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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Instituto de Estudos de Saúde Coletiva – IESC
Rachel Vitalino Bernardes de Andrade
“O ensino da Bioética: É possível?
Como os professores percebem o seu papel no
desenvolvimento moral do aluno fonoaudiólogo”
Mestrado em Saúde Coletiva
Rio de Janeiro 2007.
Mestrado em Saúde Coletiva
2007
Andrade, Rachel Vitalino Bernardes de O ensino da bioética: é possível? Como os professores percebem o seu papel no desenvolvimento moral do aluno fonoaudiólogo / Rachel Vitalino Bernardes de Andrade. – Rio de Janeiro: UFRJ / IESC, 2007. xiii, 122 f. : il. ; 31 cm. Orientadores: Marisa Palácios e Sérgio Rego Dissertação (mestrado) – UFRJ/IESC, Programa de Pós-Graduação Saúde Coletiva, 2007. Referências bibliográficas: f. 122-132 1. Bioética – educação. 2. Princípios morais. 3. Ética profissional. 4. Educação superior. 5. Educação profissional em saúde pública - ética. 6. Docentes. 7. Desenvolvimento moral. 8. Humano. 9. Saúde Pública – Tese. I. Palácios, Marisa. II. Rego, Sérgio. III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, /IESC, Programa de Pós-Graduação Saúde Coletiva. IV. Título.
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Centro de Ciências da Saúde – CCS
Faculdade de Medicina – FM
Mestrado em Saúde Coletiva
Instituto de Estudos de Saúde Coletiva - IESC
Rachel Vitalino
O ensino da Bioética: É possível? Como os professores percebem o
seu papel no desenvolvimento moral do aluno fonoaudiólogo
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, para a
obtenção do grau de Mestre de Saúde Coletiva.
Área de concentração: Produção, Ambiente e Saúde
- PAS.
Orientadores: Profª. Drª. Marisa Palácios e
Prof. Dr. Sérgio Rego
Rio de Janeiro – RJ
2007
Rachel Vitalino
O ensino da Bioética: É possível? Como os professores percebem o seu papel
no desenvolvimento moral do aluno fonoaudiólogo
BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientador: ___________________________________________
Profª. Drª. Marisa Palácios – Instituto de Estudos de Saúde
Coletiva (IESC) - UFRJ
2° Examinador: ____________________________________ ______________
Profª. Drª. Kátia Regina de Barros Sanches – Instituto de Estudos
de Saúde Coletiva (IESC) - UFRJ
3° Examinador: ____________________________________ ______________
Profª. Drª. Renata Mousinho – Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Resumo VITALINO, Rachel. O ensino da Bioética: É possível? Como os professores percebem o seu papel no desenvolvimento moral do aluno fonoaudiólogo. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) Instituto de Estudos de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Este trabalho propõe uma reflexão sobre a construção dos valores morais do fonoaudiólogo através do olhar dos docentes. Para isso, o estudo analisa como os docentes orientam os alunos para uma atuação profissional coerente, pautada em atitudes responsáveis e princípios morais. O estudo investigou a compreensão dos 14 docentes do curso de graduação em fonoaudiologia de uma universidade no Rio de Janeiro a respeito da construção das percepções dos valores morais e como esta temática vem sendo trabalhada em sala de aula. A pesquisa teve enfoque qualitativo e se restringiu aos professores fonoaudiólogos. A partir da análise dos questionários aplicados, pôde-se observar que todas acreditam na faculdade como formadora de valores morais e sociais dos alunos. O tema ética é trabalhado por 85,7% delas em suas disciplinas, embora a maioria não o desenvolva como tema central, mas a partir de casos que surgem na clinica ambulatório-escola da faculdade. Grande parte das professoras avalia que os alunos formam seus valores através da interação social, da observação e da influência dos familiares e professores. O estudo demonstrou que a maioria das docentes entende a necessidade de uma formação específica em bioética. Embora reconheçam sua importância neste processo, algumas docentes não sabem como atuar neste sentido e, por vezes, repetem modelos antigos aplicados no período em que eram estudantes. As percepções dos professores, discutidas nesta dissertação, contribuem para que as graduações em fonoaudiologia repensem suas estratégias de ensino e os conteúdos de seus cursos.
Abstract
VITALINO, Rachel. Is it possible to teach Bioethics? How professors understand their roll in speech-language Pathologists and Audiologists students’ development. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) Instituto de Estudos de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
This research is intended to create a reflexion on moral values for speech-language Pathologists and Audiologists through the eyes of college professors. The research analyses how professors guide their students to have a coherent, responsible and moral attitude through their professional careers. Fourteen professors from one university in Rio de Janeiro were investigated in their understandings on the construction of moral values, and how they work this subject in class. It is a qualitative research, exclusively with speech-language Pathologists and Audiologists professors. It was possible to identify that all professors believe the university works building the idea of having social and moral values with their students. 85,7% uses these values in their classes, through clinics experiences from the university’s clinic-ambulatory and not as the main subject. Most professors believe that students build their on values through social interaction, observation and the influence of their own family and professors. The professors also understand the need of a specific bioethics formation, which would help acquiring moral competence. Even recognizing their importance in the process, some professors don’t know how to act in this area, and so, they repeat old models from their student days. These perceptions will contribute to Speech-language pathology universities to rethink their teaching strategies and the context of their courses.
Dedico este trabalho aos meus pais que, com carinho, me incentivaram nesta
empreitada.
Ao meu querido Rodrigo que, com muita paciência, compreendeu e
compartilhou comigo este sonho.
Aos meus professores da UFRJ que, com disponibilidade, me auxiliaram e,
com paixão, desenvolvem sua profissão.
Agradecimentos
Aos meus pais, Hubmaier e Ellen, pelas inúmeras demonstrações de
amor, por me ensinarem a alcançar meus objetivos de forma íntegra e pelo
enorme cuidado em minha educação.
Ao meu irmão, Ricardo, por sua paciência incondicional e por me
ajudar sempre com tanta destreza.
Ao meu namorado, Rodrigo, sempre companheiro, pelo afeto, carinho
e incentivo. Agradeço por tantas e tantas vezes pacientemente colocar-se em
meu lugar e sempre me compreender.
À Profa. Dra. Marisa Palácios que, desde o início, compreendeu e
acompanhou meu amadurecimento de maneira generosa, fazendo com que eu
me sentisse cuidada e, ao mesmo tempo, autônoma na produção da
dissertação.
Ao Prof. Dr. Sérgio Rego, pelos serviços prestados como “advogado
do diabo” e pelas orientações, que ajudaram a desvendar minha linha de
raciocínio e a amadurecer minha reflexão.
À Profa. Leila Nagib, minha eterna professora, conselheira e amiga,
que fez nascer o desejo da pesquisa.
À Profa. Dra. Renata Mousinho, pela contribuição decisiva na banca de
qualificação, pela disponibilidade e carinho.
À Profª. Drª. Kátia Sanches pela leitura atenta desta dissertação.
À Conceição Buarque, Mariângela Nigro e Carina Lino pela amizade,
pelas valiosas sugestões e pelo agradável convívio no decorrer das aulas.
Às minhas queridas amigas de profissão, Ana Paula Perez, Fabíola
Cortez, Isabela Poli e Patrícia Kickinger que, generosamente, dividiram comigo
cada momento das minhas angústias e incertezas nos últimos anos.
Aos meus pacientes que, sempre tinham uma mensagem de carinho e
motivação.
Às professoras do curso de graduação em fonoaudiologia da UFRJ,
que concordaram em contribuir para este trabalho.
Aos amigos Bruno Obadia, Daniel Moutinho, Danielle Manão, Flavio
Moutinho e Marcelli Tavares, entre tantos outros, por estarem ao meu lado,
ouvindo e apoiando sempre.
À querida Delvaci, pela incrível boa vontade nos momentos de
desespero.
Aos professores, funcionários do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva da UFRJ, pela dedicação, disponibilidade e carinho nesta trajetória.
“Há quem gostaria de melhorar os
homens e quem estime que isso
poderia acontecer melhorando antes
as condições de vida. Mas
rapidamente se vê que uma coisa
não anda sem a outra e não se sabe
por onde começar”.
ANDRÉ GIDE
Lista de Siglas
CCS – Centro de Ciências da Saúde. CEP – Comitê de Ética em Pesquisa. CFFa – Conselho Federal de Fonoaudiologia D.E. – Dedicação Exclusiva. DOUT – Doutorado. ESP – Especialização. INDC – Instituto de Neurologia Deolindo Couto. IESC – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. MEC – Ministério da Educação e Cultura. MESTR – Mestrado. OMS – Organização Mundial de Saúde. P – Professor. PAS – Produção Ambiente e Saúde SMS – Secretaria Municipal de Saúde. SUS – Sistema Único de Saúde. TCLE – Termo de Consentimento Livre Esclarecido. UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Sumário
Resumo ---------------------------------------------------------------------
5
Abstract ----------------------------------------------------------------------- 6
Agradecimentos ------------------------------------------------------------ 8
1 Capítulo I - Introdução ---------------------------------------------------- 14
2 Capítulo II – Objetivos ---------------------------------------------------- 28
3 Capítulo III – Materiais e Métodos ------------------------------------- 29
4 Capítulo IV - Histórico da Fonoaudiologia no Rio de Janeiro ---
34
5 Capítulo V – Desenvolvimento da Competência Moral ----------
49
6 Capítulo VI – Ética e Bioética na Fonoaudiologia -----------------
62
7 Capítulo VII – Resultados e Discussão ------------------------------ 71
8 Capítulo VIII – Considerações Finais --------------------------------- 117
9 Referências ------------------------------------------------------------------ 120
10 Anexos ------------------------------------------------------------------------ 131
Termo de Consentimento
132
Figura 136
Questionário 137
14
1. Introdução
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a formação
moral e ética do fonoaudiólogo, enfocando o desenvolvimento do seu campo
de trabalho, as relações entre estes profissionais e a sociedade, e o modo de
produção capitalista, sob o prisma da saúde coletiva e da bioética, e através do
olhar dos docentes. Como estes percebem a construção de valores morais nos
alunos. A motivação para esta dissertação foi a escassez de publicações
científicas sobre a formação do fonoaudiólogo no Brasil, principalmente no que
diz respeito ao desenvolvimento das competências moral e ética.
A introdução promove o delineamento do campo a ser
estudado, justificando porque o trabalho percorre na área da saúde coletiva. No
capítulo 2, os objetivos deste estudo são apresentados. O terceiro esclarece a
metodologia deste projeto, o quarto traça um breve histórico da fonoaudiologia
no Rio de Janeiro, a partir de estudo de referências. O quinto capítulo
desenvolve o tema sobre educação moral e a formação moral. O sexto capítulo
analisa o que já foi discutido a cerca da educação da ética e da bioética na
literatura, buscando dar ênfase ao que é debatido na fonoaudiologia. O capítulo
7 apresenta os resultados e a discussão e no último capitulo são feitas as
considerações finais.
Para discutir a formação da competência moral e ética cabe,
então, discutir o que são os valores morais, ética e moral para assim
compreender como estes conceitos são integrantes da formação de cada
pessoa e do coletivo, além de como isto fundamenta o desenvolvimento dos
profissionais de saúde, mais especificamente do fonoaudiólogo.
15
O conceito de valor utilizado nesta dissertação faz referência à
expressão “valores morais” e diz respeito às características de tudo o que, em
maior ou menor grau, merece estima ou desperta desejo (HOLANDA, 1989,
pgs. 1750-1751). Valor, portanto, é aquilo que é estimado através de um juízo
individual ou coletivo.
Segundo FERIGOTTI (2001, pg. 24), Vazquez afirma que “valor
não é uma propriedade dos objetos em si, mas propriedade adquirida graças à
relação com o sujeito”. Por esta definição, os valores morais não seriam
absolutos, mas dinâmicos, já que podem ser construídos mediante a ação
dialógica. Este fato corrobora a reflexão sobre como o docente estimula a
reflexão e o desenvolvimento dos alunos.
Segundo CHAUÍ, (1999, pg.339), a moral diz respeito aos
“valores concernentes ao bem e ao mal, e ao proibido e à conduta correta”
válidos para todos os membros da sociedade, embora a cultura na qual cada
um está imerso determine quais são as atitudes morais e imorais. A ética é a
“filosofia moral”, isto é, o resultado de uma reflexão que discute, problematiza e
interpreta o significado dos valores morais. É comum usar as duas expressões
como sinônimas, como se as duas definissem um conjunto de princípios e
regras que devem ser obedecidos, caso contrário o transgressor deverá ser
punido. A partir de meados do século XX, a palavra moral passou a ter uma
conotação autoritária, muito vinculada a idéia de moralismo, e, por isso,
costuma ser evitada. Por isso, não raro, é dada preferência à palavra “ética” em
detrimento da palavra “moral”, uma vez que são tidas como sinônimos. “Ética”
tem um caráter normativo, diferente de “moral”. Segundo LA TAILLE (2004), a
palavra “moral” faz referência ao campo do agir e do dever, enquanto a palavra
16
“ética” remete à dimensão da reflexão sobre a ação. Dito de outra forma, moral
diz respeito à forma como se deve agir e “ética”, à vida desejada por um
indivíduo.
Neste trabalho, ética fará referência aos deveres a às
discussões sobre o agir dos indivíduos.
A ética se manifesta como uma exigência moral e é própria da
pessoa, do seu modo de atuar. Ela se manifesta no individuo pela conjugação
de fatores intrínsecos e culturais, formando a capacidade do sujeito de situar-
se e agir no mundo. MORIN (2005, pg. 29) sustenta que “todo olhar sobre a
ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de religação” com o
outro, a comunidade, a sociedade e, finalmente, com a humanidade.
GOERGEN (2001) debate o tema com autores como Apel, Rawls, Hoffe,
Habermas, Rosty e Tugenhat, que, de forma geral, rejeitam seu caráter
dogmático. Segundo estes autores, uma versão única, ou seja, a verdade ética,
de valor absoluto, é rejeitada. Seguindo esta linha de raciocínio, não existiria
mais uma orientação teológica para o bem ou o certo, mas uma busca por
fundamentação teórica e o debate sobre ações morais no cotidiano.
O interesse pelo ato moral, este que impulsiona para o que
“deve ser feito”, está inserido no campo moral e ético. FERIGOTTI (2001) diz
que Vazquez considera os atos humanos que afetam outros indivíduos, grupos
sociais ou até mesmo a sociedade como um todo o objeto de estudo da ética.
No Brasil, durante o regime militar, que aconteceu no período
entre 1964 e 1985, a discussão sobre ética nas escolas foi inibida e
desestimulada, assim como refletir abertamente sobre educação e cidadania. A
formação do caráter do aluno fazia parte da educação formal a partir da
17
ementa da disciplina Educação Moral e Cívica. Essa disciplina foi estruturada
pelo decreto-lei de 1969 com a finalidade de controlar a desordem que causava
malefícios à sociedade brasileira.
Na década de 90, o Brasil sente a crise estrutural do capitalismo
que se configura pela desestabilização do modelo taylorista e fordista de
acumulação e financiamento do estado, para um novo modelo econômico, no
qual prevalecem a livre regulação do mercado e do trabalho. Esta
reestruturação capitalista sobre a economia e as formas de trabalho também
afeta a educação. Inicia-se, a partir daí, um questionamento sobre o modelo
educacional vigente e os currículos acadêmicos, que começam a ser
modificados.
Hoje em dia, em decorrência das mudanças sociais, políticas e
econômicas, as instituições de ensino são co-responsáveis pelo aprendizado
dos valores morais. A concepção e abordagem do ensino da ética mudaram,
passando a somar esforços em prol da formação de um cidadão consciente
dos seus direitos e deveres. Entretanto, é visível a atual defasagem na
formação do sujeito ético decorrente, entre outros, do sucateamento da
educação primária, secundária e universitária, cuja principal e quase exclusiva
preocupação é preparar o indivíduo para etapa imediatamente posterior de sua
vida acadêmica e profissional, ou seja, a escola prepara para o vestibular e a
faculdade, para o mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2001).
A educação, obedecendo à lógica da sociedade capitalista,
contempla os imperativos da economia e do mercado, levando ao fracasso da
formação da consciência moral. Desta crise, surge um dos instrumentos
usados para nortear as relações entre indivíduos e sociedade, bem como entre
18
ética e trabalho: o código de ética profissional. Com o intuito de harmonizar
internamente as relações de trabalho e sem prejudicar a noção de benefício à
sociedade, a ética profissional - deontológica - é prescritiva, ou seja, traz em
seu bojo a idéia de regras a seguir, determinando direitos e deveres, normas
que gerenciam interesses e obrigações.
Segundo Yves de La Taille, Kant prega que ”o homem somente
pode se tornar homem através da educação” (1996, pg. 149). Para Kant e
Piaget, a educação aperfeiçoa o homem. Logo, o dever da escola seria
envolver o aluno de maneira que ele se sinta comprometido com a sociedade,
seja capaz de respeitar o outro, recorrendo à sua capacidade critica, e se
desenvolva intelectualmente a partir do convívio com os outros. Para isso, a
questão relacional é essencial e o ensino deve incorporar o estímulo à reflexão
individual e coletiva através de uma perspectiva democrática, respeitando o
aluno, colaborando para que ele elabore, de forma autônoma, o raciocínio e
oferecendo ferramentas para que ele saiba atuar em situações-problema
(GOERGEN, 2001). Desse modo, cria-se o arcabouço para o crescimento de
pessoas prontas para o exercício da cidadania (LA TAILLE, 1996). Todas estas
questões nos remetem ao estudo das éticas – deontológica1 e aplicada –
necessário em todas as instâncias da sociedade.
1.1 Saúde Coletiva e Bioética
A vinculação entre trabalho e saúde dentro da saúde coletiva tem
origem na correlação entre os fenômenos biológicos, sociais e econômicos, isto
1 1Segundo o dicionário Aurélio, “deontos” deriva do grego, e significa necessidade, dever, portanto, a Deontologia é o estudo dos princípios e deveres de uma profissão. Dessa forma, cabe a ética deontológica a conceituação para o exercício profissional Regulamentando o exercício das profissões no convívio social.
19
é, na relação entre saúde, doença, morte e trabalho em um contexto
determinado por fatores socioeconômicos, culturais, ambientais e subjetivos. É
importante notar que, no modo de produção capitalista, os indivíduos e os
grupos populacionais estão submetidos de forma desigual a fatores de
proteção e de risco, o que reforça o papel da bioética neste campo de atuação
e conhecimento (BURLANDY, 1998).
No campo da saúde coletiva, o conceito de desigualdade diz respeito à
relação entre desenvolvimento e justiça social, passando, entre outros, por
pontos como distribuição de renda, acesso à educação, moradia, serviços de
saúde e emprego, que estão na base da idéia de qualidade de vida.
A história mostra que a livre iniciativa foi e continua sendo a base do
desenvolvimento econômico capitalista, que na ausência de regras morais e
legais, sacrifica de maneira decisiva a saúde e a segurança dos trabalhadores
e do ambiente (BURLANDY,1998).
A regulamentação das relações de trabalho com o ambiente reflete a
contradição entre os interesses das diversas partes envolvidas em sua
construção, ou seja, explicita as tensões entre capital e trabalhadores, e capital
e coletivo, por exemplo.
Nas últimas décadas, vem crescendo o interesse em elaborar
regulamentações para relações de trabalho, economia e saúde. Porém, nem
sempre as leis civis e penais, as regras de mercado, os códigos deontológicos
das profissões da área da saúde e o desenvolvimento da ciência dão respostas
conclusivas aos conflitos éticos nas relações do homem com o trabalho. Isto se
deve “à assimetria de forças entre os que usufruem as vantagens provenientes
20
do progresso industrial e os que sofrem seus danos”, segundo BERLINGUER
(2004, pg. 156).
Nesta lacuna surge a bioética, que analisa os argumentos morais que
podem alterar a qualidade de vida e são decisivos no que se refere ao bem-
estar de todos. Esta reflexão traz conseqüências importantes para a saúde, a
cultura e o ambiente; em suma, sobre as ações pessoais e interpessoais no
mundo. A bioética é um movimento interdisciplinar que nasce a partir do
questionamento dos valores morais tradicionais acerca do nascer, viver,
adoecer e morrer na sociedade atual, desenvolvida tecnologicamente,
globalizada e com contradições sócio-econômicas graves. Trata-se de um
instrumento de análise imparcial dos conflitos morais que pretende resolver,
questionando o caráter absoluto atribuído aos valores, direitos e princípios. De
acordo com PALACIOS et al. (2002, pg.466), Maurizio Mori afirma que o
surgimento da bioética marca uma profunda mudança cultural que traz consigo
novos princípios morais. Para ele, fatos históricos nas décadas de 60 e 70
provocaram “a queda do princípio moral que regia as ações humanas, o
princípio da sacralidade da vida”.
A partir disto, um novo olhar, o bioético, contribui para o
estabelecimento de outros critérios sobre os quais se fundamentam a proteção
da vida e as relações humanas, adotando paradigma da qualidade de vida.
Segundo a lógica da corrente principialista, os dilemas passam a ser resolvidos
a partir dos princípios morais não absolutos - beneficência, não-maleficência,
autonomia e justiça - devem permear e orientar as decisões dos indivíduos.
GARRAFA (1995) afirma que fazem parte do estudo da bioética a
exclusão social, a desigualdade de gênero, a precariedade da saúde, a miséria
21
e muitas outras questões ainda pendentes no mundo e, particularmente, no
Brasil. De acordo com REGO (2004, pg. 169), a ética tradicional foca a
moralidade do agente e a ética aplicada discorre sobre “a moralidade dos atos,
reconhecendo a complexidade dos dilemas e das relações sociais”.
A Saúde Coletiva, por sua vez, cresce a partir da década de 70,
contribuindo para o estudo de questões que englobam as relações entre o ser
humano, sua saúde e o seu ambiente, construindo uma análise estrutural das
questões da saúde a partir de sua inserção na sociedade capitalista. É um
campo de investigação e intervenção científicas, que abrange o estudo da
saúde da população; de uma coletividade. Toda e qualquer ação de um sujeito
em comunidade revela uma conseqüência para o coletivo no qual ele está
inserido. Dessa forma, a saúde representa, no contexto da realidade, um dos
desejos de um coletivo como parte do almejo de seu bem-estar e a saúde
coletiva contribui com o objetivo de estudar a melhoria da qualidade de vida da
coletividade (BURLANDY, 1998). Desta forma, articula saúde e sociedade ao
relacionar as questões de saúde ao sistema político-econômico. A Saúde
Coletiva também questiona o enfoque puramente biologicista na saúde e
propõe a compreensão da integralidade do indivíduo - sujeito e objeto social -,
buscando as correlações do processo saúde-doença (BERLINGUER, 2004).
A partir do paradigma da saúde coletiva, a atenção à saúde se dá
através de ações preventivas, coletivas e individuais, e requer uma abordagem
interdisciplinar, ou seja, social, política e cultural. Essas medidas preventivas
constam de estratégias propostas pela OMS, sugeridas pelo Ministério da
Saúde e incorporadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), embora os
22
recursos humanos e econômicos disponíveis não sejam suficientes para
promovê-las de forma plenamente satisfatória.
1.2. Profissionalização do Fonoaudiólogo
É neste contexto de humanização das políticas públicas, com a
finalidade de alterar a desigualdade na assistência à saúde no Brasil, que
culmina em 1988, com a criação do SUS – Sistema Único de Saúde, que em
1981, a fonoaudiologia é reconhecida pelo governo como a disciplina que
estuda a comunicação humana. O fonoaudiólogo é o profissional da área que
atua no setor da saúde, mais especificamente na prevenção e reabilitação das
alterações, e, portanto, é um dos responsáveis na elaboração da prevenção em
saúde e na promoção da qualidade de vida.
A fonoaudiologia se desloca para o campo da saúde de forma peculiar.
Surge na área da educação na década de 30, ainda como um conhecimento
técnico que, no contexto nacionalista do Estado Novo, combateu os desvios de
fala, em um processo de medicalização da educação. O fonoaudiólogo, nesta
época, fixava padrões de linguagem, determinando o “normal” e o “patológico”,
a partir da necessidade de correção e prevenção das alterações de linguagem
de crianças em idade escolar. Dava, então, uma dimensão patológica aos
distúrbios de comunicação dos indivíduos, retirando o foco das discussões
sobre as condições sociais e de trabalho da população. O profissional que
atuava na área exercia um papel “higienista” na educação (CARACIKI, 2004).
Entre as décadas de 50 e 70, estes profissionais passaram a ter um
enfoque clinico e individual do paciente em detrimento de ações preventivas de
23
maior alcance. A formação destes profissionais em cursos de graduação só
começaria a ocorrer na década de 80, com o reconhecimento e a autonomia no
campo acadêmico paralelos ao processo de redemocratização das políticas
públicas de saúde. Em 1981, a profissão foi oficialmente reconhecida. Na
prática, este reconhecimento continua a ser construído diariamente com a
absorção de novos saberes, práticas e paradigmas e a conseqüente
aproximação em relação à área da saúde (SILVEIRA, 1996).
“Fonoaudiólogo é o profissional, com graduação plena
em fonoaudiologia, que atua em pesquisa, prevenção,
avaliação e terapia fonoaudiológica na área de
comunicação oral e escrita, voz e audição, bem como em
aperfeiçoamento dos padrões da fala e da voz.”
(Documento Oficial: Decreto lei nº. 6965 de 09/12/1981
Parágrafo único – Artigo primeiro).
A partir desta progressão dos fatos, a fonoaudiologia, se desenvolve
em meio aos diferentes aspectos históricos, econômicos e sociais da década
de 80, enfatizando os aspectos sociais da linguagem. Deixa de ser uma área
técnica para repensar seus métodos e suas abordagens, absorvendo também
a incumbência de avaliar, diagnosticar e atender, se emancipando em relação
ao aval médico, porém ainda sem força determinante para se desenvolver no
bojo do capitalismo.
Se por um lado o reconhecimento oficial facilitou a aceitação do
fonoaudiólogo pela população, não abriu um espaço significativo para ele
dentro da máquina pública, já que a fonoaudiologia não foi prontamente
incorporada aos serviços públicos, o que restringiu seu mercado de trabalho à
24
atuação como autônomo. Outra lacuna do ensino em fonoaudiologia que
também corrobora a não inserção deste profissional nas unidades públicas é a
falta do ensino crítico, que contextualiza historicamente a profissão e que
contribua para o conhecimento do contexto geral da saúde pública. A formação
do fonoaudiólogo tem sido dirigida à atuação clínica autônoma. Isto contribui
para manter a desigualdade na assistência à saúde pública, uma vez que
apenas uma pequena parte da população pode pagar por ele, o que colabora
para uma formação de caráter elitista deste profissional e reforça a perspectiva
de reabilitação e cura, já que o atendimento particular é basicamente voltado
para clínica (SILVEIRA, 1996).
Os ideais neoliberais começam a exercer influência sobre a política
econômica brasileira no final do governo de José Sarney (1985/1990), mas só
se consolidam no governo Fernando Henrique Cardoso (1995/2002),
agravando de maneira significativa os problemas de geração de emprego e,
conseqüentemente, as dificuldades de colocação do fonoaudiólogo no mercado
de trabalho. Este modelo econômico traz em sua concepção um discurso de
flexibilização da economia, da competição e da importância da política fiscal
em detrimento das políticas sociais, que, no Brasil, se traduziu em aumento do
desemprego, resultante, entre outros, da baixa taxa de crescimento da
economia. Dessa forma, a fonoaudiologia, como uma profissão reconhecida
recentemente, tenta se adequar ao novo mercado de trabalho, onde empresas
de saúde e a terceirização da medicina começam a ganhar força. O mercado
de trabalho, que não absorve formados e recém-formados, torna a
universidade ainda mais refém das exigências deste mercado, entre as quais
25
não se encontram as questões sociais e éticas (ABRAMIDES, 2003 e
RAIMUNDO, 2000).
A visão puramente técnica e prática da atuação em saúde, por sua
vez, decorre da grade curricular da universidade, que recebe forte influência da
visão cartesiana do campo da medicina e das ideologias do mercado, que, por
sua vez, exige profissionais cada vez mais especializados e competitivos.
Como conseqüência imediata, a formação oferecida na universidade prestigia
as disciplinas eminentemente técnicas, que desenvolvem a capacidade
produtiva, e uma visão simplista da relação saúde/doença, que contribuem
para uma orientação mecânica do ato em fonoaudiologia, impedindo a análise
crítica e a ação dialética entre o fonoaudiólogo e o paciente.
Desta maneira, a formação dada pelo curso de fonoaudiologia não
desenvolve a capacidade crítica dos profissionais, reforçando uma vez mais
sua vertente tecnicista e fazendo prevalecer o discurso da dualidade entre o
normal e o patológico. As alterações da comunicação (que abrangem
problemas de audição, voz e distúrbios de linguagem, predominantemente)
passam a ser identificadas como dificuldades individuais, retirando toda a
questão social e histórica inerente a este quadro (FREIRE, 1992). O fracasso
escolar de uma criança ou a inaptidão de um adulto para o trabalho são
ratificados pelo “saber científico” do fonoaudiólogo como um elemento de
exclusão do sujeito, retirando-o de seu contexto social. No caso das alterações
de linguagem, o indivíduo que não faz uso do discurso padrão - tanto no que se
refere à forma quanto ao conteúdo - tende a ser marginalizado, lógica que
intensifica as diferenças sócio-históricas que constituem a linguagem
(SILVEIRA, 1996).
26
Esta análise exemplifica o processo pelo qual a sociedade molda e
define o ethos profissional, no caso, determinando a ação do fonoaudiólogo
como sujeito e objeto nas diferentes relações que trava com a população em
geral.
O ethos se configura como um conjunto de atitudes, convicções,
crenças morais e forma de conduta de uma pessoa ou grupo social. Trata-se
de um fenômeno cultural que pode se apresentar das mais diversas maneiras e
nunca estará ausente em uma cultura (SCHRAMM, 2005). WEBER (2004, pg.
283) o define como “um determinado estilo de vida regido por normas e
folheado a ética”. A ética faz parte constitutiva do ethos, que designa o
conjunto de ações e hábitos próprios do modo de atuar do fonoaudiólogo, bem
como de todos os profissionais.
A fonoaudiologia faz parte do campo da saúde, mas para se
desenvolver e trocar conhecimento de forma inter, multi e transdisciplinar2
(CHAVES, 1998), precisa delimitar melhor seu espaço de atuação, discutindo
de forma ampla o seu ethos profissional.
Para isso, será importante identificar como o currículo do curso de
graduação em fonoaudiologia da universidade objeto de estudo no Rio de
Janeiro contribui para esse debate e para o desenvolvimento dos valores
morais do aluno.
2 Chaves define disciplina como um corpo de conhecimento ensinável. Multidisciplinaridade ocorre quando 2 ou mais setores de conhecimento se envolvem em um processo. Interdisciplinaridade quando existem interações reais e reciprocidade no intercambio. Transdisciplinaridade ocorre quando há interação, intercâmbio e transpasse dos limites das disciplinas. Estas são tais quais as usadas neste trabalho.
27
A partir disso, será possível conhecer como o docente percebe sua
contribuição na construção de valores morais e éticos e a relação deste
processo com o de ensino-aprendizagem, permitindo assim que o profissional
formado por esta faculdade esteja apto a agir de maneira engajada na
sociedade.
SAPIRO (2000) afirma que a conduta moral e a competência ética são
subjacentes ao desenvolvimento social e cognitivo. Por isso, chama a atenção
para a necessidade do estudo da saúde coletiva e da bioética nos cursos de
graduação, que fundamentam a responsabilidade individual e, em última
instância, o exercício da cidadania nos profissionais da saúde. De acordo com
esta análise, o desenvolvimento de fonoaudiólogos engajados, colabora para o
debate sobre a saúde no âmbito econômico, político e social, criando uma
atitude cidadã para com a sociedade e colaborando para a construção de seu
papel na área da saúde.
O debate sobre ética e bioética e o desenvolvimento das competências
morais nos estudantes, mas especificamente no curso de fonoaudiologia da
faculdade de medicina de uma universidade pública no Rio de Janeiro é tema
deste trabalho. Esta pesquisa aborda questões referentes ao processo histórico
de desenvolvimento da fonoaudiologia e analisa a construção das percepções
morais dos alunos, a partir do recorte da percepção do desenvolvimento das
competências morais, na visão dos professores. O objeto desse estudo são os
docentes, responsáveis por sensibilizar os alunos para as questões éticas, sob
uma perspectiva reflexiva e dialógica e com o objetivo de proporcionar
educação eticamente competente.
28
2. Objetivos
2.1. Objetivo Geral
• Identificar e analisar como os docentes do curso de graduação em
fonoaudiologia da universidade que é objeto de estudo percebem o seu
papel e o da universidade no desenvolvimento de valores morais na
formação do profissional de fonoaudiologia.
2.2 Objetivos Específicos
• Identificar o perfil demográfico e profissional dos docentes do curso de
graduação em fonoaudiologia desta faculdade em questão no Rio de
Janeiro em 2007.
• Analisar as diferentes percepções dos docentes de graduação em
fonoaudiologia desta instituição sobre a construção de valores morais e
éticos, sobre o papel da universidade e dos professores nesse processo.
• Constatar como os docentes entendem que o conteúdo relativo à ética e
à moral deve ser trabalhado na graduação e como eles se vêem nesse
processo.
29
3. Materiais e Métodos
Este estudo teve uma abordagem quanti-qualitativa (MINAYO, 2002),
que busca uma compreensão e uma explicação mais específicas acerca do
objeto de estudo, ou seja, este é o ponto de partida para uma investigação
mais detalhada sobre as perspectivas da formação moral do estudante de
fonoaudiologia, sob a visão geral do docente (DESLANDES, 2002), e foi
dividido em duas etapas: documental e observacional (exploratória). A
pesquisa qualitativa trabalha com significados e valores. Segundo MINAYO, o
modelo qualitativo descreve, compreende e explica, exatamente nesta ordem
(MINAYO, 1992). A pesquisa identificou e analisou como se dá a formação de
valores morais e debateu a formação do fonoaudiólogo, focando no
desenvolvimento da competência moral, através do entendimento do corpo
docente.
Esta dissertação teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, em 20 de março de 2007,
sob o número de processo 05/2007 aprovando o início dos trabalhos de
pesquisa referentes a este trabalho.
A primeira parte consistiu no levantamento histórico da implementação
dos cursos de graduação em fonoaudiologia e das transformações curriculares
sofridas pela faculdade de fonoaudiologia da universidade em questão, desde a
sua criação até hoje. Para isso, houve uma pesquisa em livros, revistas e
dissertações, que documentam o início da fonoaudiologia como curso superior.
Além disso, foram revistas as grades curriculares, as ementas das disciplinas
30
do curso e foi realizada uma entrevista (depoimento) com a coordenadora
responsável pelo curso de fonoaudiologia, para dar credibilidade aos dados
referentes ao surgimento do curso na instituição. A análise documental e a
confrontação de seus resultados com os obtidos na fase exploratória
contribuíram para o aprofundamento da dissertação uma vez que a memória
oral complementa as informações históricas colhidas nos documentos
(MINAYO, 1993).
A etapa observacional (exploratória) teve um recorte transversal, o ano
de 2007, e se apoiou na análise das respostas obtidas a partir de questionário
(em anexo III) aplicado ao grupo de 14 docentes do curso de fonoaudiologia da
universidade pesquisada, todos fonoaudiólogos e com vínculo permanente com
a instituição até a data desta dissertação. Estes docentes desempenham papel
decisivo na formação dos estudantes da graduação em fonoaudiologia, e não
apenas durante as aulas de ética e bioética. O grupo representa a totalidade
dos professores que cumprem tais requisitos, configurando, portanto, um
senso. Optou-se pela aplicação dos questionários em detrimento de entrevistas
individuais em virtude da relação entre os professores participantes e a
pesquisadora, ex-aluna dos mesmos, o que poderia constranger e
comprometer o discurso dos docentes.
As professoras foram convidadas a participar da pesquisa em reunião
realizada em abril de 2007 no campus da universidade após exposição e
discussão acerca dos objetivos do estudo. Inicialmente, foi feita uma sondagem
com o objetivo de averiguar a disposição dos membros deste grupo em
colaborar com a pesquisa. A partir disso, aqueles que demonstraram interesse
assinaram o termo de consentimento livre esclarecido (em anexo: ANEXO I e
31
II) e receberam o questionário. Em até 20 dias, todos foram respondidos e
devolvidos através da coordenadora do curso em envolopes não identificados.
Adaptado a partir do questionário padronizado pela Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). O
questionário utilizado é individual, anônimo, auto-aplicativo e estruturado -
dividido em perguntas fechadas, referentes a dados de escolaridade, e
perguntas abertas, que dizem respeito à maneira como os docentes entendem
o próprio papel e o da faculdade na construção dos valores morais dos alunos.
As perguntas fechadas têm como objetivo determinar o perfil dos entrevistados.
Já as perguntas semi-abertas permitem analisar a diferença de percepção
entre estes professores e como eles entendem e programam sua participação
no processo de ensino-aprendizagem. Com estas perguntas, o estudo
pretendeu discutir a viabilidade do ensino da bioética como disciplina isolada e
o tema ética como transversal, além de debater o papel da graduação e do
docente na formação moral do estudante.
Os dados qualitativos resultantes destas questões foram analisados
em sua dimensão objetiva. As informações prestadas pelos professores foram
comparadas, buscando-se semelhanças e diferenças em seus conteúdos, de
forma a elencar as categorias analíticas, que darão base para as interpretações
desta pesquisa (MINAYO, 2002 e MARTINS, 1998).
O resultado deste estudo foi obtido com base na analise de 14
questionários respondidos pelos professores sujeitos da pesquisa. Isto significa
que o senso foi obtido já que 100% da amostra forneceram dados para o
trabalho científico. As informações colhidas foram analisadas qualitativa e
32
quantitativamente, categorizando as respostas a partir dos padrões achados na
leitura dos questionários.
A análise foi dividida, assim como o questionário, em dois momentos: o
primeiro de descrição quantitativa do perfil dos docentes e o outro, que analisa
a maneira como os docentes entendem o próprio papel e o da faculdade na
construção dos valores morais dos alunos.
As respostas às perguntas que se referiam aos dados de identificação,
foram contabilizadas e lançadas em planilha para a análise quantitativa dos
resultados.
As informações apuradas através das perguntas abertas do
questionário da pesquisa passaram por processo de análise de conteúdo, no
qual foram divididas em quatro grupos:
1. Compreensão sobre os valores morais e sua formação - As respostas às
três primeiras perguntas revelam, de certa forma, a compreensão dos
professores acerca dos conceitos relativos à ética e à moral. Elas traçam
um panorama geral do que os professores pensam sobre os valores,
como estes são formados e quais devem pautar uma atuação ética do
profissional de fonoaudiologia.
2. Considerações sobre a atuação dos professores e da faculdade no
processo de aprendizagem - As questões 4 e 5 dizem respeito às
opiniões dos sujeitos da pesquisa a respeito do papel da universidade e
dos professores na transmissão de valores.
3. Opiniões sobre o ensino da ética. As perguntas 6 e 7 trazem as posições
dos docentes sobre como o conteúdo relativo à ética e à moral deve ser
transmitido na graduação e sua pertinência.
33
4. Constatações sobre a realidade da formação moral e ética dos alunos -
As respostas às duas últimas perguntas, 8 e 9, mostram como, de fato,
este conteúdo é trabalhado. Ou seja, apresentam a realidade da
construção moral e ética do discente na visão dos professores.
As respostas dos professores às perguntas do roteiro estruturado
foram agrupadas de acordo com as linhas de raciocínio coincidentes e, em
seguida, detalhadas para uma análise mais aprofundada. De início, as
respostas foram ordenadas e, posteriormente, interpretadas, para, em seguida,
serem cruzadas com os dados quantitativos, partindo do pressuposto de que
poderia haver relação entre as características dos sujeitos da pesquisa e suas
respostas.
Esta pesquisa realizou-se através do Instituto de Estudos de Saúde
Coletiva da UFRJ (IESC). Esta instituição tem como finalidade promover o
ensino da saúde coletiva para alunos de medicina, fisioterapia, fonoaudiologia
e de pós-graduação, além de participar do desenvolvimento de projetos de
pesquisa. Dentro do IESC, este estudo é desenvolvido pelo setor de Produção
Ambiente e Saúde, uma das cinco áreas de concentração de ensino e pesquisa
da instituição.
34
4. Histórico da Fonoaudiologia no Rio de Janeiro
4.1. A formação multidisplinar do campo da fonoaudi ologia
Não se sabe ao certo quando a fonoaudiologia emerge como campo de
conhecimento independente no Brasil. Existem divergências sobre o marco de
surgimento da profissão. Alguns atrelam o surgimento da profissão à sua
existência acadêmica. Para eles, os primeiros cursos técnicos, surgidos na
década de 60, seriam os responsáveis pela validação da fonoaudiologia. Outros
aceitam que a criação da especialidade está atrelada a uma demanda histórica,
vinculada aos processos sociais ocorridos no início do século XX, quando a
figura de um “professor especial” era imprescindível para “homogeneização” da
língua no Brasil. Ou ainda aqueles que associam o surgimento da especialidade
à criação do Colégio Nacional, voltado para a educação dos surdos, em 1855
(CARACIK,2004; SILVEIRA,1996; BERBERIAN,2000 e CAVALHEIRO,1996).
Há também, quem ligue a Fonoaudiologia à Foniatria, especialidade
médica existente no país desde o início do século XX e que também se detifdica
sobre os desvios na comunicação. Segundo os foniatras, estes desvios teriam
suas causas em perturbações de fonação resultantes de anomalia fisiológica do
aparelho fonador ou de posição errônea deste. Existiram poucos profissionais
desta especialidade - como os doutores Bloch, Spinelli e Tabith.
A dificuldade em apontar o período exato de surgimento da
fonoaudiologia decorre, entre outros, da característica de formação de seu
campo de saber, que ocorre a partir da apropriação de conhecimentos de, pelo
menos, quatro áreas: educação, medicina, teatro e música. Em sua dissertação
35
de doutorado, CAPPELLETTI, (2001) analisa a construção da área de
conhecimento do fonoaudiólogo a partir de uma “pesquisa ontológica” segundo a
qual o saber fonoaudiológico busca seus subsídios fundamentalmente nas
mesmas teorias sobre as quais se apóia o campo da educação
(SILVEIRA,1996).
4.2. Sob o enfoque da Sociologia das Profissões
Fazer esta análise histórica sob o enfoque da Sociologia das Profissões
pode ajudar a compreender melhor o debate sobre o surgimento e legitimação
da fonoaudiologia. Para isso, é necessário definir os conceitos de profissão e
trabalho usados nesta pesquisa.
O termo trabalho tem o significado compartilhado socialmente com
sentidos diferentes dependendo da contextualização do diálogo e dos
interlocutores. Pode fazer referência a um caráter punitivo, que converge para a
conotação dada pela igreja católica, ou um caráter estruturador do homem, visão
absorvida pelo capitalismo e doutrinária das igrejas protestantes (WEBER,2004).
Como já foi dito na introdução (saúde coletiva e bioética) o trabalho é um pilar da
sociedade, mas cada vez mais, o trabalho em si não é suficiente para estruturar
um indivíduo. Além disso, o adjetivo trabalhador perde lugar para um novo
conceito, o de profissional. Afinal, o que é uma profissão? Segundo o dicionário
Aurélio (HOLANDA), seu significado é atividade ou ocupação especializada, que
supõe determinado preparo. Ofício com prestígio pelo caráter social e intelectual.
Meio de subsistência remunerado através do trabalho.
36
A profissão vem então acompanhada de um status social, servindo em
nossa sociedade como um diferenciador de papéis sociais. A sociologia
(MACHADO,1995) especifica alguns elementos que constituem uma profissão:
autonomia, adesão ao serviço, forte identidade profissional, confecção do código
de ética, e a demarcação do território profissional. Entre as profissões de saúde,
destacam-se aquelas que desenvolveram sua base cognitiva, e delimitaram
fronteiras para interagir com as demais.
CARDOSO (2001) cita Greenwood que sistematiza os requisitos para
uma ocupação exercer autoridade profissional: base técnica própria, jurisdição
exclusiva, autoridade técnica, habilidade e padrões de treinamento, legitimação
perante o público de seus serviços, código de ética e cultura profissional,
formada por notoriedade e papel social. CARDOSO (2001) analisa que a base
cognitiva do conhecimento deve conter as técnicas próprias de cada profissão,
assim como visibilidade social. Dessa maneira, para a afirmação efetiva da
fonoaudiologia como profissão torna-se necessária a delimitação das
especificidades do seu saber, com instrumentos próprios de apropriação e
intervenção.
Com o cumprimento desta lista de atributos, a profissão é legitimada
pela sociedade, mas este movimento é contínuo, a profissão que não evolui em
sua técnica e habilidade, não cresce, não sedimenta seus sindicatos e conselhos
e não assegura sua credibilidade perante a comunidade, pode deixar de existir.
No decorrer destes últimos 26 anos a atividade do fonoaudiólogo tem
conquistado mercado, mantido as associações de classe, criado cursos de pós-
graduação na área. Atualmente, no Rio de Janeiro, o curso de fonoaudiologia é
ministrado em 10 universidades, sendo somente uma instituição pública. A
37
Fonoaudiologia não é mais simples técnica intuitiva. Os fonoaudiólogos
estudam, atualmente, o processo de comunicação humana e seus desvios. A
fonoaudiologia é caracterizada pela promoção da saúde. Cabe a ele prevenir,
avaliar, diagnosticar e tratar os distúrbios da comunicação humana, para
reabilitar o indivíduo. Além disso, este profissional está habilitado ao ensino e à
pesquisa em suas áreas de atuação: audiologia, voz, motricidade oral, fala,
fluência e linguagem (CRFa,2007; CFFa,2006 e VIEIRA,2000).
A autonomia técnica e a delimitação do campo de saber do
fonoaudiólogo ainda são questões delicadas no processo de profissionalização
deste profissional na área da saúde. Primeiro, por uma defasagem no ensino,
que é focado apenas na técnica e passa ao largo de questões como a
regulamentação da profissão e suas entidades representativas. A falta de
informação compromete a autonomia e restringe o campo de trabalho do
fonoaudiólogo, muitas vezes, visto equivocadamente como um técnico.
Outra questão relevante é a da hierarquia na atuação. Reconhecido
recentemente como profissional, o fonoaudiólogo tem dificuldades para impor a
sua autoridade profissional diante do ceticismo de alguns profissionais de
medicina, cuja credibilidade se apóia em séculos de existência.
Neste contexto, o desequilíbrio de gênero, com enorme prevalência de
profissionais de fonoaudiologia do sexo feminino, não deve ser ignorado. Em
abril de 2007, o conselho regional de fonoaudiologia do Rio de Janeiro - CRFa1
contava 5.207 profissionais inscritos e ativos, destes, 5.085 (ou 97,66%) são do
sexo feminino e 122 (ou 2,34%) são do sexo masculino (CRFa,2007a).
38
Este desequilíbrio poderia ser elucidado pela hipótese da sociologia da
educação, que discute as diferenças no processo de socialização analisando o
processo cultural de educação de homens e mulheres. O conceito de gênero
foi incorporado pela sociologia a partir da década de 80, quando foi
demonstrado que a variabilidade cultural seria responsável pelas
concentrações de gênero em determinadas funções. A adoção dessa
perspectiva reconhece que existem assimetrias nas relações de poder entre
mulheres e homens. O conteúdo moral do profissional, que varia de acordo
com valores culturais, pode, portanto, ser influenciado pela diferença de
gênero.
A relação do processo educacional com a predominância feminina na
Fonoaudiologia pode ser analisada ainda por um outro prisma. De forma geral,
as mulheres tendem a eleger a generosidade em detrimento da justiça para
influenciar suas ações morais. De acordo com LEITÃO (1999) em estudos com
crianças, Zahn-Waxler, Kochanska, Krupnick e McKnew, (1990, pg 22)
observaram que as “meninas demonstram maiores sinais de envolvimento
emocional com os problemas dos outros e maior responsabilidade para com os
problemas dos outros.” Outra autora importante neste debate é Carol Gilligan,
que será comentada no próximo capítulo. Logo, uma maior identificação com
atividades que demandem cuidado e envolvimento emocional, caso das
atividades terapêuticas, pode ser entendida como um movimento natural. Não
causaria surpresa, portanto, a predominância de mulheres entre os
profissionais de Fonoaudiologia, cuja origem, como já foi dito, está ligada à
área da educação e a saúde áreas que se identificam com o cuidado.
(CARDOSO,2001 e CFFa, 2006)
39
4.3. Marcos históricos do surgimento da fonoaudiolo gia
O primeiro país a reconhecer a profissão foi a Hungria, em 1900. No
Brasil, a fonoaudiologia foi o último curso no campo da saúde a ser
regulamentado, o que só ocorreu em 1981, (SILVEIRA,1996 e
BERBERIAN,2000) embora já existissem cursos na área de logopedia – ciência
voltada para o tratamento de distúrbios da fala - desde a década de 60 no Rio de
Janeiro. Segundo SILVEIRA (1996), o curso de logopedia do Hospital São
Francisco de Assis, da UFRJ, foi o primeiro a ser criado na cidade, em 1956, e
durou apenas um ano. Pouco depois, mais três cursos surgiram: o do Instituto
Cultural Henry Dunant, que em 1963 já estava vinculado à Universidade; o curso
em logopedia da Associação Pestalozzi, em 1964, e, no mesmo ano, o curso de
Terapeutas da Palavra, criado pela secretaria de Educação do antigo estado da
Guanabara (CARDOSO,2001 E CFFa,2006). Estes cursos ainda não tinham
uma grade curricular definida.
Outros movimentos determinantes para o surgimento da fonoaudiologia
ocorriam nesta mesma época. Profissionais como Lilia Nunes e Esther Leão,
ligadas ao teatro, atuavam na reabilitação dos problemas da voz de atores e os
orientavam sobre técnicas de impostação de voz. Enquanto isso, a ex-cantora
Edmeé Brandi iniciava trabalhos de aprimoramento vocal e de questões
relacionadas à voz falada e cantada também no Rio. Já o foniatra Pedro Bloch
começava a trabalhar na área de reabilitação da fala na ABBR. Além destes,
Maria da Glória Beuttermuller, Regina Morizot Leite e Beatriz Saboya, entre
outros, atuavam de maneira autônoma nas mesmas áreas. Na mesma década,
outros dois eventos evidenciam a importância destes novos profissionais. A
40
Secretaria de Educação cria o Serviço Especializado de Terapia da Palavra, que
atuava dentro das Escolas Municipais. Fechando a década, em 1969, é realizado
o primeiro Congresso de Terapia da Palavra no Brasil. Os cursos aliados aos
trabalhos pioneiros destas pessoas foram decisivos na legitimação do papel do
fonoaudiólogo como profissional especializado no tratamento e reabilitação da
linguagem (SILVEIRA,1996, e CRFa, 2007).
Já a primeira publicação no campo da fonoaudiologia é de autoria de
Edmée Brandi, uma cantora camerística que, em 1972, levanta estudos a
respeito da avaliação e do tratamento fonoaudiológico das disfonias e dislalias.
Um livro destinado aos profissionais da voz, em cuja introdução ela discorre
sobre a constituição do seu caminho na fonoaudiologia e sobre a implementação
do Setor de Foniatria no Serviço da Saúde Escolar do Instituto de Educação no
Rio de Janeiro. O segundo livro, de 1974, que corrobora a teoria da relação com
a educação, o teatro e a música, é de Gloria Beuttenmuller. Nele, ela também
explora a questão da voz e usa técnicas do teatro e da educação, trazidas de
seu trabalho com cegos e na escola de teatro da Unirio (CARACIKI,2004).
A convergência destas diversas vertentes que compõem, hoje, a
fonoaudiologia se daria no final da década de 60 e início da de 70, com a
criação das primeiras clínicas multidisciplinares para tratamento de deficiências
da linguagem oral e escrita, fala, voz e audição. (BERBERIAN,2000 e
CFFa,2006)
Esta trajetória se dá no período da ditadura no Brasil, e está
relacionada, de certa forma, à valorização da idéia positivista de ordem e
correção em todos os níveis - inclusive nas habilidades de fala, escrita, etc. -,
41
cuja conseqüência natural é a rotulação e a hiper-valorização dos desvios de
linguagem escrita e oral em detrimento da acolhida do sujeito e da sua
realidade (UFRJ,2007). À medida que estas idéias perderam força, a vertente
tecnicista da fonoaudiologia deu, aos poucos, lugar a uma visão mais
humanista da profissão. Nos anos 80, a produção de conhecimento leva ao
avanço das práticas e à conscientização dos profissionais, que passam a
questionar para quem e para que a fonoaudiologia deve ser exercida. Deste
debate resulta a organização teórica, prática e ética da atividade.
A Lei Federal 6965, aprovada em 1981, regulamentou a profissão e
dita os aspectos da competência técnica. No ano seguinte, associações de
fonoaudiólogos elaboraram o código de ética da profissão, que determina
aspectos políticos e deontológicos de forma a evitar abusos por parte dos
fonoaudiólogos e, desta forma, preservar sua credibilidade. Em 1995, o texto
do código foi revisado e, em 2004, novamente atualizado pela Resolução 305
do Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa). De acordo com a lei e o
código de ética, é facultado a todo fonoaudiólogo assumir suas
responsabilidades com autoridade e autonomia para desempenhar suas
atividades técnicas, acadêmicas e políticas. Por isso, é a partir da criação
destes documentos que a fonoaudiologia é exercida de forma legal e se afirma
definitivamente como profissão, já que se estabelece como ciência e caminha
de forma independente dentro da área da comunicação (SILVEIRA,1996;
CARDOSO,2001 e CRFa,2007).
42
Os primeiros cursos em fonoaudiologia tinham duração máxima de
dois anos. Atualmente, duram quatro anos e são freqüentados apenas em meio
período. A intenção na universidade estudada é torná-lo integral.
Embora a regulamentação da profissão tenha ocorrido em 1981,
somente em 1983 foi fixado o currículo mínimo do curso de graduação. Os
cursos existentes até então, de formação técnica em sua maioria e com carga
horária de aproximadamente 1.800 horas, foram adequados à nova realidade
acadêmica, passando a ter duração mínima de 2.700 horas e estágios
supervisionados. As disciplinas foram, então, divididas entre básicas e
profissionalizantes. (CAVALHEIRO,1996 e CARDOSO,2001)
Em 1994, o curso de fonoaudiologia volta a ser oferecido pela UFRJ, já
que em 1956 havia sido oferecido por um ano somente, como curso de
logopedia no hospital São Francisco de Assis. Desta vez, dentro da Faculdade
de Medicina. O curso de graduação sobre os distúrbios de audição, voz,
palavra e linguagem preenche uma lacuna, já que se torna o único da rede
pública de ensino no Rio de Janeiro. Sua primeira grade curricular previa carga
de 2.845 horas. Em 1997, uma comissão formada pelo Ministério da Educação
e Cultura propõe a reformulação curricular de todos os cursos de
fonoaudiologia do país. Com isso, a grade do curso da universidade estudada,
agora, já aprovado pelo MEC, passa ter 3.430 horas. No primeiro semestre de
2002, a graduação passa a ser cursada em 3.615 horas, carga horária
cumprida em tempo integral (dois turnos) até hoje. (VIEIRA, 2000; CRFa,
2007ª; UFRJ, 2007). Uma das conseqüências do aumento da carga horária foi
o maior monitoramento dos alunos por parte dos professores, resultado da
43
inclusão dos estágios em ambulatório dentro da grade curricular do curso. A
aquisição de experiência clínica devidamente supervisionada faz com que o
aprendizado profissional seja, do ponto de vista ético, mais adequado. O
aumento de carga propicia também maior possibilidade de amadurecimento do
alunado que, por passar mais tempo na graduação, além de ganhar mais
embasamento teórico–prático, chega mais amadurecido ao mercado de
trabalho. As mudanças curriculares propostas pelo MEC enfocam as
necessidades sociais, ou seja, têm como objetivo formar um profissional atento
à sociedade, com perfil generalista e capaz de trabalhar de maneira inter e
transdisciplinar no campo da fonoaudiologia (MEC,2007).
4.4. O curso hoje
O currículo do curso de fonoaudiologia, hoje, é dividido em ciclos, que
mesclam o conteúdo básico e profissionalizante teórico-prático. A maior parte
do primeiro é cursada nos três períodos iniciais, e, através de disciplinas como
Anatomia, Fisiologia, Patologia Geral e Bioquímica, confere ao aluno
ferramentas fundamentais para a atuação na área da saúde. Nele, os
professores não são fonoaudiólogos necessariamente. Já a maior parte das
aulas referentes ao conteúdo teórico-prático se concentra nos cinco períodos
subseqüentes e tem enfoque específico, voltado para a fonoaudiologia. Visam
formar o profissional para que ele exerça plenamente as funções de prevenir,
diagnosticar, tratar e reabilitar, nas áreas de voz, fala, linguagem e audição
(MEC,2007).
O equilíbrio entre as diferentes características das disciplinas
oferecidas - generalistas x específicas, teóricas x práticas - é motivo de
44
constantes debates até hoje, já que a compreensão sobre a maneira de atingi-
lo difere de pessoa para pessoa. O desafio é concretizar um projeto
pedagógico que englobe a conduta, a teoria e a prática, formando profissionais
que atuem de maneira humanista e intervenham coletiva ou individualmente,
enxergando o paciente de maneira holística. Outro dilema enfrentado pela
faculdade é o de formar a identidade profissional na fronteira entre a educação
e a saúde.
Através da resolução CNE/CES5, de 19 de fevereiro de 2002, o
conselho nacional de educação superior instituiu as diretrizes curriculares para
o curso de graduação em fonoaudiologia, que vigoram até hoje. Os artigos 3º e
5º discorrem sobre o caráter amplo do currículo de fonoaudiologia e sobre as
competências que a formação deve objetivar:
Art. 3º O Curso de Graduação em Fonoaudiologia tem
como perfil do formando egresso/profissional o
Fonoaudiólogo, com formação generalista, humanista,
crítica e reflexiva. Capacitado a atuar, pautado em
princípios éticos, no campo clínico-terapêutico e
preventivo das práticas fonoaudiológicas. Possui
formação ético-filosófica, de natureza epistemológica, e
ético-política em consonância com os princípios e valores
que regem o exercício profissional. Conhece os
fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da
Fonoaudiologia e seus diferentes modelos de intervenção
e atua com base no rigor científico e intelectual.
Art. 5º A formação do Fonoaudiólogo tem por objetivo
dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o
exercício das seguintes competências e habilidades
específicas:
45
I - compreender e analisar criticamente os sistemas
teóricos e conceituais envolvidos no campo
fonoaudiológico, que abrange o estudo da motricidade
oral, voz, fala, linguagem oral e escrita e da audição, e os
métodos clínicos utilizados para prevenir, avaliar,
diagnosticar e tratar os distúrbios da linguagem (oral e
escrita), audição, voz e sistema sensório motor oral;
(...)
V - apreender e elaborar criticamente o amplo leque de
questões clínicas, científico-filosóficas, éticas, políticas,
sociais e culturais implicadas na atuação profissional do
Fonoaudiólogo, capacitando-se para realizar
intervenções apropriadas às diferentes demandas
sociais;
(...)
VII - reconhecer a saúde como direito e atuar de forma a
garantir a integralidade da assistência entendida como
conjunto articulado e contínuo de ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos
para cada caso em todos os níveis de complexidade do
sistema;
VIII - desenvolver, participar e/ou analisar projetos de
atuação profissional disciplinares, multidisciplinares,
interdisciplinares e transdisciplinares;
IX - possuir recursos científicos, teórico-práticos e éticos
que permitam a atuação profissional e reavaliação de
condutas;
X - conquistar autonomia pessoal e intelectual
necessárias para empreender contínua formação
profissional;
(...)
Parágrafo único. A formação do Fonoaudiólogo deverá
atender ao sistema de saúde vigente no país.
46
A grade curricular, como foi visto acima, desafia à universidade a
formar profissionais cidadãos, embora haja dúvidas sobre seu cumprimento
eficaz. Atualmente, a universidade, o ensino médio e o ensino fundamental
sofrem uma crise de qualidade, o que faz com que cada etapa de ensino
prepare o aluno única e exclusivamente para a fase seguinte. Ou seja, o ensino
básico prepara para o vestibular e a faculdade, que por sua vez, enquadra o
discente no mercado de trabalho, de acordo com a demanda de profissionais.
Em todas estas etapas, a formação do indivíduo social tende a ser esquecida.
Para tentar minimizar este déficit, as diretrizes curriculares do MEC
para a fonoaudiologia sugerem uma proposta voltada para o desenvolvimento
não apenas das competências técnicas do individuo, mas também de sua
capacidade de compreensão de toda a dinâmica da saúde coletiva, fornecendo
ferramentas para que este profissional possa interagir com os demais e
aperfeiçoá-la. O caráter mercadológico seria abandonando em detrimento de
uma formação mais ampla e comprometida com a sociedade, que contribua
para a credibilidade da profissão junto à população, legitimando-a
(RUSSO,2004).
Complexa, a construção desta capacidade de construção e alteração
da realidade social requer um desenvolvimento permanente do profissional. Por
isso, não pode ser fomentada durante apenas um período do curso de
graduação; deve permeá-lo do início ao fim. A transdisciplinaridade tem,
portanto, papel primordial neste processo. Ligada nesta dissertação às idéias
de interação e intercâmbio, o conceito é mencionado por CHAVES em seu
ensaio: "trans indica e lida com o que está ao mesmo tempo entre as
47
disciplinas, através e além de todas as disciplinas. Sua finalidade é
compreender o mundo atual, onde um dos imperativos é a unidade do
conhecimento". (CHAVES, 1998)
Outra iniciativa que as novas grades curriculares incentivam cada vez
mais é o desenvolvimento de mestres e doutores na área de fonoaudiologia já
que o MEC exige estes títulos dos professores universitários. O aumento do
número de profissionais formados, aproximadamente 24 mil, por si só, gera um
aumento da concorrência e uma necessidade de continuidade da formação.
Mesmo assim, as pesquisas no campo da fonoaudiologia ainda não são
desenvolvidas em larga escala. Um dos motivos apontados para isto é o fato
de a maioria dos cursos de fonoaudiologia ser oferecida por instituições
particulares. Outro seria a falta de verba auxílio a pesquisa nesta área, já que
não há fomento por parte de instituições privadas. A pequena visibilidade, a
falta de reconhecimento dos pesquisadores dentro da profissão e o fato de ser
uma profissão jovem fazem com que poucos fonoaudiólogos tenham o grau de
mestre ou o doutorado (RUSSO, 2004).
Segundo levantamentos realizados, poucos são os trabalhos
defendidos na área de fonoaudiologia em doutorado. Até dezembro de 2003,
somente 203 teses foram defendidas. E o que é mais alarmante: até esta data,
só uma dissertação de mestrado foi defendida sobre o tema ética profissional e
fonoaudiologia, dentro da área de distúrbios da comunicação em 1999
(FERRIGOTTI,2001 e RUSSO,2004).
O Ministério da Educação propõe para todos os profissionais o
desenvolvimento de suas habilidades e competências técnicas específicas,
48
bem como as de pesquisador em sua área. A formação deve ser conduzida a
partir de uma visão crítico-reflexiva, pautada pelos princípios éticos e morais,
em consonância com os valores vigentes na sociedade. Os conceitos de
competência e desenvolvimento moral e ético, que devem pautar o exercício
profissional deste e de qualquer outro profissional da área da saúde, são
decisivos neste processo. Por isso, serão enfatizados nesta discussão sobre o
desenvolvimento moral do indivíduo e interferem na formação do profissional
de fonoaudiologia.
49
5. Desenvolvimento da competência moral
Como o desenvolvimento moral é objeto de estudo de várias vertentes
tanto das ciências humanas quanto da filosofia, é importante situar qual a
abordagem teórica empregada neste trabalho. A fundamentação aqui
empregada é a da psicologia do desenvolvimento e da moral, que analisa o
processo de desenvolvimento dos valores morais e éticos, estuda a natureza
dos juízos e das ações morais, bem como a legitimação das ações morais.
Piaget, Vigotsky, Turiel e Kohlberg são os principais autores nesta área e, por
isso, suas idéias serão debatidas aqui. A discussão, por vezes, poderá se
relacionar com outras perspectivas como a da sociologia, ou especificamente
teorias de Weber e Durkhein. Os referenciais psicanalítico e filosófico não são
debatidos neste estudo por não serem reconhecidamente o foco desta linha de
pesquisa (REGO,2003) .
Além do esclarecimento acerca das teorias empregadas, é importante
notar também por qual perspectiva apresenta-se o desenvolvimento ético e
moral. Para este estudo, entende-se que o que está sendo discutido são os
comportamentos humanos relacionados aos valores morais, à ética e à moral.
Estes comportamentos são julgados em um determinado tempo e por uma
determinada comunidade, a partir do que esta toma como ideal. Por isso,
sempre haverá margem para críticas e mudanças nestes comportamentos. Ao
estabelecer suas diretrizes de ensino, a faculdade adota um perfil de
profissional como modelo a ser perseguido no desenvolvimento de seus alunos
durante a graduação, que pode se chocar com a expectativa de cada um deles
e da sociedade. Ainda assim, as diretrizes adotadas na busca deste perfil,
50
associadas às suposições dos professores acerca dos conteúdos que devem
ser transmitidos, serão determinantes na formação do profissional. Por isso,
analisar a compreensão dos professores sobre o desenvolvimento ético dos
alunos, pode ajudar a entender o comportamento ético e moral dos
profissionais de fonoaudiologia.
Para discutir o processo de formação ética no curso de graduação a
partir de uma reflexão critica sobre a fundamentação e o significado de valores
mutáveis em uma determinada sociedade, é preciso levar em conta os
aspectos morais norteadores do comportamento desta comunidade, ou seja, o
que é considerado bom e mau. É justamente na faculdade que eles serão
discutidos a partir de uma ação dialética. Nela, é feita a ponte entre o
profissional formado e a sociedade, e será transformada a cultura das
profissões.
Os temas ética e moral eram transmitidos ao aluno
predominantemente de forma heterônoma, ou seja, sem que houvesse a
possibilidade de questionamento deste. Na a década de 70, isto foi
potencializada pela incorporação da disciplina educação moral e cívica, e a
partir disso, os temas são vistos com certo ceticismo pela sociedade, que
passou associar a educação moral à imposição de valores, à coação e ao
autoritarismo graças à ditadura. (REGO,2003 e LA TAILLE,2004).
As diretrizes curriculares determinam que os cursos de graduação em
fonoaudiologia tratem a ética como um tema transversal, além de recomendar
seu ensino como disciplina isolada. A graduação deve abarcar as dimensões
técnica e política do ensino, objetivando o desenvolvimento articulado das
51
capacidades potenciais do aluno. Este processo educativo se dá a partir da
socialização do aluno, compreendida como “um processo social no qual os
indivíduos adquirem habilidades, conhecimento, valores e papéis consonantes
com sua posição em um grupo ou sociedade”. REGO ainda afirma: “processo
pelo qual a personalidade é formada, como resultado das influências sociais”.
(2003)
REGO (2001) refere-se à compreensão de Merton sobre o processo
educativo para descrever como o método de aprendizagem influencia a
profissionalização. Ele apresenta duas formas de aprendizado: o direto, através
do ensino por disciplinas, e o indireto, a partir da interação e da mediação dos
professores e dos colegas. É a partir delas que a aquisição de conhecimento
técnico e comportamental, ou a formação do ethos, ocorre. Isso não significa
que o aluno inicie sua vida acadêmica destituído de saber e seja moldado no
decorrer do curso. Sua socialização prévia dá arcabouço para a sua formação
profissional, processo no qual esses valores morais continuarão a ser
desenvolvidos.
Para a psicologia do desenvolvimento, o despertar moral se inicia por
volta dos quatro anos e se apresenta sempre através de duas dimensões: a
afetiva e a cognitiva (REGO,2005). Os primeiros estudos sobre moralidade
realizados por Kant tinham como proposta a educação coercitiva, através da
punição. Piaget se baseia na filosofia kantiana para criar uma teoria acerca do
desenvolvimento moral e cognitivo da criança. Para ele, a interação entre as
bases biológicas e cognitivas com o ambiente constrói o desenvolvimento do
julgamento moral da criança (REGO,2003).
52
Sucessor dos estudos de Piaget, Kohlberg, estuda o raciocínio moral
dos sujeitos e a capacidade dos indivíduos em avaliar e refletir acerca de
questões morais. Estudando o juízo moral, ele identifica seis estágios
seqüenciais de competência moral, agrupados em três etapas: pré-
convencional, convencional e pós-convencional. Os estágios seriam uma
seqüência invariável e estruturada de transformações hierárquicas em que os
indivíduos são categorizados a partir de suas opções diante de dilemas
apresentados (REGO, 2003, 2001 e PUIG, 1998). Porém, foi Piaget que definiu
em seus estudos a existência de duas morais, construídas através da coação e
da cooperação. A coação, também chamada de moral heterônoma, trata
essencialmente do respeito unilateral às ordens dadas pelos indivíduos com
autoridade sobre determinada pessoa. Trata-se de uma moral da obediência.
Já no processo de cooperação, as partes interagem com vistas ao
desenvolvimento e à eficaz utilização da capacidade individual, dando origem à
moral autônoma, na qual o respeito mútuo e a reciprocidade são elementos
fundamentais. Esta representaria a superação da primeira. O autor ainda
descreve como fio condutor do desenvolvimento moral de um indivíduo a
progressiva superação da heteronomia pela autonomia à medida que a
personalidade moral é construída. Piaget destaca as relações de coação e
obediência no cenário das relações sociais infantis porque pretendia sublinhar
o fato de que o eixo central do desenvolvimento moral é a passagem da
heteronomia para a autonomia (REGO,2001).
No campo da Psicologia Moral, pesquisas mais recentes de 1986
feitas por Elliot Turiel mostram que crianças entre quatro e cinco anos já são
dotadas de uma sensibilidade moral mais ampla, que permitiria a adoção de
53
processos educativos que fogem à lógica da submissão à autoridade. Ele
verificou que a capacidade de avaliação do justo e do injusto poderia surgir
antes do que se supunha. (LA TAILLE,2006). Esta capacidade seria decorrente
de uma possibilidade precoce de abstrair regras necessárias à mínima
harmonia nas relações interpessoais e, por outro lado, de uma sensibilidade,
também precoce, ao bem estar alheio LA TAILLE (PUIG,1998a). Isso não quer
dizer, evidentemente, que a capacidade de julgamento moral já esteja formada.
O que ocorre a partir desta idade é a percepção da diferença entre as ações
que deveriam ser realizadas e as que o são efetivamente.
Com isso, é notório que o senso moral pode ser aprendido
cognitivamente. Segundo os autores citados até aqui, pode-se dizer que o
conteúdo moral é composto por regras e princípios. As regras, em uma
concepção heterônoma, são impostas, determinam o que deve ou não ser feito
e informam direitos e deveres, enquanto os princípios, embora possam ser
transmitidos, são pessoais e norteiam as ações morais. Para desenvolver uma
concepção autônoma e individual, é preciso que haja uma educação baseada
na reflexão sobre as regras (REGO,2003).
Além da dimensão cognitiva dada ao desenvolvimento moral através
do aprendizado de regras e princípios, há também uma vertente afetiva neste
processo. A obediência pode ser motivada pelo medo, pela esperança de
recompensa ou ainda pelo desejo de agir segundo a norma. Isto significa que a
ação está correlacionada ao medo e ao amor sentidos, no caso da criança,
pelo adulto, que é visto como uma figura poderosa, importante e digna de
apego. Segundo Piaget, estes dois sentimentos fazem com que a criança se
54
submeta pelo desejo de cumprir as ordens de pessoas consideradas boas para
ela. A partir de então, passaria a existir uma obediência espontânea, que está
relacionada à empatia que a pessoa sente pela autoridade (LA TAILLE,2006).
Visto dessa forma, os valores são investimentos afetivos, ou seja, são
construídos a partir de conceitos, mas estão ligados às emoções. A moral se
sustenta então sobre o afeto e o intelecto. Tomando por base as teorias de
Piaget (LA TAILLE,1996), pode-se afirmar que a afetividade não modifica
estruturas cognitivas. Para ele, a inteligência refere-se às estruturas enquanto
a afetividade, à energética que faz tais estruturas serem construídas e agirem.
Os valores que uma família julga importantes devem ser
compartilhados pelos pais e a escola, já que estas instituições vão cooperar
para a formação da criança. Do desenvolvimento moral, virá o amadurecimento
e a assimilação destes valores pelo indivíduo em formação (LA TAILLE,2000).
Em resumo, a construção moral pode ter sua fonte na empatia, que
gera ações de generosidade por ser um elemento desencadeador de
progressivas descentrações - capacidade da criança de estabelecer diferença
entre si e a realidade externa e de considerar um ponto de vista diferente ao
seu. A virtude da generosidade, que está presente no universo moral infantil,
deve ocupar um lugar de destaque nele a partir do estágio pré-operatório
descrito por Piaget. Ou seja, virtudes como justiça, generosidade, empatia e
dignidade são as bases para o desenvolvimento moral.
A justiça implica no equilíbrio entre direitos e deveres, e pressupõe
relações de reciprocidade, bem como os conceitos de igualdade e de eqüidade,
55
que as crianças no estágio pré-operatório ainda não são capazes de assimilar.
Portanto, a empatia e a generosidade precedem a justiça no desenvolvimento
moral da criança, já que correspondem a uma capacidade emocional precoce e
não pressupõem igualdade nem reciprocidade (LA TAILLE,2006).
Levando em conta as teorias descritas, pode-se dizer que o
desenvolvimento moral do individuo está intimamente atrelado ao
desenvolvimento social e intelectual. Essa forte ligação entre crescimento
moral e intelectual é analisada sob o prisma do construtivismo na obra de
Piaget. Para ele, existem dois tipos de relação que constroem o ser social, a
coação e a cooperação, que podem levar ou não ao desenvolvimento do
sujeito. A coação seria uma relação desigual, onde o indivíduo coagido tem
pouca possibilidade de desenvolver-se racionalmente. Piaget destaca que, nas
relações assimétricas de autoridade (coação), as noções e regras são
assimiladas superficialmente. Já o conceito de cooperação advém da relação
que possibilita a troca e o desenvolvimento integral do ser (LA TAILLE, 2000;
PIAGET,1996 e BIAGGIO,2000). As relações de cooperação promovem o
embasamento das noções e das regras na consciência, fazendo com que
conceitos sejam assimilados e articulados em redes de significado mais
amplas.
Para PUIG (PUIG,1998), que também elabora estudos sobre o
desenvolvimento moral, a conduta será motivada a partir da construção da
personalidade moral, que deriva da auto-imagem e da inter-relação entre
individuo e sociedade. Significa dizer que para construir a identidade são
necessárias representações valorativas de si mesmo e da relação com a
56
sociedade, que dependem, entre outros, dos valores caros à pessoa. Essa
auto-imagem traz um caráter afetivo que pode ser positivo ou negativo, ou seja,
a maneira como o indivíduo se vê no mundo afeta o seu desenvolvimento
moral. “A educação moral é essencialmente um processo de construção de si
mesmo”, diz PUIG. (PUIG,1998, pg 15). Este processo tem como base os
sentimentos do sujeito, sua capacidade de raciocínio e seu contexto social
(família, mídia, escola trabalho amigos, comunidade).
Na linha da psicologia moral há uma voz feminina, Carol Gilligan, que
critica as teorias de Piaget e Kohlberg, questionando o privilégio do ideal da
justiça em detrimento ao ideal do cuidado (generosidade) em suas teorias.
Segundo ela, a moralidade masculina teria uma orientação voltada para justiça
- o direito do outro - enquanto a feminina se daria a partir do cuidado com o
outro (LA TAILLE, 2006).
Vygotsky também contribui para a psicologia do desenvolvimento com
a criação do conceito de zona de desenvolvimento proximal, região na qual as
capacidades individuais são otimizadas através da relação com o outro. De
acordo com esta visão, o indivíduo teria sua capacidade desenvolvida a partir
da interação com outro sujeito. O desempenho do indivíduo em qualquer
atividade seria, então, o resultado da soma entre a capacidade latente
(competência individual) e o conjunto das capacidades do outro, o sujeito que
media a ação, fazendo, assim, com que o outro atinja um nível superior de
raciocínio. Este processo tem desdobramentos já que os modelos seguidos
podem ser reaplicados em outras ações experimentadas pelo sujeito
(REGO,2001).
57
Cabe aqui esclarecer o sentido da palavra “competência”, para facilitar
a compreensão da teoria de Vygotsky e das demais formulações acerca da
ética. Segundo o Ministério da Educação e Cultura, competência é a
“ capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos
e habilidades necessárias para o desempenho eficaz e eficiente de atitudes
requeridas pela natureza do trabalho”. (BRASIL,1999) Para RIOS (2006),
“competência é igual a saber, fazer bem” (pg 46). A autora ainda explica que a
palavra “bem” tem uma dimensão técnica, relacionada ao domínio de
determinado conhecimento, e um aspecto político, vinculado à atitude
desejável de acordo com os valores da sociedade. Já o termo “habilidade” está
vinculado à competência já que descreve não apenas o “saber-fazer”,
relacionado com a atuação prática-técnica, mas também os conhecimentos, as
atitudes e as práticas no trabalho (BARBOSA,2007).
Vale lembrar que os dois conceitos estão subordinados à formação ou
ao aprendizado. Por isso é importante explicitar suas diferenças e
semelhanças, afinal, os conceitos de formação e de aprendizagem têm, cada
um, o seu campo semântico. Pode-se dizer que a formação se refere aos
procedimentos de aquisição e apropriação de saberes ou competências. A
aprendizagem, por sua vez, refere-se ao processo de transformação das
primeiras experiências em um determinado campo para um segundo patamar
dentro deste processo.
Educação também é um conceito importante, pois remete a um
processo contínuo de aquisição de conhecimento e elaboração de
conhecimento com aplicabilidade ou não. A lógica da educação, então, deve
58
ser a de instrumentalizar o aluno para que este construa as competências e
habilidades para a atuação profissional. Este processo de construção do
conhecimento possibilita um aprendizado constante, uma absorção intermitente
de saber prático ou do “saber fazer” (BARBOSA,2007).
Para estimular este aprendizado, a universidade procura construir, a
partir das diretrizes estabelecidas, um currículo que estimule o
desenvolvimento das competências pelos alunos. Entre estas competências
está a moral, desenvolvida a partir da reflexão e colocação de problemas para
discussão de casos. Logo, o educador não se resume a um mero transmissor
de dados técnicos, assumindo um papel de mediador do conhecimento
teórico/pratico e político. Por esta perspectiva, o objetivo do docente deixa de
ser o de ensinar e passa ser o de fazer aprender. Debatendo PUIG, La Taille
(PUIG,1998) afirma que o papel do professor é o de guia, o da pessoa madura
que, por ter mais experiência e consciência dos valores e regras (não
dogmáticas), colabora com o desenvolvimento do outro, resgatando-o para um
dialogo que o permita refletir e agir moralmente na sociedade.
Piaget enquadra os jovens na etapa “operatória formal” do
desenvolvimento cognitivo. Segundo o teórico, eles apresentam todos os
elementos necessários para utilizar o método experimental da ciência, formular
hipóteses e testá-las sistematicamente. Outra realidade deste período é a dos
questionamentos a respeito de ordens abstratas de valores, ideologias e futuro,
o que torna esta fase o ápice do desenvolvimento da inteligência,
correspondente ao nível de pensamento hipotético-dedutivo ou lógico-
matemático (BIAGGIO,2000).
59
Kohlberg enquadra os alunos que ingressam nas universidades,
basicamente, em dois estágios de desenvolvimento moral. A maioria deles
estaria na fase “convencional”, caracterizada pelo julgamento calcado nas boas
ações (aceitação social) ou na orientação pela ordem e a lei (PIAGET,1996). A
menor parte estaria no nível “pré-convencional”, marcado por uma orientação
da moralidade regida por atos julgados a partir da relação ação-conseqüência,
a mesma lógica do Código de Hamurabi.
Durkheim (2003, pg 35) afirma que “a moral não é um sistema de
regras abstratas que as pessoas trazem gravadas na consciência ou que são
deduzidas pelo moralista no isolamento de sua sala”. Trata-se de uma função
social ou, mais que isso, de um sistema de funções formado e consolidado pela
a pressão das necessidades coletivas. Para Durkheim, a formação moral é um
processo no qual os indivíduos recebem da sociedade os valores e normas
vigentes. Tais concepções são impostas aos indivíduos a partir de uma
autoridade superior a qual não podem se opor, restando como alternativa a
submissão. As normas morais são impostas uma vez que são produzidas por
uma ação coletiva que não deixa margem de manobra aos indivíduos, que, por
sua vez, têm pouca influência sobre elas. Este processo tem como
conseqüência fundamental o conflito entre as normas impostas pelo coletivo e
o desejo individual, relacionado à natureza de cada um. As estratégias da
formação moral devem, então, estar associadas a estas duas facetas do
sujeito, ou seja, aos aspectos subjetivo/individual e social. A educação moral
deve, por isso, integrar os indivíduos na comunidade (DURKHEM,2003 e
GOERGEM,2005).
60
Dessa concepção de moral, na qual o desejo individual é reprimido
pelo coletivo, decorre um modelo de educação que transmite valores fixos.
Todos são levados a reconhecer a autoridade, seguir seus dogmas e
retransmiti-los. Este modelo pode ser compreendido como uma herança do
período em que a educação era diretamente ligada à religião. Hoje, o modelo
heterônomo sofre uma revisão, na qual assume traços de uma ética laica, mas
em muitas escolas, permanece como modelo vigente (PUIG,1998).
Neste caso, o sujeito não é livre para tomar suas próprias decisões, de
acordo com a sua consciência, assim se submete às normas e valores vigentes
na sociedade. Agir moralmente significa agir em conformidade com as normas
estabelecidas em sociedade. Para Durkheim, agir moralmente pressupõe
disciplina e, numa fase mais avançada, adesão, solidariedade e vinculação ao
grupo social. Para ele, os seres humanos reconhecem na sociedade algo
superior à sua individualidade e acreditam que, agindo segundo o interesse
coletivo, realizam de forma melhor sua própria natureza. (BIAGGIO,2000)
Para que os valores sejam transmitidos para o individuo e legitimados,
deve haver a aceitação e o reconhecimento das normas vigentes e, portanto, a
educação moral faria parte da socialização do indivíduo. Hoje, é consenso que
os alunos devem ser educados para reconhecer e aceitar as normas, que
levariam a uma convivência harmônica com os seus iguais. Segundo PUIG, é
tarefa da escola e do professor, enquanto autoridade moral, criar nos jovens o
sentimento de vinculação a uma coletividade. Desta forma, a educação moral
fica reduzida à adaptação heterônoma ao modelo social vigente, deixando em
segundo plano a questão da formação da consciência moral autônoma. Em
61
Durkheim, a autonomia moral não inclui a possibilidade de questionamento e
eventual recusa da norma (PUIG,1998).
Já Kolberg considera que a educação moral tem a finalidade de
estimular o juízo moral e um amadurecimento progressivo. Entender a lógica
da progressão moral nos estágios de Kolberg e da empatia neste processo é
importante para avaliar as questões éticas-profissionais que surgem durante a
atuação do fonoaudiólogo. A teoria de Kohlberg sobre o “role-taking” (ou a
empatia) corrobora a idéia de que, na graduação, o aluno deve ser incentivado
a tomar decisões ponderando o que é melhor para o paciente e tentando se
colocar no lugar do outro (REGO,2001).
A escola deve abrir espaço, através da educação moral, para
questionamentos sobre a vida, a existência, o conhecimento, a moral e a ética,
estimulando-os com aulas de filosofia, atividades de voluntariado, jogos de
representação (RPG), projetos transversais (que envolvem mais de uma
disciplina) e discussões sobre valores. O objetivo é fazer com que a interação
leve ao desenvolvimento do pensamento crítico e amplie a capacidade
analítica. Um ambiente intelectualmente rico propicia o desenvolvimento pleno
do potencial do indivíduo (DUSKA, 1994).
O modelo de ensino, da faculdade estudada, está sustentado sobre o
paradigma da integração entre profissionais e alunos, de forma que estes se
desenvolvam e amadureçam sua atuação prática. A universidade transmite
uma gama de conhecimentos para que o futuro fonoaudiólogo os articule com o
mundo que encontram e o futuro.
62
6. Ética e Bioética na Fonoaudiologia
Em 2002, as diretrizes curriculares do curso de fonoaudiologia foram
criadas e, neste processo, a discussão sobre como a ética deve ser ensinada
foi travada. Parâmetros a serem utilizados na montagem da grade curricular, as
diretrizes foram definidas a partir de uma compreensão construtivista do
desenvolvimento moral. A proposta é trabalhar a ética como um tema
transversal, ou seja, um ponto com abordagem sempre articulada em todas as
disciplinas, de maneira a formar um profissional capaz de pautar seus atos não
apenas por questões técnicas ou comerciais, mas também por valores
humanistas e caros à cidadania.
Art. 5º A formação do Fonoaudiólogo tem por objetivo
dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o
exercício das seguintes competências e habilidades
específicas:
...
V - Apreender e elaborar criticamente o amplo leque de
questões clínicas, científico-filosóficas, éticas, políticas,
sociais e culturais implicadas na atuação profissional do
Fonoaudiólogo, capacitando-se para realizar intervenções
apropriadas às diferentes demandas sociais;
Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de
Graduação em Fonoaudiologia devem estar relacionados
com todo o processo saúde-doença do cidadão, da
família e da comunidade, integrado à realidade
epidemiológica e profissional, proporcionando a
integralidade das ações do cuidar em fonoaudiologia. Os
conteúdos devem contemplar:
63
...
II - Ciências Sociais e Humanas – inclui-se a
compreensão dos determinantes sociais, culturais,
econômicos, comportamentais, psicológicos, ecológicos,
éticos e legais, lingüísticos e educacionais;
Art. 13. A estrutura do Curso de Graduação em
Fonoaudiologia deverá garantir:
I - Uma organização curricular estruturada em eixos de
formação que levem a um desenvolvimento coerente e
gradual, de modo a garantir a complexidade da formação
pretendida;
II - Estreita e concomitante relação entre teoria e prática,
ambas fornecendo elementos básicos para a aquisição
dos conhecimentos e habilidades necessários à
concepção clínico-terapêutica da prática fonoaudiológica;
III - Na área profissional, o conhecimento das
perspectivas ético/teórico/prática sustenta a formação
clínico-terapêutica que é básica às diferentes atividades
exercidas no campo fonoaudiológico. Apresentados em
uma perspectiva histórica, os princípios e métodos
fonoaudiológicos relacionados às questões éticas e
técnicas explicitam a natureza da atividade desenvolvida
em diagnóstico/terapia ou assessoria; e
IV - Os campos de conhecimento devem ser dispostos
em termos de carga horária e planos de estudo,
considerando-se a proporcionalidade entre atividades
teóricas, teórico-práticas, e estágios supervisionados;
priorizando na distribuição das disciplinas os conteúdos
específicos contidos na Ciência Fonoaudiologia. 3
3 RESOLUÇÃO CNE/CES 5, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002. CNE. Resolução CNE/CES 5/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002. Seção 1, p. 12 Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fonoaudiologia.
64
Segundo os trechos retirados da Resolução, a preocupação dos
cursos é contribuir para a formação de um profissional com capacidade crítica-
reflexiva, instigando o caráter humano que a atuação social deve ter. A
pergunta “como devo agir?” pauta o ensino da ética.
Dada a idéia deste trabalho, de analisar a percepção dos professores
a respeito da construção de valores morais no curso de graduação em
fonoaudiologia, torna-se primordial fazer a distinção entre ética profissional e
bioética.
Discutir ética é refletir de forma crítica sobre os valores morais de uma
determinada sociedade. Em outras palavras, trata-se de uma busca pelo
fundamento dos valores construídos socialmente, que estão em constante
mutação.
O estudo da ética, entretanto, não deve ser reservado a especialistas,
mas disseminado entre todos os profissionais em formação, de forma a
estabelecer uma reflexão contínua sobre a ética e a vida moral. LA TAILLE
(2004) aponta para um aumento significativo no desenvolvimento de estudos
sobre o tema a partir de 2000. Este crescimento do interesse pelo tema pode
ser visto como uma demanda por um “instrumento de análise da sociedade”, o
que pode ser entendido como um termômetro do desenvolvimento educacional
na sociedade.
A idéia então seria desenvolver o tema ética nos cursos de graduação,
de forma que o aluno não tenha mais um ensino clássico, que pressupõe a
imposição dos deveres e da conduta moral, ou que se resuma à transmissão
de regras através da leitura do código de ética. O ensino deve ser dinâmico e
65
partir da discussão dos princípios morais, de forma a estimular uma reflexão
abrangente da atuação fonoaudiológica.
O código de ética do fonoaudiólogo tem 28 artigos, que estão sujeitos
a revisões periódicas, pois se tornam rapidamente ultrapassados devido ao
contexto histórico dinâmico atual. Desde a sua produção, em 1982, até hoje,
foram feitas duas alterações, uma em 1995 e a última em 2004. Essas
mudanças ocorreram, segundo NAGIB (2007), conselheira responsável pela
comissão de ética do Conselho Federal de Fonoaudiologia, em conseqüência
da abordagem negativa usada na primeira versão do código:
“As alterações ocorreram em virtude do caráter
autoritário e punitivo do primeiro código. Nesta última
versão a idéia era transformar a linguagem e a forma de
expor as orientações, para que o fonoaudiólogo pudesse
fazer do código um guia de orientação de forma mais
acessível”.
O código é, em geral, proibitivo e prescritivo, uma vez que faz
recomendações sobre o comportamento do profissional em diversas situações
sem esclarecer a lógica ou os princípios que justificariam tais atitudes. Como
nenhum código pode abarcar todas as situações possíveis e este não estimula
a reflexão principialista, pode-se dizer que o fonoaudiólogo, assim como
qualquer profissional, corre risco de se encontrar desamparado em diversos
momentos de sua trajetória profissional, já que não poderia recorrer ao código
nelas e tampouco à sua capacidade de julgamento em virtude do
desconhecimento dos valores que devem pautar sua atuação. A carência de
análise sobre a atuação dos fonoaudiólogos no código, torna ainda mais
66
relevante a discussão, na graduação, sobre o que deve ou não ser feito.
(CÓDIGO DE ÉTICA,2007)
A deontologia pode ser definida como uma moral aplicada às questões
profissionais. Dadas as relativizações possíveis em inúmeros casos, algumas
perguntas se tornam pertinentes. Até que ponto se justifica a existência de um
código profissional? Não deveria haver somente uma moral que pautasse o
comportamento de toda a sociedade? Como as regras devem ser ensinadas
aos alunos?
As regras são importantes porque deveriam orientar a ação de forma a
ajudar no relacionamento com o outro. O estabelecimento de uma regra, no
entanto, deve pressupor a possibilidade de sua desobediência, desde que bem
justificada, como única forma de garantir a sua evolução.
A ética profissional, porém, é tida, na maioria das vezes, como um
código deontológico, ou seja, um documento que formaliza regras pelas quais o
profissional deve se guiar para agir “corretamente”, como se determinados atos
se justificassem em qualquer caso. Um instrumento de controle e regulação.
Estudiosos afirmam que a ética profissional se situa como uma ponte
entre o campo individual e social da profissão. Seu objetivo, segundo
FERIGOTTI (2001, pg 61), “é possibilitar aos membros de uma categoria
melhores condições de compreensão e participação consciente na sociedade
em que vivem. (...) A profissão é o exercício da competência conduzida pela
ética”. Quer dizer, o conhecimento técnico e prático só é reconhecido pela
sociedade se usado de acordo com conceitos éticos bem delineados.
O código de ética, então, é compreendido como um instrumento no
qual o profissional busca subsídios para resolver situações eticamente
67
conflitantes do seu cotidiano. Um referencial para que ele defina o correto.
Segre e Cohen, citados por FERIGOTTI (2001), afirmam que, para o exercício
ético, não basta o conhecimento do código de ética. A assimilação e o
desenvolvimento de princípios são fundamentais.
“... um indivíduo só será ético quando puder
compreender e interpretar o código de ética, além de
atuar de acordo com os princípios pressupostos por ele.
Caberá, entretanto, também ao individuo, a possibilidade
de discordar, devendo responsabilizar-se frente ao
conselho, justificando a atuação diferente da proposta
pelo código. É justamente esse tipo de exercício que
propiciará a modificação dos códigos”. (pg 65)
O caráter mutável dos artigos do código de ética, a dinâmica social e a
busca por respostas sempre em harmonia com a comunidade fazem com que
novas metodologias de ensino sejam buscadas.
É importante notar que a ética não se esgota em seu caráter
profissional – deontológico. É evidente a importância de discutir as questões
relativas ao exercício da profissão. Outras realidades, que extrapolem a
fonoaudiologia, porém, poderiam ser abordadas durante o curso, introduzidas
na grade curricular dentro da disciplina Bioética. É necessário que o estudante
aprenda a tomar decisões, a se colocar de forma íntegra, a respeitar a
autonomia e a ter em mente sempre a beneficência. Pesquisas de Meira e
Cunha (1994) citadas por REGO (2003), questionam a eficácia da imposição
de normas hoje:
“A deontologia não atende mais a um dos objetivos
primordiais da educação, qual seja, o desenvolvimento
do comportamento moral nos alunos (...) O
68
comportamento moral é movido por valores interiores à
pessoa, não pelo conhecimento da norma e ou pelo
medo à punição” (pg 111).
Reitera-se assim, a complementaridade das disciplinas Ética
Deontológica e Bioética. Segundo SCHRAMM, citado em REGO (2004, pg
127), “ética profissional diz respeito à moralidade do agente, ao passo que a
bioética se refere à moralidade dos atos, reconhecendo a complexidade dos
dilemas e das relações sociais”. (2003,2001; e SCHRAMM,1994).
REGO (2003, pg 106) utiliza as teorias de Maturana (1998:72-73) para
enfatizar a idéia da preocupação com o desenvolvimento da competência ética
do futuro profissional e apresenta a ética como “preocupação com as
conseqüências que as nossas ações têm sobre o outro, (...) um fenômeno que
tem a ver com a nossa aceitação do outro”. Ou seja, para ele, é preciso utilizar
alguma estratégia para formar nos alunos a consciência de inclusão social e de
responsabilidade dos seus atos, o que não caberia mais à disciplina
deontologia.
Para que se possa pensar em um ensino dinâmico, em que o aluno
não tenha apenas participação passiva, é necessário retomar a discussão
acerca do desenvolvimento das competências moral e ética. O jovem que entra
na faculdade já se enquadra no nível máximo de desenvolvimento cognitivo.
Segundo Piaget e, para Kohlberg, estariam entre os estágios dois e quatro do
seu desenvolvimento moral, em sua maioria, na fase convencional
(REGO,2003 e OSWALD, 2003).
Os estágios um e dois correspondem ao nível pré-convencional, etapa
básica das atitudes morais na qual o indivíduo restringe-se a obedecer às
69
ordens simplesmente para evitar a punição (estágio 1) ou para estabelecer
contrapartidas fundamentadas no princípio da igualdade . A etapa convencional
corresponde aos estágios três e quatro, nos quais estariam, respectivamente,
os indivíduos que priorizam as expectativas pessoais e os que se preocupam
com o cumprimento das regras dentro da sociedade, as leis. Já na fase pós-
convencional - níveis cinco e seis, os mais elevados da classificação de
Kohlberg - estão os indivíduos que se baseiam em princípios, acatam normas e
reconhecem direitos sociais sem medo da coação, ou seja, exercem a
cidadania de forma plena (REGO 2003 e 2005).
A tarefa da faculdade seria então atuar de forma decisiva para o
amadurecimento do estudante de forma a transformá-lo em um agente moral
com capacidade de agir de acordo com a definição da fase pós-convencional:
Reconhecendo a existência de pontos de vista morais divergentes, analisando-
os quando em situação conflitante, buscando a conciliação e a integração, e
agindo conforme acordos sociais. Dessa forma, a formação meramente
tecnicista deve ser abandonada para que seja incluída a visão humanística,
considerando a autonomia, a beneficência e o respeito ao outro (REGO,2003).
A idéia é abandonar o modelo clássico de ensino, no qual o aluno é
passivo, e adotar a problematização e a sensibilização. Promover a
participação do aluno - a partir de debates em que o professor é mediador da
aprendizagem e apenas mais um no diálogo - torna o aprendizado contínuo e
mais próximo da realidade. (OSSWALD,2003 ) A base para esta abordagem
está na necessidade de compreensão do outro e de solidariedade. O objetivo é
estabelecer uma reflexão ética voltada para coletividade, em que a empatia
exerça papel fundamental. (SEGRE, 2003).
70
Esta formação ética, prática e técnica do fonoaudiólogo o
comprometeria decisivamente com a saúde coletiva, já que o tornaria
consciente, aberto ao diálogo, tolerante, responsável pela sua ação e por suas
decisões. Assim, o profissional não estaria sujeito a uma educação heterônoma
e seria estimulado a atuar de maneira engajada, de forma autônoma nas
relações entre colegas, pacientes e outros profissionais. Dessa maneira, em
harmonia com o defendido por REGO, julga-se que é responsabilidade da
graduação “agir de forma sistemática e concreta no campo da educação moral.
Introduzindo o conceito de competência e aplicando-o ao campo da moral. O
ensino da ética e dos direitos humanos deve haver como o objetivo é
desenvolver a capacidade do aluno em fazer uso critico da razão, desenvolver
seu compromisso e respeito aos diferentes e às diferenças” (2005ª, pg 77).
71
7. Resultados e Discussão
7.1 – Perfil demográfico e profissional dos profess ores
O senso é formado por 14 docentes, todas do sexo feminino e na faixa
que vai dos 36 aos 54 anos de idade. A média de idade do grupo é de 42,57
anos e a mediana, de 41 anos, o que mostra que não há desvio significativo. Já
o tempo de formação varia entre 15 e 29 anos. A média, neste caso, é de 19,36
anos e a mediana, de 18 anos. No que diz respeito ao nível de formação, o
grupo se divide em três grupos: 21,42% possuem título de especialista;
42,84%, de mestre, e outras 35,71%, de doutor. Dos que concluíram mestrado
ou doutorado, quatro o fizeram na área de fonoaudiologia, duas na de
psicologia, duas na de lingüística, uma na de educação e outra na de
linguagem. Estes dados mostram que o número de doutores entre os sujeitos
da pesquisa é pequeno, principalmente se for considerada a função acadêmica
exercida por eles, pressuposto para sua participação, que exige deles um
aprimoramento maior que o da média dos fonoaudiólogos. Esta tendência é
verificada na categoria dos fonoaudiólogos de forma geral, como mostra
FERREIRA (2001) e pode ser atribuída à sua baixa média (FREIRE,1989)
(CRFa,2007a).
O senso revela que a média de idade dos professores é de 42.5 anos.
Já a predominância feminina confirma o perfil característico e já delineado para
a categoria de fonoaudiólogos no Brasil.
72
FREIRE (1989) discute estes dois pontos em seu artigo, afirmando
que:
“A fonoaudiologia é uma profissão jovem, e o
fonoaudiólogo, tal qual a sua profissão, tem uma média
de idade de 30 anos de idade (...) Por ser ainda uma
profissão exercida predominantemente por pessoas do
sexo feminino, constata-se que a pequena porcentagem
de afastamentos temporários tem como motivação
gestação ou filhos pequenos”. ( pg. 106)
Outras autoras também discutem estes dados, caso de CARDOSO
(2001) que cita a prevalência feminina, e BERBERIAN, (2000) que também
aponta para a representação feminina e jovem da classe dos fonoaudiólogos.
Estas características estão intimamente ligadas à realidade de uma profissão
que ainda luta pela ampliação de seu mercado de trabalho e que enfrenta
dificuldades de reconhecimento diante dos demais profissionais da área da
saúde, uma vez compreendida sua interdisciplinaridade. A grande maioria dos
professores (85,68%) não se dedica exclusivamente à docência. A maior parte
das fonoaudiólogas que têm outra atividade (71,4%) trabalha em clínicas
particulares. Somente uma (7,14%) atua no serviço público. Cinco (35,7%) se
dedicam atualmente apenas à docência e duas (14,28%), apenas à
universidade em questão, o que confirma os estudos de BERBERIAN(2000),
FREIRE (1989) e FREIRE (1994, pg 46), em pesquisa realizada em 1989
constata “que já se tinha conhecimento através da prática cotidiana, o privilégio
da clínica sobre as outras formas de atuação é esperado”. CAPPELLETTI
(1989) discorre sobre a preocupação das faculdades com uma formação que
73
prepare o profissional para uma ação preventiva e menos “curativa” a partir
desta data, abrindo espaço na graduação para a reflexão sobre as ações em
fonoaudiologia.
“A atuação profissional até bem pouco tempo era quase
que exclusivamente curativa, mas a formação do
fonoaudiólogo vem ampliando o espaço habitado pelo
fonoaudiólogo, preocupando-se em formar o
fonoaudiólogo para atuar numa linha preventiva” (pg12).
MAIA (1987) discute a trajetória da profissão. Assim como as demais
autoras, ela concebe a fonoaudiologia como uma “profissão de natureza
clinica”:
“Definindo a atividade clínica como a natureza central da
sua prática, o fonoaudiólogo não reflete sobre o seu
significado”. (pg 162)
FERRIGOTTI (2001), em 1998, conclui que mais de 60% da população
da amostra atua na fonoterapia.
O pouco tempo decorrido desde a formação das professoras também
corrobora a idéia de uma profissão relativamente jovem, visto que a média
verificada foi de 19 anos.
7.2. Valores sociais e morais, como são adquiridos e como devem
ser usados na prática fonoaudiológica.
74
7.2.1. Como as professoras percebem os valores soc iais e morais
(O que você entende por valores sociais e morais?)
Nas respostas à primeira pergunta, as professoras discorrem sobre o
que elas entendem por valores sociais e morais. Dez professoras citam a
construção social dos valores morais a partir da interação e seu papel de
facilitador das relações entre os indivíduos, bem como o seu caráter mutável de
acordo com o tempo e o espaço. Três percebem os valores em sua dimensão
individual e fazem referência à relação com o outro. Apenas uma entende os
valores a partir da esfera coletiva e os atribui à sociedade:
“São valores nos quais uma sociedade se pauta ao agir,
ao estruturar suas práticas e o sentido de suas ações”.
(P10)
Os questionários respondidos pelas professoras P5 e P11 são os
únicos que relacionam os valores morais à ética, idéias que estão
decisivamente ligadas já que é a partir deles que a reflexão acerca da ética se
dará em sala de aula ou fora dela. No primeiro, a professora cita a construção
dos valores como um “processo contínuo e também dinâmico do sujeito com o
seu meio”, afirmando que ele se inicia no núcleo familiar:
“Acredito que os valores sociais e morais têm estreita
relação com a ética individual e coletiva. Funcionam
como uma bagagem relacionada ao conhecimento que é
construído em um processo continuo e também dinâmico
do sujeito com o seu meio, começando a se fundamentar
no núcleo familiar”. (P5)
75
Já a outra resposta coloca os valores morais como a base que
sustentará as ações e a interação nos seus núcleos de relacionamento:
“Os valores sociais e morais são a base que sustentarão
o eixo de ações que interagem nos núcleos familiar,
inicialmente, até os universos maiores de troca. Eles
instruirão as noções de ética do sujeito junto aos
núcleos”. (P11)
Uma das professoras, porém, afirma que os valores morais
independem do outro e dizem respeito somente ao indivíduo que os possui. A
resposta vai contra o que dizem os autores discutidos nesta dissertação.
“Valor social se refere ao comportamento e atitudes com
o outro, nas relações humanas do cotidiano. Valor moral
independe da relação com o outro, e se refere à postura
e as atitudes do indivíduo com ele mesmo”. (P2)
Outras duas professoras, as de idade mais avançada dentro do grupo
pesquisado, ligam os valores à religiosidade e classificam alguns deles de
“imutáveis”, o que pode ser atribuído a uma visão dogmática da conduta moral.
“São os princípios que norteiam a vida pessoal e da
sociedade. Alguns valores mutáveis de acordo com a
época e sociedade em que se vive. Outros são
imutáveis”. (P3)
76
“A moral se refere a conduta humana, e esta é
determinada pelos costumes de uma sociedade, que
segue os princípios religiosos e crenças”. (P9)
7.2.2. Compreensão a respeito da formação dos valor es e conceitos
éticos no aluno (Como você acha que os alunos forma m seus valores e
conceitos éticos?)
Questionadas sobre como consideram que o aluno forma seus valores
e conceitos éticos, as docentes deram respostas que, assim como as dadas na
questão anterior, evocam a família e as relações do sujeito como fatores
primordiais no processo. Nove professoras se referem à família como a
primeira fonte de contato do aluno com os valores éticos e à interação pessoal
contínua como elemento complementar posterior.
“Esses valores são formados ao longo da vida,
principalmente com a família e a escola”. (P8)
“Acho que formam através da experiência e da reflexão,
isto é, da possibilidade de adquirir conhecimento e operar
sobre este e suas implicações sociais, começando no
núcleo familiar”. (P5)
“Os alunos formam através da vivência na prática
acadêmica: sala de aula, clinica e também extra-muros
(estágios); pelos diálogos pessoais e profissionais nos
espaços que circula”. (P11)
77
“Primeiramente na família, depois no seu processo de
socialização, na escola e fora dela, devendo ser
continuado amadurecido e refletido ao longo da vida”.
(P13)
“Os valores morais, penso que na sua formação familiar
e durante toda a vida. Dito de outra forma, naquilo que a
sociedade nos oferece. Quanto aos conceitos éticos, faço
uma distinção entre valores, pois entendo que se refere
aos valores morais, penso que formação profissional (os
professores) tem uma grande responsabilidade nisso,
uma vez que será no exercício da profissão que cada um
de nós estará atuando no mundo e modificando os
valores morais da sociedade, que por ventura venham a
ferir seus princípios mais nobres de respeito ao ser
humano e aos seus direitos.” (P14)
Esta última professora (P14) entende que o professor tem “grande
responsabilidade” nesta dinâmica, pois colabora de forma decisiva para a
atuação profissional do indivíduo, através da qual o homem modifica o mundo.
Segundo ela, o profissional deve se resguardar para garantir o respeito à
dignidade e aos direitos dos homens (REGO, 2003).
Apenas uma dá importância à mídia neste processo. Ela coloca de
maneira interessante a diferença entre ação e discurso na construção dos
conceitos morais e é uma das duas únicas que falam de maneira explícita do
papel das instituições de ensino na formação moral do aluno.
“A formação se dá através do convívio e da interação,
observando o comportamento e o discurso de pais e
78
amigos, bem como na escola, na universidade e na
mídia”. (P7)
7.2.3. Compreensão a respeito da ética no exercício profissional (O que é
ser ético no exercício da profissão de fonoaudiólog o?)
Respondendo à questão “O que é ser ético no exercício da profissão
de fonoaudiólogo?”, oito professoras usaram a palavra “respeito” para definir o
que seria um exercício profissional ético do fonoaudiólogo. Vários interlocutores
aparecem como beneficiários desta atitude: pacientes, membros da família dos
pacientes, demais profissionais da saúde e até a própria pessoa que executa a
ação.
“Respeitar o outro. Tratar de forma digna os pacientes e
suas famílias, também é importante o respeito aos
colegas de profissão e aos de outras profissões
envolvidas no diagnostico e tratamento fonoaudiológico”.
(P4)
“Para mim é considerar que o objeto de estudo da nossa
profissão não é a fala, a linguagem, a voz ou a audição,
mas o sujeito que fala. Para isso, deve-se respeitar os
limites da sua atuação nos limites individuais de cada
um. Considerar o sujeito para além do interesse técnico,
e assumir totalmente as responsabilidades dos seus
atos, respeitando os pontos de vista dos outros”. (P5)
79
Também foram encontradas menções a outras virtudes e princípios
tais como a honestidade, a beneficência, a responsabilidade, a igualdade, a
justiça, a dignidade, a “preservação do outro” (como cuidado) e a autonomia.
“Estar aberto à reflexão sobre o significado de seus atos,
buscando agir em beneficio do outro e da construção de
um sistema de saúde mais justo igualitário, eqüitativo e
eficaz”. (P10)
Três lembraram das regras de conduta e do código de ética
profissional. Destas, duas advogam a favor do respeito e cumprimento fiel das
regras (P2 e P8), enquanto a terceira reflete sobre o tema de maneira singular
(P3):
“Ser ético é ser honesto com você mesmo, com os
pacientes e com colegas. Respeitar a privacidade dos
pacientes, seguir as normas e as leis da profissão. Atuar
com dignidade perante você mesmo, o paciente e a
sociedade como um todo”. (P2)
“Ser ético é seguir as regras estipuladas pela sociedade
e trabalhar em conjunto sem prejudicar o outro”. (P8)
“Não acredito que seguir o código de ética faça o
fonoaudiólogo ser ético. O código são regras
determinadas; ser ético vai além. Tem a ver com valores
e princípios morais, com a cidadania. Aquilo que você faz
por que acredita”. (P3)
80
Também são três as docentes que demonstram preocupação com a
reflexão contínua sobre os próprios atos. Apenas uma delas alega que a
construção de um profissional ético se dá a partir da empatia.
“Ser ético é, no exercício diário, colocar-se no lugar do
outro e sentir-se feliz neste lugar. É usar a empatia em
um exercício constante (...)Para mim, isto é ser ético,
este conjunto de ações, lidando com as diferenças”.
(P11)
Uma docente questiona se vale realmente a pena fazer uma distinção
entre ser ético na profissão e ser ético na vida, da seguinte forma:
“Não sei se há uma distinção em ser ético no exercício
da profissão e ético na vida, no entanto, mais
especificamente no exercício dos profissionais de saúde,
ser ético é fazer uma defesa da vida. A fonoaudiologia
tem como especificidade a defesa da vida naquilo que
nos dá mais autonomia, que é a capacidade de
comunicação”. (P14)
7.2.4. Temas conceituais relacionados à aprendizag em dos valores
morais
Para construir uma discussão teórica acerca das respostas dadas a
estas questões, cabe voltarmos às idéias a respeito dos conceitos de valores
morais exploradas na introdução.
81
Os valores morais ou sociais podem ser traduzidos como princípios
norteadores e indispensáveis, construídos através da experiência do próprio
sujeito, levando em conta sua bagagem cultural, econômica, política social e
intelectual. Ou seja, a partir dos juízos de valor que faz, a pessoa reconhece e
escolhe conceitos que considera desejáveis para a sua conduta e sua relação
consigo mesmo, com o outro e com meio ambiente (FERIGOTTI,2001 e
GOMES,1996). Isto é, não há valor em si nas ações, objetos ou pessoas. Só se
atribui valor a qualquer coisa a partir da relação construída pelo sujeito.
Na pergunta 1, busca-se o entendimento das docentes acerca dos
valores sociais e morais. Muitas se aproximam da idéia de construção social
dos valores a partir da interação e apenas uma se afasta ao afirmar que “valor
moral independe da relação com o outro, se refere à postura e atitudes do
indivíduo com ele mesmo”. (P2)
MORIN (2005) contribui para a discussão fundamentando a ética a
partir de três vertentes: a biológica, a individual e a social. Para ele, as três se
inter-relacionam para produzir no homem o caráter imperativo das ações
morais. Ele elucida o aspecto da interação da seguinte forma: “O ato moral é
um ato de religação: com o outro, com a comunidade, com uma sociedade e,
no limite, religação com a espécie humana” (2005, pg 29). SCHRAMM (1994)
comenta a respeito do “fundamento ontobiológico da ética” - através do qual ele
desconstrói o significado da palavra bioética - que é possível encontrar também
uma explicação para os valores morais e sua estreita vinculação com o
conceito de ética:
“Nesse sentido, a “dimensão” ética pode ser considerada
um princípio instituinte da vida humana, tanto individual
82
como coletivamente, ligada à experiência imaginaria e
interiorizada do outro”. (pg 327)
SCHRAMM (1994, pg 327) chama a atenção para o ato da
comunicação como um espaço relacional, ou seja, “uma rede entrelaçada de
linguagem e emoção, constitutiva da vida humana”. Esta idéia é colocada por
todas as professoras que citam a interação como aspecto fundamental na
construção dos valores. A noção de que o sujeito é ativo e dá significado aos
outros, às ações e ao ambiente ao atribuir valor a eles, ou seja, segundo suas
projeções afetivas, é que demonstra o caráter dialógico do processo.
Nas respostas à primeira pergunta, surgiu também a questão da
mutabilidade dos valores morais. Apenas duas abordam este ponto. Uma
entende que "alguns valores são mutáveis e outros imutáveis" (P3) e a outra,
que eles são determinados "pelos costumes de uma sociedade que segue
princípios religiosos e crenças" (P9), ou seja, princípios dogmáticos que não
cabe questionar.
O fato destes, P3 e P9, serem os professores de idade mais avançada
da pesquisa não deve ser encarado como simples coincidência. A idéia de
valores e princípios rígidos está intimamente ligada ao modelo educacional
baseado em valores absolutos, bem como em instrumentos de coação e
punição, modelo herdado do ensino e da moral religiosa que vigorou até as
últimas décadas do século XX. Nele, a base da relação entre docentes e
discentes é a disciplina rígida imposta de forma autoritária e o respeito
unilateral ao educador, características de uma pedagogia heterônoma. Essa
relação desigual torna o aluno refém de valores morais pré-estabelecidos já
83
que não estimula o debate acerca deles e prejudica, portanto, o
desenvolvimento da autonomia para a reflexão, aspecto fundamental na
formação de um profissional capacitado atualmente.
Todo o processo de construção dos valores deriva de um
compartilhamento não doutrinário e segue uma decisão pessoal motivada pela
experiência. Isso significa dizer que eles são recriados pelas ações morais dos
indivíduos, o que confere a eles um caráter mutável tanto no aspecto individual
quanto no coletivo. Mesmo que alguns valores sejam adotados ou até impostos
por normas orientadoras, sua assimilação e sua importância devem ser
determinadas intimamente pelo sujeito de acordo com o contexto histórico e a
sociedade, também mutável, em questão. Por isso, deve ser dada ao aluno a
possibilidade de questionar os valores e princípios vigentes. Se a simples
internalização fosse o único processo para construção da percepção dos
valores, haveria, sem dúvida, maior homogeneidade de pensamento.
MENIN (2002) cita Cabanas afirmando que:
“Valores são os critérios últimos de definição de metas ou
fins para ações humanas e não necessitam de
explicações maiores além deles mesmos para assim
existirem” (pg 91).
Além disso, ressalta que os valores são variáveis e dependem da
avaliação dos costumes locais e que, por isso, “algo considerado um dia como
correto e justo poderia ser, em outra época, errado ou injusto”.
Nas respostas da pergunta 2, as docentes fazem novamente menção
ao caráter interativo dos valores morais e apontam a família como principal
84
responsável pela sua formação. Uma delas, a P13, cita a socialização
secundária e profissional para explicar como a formação dos valores se dá.
Segundo REGO (2003), a socialização é o processo no qual os indivíduos
adquirem habilidades e conhecimento que vão dar significado para suas ações
na comunidade a que pertencem. Os primeiros agentes da socialização
primária são os pais, seguidos por outros agentes que podem cooperar para a
aquisição de novos conhecimentos e valores. A socialização profissional
promove um ajuste para que o indivíduo assuma as situações preestabelecidas
para a profissão escolhida.
A infância é uma fase crucial para a formação da personalidade, dos
hábitos e dos princípios. A aquisição de informações e sua assimilação como
forma de conhecimento tornarão possível que o ser atue sobre o mundo. A
educação é um processo contínuo, que determina sempre o desenvolvimento e
a absorção de novos patamares. De acordo com DIAS (1999, pg 460),
Kohlberg descreve um desenvolvimento seqüencial e progressivo, que se inicia
na infância. Esta passagem para etapas qualitativamente superiores se daria
através do raciocínio moral estimulado pelos conflitos morais vivenciados
cognitivamente. Ou seja, segundo Kohlberg, a interação tem uma grande
parcela de influência no desenvolvimento moral e, ao contrário do que
acreditam algumas professoras, os exemplos morais têm influência limitada
sobre o desenvolvimento moral, já que este modelo de educação não explora a
capacidade do indivíduo de experimentar a ação.
MORIN (2005) usa um trecho de Kostas Axelos para introduzir seu
capítulo sobre ética e sociedade.
85
“A moral é produzida pelo social, afirma-se com a razão,
mas sem se verificar que é o social também que é feito
pela moral” (pg 69).
Isto mostra o caráter cíclico de retro-alimentação do social pela moral e
vice-versa, pertinente à discussão sobre a influencia do campo relacional na
formação dos valores.
GOERGEN (2001) apresenta a educação moral como um processo
dialético e dialógico, no qual os conflitos devem ser resolvidos racionalmente a
partir dos costumes que cercam o indivíduo. Para ele, a assimilação dos
princípios se dá de forma conjunta, ou seja, o princípio moral é assimilado junto
com o seu contra-princípio. Este processo complexo só pode se dar a partir de
uma perspectiva de educação reflexiva para que cada um possa, de forma
autônoma, lidar com os conflitos, aprender a tomar decisões e se
responsabilizar por elas.
Esta forma de desenvolver os valores morais vai contra a coação
(educação heterônoma) e favorece um desenvolvimento autônomo, de respeito
mútuo e reciprocidade para aquisição dos conceitos morais (LA TAIILLE, 1996,
PUIG, 1998). A docente (P7), em sua resposta, chama a atenção para este
processo, lembrando a importância da coerência entre ações e discursos
morais, tanto da parte dos professores quanto dos alunos:
”A formação se dá através do convívio e da interação,
observando o comportamento e o discurso de pais e
amigos, bem como na escola, na universidade e na
mídia”. (P7)
86
Não é, portanto, a imposição dos valores que guia a construção, mas
as ações de reciprocidade. Assim, o sujeito assimila e assume suas idéias,
sem se sentir coagido a agir por força de uma autoridade, o que enfraqueceria
sua conduta, tornando-a ineficaz em sua formação moral.
Cabe ressaltar que esta mesma docente, P7, é a única a citar o papel
da mídia no processo de desenvolvimento das percepções morais e éticas. A
mídia apresenta de maneira sedutora um juízo acerca dos valores - através de
uma linguagem atrativa e dinâmica presente na internet, em jogos interativos,
em anúncios e em novelas, por exemplo -, o que aumenta de forma
significativa a possibilidade de assimilação destes julgamentos pelos jovens.
Consideradas boas ou ruins, estas ações morais nem sempre são socialmente
compartilhadas e reforçam crises de conduta na sociedade dado o grande
alcance dos meios de comunicação.
A observação de exemplos faz sentido para a construção dos valores
morais já que, para Piaget, o primeiro estágio de aprendizado, a fase sensório-
motora, passa necessariamente pela imitação de condutas. Mas, segundo o
teórico, mesmo esta primeira fase não se resume somente a isto. Segundo
ARAUJO (2007), os exemplos são importantes uma vez que é a partir do
processo pessoal de valoração que o sujeito estabiliza e organiza seus critérios
e percepções, ou seja, criando normas de ações e “escalas normativas” de
valores que o impulsionam a agir nas situações seguintes de acordo com a
própria consciência, através do processo de organização de valores que ele
mesmo criou.
A pergunta 3 diz respeito à compreensão das professoras sobre o que
é ser ético. A análise destas respostas está intimamente ligada à das respostas
87
anteriores na medida em que, como já foi dito, é a partir das complexas escalas
de valores que os indivíduos formam sua identidade moral. Se os valores
eleitos pelo indivíduo como prioritários forem desenvolvidos a partir de idéias
positivas ou aceitas pela comunidade, maior a chance dele se tornar um sujeito
de ações e comportamentos morais e posições éticas. O contrário também
pode acontecer, ou seja, uma pessoa construir uma personalidade moral
sustentada em ações e comportamentos que não correspondam a posições
éticas em relação aos outros, o que prejudicaria sua religação consigo mesmo,
com o outro, com a comunidade em que vive e, em última instância, com a
humanidade (MORIN, 2005; SCHRAMM, 1994;ARAUJO, 2007).
As respostas à pergunta 3 confirmam, de certa forma, as linhas de
raciocínio apresentadas nas respostas às questões anteriores. A idéia
tradicional sobre valores sólidos transmitidos pela família através dos exemplos
de conduta, de forma heterônoma, dá sentido à grande importância dada pelas
professoras à noção de respeito, tanto no que se refere aos outros quanto no
que diz respeito ao código de ética da profissão. Neste caso, a palavra vem
associada à idéia de submissão e disciplina. Da mesma forma, não
surpreendem as várias menções aos princípios por parte daqueles que
defendem uma educação moral autônoma, já que o respeito tem papel
fundamental no diálogo. Desta vez, a palavra aparece vinculada à idéia de
contrato social que garante um relacionamento harmônico entre os indivíduos.
Apesar de predominarem respostas que extrapolam o caráter
deontológico de ética, observamos que alguns pesquisados, P2 e P8,
relacionam a normatização e regulamentação da profissão à compreensão de
competência ética, como se ético fosse o que é orientado pela lei e pela ordem.
88
Para Kohlberg, segundo BIAGGIO (1997, pg 48), a maturidade moral,
estágio pós-convencional, só é atingida quando “o sujeito é capaz de entender
que a justiça não é a mesma coisa que a lei”, ou seja, que as leis podem estar
moralmente erradas, e por isso devem ser modificadas. Essa teoria faz com
que todo indivíduo seja potencialmente capaz de transformar a sociedade,
sendo esta nuance essencial para o processo de evolução de princípios para a
democracia e, em grande parte, responsável pelo desenvolvimento da
cidadania.
Algumas docentes também observam que o processo de formação de
valores é dinâmico e contínuo, e, portanto, reconhecem que o ensino da ética
se estende à universidade através da reflexão sobre a atuação em saúde.
Defendendo a tese de que não basta que o fonoaudiólogo tenha competência
técnica, mas também a competência ética, elas associam o ser ético ao
exercício da profissão. As docentes reforçam a idéia de que, para ser ético no
exercício profissional, o fonoaudiólogo deve ter habilidade para decidir como
agir em cada situação, considerando o respeito, a eqüidade, a igualdade, a
beneficência e a responsabilidade de suas ações sobre pacientes, sua família e
os demais profissionais. Logo, estas professoras relacionam o ser ético aos
hábitos de reflexão do profissional sobre suas atitudes em prol dos outros e de
um justo sistema de saúde, como lembra a P10. As ações devem ser
fundamentadas sobre a razão dialógica e levar em conta as condições
individuais e coletivas, de forma que haja uma convivência justa entre estas
demandas. Reconhecer os princípios mais notáveis para formação do caráter
do profissional de saúde - bondade, beneficência, justiça, respeito, não-
maleficência e autonomia - é um passo importante para o desenvolvimento das
89
competências éticas do profissional, mas ainda está longe de ser
suficientemente consistente para promover relacionamentos mais humanos no
cotidiano do profissional (PUIG,1998a e GOMES,1996).
“Não acredito que seguir o código de ética faça o
fonoaudiólogo ser ético.(...) Tem a ver com valores e
princípios morais, com a cidadania”. (P3)
“Não sei se há uma distinção em ser ético no exercício
da profissão e ético na vida, no entanto, mais
especificamente no exercício dos profissionais de saúde,
ser ético é fazer uma defesa da vida”. (P14)
Estes dois trechos corroboram a noção de que dilemas éticos vão
sempre desafiar os profissionais na prática cotidiana. Isto, porém, é mais
dramático quando este trabalhador atua com a saúde alheia. As competências
ética e técnica determinam a qualidade do profissional e também nos remetem
ao ideal da formação profissional conectado à cidadania (BERBERIAN,2002).
A professora 11 usa o termo empatia para definir a competência ética
profissional:
“Ser ético é, no exercício diário, colocar-se no lugar do
outro e sentir-se feliz neste lugar. É usar a empatia em
um exercício constante”. (P11)
Mais uma vez a visão dialógica é mencionada. Desta vez, porém, ela
traz claramente a idéia de equilíbrio entre a razão e a emoção, constitutiva da
competência ética. SCHRAMM afirma que “se aceitarmos a premissa, emoção,
90
sob a forma de compaixão, este será um dado primário do nosso agir no
mundo” (1994, pg 328). Ele também cita Maturana para ressaltar que “todo
processo de conhecimento tem como fundamento o observador”, que na sua
prática cognitiva estabelece e ressignifica suas ações e seu viver. A partir daí,
constrói o raciocínio de que, para toda ação, o realizador precisa se dar conta
de suas conseqüências sobre o outro. Isso significa que as questões éticas se
encontram quando o sujeito, na dinâmica relacional, se identifica na ação,
compartilhando-a com o outro. Ele afirma que o “fundamento da ética é um
emocionar-se para com o outro”. Idéia primordial da resposta da professora em
questão, o domínio da ética está vinculado à empatia, uma das formas mais
complexas de responsabilidade e preservação do outro (SCHRAMM,1994, pg
329).
Para uma consciência moral autônoma, capaz de se colocar no lugar
do outro, a pessoa deve, de maneira voluntária, agir conforme o que ela
mesma compreende por correto. Esta forma de encarar as ações morais
acarreta comprometimento e responsabilidades pessoais do indivíduo. Na
construção moral, ele, então, se mostrará disponível para a reflexão e o
debate, e estará atento aos demais de maneira solidária e ciente das
implicações de suas ações e palavras. A ação conforme a percepção ética
resulta em um aprendizado constante, pois permite a consciência da
possibilidade de reorganização dos conceitos e sentidos (SCHRAMM, 1994).
Por isso, é questionável que as docentes considerem que transferir
valores e virtudes como conceitos prontos e agir conforme normas torna suas
atitudes justas, respeitosas ou solidárias. Na perspectiva dos autores citados
91
nesta dissertação, é a reflexão dialógica a respeito das indagações morais que
constrói uma participação social ética.
O que chama atenção a respeito das construções realizadas pelas
professoras neste bloco de perguntas é que as respostas parecem se
contrapor de maneira equilibrada em diversos aspectos: percepção individual x
coletiva dos valores; dimensão deontológica x bioética da ética e educação
moral na infância x contínua.
7.3. Acerca da formação dos valores dos alunos (A f aculdade e os
professores devem intervir?)
7.3.1. A Faculdade
Todas as docentes consultadas acham que a faculdade deve intervir
na formação moral dos alunos. Oito delas justificam a opinião fazendo
comentários genéricos sobre o processo educacional e cinco defendem a
resposta com argumentos que se referem às possíveis situações-problema
durante a atuação como fonoaudiólogo.
Das oito que mencionam o processo educacional, sete lembram que a
construção dos valores é contínua, o que exigiria debate sobre todos os
âmbitos da vida do aluno.
“Porque valores sociais e morais são construídos na
relação com o ambiente e a educação profissional tem
papel primordial neste aspecto, junto com a família”. (P5)
92
“A faculdade, (...) interfere e deve interferir, pois existe
uma troca entre o professor – que é o que facilita a
experiência – e o aluno, entre o aluno – o que facilita a
experiência – e o paciente/cliente e os diferentes
segmentos. Mas a família e os outros ambientes também
devem e há muito tempo já intervêm”. (P11)
“Porque são valores que devem ser refletidos ao longo
da vida, inclusive na universidade, tendo o docente um
papel importante nesta formação”. (P13)
Já entre as cinco outras, que se referem especificamente à
fonoaudiologia, três consideram que a universidade não deve ir além das
questões próprias da profissão. Estas demonstram preocupação com a
possibilidade de dirigismo ideológico na intervenção dos professores. Para
elas, a faculdade deve interferir pouco, pois os valores dos alunos já foram
construídos (P12), cabendo à universidade, então, introduzir “algumas
questões especificas referentes à profissão”, além da discussão de valores que
“não firam o exercício da fonoaudiologia” (P14).
“Desde que esses valores morais não firam o exercício
ético da profissão de fonoaudiólogo”. (P14)
“Apesar de acreditar que o aluno já chega com esses
valores, há questões especificas que devem ser
discutidas antes do inicio do exercício da profissão”.
(P12)
93
“Acho que a faculdade interfere pouco, pois esses
valores começam desde cedo, nas crianças”. (P8)
Uma professora, porém, se contrapõe a esta visão. Esta acredita que a
universidade deve participar da formação do cidadão de forma ampla e, de
certa forma, corrigir as distorções na “visão de mundo” do discente, já que
atribui valor a ela:
”Toda instituição de ensino deve procurar melhorar a
visão de mundo e a forma de relacionamento dos seus
alunos”. (P7)
A posição de que a faculdade tem papel ativo na formação moral do
aluno é compartilhada por outra docente, que defende a tentativa de formação
de um profissional com determinado perfil pela instituição, mas não estabelece
uma hierarquia entre esta e outras possibilidades:
“Porque valores não são dados a priori nem são
imutáveis: se constroem, se reconstroem e se fortalecem
a partir das experiências de cada um. Sendo uma
responsabilidade da instituição formadora a definição do
perfil do profissional que deseja formar, e sendo uma de
suas metas a formação de um profissional que atua
segundo uma ética do bem, da beneficência, é sua
obrigação garantir espaços de reflexão sobre as práticas
cotidianas dos sujeitos, na saúde e na vida”. (P10)
94
Quando questionadas sobre como a instituição deve intervir na
formação de valores dos alunos, nove acham que o debate e a reflexão seriam
a bases das atividades propostas.
“Oferecendo informações, abrindo espaço para o debate
e expondo claramente as conseqüências de atitudes
imorais ou antiéticas para toda a sociedade”. (P7)
“Através de reflexões e debates”. (P9)
“Através de discussões pautadas em situações-problema
que envolvem questões éticas”. (P12)
“Mediante o debate de idéias presentes no bojo de suas
disciplinas que venham interferir na sua conduta
profissional”. (P13)
Cinco outras afirmam que a melhor forma de incentivar a construção
de valores é através do comportamento exemplar do professor.
“Por meio de exemplos de relação entre profissional e
pacientes e vivenciando a integração da atuação na
sociedade em termos mais amplos, além da
fonoaudiologia”. (P2)
“Através de uma postura ética. O exemplo aprendido em
casa deve ser reforçado através de um comportamento
ético e moral do professor ao lidar com os pacientes, seus
familiares e com os outros profissionais”. (P4)
95
“Os professores apresentando boa conduta, sendo éticos,
dando o exemplo”. (P8)
Destacam-se ainda algumas falas. Como a da professora 1, que
acredita que a universidade deve dar maior importância à cadeira de ética.
“Principalmente com o comportamento ético de todos
direta ou indiretamente envolvidos com a educação dos
graduandos. Valorizar disciplinas específicas, bem como,
conteúdos éticos durante toda a formação do aluno”. (P1)
Outra sugere a ampliação da possibilidade de ingresso nas
faculdades, de forma a torná-la mais plural e, assim, estimular o debate:
“De início oferecendo oportunidades de acesso à
universidade mais favoráveis e criando uma metodologia
que permita a reflexão social, com problematização da
própria formação acadêmica e da conduta de uma maneira
geral”. (P5)
Uma professora, além de citar a reflexão como uma ação que deve ser
priorizada nas instituições de ensino, sugere ainda formar grupos de estudos e
é a única resposta que faz referência à reflexão dos próprios docentes.
“Criando espaços de reflexão sobre os sentidos do agir,
não só nas disciplinas especificas, mas em fóruns,
grupos de supervisão, estimular a formação de comitês
de ética e a atuação junto aos professores, também
despertando neles estas reflexões para que possam
multiplicar esses espaços”. (P10)
96
Há ainda uma docente que critica a falta da disciplina Filosofia no
currículo, o que, segundo ela, acrescentaria aos debates sobre ética na
faculdade. A sugestão também é dada como resposta à pergunta seguinte:
“Em atividades que induzam a reflexão e a crítica, tanto
na prática clínica como em atividade coletivas. Penso
que uma de nossas dificuldades é não termos uma
cadeira de filosofia. Ela muito nos ajudaria a travar bons
diálogos”. (P14)
7.3.2. Os professores
Assim como na pergunta anterior, todas responderam afirmativamente,
ou seja, consideram que o professor deve intervir na formação moral do aluno.
Quatro justificam esta posição mencionando a interação.
“Porque a formação dos valores é importante para todos
e os professores podem ganhar muito com essa
integração”. (P2)
“Porque os valores éticos e morais fazem parte de uma
boa educação e da formação de verdadeiros cidadãos”.
(P4)
“Acredito que sim, pelas mesmas razões apontadas para
a faculdade. Vejo que o educador, de qualquer área, traz
embutido em sua função a necessidade de discutir os
97
valores sociais e morais da sociedade em que se atua”.
(P5)
Duas respostas falam da importância do professor como exemplo
marcante na formação do alunado e afirmam que seu comportamento é uma
referência para os discentes, mesmo que de maneira inconsciente. Uma avalia
que a simples observação da conduta do professor é mais profícua que a
discussão das questões relevantes.
“Através do próprio exemplo de conduta do professor,
acho que ser ético é mais importante para a
aprendizagem dos valores do que falar deles”. (P3)
“Pois toda ajuda é boa, ajuda a montar o caráter do
aluno”. (P8)
“Porque o modelo profissional que o aluno tem é o
professor, que deve participar dentro das disciplinas que
ministram e através das atitudes demonstradas na
clinica”. (P12)
Outras duas fazem referência à função de mediador do professor,
através da qual ele se torna um facilitador da formação técnica associada à
responsabilidade social e ética. Estas mesmas professoras fazem duas
observações: uma indaga se não é o momento de montar um projeto de
formação continua do professor para que este reflita sobre seu papel (P10),
enquanto a outra sugere que a instituição e o professor acompanhem o
98
profissional formado pela instituição para incentivar seu amadurecimento e sua
busca por conhecimentos (P11).
“Porque os professores são importantes e privilegiados
mediadores na formação do aluno. Vinculando a
formação técnica à responsabilidade ética e social do
nosso agir em saúde. Este projeto esbarra na própria
formação do professor, de forma que acredito que deva
haver um projeto que reflita sobre o papel do docente nos
rumos da formação”. (P10)
“O professor é o facilitador no processo de vivencia do
aluno, do paciente e dos outros segmentos
(sociedade).(...) Acho que o professor deva acompanhar
o aluno em sua trajetória no período da universidade, e
atualmente, com o advento e a evolução dos meios de
comunicação, penso que (extra-obrigação) deva
acompanhar esse sujeito egresso após a sua saída da
universidade”. (P11)
Não há muita divergência de idéias sobre como o professor deve
participar na formação de valores do aluno. Para oito professoras, dada a sua
situação de modelo profissional, seu comportamento exemplar em sala de aula
é fundamental na formação dos valores éticos do aluno. Várias citam a
incitação ao debate e à reflexão como importantes ferramentas:
“Na própria dinâmica da disciplina, avaliar o aluno como
um todo, postura, conduta, respeito aos outros, além de
cobrar o cumprimento das regras. Trazendo também
questões de debate social (...) favorecendo a reflexão”.
(P5)
99
7.3.3. Considerações sobre a atuação dos professore s e da faculdade no
processo de aprendizagem
As respostas acima apresentadas revelam as posições dos
professores sobre a pertinência de sua intervenção, bem como da faculdade,
na formação da competência moral dos alunos e a maneira como este trabalho
deve ser conduzido. Verificou-se que todas as docentes consideram importante
a participação da instituição de ensino.
A construção das percepções morais e éticas é contínua e inacabada.
Por isso, deve-se imaginar que todas as instâncias de convívio do individuo
colaboram para esta produção, entre elas, a educação superior, que deve,
desta forma, adotar estratégias que aumentem a possibilidade de os alunos
optarem por valores positivos como parâmetros fundamentais para seus
julgamentos. Este objetivo dificilmente será alcançado pelos alunos apenas
através da simples observação do comportamento de seus modelos, no caso,
os professores (ARAUJO,2007). Portanto, não se pode restringir a estratégia
de ensino à demonstração de bons exemplos de conduta. As instituições de
ensino devem, então, estimular a participação reflexiva ativa através de
debates constantes sobre os problemas sócio-morais de forma a elevar o nível
de consciência moral (DIAS,1999). Dez professoras se aproximam desta idéia.
P10 sugere a criação de espaços de reflexão enquanto P14 propõe a inclusão
da disciplina de filosofia no currículo. Dessa forma, os sujeitos se preparam
cognitivamente para estabelecer diálogos cada vez mais complexos a respeito
100
desta temática, promovendo não apenas o próprio amadurecimento ético
profissional, mas também o desenvolvimento da cidadania e da sociedade
(ARAUJO,2007).
A afirmação de que a faculdade deve estimular a adoção de valores
positivos levanta, no entanto, uma importante discussão, já que pressupõe um
juízo sobre os tais valores. Afinal, quais valores podem ser considerados
“positivos”? Como fazer este tipo de distinção sem desrespeitar posições
diferentes? O professor deve, então, estimular o aluno a agir e pensar de
maneira autônoma e, para isso, precisa “resistir à tentação da onipotência”
(PERRENOUD, 1998, pg. 217), lembrando-se de que, na educação, há um
hiato entre o seu conhecimento e o do aluno. O docente deve procurar diminuir
este gap, evitar que ele iniba a participação do aluno e dar possibilidade para
que este estruture seus projetos de ação, assumindo responsabilidade pelas
decisões e atos que o afetam e aos outros (PERRENOUD,1998 e
KOTTOW,2000).
PERRENOUD (PERRENOUD,1998) afirma que o professor não pode
ceder à vaidade de esculpir o aluno à sua imagem.
“Cada educador carrega em si a tentação de
Frankenstein (MEIRIEU, 1996) e, para combatê-la, deve
muitas vezes optar por ser menos eficaz e mais
respeitador das pessoas e de seu ofício” (pg. 217).
Ele ressalta ainda a necessidade de colocar os alunos em situações
que os estimulem em sua zona de desenvolvimento proximal e permitam a ele
dar sentido ao trabalho que realizam e ao saber, avaliando que, hoje, ensinar
101
não consiste mais em dar boas lições, mas em fazer aprender
(PERRENOUD,1998).
Segundo REGO, PALACIOS E SCHRAMM (REGO,2004), o
fundamental é a reflexão e não as conclusões obtidas através dela:
“O papel do professor é o de provocar conflitos cognitivos
em seus estudantes. É estimular que eles se questionem
sobre seus valores, isto é, questionar o senso comum. É
surpreendê-los com teses que contradigam este senso
comum ou o ’politicamente correto’. É este constante
desafio intelectual que é sua principal função, não o mero
repasse de teorias ou de valores. Para isso, é
fundamental que o docente respeite e estimule o
processo de construção da autonomia do estudante. É
indispensável que o professor compreenda que a sua
opinião sobre determinado assunto não só não terá de
prevalecer ao final de uma discussão, como, a rigor, não
é tão importante em sala de aula. O importante é que ele
respeite seus alunos como sujeitos autônomos. Se suas
convicções sobre determinado tema são tão fortes que
ele não consiga aceitar que alguém tenha posição
diferente, então não é a pessoa adequada para exercer a
função de docente” (pg 180).
As diferenças de opinião não se restringem ao papel do professor, mas
também ao da universidade. Um dos debates mais freqüentes hoje nas
instituições de ensino é aquele que coloca em lados opostos os que defendem
uma formação voltada fundamentalmente para o mercado de trabalho e
aqueles que acreditam em uma abordagem mais ampla no ensino superior, em
102
que o objetivo é dotar o profissional de maior capacidade crítica sobre o mundo
e a sociedade que o cercam.
Não se pode negar a importância de uma boa preparação para
mercado de trabalho, cada vez mais buscada pelas universidades e
universitários na sociedade contemporânea capitalista, assim como não
podemos conceber a faculdade como uma mera linha de montagem que
simplesmente molda os alunos às necessidades do mercado em detrimento de
sua autonomia. É inútil acreditar que o mercado de trabalho exige apenas
conhecimento técnico, já que nenhuma instituição moderna prescinde de
competência moral e teórica. Portanto, o desenvolvimento de um profissional
competente implica necessariamente em fazer com que o aluno elabore de
maneira individual e coletiva a capacidade de conviver e administrar de forma
autônoma princípios e valores.
Resumindo, o papel da instituição de ensino e dos professores é
provocar conflitos e estimular o questionamento sobre os seus valores
constantemente. Existem valores, como solidariedade e justiça, que estão na
Constituição Brasileira e devem ser reforçados pela argumentação do docente,
deixando ao aluno, porém, a possibilidade de aceitar ou não. A faculdade deve
escolher os seus valores, princípios e regras e torná-los claros aos seus
alunos. Além disso, sempre que possível, deve reciclá-los a partir da reflexão
moral (REGO,2004).
103
7.4. Ética e bioética
7.4.1. Sobre a transversalidade (Você reconhece a ética e a
bioética como temas transversais?)
Dez professoras consideram que ética e bioética devem ser temas
transversais, três acreditam que não e uma não se posiciona a respeito.
Vale notar que as três que responderam negativamente afirmam que as
disciplinas devem ser tratadas como temas isolados, medida que favoreceria
uma discussão mais ampla das questões pertinentes, e que poderia haver uma
divisão entre o estudo da “filosofia” ética e da bioética para complementar a
discussão no campo da ética prática.
“Por estabelecer a visão ampla, com responsabilidade
não ações de diagnostico e terapêutica, assim como nas
relações profissionais interdisciplinares”. (P6)
“Não acho que sejam transversais, considero
didaticamente, como se o grande tema fosse ética e a
bioética contemplasse tudo que está inserido na prática
ética”. (P11)
“Porque não considero que princípios éticos e bioéticos
‛atravessem’ a práxis fonoaudiológica. Eles ficam e
devem reger a conduta profissional”. (P13)
104
Contrárias a estas opiniões, duas professoras entendem que o
conteúdo deve ser tratado com tema transversal:
“São temas transversais e farão sentido se puderem ser
desdobradas na pratica cotidiana, se puderem se tornar
ferramentas para pensar a prática”. (P10)
“Por serem temas que são atravessados por diferentes
perspectivas, não podemos falar de bioética sem
levarmos uma questão a cabo: que tipo de sociedade e
humanidade que queremos para nós?(...)”. (P14)
7.4.2. Sobre a pertinência do ensino da bioética no curso de
fonoaudiologia (Você acha pertinente o ensino da di splina bioética no
curso de graduação em fonoaudiologia?)
Doze das 14 professoras afirmam que a disciplina de bioética deveria
fazer parte da grade curricular de fonoaudiologia nesta universidade e duas
não têm opinião formada a respeito.
É recorrente a idéia de que as aulas de bioética seriam um momento
apropriado para a reflexão. “A bioética é a grande caixa de ferramentas para a
reflexão”, afirma a P10. É a partir deste raciocínio que 11 professoras
desenvolvem suas linhas de argumentação.
“Porque não acredito em respostas prontas, em valores
absolutos, em códigos inquestionáveis e penso a bioética
como uma grande caixa de ferramentas para a reflexão”.
(P10)
105
“Porque apesar de ser um assunto que seja transversal
no curso, alguns conceitos formais e teorias mais
especificas, devem e podem ser discutidas
pontualmente”. (P2)
Em duas respostas, é ressalvada a necessidade de reflexão sobre a
prática diária e as implicações das próprias ações:
“É um momento que seria especifico para o exercício da
reflexão, para análise dos valores da sociedade e as
implicações na pesquisa e nos serviços”. (P7)
“(...) A disciplina é o espaço para discutir as implicações
das ações cotidianas”. (P11)
Duas crêem que a disciplina é importante porque, além de possibilitar
debates úteis ao desenvolvimento do senso crítico dos alunos, ela se prestaria
também a combater a idéia de que “o mais esperto tira vantagens”.
“Infelizmente assistimos diariamente a contra-educação
apresentada massificamente pelos meios de
comunicação, também constatamos falência da principal
instituição de ensino formal do país – os dois maiores
“educadores”, juntamente com o meio familiar, numa
sociedade como a nossa. Dessa forma, recebemos um
aluno fruto de uma sociedade de maus exemplos e de
maus formadores de valores sociais e morais. Fica então
um dever ainda maior por parte de qualquer graduação
que pretende formar profissionais merecedores dos seres
humanos por eles assistidos”. (P1)
106
“Para criar situações de reflexão sobre tais valores, e
confrontar com inúmeras práticas não éticas vivenciadas
e presenciadas a cada momento na vida pública do
nosso país. Vivemos em um momento onde o mais
esperto sempre tira vantagens e isso tem que acabar
através da educação”. (P4)
Outro ponto que justificaria o ensino da disciplina, levantado em cinco
respostas, é o surgimento de novas situações-problema decorrente da
constante evolução de técnicas e métodos na área da saúde, bem como do
surgimento de novas tecnologias.
“É importante a disciplina porque temos nos deparado
cada vez mais com situações novas na área, que devem
fazer parte das discussões de profissionais em formação
de toda a área da saúde”. (P12)
“É uma discussão atual que deve ser amplamente
discutida com a sociedade, e em particular com os
aparelhos formadores, uma vez que os avanços
tecnológicos da medicina, por exemplo, colocam
impasses éticos importantes, que não estão
suficientemente discutidos para que haja uma solução a
contento. Estamos no dia a dia vivenciando isso a todo
tempo, a engenharia genética é um bom exemplo, a
medicalização é outro tema importante”. (P14)
107
É interessante assinalar que uma das docentes que afirmam não ter
opinião formada sobre o assunto diz, logo em seguida, considerar a disciplina
necessária para que haja “um recorte para a reflexão do aluno”.
“Acredito que a disciplina é necessária e fundamental,
como um recorte para a reflexão do aluno que nem
sempre percebe com a devida atenção as questões
éticas que devem estar implícitas em qualquer disciplina”.
(P5)
7.4.3. Discussão a respeito das opiniões sobre o en sino da ética e
bioética
Apesar de algumas docentes afirmarem que a faculdade e os
professores teriam pouco a acrescentar à educação moral, todas acreditam
que os conteúdos de ética e bioética devem fazer parte do currículo do curso
de fonoaudiologia, seja como disciplinas isoladas no ciclo básico, seja como
tema transversal ou ambos.
Dez professoras concordam com a transversalidade, o que significa
que concebem o tema como um instrumento para trabalhar os conteúdos
tradicionais e técnicos articulados às preocupações sociais. Enfocar o ensino
da ética como tema transversal significa adotar um eixo reflexivo em toda a
faculdade e ter como finalidade uma formação voltada para a cidadania,
vinculando a competência técnica ao ensino democrático voltado para o
desenvolvimento das competências éticas.
108
O ensino da ética como tema transversal permite também a articulação
entre os conteúdos lecionados em disciplinas isoladas, criando uma
perspectiva interdisciplinar no curso. A ética, então, funcionaria como eixo que
perpassa diversos conhecimentos, abordagens e temas, estabelecendo uma
relação entre as disciplinas convencionais e dando sentido mais amplo ao
conhecimento adquirido na universidade.
Para isso, o projeto pedagógico, que prevê a transversalidade do
ensino da ética, deve ser observado com mais atenção, já que, muitas vezes,
os docentes não admitem o conteúdo como tal e, por isso, não realizam a
ligação entre a educação formal e a comunidade, deixando de lado o diálogo
sobre princípios como a justiça, solidariedade, respeito e beneficência
(ARAUJO,2007).
A P10, em sua resposta sobre a pertinência do ensino da bioética,
demonstra a noção de que não há valores absolutos que devam ser ensinados,
ou seja, que a educação moral não se presta a programar os discentes para
internalizarem normas corretas e pré-definidas, mas para desenvolver a
capacidade do sujeito de raciocinar e agir moralmente.
Apesar de dez professoras defenderem a articulação entre os
conceitos fundamentais da ética e a sua prática nas aulas no ambulatório-
escola da própria universidade, pode-se dizer que a prática, muitas vezes,
deixa a desejar já que seis delas consideram a imitação fundamental ou o até o
único processo para a aprendizagem moral, deixando de lado a promoção
voluntária da reflexão na formação do aluno.
Na universidade estudada, o tema ética, até o ano 2000, era dividido
em duas disciplinas - ética e bioética -, o que conferia 45 horas para a reflexão
109
dos fundamentos e a discussão sobre a competência ética na saúde e na
sociedade. Desde 2001 as duas foram condensadas em uma única disciplina,
Ética e Fonoaudiologia, que conta com apenas 30 horas para que o docente
desenvolva a ementa. A redução não pode ser encarada de outra forma senão
como uma demonstração do pouco prestígio deste tipo de conteúdo neste
momento. Apesar de reconhecer a importância do tema como disciplina
isolada, o corpo docente parece desconhecer esta redução da carga horária,
que em momento algum é citada.
Há quem considere que o ensino da ética é imprescindível na área da
saúde, já que seus profissionais lidam com o cuidado de pessoas de alguma
forma fragilizadas ou, dito de outra forma, com a promoção da qualidade de
vida. Segundo P5, esta característica da fonoaudiologia torna o ensino da ética
mais urgente, posto que o profissional formado deveria ter a habilidade para
fazer o uso crítico da razão, empenhar-se no cuidado do outro (e não da
doença) e respeitar os direitos humanos.
De fato, o delicado debate acerca da relação com o outro deve ter
especial atenção nos cursos de graduação na área da saúde, dada a
complexidade das relações e a enorme gama de desdobramentos possíveis
para este assunto. Para preparar de forma satisfatória o futuro profissional da
área, o ensino da ética requer, então, discussões aprofundadas e
democráticas, que demandam tempo e, portanto, um espaço específico para
seu desenrolar, as aulas de bioética.
Neste contexto, a idéia de trabalhar estes temas dentro da disciplina
Bioética, deixando a ética como conteúdo transversal, parece responder de
forma satisfatória à necessidade social de dar significado à competência moral
110
ou prática. É a bioética que trabalha com a idéia da complexidade dos
fenômenos cotidianos e, através da interdisciplinaridade e da
transdiciplinaridade, discute os paradigmas da sociedade. A tarefa deste tema
é entender as ações humanas, resolver “problemas morais que surgem na
práxis humana” (SCHRAMM,2002, pg 610), buscando articulação entre os
agentes e os pacientes morais. Ou seja, a noção de que os princípios éticos
“não atravessam a práxis fonoaudiológica” como na resposta da P13, se afasta
da compreensão que temos aqui desenvolvido de que a práxis se refere às
ações de um sujeito moral sobre os outros e sobre o ambiente, o que tem
conseqüências sobre os pacientes morais desta ação. Logo, a aula de bioética
compreende não apenas o fazer fonoaudiológico, mas toda e qualquer ação
moral, propiciando discussões como, por exemplo, a sugerida pela P1 e P4,
acerca do individualismo egoísta praticado na sociedade contemporânea em
detrimento do coletivo. Para elas, a falência de instituições como a família e as
escolas, bem como a “contra-educação” promovida pela mídia, têm grande
ligação com a corrupção no país. É importante lembrar que a abordagem
heterônoma, muitas vezes usada em aulas de ética deontológica, estimula este
tipo de comportamento já que não cria a percepção moral que se baseia no
contrato social e, portanto, estimula a ação individual, mantendo o indivíduo no
estágio convencional de Kohlberg.
O ensino da ética dentro de uma cadeira exclusiva e sob uma
perspectiva deontológica, como o que costuma ocorrer nos cursos de
graduação, leva também a um reducionismo grave já que, devido às limitações
de tempo, não pode abarcar a enorme diversidade de aplicações do tema que
a transversalidade permite, além de não possibilitar o pleno desenvolvimento
111
das capacidades morais do indivíduo. A bioética, por outro lado, oferece ao
estudo da ética a reflexão sobre as conseqüências dos atos na qualidade de
vida do outro, o que poderia ajudar a reduzir a defasagem da perspectiva
humanista na formação dos profissionais da saúde. A bioética pode ser
compreendida, então, como uma caixa de ferramentas que ajuda o aluno a
enfrentar novos desafios com autonomia e tendo como referência a justiça, a
beneficência e a eqüidade.
7.5. A prática
7.5.1 Sobre a abordagem em sala de aula (Você traba lha estes temas em
sua disciplina?)
Assim como na pergunta anterior, doze docentes responderam de
forma afirmativa e duas, de forma negativa. Mesmo as que afirmam não
trabalhar o assunto em suas aulas reconhecem que, na discussão de casos
clínicos, o tema é debatido de forma recorrente.
Seis entendem que a discussão dos casos clínicos é a ferramenta ideal para o
estudo da ética. Três defendem que debater a própria conduta é a melhor
maneira de trabalhar o tema.
“Com exemplos de atuação profissional ética, com
discussão de casos clínicos pautada também em conduta
ética e, ainda, com a própria atuação profissional –
quando na clínica-escola - respeitosa no que se refere ao
tratamento com o aluno, com o paciente, com o
112
funcionário e com o colega. O aluno deve ouvir um
discurso ético, mas, principalmente, deve ver e sentir na
prática, no dia-a-dia essa atuação em processo”. (P1)
“Por meio de exemplos práticos de atuação profissional e
de relação entre profissional/paciente e
profissional/comunidade. Sempre ressalto a importância
da postura de condutas e das relações com a sociedade”.
(P2)
“Atitudes perante os pacientes no ambulatório”. (P9)
Outras três abrem, em suas aulas, espaço para a discussão dos
procedimentos na prática com os pacientes e entendem que, desta forma, a
ética é discutida.
“No decorrer do conteúdo, os valores morais e éticos são
debatidos, especialmente em relação a saúde e
educação pública. Os alunos são levados a refletir acerca
dos interesses e valores implícitos em decisões
específicos”. (P7)
Duas professoras falam de alguns pontos - como respeito ao paciente
e responsabilidade sobre os próprios atos - sobre os quais acham que a
atuação do fonoaudiólogo deve estar embasada, dando a entender que
abordam estas questões em suas disciplinas.
“Com a demonstração da necessidade de compreensão
do sujeito em suas relações pessoais e na necessidade
113
de valorizar a responsabilidade de suas ações para com
o paciente”. (P6)
A professora responsável pela cadeira de ética relaciona o tema a três
aspectos da vida dos alunos.
“Sim trabalho. Na disciplina Ética e Fonoaudiologia fica
mais fácil, pois este assunto é o tema central. Trabalho
os conceitos de ética, moral e bioética, relacionando-os.
Primeiro, com o individuo em sua vida privada, segundo,
na vida em sociedade e, em terceiro, na sua vida
profissional (...) questionando dogmas, procurando
construir a responsabilização com os compromissos que
as nossas funções nos impõem”. (P10)
Finalmente, uma faz um contraponto sobre as situações que permitem
discussões profundas e ricas, e superficiais.
“(Trabalho) no ambulatório, pois é nas supervisões que
esses temas aparecem. Infelizmente, não temos um
currículo que abra (discussões) de forma a produzir
sentido para todas as questões. (...) faço uma defesa da
aprendizagem baseada em problemas, caso contrário,
cairíamos no reducionismo do Código de Ética, na
discussão assignificante (sic.)”. (P14)
7.5.2. Suporte didático (Você utiliza algum materia l para trabalhar esses
temas em sua disciplina?)
114
Das 14 professoras, metade afirma que usa algum tipo de material e a
outra metade, que não. Algumas disseram que utilizam os casos clínicos como
material para trabalhar os temas e outras, que não utilizam material, mas
promovem discussão dos casos clínicos. Das que usam material, quatro
mencionam filmes, livros, jornais, revistas, artigos, músicas e exposições.
É interessante notar que uma delas afirma que não usa, mas
questiona sua postura:
“Não uso, mas acho que deveria utilizar”. (P5)
Uma das professoras demonstrou dúvida sobre o que poderia ser
considerado como material.
“Material de ética específico não. Mas procuro ler os
direitos dos pacientes”. (P3)
7.5.3. Discussão a respeito das constatações sobre a realidade da
formação moral e ética dos alunos
Neste último bloco de respostas ocorre novamente um embate. Parte
das professoras acredita que os exemplos transmitidos pela própria conduta
bastam para ensinar as competências éticas e morais enquanto outras crêem
que os dilemas sociais e a discussão dos casos clínicos seria a melhor maneira
de habilitar os discentes para uma atuação ética e moral competente. REGO
(2005a) afirma em seu texto sobre competência técnica e ética na formação
dos profissionais da saúde que os exemplos são válidos, mas indaga se
alguém acredita que basta a pura observação de modelos para a formação
115
profissional no campo da saúde. Kohlberg e outros autores, já citados no
capítulo sobre o desenvolvimento da competência moral e educação,
criticavam a teoria de Durkhein, segundo a qual a internalização dos valores da
sociedade acontece através da heteronomia. Algumas docentes parecem estar
de acordo com esta posição. Elas julgam que o exemplo ou a leitura do “código
de conduta” seria a atividade ideal para promover a competência ética de seus
alunos, o que poderia ser confundido com doutrinação.
Kohlberg critica a doutrinação e se mostra favorável à prática de
discussões para o desenvolvimento do julgamento moral, já que, para ele, o
método doutrinário não faz com que o indivíduo se capacite para tomar
decisões. Assim, o papel dos professores é estimular o raciocínio dos alunos
para solucionar problemas, respeitando o processo de aprendizagem individual
e mediando para que, através do questionamento moral, as condições para
que todos de desenvolvam sejam promovidas (BIAGGIO,1997).
Para uma educação voltada para a humanização do atendimento em
saúde, REGO sustenta que os responsáveis pela formação devem “estimular,
promover o desenvolvimento da capacidade de cada estudante de refletir
criticamente e tomar decisões baseadas em uma reflexão ética” (2005ª, pg 74).
Uma instituição de ensino instrui, de maneira explícita, através de sua
grade curricular, mas também através de seu “currículo oculto”, que consiste
nas regras, procedimentos internos e nas questões e dilemas éticos que se
encontram implícitos no conteúdo de suas disciplinas (REGO,2003).
Daí a importância da reflexão ética também entre os docentes para
que estes possam identificar no “currículo oculto” as situações a problematizar,
a provocar ativamente o conflito cognitivo para que se possa contribuir
116
efetivamente para o desenvolvimento moral dos discentes, percebendo e
acompanhando de maneira crítica esta reflexão, e aperfeiçoando seu processo
de reorganização cognitiva.
A P10, responsável pela disciplina de Ética e Fonoaudiologia, discorre
sobre o questionamento de dogmas e a assimilação dos conceitos éticos em
três instâncias da vida do aluno: individual, social e profissional. Ela
compreende a função do debate ético como um fórum para a tomada de
decisões democráticas ou ainda como um incentivo para o desenvolvimento
das competências éticas e morais do sujeito e um momento para discussão do
ethos profissional. Desse modo, ela torna explícito o “currículo oculto” para
motivar o aluno a se engajar no processo de desenvolvimento da
personalidade moral. Sua limitação de carga horária exige, porém, que outras
disciplinas façam o mesmo ou que a faculdade incentive debates morais entre
alunos, professores e até membros da sociedade.
Para que isto ocorra, é necessário sensibilizar os professores de
maneira paulatina já que não se muda uma estrutura de maneira repentina.
117
8. Considerações Finais
Pode-se concluir que esta dissertação, de forma geral, alcança os
seus objetivos geral e os específicos. Identifica e analisa as percepções dos
docentes da graduação em fonoaudiologia sobre a construção de valores
morais e éticos através da análise das respostas aos questionários. O grupo é
formado por professoras com média de idade de 42,5 anos. O número de
mestras (42,84%) é superior ao de doutoras (35,71%).
Parte delas acredita que a interação influencia o desenvolvimento das
competências moral e ética dos estudantes, além de enfocar a questão da
formação constante dos valores e princípios. A menor parte ainda crê que os
exemplos são as referências para uma atitude ética por parte dos discentes no
futuro. Por um motivo ou por outro, a imensa maioria compreende que a
faculdade e os professores desempenham um papel fundamental neste
processo e parte delas aponta a problematização de casos como a ferramenta
mais eficaz neste sentido.
O estudo também demonstrou que boa parte das docentes entende a
necessidade de uma formação específica em bioética, e mesmo o seu ensino
como tema transversal, embora não haja homogeneidade sobre a maneira
como isso deve ser conduzido. As diferentes posições a respeito da forma
como a bioética deve ser transmitida, bem como a diminuição da carga horária
da disciplina Ética e Fonoaudiologia, que aborda o tema, evidenciam o
desprestígio do assunto nas discussões realizadas entre os docentes da
instituição. Acredito que este tratamento dado ao tema não some à busca pela
humanização da assistência à saúde ou colabore para a harmonia nas relações
118
entre alunos, professores, fonoaudiólogos, demais profissionais da área e a
sociedade de forma geral. Ao identificar esta realidade, considero que esta
pesquisa pode contribui para a adequação do ensino da ética e da bioética às
exigências da sociedade contemporânea.
O fato de o questionário ter sido respondido por escrito e sem a
presença da pesquisadora, de certa forma, contribuiu para que as respostas
fossem objetivas e sucintas já que não houve debate sobre o tema como
poderia ocorrer em entrevistas abertas. Por outro lado, a resposta escrita
permite maior reflexão para sua formulação. Além disso, a ausência da
pesquisadora inviabiliza uma possível interferência, dada sua relação pré-
existente, na qualidade de ex-aluna da instituição, com as professoras.
Algumas poucas perguntas poderiam ter sido redigidas de forma mais clara
para evitar dúvidas e confusões encontradas entre as respostas. Considero
ainda que, por falta de tempo, não foi realizado um trabalho de
acompanhamento de determinadas aulas, que muito poderiam ter contribuído
para a discussão levantada na dissertação.
De qualquer forma, acredito ter sido possível cumprir as metas pré-
estabelecidas para, assim, chegar a relevantes conclusões sobre o ensino da
ética na faculdade de fonoaudiologia estudada. Na formação acadêmica do
fonoaudiólogo, que como todo profissional da saúde lida com a vida, é
imprescindível que o desenvolvimento da competência moral seja enfatizado,
com o que todas as professoras concordam. A graduação deve fornecer as
ferramentas para que este aluno, futuro profissional, aproprie-se de
conhecimento técnico, científico e ético para o bom desempenho da sua
atividade.
119
O ensino da bioética nos cursos de graduação em saúde, em particular
no de fonoaudiologia, deve ter como objetivo formar profissionais que saibam
trabalhar de forma interdisciplinar, baseando suas ações em princípios como
justiça, beneficência, respeito e autonomia. Para isso, considero vital que ele
passe por uma reformulação que privilegie a discussão e problematização em
detrimento da abordagem heterônoma atual.
Alguns elementos não podem ser deixados de lado na elaboração de
um currículo mais eficaz. Ele deve prever, entre outros, a participação
sistemática dos docentes de diversas disciplinas em projetos transversais
sobre o tema - como pequenos grupos de discussão sobre situações-
problemas em cada disciplina -, bem como debates nas disciplinas de ética e
bioética, responsáveis por sua fundamentação teórica e filosófica. Outro
objetivo a ser perseguido é a participação ativa e democrática dos estudantes
nas aulas e no cotidiano da faculdade, além do engajamento de todos no
projeto de clinica-escola, experiência importante para o verdadeiro
amadurecimento do aluno em todas as vertentes de seu desenvolvimento.
É impossível formar fonoaudiólogos com reconhecida eficiência técnica
sem que estes tenham competência para agir moralmente. Estas duas
dimensões da experiência acadêmica são imprescindíveis na busca de um
profissional plenamente capaz de promover a saúde.
120
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132
Termo de Consentimento
ASPECTOS ÉTICOS
Este projeto incorpora os aspectos éticos recomendados pela
Resolução 196/96 sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, incluindo,
entre outros, a obtenção do consentimento livre e esclarecido dos indivíduos. O
estudo não apresenta atividades que possam causar danos físicos, psíquicos,
morais, sociais ou culturais a estas pessoas. Ele se propõe também a dar
retorno à sociedade de seus resultados.
A propriedade das informações geradas será de uso exclusivo da
equipe de pesquisa. O pesquisador responsável garante que nenhum estranho
à equipe terá acesso aos dados, para que se preserve a confidencialidade das
informações.
Cada participante receberá, individualmente, esclarecimentos quanto
ao conteúdo desta pesquisa. A divulgação dos resultados coletivos da pesquisa
deverá ser pública e, em primeiro lugar, endereçada aos participantes do
projeto.
Os sujeitos da pesquisa terão a garantia de livre consentimento
(modelo anexo) após total esclarecimento de todos os benefícios e possíveis
riscos que poderão advir do processo investigatório. Vale lembrar que o projeto
visa apontar, através de entrevistas não identificadas, as percepções dos
professores sobre a construção de valores morais na graduação.
O pesquisador responsável é a pessoa incumbida da coordenação e
realização da pesquisa e responsável pela integridade e bem-estar dos sujeitos
da pesquisa.
133
TERMO DE CONSENTIMENTO
O Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, através da aluna de mestrado Rachel Vitalino
Bernardes de Andrade (tel. 93375163), realiza o estudo intitulado: “O Ensino da
Bioética: é possível? Como os professores percebem o seu papel no
desenvolvimento moral do aluno fonoaudiólogo”. Este projeto terá a orientação
da médica e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Marisa
Palácios (tel: 99975677).
O objetivo deste trabalho é - partir da análise de questionários -
identificar e analisar como os docentes percebem o seu papel e o da
universidade no desenvolvimento de valores morais na formação do estudante
de fonoaudiologia, ao longo do curso. Este trabalho tem o intuito de observar e
discutir como os docentes avaliam seu papel, produzindo assim um material
que pode ser usado para posterior reflexão e melhoria do desempenho do
docente para o ensino das disciplinas ética e bioética.
Serão realizadas entrevistas com perguntas abertas e fechadas. Os
resultados dos exames serão enviados aos entrevistados pelo pesquisador. A
coordenadora e a orientadora desta pesquisa, se comprometem a não revelar
dados das entrevistas a terceiros. As informações prestadas nas entrevistas
serão analisadas e divulgadas de forma que não seja possível identificar suas
fontes.
134
A participação na pesquisa é VOLUNTÁRIA. Isso significa que aqueles
que forem convidados a participar dela decidirão se querem ou não participar
de livre e espontânea vontade. A recusa em qualquer momento deste projeto
não implicará em nenhum prejuízo ao convidado. Nenhum procedimento
oferece riscos para a saúde nem danos morais, sociais ou intelectuais aos
participantes da pesquisa.
Esta pesquisa que abrangerá o universo de 14 professores
fonoaudiólogos contratados do curso de fonoaudiologia de uma universidade
do Rio de Janeiro.
Levando em conta a relevância deste projeto, solicitamos sua
concordância e participação na resposta ao questionário, que é totalmente
anônimo e sigiloso. Deste modo, nos colocamos à disposição para quaisquer
outros esclarecimentos.
Agradecemos desde já seu engajamento e compreensão quanto a
importância desse projeto.
Atenciosamente,
Marisa Palácios/ Orientadora da Pesquisa.
Rachel Vitalino Bernardes de Andrade, discente do curso de
mestrado em Saúde Coletiva do IESC/UFRJ.
135
Eu, ____________________________________________________, RG
no___________________, declaro estar esclarecido (a) sobre os termos
apresentados, e concordo com o que foi exposto. Dessa forma, autorizo a
minha participação nesta pesquisa.
Rio de Janeiro, ____ de _____________________ de 2007.
Assinatura
136
Reconhecimento dos sujeitos da pesquisa
P Idade Tempo de formação Grau D.E. (UFRJ) Ativ Exclusiva? Áreas de atuação
1 36 15 Mest Não Não Clinica particular / assessoria a empresa
2 36 15 Dout Não Não Clinica particular
3 54 18 Dout Sim Sim ....
4 40 18 Dout Não Não prof outra faculdade/clinica particular
5 44 15 Mest Não Não Clínica particular
6 47 27 Esp Não Não Prefeitura do Rio - SMS
7 37 16 Dout Não Não prof outra faculdade/clinica particular
8 39 17 Mest Não Não clínica particular
9 52 29 Esp Não Não prof outra faculdade/clinica particular
10 38 18 Mest Não Não prof outra facul/clinica particular
11 46 23 Esp Sim Sim ....
12 38 16 Dout Não Não Clínica particular
13 42 20 Mest Não Sim prof outra faculdade
14 47 23 Mestr Não Não Clínica particular
137
Questionário
Estudo exploratório sobre construção de valores no curso de graduação
em fonoaudiologia da universidade estudada – Visão dos docentes
I - Identificação do professor
Sexo: F M
Idade:_______
Tempo de formado:_______
Tem outro emprego?______________________________________________
Qual?__________________________________________________________
Nível de formação acadêmica: Especialista Mestre Doutor Outras
Em que área? __________________________________________________
II – Roteiro estrurado
1 - O que você entende por valores sociais e morais?
2- Como você acha que os alunos formam seus valores e conceitos éticos?
3- O que é ser ético no exercício da profissão de fonoaudiólogo?
4- A faculdade deve intervir na formação de valores sociais e morais dos
alunos?
Não Sim Não sei
4A – Por que?
4B – Como?
5- Os professores devem participar da formação de valores sociais e morais
dos alunos?
Não Sim Não sei
5A – Por que?
138
5B – Como?
6 -Você reconhece as disciplinas ética e bioética como temas transversais?
Não Sim Não sei
6A – Por que?
7 - Você acha pertinente a disciplina Bioética no curso de graduação em
fonoaudiologia?
Não Sim Não sei
7A – Por que?
8 - Você trabalha estes temas em sua disciplina?
Não trabalho Sim trabalho
8A - Como?
9 - Você utiliza algum material para trabalhar esses temas em sua disciplina?
Não Sim Não sei
9A – Quais?
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