratou devidamente desta matéria.” (Ibidem, p.28).
Assim, a questão da política habitacional, central e estratégica para os
municípios, não é competência isolada desse ente federativo, tendo a Constituição
Federal atribuído essa matéria como responsabilidade das três esferas de governo –
União, Estados e Municípios, em seu artigo 23, IX, competência comum para
“promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais”.
Os artigos 182 e 183 também são os fundamentos da Lei Complementar
n°.10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que foi sancionada treze anos
depois da Constituição Federal, regulamentando-os. Segundo essa lei, no prazo
máximo de cinco anos2 após sua aprovação, o Plano Diretor, instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana (artigo 40), deveria estar sancionado
em cada município enquadrado nas condições do Estatuto, sob a pena de o prefeito
incorrer em improbidade administrativa (artigo 41).
Segundo Silva (2006, p. 69), o Estatuto da Cidade cumpre
[...] as funções [...] de uma lei geral, na medida em que institui princípios de direito urbanístico, [...] fornece um instrumental a ser utilizado na ordenação dos espaços urbanos, com observância da proteção ambiental, e a busca de solução para problemas sociais graves, como a moradia, o saneamento, que o caos urbano faz incidir, de modo contundente, sobre as camadas carentes da população.
Essa lei federal, segundo Rolnik (2001), estava encarregada por definir
sobre a função social da cidade e da propriedade urbana e o que seria seu
2 De acordo com a Lei Federal n°.11.673/2008, em seu artigo 50, o prazo para os municípios aprovarem seus planos diretores estendeu-se para 30 de junho de 2008, sete anos após a aprovação do Estatuto da Cidade.
58
cumprimento, pela Constituição Federal, mas que delegou essa tarefa aos municípios
juntamente com alguns instrumentos inovadores para intervenção no território.
Esses instrumentos, quando incluídos e aprovados no Plano Diretor
municipal, “procuram coibir a retenção especulativa de terrenos”, e visam à
“separação entre direito de propriedade e potencial construtivo dos terrenos” (Ibidem,
p.5).
Para Saule Jr. (2001), o processo de votação do Estatuto da Cidade
regulamentou diretrizes e instrumentos de política urbana baseados em
[...] experiências de política urbana, habitacional e de regularização fundiária e de participação popular vivenciadas em diversas cidades brasileiras na década de 90. O Estatuto da Cidade é uma lei inovadora que abre possibilidades para o desenvolvimento de uma política urbana com a aplicação de instrumentos de reforma urbana voltados a promover a inclusão social e territorial nas cidades brasileiras, considerando os aspectos urbanos e sociais e políticos de nossas cidades. [...] é uma lei madura, que contempla um conjunto de medidas legais e urbanísticas essenciais para a implementação da reforma urbana em nossas cidades. (Ibidem, p.11)
O Estatuto da Cidade, em seu artigo 3º., coloca as competências da
União, as quais incluem promover programas de construção de moradias, por
iniciativa própria ou em conjunto com os outros entes federativos (III), e instituir diretrizes
para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação (IV). Medauar (2004) ensina que
as diretrizes podem ser caracterizadas como “preceitos norteadores da efetivação de
uma política” (Ibidem, p.20).
Saule Jr. (2001) alerta para o fato das diretrizes gerais da política urbana,
previstas no Estatuto da Cidade, direcionarem a atuação dos três entes federativos;
mas, como o Município possui a “maior competência e responsabilidade em promover
a política urbana, estas diretrizes são definidoras de sua atuação na promoção dessa
política” (Ibidem, p.14), sem lesão à autonomia local.
Em relação às políticas e ações voltadas à esfera habitacional, o
Estatuto da Cidade vai ratificar as competências informadas pela Constituição; ou nas
palavras de Medauar (2004, p.39-40) “revela-se uma reprodução quase total do artigo
23, IX, da Constituição Federal, que atribui competência material comum à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para promover programas de construção
de moradias e a melhoria das condições habitacionais”.
59
No entanto, o Estatuto reafirma a autonomia política dos municípios,
“por ter capacidade própria de auto-organização, de auto-governo, de auto-
legislação e de auto-administração” (SAULE JR, 1997, p.222), com uma perspectiva
nova para a política urbana, valorizando o processo de planejamento urbano e
incentivando a ação clara do Poder Público, que deve ser embasada na
“competência do Município legislar sobre assuntos de interesse local, e de suplementar
a legislação federal e estadual no que couber” (Ibidem, p.223).
Os municípios brasileiros devem reger-se por meio de Lei Orgânica,
considerada como uma constituição do município, que deve conter “as regras do
jogo institucional para a instituição dos planos diretores. Estas regras se traduzem nas
normas municipais dirigentes da política urbana que condicionam a legitimidade do
plano diretor à observância de seus preceitos.” (Ibidem, p.229).
Assim, o Plano Diretor deve estar baseado na Lei Orgânica do
município, mas embasado e orientado pelo Estatuto da Cidade, nos instrumentos e
diretrizes que são apresentados. Esses planos devem ser formulados e seguidos, como
base das políticas públicas municipais, e orientando seus agentes nas ações.
Segundo Saule Jr. (2001, p.11), o Estatuto da Cidade “define quais são
as ferramentas que o Poder Público, especialmente o Município, deve utilizar para
enfrentar os problemas de desigualdade social e territorial nas cidades”. Para tal,
legaliza instrumentos de política urbana destinados a assegurar a função social da
propriedade urbana, como o Plano Diretor, o parcelamento e edificação
compulsórios de áreas e imóveis urbanos, o IPTU progressivo no tempo, a
desapropriação para fins de reforma urbana, direito de preempção e a outorga
onerosa do direito de construir.
Da mesma forma, institui instrumentos de regularização fundiária e de
gestão democrática da cidade (Ibidem). Dentre esses instrumentos estão o usucapião
urbano, a concessão de direito real de uso, as zonas especiais de interesse social (ZEIS),
as conferências da cidade, o orçamento participativo, o estudo de impacto de
vizinhança.
Alvim et al (2006-a, p.14) informam que
Os instrumentos do Estatuto da Cidade podem ser caracterizados como de indução do desenvolvimento urbano, de regularização
60
fundiária, de financiamento das políticas urbanas e de democratização da gestão das cidades. Ou seja, a implementação desses instrumentos sugere a transformação da ordem urbanística tradicional e a atuação na lógica econômica da cidade.
Nesse contexto, percebe-se a grande importância atribuída ao Plano
Diretor Municipal pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade. A
possibilidade de uso dos instrumentos definidos pela legislação federal deve constar
expressamente naqueles planos, assunto tratado no próximo item desta tese.
2.3. Plano Diretor e os instrumentos urbanísticos para
habitação
Como já colocado, a Lei Federal Complementar n°.10.257, de 10 de
julho de 2001, ou simplesmente Estatuto da Cidade, regulamentou os artigos 182 e 183
da Constituição Federal de 1988, sobre política urbana. A essa lei, segundo Rolnik
(2001), estava atribuída a formatação da definição sobre a função social da cidade e
da propriedade urbana, pela Constituição, e o que seria seu cumprimento, mas
delegou essa tarefa aos municípios, juntamente com alguns instrumentos inovadores
para intervenção no território, com sua inclusão e aprovação nos planos diretores.
A importância do Plano Diretor como instrumento de política urbana é
grande, expresso no artigo 182, §1º., da Constituição Federal de 1988: “O plano diretor
[...] é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”, e
sua obrigatoriedade foi ratificada no Estatuto da Cidade.
Conforme Saule Jr (1997, p.33), o Plano Diretor atribui aos municípios a
possibilidade de “estabelecer quando a propriedade urbana cumpre a função social
através das exigências fundamentais de ordenação da cidade”, e informa que o
município é o ente federativo “responsável pela implementação da política urbana”
(Ibidem, p.34).
Esse autor enfatiza que os objetivos específicos da política urbana
residem no ordenamento das funções sociais da cidade, com a realização da função
61
social da propriedade e da garantia do bem estar de seus habitantes. Isso requer “o
acesso de todos os que vivem na cidade à moradia, aos equipamentos e serviços
urbanos, transporte público, saneamento básico, saúde, educação, cultura, esporte,
lazer, enfim aos direitos urbanos que são inerentes às condições de vida na cidade”
(Ibidem, p.239-240).
A matéria de política urbana, seus instrumentos e a função social da
cidade deveriam ser discutidos e aprovados com seriedade nos planos diretores, pois
“procuram coibir a retenção especulativa de terrenos”, e visam à “separação entre
direito de propriedade e potencial construtivo dos terrenos” (ROLNIK, 2001, p.5).
Saule Jr. (2001, p.20) explica que “O Plano Diretor tem a tarefa de
delimitar as áreas urbanas onde será necessária uma ação coercitiva do Poder
Público para as propriedades urbanas situadas nestas áreas terem uma real função
social”.
Holz e Monteiro (2008) citando Jacques Alfonsin3, Carlos Marés4 e Nelson
Saule Jr5, afirmam que a terra urbana deve cumprir a função social da propriedade
por meio de seu uso; resultando na discussão que a propriedade deixa de ser direito
absoluto, passando a sofrer restrições na busca pelo benefício da sociedade. Segundo
esses autores, no artigo 5º., XXIII da Constituição Federal de 1988, a propriedade da
terra está condicionada à efetividade da função social.
Esse assunto é ratificado pelo Estatuto da Cidade, que, em seu artigo
2º., estabelece diretrizes gerais de política urbana a ser adotada pelos municípios, no
respeito à função social da propriedade, podendo ser interpretado como respeito aos
direitos fundamentais, dentre os quais consta o direito à moradia, incluído no texto
constitucional por meio da Emenda n°.26/2000, que alterou a redação do artigo 6º. da
Constituição.
Ou seja, o Estatuto da Cidade faz cumprir as exigências constitucionais,
permitindo ao Poder Público municipal a aplicação dos novos instrumentos para
3 ALFONSIN, J.T. A função social da cidade e da propriedade privada urbana como propriedades de funções. In: ALFONSIN, B.; FERNANDES, E. Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade. Belo Horizonte: Fórum, 2004. 4 MARES, C.F. A função social da terra. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003. 5 SAULE Jr, N. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2004.
62
adequado aproveitamento do solo urbano, baseado no Plano Diretor e em lei
específica.
Segundo Rolnik (2001), o conjunto dos novos instrumentos tem natureza
urbanística, com objetivo de auxiliar ou direcionar o uso e ocupação do solo urbano,
com ação sobre a formação dos preços no mercado imobiliário por meio de coerção
da retenção especulativa, assim como separação entre os direitos de propriedade e
de construção e uso.
Esses instrumentos, ratifica Souza (2007), buscam incentivar a coação da
especulação imobiliária, mas necessitam, explicitamente, de aprovação, pelo Poder
Público municipal, de legislação para sua regulamentação e uso. E continua:
A redução do nível de disparidade socioeconômico-espacial intra-urbana não é um objeto simples (como, aliás, o combate à especulação imobiliária tampouco o é). Para alcançá-lo, instrumentos como fundos de desenvolvimento urbano e zoneamentos de prioridades podem e devem ser utilizados. [grifos do autor] (Ibidem, p. 127)
A elaboração dos Planos Diretores deve ser aberta à participação da
sociedade, seja durante o processo de elaboração, assim como na implementação e
gestão das políticas (ROLNIK, 2001). Rolnik (Ibidem, p.7) completa:
Assim, mais do que um documento técnico, normalmente hermético ou genérico, distante dos conflitos reais que caracterizam a cidade, o Plano passa a ser um espaço de debate dos cidadãos e de definição de opções, conscientes e negociadas, por uma estratégia de intervenção no território.
Assim sendo, a instituição dos instrumentos jurídico-urbanísticos buscam
garantir o pleno desenvolvimento e planejamento das cidades por meio da
regularização legal e urbanização de assentamentos ilegais e precários, do combate
à especulação imobiliária, da democratização ao acesso de serviços públicos e da
participação popular na formulação das políticas públicas (HOLZ e MONTEIRO, 2008).
No entanto, é condição fundamental para a executoriedade dessas
normas (instrumentos), a aprovação de legislação municipal, por meio do Plano
Diretor e de lei específica. Esses novos instrumentos aprovados pela legislação
brasileira incluem parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, imposto sobre
propriedade predial e territorial (IPTU) progressivo no tempo, desapropriação com
pagamento mediante títulos da dívida pública, e usucapião urbano.
63
No entanto, Saule Jr (2001) afirma que estes podem ser subdivididos em
três categorias, os destinados a assegurar a função social da propriedade urbana, os
de regularização fundiária e os de gestão democrática da cidade. Entre os primeiros,
estão:
[...] o Plano Diretor, o parcelamento e edificação compulsória de áreas e imóveis urbanos, imposto sobre a propriedade urbana (IPTU) progressivo no tempo, desapropriação para fins de reforma urbana, o direito de preempção, a outorga onerosa do direito de construir (solo criado). (Ibidem, p.11-12)
A segunda categoria seria a formada por usucapião urbano, concessão
de direito real de uso e zonas especiais de interesse social. E a terceira, são os
conselhos de política urbana, a conferência da cidade, o orçamento participativo,
audiências públicas, iniciativa popular de projetos de lei, e estudo de impacto de
vizinhança (Ibidem).
O ‘Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios’ visam a
obrigar o proprietário de imóvel urbano a fazer uso do mesmo, com o máximo
potencial de uso e ocupação, e diminuindo as possibilidades de especulação
imobiliária. A obrigação busca promover adequado aproveitamento do solo, e pode
ser de parcelamento de área urbana subutilizada ou não utilizada, de edificação de
área urbana vazia, ou de utilização de área edificada, mas em desacordo com o
aproveitamento mínimo definido no Plano Diretor (ALMEIDA, 2004; SAULE Jr, 2001).
O ‘Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)
Progressivo no Tempo’ é maneira de punir o proprietário de terra urbana que tenha
descumprido as obrigações e prazos do instrumento acima descrito, mediante a
majoração da alíquota do IPTU pelo prazo de cinco anos consecutivos. Segundo Saule
Jr. (Ibidem), seu objetivo é estimular a utilização adequado do espaço urbano por
meio do cumprimento da obrigação estabelecida.
A ‘Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública’
é instrumento voltado à sanção, pois possibilita ao Poder Público municipal efetuar a
desapropriação quando o proprietário não cumpriu com a obrigação estabelecida
no plano local, após transcorrido prazo máximo de cinco anos com aplicação de IPTU
progressivo no tempo. É instrumento destinado a promover a reforma urbana (Ibidem).
64
O ‘Usucapião Urbano’ é instrumento que possibilita a regularização
fundiária de imóveis urbanos privados, a quem possuir área ou edificação urbana para
sua moradia, de até duzentos e cinquenta metros quadrados, não for proprietário de
outro imóvel urbano ou rural, e pelo tempo mínimo de cinco anos ininterruptos e sem
oposição, com contagem a partir da promulgação da Constituição (HORBACH, 2004-
a). Segundo Saule Jr (2001, p. 31),
[...] o usucapião urbano serve para garantir uma destinação social para os imóveis privados, visando atender a função social da propriedade, a concessão de uso deve ser utilizada para atingir esse objetivo com relação aos imóveis públicos urbanos.
O instrumento definido como ‘Direito de Preempção’ é regulado nos
artigos 25 a 27 do Estatuto da Cidade e apresenta finalidades urbanísticas para
execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, controle da
expansão urbana, e implantação de equipamentos e serviços públicos e áreas verdes
pelo Poder Público municipal, quando definidas as áreas no Plano Diretor (HORBACK,
2004-b).
Segundo Santos (2004), por meio da política de ordenamento do solo
urbano, há limitação do direito de propriedade, pois este está ligado ao interesse da
coletividade e da função social da terra urbana, que se reflete no direito de construir.
Este, entretanto, está previsto no Estatuto da Cidade como direito separado do de
propriedade, podendo ser transferido separadamente, possibilitando que em
determinadas áreas da cidade possa ser edificado acima do coeficiente previsto em
lei. Esse instrumento é a ‘Outorga Onerosa do Direito de Construir’.
A Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) ou Área Especial de Interesse
Social (AEIS) é instrumento urbanístico desenhado com a “luta dos assentamentos
irregulares pela não remoção, pela melhoria das condições urbanísticas e pela
regularização fundiária” (BRASIL - CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002, p.156).
A ZEIS é instrumento previsto no Estatuto da Cidade, em seu artigo 4º., V,
alínea “f”; mas que para ser instituído pelo Poder Público municipal deve estar definido
em seu Plano Diretor. Sua concepção é incluir no zoneamento urbano ou plano de
urbanização instrumento próprio que permita estabelecer plano específico e
diferenciado, adequado às especificidades locais, destinado à produção e
manutenção de habitação de interesse social. Assim,
65
O estabelecimento de ZEIS significa o reconhecimento da diversidade de ocupações existentes nas cidades, além da possibilidade de construção de uma legalidade que corresponda a esses assentamentos e, portanto, de extensão do direito de cidadania a seus moradores. (Ibidem, p.156)
Dentre os objetivos da definição de ZEIS podem ser citados: inclusão de
parcelas da população à cidade legal, e aos serviços e equipamentos urbanos;
interferir no mercado de terras urbanas, aumentando sua oferta e diminuindo suas
diferenças, com ampliação sensível na oferta de terras para o mercado de baixa
renda (Ibidem).
Azevedo (2007) afirma que as ZEIS têm grande importância urbana,
apresentando avanços na regularização fundiária e inclusão de grande parcela de
população de baixa renda na cidade legal. Para Bueno (2007), a delimitação de ZEIS
nos vazios urbanos definidos como áreas ociosas proporciona a ampliação da oferta
de habitação popular, pois servem para conter a valorização imobiliária urbana.
As ZEIS têm a função de definição de áreas que possibilitem a
democratização ao acesso à terra urbana, estão voltadas à ocupação residencial,
com estabelecimento de normas e diretrizes específicas para cada situação,
mediante simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo.
Ferreira e Motisuke (2007) concluem que a regulamentação da ZEIS
como instrumento urbanístico demonstra o reconhecimento da existência da grande
diversidade de ocupações urbanas, possibilitando a adequação da cidade por meio
da legalização, regularização e qualificação de assentamentos periféricos e de áreas
providas de infraestrutura, e limitando a ação do mercado imobiliário.
Outra característica de grande relevância desse instrumento urbanístico
se refere à ampliação da oferta de moradia para a população de baixa renda em
locais com infraestrutura e oferta de equipamentos e serviços públicos, por meio de
utilização de áreas não utilizadas ou subutilizadas (DIAS, 2008).
Cymbalista (1999) assinala que o objetivo principal dos novos
instrumentos é a ampliação do mercado legal de habitação visando à inclusão de
parcelas marginalizadas da população, e que os municípios precisam de tempo para
compreender e incluir os instrumentos em seus planos e leis, assim como sua
apropriação pela população, mas completa,
66
Também é importante apontar que a história dos novos instrumentos é, muitas vezes, a história de sua rejeição no jogo de forças que é a produção de nossas cidades, não chegando sequer à sua regulamentação, quanto mais à produção de espaços (Ibidem, p.80).
Rolnik et al (2004) definem questões relevantes atingidas pela política
habitacional que devem ser consideradas na execução dos planos diretores
municipais. Entre elas encontram-se a dimensão econômica, na criação de empregos;
territorial, que deve ser aliada às propostas de planejamento e gestão urbanos,
aumentando o controle do espaço urbano, diminuindo segregação socioespacial e a
expansão desordenada da malha urbana, e reabilitando áreas urbanas
sedimentadas.
Segundo Saule Jr (2001), para possibilitar a aplicação dos instrumentos
urbanísticos, alguns requisitos precisam ser preenchidos, como o não cumprimento da
função social da propriedade urbana, e, necessariamente, haver definição das áreas
passíveis da aplicação dos instrumentos no Plano Diretor6, e ser aprovada legislação
municipal específica sobre exigências, procedimentos e prazos para cumprimento da
função social.
Os Planos Diretores formulados para a cidade de Presidente Prudente,
foco desta pesquisa, serão analisados no próximo capítulo. Busca-se a compreensão
do que esse município identifica como a função social da cidade, particularmente nos
Planos Diretores pós Constituição Federal de 1988, e como faz uso dos instrumentos
urbanísticos aprovados no Estatuto da Cidade, possibilitando sua aplicação no
contexto urbano. A legislação que regulamenta a aplicação desses instrumentos
aprovados no Plano Diretor municipal também colabora para o entendimento do
interesse político em gerenciar a cidade de forma mais justa.
6 Segundo o Estatuto da Cidade (artigo 41), é obrigatória a aprovação de Plano Diretor nas cidades com população acima de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, integrantes de áreas de especial interesse turístico, inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional, e onde o Poder Público municipal pretender utilizar os instrumentos urbanísticos previstos na Constituição.
68
3. PRESIDENTE PRUDENTE E A PRODUÇÃO
DO ESPAÇO URBANO
A compreensão do processo de produção do espaço, desde sua
formação até a atualidade, apresenta grande importância, pois proporciona subsídio
para analisar as ações públicas e privadas na produção habitacional, seus agentes
envolvidos e sua dinâmica.
O objetivo deste capítulo é contextualizar o município de Presidente
Prudente, o processo de ocupação regional, sua formação histórica e política, e as
ações públicas locais, que influenciam e direcionam o processo de produção do
espaço urbano, agindo direta e indiretamente na promoção de habitação popular.
A compreensão dos aspectos conceituais sobre a produção do espaço
urbano são fundamentais para a compreensão e discussão do caso prudentino, assim
como seus agentes e os efeitos da segregação socioespacial, tratados no próximo
item.
69
3.1. Processo de produção do espaço urbano
No Brasil, a grande influência do modo de pensar estrangeiro e do
tecnicismo no contexto urbano, por meio de um urbanismo conservador, fizeram
emergir agentes e mecanismos de planejamento urbano reforçando práticas
segregadoras e jogos de interesses na gestão das cidades. Assim, o espaço urbano
aparece como espaço ideológico e político (VILLAÇA, 1999).
Alguns autores, na análise da produção do espaço urbano e oferta de
serviços e habitação, verificam a ação direta de alguns agentes no contexto urbano.
Esses agentes e suas ações direcionam a estrutura da cidade segundo seus interesses
e suas ideologias.
Valladares (1983) afirma que a questão do uso do solo nas metrópoles
nacionais pode ser vista por meio da ação de um conjunto de agentes: o proprietário
fundiário, o loteador, o corretor imobiliário, o Estado e o morador.
Marques (2005-b) identifica a ação desses agentes, ou, como ele
indica, os “diversos atores envolvidos com a promoção imobiliária” (Ibidem, p.216),
que ocupam papéis específicos na cadeia de produção do mercado. Em um limite
do processo constam os agentes envolvidos com a comercialização no mercado
imobiliário urbano, e no outro extremo, encontram-se os proprietários fundiários.
Esses proprietários, segundo Marques (Ibidem), não participam
diretamente do ciclo de produção imobiliária, visto que a terra não é um bem
produzido, mas são os detentores “de um dos mais importantes insumos presentes no
ciclo imobiliário” (Ibidem, p.216), podendo ser considerado o agente mais importante
devido aos impactos possíveis de suas ações.
Em posições intermediárias, encontram-se os construtores e os
incorporadores. Os construtores estão envolvidos em atividades de transformação de
insumos, bens de produção e força de trabalho em mercadoria edificação. Os
incorporadores articulam os demais agentes, sendo a elaboração do projeto do
empreendimento o centro de sua atividade. É o responsável por definir o produto
imobiliário a ser lançado, seu momento e sua localização. Assim, quando definido o
70
empreendimento, o incorporador busca a área de implantação e estabelece
parceria para financiamento, contrata o construtor e define estratégia de vendas
(Ibidem).
Segundo Corrêa (1999) o espaço urbano capitalista é fragmentado e
articulado, mostrando-se como reflexo e condicionante social, e campo de lutas ou
jogos de interesse, articulados por agentes que produzem e consomem espaço.
Esse autor (Ibidem) descreve a ação desses agentes, a qual incluem
práticas que resultam em constante processo de reorganização espacial, por meio de
incorporação de novas áreas ao espaço urbano, deterioração de certas regiões,
renovação urbana, densificação do uso do solo, oferta diferenciada de infraestrutura
e serviços urbanos, e valorização de determinadas áreas da cidade, com possível
expulsão social.
Seguindo essa análise, o autor afirma que os agentes do espaço urbano
são os proprietários dos meios de produção, sobretudo os industriais; os proprietários
fundiários; os promotores imobiliários; o Estado; e os grupos sociais excluídos. E a
possibilidade de ação desses agentes reflete o interesse dominante, permitindo “que
haja transgressões de acordo com os interesses do agente dominante” (Ibidem, p.12).
Corrêa (Ibidem) faz uma análise da ação de cada agente,
considerando sua eficácia no espaço urbano. As grandes empresas comerciais e as
grandes indústrias, devido à dimensão de suas atividades, são grandes consumidores
de espaço físico, pois necessitam de áreas amplas e baratas. Os proprietários de terras
almejam a obtenção da maior renda fundiária, por meio da expansão urbana,
visando ao uso que seja mais remunerador; eles podem exercer pressões junto ao
Poder Público, especialmente municipal, buscando interferir no processo de definição
das leis de zoneamento, uso e ocupação do solo urbano.
Os promotores imobiliários são agentes que trabalham na produção
imobiliária por meio de incorporação, financiamento, estudo técnico, construção ou
produção física do imóvel, e comercialização. O Estado atua na organização espacial
da cidade, por meio da implantação de serviços públicos e da elaboração de leis e
normas vinculadas ao solo urbano, mas tem sido complexa e variável, refletindo a
dinâmica da sociedade da qual é parte constituinte e os interesses dominantes. É na
instância municipal onde esses interesses se tornam mais evidentes. Corrêa (Ibidem,
71
p.26) assinala que a atuação do Estado busca criar “condições que viabilizem o
processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas frações”, assim o
Estado cria mecanismos que levam à segregação espacial.
Lefebvre (1969), na discussão da ação do Estado como agente
produtor do espaço urbano em países democráticos, afirma que os poderes públicos
não podem declarar publicamente o benefício a certos grupos, adotando
frequentemente uma ideologia humanista, que não é colocada em prática por meio
de suas ações. Seu resultado concreto é a manutenção de segregação no espaço
urbano, ou como esclarece: “A segregação prevalece mesmo nos setores da vida
social que esses setores públicos regem mais ou menos facilmente, mais ou menos
profundamente, porém sempre” (Ibidem, p.90).
Segundo esse autor (Ibidem), a questão da segregação deve ser
focalizada por meio de três aspectos, simultâneos ou sucessivos: espontâneo,
proveniente de renda e ideologia; voluntário, estabelecendo espaços separados; e
programado, sob discurso de plano urbano e organização do espaço. Mas alerta ao
fato de que a segregação, seja de grupos, de classes sociais, etc, não se apresenta
de maneira constante e uniforme.
Para Lefebvre (Ibidem) o fenômeno da segregação deve ser analisado
segundo três critérios: ecológico, formal e sociológico. O critério ecológico está
relacionado com a deterioração das áreas centrais das cidades e com as favelas; o
formal tem relação com a degradação do espaço urbano por deslocamento de seus
elementos arquitetônicos e deterioração dos signos e significações da cidade; e o
sociológico está voltado à comparação dos níveis e modos de vida, etnias, culturas e
subculturas, etc.
Segundo Caldeira (2003), a segregação socioespacial é uma
característica bastante relevante nas cidades, pois as normas e legislações que
organizam o espaço urbano estão baseados em padrões de diferenciação e de
separação.
Essa autora (Ibidem) explica que, ao longo do século XX, três formas
diferentes de expressão de segregação socioespacial urbana podem ser identificadas
na cidade de São Paulo. A primeira forma está baseada na diferença de tipo de
72
moradia, em área urbana pequena, concentrada e heterogênea, entre final do
século XIX e década de 1940.
A segunda, caracterizada pela dicotomia centro versus periferia, tendo
como características o espaço urbano disperso, grandes distâncias físico-espaciais
entre as classes socioeconômicas, permanecendo as classes média e alta nas áreas
centrais com infraestrutura, e os menos favorecidos nas áreas periféricas e precárias,
quase sempre ilegais, entre as décadas de 1940 e 1980.
E a terceira, configurando-se desde a década de 1980, na qual os
grupos sociais podem permanecer fisicamente próximos, mas separados por muros e
tecnologias de segurança, e frequentadores de locais diferenciados, os “enclaves
fortificados”, segundo a autora. Essa terceira forma está baseada na idéia de que os
grupos sociais devem viver em locais homogêneos, separados dos grupos diferentes.
Esses “enclaves fortificados” são os “espaços privatizados, fechados e
monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho” (Ibidem, p.211), sendo que,
em cidades fragmentadas por esses bairros murados, torna-se difícil manter
acessibilidade e mobilidade urbanas, mas, parte desse processo de segregação está
baseado no aumento da criminalidade e do medo, resultando no fato de que
moradores de todas as classes sociais buscam proteger seus espaços de residência e
trabalho (Ibidem).
No entanto, Villaça (1998) afirma que o mais conhecido padrão de
segregação da metrópole brasileira é o do centro versus periferia. Sendo o centro
dotado da maioria dos serviços urbanos, públicos e privados, ocupado pelas classes
de renda mais alta; e a periferia, subequipada e longínqua, ocupada pelos mais
pobres. Nesse padrão, o espaço atua como um mecanismo de exclusão.
Mas, ele também alerta para o fato de que, atualmente, a classe de
renda mais alta não ocupa necessariamente áreas de terrenos mais caros, pois se
verifica que essa população tem buscado terrenos maiores ou grandes cotas ideais de
terreno nos subúrbios.
Nas análises e discussões sobre segregação espacial elaboradas por
Villaça (Ibidem), o autor deixa bastante explícito que esse processo é dialético, no
qual a segregação de uns provoca a segregação de outros, imediatamente, e que o
73
processo de dominação – econômica, política e social – necessita da segregação
como forma de controle.
Lojkine (1997) também trata da segregação, relacionando-a ao acesso
aos meios de consumo e à localização das classes no espaço urbano,
proporcionando o afastamento da habitação popular por meio do jogo de preços do
solo urbano, garantindo, de forma quase automática, a separação. Ele também
indica a existência de três tipos de segregação urbana: a oposição centro versus
periferia; a separação legal entre as zonas reservadas à população de alta renda e as
de moradia popular; e o zoneamento modernista limitando severamente as funções
urbanas (zona residencial, zona comercial, zona industrial, etc.).
Esse autor (Ibidem) afirma que a segregação socioespacial urbana
busca subordinar a diferenciação socioeconômica, e que o Estado incentiva as
diferenças espaciais por meio da distribuição dos equipamentos urbanos, reforçando
a segregação. Segundo Lojkine (Ibidem), o Estado capitalista age, por meio das
políticas, sobre o desenvolvimento urbano, sendo determinante na configuração do
espaço urbano, garantindo a adequada reprodução do capital, legitimando práticas
segregadoras.
Para o autor (Ibidem), a política urbana é concebida como produto
das contradições existentes entre as relações de diversas forças sociais, e identifica a
relação direta entre política urbana e segregação espacial, ou entre os planos
elaborados e as práticas ocorridas: nos planos estão implícitas as ações e a lógica
social que os produziu, possibilitando a reprodução das ações segregacionistas. As
políticas públicas podem reforçar a segregação.
Marcuse (2004) explica segregação como um processo de formação e
manutenção de uma determinada área espacial, na qual uma determinada
população é forçada a se concentrar. Mas que poderia ser voluntária ou involuntária,
ou seja, as divisões por função ou as culturais seriam voluntárias, enquanto as por status
não, pois nessa divisão seria necessário o uso da força, explícita ou implicitamente;
força que é monopólio do Estado.
Sobre a ação do Estado na questão de segregação, Sposati et al (2004)
afirmam que, na compreensão de segregação como homogeneidade, o Estado tem
74
um tratamento segregador por meio do zoneamento, seja por função, seja por tipo de
moradia, pois o zoneamento é hierarquizador.
Segundo Santos (2007), na nossa sociedade, cada pessoa vale pela sua
localização no território, e esse valor muda constantemente segundo as mudanças
ocorridas no espaço urbano, devido questões de acessibilidade e mobilidade, para
melhor ou pior, independentemente da condição individual humana. E, citando Badie
e Smouts1, Santos (2002) afirma que para tal, ações privadas, mais ou menos de
acordo com o Estado, organizam o espaço e suas normas, e progressivamente as
impõem.
Em outra obra, Santos (2009), fala que a questão da diferenciação dos
lugares, dentro da mesma formação social, pode ser vista por meio da força inercial
iniciada no passado, e que o presente e evolução futura das cidades dependem dos
atores do jogo político, segundo diferentes níveis, atuando na possível reorganização
do espaço urbano.
Para Santos (2005) o Poder Público também estimula a especulação e a
existência de vazios urbanos, pois, incapaz de resolver o problema da habitação, ele
empurra a população com menos recursos para as periferias. E, dessa forma, o Poder
Público age direta e indiretamente na geração de problemas urbanos, mas com
discurso ideológico diferente.
Ou seja, a figura do Estado se apresenta com grande importância, nas
ações diretas e indiretas, no estímulo seletivo e frequentemente discriminatório das
diversas atividades, no estabelecimento de usos do solo, impondo regalias e
interdições, sendo que, cada área da cidade pode ser valorizada ou desvalorizada
por meio de um jogo de poder exercido pelo Estado ou consentido a determinados
agentes privados (SANTOS, 2009).
Santos (Ibidem) informa que a cidade é cada vez mais apropriada
seletivamente e de forma privativa, numa disputa constante entre os capitais,
resultando no processo de agravamento das desigualdades, marginalização e
exclusão.
1 BADIE, B.; SMOUTS, M.C. Le retournement du monde, sociologie de la scène international. Paris: Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques-Dalloz, 1992.
75
Essa exclusão, segundo Fernandes (2000), na maioria dos casos, tem
correspondido a um processo de segregação espacial, na qual a população excluída
da economia formal é forçada a viver de forma precária nas periferias urbanas.
Dentre outros indicadores da poderosa combinação entre exclusão social e segregação territorial – mortalidade infantil; incidência de doenças; grau de escolaridade; acesso a serviços, infraestrutura urbana e equipamentos coletivos; existência de áreas verdes, etc -, dados recentes indicam que cerca de 600 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento vivem atualmente em situações insalubres e perigosas. Exclusão social e segregação territorial têm determinado a baixa qualidade de vida nas cidades, bem como contribuído diretamente para a degradação ambiental e para o aumento da pobreza na sociedade urbana. (Ibidem, p.13)
Fernandes (Ibidem) também afirma que vários estudos demonstram que
o processo de desenvolvimento urbano nas cidades brasileiras tem sido determinado
pelo papel elitista da ação do Estado, mas que, ao mesmo tempo, com a menor
presença do Poder Público, a economia de mercado não apresenta soluções
adequadas para as necessidades sociais, como habitação popular.
Ele (Ibidem) informa que, por meio de estudo de casos em países em
desenvolvimento, tem sido verificado que a combinação entre a falta de uma política
habitacional de interesse social e as ações do mercado imobiliário têm resultado na
carência de moradias adequadas, incentivando as formas ilegais de ocupação do
solo urbano.
A existência de leis elitistas, a falta de regulamentação legal adequada
e a adoção de instrumentos jurídicos incapazes de analisar corretamente a real
situação de acesso ao solo urbano e à habitação têm atuado de forma a agravar o
processo de segregação espacial (Ibidem).
Fernandes (Ibidem) afirma que as políticas públicas têm sido
apropriadas por agentes privados do espaço urbano. Segundo ele, mesmo
idealizando um Estado neutro em relação aos interesses contraditórios desses agentes,
a ação pública resultante no espaço urbano demonstra os proprietários fundiários, os
promotores imobiliários, os grupos econômicos, etc, como os verdadeiros “donos do
poder” (Ibidem, p.38).
Para Castells (2000) a segregação urbana é um processo dinâmico, no
qual se verifica a expressão de relações complexas que determinam a distribuição da
76
residência dos grupos sociais no espaço urbano, e as questões de acessibilidade e
mobilidade na cidade, não havendo espaço privilegiado antecipadamente, pois este
é definido e redefinido segundo interesses particulares. Assim, ele considera a
segregação como a tendência à organização espacial segundo áreas com
homogeneidade social mas heterogêneas entre si.
Sachs (1999) explica que a segregação espacial reflete a estratificação
de renda, resultando em capacidade diferenciada de acesso ao solo urbano e à
infraestrutura, e que, devido à falta de ação efetiva do Poder Público, parte da
população urbana se vê excluída do mercado imobiliário legal, buscando resolver sua
questão habitacional na cidade ilegal.
Em relação às periferias urbanas e à cidade ilegal, Maricato (2003)
informa que são a expressão mais concreta de segregação espacial, as quais são
imensas regiões onde a pobreza é homogeneamente disseminada, e completa:
À dificuldade de acesso aos serviços e infraestrutura urbanos (transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos etc.) somam-se menos oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menos oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável. (Ibidem)
Torres (2005) faz uma análise aprofundada das diferenças sociais e
locais de residência, e segundo ele, a segregação contribui para manutenção e
reprodução de situações de pobreza e problemas sociais por meio de quatro
diferentes mecanismos. Em primeiro lugar, a segregação espacial está relacionada à
pior qualidade residencial, a riscos ambientais e a problemas de saúde pública, que
neste caso, contribuem para agravar a situação de perda financeira e fragilidade
familiar.
Em segundo lugar, encontra-se a cidade ilegal, na qual, o Estado evita
investir devido à possibilidade de perder o investimento público ou devido ao risco de
sofrer ações judiciais contrárias. Assim, Torres (Ibidem) afirma que, a segregação, em
muitas vezes, também está relacionada com falta de acesso a serviços públicos (mas
não necessariamente).
77
Em terceiro lugar, verifica-se estatisticamente que crescer em bairros de
alta concentração de pobreza tem relação direta com o avanço educacional,
gravidez na adolescência, atividade criminal e redução das oportunidades; ao
contrário do que acontece quando a rede de relações sociais contribui para o acesso
a empregos e a serviços públicos.
Em quarto lugar, o autor (Ibidem) destaca o papel da moradia como
fator de geração de renda, pois esse espaço pode ser utilizado para fins produtivos
(comércio, serviço ou garantia de empréstimos), mas cujas possibilidades tornam-se
reduzidas em locais altamente segregados.
Marques (2005-a) faz um levantamento sobre a discussão do tema
segregação, para um estudo mais próximo de áreas urbanas em São Paulo. Assim, ele
indica a existência de três sentidos distintos relacionados à segregação socioespacial.
O primeiro apresenta uma visão mais completa, segundo o qual a segregação implica
a total separação e isolamento, também podendo ser relativo ao sentido de
desigualdade.
O segundo relaciona segregação à desigualdade de acesso, de
maneira ampla; podendo focar em acesso a políticas públicas, acesso à qualidade
de vida, etc. No terceiro sentido, segregação significa homogeneidade interna e
heterogeneidade externa na distribuição de grupos no espaço.
No entanto, Marques (Ibidem) ressalta que separação e desigualdade
de acesso são indissolúveis, em constante processo de autorreconstrução; pois,
segundo ele, nas cidades brasileiras, verifica-se tanto a separação dos grupos no
espaço assim como sua homogeneidade interna, que resulta em acesso diferenciado
de cada grupo às oportunidades e aos equipamentos urbanos; ocorrendo um
processo cíclico: a separação causa acesso desigual enquanto a desigualdade de
acesso reproduz a separação.
Como o próprio autor (Ibidem, p.42) afirma: “[...] as desigualdades
sociais tendem a ser cumulativas [...]”, a localização no espaço urbano apresenta
papel importante na reprodução dessas desigualdades, podendo cristalizar situações
de pobreza e carência. Enquanto, a distribuição dos grupos sociais no espaço pode
ser influenciado por vários processos, como os eixos de transporte e o sítio físico, as
dinâmicas históricas e econômicas, a ação de vários agentes no espaço urbano.
78
Os processos de desigualdades sociais e de segregação espacial estão
sobrepostos no espaço urbano, com distribuição desigual de benefícios da
urbanização e com separação de grupos sociais diferentes. Em relação às suas
origens, Marques (Ibidem) apresenta quatro grupos e causas, das quais alguns autores
e análises foram expostas acima, neste item.
O primeiro grupo relaciona segregação com a dinâmica econômica e
do mercado de trabalho, produzindo uma cidade baseada nos jogos de interesses
capitalistas, e reprodução dos padrões vigentes, e que, com a abertura da economia,
teria ocorrido um agravamento dos padrões de segregação e baixas condições de
vida nas periferias.
O segundo grupo centra a discussão no papel do mercado de terras,
da incorporação imobiliária e da indústria da construção, sob dois aspectos, os
incorporadores e suas lógicas, e o mercado imobiliário e os valores do solo. Segundo o
primeiro aspecto, a estrutura urbana seria resultado da ação dos incorporadores que
controlariam as melhores localizações e as mudanças de usos urbanos. No segundo
aspecto, o mercado imobiliário promoveria a segregação por meio da busca por solo
urbano para uso residencial para classes de alta renda e uso não residencial.
O terceiro grupo foca as ações do Estado na criação da segregação e
das desigualdades, podendo haver duas formas distintas. No primeiro caso, o poder
regulatório do Estado sobre o território poderia possibilitar a manutenção de privilégios
assim como benefícios por meio da legislação urbana, em especial, o zoneamento. O
outro caso foca nas intervenções do Estado, de forma direta ou indireta, como
remoção de favelas, obras públicas com possibilidades de expulsão da população
local, construção de grandes conjuntos habitacionais socialmente homogêneos em
áreas periféricas.
O quarto grupo direciona suas análises na ordem jurídica brasileira e sua
herança, ou seja, discute a segregação e a pobreza urbana como resultado das leis e
sua aplicação, pois essa legislação seria aprovada para defender a propriedade
privada e os processos de valorização que envolvem o solo urbano, e somente
aplicada contra os pobres.
79
Marques (Ibidem, p.48) informa que “Quase certamente os quatro
conjuntos de processos têm sua parcela de responsabilidade na produção e
reprodução da segregação e das desigualdades no espaço urbano”.
Para esta pesquisa, a compreensão sobre os possíveis agentes urbanos
e as diferenças conceituais e analíticas de segregação são bastante importantes. No
entanto, nesta tese, foca-se a ação e regulação (ou seu desinteresse) do Estado,
representado pelo Poder Público municipal, tendo como referência de análise e
discussão sobre a segregação as intervenções desse Poder Público na reprodução de
grandes regiões urbanas periféricas homogêneas social e economicamente; e, ao
mesmo tempo, a compreensão dos processos reais no município de Presidente
Prudente, que se dão de forma complexa e segundo interesses diversos determinados
ao longo do processo de ocupação/produção do seu território.
3.2. O processo de ocupação da Alta Sorocabana e os
reflexos em Presidente Prudente
O município de Presidente Prudente localiza-se na conhecida Alta
Sorocabana2, no extremo oeste do Estado de São Paulo, junto às divisas com os
Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, sendo formada por 32 municípios. Em 1967, o
Governo do Estado definiu nova organização regional do território estadual para fins
político-administrativos, sendo que Presidente Prudente foi considerada sede da X
Região Administrativa3, abrangendo 53 municípios4, conforme a Figura 2.
2 O nome Alta Sorocabana denominava o limite final do grande Vale do Paranapanema, ou seja, “a parte meridional do Estado de São Paulo, desde Sorocaba e Botucatu até o Rio Paraná” (ABREU, 1972, p.16). Ela é composta pelos seguintes municípios: Alfredo Marcondes - Álvares Machado – Anhumas – Caiabu – Caiuá – Emilianópolis - Estrela do Norte - Euclides da Cunha Paulista – Iepê – Indiana - Marabá Paulista –Martinópolis - Mirante do Paranapanema – Nantes – Narandiba – Piquerobi – Pirapozinho – Presidente Bernardes - Presidente Epitácio - Presidente Prudente - Presidente Venceslau – Rancharia - Regente Feijó – Ribeirão dos Índios – Rosana – Sandovalina – Santo Anastácio - Santo Expedito – Taciba – Tarabai - Teodoro Sampaio 3 A divisão política regional do Estado modifica-se várias vezes. Em 1984, o Governo cria as Regiões de Governo, unidades menores que as RA, e Presidente Prudente torna-se sede de uma RG. Alvim (1996) relata esse processo ao discutir a regionalização do Estado e o Pontal do Paranapanema. 4 Além dos municípios acima, também compõem a Região Administrativa de Presidente Prudente: Adamantina – Dracena – Flora Rica - Flórida Paulista – Inúbia Paulista – Irapuru – Junqueirópolis – Lucélia - Mariápolis - Monte Castelo - Nova Guataporanga - Osvaldo Cruz - Ouro Verde – Pacaembu – Panorama – Paulicéia – Pracinha – Sagres – Salmourão - Santa Mercedes - São João do Pau d’Alho - Tupi Paulista
80
Figura 2 - Mapa da Região Administrativa de Presidente Prudente e da região da Alta Sorocabana (Fonte: Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo)
A região de Presidente Prudente apresenta colonização recente, cujas
ocupações originais datam de 1850, segundo dois momentos distintos: a frente de
expansão e a frente pioneira. A frente de expansão se refere à ocupação por
posseiros para subsistência e troca; e a frente pioneira, ocupação como
empreendimento econômico (MARTIN5, apud ALVIM, 1996).
O primeiro momento reporta-se ao período de 1850 a 1890. Nessa
ocasião, o município de Presidente Prudente não era ocupado, e suas terras fazem
parte da área da antiga Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, apossada por João da Silva
de Oliveira, mineiro que migrou para São Paulo em busca de riquezas em 1856. Este,
por sua vez, na mesma ocasião, repassou a área a outro mineiro, Antônio José
Gouveia, que a registrou mas não providenciou a legitimação oficial de suas posses.
Importante ressaltar que, segundo Alvim (Ibidem), a Lei das Terras - Lei
n°.601 - foi instituída em 1850 na tentativa de regulamentar a posse de terras no Brasil.
Anterior à Lei das Terras, a posse de terras no país ocorria mediante doação de
sesmarias pela Coroa Portuguesa, proprietária das terras brasileiras6.
5 MARTINS, J.S. Capitalismo e Tradicionalismo: estudos sobre as contradições agrárias no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1978. 6 As terras no Brasil estavam, desde sua colonização, sob jurisdição da Coroa Portuguesa, ligada à Ordem de Cristo, e poderia ser doada pelo sistema de Sesmarias para colonização. Toda terra não doada pelo sistema de Sesmarias era considerada pública, pertencente à Coroa. No entanto, o estatuto de Sesmaria foi extinto em 1821, por Dom Pedro I, que instalou o regime de posse desde que comprovada moradia. Alvim (op cit) relata que, entre 1921 e 1950, havia muita confusão em relação a esse sistema. A Lei das Terras buscou estabelecer o que seria público e privado.
81
Em 1861, Gouveia vendeu a fazenda a Joaquim Alves de Lima. Seu filho,
João Evangelista de Lima, em 1886, quando a herdou, tentou legitimar sua posse, mas
que lhe foi negada em 1890 por falta de documentos. No entanto, antes da sentença
judicial, nesse mesmo ano, João Evangelista de Lima e Manoel Pereira Goulart, seu
vizinho, permutaram a propriedade de suas terras, aquele assumindo a Fazenda Boa
Esperança do Água-Pehy (ao norte) e este a Fazenda Pirapó-Santo Anastácio.
Mesmo sem a posse legal da fazenda, Goulart adquire do Ministério da
Agricultura a permissão para trazer colonos estrangeiros, o que lhe permitiu parcelar e
comercializar partes da fazenda (LEITE, 1981), e iniciar o processo de ocupação da
região.
O segundo momento da ocupação da Alta Sorocabana ocorreu de
1890 a 1920 com a chegada do café e a formação de grandes propriedades, a
implantação da ferrovia Sorocabana e a chegada de grandes contingentes de
imigrantes (ALVIM, 1996).
Entre o final do século XIX e 1920, com a implantação das ferrovias no
território paulista, amplia-se a rota do café, e a produção cafeeira chega à região de
Presidente Prudente.
Milliet (1982) descreve a sequência cronológica do café no Estado de
São Paulo segundo cinco etapas: a primeira, em 1836, é iniciada pela identificação do
Vale do Paraíba como líder na produção cafeeira; na segunda, em 1854, a região de
Campinas torna-se rival na primazia produtiva; em 1886, na terceira etapa, esta região
passa a predominar incontestavelmente; e a quarta etapa, em 1920, é retratada pelo
desenvolvimento consolidado devido à ocupação do café em São Paulo, tendo
mudado a fisionomia do Estado.
Embora o café tenha penetrado no Estado no início do século XIX, já no
final torna-se o principal produto agrícola. A partir de 1905, percebe-se redução da
produção ao norte do Rio Tietê e seu desenvolvimento ao sul. No Noroeste e Oeste do
Estado, a produção do café se consolida em 1935, sendo que a região de Araraquara
82
se torna a maior produtora desse produto, e as regiões de Assis e Presidente Prudente
aumentam sua produção em quase cinco vezes (MINAMI7, apud ALVIM, 1996).
O período cafeeiro foi fundamental para o desenvolvimento do interior
do Estado de São Paulo e a dimensão urbana assumiu grande importância, pois a
“dinâmica da economia cafeeira exigia um segmento urbano e, à medida que se
ampliava a atividade cafeeira, era induzida a expansão da rede urbana” (NEGRI,
1988, p.6). A rede ferroviária, acompanhando a expansão da produção do café,
incentivava a criação de centros urbanos no interior do Estado de São Paulo.
Considerando o período da produção do café no Estado, até o final do
século XIX, 161 municípios foram criados; na década de 1910, mais 31, e, na década
de 1920, mais 53 municípios novos (ALVIM, 1996), incluindo Presidente Prudente no
último período.
Ao mesmo tempo em que os cafezais se espalhavam pelo Estado de
São Paulo, a expansão das ferrovias acontecia, conduzida pelos interesses dos
produtores e comerciantes de café. Em 1912, a Estrada de Ferro Sorocabana foi
estendida até o oeste paulista, sendo inaugurada, em 1919, a estação em Presidente
Prudente.
A construção da estrada de ferro Sorocabana veio facilitar a escoagem
da produção agrícola, a penetração da população e a comunicação fácil com os
grandes centros. Segundo Leite (1972), a construção da estação ferroviária na cidade
foi decisiva para sua formação.
O café juntamente com a ferrovia valorizaram as terras da Alta
Sorocabana, atraindo proprietários rurais e negociantes de terras. Esses promoviam um
sistema comercial dinâmico, com venda de pequenas propriedades a prazo; tendo
provocado a formação de núcleos de colônias de migrantes e imigrantes.
Mesmo não tendo legitimado oficialmente suas terras, Manoel Goulart
manteve o processo de parcelamento e comercialização das terras da Fazenda
Pirapó-Santo Anastácio.
7 MINAMI, I. Vila Martin Smith, no Alto da Serra, em São Paulo, um exemplo típico de ‘Motel Company Town’.São Paulo: FAU-USP, 1995 (Tese de Doutorado).
83
A Companhia Fazendeiros de São Paulo e a Companhia José Soares
Marcondes Indústria e Comércio foram as principais empresas colonizadoras na
região. Em 1908, a família Goulart já havia comercializado aproximadamente 140mil
hectares com diversos compradores, e transferiu à primeira companhia, cerca de
100mil hectares (ALVIM, 1996).
Segundo Leite (1981, p.50):
Em 1927, a Companhia dos Fazendeiros de São Paulo entra em falência e transfere à Companhia Marcondes de Colonização Indústria e Comércio, além da fazenda, os direitos e ações sobre quaisquer sobras ou remanescentes da propriedade territorial denominada Fazenda Pirapó-Santo Anastácio [...].
Entre os anos de 1930 e 1935, declarando falsos todos os títulos de
propriedade e, consequentemente, nulas as vendas e transferências de terras, a
Fazenda do Estado de São Paulo opôs-se à subdivisão da fazenda registrada em 1856,
considerando-a como domínio do Estado, ou seja, “terras devolutas”.
Independentemente das ações do Poder Público, em 1936, a
Companhia Marcondes vendeu as terras à Companhia Imobiliária Sul-Americana, que
retoma a venda de grandes áreas. Na década de 1940, muitas propriedades foram
comercializadas (Ibidem).
Alvim (1996) afirma que a região de Presidente Prudente foi uma das
mais povoadas por sitiantes nas primeiras décadas do século XX. Ao mesmo tempo, os
fazendeiros de outras regiões do Estado não demonstravam interesse nessa área, por
causa de sua distância dos centros consumidores, como também não ignoravam os
problemas dos títulos de propriedade, não querendo arriscar investimentos.
Na década de 1930, após a ‘Crise de 1929’8, a produção algodoeira se
espalhou pelo Estado, apoiada na exportação, principalmente para a Alemanha e o
Japão. Companhias estrangeiras de beneficiamento se instalaram em cidades
produtoras, inclusive Presidente Prudente.
8 Após a Primeira Guerra Mundial, as empresas norte-americanas reduziram as exportações para os países europeus, o que provocou desvalorização dessas empresas e, consequente, desvalorização das ações dessas empresas na Bolsa de Valores de Nova York, gerando falências e desemprego. Essa crise norte-americana afetou o Brasil por meio da redução de compra do café, sendo os EUA o maior comprador do produto brasileiro no mercado internacional. Ocorreu grande redução dos preços do café brasileiro, com falências e concordatas de empresas e produtores de café.
84
Dessa forma, as indústrias inicialmente estabelecidas na região surgiram
articuladas com a produção de matérias-primas locais. A partir de 1950, frigoríficos
começam a ser instalados juntamente com aumento das áreas de pastagens para
engorda de bovinos.
Até a década de 1950, a economia regional cresceu de forma
praticamente contínua, mas, devido ao processo de industrialização (nacional e
paulista), a crise em 1960, e a retomada do crescimento econômico em 1970, as
características econômicas e populacional da Alta Sorocabana sofreram
transformações.
As propriedades rurais se encontraram tomadas por pastagens, na
década de 1970, apresentando o maior rebanho de bovinos de corte do Estado.
Ocorreu uma concentração fundiária, aliado ao decréscimo acelerado da
população rural e uma intensa urbanização dos núcleos de maior porte.
Presidente Prudente recebe grande contingente populacional, no
período compreendido entre as décadas de 1970 e 19809. Nessa ocasião, a malha
urbana prudentina praticamente dobrou. O estudo de sua expansão busca relacionar
sua estrutura urbana às questões de políticas públicas e de oferta de habitação social.
3.3. O processo de produção do espaço urbano prudentino
e a habitação de baixa renda
Como já destacado, Presidente Prudente, cidade localizada no oeste
paulista, na Alta Sorocabana, teve sua base de colonização apoiada na produção
agropecuária e na implantação da estação ferroviária no início do século XX
(inaugurada em janeiro de 1919).
9 O processo de crescimento urbano de Presidente Prudente será tratado no item 3.3.
85
A definição de sua estrutura urbana relacionou-se diretamente com a
abertura de dois loteamentos: Vila Goulart e Vila Marcondes. O primeiro loteamento
foi aberto por solicitação de Manoel Goulart10 junto à estação ferroviária que estava
em construção, em 1917. O segundo loteamento, aberto em 1919, por José Soares
Marcondes, dava suporte ao comércio de terras rurais, e situava-se do lado oposto da
linha ferroviária (Figura 3).
Para Abreu (1972), as colonizações Goulart e Marcondes, que
proporcionaram os dois núcleos originários da cidade de Presidente Prudente,
processaram-se por intermédio de dois tipos distintos de empreendimento: o primeiro,
individual, sem planificação, sem capital, dependendo dos esforços de um homem e
da ‘boa vontade’ dos compradores; o segundo, de caráter empresarial, com suporte
financeiro, com especulação capitalista, mas ao estilo pessoal de seu principal
orientador, o coronel José Soares Marcondes.
Tal fato, não necessariamente definiu maior sucesso ao segundo, em
detrimento do primeiro. Ao contrário, a localização privilegiada da Vila Goulart
acabou por definir o papel central a este loteamento, que deu origem ao centro
principal da cidade.
Figura 3 - Planta esquemática dos primeiros loteamentos de Presidente Prudente (Fonte: HONDA, 2000)
Assim, ainda nos primeiros anos, a Vila Goulart assumiu o papel de
centro comercial e área residencial das famílias mais abastadas, enquanto a Vila
10 Manoel Pereira Goulart adquiriu, em 1890, a Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, entre os rios Paranapanema-Santo Anastácio-Paraná, e, após conseguir permissão do Ministério da Agricultura, iniciou seu parcelamento e comercialização. Implantou a sede de sua fazenda junto à futura estação ferroviária Presidente Prudente, que iniciava a construção, na década de 1910. Em 1917, abre o primeiro loteamento em frente à sua sede e à estação (ALVIM, 1996; HONDA, 2000).
86
Marcondes passou a atrair as empresas de beneficiamento agrícola ao longo da linha
ferroviária e bairro residencial das classes mais baixas. Spósito (1983, p.71) afirma que:
A bipolaridade da origem urbana de Presidente Prudente é uma herança que até hoje se manifesta na expansão territorial da cidade, cujo crescimento também foi orientado pela ferrovia, enquanto esta foi a principal via de circulação de pessoas e mercadorias a servir a cidade, assim como enquanto linha ou barreira que sempre dividiu a cidade em duas.
No entanto, a cidade, assim como sua região, dependia diretamente
da produção agrícola, cujo principal produto nas décadas de 1920 e 1930 era o café.
Este produto, segundo Abreu (1972, p.103), “arrastou Goulart e Marcondes para a Alta
Sorocabana e fez nascer Presidente Prudente”.
Em 1921, o município de Presidente Prudente foi criado legalmente,
como centro político e administrativo regional. A produção cafeeira foi a base
econômica da região até início da década de 1930, quando se observa a entrada do
algodão na produção agrícola, e intensifica-se a pecuária de corte.
A cidade assumiu papel de base comercial, de prestação de serviços e
de beneficiamento da produção agrícola para a Alta Sorocabana. Empresas de
expressão se instalaram na cidade entre 1935 e 1945, como S/A IRF Matarazzo e
Anderson Clayton e Co. S/A (HONDA, 2000).
A expansão urbana em Presidente Prudente sempre ocorreu de forma
mais dinâmica na direção sudoeste, como prolongamento da Vila Goulart. Esta, além
se configurar no principal centro urbano, tinha uma forte relação com a estação
ferroviária, com as portas da estação voltadas para si, além do seu relevo bastante
suave, propiciando a intensificação da ocupação, diferentemente da Vila
Marcondes, cujo relevo apresenta declive acentuado.
Entre a década de 1920 e primeira metade da de 1950, a cidade
apresentou significativa expansão territorial, sem planejamento e sem regularização
legal. A informalidade na organização fundiária do território prudentino foi a prática,
atingindo diretamente a produção da cidade, com grande expansão da malha
urbana, como pode ser verificado na Figura 4 (Ibidem).
87
A estrutura política da cidade se formou baseada no coronelismo,
apoiada inicialmente nas figuras dos ‘Coronéis’ Goulart e Marcondes, reproduzida ao
longo dos anos.
Figura 4 - Malha urbana de Presidente Prudente - 1950 (Fonte: HONDA, 2000)
Abreu (1996) afirma que a ‘Revolução de 1930’11 não alterou
significativamente as práticas políticas prudentinas, por não ter havido real alteração
na estrutura econômica e social, sendo que “o coronelismo continuasse sob a
roupagem nova do populismo, exercido por uma liderança local que nada mais fazia
do que seguir os modelos estadual e federal” (Ibidem, p.48).
O período compreendido entre a segunda metade da década de 1950
e a de 1960 ficou marcado por pequeno crescimento espacial urbano, quando
comparado ao verificado nos anos 1940. Esse fato, segundo Spósito (1983), é
explicado pelo grande crescimento espacial ocorrido na década de 1940 causado
pela instalação de filiais de importantes empresas na cidade.
A partir da mudança do sistema de governo em 1964, com o Golpe
Militar12 no nível nacional, Spósito (1990) afirma que ocorreu certa moralização,
motivada pela possibilidade de ampliação da arrecadação municipal, pelo Poder
11 Em 1929 ocorreu uma crise econômica devido à quebra da Bolsa de Valores de Nova York, afetando diretamente o Brasil e a produção cafeeira. Ocorreu o rompimento da ‘Política do Café-com-Leite’, e a hegemonia da burguesia do café. Em 1930, após as eleições presidenciais, irrompeu a ‘Revolução de 1930’, um movimento armado que culminou com o Golpe de Estado, colocando no poder Getúlio Vargas. (GOMES et al, 1996) 12 O Golpe Militar foi uma série de eventos que culminaram em golpe de Estado, assumindo o poder os militares, entre 1964 e 1985.
88
Público, tendo provocado regularização de loteamentos, lotes e, inclusive, de áreas
devolutas no interior do perímetro urbano.
Entre as décadas de 1960 e 1970, percebe-se aumento da população
(Gráfico 1), ampliação do quadro industrial (com desvinculação da produção
agrícola local) e desenvolvimento das atividades terciárias. Em 1968 é construído o
primeiro empreendimento de habitação social na cidade, financiado pelo BNH.
Gráfico 1 - Crescimento populacional do município de Presidente Prudente-SP (Fonte: IBGE, 2008 - elaborado por AMORIM, SANT’ANNA NETO e DUBRUIL, 2009)
Durante a década de 1970, Presidente Prudente conheceu expansão
territorial urbana sem precedentes, especialmente a partir de 1972, após a queda da
cotação das ações das Bolsas de Valores em São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto,
o crescimento demográfico urbano não acompanhou o crescimento da malha
(SPOSITO, 1983).
O próximo item tratará da expansão urbana a partir do final da década
de 1960, destacando a implantação dos principais loteamentos e conjuntos para
baixa renda, e sua relação com a segregação socioespacial prudentina.
3.3.1. Produção do espaço urbano e a habitação de baixa renda entre
1968 e 1988
Em Presidente Prudente, pode-se verificar a grande segregação
socioespacial que ocorre. O processo de urbanização da cidade aponta o modo
89
com que as diferentes rendas fundiárias são incorporadas, e permite revelar os
processos socioespaciais que atuam e direcionam a estruturação urbana.
A partir da década de 1960, com a instituição do novo Governo Federal
(Ditadura Militar13), a cidade de Presidente Prudente foi alvo de alterações sociais,
econômicas, políticas e legais significativas, refletindo no processo de estruturação
urbana. Ocorre crescimento do quadro industrial com ampliação do leque produtivo,
aumento da população e desenvolvimento das atividades terciárias.
Em 1968, o Centro de Pesquisas e Estudos Urbanísticos (CPEU), da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, elaborou o primeiro Plano Diretor para
a cidade. Segundo sua análise, o município de Presidente Prudente apresentava
vocação industrial, com posição geográfica estratégica. Consta nesse plano o projeto
do primeiro distrito industrial implantado na cidade.
Também em 1968, o município foi beneficiado com a construção do
primeiro conjunto habitacional, com financiamento do BNH, o Parque Continental
(SILVA, 2005). Esse conjunto, localizado na franja urbana da cidade, apresentava 142
unidades de casas unifamiliares com três tipologias construtivas, com 1, 2 e 3
dormitórios, geminadas ou isoladas no lote.
Entretanto, é importante apontar que o loteamento onde foi
implantado esse empreendimento estava aberto desde 1962, conhecido como Jardim
Bongiovani, em área bastante isolada na região sul da cidade. Parte desse
loteamento foi utilizado para a execução do conjunto habitacional, enquanto a área
mais alta, com lotes maiores, acabou sendo ocupada por habitações unifamiliares
para camada de renda mais elevada.
Com o passar do tempo, a maior parte das casas construídas pelo BNH
foram descaracterizadas por seus proprietários, sofrendo ampliações e reformas que
alteravam as fachadas e outros elementos de sua arquitetura original.
13 A Ditadura Militar Brasileira foi o período entre 1964 e 1985, no qual o poder político foi controlado por militares, tendo como principais características a falta de democracia, o fortalecimento do poder central, a censura e a repressão.
90
Particularmente, após a canalização do Córrego do Veado e a
construção da Associação Prudentina de Educação e Cultura (APEC), hoje
Universidade, o bairro foi se transformando e a sua população original foi sendo
substituída por outros moradores que tinham interesses vários na região, como
comercial e residencial, ou mesmo para locação para estudantes.
A expansão urbana durante as duas décadas seguintes (1970 e 1980)
ocorreu sem precedentes, e pode ser mais sentida na direção sudoeste, criando
grandes vazios no traçado da cidade, por longos períodos de tempo. A malha urbana
praticamente dobrou nesse período.
Marisco (2003) informa que é a partir da década de 1970 que começa
a se configurar um processo de urbanização altamente segregacionaista na cidade,
com participação direta de vários agentes - Poder Público local, incorporadores
imobiliários e proprietários fundiários – que agiam no direcionamento da expansão
urbana, assim como na destinação das áreas e regiões voltadas às populações de
alta e baixa rendas.
Os anos de 1975 a 1977 apresentaram grande elevação dos preços dos
terrenos, associado à maior participação de pessoas jurídicas no processo de
comercialização (60%) e de ampliação do processo de implantação de loteamentos
na cidade (Ibidem).
Melazzo (1993) afirma que o processo de expansão territorial em
Presidente Prudente nas décadas de 1970 e 1980 foi superior ao ritmo de crescimento
populacional e ao número de imóveis urbanos edificados, ou seja, a oferta de lotes foi
superior à demanda existente.
Assim, é possível verificar que muitos loteamentos abertos na cidade,
para além da malha urbana, somente receberam moradores após serem utilizados
para construção de habitação social, como o Parque Continental (acima descrito) e
o Conjunto Bartholomeu Bueno de Miranda, segundo empreendimento residencial
para baixa renda (Figura 5).
91
Esse empreendimento, aprovado em 1978, foi o segundo de moradias
sociais executado na cidade de Presidente Prudente, por meio da COHAB Bauru e
financiamento do BNH, com 1017 casas entregues em 1980, localizado no setor oeste
da cidade.
De 1973 a 1981, a cidade apresentou uma realidade extremamente
favorável à reprodução do capital. Algumas das mudanças administrativas se referem
à regularização de loteamentos, ao aumento de impostos urbanos, e à ampliação do
perímetro urbano, favorecendo a expansão urbana, como pode ser visto na Figura 6.
O aumento de impostos e o processo de implantação de conjuntos
habitacionais na franja urbana, ou além dela, geraram realocação da população de
menor renda, com fuga das áreas mais centrais da cidade. Isso reforçou a
segregação socioespacial urbana.
A maior parte dos conjuntos habitacionais, entre os anos de 1976 e 1980,
foram implantados na região oeste da cidade. Nos anos de 1980 e 1981, manteve-se o
processo de expansão da malha urbana, com a abertura de vários loteamentos e
conjuntos habitacionais na periferia (TORREZAN, 1992).
É importante verificar, no entanto, que as faixas de renda da população
beneficiada pelos conjuntos habitacionais partiam de três salários mínimos (Ibidem).
Segundo pesquisas elaboradas na Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de
Presidente Prudente (MARISCO, 2003), verifica-se que a população sem renda ou com
renda familiar abaixo de três salários mínimos, entre as décadas de 1960 e 1980,
recebia benefícios do Poder Público local por meio de direito de uso e ocupação
(verbais) de áreas públicas municipais.
Ou seja, os prefeitos municipais autorizavam verbalmente as famílias a
ocuparem terrenos públicos municipais em loteamentos, identificados por essas
pesquisas, como não legalizados, como no Parque Furquim, pelo prefeito Pedro
Furquim, na década de 1960; Vila Brasil e Jardim Belo Horizonte, pelo prefeito Walter
Lemes Soares, ambos no início da década de 1970. Após as regularizações legais dos
loteamentos e início de cobrança de imposto, ocorre processo de expulsão dessa
população, valorização dos lotes, e favelização na cidade (Ibidem).
Figura 5 - Conjuntos habitacionais construídos em Presidente Prudente entre 1968 e 2009 (Fonte: FERNANDES, 2001; SILVA, 2005; CDHU, 2010; PMPP, 2010 - organizado pela autora,
2010)
Figura 6 – Evolução da malha urbana de Presidente Prudente (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, organizado pela autora, 2010)
93
Em 1975 foi aprovado o primeiro condomínio fechado na cidade,
direcionado à população de alta renda, implantado na região sudoeste, além da
malha urbana, o Jardim Morumbi (Figura 7). Conforme afirma Sposito (1983), apesar da
localização não privilegiada, pois estava próximo ao cemitério da cidade e ao
primeiro conjunto habitacional, uma campanha publicitária que ressaltava outros
aspectos positivos da área, pode transformar esse bairro em altamente desejado. Esse
condomínio foi comercializado completamente nos quatro primeiros anos de sua
implantação.
Figura 7 - Malha urbana de Presidente Prudente - localização dos empreendimentos de habitação social construídos no município entre 1968 e 1988, e os primeiros condomínios fechados de alto padrão (Fonte:
SILVA, 2005)
Até a década de 1980, a predominância comercial na cidade era
exercida pelo centro tradicional, apresentando característica de monocentralidade
na concentração de estabelecimentos comerciais e de serviços. No entanto, durante
as duas décadas seguintes, transparece uma redefinição das relações entre o centro
e a periferia, podendo ser notada uma multiplicação de áreas de concentração
dessas atividades, próximas a seus mercados consumidores.
94
Em 1977, tomou posse, como Prefeito Municipal, Paulo Constantino
(1977-1982), possibilitando incremento na produção de conjuntos habitacionais. Dez
conjuntos foram aprovados e implantados nessa gestão (SILVA, 2005).
Apenas entre 1980 e 1982, houve construção e entrega de um total de
2.652 unidades residenciais na cidade, incluídos todos os tipos de financiamento. No
entanto, a maioria desses empreendimentos não causou a expansão urbana, pois foi
criada em loteamentos previamente aprovados e abertos na cidade. As figuras 5 e 6
apresentam a comparação entre a localização dos conjuntos habitacionais
construídos na cidade e a evolução da mancha urbana por períodos.
No entanto, a localização dos conjuntos serviu para estimular a
incorporação privada em novas áreas na periferia urbana, principalmente a oeste e
norte da cidade; incentivando a mobilidade intra-urbana, a expansão da malha e a
segregação espacial.
Paralelamente, diversos condomínios horizontais, voltados para
população de rendas mais altas, também foram executados, nos últimos trinta anos,
todos no mesmo setor da cidade e com grande proximidade física. Esta tendência
reforça o padrão de segregação da alta renda, discutido por Villaça (1998).
Interessante notar que, embora inicialmente, o setor sul tenha abrigado
o primeiro conjunto habitacional do BNH no final dos anos 1960, os diversos
investimentos públicos e privados já destacados nesta região, favoreceram, ao longo
do tempo, o surgimento dos condomínios de alto padrão.
Spósito (2007), citando Santos1, esclarece que o jogo econômico entre
os agentes do espaço urbano é responsável pelo deslocamento dos bairros populares
para a periferia, reduzindo o acesso aos diferentes equipamentos e serviços urbanos.
A partir de 1983, com novo governo municipal, assumido pelo então
prefeito Virgílio Tiezzi Júnior, e acompanhando os acontecimentos nacionais2, ocorreu
1 SANTOS, Milton. Manual de Geografia Urbana. São Paulo: Hucitec, 1981. 2 A partir de 1982, cessou o fluxo de financiamento externo no Brasil, resultando em crise nacional, com a ação direta de três fatores: a dívida externa, as elevadas taxas de inflação e uma profunda crise do Estado. (FERNANDES e PAIS, 2002)
95
uma mudança no percurso histórico de oferta de lotes e loteamentos, com poucos
investimentos privados em terra.
A falta de investimentos também pode ser notada em relação à
construção de habitação social na cidade; quando dois conjuntos foram construídos
em 1982, e outros somente em 1987 se apresentavam em processo de construção;
caracterizando o período como de estagnação (TORREZAN, 1992).
Segundo Spósito (1990), o ano de 1988 sinaliza uma transformação na
política habitacional municipal, apresentando no discurso a busca pela resolução do
problema habitacional, inclusive com utilização da desapropriação ou por meio de
parcerias com empresas privadas para construção de moradias.
Entre 1987 e 1988, dois novos empreendimentos de habitação social
foram lançados em Presidente Prudente, pela COHAB: o Jardim Mediterrâneo (146
casas) e o Jardim Itapura (389 com casas e apartamentos), estando o primeiro
localizado no extremo da zona oeste e o segundo, no extremo da zona leste
(FERNANDES, 1998).
A propriedade do solo urbano, em Presidente Prudente, no final da
década de 1980, segundo Spósito (1995), apresentava alto grau de concentração nas
mãos de grandes investidores, agindo diretamente na dinâmica do mercado e
direcionando a expansão urbana.
A nova Constituição Federal foi sancionada em 1988, com inclusão de
capítulo específico sobre política urbana, e exigência de Plano Diretor municipal. A
Constituição Estadual paulista, de 1989, em seu artigo 181, §1º., no Capitulo II (Do
Desenvolvimento Urbano), obrigou todos os municípios paulistas, independente de sua
população, elaborarem seus planos diretores.
A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), da
Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo, foi criada em 1989, e, entre 1990 e
1997, foram aprovados e financiados os conjuntos habitacionais Sítio São Pedro, Ana
Jacinta II, Mário Amato, Jequitibás II, Jardim Maracanã e CECAP II, por meio desse
órgão, num total de 1.782 unidades residenciais (FERNANDES, 1998). Na gestão
municipal 1989-1992, sendo prefeito Paulo Constantino, nove conjuntos foram
aprovados.
96
Em 1990, o Poder Público local lançou o Projeto de Lotes Urbanizados e
Desfavelamento, buscando a remoção das famílias que habitavam áreas de risco ou
irregulares (MARISCO, 2003). No entanto, segundo Fernandes (1998) a remoção total
dessa população não aconteceu, pois buscavam a urbanização das favelas e a
permanência no local, por meio da Concessão do Direito Real de Uso. Esse
instrumento foi utilizado pela administração seguinte, por prazo de vinte anos.
Entre 1990 e 1993, 2.757 unidades habitacionais foram construídas e
entregues em Presidente Prudente: Jardim Santa Paula, Jardim Vale do Sol e Ana
Jacinta, financiadas pelo Programa de Ação Imediata de Habitação (PAIH), do
Governo Federal.
Agripino de Oliveira Lima Filho assumiu a Prefeitura Municipal de
Presidente Prudente na gestão 1993-1996. Nesse período, houve concessão de Direito
Real de Uso de 4.013 lotes urbanizados no município, sem participação de Governo
Federal ou Estadual. Todos os lotes localizam-se em loteamentos na franja urbana ou
no limite do perímetro urbano, como são os casos do bairro Morada do Sol e do Belo
Galindo. A construção dos imóveis foi realizada por meio de autoconstrução (Ibidem).
No último ano desse governo municipal, foi aprovado o novo Plano Diretor para a
cidade, a Lei Municipal nº.29/1996.
Mauro Bragato assumiu o governo local no período de 1997 a 2000,
durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A PNH visava a
descentralização da execução dos programas habitacionais, com incentivo a ações
dos governos municipais como agentes promotores de habitação social. Durante essa
gestão, cinco empreendimentos de habitação social foram executados na cidade,
sendo quatro com financiamento do CDHU – Jardim Maracanã, Cecap, Jardim
Cobral e São João -, e um particular – Residencial Maré Mansa.
Em 1999, foi editada a Medida Provisória nº.1.823, que criou o Programa
de Arrendamento Residencial (PAR) pelo Governo Federal, nova forma de
agenciamento da habitação. Esse programa veio a beneficiar Presidente Prudente
com a construção de habitações de interesse social entre os anos de 2003 e 2006,
assunto a ser discutido em capítulo específico.
Agripino de Oliveira Lima Filho voltou à Prefeitura Municipal em 2001,
tendo permanecido até Abril de 2007, quando foi substituído por seu vice, Carlos
97
Roberto Biancardi (2007-2008). Em Janeiro de 2008, foi aprovada a revisão do Plano
Diretor (Lei Municipal nº.151/2008). Em 2009, assumiu como Prefeito Municipal Milton
Carlos de Mello. Durante a década de 2000, além dos conjuntos do Programa de
Arrendamento Residencial (PAR), foram executados mais dois conjuntos: Jardim
Itatiaia II e Jardim Sumaré. No Quadro 1 e na Figura 5 estão expostos os conjuntos
habitacionais construídos na cidade.
A expansão urbana de Presidente Prudente tem demonstrado o maior
interesse nas áreas a sudoeste para loteamentos e condomínios das elites, e a oeste e
norte para as camadas de menor poder aquisitivo. O processo de crescimento com
manutenção de grandes vazios urbanos tem permanecido.
A questão do compromisso da Prefeitura, por meio de políticas
públicas, para evitar a segregação socioespacial e os grandes vazios, assim como a
implantação de habitação social serão tratados no capítulo seguinte.
98
Quadro 1 - Conjuntos habitacionais executados em Presidente Prudente - 1968 a 2009
Fonte: SILVA, 2005 - CDHU, 2010 – PMPP, 2010 - organizado pela autora, 2010
100
4. POLÍTICA URBANA EM PRESIDENTE
PRUDENTE: PLANOS DIRETORES PÓS 1988 E A
QUESTÃO DA HABITAÇÃO
O processo de expansão urbana ocorrido em Presidente Prudente até o
final da década de 1960 não teve regulação urbanística ou normatização legal,
podendo ser verificados vários períodos de ampliação da malha, inclusive sem
relação com o crescimento populacional e econômico da cidade. No entanto, desde
1969, o município apresenta legislação de controle urbano, plano diretor, zoneamento
e lei de uso e ocupação do solo urbano, entre outras.
Este capítulo tem por objetivo analisar parte dessa legislação, como os
Planos Diretores elaborados e aprovados no município, a legislação municipal voltada
ao controle do espaço urbano e à habitação, os instrumentos urbanísticos utilizados, e
seus reflexos na questão de segregação socioespacial nessa cidade.
101
4.1. Antecedentes
Historicamente, o contexto político-administrativo de Presidente
Prudente não implementou instrumentos de regulação das atividades urbanas como
preocupação voltada ao interesse público. Apenas no ano de 1960,
aproximadamente quarenta anos após a criação do município, que ocorreram as
primeiras discussões sobre a elaboração de plano diretor municipal (MARISCO, 1997),
ainda que com pouco efetividade.
Cabe ressaltar que os primeiros planos locais elaborados foram setoriais,
ou seja, foram elaborados e regulamentados, por legislação específica, dois planos no
final da década de 1960, na gestão do prefeito Watal Ishibashi (1965-1968). O primeiro
plano estava voltado à educação, com o objetivo de definir uma política
educacional municipal, denominado Plano Mínimo de Educação (PLAME), aprovado
pela Lei n°.1.153/1966. O segundo buscava promover políticas públicas para a área da
saúde e assistência social, o Plano Sanitário e de Promoção Social, regulamentado
pela Lei n°.1.340/1968. Em ambos os casos, não ocorreu a implantação total das
políticas propostas (Ibidem).
Segundo Marisco (Ibidem), no decorrer1 da década de 1960, foi
assinado convênio entre a Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, o Centro de
Pesquisas e Estudos Urbanísticos (CPEU) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU/USP) e a Associação dos Engenheiros e Arquitetos da
Alta Sorocabana. Esse convênio visava a elaboração de projeto e implantação de um
distrito industrial, relacionado à política estadual de planejamento, que buscava a
criação de pólos regionais de desenvolvimento, na tentativa de descentralização
industrial no Estado de São Paulo; e, posteriormente, a elaboração de um Plano Diretor
devido à Lei Estadual n°.9.842/1964, denominada Lei Orgânica do Estado de São
Paulo.
Devido à aprovação dessa lei (Lei Estadual n°.9.842, de agosto de 1964 -
Lei Orgânica), tornava-se obrigatória a elaboração de um plano diretor municipal,
1 O processo para assinatura do convênio foi iniciado em 1961, com aprovação de lei permitindo tal acordo, e foi firmado em 1966.
102
denominado Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), para todos os
municípios paulistas, abrangendo aspectos econômicos, sociais e administrativos,
tendo como metodologia a especificada por manuais de orientação elaborados pelo
Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) (MORAIS e CAMPOS, 2009;
FERNANDES, 2007).
Por meio do convênio firmado, acima especificado, um estudo
urbanístico detalhado de Presidente Prudente foi elaborado, tendo sido finalizado no
início de 1969. Marisco (1997) descreve o processo de elaboração e aprovação do
plano diretor, indicando que, a partir da gestão do prefeito Antônio Sandoval Netto
(1969-1973), uma série de problemas em relação à continuidade dos trabalhos
ocorreu.
Após a posse desse prefeito, o mesmo solicita analisar os documentos
definidos no plano, barrando o andamento do projeto até o final de 1970, quando
nomeia uma comissão para dar parecer sobre os estudos. A divulgação do plano
diretor somente ocorreu em setembro de 1973, por meio do Projeto de Lei n°.51/7, na
gestão seguinte, do prefeito Walter Lemes Soares (1973-1977). A aprovação do plano
ocorreu em dezembro, tendo sido transformado em lei (Lei n°.1.582/1973) (Ibidem).
Juntamente com o PDDI, foi aprovada a Lei n°.1.583/1973, que dispunha sobre o
zoneamento urbano prudentino.
Marisco (Ibidem) ressalta que o PDDI elaborado visou a políticas e
diretrizes para todo o município de Presidente Prudente, mas que houve uma ênfase
ao aspecto físico-territorial, com análises mais detalhadas à organização espacial da
cidade.
Ao mesmo tempo, essa autora (Ibidem) afirma que as diretrizes de
abrangência municipal do Plano Diretor não foram implementados, tendo ficado
restritas as ações às diretrizes urbanas, principalmente no âmbito do zoneamento. Em
entrevista para essa autora, o ex-prefeito Walter Lemes Soares afirma que
“determinados projetos já não se aplicavam mais, pois havia impossibilidade de se
aplicar, [...] eu diria que o Plano Diretor de Presidente Prudente chegou muito tarde”
(Ibidem, p.110).
Para Marisco (Ibidem), um aspecto de grande importância para a
cidade, devido à aprovação do PDDI, foi a possibilidade do governo municipal
103
solicitar verbas do Governo Federal, sendo aplicadas em infraestrutura urbana.
Ocorreu, entretanto, grande resistência do setor imobiliário urbano na implantação do
PDDI e, principalmente, do zoneamento urbano. Walter Lemes Soares relata que “a
dificuldade maior, vamos dizer assim, que a cidade não estava acostumada a uma
diretriz, a prefeitura de impedir que alguém fizesse isto ou aquilo” (Ibidem, p.114).
O distrito industrial municipal, foco inicial para o convênio com o CPEU-
FAU-USP, que originou os estudos do plano diretor, foi inaugurado no início da década
de 1980.
O PDDI e o zoneamento urbano ficaram em vigor até final da década
de 1990. No ano de 1990, foi aprovada a Lei Orgânica do município de Presidente
Prudente, e, em 1996, o novo Plano Diretor municipal e a nova Lei de Zoneamento de
Uso e Ocupação do Solo Urbano, tendo como base a nova Constituição Federal,
sancionada em 1988, assuntos que serão tratados no próximo item.
4.2. Política Urbana e Habitacional em Presidente Prudente
pós-Constituição Federal de 1988
A nova Constituição Federal Brasileira foi sancionada em 1988, assim
como seu Título X, referente ao “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Nesse
ato, por meio do artigo 11, é informada a obrigatoriedade da elaboração da
Constituição Estadual no prazo de até um ano, contado a partir da promulgação da
Constituição Federal. Em seu parágrafo único, consta a obrigação da aprovação de
Lei Orgânica municipal até seis meses da aprovação da Constituição Estadual, sendo
que, no artigo 29, há confirmação da Lei Orgânica como legislação constitutiva do
Município.
No ano de 1989 ocorreu a promulgação da Constituição Estadual
Paulista, e, em 1990, a Lei Orgânica do município (LOM) de Presidente Prudente foi
aprovada. A LOM de Presidente Prudente está subdividida em sete títulos. O primeiro
trata da organização municipal e de suas competências, privativas e comuns; fazendo
104
parte do primeiro grupo de competências a elaboração de “Plano Diretor de
Desenvolvimento Interno” (LOM, artigo 8º.,III), o planejamento do uso, parcelamento e
ocupação do solo urbano, e o estabelecimento de normas de edificação, loteamento
e zoneamento.
Entre as competências comuns, constam, entre outras, a promoção de
“programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e
de saneamento básico” (LOM, artigo 9º., IX) e a busca ao combate às causas de
pobreza e marginalização, com promoção à integração social (LOM, artigo 9º., X).
O Título VI se refere à ordem econômica e social, sendo seu Capítulo II,
Seção I sobre a Política Urbana. Por meio de seus artigos, define-se que a política
urbana objetiva o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade,
compreendidas como direito ao acesso à moradia, transporte público, infraestrutura
urbana, educação, saúde, lazer e segurança; e condiciona o exercício do direito à
propriedade ao atendimento dessa função.
Para esses fins definidos, consta que o Poder Público municipal exigirá
do proprietário imobiliário a adoção de medidas voltadas ao uso produtivo da
propriedade, e poderá usar os seguintes instrumentos para alcance dos objetivos:
imposto predial e territorial progressivo no tempo, desapropriação por interesse social,
discriminação de terras públicas para assentamentos de baixa renda, inventários e
tombamento de imóveis, contribuição de melhoria, taxação sobre vazios urbanos.
Também se busca a garantia ao direito de habitação às famílias de
baixa renda, com criação e manutenção de política habitacional, com a instituição
de um Fundo Municipal de Habitação para custear a aquisição de moradia ou
materiais de construção (LOM, artigo 181).
A Seção XI do mesmo capítulo trata do planejamento municipal,
informando que o Governo Municipal deverá manter permanente processo de
planejamento para adequado desenvolvimento municipal, sendo o Plano Diretor o
instrumento básico para a política de desenvolvimento e integração das zonas rural e
urbana.
Apoiado nessa lei, e obrigatório segundo as Constituições Brasileira e
Estadual Paulista, em 1996, foi elaborado e aprovado o novo Plano Diretor municipal.
105
Embora a regulamentação da Constituição Federal ainda estivesse em discussão no
Congresso Nacional, algumas políticas setoriais, embasados nesse projeto de lei e nas
premissas da Carta Constitucional, foram incluídos no novo plano.
O Plano Diretor de Presidente Prudente foi sancionado como Lei
Complementar Municipal n°.29, em 31 de julho de 1996, pelo prefeito municipal
Agripino de Oliveira Lima Filho. Apresenta 44 artigos, distribuídos em seis capítulos. O
Capítulo V define as políticas setoriais, e sua Seção V a política habitacional, por meio
dos artigos 18 a 20.
Rolnik et al (2004) atentam ao fato de que a política habitacional tem
que passar pela esfera municipal, e apontam três aspectos que deveriam ser
analisados buscando a diminuição do déficit habitacional, principalmente das
camadas de menor capacidade econômica na elaboração dos Planos Diretores
municipais.
Esses aspectos seriam subsídio público, viabilizando a produção e a
comercialização da habitação popular; redistribuição do rendimento por meio de
incentivos fiscais, entre outros instrumentos econômicos; e integração social, buscando
combater a segregação urbana, os desequilíbrios de oferta de serviços e
equipamentos públicos; e degradação social (Ibidem).
No Plano Diretor de 1996, em Presidente Prudente, há diretrizes gerais de
ação pública habitacional, mas não fica explícito se os preceitos destacados por
aqueles autores foram atendidos. Os três artigos (18 a 20) identificam de maneira bem
vaga e aberta as ações futuras para o setor habitacional.
O artigo 18 descreve os objetivos básicos referentes à política
habitacional em seus cinco incisos. Destacam-se: garantia de acesso à propriedade e
moradia, a prioridade à população de baixa renda, o objetivo de promoção da
regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de renda
baixa, a priorização de utilização de terras públicas não utilizadas ou subutilizadas
para moradia de interesse social, e a destinação de percentual da gleba onde fosse
implantado conjunto habitacional de interesse social para área verde e equipamentos
sociais.
106
No artigo 19, constam as diretrizes, projetos e programas mínimos da
política habitacional, em seus dez incisos: reurbanização de favelas, regularização
fundiária de ocupação irregular, remoção de população de áreas de risco, programa
de lotes urbanizados, construção de conjuntos habitacionais de interesse social,
implantação de programas de mutirões, criação de formas de financiamentos, cesta
básica de materiais de construção, assistência técnica do município, e estoque de
áreas para fins habitacionais.
O artigo 20 define o Fundo Municipal de Habitação como órgão
responsável pela administração dos recursos obtidos por meio de instrumentos como
IPTU progressivo no tempo, concessão onerosa do direito de construir, e da venda de
lotes, das prestações e vendas de imóveis edificados.
O Plano, em seu artigo 16, reafirma a garantia ao cumprimento da
função social da propriedade urbana, possibilitando a instituição, por lei
complementar, a ser aplicada a áreas urbanas não edificadas ou não utilizadas
acima de 252m², de parcelamento ou edificação compulsórios, e cobrança de IPTU
progressivo no tempo.
No artigo 40, I, do Plano Diretor, há definição de necessidade de lei
futura (projeto de lei a ser elaborado) para promoção do desenvolvimento urbano,
que deverá contemplar os seguintes instrumentos urbanísticos: concessão onerosa do
direito de construir, redução do coeficiente de aproveitamento no tempo,
transferência do direito de construir, e indicadores de intensidade de ocupação do
solo urbano.
No entanto, não consta no Plano a elaboração de plantas ou mapas
definindo áreas ou regiões prioritárias para habitação social, ou passíveis de aplicação
de instrumentos urbanísticos, para assegurar a função social da cidade e propriedade
ou reduzir a segregação socioespacial urbana.
Segundo Rolnik et al (2004), alguns aspectos importantes em relação à
política habitacional deveriam estar presentes nos Planos Diretores municipais, como
cadastros atualizados do quadro e do déficit habitacionais do município; mapas
formulados segundo habitações irregulares, inadequadas, por renda, etc.; e histórico e
estimativa (para anos futuros) de número de habitantes e habitações no município.
107
Análise sobre a expansão da malha urbana também deveria ser
indicada nesses planos, relacionada à política habitacional e à provisão de moradia,
levando-se em conta as áreas que devem ser preservadas, a existência de
infraestrutura ou possibilidade e capacidade de ampliação dos sistemas, e as áreas de
produção econômica e de emprego. “No Plano Diretor também já aparecem
parâmetros construtivos importantes para estimular o adensamento [...]” (Ibidem, p.78).
Um ponto de grande relevância para a cidade de Presidente Prudente,
para adequada análise e inserção de política habitacional no Plano Diretor municipal,
seria o mapeamento da situação fundiária, sejam as áreas que demandam
regularização, como a análise de posse e propriedade concentradas, e as terras
devolutas.
Nenhum desses aspectos foi considerado ou, pelo menos, indicados no
Plano de 1996. A abertura dada pelo Poder Público Municipal é notável, podendo-se
indagar sobre a própria política habitacional definida por esse Plano. Há ausência,
também, de legislação específica norteando as ações voltadas à habitação.
A Lei Complementar Municipal n°.31, de 1996, em Presidente Prudente,
instituiu o zoneamento2 de uso e ocupação do solo, o qual foi subdividido em zonas
residenciais, comerciais e de serviços, industriais, de preservação e proteção
ambiental e especiais. Entre as zonas residenciais (ZR) estão incluídas a ZR.3-“zona
residencial de baixa densidade populacional, de interesse social e ocupação
horizontal” e a ZR.4-“zona residencial de média densidade populacional, de interesse
social e ocupação horizontal”.
No entanto, não se verifica a definição específica de ZEIS no plano
municipal, priorizando, apenas, “as terras públicas não utilizadas ou subutilizadas a
assentamentos humanos de população de baixa renda” (Lei Municipal n°.29/1996,
artigo 18, IV), sem identificar essas áreas. Ponto importante atualmente, é que a
Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento e Habitação da Prefeitura Municipal de
Presidente Prudente afirma que não há mais áreas públicas sem utilização. Inclusive,
destaca a necessidade legal do município em comprar novas áreas para criação de
áreas verdes e de lazer.
2 A planta do Zoneamento do solo urbano referente à Lei n°.31/1996 não foi anexada por não ter sido localizada na Prefeitura Municipal de Presidente Prudente nem no Museu Municipal.
108
Em 1998, foi aprovada lei que possibilitava criar Zonas Especiais para
Habitação de Interesse Social (Lei Complementar Municipal n°.53, de 1998). No
entanto, segundo a referida lei, as zonas poderiam estar localizadas em qualquer área
do perímetro urbano, desde que não se encontrassem em área de proteção
ambiental, em zonas especiais3 ou a mais de trezentos metros da malha urbana. É
importante verificar que, segundo essa lei, caberia ao proprietário imobiliário
interessado em transformar o zoneamento de sua área em ZEIS, requerer a aprovação
junto à Prefeitura. Ou seja, o Poder Público não agiu de forma pró-ativa para propor
áreas adequadas para fins de desenvolvimento urbano.
Essa lei atua diretamente em questões burocráticas junto ao CDHU
(Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo),
facilitando a aprovação de projetos de habitação social, com parâmetros construtivos
e de urbanização específicos.
Rolnik et al (1999) publicaram estudo4 sobre a regulação urbanística em
algumas cidades paulistas, no qual é afirmado que Presidente Prudente, uma das
cidades com menores receitas municipais per capita e piores condições urbanísticas,
apresenta índices de precariedade urbanística acima da média do Estado.
No ano de 2001, foi sancionada a Lei Federal nº.10.257/2001 (Estatuto da
Cidade). Não houve alteração ou revisão do Plano Diretor municipal. Apenas no início
de 2008 ocorre a aprovação do novo plano, que será tratado no próximo item.
3 As zonas especiais se caracterizam pela singularidade do uso (atual ou pretendido), devendo estar sujeitas a normas próprias, sendo classificadas de acordo com as finalidades pelas quais foram criadas: interesse urbanístico especial, aeroportuária, ensino e pesquisa, exposições, uso incômodo-nocivo-perigoso, subestação rebaixadora de energia elétrica, esportiva, cemitério, recreação e lazer (Lei n°.31/1996, artigo 19). 4 A publicação sobre o estudo apresenta três estudos de caso: Guarujá, Diadema e Jaboticabal. O capítulo inicial faz uma análise geral sobre a exclusão territorial no Estado de São Paulo.
109
4.3. Política Urbana e Habitacional pós-Estatuto da Cidade
Como colocado acima, entre a Constituição Federal de 1988 e a
aprovação do Estatuto da Cidade, Presidente Prudente instituiu um Plano Diretor em
1996. Apesar das maiores possibilidades de aplicação de instrumentos urbanísticos
para controle, planejamento e gestão das cidades apresentadas tanto na
Constituição quanto no Estatuto, essa cidade não assumiu a posição de revisão do
plano em vigor até 2006, ano limite para os municípios se adequarem à legislação
federal.
No entanto, em 12 de agosto 2003, uma nova Lei de Zoneamento de
Uso e Ocupação do Solo Urbano (Lei Complementar n°.128/2003) foi sancionada em
Presidente Prudente, revogando-se a anterior; e o município manteve a posição de
não revisar o Plano Diretor de 1996. Por meio da nova lei de uso e ocupação do solo,
dois instrumentos urbanísticos foram incluídos: o Estudo de Impacto de Vizinhança
(EIV), para maior controle do uso do espaço urbano, e a Outorga Onerosa do Direito
de Construir, possibilitando maior flexibilidade de ocupação nas áreas urbanas.
Em relação ao zoneamento (Figura 8), não podem ser verificadas
diferenças significativas em relação ao anterior, mas a nova lei deixa clara a
possibilidade de maior adensamento das áreas, restringindo a baixa densidade
apenas às ZR1 (“zona residencial de baixa densidade populacional, de ocupação
horizontal”), e explica o significado das Zonas Especiais para Habitação de Interesse
Social, ou seja, loteamentos ou conjuntos habitacionais destinados a famílias com
renda inferior a cinco salários mínimos (artigo 40).
Importante observar que as áreas onde poderiam ser implantadas as
ZEIS estão, em sua maioria, junto ao limite do perímetro urbano. Ou seja, não se
observa a preocupação pública na distribuição, localização e oferta de serviços e
equipamentos com as possíveis áreas de interesse social, nem sobre a segregação
socioespacial no território municipal.
Essa lei também inclui em seu texto a figura da Lei Complementar
Municipal n°.53/1998, que permitia a criação de ZEIS por meio da solicitação do
proprietário imobiliário (artigo 42). Em relação ao projeto de loteamento de interesse
110
social, assim como aos coeficientes de ocupação do lote, essa lei indica claramente
os parâmetros no artigo 44: área mínima do lote igual a 160m², testada mínima igual a
8m, coeficiente de aproveitamento máximo igual a 1, recuo frontal mínimo igual a 4m,
área mínima da unidade habitacional igual a 60m², entre outros aspectos.
Figura 8 – Planta de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo – 2003 (Fonte: Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação – Prefeitura Municipal de Presidente Prudente)
No ano de 2005, foi divulgada a Resolução n°.34 do Conselho Nacional
das Cidades, que estabeleceu que os Planos Diretores municipais deveriam incluir os
111
objetivos, temas prioritários e estratégias de desenvolvimento e reorganização
territorial municipais, entre outros aspectos (MORETTI, 2007).
Em 2007, com a extensão do prazo obrigatório por lei federal para
atender aos dispositivos do Estatuto da Cidade, ocorreu o processo de revisão e
discussão do Plano Diretor, tendo sido aprovado no início de 2008, por meio da Lei
Municipal n°.151/2008.
O novo Plano Diretor é subdividido em sete capítulos, e 50 artigos. O
Capítulo VI trata das políticas setoriais, sendo sua Seção VI da política habitacional,
nos artigos 21 a 23. Basicamente houve repetição dos artigos sobre essa política do
plano anterior, sendo apenas omitida a figura do Fundo Municipal de Habitação (no
artigo 23), definindo que os recursos oriundos de instrumentos como IPTU progressivo,
concessão onerosa, entre outros, “serão utilizados para atender a política
habitacional”.
O artigo 19 busca a garantia da função social da propriedade urbana
por meio de adequado aproveitamento e utilização da terra urbana, podendo ser
instituído o parcelamento ou edificação compulsórios, o direito de preempção, o
direito de superfície e a outorga onerosa do direito de construir, assim como a
manutenção do IPTU progressivo.
Da mesma maneira que o Plano de 1996, não há definição de áreas as
quais possam a vir a sofrer a imposição desses instrumentos, constando no artigo 4º.,
§1º. que “Todos os imóveis que não cumprem a sua função social ficam sujeitos ao
IPTU progressivo conforme determina o artigo 5º. da Lei Federal 10.251/2001”.
O §2º. desse mesmo artigo considera subutilizados os terrenos com área
igual ou superior a 1.000m² com ocupação inferior a 10% do total, glebas com área
igual ou superior a 10.000m², e imóvel edificado com estado de conservação que
coloque em risco a integridade da população ou salubridade pública.
No entanto, nos §§3º. e 4º. há abertura para outro instrumento, ou seja,
são passíveis de edificação compulsória, os lotes urbanos não edificados, subutilizados
ou não utilizados com área inferior a 1.000m², salvo os lotes com área de até 252m² e
única propriedade do titular. Além desse e dos instrumentos apresentados no artigo 19
112
(acima informados), não foram incluídos outros que possibilitassem maior controle dos
processos de planejamento, gestão, expansão e segregação urbanos.
A revisão do Plano Diretor, aprovado em 2008, também não faz
menção a Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), deixando esse assunto para ser
tratado na Lei Complementar Municipal n°.153, de 2008, que dispõe sobre o novo
zoneamento de uso e ocupação do solo. Ou seja, após quase doze anos da
aprovação do plano anterior, foi sancionado o novo, o qual não considera a
Resolução n°.34/2005 do Conselho Nacional das Cidades, não apresentando
objetivos, diretrizes ou estratégias de desenvolvimento, assim como não identifica
áreas passíveis de aplicação dos instrumentos urbanísticos aprovados.
A nova lei de zoneamento de uso e ocupação do solo urbano mantêm
a divisão em zonas residenciais, comerciais e de serviços, industriais, de preservação e
proteção ambiental, e especiais; mas reduzindo as subdivisões das ZR (zonas
residenciais) em apenas quatro categorias (Figura 9), sendo a ZR.3-“zona residencial
de alta densidade populacional, de interesse social e ocupação horizontal e vertical”
e a ZR.4-“zona residencial de média densidade populacional, de interesse social e
ocupação horizontal e vertical de até 02 (dois) pavimentos”.
No entanto, houve nova definição dessa lei, com inclusão de artigos
que especificam e definem com maior clareza assuntos como habitação de interesse
social, nos artigos 40 a 44. Desse modo, houve abertura legal para criação de ZEIS em
grande parte do território municipal, mas se manteve a exigência de solicitação por
parte do proprietário das terras em considerá-las como tal.
No processo de formulação e discussão do Plano Diretor municipal
deveria se pensar a política habitacional aberta à utilização de instrumentos do
Estatuto da Cidade, como a instituição de ZEIS nos vazios urbanos com infraestrutura.
Também deveria “estabelecer a elaboração de planos, sejam esses planos de
habitação municipal, de regularização urbanística e fundiária, como devem ser os
planos das ZEIS” (ROLNIK et al, 2004, p.78).
Segundo Dias (2008), a definição das ZEIS deveria ser subdividida
segundo duas tipologias básicas: em áreas ocupadas e em vazios urbanos; visando,
neste caso, a redução de expansão urbana e a garantia da função social da cidade;
113
e no primeiro, a regularização de loteamentos irregulares, a urbanização de favelas e
a remoção de população de edificações precárias.
Figura 9 - Planta de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo – 2008 (Fonte: Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação – Prefeitura Municipal de Presidente Prudente)
Ainda em 2008, outra lei também foi aprovada, Lei Municipal n°.6.717,
criando o Conselho Municipal da Habitação de Interesse Social (CMDHIS), que foi
instituído em meados de 2009. A definição de seus membros, aprovação de seu
114
estatuto e a primeira eleição de composição do quadro deliberativo, ocorreu em
outubro de 2009. No entanto, até o presente momento, não houve qualquer ação de
fato.
Em outubro de 2009, a Prefeitura Municipal promulgou nova lei (Lei
Complementar n°.169) alterando leis que compõem o Plano Diretor, entre elas, o
artigo 40 do Zoneamento (Lei n°.153/2008), permitindo a implantação de ZEIS na ZR.1
(“zona residencial de baixa densidade populacional, de ocupação horizontal”), e
revendo o zoneamento urbano.
Por meio das leis aprovadas a partir de 2008 e da planta de
zoneamento de 2009, transparece alguma preocupação do Poder Público municipal
com a população beneficiada com as áreas de interesse social; embora ainda seja
permitida a criação de ZEIS para habitação social em locais a 300m de área loteada,
desde que implantadas pelo menos três benfeitorias, dentre abastecimento de água,
coleta de esgoto, distribuição de energia elétrica, asfalto, guias e sarjetas (Lei
n°.153/2008, artigo 40).
Apesar dos instrumentos urbanísticos permitidos na Constituição Federal,
regulamentados por meio do Estatuto da Cidade, e incluídos e aprovados no Plano
Diretor Municipal de Presidente Prudente, não tem ocorrido sua utilização a contento,
resultando na falta de controle eficaz sobre o espaço urbano, ficando à mercê do
mercado privado de terras.
A implantação de habitação social na cidade de Presidente Prudente
tem se mostrado dependente das ações públicas federais e estaduais, e privadas.
Conjuntos habitacionais têm sido construídos no município sem direcionamento
municipal sobre áreas prioritárias, ou buscando diminuir vazios urbanos ou áreas
subutilizadas, reforçando assim a segregação socioespacial.
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) é programa de
construção de habitação social criado em 1999. Foram construídos cinco
empreendimentos em Presidente Prudente que serão analisados no próximo capítulo,
buscando verificar a participação efetiva do Poder Público e a atuação do setor
privado.
116
5. O PAR EM PRESIDENTE PRUDENTE – O
ESPAÇO CONSTRUÍDO E A TIPOLOGIA DO
PAR
A cidade de Presidente Prudente teve três Planos Diretores municipais,
no seu percurso histórico, os quais indicam quão o Poder Público local não aprofunda
as discussões sobre a questão habitacional, incluindo de forma bastante ampla as
políticas urbanas, e não especificando nem definindo diretrizes de localização
habitacional de interesse social. Essas deveriam embasar a implantação de conjuntos
de moradia popular, dando apoio a programas e projetos de âmbitos estadual e
federal, além de servir de referência para possíveis ações municipais voltadas à
habitação social.
A definição das áreas de ZEIS, aliada a outros instrumentos urbanísticos
regulamentados pelo Estatuto da Cidade, incluídos e aprovados no Plano Diretor
municipal, possibilitam melhor controle de planejamento e gestão urbanos. Em
Presidente Prudente, como já apresentado, não foram adequadamente
compreendidos, incluídos e identificados na legislação municipal.
117
Essas considerações são importantes na discussão e análise de
construção de moradia popular, assunto que será tratado neste capítulo por meio do
estudo de casos dos conjuntos habitacionais financiados pelo Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) do Governo Federal na cidade de Presidente
Prudente.
A política de financiamento desse programa busca a implantação dos
empreendimentos dentro da malha da cidade, utilizando vazios com toda a
infraestrutura urbana, tendo como base a política urbana municipal e as definições de
ZEIS. No entanto, na cidade estudada, podem ser observados aspectos diferenciados,
além de uma marcante tendência urbanística de condomínios fechados, também
para população de menor poder aquisitivo.
Assim, neste capítulo, serão analisados os princípios do PAR, a sua
utilização em Presidente Prudente, bem como os cinco empreendimentos; sua
localização na estrutura urbana e a relação com o entorno, a tipologia construtiva e o
papel do Poder Público municipal no processo ocorrido. Por meio das informações
discutidas, poderá ser comprovada a tese proposta sobre a ausência de políticas
urbanas inclusivas, principalmente de habitação, e a livre ação dos agentes privados
na provisão e na gestão da habitação social no município.
5.1. O Programa de Arrendamento Residencial (PAR): uma
forma de agenciamento da habitação
Em 1998, Fernando Henrique Cardoso foi reeleito como Presidente da
República, para o quadriênio 1999-2002. A Política Nacional de Habitação (PNH) em
vigor à época apresentava alguns aspectos básicos, como o foco ao atendimento
das camadas populacionais de baixa renda e a busca pelo aumento do controle
social na gestão dos programas federais de habitação. Esse governo também
buscava a descentralização da execução de programas de habitação, saneamento
e infraestrutura, atentando às diferenças regionais da sociedade e suas demandas.
118
Nessa perspectiva, foi criado o Programa de Arrendamento Residencial
(PAR), para financiamento habitacional para população com renda de até seis
salários mínimos; como resposta ao não atendimento da população de menor renda
nos demais programas implementados até então. A principal diferença do PAR
consistia na não aquisição direta do imóvel, por meio da figura do arrendamento, em
que o arrendatário tem a opção de compra após transcorrido tempo1 de residência
no imóvel.
Segundo a Caixa Econômica Federal (2008-b), a constatação de
grande déficit residencial para população de baixa renda, na faixa de até seis salários
mínimos, nos centros urbanos, com comprometimento de maior percentual da renda
para pagamento de aluguel, juntamente com a verificação de que 65% dos
ocupantes dos imóveis financiados por esse banco para população de baixa renda
não eram os adquirentes originais, levou a se pensar em novo programa de moradias.
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) foi instituído em 1999
por meio da Medida Provisória n°.1.823. Segundo seu artigo 1º., o programa visa
exclusivamente ao atendimento da necessidade de moradia para população de
baixa renda, por meio de arrendamento do imóvel, com possibilidade de compra
após transcorrido determinado prazo de residência. Institui também a Caixa
Econômica Federal (CAIXA) como seu agente gestor.
Para financiamento do programa, o Governo Federal (artigo 2º., MP
1.823/1999) autorizou a CAIXA a criar um fundo financeiro, o Fundo de Arrendamento
Residencial (FAR), separando completamente os haveres patrimoniais, contábeis e
imobiliários do banco e do programa. Passou-se para o FAR os saldos disponíveis do
Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), do Fundo de Investimento Social
(FINSOCIAL), do Programa de Difusão Tecnológica para Construção de Habitação de
Baixo Custo (PROTECH) e do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), em extinção.
Em fevereiro de 2001, a Medida Provisória n°.1.823/1999 foi transformada
na Lei n°.10.188 pelo Congresso Nacional, sem alterações.
1 O tempo necessário de residência para possibilidade de quitação ou transferência de titularidade do imóvel residencial variou durante a existência do programa, por meio da legislação específica: 180 meses, segundo redação original, alterada para 60 meses em 2004, e com possibilidade de compra sem prévio arrendamento, conforme Lei n°.11.474/07
119
O PAR pode apresentar diversas modalidades de empreendimentos,
mas visa exclusivamente a promover unidades residenciais em grandes centros
urbanos2, para arrendamento com prazo de quinze (15) anos3.
Os projetos dos empreendimentos podem ser horizontais ou verticais;
adquiridos na planta, em construção, concluídos ou para reforma; em forma de
condomínio ou loteamento. Segundo a CAIXA (Ibidem), deveria ser dada a
preferência, originalmente, para implantação de empreendimentos inseridos na
malha urbana na tentativa de ocupação de vazios urbanos, em áreas com
urbanização sedimentada, com obrigatoriedade de infraestrutura mínima (vias de
acesso, abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta de lixo sólido,
rede de energia elétrica, transporte urbano público).
São vários os agentes participantes do Programa de Arrendamento
Residencial: a Caixa Econômica Federal como executor (operacionalização), o
Governo Federal como gestor, além de outros entes públicos e privados.
O envolvimento dos Poderes Públicos estaduais e municipais é firmado
por meio de convênios assinados com a Caixa Econômica Federal, visando a
assegurar sua colaboração, facilitando a implementação dos projetos, e
eventualmente indicando áreas priorizadas para sua implantação, além de isenção
de impostos, e fornecimento de informações sobre demanda.
A definição de prioridades para implantação do programa deve ser
feita pelo Poder Público municipal, baseado no Plano Diretor aprovado, segundo as
áreas caracterizadas como prioritárias ou zonas de interesse social (ZEIS). Ou seja, a
relação com a política urbana local é essencial, e essa deve assegurar quais as áreas
prioritárias para a implantação de habitação de baixa renda, nesta e em outras
modalidades, como vínculo com a política de distribuição e inclusão urbana.
A elaboração dos projetos, aprovação nos órgãos competentes,
inclusive a CAIXA, além da execução da construção são funções das construtoras
contratadas. O público-alvo são pessoas físicas, habilitadas ao arrendamento de
2 Segundo a Caixa Econômica Federal (2008-a, p.6) a abrangência do programa são as “Capitais e Regiões Metropolitanas, e os municípios com população urbana com mais de 100 mil habitantes”, considerados de grande porte. 3 Houve alteração do prazo de compra em 2004, para 60 meses.
120
imóvel, com rendimentos mensais familiares na faixa determinada pelo governo,
podendo variar segundo o município de residência, tornando-se arrendatário.
Juntamente com esses, participam de todo o processo empresas no
ramo da administração imobiliária, contratadas para administrar os contratos de
arrendamento, os imóveis e os condomínios, quando for o caso; e pessoa jurídica
credenciada para trabalho técnico com acompanhamento social das famílias.
Novos empreendimentos são condicionados pela identificação de
interessados na contratação de arrendamento pelo Poder Público local, cuja seleção
corre a critério da CAIXA, com antecedência de 180 dias da previsão de término da
obra, para ocupação imediata após sua conclusão.
A normatização do PAR, por meio da CAIXA, apresenta padrão mínimo
de acabamento das unidades (Anexo I), com habitações de 2 dormitórios e área útil
mínima de 37m². A exceção reside nos casos em que se trata de recuperação de
empreendimentos, de requalificação urbana ou de sítios históricos. Apesar da
tipologia e acabamentos mínimos padronizados, há definição de valores máximos de
aquisição das unidades (Anexo II), e a taxa de arrendamento era de 0,7% do valor.
Verificam-se dois valores de aquisição à moradia do PAR –
“especificação padrão” e “especificação mínima”. Sua diferenciação baseia-se no
público destinatário como arrendatário, sendo que, originalmente, o primeiro era para
renda de até 6 salários mínimos4, ou 8, se militares, policiais ou profissionais da
segurança pública, conhecido como PAR 1; e o segundo para renda de até 4 salários
mínimos5, PAR 26.
Independente da tipologia arquitetônica ou do padrão/valor do imóvel,
é determinado que a quantidade de unidades por empreendimentos não deva
ultrapassar 160, com o número máximo de 500 unidades em um raio de 2km. Os limites
deviam-se a: (1º.) incentivar conjuntos dentro da malha urbana, principalmente na
ocupação de vazios urbanos; (2º.) facilitar a administração dos conjuntos.
4 Referente a R$816,00 em 1999, à época da criação do programa. 5 Referente a R$544,00 em 1999, quando da criação do programa. 6 Os valores originais foram alterados durante o governo Luis Inácio Lula da Silva.
121
A partir de 2003, com a mudança de Governo Federal (primeiro
mandato de Luis Inácio Lula da Silva) e a criação do Ministério das Cidades
(MCidades), que incorporou as atividades relacionadas ao setor habitacional, a
gestão do PAR passa a esse Ministério (Lei n°.10.859/2004), ocorrendo alterações nesse
programa.
Com a aprovação dessa lei, passa a ser permitido ao PAR contratar
operações de crédito com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), em
condições fixadas pelo Conselho Curador do FGTS, até limite fixado pelo Poder
Executivo; além de receber outros recursos.
A Lei n°.10.859/2004 também deu competência ao Ministério das
Cidades de fixar ou alterar regras para implementação do programa, como público-
alvo, valor máximo da unidade habitacional e prazo de opção de compra, que desde
junho de 2008, passou de 15 anos para aquisição a partir do 60°. mês de
arrendamento.
Bonates (2008, p.160-161) afirma que
[...] depois do governo Lula e das alterações legislativas do programa, o perfil de produção do PAR vem mudando: de conjuntos predominantemente formados por blocos de edifícios localizados na malha urbana, para conjuntos formados por unidades unifamiliares localizados fora da malha urbana. [...] verifica-se uma tendência no sentido de maior atendimento do programa à população de renda mais baixa, o que implica uma mudança na forma de produção, pois o PAR está buscando terras mais baratas, localizadas, em geral, nas franjas da malha urbana ou até mesmo fora desta [...].
Isso poderia ser parcialmente explicado pela exigência de aplicação
de 50% dos recursos do FAR em projetos destinados ao atendimento de famílias com
renda de até (aproximadamente) 4 salários mínimos, ou seja, na modalidade PAR 2
(MINISTÉRIO DAS CIDADES. PORTARIA N°.142/2005).
Em 2008, nova Portaria foi assinada (MINISTÉRIO DAS CIDADES. PORTARIA
N°.258/2008), alterando algumas diretrizes gerais do PAR, como a fixação da renda
familiar mensal em moeda corrente, para R$2.200,00 (aproximadamente 5,3 salários
mínimos à época da aprovação) para o PAR 1, e taxa de arrendamento mensal para
0,8% do valor de aquisição da unidade; e R$1.500,00 (aproximadamente 3,6 salários)
para o PAR 2, com taxa de arrendamento de 0,6%.
122
No entanto, apesar da alteração na tendência dos locais de
implantação dos empreendimentos, o PAR ainda proporciona nova forma de acesso
à moradia para população de mais baixa renda, em locais com infraestrutura e
melhor padrão da construção, diferindo (teoricamente) dos empreendimentos de
habitação social do BNH, que reforçavam a expansão urbana.
Em março de 2009, o Governo Federal lançou o ‘Programa Minha Casa
Minha Vida’ (PMCMV), buscando incentivar a produção e a aquisição de unidades
habitacionais voltadas a famílias com renda de até dez (10) salários mínimos. Isso fez
com que o PAR fosse deixado em segundo plano.
Entre os anos de 2003 e 2006, no município de Presidente Prudente,
cinco (5) empreendimentos foram aprovados e construídos nos moldes do PAR, com
características distintas, para os dois patamares de renda estipulados pelo programa:
PAR 1 (para renda de até seis salários mínimos) e PAR 2 (para renda de até três
salários).
5.2. Presidente Prudente e o Programa de Arrendamento
Residencial
Conforme já colocado, o Programa de Arrendamento Residencial foi
criado pelo Governo Federal em 1999, para financiamento de habitação social em
cidades com população superior a 100 mil habitantes, visando a fixação das famílias
beneficiadas no imóvel adquirido pelo prazo mínimo de arrendamento.
Em Presidente Prudente, entre os anos de 2003 e 2006, cinco
empreendimentos foram executados, em diversos setores da cidade, segundo
tipologias construtivas diferenciadas, e implantação na malha ou na franja urbanas de
formas diversas.
Em 2001, foi aprovada lei municipal (Lei n°.5.647/01) permitindo a
assinatura de convênio entre a Prefeitura Municipal e a Caixa Econômica Federal,
123
com o objetivo de agilização dos processos de aprovação dos empreendimentos do
PAR junto à Secretaria de Planejamento, para sua implementação.
No entanto, conforme a normatização do PAR, cabe às Prefeituras a
indicação de regiões prioritárias à implantação de habitação social, por meio de
estudos de expansão urbana e déficit habitacional, de modo a incentivar a
implantação de conjuntos menos excludentes e segregadores, assim como o
cadastramento e triagem das famílias que poderiam ser beneficiadas. Aspectos que
não ocorreram adequadamente em Presidente Prudente.
Como já destacado no capítulo anterior, nessa cidade, as zonas
especiais para habitação de interesse social estão a critério do proprietário de terras
urbanas para a solicitação de sua definição como ZEIS. A Prefeitura não se envolve na
definição de áreas ou regiões prioritárias, assim como não possui informação
atualizada do déficit habitacional por regiões ou urbano, nem foi a responsável pelo
cadastramento e triagem das famílias candidatas ao arrendamento, no caso dos
empreendimento do PAR.
A busca pelo programa nessa cidade foi iniciada por agentes privados
(construtoras, imobiliárias e proprietários de terras), interessados em investir no
mercado de habitação social, conforme entrevista com proprietário de imobiliária na
cidade, Sr. Eduardo Tannus7, um dos agentes privados que se envolveram no processo.
Segundo o entrevistado, ele buscava investir na construção de
habitação para financiamento por meio da ‘Carta de Crédito Associativo’, do
Governo Federal. No entanto, não alcançou sucesso no cadastramento de
interessados devido à renda mínima exigida para o programa, apresentando pequeno
número de famílias com capacidade financeira. Assim, ele foi buscar novos programas
da Caixa Econômica Federal, em 2003.
O entrevistado informou que a Representação de Apoio ao
Desenvolvimento Urbano (REDUR) da Caixa Econômica Federal de Presidente
Prudente não tinha conhecimento e envolvimento suficientes para dar informações
adequadas quanto aos tipos de financiamentos diretos às construtoras, para
7 Sr. Eduardo Jorge Tannus – proprietário da Imobiliária Tannus em Presidente Prudente, concedeu entrevista à autora no dia 07 de julho de 2010.
124
construção de habitação social; fato que o fez deslocar-se para buscar informações
em Brasília.
Entretanto, a lei municipal que autoriza a Prefeitura Municipal a firmar
convênio com a CAIXA, com objetivo da implementação e desenvolvimento do PAR
data de novembro de 2001 (Lei Municipal n°.5.647/2001).
Por intermédio desse agente, a construtora Embras8, de Marília-SP,
assumiu o projeto, sua aprovação e a construção do primeiro empreendimento do
Programa de Arrendamento Residencial (PAR) em Presidente Prudente: Conjunto
Residencial Bela Vista, em novembro de 2003. Conforme Cartilha do PAR (CAIXA, 2008-
b), tanto o projeto como a execução dos empreendimentos ficam a cargo de
construtoras privadas, sendo fiscalizadas pelos padrões mínimos construtivos.
Foram mais quatro empreendimentos construídos, a partir de então,
Conjunto Residencial Atalaia (dez.2003), Conjunto Residencial Laura (dez.2003),
Conjunto Residencial Esmeralda (set.2004) e Conjunto Residencial Monte Carlo
(out.2006). Entre as construtoras envolvidas, apenas o Monte Carlo foi executado por
empresa da cidade (Constrinvest).
A distribuição espacial na malha urbana está baseada na
disponibilidade de áreas privadas, sem relação com déficit habitacional setorizado,
disponibilidade de serviços e/ou equipamentos urbanos, ou outro levantamento
elaborado. Assim como a faixa de financiamento liberada, relacionada ao padrão de
acabamento da obra, não foi definida por carência de habitação no referido
patamar, e sim por disponibilidade de liberação de verba do banco financiador
(CAIXA), informou o agente em entrevista.
A Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, nos processos do PAR,
participou apenas com aprovação dos projetos junto à Secretaria de Planejamento, e
colaborou com parte dos cadastramentos de interessados, mas não apresenta
controle dos empreendimentos executados nem das famílias envolvidas. A localização
dos empreendimentos encontra-se indicada na Figura 10.
8 Embras – Empresa Brasileira de Obras e Serviços Ltda.
125
Figura 10 - Identificação dos conjuntos habitacionais financiados pelo PAR (Fonte: Prefeitura Municipal de
Presidente Prudente - 2006)
Os conjuntos habitacionais executados diferem quanto à tipologia
construtiva, área de implantação, quantidade de famílias beneficiadas, valores de
financiamento, e relação com a estrutura urbana. Verifica-se na tabela abaixo um
resumo das características desses empreendimentos (Quadro 2).
Quadro 2 - Conjuntos Habitacionais financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR)
Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente – elaborado pela autora, 2010
A reprodução das características de implantação da habitação social
em áreas distantes na malha urbana se mantém nos conjuntos do PAR, embora
126
aparentemente pode-se levantar a questão de que, em todos os conjuntos, foram
considerados acesso, serviços e equipamentos públicos, e infraestrutura urbana nas
definições de gleba, assunto a ser discutido a seguir
5.3. A localização dos empreendimentos e a legislação
urbanística vigente
O primeiro empreendimento com financiamento do PAR construído em
Presidente Prudente foi o Residencial Bela Vista, em 2003.
Em 1996, foi aprovado o primeiro Plano Diretor municipal em Presidente
Prudente, nos moldes da política urbana da nova Constituição Federal, embora o
Estatuto da Cidade ainda não tivesse sido sancionado.
Nesse plano, constam diretrizes gerais de ação pública no âmbito das
políticas habitacionais, entre elas, a reurbanização de favelas, a regularização
fundiária de ocupação irregular, a remoção de população de áreas de risco, o
programa de lotes urbanizados, a construção de conjuntos habitacionais de interesse
social, a implantação de programas de mutirões, a criação de formas de
financiamentos, cesta básica de materiais de construção, a assistência técnica do
município, e estoque de áreas para fins habitacionais.
Em relação à construção de conjuntos habitacionais, não houve
definição de áreas prioritárias ou especiais para habitação social; sua localização
ficou a cargo da iniciativa privada fazer solicitação formal à Secretaria de
Planejamento, a partir de 1998 (Lei n°.53/1998), quando inserida nas zonas ZR.3 (zona
residencial de baixa densidade populacional, de interesse social e ocupação
horizontal) ou ZR.4 (zona residencial de média densidade populacional, de interesse
social e ocupação horizontal).
Nas leis de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo Urbano aprovadas
em 2003 (Lei n°.128/2003) e em 2008 (Lei n°.153/2008), foi mantida a questão de
proposta de definição de áreas urbanas em ZEIS aos proprietários imobiliários.
127
Em 2001, foi aprovada lei que autorizava a Prefeitura Municipal firmar
convênio com a Caixa Econômica Federal, objetivando facilitar e simplificar os
trâmites legais para aprovação dos projetos de habitação social do PAR (Lei
n°.5.647/2001).
Em 2003, por intermédio de imobiliária9 da cidade, foram cadastrados
os primeiros interessados em aquisição de imóvel pelo PAR, assim como aprovação do
primeiro empreendimento.
Devido à falta de identificação das áreas mais adequadas para
localização de conjuntos habitacionais na estrutura urbana, à ausência de definição
de ZEIS, à carência de cruzamento de informações sobre oferta e necessidade de
equipamentos e serviços públicos nas regiões urbanas, a escolha das áreas para a
implantação dos empreendimentos deveu-se às empresas (construtoras,
incorporadores, imobiliárias) envolvidas, segundo áreas disponíveis e economicamente
viáveis.
As localizações dos empreendimentos diferem entre si, incluindo áreas
na zona leste (Itapura), zona norte (Jabaquara), zona sul (Mário Amato e Monte Carlo)
e região noroeste (Bela Vista), na franja urbana e na ocupação de vazio urbano (zona
norte – Conjunto Residencial Atalaia).
As zonas de uso também são diferentes entre as áreas de implantação
dos conjuntos, considerando a lei em vigor quando da aprovação dos mesmos, e
verifica-se que eles foram aprovados nas seguintes zonas: ZR1 (‘zona residencial de
baixa densidade populacional, de ocupação horizontal’), ZR2 (‘zona residencial de
média densidade populacional, de ocupação horizontal e vertical até 2 pavimentos’)
e ZR4 (‘zona residencial de média densidade populacional de interesse social, e
ocupação horizontal e vertical até 2 pavimentos’), não seguindo todos os índices
dessas zonas, pois um dos conjuntos verticais está localizado na ZR1 e o outro, na ZR2
(Figura 11).
9 Imobiliária Tannus
128
Figura 11 – Zoneamento em vigor em Presidente Prudente à época das aprovações dos conjuntos habitacionais financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal
(Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente – organizado pela autora, 2010)
Segundo a Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo vigente (Lei
Complementar n°.128/2003), apenas os conjuntos residenciais Bela Vista e Esmeralda
foram implantados em zona de uso permitido (ZR4). À época de aprovação desses
empreendimentos, era proibida a aprovação e execução de empreendimento de
habitação de interesse social em ZR1, local de implantação do Conjunto Residencial
Atalaia. Nesse caso, como já citado acima, com o agravante de ser conjunto vertical
em área de ocupação horizontal de baixa densidade.
O Conjunto Residencial Laura apresenta onze edifícios com quatro
pavimentos cada, e foi implantado em zona de ocupação de até 2 pavimentos,
excedendo a ocupação permitida. No entanto, tanto o Residencial Laura como o
Monte Carlo não apresentam problemas quanto à sua implantação fora de zona
residencial de população de interesse social (ZR3 e ZR4). Segundo a legislação
municipal, consideram-se loteamentos ou conjuntos habitacionais de interesse social
quando destinados à famílias com renda menor ou igual a cinco salários mínimos (Lei
129
n°.128/2003, artigo 40), e esses empreendimentos foram destinados a famílias com
renda de até seis salários.
O Conjunto Residencial Monte Carlo é loteamento urbano aberto, e
segue os parâmetros e índices urbanísticos definidos em lei. Os residenciais Bela Vista e
Esmeralda, apesar de serem conjuntos fechados, também apresentam respeito aos
índices definidos para a ZR4.
No próximo item, serão apresentados esses conjuntos habitacionais de
maneira mais detalhada, focando seu projeto e implantação, sua localização na
malha urbana e sua relação com seu entorno.
5.4. Estudo de casos
A compreensão da recente produção da habitação de interesse social
no espaço urbano de Presidente Prudente é foco desta pesquisa; objetivando
contribuir para uma análise crítica sobre a produção da habitação de baixa renda
em cidades médias, particularmente aquelas implementadas pela iniciativa privada.
Castro (2006) afirma que devido à ausência de uma teoria urbana ou
de planejamento consolidadas, existe certa dificuldade de análise e de comprovação
das hipóteses sobre processos urbanos, exigindo, nas pesquisas, a atuação em uma
área multidisciplinar, que trata de processos sociais (história, sociologia, economia,
demografia, ciências políticas) e de formas espaciais (geografia, planejamento,
urbanismo, arquitetura, engenharias).
Nesta pesquisa, os casos analisados buscam proporcionar subsídios para
elaboração de quadro analítico adequado, visando à discussão sobre o papel do
mercado imobiliário prudentino na produção do espaço urbano para população de
baixa renda, sobre a ação do Poder Público municipal no âmbito de políticas públicas
urbana e habitacional, e suas consequências em relação à segregação socioespacial
urbana.
130
Como estudo de caso, foca-se na construção da habitação social por
agentes privados, por meio de cinco empreendimentos executados com
financiamento do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica
Federal. As análises desses objetos devem ser realizadas por meio de observações
claras do seu contexto social, político e espacial.
Segundo Campbell (2003, apud CASTRO, 2006), o estudo de caso na
área de planejamento urbano apresenta caráter excepcional, possibilitando
identificação e exame de elementos e processos ausentes ou parcialmente
desenvolvidos em outros locais; e, quando comparado aos casos mais típicos,
contribui para melhor compreensão da tipicidade, visto que há ação dos mesmos
processos e regras de caráter geral, que agem na formação social.
É tomada como base a metodologia de Castro (Ibidem) para a análise
de estudo de caso na comprovação da hipótese da pesquisa, na qual cada caso
seria tratado como específico dentro do contexto geral; coincidentemente também
analisando cinco elementos, no âmbito dos empreendimentos do PAR aprovados e
executados em Presidente Prudente-SP.
A base do estudo seria a aplicação de um conjunto de procedimentos
que possibilitariam a análise individual e em conjunto, e que permitissem ser
reproduzidos para comparações em processos análogos, em outros locais ou períodos.
Assim sendo, a metodologia empregada busca examinar para cada caso: o
momento de aprovação na Prefeitura Municipal, a legislação municipal e as diretrizes
do programa, a participação da Caixa Econômica Federal no processo, as empresas
de incorporação e construção, o público alvo, a tipologia construtiva, o local de
implantação na malha urbana, a inserção do empreendimento na estrutura urbana, e
a participação do Poder Público local no processo.
Ressalta-se que não foi possível entrevistar os moradores dos conjuntos
devido à falta de autorização por parte da administradora - Terralis Imóveis – e da
Caixa Econômica Federal.
Nos próximos itens serão descritos os cinco conjuntos habitacionais
construídos em Presidente Prudente por meio do financiamento do Programa de
Arrendamento Residencial (PAR), da Caixa Econômica Federal.
131
5.4.1. Residencial Bela Vista
O Conjunto Residencial Bela Vista foi o primeiro empreendimento
construído com financiamento do PAR em Presidente Prudente. Segundo
documentação de aprovação do projeto junto à Prefeitura Municipal – Secretaria de
Planejamento, foi proposto pela construtora Embras, em 2003, cujo termo de
aprovação foi expedido em 17 de setembro de 2003. O conjunto está localizado na
região norte da malha urbana (Figura 12).
Essa é uma região, segundo levantamento da Prefeitura em 199410, com
concentração de população de baixa renda, em sua maioria, com renda de até
cinco salários mínimos. Neste aspecto, condizente com o programa, mas espaço
nitidamente segregado.
O conjunto foi implantado em área de zoneamento ZR4 (‘zona
residencial de média densidade populacional de interesse social, e ocupação
horizontal e vertical até 2 pavimentos’). Encontra-se na franja urbana, distando
aproximadamente seis quilômetros (6 km) do centro da cidade (Figura 13). Seu
entorno próximo é formado por áreas não urbanizadas (Figura 14). Outra característica
relevante é que o conjunto foi projetado e executado como condomínio fechado
(Figura 15), sendo a única via de acesso ao empreendimento a Rua José Quirino da
Silva, que se torna a Estrada Municipal Dona Santa.
É classificado como PAR 1, voltado a população com renda familiar de
até seis salários mínimos (referente a R$1.440,00 na data de aprovação do projeto).
Para tal, segundo a CAIXA (2008-b), seu nível construtivo e de acabamento são
normatizados, mantendo-se padrão mínimo.
10 Segundo planta de levantamento de faixas de renda executada pela Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, em 1994, durante o processo de elaboração do Plano Diretor da cidade, que foi sancionado em 1996.
132
Figura 12 - Localização do Conjunto Residencial Bela Vista na malha urbana de Presidente Prudente (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente – organizado pela autora, 2010)
Figura 13 - Localização do conjunto Residencial Bela Vista - zoneamento de uso e ocupação do solo (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente)
133
Figura 14 - - Imagem do Conjunto Residencial Bela Vista e seu entorno próximo (Fonte: Google Maps, acesso em 15 nov 2010)
Figura 15 - Entrada do Conjunto Residencial Bela Vista - acesso por portaria (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
Vários agentes participaram do processo de elaboração do projeto,
catalogação de interessados, definição dos arrendatários, administração do conjunto,
entre outros passos, conforme segue.
A. Incorporação
A Imobiliária Tannus foi a responsável pela viabilização do
empreendimento, agindo como incorporadora. Essa empresa foi a responsável em
134
viabilizar o financiamento junto à Caixa Econômica Federal, além de administrar o
contato, as etapas do processo e sua agilidade, junto aos outros agentes envolvidos.
O proprietário da imobiliária já possuía a gleba.
B. Prefeitura Municipal de Presidente Prudente
A Prefeitura Municipal em parceria com a Imobiliária Tannus efetuaram
o cadastramento dos interessados em adquirir um imóvel pelo PAR, a imobiliária em
postos em áreas públicas, e a Prefeitura, quando os interessados se dirigiam à
Secretaria de Habitação. Também elaboraram juntos as análises cadastrais,
identificação dos habilitados ao programa, e elaboração de seus processos. Chegou-
se ao número de 2 mil inscritos.
Não houve a definição pela Prefeitura Municipal de locais prioritários
para a implantação do conjunto habitacional. A aprovação do projeto do
empreendimento foi agilizada, com diminuição dos trâmites de processo devido a
sanção de lei municipal em 2001 (Lei Municipal N°.5.647/2001).
C. Agente Financiador
A participação da Caixa Econômica Federal, por meio da REDUR11-
Presidente Prudente e de sua Agência Presidente Prudente, se fez pela seleção dos
beneficiados por sorteio, entre as fichas dos habilitados, a assinatura dos contratos, a
aprovação do projeto, segundo padrões e características definidas pela própria
CAIXA, e a liberação da verba de construção diretamente para a construtora.
D. Construtora
A construtora Embras (Empresa Brasileira de Obras e Serviços Ltda),
contratada pela Imobiliária Tanus, assumiu o projeto do conjunto e sua aprovação
junto à Caixa Econômica Federal e à Secretaria de Planejamento da Prefeitura
Municipal de Presidente Prudente.
11 REDUR – Representação de Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica Federal, responde à GIDUR – Gerência de Desenvolvimento Urbano
135
E. Administração do Condomínio
A administração do condomínio, desde a entrega aos arrendatários, é
feita por imobiliária terceirizada, cadastrada pela CAIXA, sem previsão de prazo de
trabalho, diversa aos agentes envolvidos no processo de elaboração e execução do
conjunto – Terralis Imóveis, com sede em Piraquara, no Paraná. Esta empresa não
permitiu qualquer contato com os moradores dos condomínios em sua
responsabilidade.
Além dos agentes informados acima, regularmente envolvidos no
processo de elaboração, aprovação, execução e administração do conjunto
habitacional – Prefeitura Municipal, Caixa Econômica Federal, arrendatários e
empresa de administração imobiliária, assim como a Imobiliária Tannus, houve a
participação de assistente social cadastrada para acompanhamento das famílias em
período inicial após a entrega das unidades às famílias.
Apesar da participação efetiva da Imobiliária Tannus em todo o
processo desse empreendimento do PAR, a Caixa Econômica Federal não declara
envolvimento de agentes não identificados na Cartilha do PAR (CAIXA, 2008-b).
A proposta do empreendimento partiu da iniciativa privada, sem
levantamento oficial de déficit habitacional local ou municipal. Segundo informação
apresentada pela Imobiliária Tannus, haveria um déficit na cidade de 6 mil unidades
em 2003.
TIPOLOGIA DO CONJUNTO
Esse conjunto habitacional apresenta como tipologia: casas
unifamiliares, térreas, padronizadas, com implantação centralizada no lote, conforme
implantação abaixo (Figura 16). Segundo os índices da zona ZR4, da lei aprovada em
2003, o tamanho mínimo do lote seria 160m², testada mínima de 8m, recuo frontal
mínimo de 4m, com recuos laterais e de fundos facultados por ser edificação térrea.
136
Importante verificar que, apesar das normas do PAR indicarem
explicitamente que os empreendimentos não poderiam ter mais que 160 unidades, no
caso do Bela Vista, houve a aprovação e construção de 199 casas.
O empreendimento apresenta área total de 53.701,15m², das quais,
12.404,47m² são referentes ao sistema viário e 8.195,13m² são de área verde e
institucional. Verifica-se uma densidade populacional bruta de 147,8hab/ha.
As casas apresentam área de 48,85m² cada, com sala, cozinha,
banheiro, dois dormitórios, e tanque externo (Figura 17), em um lote de 166,34m²,
segundo consta no processo de aprovação do projeto arquivado na Secretaria de
Planejamento da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente.
Figura 16 - Implantação do Conjunto Residencial Bela Vista (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Camila Nosaki, 2009)
Figura 17 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Bela Vista (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Camila Nosaki, 2009)
Apesar de não se poder fazer alterações nas unidades habitacionais,
quase a totalidade dos arrendatários modifica as casas que têm posse, como pode
ser verificado pelas fotos do empreendimento (Figura 18 e Figura 19).
137
Figura 18 - Área interna do Conjunto Residencial Bela Vista - construção de muros e alteração das fachadas (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
Figura 19 - Área interna do Conjunto Residencial Bela Vista - construção de muros e alteração das fachadas (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO ENTORNO
A região do Conjunto Residencial Bela Vista apresenta infraestrutura
instalada; com oferta de uma linha de ônibus urbano, fazendo a ligação do local com
bairros próximos e com o centro urbano. Há oferta de escolas municipais de ensino
infantil e fundamental, e de posto de saúde (USF) nas proximidades do Residencial
Bela Vista, distando entre dois e três quilômetros (2 a 3 km), cada serviço público
(Figura 20).
Há comércio local nos bairros próximos; no entanto, a questão de
acessibilidade e mobilidade a pé é bastante dificultada pelos vazios e distância entre
os loteamentos. Especificamente em relação ao conjunto Bela Vista, por ser
condomínio fechado (Figura 21), também restringe a circulação de seus habitantes,
aumentando as distâncias a serem percorridas.
138
Figura 20 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Bela Vista (Fonte: Secretarias de Planejamento e de Assuntos Viários – PMPP – organizado pela autora, 2010)
Figura 21 - Acesso ao Conjunto Residencial Bela Vista - Rua José Quirino da Silva - Estrada Municipal Dona Santa (Fonte: autora, 22 nov 2010)
Verifica-se que a aprovação de loteamentos e conjuntos habitacionais
de interesse social nas áreas periféricas tem ocasionado aumento de custos de
implantação de serviços públicos. Como já afirmado acima, a região norte concentra
grande número de famílias de baixo poder aquisitivo, com forte segregação
socioespacial urbana.
139
5.4.2. Residencial Atalaia
O processo para aprovação do projeto do Conjunto Residencial Atalaia
foi protocolado na Prefeitura Municipal de Presidente Prudente no dia 09 de dezembro
de 2003, tendo sido emitido o termo de aprovação em 18 de dezembro do mesmo
ano, segundo consta no processo arquivado na Secretaria de Planejamento. Foi
proposto pela Menin Engenharia Ltda, de Marília. O conjunto está localizado na região
norte da malha urbana (Figura 22).
Figura 22 - Localização do Conjunto Residencial Atalaia na malha urbana de Presidente Prudente (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente – organizado pela autora, 2010)
Foi implantado em vazio urbano, distando aproximadamente três
quilômetros (3 km) do centro da cidade. Seu entorno próximo é formado por áreas
urbanizadas, ocupadas, principalmente por residência, constando, no entanto,
também áreas não urbanizadas e parque urbano (Parque do Furquim). Esse
empreendimento também foi projetado e executado como condomínio fechado,
mas de edifício verticais (com quatro pavimentos cada) (Figura 23).
140
Também é classificado como PAR 1, voltado à população com renda
familiar de até seis salários mínimos (referente a R$1.440,00 na data de aprovação do
projeto). Esse conjunto habitacional foi construído em área de zoneamento ZR1 (‘zona
residencial de baixa densidade populacional, de ocupação horizontal’) (Figura 24).
Figura 23 - Imagem do Conjunto Residencial Atalaia e seu entorno próximo (Fonte: Google Maps, acesso em 15 nov 2010)
Figura 24 - Localização do conjunto Residencial Atalaia - zoneamento de uso e ocupação do solo (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente)
Os agentes que participaram do processo de elaboração e aprovação
do projeto, definição dos beneficiados, e construção do empreendimento, são:
A. Incorporação
A própria construtora.
141
B. Prefeitura Municipal de Presidente Prudente
Não participou diretamente, visto que já havia entregue à CAIXA os
processos dos interessados inscritos e habilitados, quando do cadastramento para o
conjunto Bela Vista. Também não houve qualquer definição pela Prefeitura sobre os
locais prioritários para a implantação do conjunto habitacional. A aprovação do
projeto do empreendimento foi agilizada, tendo sido aprovado o empreendimento
vertical em zona de uso horizontal e baixa densidade populacional.
C. Agente Financiador
A participação da Caixa Econômica Federal, por meio da REDUR-
Presidente Prudente e de sua Agência Presidente Prudente, também se restringiu à
seleção dos beneficiados por sorteio, entre as fichas dos habilitados, a assinatura dos
contratos, a aprovação do projeto, segundo padrões e características definidas pela
própria CAIXA, e a liberação da verba de construção diretamente para a construtora.
D. Construtora
A construtora Menin Engenharia Ltda elaborou o projeto do conjunto e
sua aprovação junto à Caixa Econômica Federal e à Secretaria de Planejamento da
Prefeitura Municipal de Presidente Prudente.
E. Administração do Condomínio
A administração do condomínio, desde a entrega aos arrendatários, é
feita por imobiliária terceirizada, cadastrada pela CAIXA, sem previsão de prazo de
trabalho, diversa aos agentes envolvidos no processo de elaboração e execução do
conjunto – Terralis Imóveis, com sede em Piraquara, no Paraná. Esta empresa não
permitiu qualquer contato com os moradores dos condomínios em sua
responsabilidade.
TIPOLOGIA DO CONJUNTO
Esse conjunto habitacional apresenta como tipologia: unidades
habitacionais em edifício vertical (Figura 25), com quatro pavimentos e quatro
unidades por pavimento, num total de 16 unidades por edifício, tendo sido
142
implantados onze edifícios padronizados, vericando-se a existência de 176
residências12, conforme implantação abaixo (Figura 26). A área de cada unidade
residencial é de 44,51m², com sala, cozinha, área de serviço, banheiro e dois
dormitórios (Figura 27).
Figura 25 - Conjunto Residencial Atalaia - entrada do condomínio (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
Figura 26- Implantação do Conjunto Residencial Atalaia (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Mayara Albano, 2009)
12 Número acima do permitido segundo as normas do PAR – 160 unidades.
143
Figura 27 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Atalaia (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Mayara Albano, 2009)
Segundo os índices da zona ZR1, da lei aprovada em 2003, a taxa de
ocupação máxima é 50%, o coeficiente de aproveitamento máximo é igual a 1, o
gabarito de altura máximo é 2. O empreendimento apresenta área total de
11.356,37m², das quais, 2.081,36m² são relativos à soma das áreas dos edifícios, sendo
taxa de ocupação igual a 18,33% e coeficiente de aproveitamento real igual a 0,73. A
densidade populacional bruta é de 619,9hab/ha.
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO ENTORNO
A região do Conjunto Residencial Atalaia apresenta infraestrutura
instalada; com oferta de linhas de ônibus urbano, fazendo a ligação do local com
bairros próximos e com o centro urbano. Há oferta de escolas municipais de ensino
infantil e fundamental, e de posto de saúde, tanto Unidade de Saúde da Família como
Unidade Básica de Saúde, nas proximidades (Figura 28).
Há comércio local nos bairros próximos, uso institucional: Secretaria
Municipal de Obras, além de grandes áreas de uso industrial, localizada em um dos
distritos industriais da cidade13 (Figura 29). A questão de acessibilidade e mobilidade a
pé é bastante dificultada pelos vazios, parque municipal14 e usos permitidos. O fato do
conjunto habitacional ser condomínio fechado, também restringe a circulação de
seus habitantes, aumentando as distâncias a serem percorridas.
13 Distrito Industrial Não-Poluente (NIP IV) Antônio Onofre Gerbasi, com 52 empresas: indústria de pré-moldados, reciclagem, serralheria, móveis e marcenaria, marmoraria. 14 Parque Municipal do Furquim
144
Figura 28 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Atalaia (Fonte: Secretarias de Planejamento e de Assuntos Viários – PMPP – organizado pela autora, 2010)
Figura 29 - Localização Conjunto Residencial Atalaia, Secr. de Obras, Distrito Industrial e Mata do Furquim (Fonte: levantamento in loco, 2010)
Apesar da empresa que administra o Conjunto Residencial Atalaia não
ter permitido a entrada e o contato com moradores, por intermédio de moradores
com relacionamento pessoal, pode ser verificado um aspecto de grande importância:
a definição da renda dos inscritos para o programa, em alguns casos, não computou
a renda familiar, e sim a renda individual dos chefes de família, sendo que residem
moradores com renda bastante superior ao proposto pelo PAR.
145
5.4.3. Residencial Laura
O Conjunto Residencial Laura teve seu processo protocolado junto à
Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente em 09 de
dezembro de 2003, tendo sido emitido o termo de aprovação em 18 de dezembro do
mesmo ano. Da mesma forma que o Conjunto Residencial Atalaia, foi proposto pela
Menin Engenharia Ltda, de Marília.
Esse empreendimento está localizado na região leste da malha urbana
(Figura 30). Encontra-se na franja urbana, distando aproximadamente dois quilômetros
(2 km) do centro da cidade. Seu entorno próximo é formado por áreas não
urbanizadas (Figura 31). É classificado como PAR 1, voltado a população com renda
familiar de até seis salários mínimos (referente a R$1.440,00 na data de aprovação do
projeto).
Figura 30 - Localização do Conjunto Residencial Laura na malha urbana de Presidente Prudente (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente – organizado pela autora, 2010)
146
O conjunto também foi projetado e executado como condomínio
fechado (Figura 32), em área de zoneamento ZR2 (‘zona residencial de média
densidade populacional, de ocupação horizontal e vertical até 2 pavimentos’) (Figura
33).
Figura 31 - Imagem do Conjunto Residencial Laura e seu entorno próximo (Fonte: Google Maps, acesso em 15 nov 2010)
Figura 32 - Conjunto Residencial Laura - entrada do condomínio (Fonte: autora, em 16 nov 2010)
147
Figura 33 - Localização do conjunto Residencial Laura - zoneamento de uso e ocupação do solo (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente)
Os agentes que participaram do processo de elaboração e aprovação
do projeto, definição dos beneficiados, e construção do empreendimento, são:
A. Incorporação
A própria construtora, assim como no Conjunto Residencial Atalaia.
B. Prefeitura Municipal de Presidente Prudente
A Prefeitura Municipal não participou diretamente do processo do
Conjunto Residencial Laura, assim como também não apresentou definição sobre
locais prioritários para a implantação do conjunto habitacional. A aprovação do
projeto do empreendimento foi agilizada, devido a convênio firmado com a CAIXA,
tendo sido aprovado o empreendimento vertical em zona de ocupação de até dois
pavimentos e de média densidade populacional.
C. Agente Financiador
A participação da Caixa Econômica Federal se restringiu à aprovação
do projeto, segundo padrões e características definidas, por meio da REDUR-
Presidente Prudente, à seleção dos beneficiados por sorteio entre os habilitados e a
assinatura dos contratos pela Agência Presidente Prudente, e a liberação da verba de
construção diretamente para a construtora.
148
D. Construtora
A construtora Menin Engenharia Ltda elaborou o projeto do conjunto e
sua aprovação junto à Caixa Econômica Federal e à Secretaria de Planejamento da
Prefeitura Municipal de Presidente Prudente.
E. Administração do Condomínio
A administração do condomínio é feita por imobiliária terceirizada,
cadastrada pela CAIXA – Terralis Imóveis, desde a entrega aos arrendatários e sem
previsão de prazo de trabalho. Essa empresa não permitiu qualquer contato com os
moradores dos condomínios em sua responsabilidade.
TIPOLOGIA DO CONJUNTO
O Conjunto Residencial Laura apresenta como tipologia: unidades
habitacionais em edifício vertical, com quatro pavimentos e quatro unidades por
pavimento, num total de 16 unidades por edifício, tendo sido implantados onze
edifícios padronizados, vericando-se a existência de 176 residências15, assim como o
conjunto Atalaia, conforme implantação abaixo (Figura 34). A área de cada unidade
residencial é de 45,23m², com sala, cozinha, área de serviço, banheiro e dois
dormitórios (Figura 35).
Segundo os índices da zona ZR2, da lei aprovada em 2003, o coeficiente
de aproveitamento máximo é igual a 2 e o gabarito de altura máximo é 2. O
empreendimento apresenta área total de 11.367,17m², das quais, 9.536,23m² são
relativos à área total edificada, tendo como coeficiente de aproveitamento real igual
a 0,84, e gabarito de altura real igual a 4 (Figura 36), como já informado. A densidade
populacional bruta é de 619,3hab/ha.
15 Número acima do permitido segundo as normas do PAR – 160 unidades.
149
Figura 34- Implantação do Conjunto Residencial Laura (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Mayara ALbano, 2009)
Figura 35 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Laura (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado Mayara Albano, 2009)
Figura 36 - Conjunto Residencial Laura - edifícios com quatro pavimentos em zona de ocupação máxima até dois pavimentos (Fonte: autora, em 16 nov 2010)
150
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO ENTORNO
O Conjunto Residencial Laura está implantado em local com
infraestrutura instalada; com oferta de linhas de ônibus urbano, que fazem a ligação
do local com bairros próximos e com o centro urbano.
A topografia da região leste da cidade de Presidente Prudente é
bastante acidentada, dificultando a mobilidade a pé no entorno do
empreendimento, mas devido à pequena distância ao Centro16 urbano, essa
dificuldade é menos identificada.
Há grande oferta de escolas municipais de ensino infantil e
fundamental, de posto de saúde (USF), e comércio e serviços de bairro nas
proximidades do Residencial Laura (Figura 37). Em relação ao fato do conjunto
habitacional ser condomínio fechado, não afeta diretamente a acessibilidade dos
moradores devido ao fato de sua portaria estar localizada centralizada no
empreendimento, reduzindo as distâncias internas a serem percorridas; no entanto,
pode vir a se tornar uma barreira urbana caso a cidade continue se expandindo para
leste.
Figura 37 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Laura (Fonte: Secretarias de Planejamento e de Assuntos Viários – PMPP – organizado pela autora, 2010)
16 Centro urbano de Presidente Prudente corresponde ao primeiro loteamento aberto na cidade: Vila Goulart, resultando em uma única área correspondente ao Centro Comercial e ao Centro Histórico.
151
Apesar da falta de participação efetiva da Prefeitura, por meio de
políticas urbanas que venham a planejar adequadamente critérios para a expansão
urbana, analisando oferta de serviços e equipamentos públicos, infraestrutura,
acessibilidade e mobilidade urbanos; e por meio de políticas habitacionais que
indiquem locais mais adequados para novos empreendimentos, visando à redução do
processo de segregação socioespacial urbano; além da superficialidade de análise
do projeto do empreendimento no processo de aprovação; a definição do local do
Conjunto Residencial Laura não pode ser vista como problema para seu morador.
5.4.4. Residencial Esmeralda
O projeto do Conjunto Residencial Esmeralda foi protocolado junto à
Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal no dia 28 de setembro de 2004,
tendo sido aprovado dois dias depois, em 30 de setembro. Assim como o conjunto
Bela Vista, foi proposto pela Imobiliária Tanus, tendo sido contratada a Construtora
Riachuelo Ltda para elaboração das etapas específicas à construtora, segundo
normas da CAIXA.
O Esmeralda está localizado na região sul da malha urbana, junto aos
bairros Ana Jacinta (I e II) e Mário Amato, todos de habitação de interesse social
(Figura 38). Segundo a lei de zoneamento de 2003, em vigor à época de aprovação e
execução do empreendimento, ele foi implantado em ZR4 (‘zona residencial de
média densidade populacional de interesse social, e ocupação horizontal e vertical
até 2 pavimentos’) (Figura 39).
Encontra-se na franja urbana, distando aproximadamente doze
quilômetros (12 km) do centro da cidade. Seu entorno próximo é formado por áreas
urbanizadas e não urbanizadas (Figura 40). O conjunto é o único identificado como
PAR 2 na cidade, voltado a população com renda familiar de até quatro salários
mínimos (referente a R$544,00 na data de aprovação do projeto), e projetado e
executado como condomínio fechado (Figura 41). Para tal, segundo a CAIXA (2008-
b), seu nível construtivo e de acabamento são normatizados, mantendo-se padrão
mínimo.
152
Figura 38 - Localização do Conjunto Residencial Esmeralda na malha urbana de Presidente Prudente (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente – organizado pela autora, 2010)
Figura 39 - Localização do conjunto Residencial Esmeralda - zoneamento de uso e ocupação do solo (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente)
153
Figura 40 - Imagem do Conjunto Residencial Esmeralda (identificado) e seu entorno próximo (Fonte: Google Maps, acesso em 15 nov 2010)
Figura 41 - Imagem do Conjunto Residencial Esmeralda e seu entorno próximo (Fonte: Google Earth, acesso em 18 nov 2010)
Vários agentes participaram do processo, por meio de elaboração e
aprovações do projeto, catalogação de interessados e habilitação das famílias,
definição dos beneficiários, entre outras etapas, conforme segue.
A. Incorporação
A incorporação do empreendimento foi exercida pela Imobiliária
Tannus, por meio da viabilização do empreendimento, ou seja, organização das
etapas do processo e sua agilização, junto aos outros agentes envolvidos.
154
B. Prefeitura Municipal de Presidente Prudente
A Prefeitura Municipal participou por meio do cadastramento dos
interessados em 2003, em parceria com a Imobiliária Tannus. A definição de locais
prioritários para a implantação do conjunto habitacional ocorreu exclusivamente por
meio do zoneamento urbano, que definia a região como ZR4. A aprovação do projeto
do empreendimento foi agilizada, com diminuição dos trâmites de processo devido à
sanção de lei municipal em 2001 (Lei Municipal N°.5.647/2001), tendo sido elaborado
todo o processo de aprovação em dois dias.
C. Agente Financiador
A participação da Caixa Econômica Federal ocorreu pela seleção dos
beneficiados por sorteio, entre as fichas dos habilitados, e a assinatura dos contratos
pela Agência Presidente Prudente; e aprovação do projeto, segundo padrões e
características definidas pela própria CAIXA, e a liberação da verba de construção
diretamente para a construtora.
D. Construtora
A Construtora Riachuelo Ltda foi contratada pela Imobiliária Tanus, que
assumiu o projeto do conjunto e sua aprovação junto à Caixa Econômica Federal e à
Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente.
E. Administração do Condomínio
A administração do condomínio é feita por imobiliária terceirizada,
cadastrada pela CAIXA – Terralis Imóveis, com sede em Piraquara, no Paraná. Esta
empresa não permitiu qualquer contato com os moradores dos condomínios em sua
responsabilidade.
Assim como ocorreu nos outros empreendimentos do PAR, além dos
agentes informados acima, houve a participação de assistente social cadastrada
para acompanhamento das famílias em período inicial após a entrega das unidades
às famílias.
155
TIPOLOGIA DO CONJUNTO
Esse conjunto habitacional, assim como o Conjunto Residencial Atalaia,
apresenta como tipologia: 158 casas unifamiliares (Figura 42), térreas, padronizadas,
com implantação centralizada no lote, conforme implantação abaixo (Figura 43). A
zona onde foi implantado é ZR4, sendo respeitados os índices definidos em lei. A área
de cada lote, segundo processo de aprovação, é de 180,5m². Cada unidade
residencial apresenta área de 38,33m², com sala, cozinha, banheiro, dois dormitórios, e
tanque externo (Figura 44).
Figura 42 - Conjunto Residencial Esmeralda - unidades habitacionais padronizadas (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
Figura 43- Implantação do Conjunto Residencial Esmeralda (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Camila Nosaki, 2009)
156
Figura 44 - Planta das unidades habitacionais do Conjunto Residencial Esmeralda (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Camila Nosaki, 2009)
O empreendimento apresenta área total de 38.855,43m², das quais,
28.519,00m² são referentes a área dos lotes. A densidade populacional bruta é de
162,6hab/ha.
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO ENTORNO
A região do Condomínio Residencial Esmeralda apresenta infraestrutura
instalada; com oferta de linha de ônibus urbano, fazendo a ligação do local com o
centro urbano. Há oferta de escolas municipais de ensino infantil e fundamental, e de
posto de saúde (USF) nas proximidades (Figura 45).
Há área17 comercial em bairro adjacente (Figura 46). Devido ao fato do
conjunto Esmeralda ser condomínio fechado (Figura 47), também restringe a
circulação de seus habitantes, aumentando as distâncias a serem percorridas, além
de proporcionar uma barreira urbana caso se mantenha o processo de expansão
urbana.
17 Importante esclarecer que a área comercial identificada não pode ser considerada subcentro devido aos usos apresentados. Há uso comercial e poucos usos de serviços, voltados a serviços de bairro. Os usos institucionais encontram-se fora da área definida: escolas, posto de saúde e igrejas/templos. Não há uso bancário ou de administração pública.
157
Figura 45 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Esmeralda (Fonte: Secretarias de Planejamento e de Assuntos Viários – PMPP – organizado pela autora, 2010)
Figura 46 - Conjunto Residencial Esmeralda e área de uso comercial (Fonte: levantamento in loco – autora, 2010)
Figura 47 - Entrada do Conjunto Residencial Esmeralda (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
Embora o conjunto Esmeralda tenha sido implantado junto a bairros
antigos e com existência de área comercial, sua distância ao centro urbano é muito
158
grande. Considerando uma cidade de porte médio, ocorre dificuldade de acesso a
outros bairros com oferta de empregos, gerando problemas a seus moradores; e os
grandes vazios existentes entre essa mancha urbana e a malha principal
proporcionam riscos a seus moradores e maiores custos para oferta de serviços
públicos.
5.4.5. Residencial Monte Carlo
O Conjunto Residencial Monte Carlo foi o único empreendimento
construído com financiamento do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) em
Presidente Prudente segundo loteamento aberto.
Conforme consta na documentação de aprovação do projeto junto à
Prefeitura Municipal – Secretaria de Planejamento, foi proposto pela Constrinvest
Construtora e Comércio Ltda., em 2006, e está localizado na região sul da malha
urbana (Figura 48), próximo aos bairros Ana Jacinta (I e II) e Mário Amato, além do
Conjunto Residencial Esmeralda (do PAR), todos de habitação de interesse social.
Segundo a lei de zoneamento de 2003, em vigor à época de
aprovação e execução do empreendimento, ele foi implantado em ZR2 (‘zona
residencial de média densidade populacional, de ocupação horizontal e vertical até 2
pavimentos’) (Figura 49).
Encontra-se na franja urbana, distando aproximadamente doze
quilômetros (12 km) do centro da cidade. Seu entorno próximo é formado por áreas
urbanizadas e não urbanizadas (Figura 50). O conjunto foi projetado e executado
como loteamento, identificado como PAR 1, voltado a população com renda familiar
de até seis salários mínimos (referente a R$1.440,00 na data de aprovação do projeto).
159
Figura 48 - Localização do Conjunto Residencial Monte Carlo na malha urbana de Presidente Prudente (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente – organizado pela autora, 2010)
Figura 49 - Localização do conjunto Residencial Monte Carlo - zoneamento de uso e ocupação do solo (Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente)
160
Figura 50 - Imagem do Conjunto Residencial Monte Carlo e seu entorno próximo (Fonte: Google Maps, acesso em 15 nov 2010)
Os agentes que participaram diretamente do processo de elaboração
do projeto, catalogação de interessados, definição dos arrendatários, administração
do conjunto, entre outros passos, estão abaixo identificados.
A. Incorporação
A própria construtora.
B. Prefeitura Municipal de Presidente Prudente
A Prefeitura Municipal não participou diretamente do processo e não
apresentou definição sobre locais prioritários para a implantação do conjunto
habitacional. A aprovação do projeto do empreendimento foi agilizada, com o
protocolo do processo emitido em 06 de outubro de 2006, e sua aprovação em 11 de
outubro.
C. Agente Financiador
A participação da Caixa Econômica Federal envolveu os seguintes
procedimentos: aprovação do projeto, seleção dos beneficiados por sorteio entre os
habilitados, assinatura dos contratos, e liberação da verba de construção diretamente
para a construtora.
161
D. Construtora
A Constrinvest Construtora e Comércio Ltda elaborou o projeto do
conjunto e sua aprovação junto à Caixa Econômica Federal e à Secretaria de
Planejamento da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente. Interessante observar
que é a única construtora da cidade de Presidente Prudente que participou de
execução de habitação por meio de financiamento do PAR.
E. Administração do Condomínio
Por ser loteamento urbano, não há a figura de empresa de
administração imobiliária.
TIPOLOGIA DO CONJUNTO
Esse conjunto habitacional apresenta como tipologia: loteamento
urbano (Figura 51), com 145 unidades, com casas unifamiliares, térreas, conforme
planta abaixo (Figura 52). Segundo os índices da zona ZR2, da lei aprovada em 2003, o
tamanho mínimo do lote seria 250m², testada mínima de 12m, recuo frontal mínimo de
4m, com recuos laterais e de fundos facultados por ser edificação térrea. A área real
dos lotes é de 267,97m² cada, com 12m de frente.
Figura 51 - Conjunto Residencial Monte Carlo (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
A área da gleba original onde foi implantado o loteamento é de
152.639,80m², segundo consta no processo de aprovação do empreendimento junto à
Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal, sendo que, 38.855,43m² referentes
à área dos lotes. Apesar de ser loteamento aberto, há apenas uma entrada aberta
162
para esse bairro (Figura 53); sendo que sua população improvisa caminhos para
percursos a pé na tentativa de redução das distâncias (Figura 54). A densidade
populacional bruta é de 37,997hab/ha.
Figura 52- Implantação do Conjunto Residencial Monte Carlo (Fonte: Processo de aprovação do projeto - Secretaria de Planejamento - PMPP - desenho elaborado por Clarissa Bertasso, 2009)
Figura 53 - Entrada única ao loteamento Monte Carlo (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
Figura 54 - Acessos improvisados pela população residente do bairro (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
As unidades habitacionais apresentam área de 38,02m² cada, com
sala, cozinha, banheiro e dois dormitórios, conforme foto abaixo (Figura 55).
163
Figura 55 - Unidade residencial - Conjunto Residencial Monte Carlo (Fonte: autora, em 22 nov 2010)
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DO ENTORNO
A região do Condomínio Residencial Monte Carlo apresenta
infraestrutura instalada; com oferta de linha de ônibus urbano, fazendo a ligação ao
centro urbano e outros bairros da cidade (Figura 56). Há oferta de escolas municipais
de ensino infantil e fundamental, de posto de saúde (USF), e área18 comercial em
bairro adjacente (Figura 57). A questão de acessibilidade e mobilidade a pé é
bastante dificultada pelos vazios e distância entre o loteamento e malha urbana.
Figura 56 - Localização de serviços públicos nas proximidades do Residencial Monte Carlo (Fonte: Secretarias de Planejamento e de Assuntos Viários – PMPP – organizado pela autora, 2010)
18 Importante esclarecer que a área comercial identificada não pode ser considerada subcentro devido aos usos apresentados. Há uso comercial e poucos usos de serviços, voltados a serviços de bairro. Os usos institucionais encontram-se fora da área definida: escolas, posto de saúde e igrejas/templos. Não há uso bancário ou de administração pública.
164
Figura 57 - Conjunto Residencial Monte Carlo e área de uso comercial (Fonte: levantamento in loco – autora, 2010)
A aprovação de loteamentos e conjuntos habitacionais de interesse
social nas áreas periféricas tem ocasionado aumento de custos de implantação de
serviços públicos, além de problemas diretamente relacionados à população
residente. Em pesquisa de campo19 efetuada no início de 2009 com parte dos
moradores do Conjunto Residencial Monte Carlo, a questão de problemas de
acessibilidade e mobilidade foi a mais identificada (Anexo III).
Da mesma forma como ocorreu com os outros empreendimentos do
PAR em Presidente Prudente, a falta de participação efetiva da Prefeitura por meio de
legislação específica para habitação social possibilitou a escolha privada da gleba
sem análises sociais e urbanas.
5.5. Análise e discussão
Os conjuntos habitacionais apresentados neste capítulo, executados
em Presidente Prudente, por meio de financiamento do Programa de Arrendamento
Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal, buscam exemplificar a ação pública
e privada na produção e gestão de habitação de interesse social em cidades de
19 Buscou-se efetuar pesquisa de campo com moradores dos cinco empreendimentos do PAR em Presidente Prudente, mas a administradora dos condomínios fechados (Terralis Assessoria Imobiliária) não permitiu a entrada da pesquisadora, fotos da área interna dos empreendimentos, assim como nenhum contato com os moradores. As fotos dos condomínios fechados foram tiradas a partir da área externa – área pública.
165
porte médio. Pode ser verificada a implantação periférica, em áreas de
concentração de população de menor poder aquisitivo. A identificação do espaço
urbano prudentino por meio de processos de segregação socioespacial demonstra a
realidade municipal.
Segundo o mapa de implantação dos conjuntos habitacionais na
cidade (Figura 58), pode ser verificada a grande tendência de concentração da
população de menor renda nas zonas oeste e norte, e no extremo sul, junto ao bairro
Ana Jacinta20. A região norte, é importante destacar, concentra todos os loteamentos
do programa Lotes Urbanizados da Prefeitura Municipal, em áreas da franja e no limite
do perímetro urbano.
Os conjuntos habitacionais do PAR estão localizados em diferentes
regiões da cidade, sendo que três empreendimentos se encontram na franja urbana,
havendo grande distância ao centro urbano, e acessibilidade reduzida. A
manutenção dos grandes vazios urbanos nas áreas mais centrais reforça a
segregação socioespacial urbana.
Nos processos de aprovação desses conjuntos junto à Secretaria de
Planejamento da Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, não foram considerados
os zoneamentos das áreas de implantação, devendo, exclusivamente às construtoras
proponentes, a adequação por meio da aquisição da área para projeto, assim como
a análise dos índices dessas zonas. Ou seja, a própria Prefeitura Municipal não atentou
à sua legislação.
Apesar da busca por rápida aprovação de empreendimento
considerado de habitação social, por meio de convênio firmado entre a Prefeitura
Municipal e a Caixa Econômica Federal, sendo verificada sua necessidade no
Município, não é encontrada entre leis e planos municipais identificação de áreas
voltadas ao interesse social; pois cabe ao proprietário de terras urbanas a solicitação
de alteração de zoneamento para habitação social.
20 Região afastada na malha urbana, cujos conjuntos habitacionais foram aprovados em 1992, e entregues em 1993. O primeiro conjunto, Ana Jacinta, teve como agente financiador o Programa de Ação Imediata para Habitação (PAIH), do governo de Fernando Collor de Melo, e foram aprovadas 2.500 unidades habitacionais, fora da malha urbana. Com o financiamento do CDHU, mais 604 unidades foram entregues, na mesma época, na mesma área: Ana Jacinta II e Mário Amato.
166
Figura 58 - Conjuntos Habitacionais de Interesse Social em Presidente Prudente (Fonte: FERNANDES, 2001; SILVA, 2005; CDHU, 2010; PMPP, 2010 - organizado pela autora, 2010)
De maneira sucinta, o quadro abaixo resume as características dos
conjuntos residenciais financiados pelo PAR e executados em Presidente Prudente
(Quadro 3).
167
Quadro 3 – Quadro síntese dos empreendimentos do PAR executados em Presidente Prudente
Fonte: elaborado pela autora, 2010
Nos cinco empreendimentos do PAR: Bela Vista, Atalaia, Laura,
Esmeralda e Monte Carlo, verifica-se que apenas um foi executado como loteamento
aberto, enquanto os outros quatro são condomínios fechados. Isso possibilita, além de
problemas diretamente relacionados aos seus moradores, por aumento de custo de
manutenção (pagamento à empresa administradora, custo de manutenção e
limpeza do empreendimento, salário de porteiros, etc) e aumento das distâncias a
serem percorridas (devido a cercas e muros do empreendimento), problemas de
barreiras urbanas no processo de crescimento da cidade.
Por outro lado, o marketing que associa condomínio à segurança
também tem atingido as camadas mais pobres da sociedade. O desinteresse da
administração pública em restringir a aprovação desses ‘enclaves’ urbanos propicia
sua reprodução.
A manutenção da mentalidade privada da segregação e do maior
ganho também pode ser observada na construção desses empreendimentos
financiados pelo PAR, pois dos cinco conjuntos construídos, quatro são de construtoras
de fora da região da Alta Sorocabana.
Apenas os conjuntos residenciais Esmeralda e Monte Carlo seguem as
diretrizes da CAIXA relativo à quantidade máxima de unidades residenciais (160); o
que, no entanto, não inviabilizou sua aprovação junto a esse banco financiador. Dois
desses conjuntos apresenta tipologia de unidades multifamiliares, com maior
adensamento populacional.
Da mesma forma, constam das diretrizes, a opção por ocupação de
vazios urbanos, sendo que apenas o Atalaia foi assim implantado, enquanto os outros
168
quatro empreendimentos localizam-se na franja urbana, que contribuem para a
expansão e a fragmentação urbanas.
Considerando-se a cidade de estudo (cidade média), a distância
bairro-centro é bastante significativa, reforçada pela verificação de grandes
extensões de vazios urbanos. E a falta de análise e respeito adequados à legislação
municipal é significativa na elaboração e aprovação dos projetos desses
empreendimentos.
A Prefeitura Municipal de Presidente Prudente não teve participação
direta na definição dos empreendimentos financiados pelo PAR, na cidade; não
auxiliou na definição de áreas, pois não possui análise urbana para embasar diretrizes
de escolha; e muito menos articulou a definição das áreas de demandas e déficit
habitacional. Sua ação foi passiva nos processos.
As decisões de localização, tamanho, adensamento, tipologia, entre
outras, foram tomadas pelos agentes privados envolvidos nos processos desses
conjuntos.
Em relação à definição legal de áreas para habitação social,
especificamente as ZEIS, a Prefeitura não tem intenção de sua delimitação, segundo a
própria Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação21
municipal, pois considera que haveria diminuição da oferta de moradia popular pela
iniciativa privada e restrição à pouca capacidade de ação do Poder Público
municipal.
Ao mesmo tempo, alguns dos empreendimentos de habitação social de
financiamento estadual como federal foram aprovados pela Secretaria de
Planejamento sem processo adequado, ou seja, por pressão política22.
21 Em conversa informal com a Engenheira Cristina Martins Domingos de Oliveira, responsável pelo setor de Habitação da Secretaria de Planejamento da PMPP. 22 Segundo o engenheiro José Roberto Vieira Lins, em conversa informal sobre processos de aprovação de conjuntos habitacionais na cidade. Ele é funcionário da Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação da PMPP. José Roberto informou que muitos processos de aprovação de projetos já executados com financiamento do CDHU ainda não foram regularizados junto à Prefeitura. Assim como, há processos aprovados diretamente pelo Prefeito Municipal à época da gestão. Esses casos não foram levantados por não ser foco de estudo de caso.
169
Durante a execução desta pesquisa, constatou-se que a Prefeitura
Municipal também não possui identificação ou controle dos empreendimentos
aprovados financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial, nem das famílias
beneficiadas.
Tendo como base a análise dos cinco casos de Conjuntos Habitacionais
financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR), da Caixa Econômica
Federal, em Presidente Prudente, pode-se verificar a falta de controle sobre a oferta e
a demanda de habitação na cidade, resultando na redução de controle sobre o
próprio espaço e o processo de expansão urbanos, além da falta de interesse em agir
nas questões de segregação socioespacial.
Portanto, o município carece de uma política urbana inclusiva, voltada
à população vulnerável, e que utilize os instrumentos do Estatuto da Cidade em prol
de uma cidade menos segregada.
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta pesquisa, buscou-se apresentar a realidade brasileira
sobre as competências relativas às políticas urbanas, e um panorama sobre das
políticas habitacionais, além de planos e programas federais para a produção
habitacional.
Por se tratar de um estudo sobre a ação municipal de cidades médias,
tendo como foco a cidade de Presidente Prudente, no interior do Estado de São
Paulo, foi importante identificar o percurso histórico de produção urbana, assim como
dos empreendimentos habitacionais populares construídos na cidade.
Os casos exemplificados para a pesquisa buscaram demonstrar a
realidade local sobre a ação do Poder Público por meio de políticas urbanas setoriais
e diretrizes de controle e planejamento do espaço urbano. Ou seja, os cinco conjuntos
habitacionais executados na cidade por meio de financiamento do Programa de
Arrendamento Residencial (PAR) foram analisados buscando-se compreender a ação
da Prefeitura Municipal e da iniciativa privada sobre a produção do espaço urbano.
A tese defendida buscou comprovar que o Poder Público municipal
não tem apresentado políticas urbanas e habitacionais inclusivas, deixando para os
172
agentes privados tanto a provisão como a gestão da habitação social, que, por sua
vez, reproduz espaços urbanos segregados.
Por meio da análise dos Planos Diretores aprovados no Município e da
legislação complementar, pode-se verificar que a política urbana implementada
nesse município deixa lacuna quando trata dos instrumentos urbanísticos e das
políticas setoriais. Portanto, o município carece de uma política urbana inclusiva,
voltada para a população vulnerável e que utilize os instrumentos do Estatuto da
Cidade, em prol de uma cidade menos segregada. De acordo com os princípios do
EC, esses instrumentos devem ser utilizados na tentativa de diminuir a especulação
imobiliária e possibilitar o controle da expansão urbana periférica e segregada
ocorrido nas últimas décadas.
No entanto, a pesquisa indicou que o Poder Público municipal não tem
intenção de definir áreas para habitação de interesse social (ZEIS), pois considera que
haveria diminuição da oferta de moradia popular pela iniciativa privada, além de
considerar restrita a capacidade de sua atuação frente ao problema.
É válida a comparação entre essa afirmação acima e a análise de
Souza (2007), para quem os problemas urbanos não são decorrentes exclusivamente
de questões políticas, mas são seus principais obstáculos; sendo eles viabilizados por
meio da capacidade dos grupos e classes dominantes em impor sua ideologia,
inclusive aos próprios técnicos.
No contexto atual, o Setor de Habitação da Secretaria de
Planejamento, Desenvolvimento Urbano e Habitação do município não se envolve nas
ações, planos e programas dos Governos Federal e Estadual que não têm o Poder
Público Municipal como tomador, não mantendo qualquer cadastro de população
inscrita e selecionada para aquisição de moradia social naquelas esferas.
Importante notar que, por obrigatoriedade legal, foi criado o Conselho
Municipal de Habitação de Interesse Social (CMDHIS), cujos membros tomaram posse
em meados de 2009, mas nada foi feito até o momento. O Plano de Habitação
173
Municipal, cujo prazo para elaboração já foi alterado duas1 vezes, ainda não foi
iniciado em Presidente Prudente.
Verificando o percurso histórico de implantação dos vários conjuntos
habitacionais na cidade, pode ser vislumbrada, em alguns momentos, certa
preocupação do Poder Público local no setor habitacional. No entanto, as ações não
resultam de políticas habitacionais declaradas. Como afirmou Abreu (1996), as
práticas políticas prudentinas, a partir da Revolução de 1930, podem ser relacionadas
ao populismo.
A pouca clareza das políticas urbanas deixam em aberto muitos
caminhos de ação pública em prol do interesse público. Assim ocorre também com a
política habitacional municipal, que não se mostra inclusiva, e atualmente tem nos
agentes privados a base para provisão e gestão da habitação social, que por sua vez,
reproduz espaços urbanos segregados.
Na análise dos empreendimentos implantados no âmbito do PAR em
Presidente Prudente, pode-se verificar que a habitação social se deve diretamente
aos agentes privados. No entanto, o modelo de empreendimento contribui para a
expansão e fragmentação urbana do território municipal, pois se vincula às
localizações mais distantes do centro, junto à franja urbana, e a preços reduzidos.
Ou seja, o processo observado reforça o processo de produção das
periferias brasileiras, com a construção de conjuntos habitacionais distantes, agora
pelo capital privado, mas com a implantação de infraestrutura pelo Poder Público.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a falta de atuação do Poder Público
evidencia uma omissão em relação à pratica dos agentes privados e,
consequentemente, a desarticulação entre a política urbana e a produção
habitacional para a população de baixa renda.
1 De acordo com a Resolução n°.2/2006, do Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social do Ministério das Cidades, municípios com população superior a 20 mil habitantes teriam até 31 de dezembro de 2007 para cumprir os compromissos constantes do Termo de Adesão ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). Segundo a Resolução n°.24/2009, do CG do FNHIS do MCidades , o prazo para apresentação do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social foi alterado para 31 e dezembro de 2010. Em 08 de dezembro de 2010, o CG do FNHIS votou a ampliação do prazo para apresentação do Plano Habitacional, cuja nova data é 31 de dezembro de 2011.
174
O Poder Público, dessa forma, tem auxiliado no processo de
segregação e desigualdade socioespacial pela omissão resultante de suas políticas
urbanas e, principalmente, habitacionais. Em sentido inverso e indo ao encontro dos
preceitos da política federal, sua ação deveria ser pró-ativa, buscando minimizar esses
efeitos por meio de políticas ativas de integração espacial e social, pois “[...]
dependendo do tipo de política implementada, as iniciativas públicas podem reforçar
ou combater a segregação social no espaço” (MARQUES, 2005-a, p.52).
Da mesma forma, a inclusão de instrumentos urbanísticos no Plano
Diretor Municipal, aprovados na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da
Cidade, possibilita sua aplicação no espaço urbano, que auxiliaria na gestão e
planejamento do território, se efetivamente implementados, diminuindo o desequilíbrio
social urbano.
Assim sendo, confirma-se a hipótese apresentada nesta tese, segundo a
qual a produção do espaço urbano prudentino é produto direto do capital, sem
interesse de controle ou direcionamento pelo Poder Público municipal, fruto da
ausência de uma política urbana socialmente justa e includente.
176
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APÊNDICE PESQUISA DE CAMPO COM MORADORES DO CONJUNTO RESIDENCIAL MONTE CARLO
Loteamento com 145 unidades - casas unifamiliares
Contato com moradores de 18 unidades
*Pesquisa realizada em abril de 2009, pelo grupo de pesquisa coordenado por Sibila Honda (autora), para a pesquisa intitulada “Habitação Social em Presidente Prudente - o caso do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal”, cadastrada na Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE).
**A pesquisa buscava elaborar levantamento nos cinco empreendimentos do PAR, mas que foi barrada pela CAIXA e pela administradora dos condomínios.
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ANEXO I NORMATIZAÇÃO DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR) - PADRÃO MÍNIMO DE ACABAMENTO DAS UNIDADES
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