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PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

ACÓRDÃO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA

REGISTRADO(A) SOB N°

"02936509*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

APELAÇÃO CRIMINAL n° 99009082258/9 (Processo n°

298/2005) da 2 a Vara Criminal da Comarca de SANTOS, em

que é apelante/apelado EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL

ELIAS, sendo apelado/apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO:

ACORDAM, em Sessão Ordinária da Quarta

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por votação unâ­

nime, proferir a seguinte decisão: rejeitaram a preliminar

arguida e, deram provimento ao recurso da Justiça Pública

para fixar o regime inicia semiaberto para cumprimento da

expiação, cassando-se a substituição infligida, e, paralela­

mente, negaram provimento ao recurso defensivo. Expeça-

se mandado de prisão, oportunamente, de conformidade

com o voto do Relator, que fica fazendo parte do presente

julgado.

O julgamento teve a participação dos Srs.

Desembargadores Salles Abreu (Revisor) e Willian Campos,

com votos vencedores.

São Paulo, 23 de março de

EUVALDO

Relator e Presidente

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

13259

APELAÇÃO CRIMINAL n° 99009082258 /9 Comarca: SANTOS - (Processo n° 298/2005) Juízo de Origem: 2 a Vara Criminal Órgão Julgador: Quarta Câmara Criminal Apelante/Apelado- EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL ELIAS Apelado/Apelante: o MINISTÉRIO PUBLICO

Relator

VOTO DO RELATOR

EDUARDO ANTÔNIO MIGUEL ELIAS foi con­

denado pelo r. Juízo da 2 a Vara Criminal da Comarca de SAN­

TOS, nos autos do Processo n° 298/2005, como incurso no ar­

tigo 168, § Io , inciso III, c.c. o art. 71 , "caput", ambos do Código

Penal, às penas de 05 (cinco) anos, 03 (três) meses e 16 (dezes­

seis) dias de reclusão, em regime aberto, sob as condições de

permanecer diariamente em sua residência das 20h às 6h do

dia seguinte, inclusive em finais de semana e feriados; não se

ausentar da região da Baixada Santista, salvo se a trabalho,

sem autorização judicial; e a comparecer mensalmente em Juí­

zo, para informar e justificar suas atividades; bem como ao pa­

gamento de 76 (setenta e seis) dias multa, fixados no valor indi­

vidual de dois salários mínimos. Condenado, ainda, ao paga­

mento à vítima da quantia de R$ 20.642,97, com correção mo­

netária e juros de mora a contar de 18 /11 /04 , a título de valor

mínimo da reparação de danos; facultado o apelo em liberdade

(fls. 672/685).

O apelante foi processado porque se apropriou,

indevidamente, de bens e dinheiro, no valor total de R$

135.932,47 (cento e trinta e cinco mil, novecentos e trinta e dois

reais e quarenta e sete centavos), pertencentes a Manoel Messi-

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as Santos, atualmente com 71 anos de idade.

O inconformismo é bilateral.

De um lado, apela o Ministério Público para

que a reprimenda venha a ser cumprida no regime intermediá­

rio (fls. 695/699) e, de outra banda, recorre o réu, em verdadei­

ro trabalho de fôlego (fls. 730/772) argüindo preliminar de nuli-

dade porque não observada a nova ordem procedimental (Lei n°

11.719/08). No mérito, aduz que o conjunto probatório é insufi­

ciente para embasar o édito expiatório, sustentando, subsidiari-

amente, que a exasperadora está reconhecida de forma equivo­

cada, afastamento do "bis in idem" no tocante à circunstância

semelhante que serviu para altear a base e reconhecer a agra­

vante e, ainda, a redução da reprimenda.

Contrariados os recursos (fls. 710/720 e

775/780), a douta Procuradora de Justiça, Dra. Iurica Tanio

Okumura, opina pelo deferimento de preliminar, para julgamen­

to prioritário, por se tratar de vítima maior de 70 anos e, no mé­

rito, pelo improvimento do apelo defensivo (fls. 783/798).

É o relatório.

Analisa-se, inicialmente, a questão prejudicial

arguida que envolve o tema da aplicação da lei processual pe­

nal no tempo.

Com efeito, o réu foi interrogado em 2007,

sendo respeitado o rito processual da época. Com a reforma de

2008, o interrogatório deixou de ser o primeiro ato da instru­

ção (art. 400, CPP), sendo, doravante, o derradeiro, mas tal

circunstância trazida à baila pela reforma não tem o condão de

autorizar novo interrogatório em face da exegese do art. 2o, do

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Estatuto de Ritos. O ato processual, na espécie, era perfeito e

acabado, inexistindo motivo concreto para a sua renovação.

Ademais, inexiste prova de prejuízo, mormente porque inexis-

tiu confissão, de sorte que mácula processual não se presume;

é provada e tal, com a devida vênia, não existe.

A este teor confira-se a lição do saudoso Pro­

fessor JÚLIO FABBRINI MIRABETE na obra "Código de Proces­

so Penal Interpretado", Atlas, 2003, 11 a edição, p. 80, ensina­

mento que se coaduna com a lição do Supremo Tribunal Fe­

deral (Informativo n° 419; HC n° 87.656, Rei. Min. SEPULVE-

DA PERTENCE).

Em suma: "tempus regit actum".

É fato que a sentença veio a ser prolatada me­

ses após a entrada em vigor da Lei n° 11.719/08. Todavia, o

patrono do réu, por ocasião da oferta de suas derradeiras ale­

gações (fls. 631/660), época em que novel norma estava em vi­

gência, não formulou pedido de renovação do interrogatório.

Então, aplica-se o dispositivo precitado (art. 2o, CPP), em cote­

jo com o art. 565, do Código de Processo Penal, porque inerte a

Defesa no momento oportuno, para se indeferir a preliminar

argüida. Ademais, como é cediço, declaração de nulidade re-

questa apontamento do efetivo prejuízo, coisa que não se su­

cede na hipótese vertente.

Analisa-se o mérito do recurso defensivo.

A vítima setuagenária contratou advogado pa­

ra patrocinar seus interesses em processo crime. Entabulou-se

verba honorária de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e, mais

dois salários mínimos ao mês para serviços gerais (fls. 37,

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385 /386 e 309). Destarte, outorgou-se Procuração não só para

defesa n a esfera criminal, mas também para venda e locação

de imóveis, abertura de conta, movimentação bancária e en­

cerramento de contas em agências bancárias (fls. 34/36).

Vê-se, pois, que a procuração outorgada, em

princípio, usurpou o fim colunado na contratação da prestação

de serviço. E tal razão pode ser aferida com o resultado do pro­

cesso crime: a vítima foi absolvida impropriamente, sendo de­

terminada internação em Hospital Psiquiátrico (fls. 124/128),

lá tendo permanecido até 2005 (fls. 200/204).

Pois bem.

Durante o período em que Manoel estava pre­

so (a segregação ocorreu em janeiro de 1996), o apelante:

a) vendeu o apartamento da vítima na cidade

de Santos (fls. 229, 237/238 , 266 e 288);

b) vendeu a casa da vítima em São Vicente (fls.

246, 247 e 289);

c) e, por fim, recebeu aposentadoria da vítima

por quase u m a década (fls. 369 /377 e 384/386).

De doer na retina!

A incauta vítima, iletrada, que cursou escola

somente até o primário, pessoa de idade avançada e portadora

de problemas psíquicos (fls. 37, 88 e 202), veio a perder a pe­

quena fortuna que reuniu ao longo de u m a vida inteira. A ex-

culpa do réu (fls. 411/413) faz corar de vergonha até mesmo

u m a es ta tua de pedra. Diz que vendeu os imóveis (declara va­

lor inferior ao efetivamente comercializado) e movimentou a

conta bancária da vítima por muitos anos apenas para receber

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seus honorários e dos seus sócios. Mas não declina os valores

com exatidão. E mais: diz que até os dias atuais patrocina in­

teresses da vítima junto à Vara das Execuções Penais e que

Manoel jamais exigiu qualquer prestação das contas, sendo

tudo a ele informado de forma verbal.

Como se fosse possível a tuar assim patroci­

nando interesse de mentalmente enfermo sem cometer delito.

Ora, um advogado experiente, mestre em direito, professor (fls.

400, 410, 586/587, 590, 730), jamais poderia adotar tal com­

portamento. Nunca, nem em pensamento, poderia vender imó­

vel ou movimentar conta corrente de cliente preso e portador

de enfermidade mental, máxime se não veio e não prova que

teria sido contratado para isto. O contrato de honorários en­

cartado não lhe faculta tal conduta. E, destarte, agiu com dolo.

Quando muito, após prestar contas ao cliente, desde que não

fosse enfermo mentalmente, poderia, em tese, exercer direito à

retenção de valores até ser reembolsado (art. 1315, do Código

Civil vigente ao tempo do crime). Nunca, porém, a tuar como de

fato a tuou na espécie.

É exato que o apelante comprovou alguns

poucos pagamentos efetuados (fls. 4 6 / 4 7 , 48/49 , 51 /52 , 419,

420 /421 e 600/603), mas estes gastos são ínfimos, mínimos

perto do montante apossado indevidamente com a venda de

dois imóveis e mais 08 (oito) anos de aposentadoria.

Outro ponto há que ser destacado para com­

provar o dolo do réu: antes da venda dos imóveis j á sabia da

anomalia mental de Manoel (fls. 103/106), tanto que susten­

tou no Juízo Criminal que seu cliente era portador de doença

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mental, o que veio a ser confirmado por perícia (fls. 108,

124/128, 323 /327 e 321), e, mesmo assim, alienou dois imó­

veis e se apoderou de vultoso dinheiro da vítima, provavelmen­

te porque, à luz das máximas da experiência, acreditava na

impunidade e no fato de que parentes da vítima não mais

mant inham contato com ele há muito tempo porque a eles ti­

n h a dito que Manoel t inha falecido (fls. 220 e 510). Em suma,

sabia do quadro e se valeu do estado mental enfermo da vítima

para se locupletar em razão do ofício.

Diante desse quadro probatório, está provada

a inversão da posse e o dolo do agente. A decisão hostilizada

há, de fato, que ser mantida porque, como se tem decidido em

reiterados arestos, não se exige prova inconcussa da autoria

para o édito expiatório. Este vocábulo, indubitavelmente, é u-

tópico quando se busca a verdade dos fatos. O absoluto grau

de certeza pelo julgador é meta inatingível, vez que este concei­

to é incompatível com as limitações inerentes à natureza hu­

mana. Nesse contexto, para acolhimento da pretensão deduzi­

da pelo Ministério Público na peça matriz basta que a prova

recolhida, ainda que não conducente à certeza plena, autorize

a formação de juízo de valor em desfavor do réu e, paralela­

mente, afaste a dúvida razoável.

A diferença é sutil, porém significativa, valen­

do assentar que inexiste hierarquia entre os meios de prova e

nosso ordenamento consagra a validade da prova indiciaria

(art. 239, CPP), de sorte que suficiente o afastamento da dúvi­

da para lançamento de édito expiatório. Basta existência da

certeza possível (beyond any reasonable doubt). Vale dizer: a-

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fastada a dúvida razoável e sendo possível pelo destinatário da

prova à luz do contraditório a formulação de juízo de valor em

desfavor do réu, válida a expiação. E este entendimento aqui

esposado encontra respaldo em reiterados arestos, muitos de­

les sustentando que indícios são suficientes para embasar

sentença condenatória, notadamente quando afastam uma hi­

pótese favorável ao acusado. Nesse sentido, de se conferir RT

722 /462 .

De se acrescentar, porque oportuno, que a

doutrina e a jurisprudência convergem no ensinamento de que

para chegar-se à autoria, pode o Magistrado recorrer ao entro-

samento de vários elementos de convicção carreados para os

autos. Nesse sentido, vale a pena conferir, mais u m a vez, a li­

ção do mestre ADALBERTO CAMARGO ARANHA, em sua obra

Prova no Processo Penal, 3 a ed., Saraiva, 1994, XVIII, p. 195, e

ainda, o julgado inserto na RT 7 2 9 / 5 8 3 . Em síntese, é de se

anotar que a prova indiciaria, que vem consagrada no art. 239,

do Código de Processo Penal, autoriza ilação em desfavor do

réu, na medida em que há indícios em seu desfavor. Vale lem­

brar que "a autoria do delito evidenciada por depoimentos de

testemunhas de 'visu', seguros e coerentes, não se queda, no

sistema do livre convencimento, diante de simples e obstinada

negativa dos agentes" (RT 710/325).

Ademais, não pode olvidar para o fato de que a

falta de verossimilhança da exculpa do réu constitui forte indí­

cio de sua culpabilidade e é indicativo de que está mentindo.

Nesse sentido, confira-se a lição de MARIA THEREZA ROCHA

DE ASSIS MOURA, in A Prova por Indícios no Processo Penal, I a

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ed., Saraiva, 1994, p. 75. Também não se pode negar a valida­

de da prova indiciaria, cujo valor é idêntico à direta, posto que

reconhecida pelo sistema do livre convencimento adotado pelo

Código de Processo Penal. Esta a lição de JOSÉ FREDERICO

MARQUES in Elementos de Direito Processual Penal, I a ed., Fo­

rense, 1961, II, n° 525, p. 378.

Vê-se, portanto, que o acusado descumpriu

ônus assumido, apoderando-se de bens que lhe foram confia­

dos. E, não se pode olvidar, "consuma-se o crime de apropriação

indébita no momento em que o agente inverte o título da posse,

passando a agir como dono, recusando-se a devolver a coisa ou

praticando algum ato externo típico de domínio, com ânimo de

apropriar-se da coisa" (RT 675/415) . No mesmo sentido: RT

6 7 9 / 4 1 1 , 708 /322 e 726/679.

Esse entendimento é amplamente albergado

pela doutrina, valendo conferir: NELSON HUNGRIA, Comentá­

rios ao Código Penal, 3 a ed., Forense, 1967, n° 65, p. 143; ED-

GARD MAGALHÃES NORONHA, Direito Penal, 26 a ed., Sarai­

va, II, n° 556, p. 336; JÚLIO FABBRINI MIRABETE, Manual de

Direito Penal, 6 a ed., Atlas, 1991, II, p. 259; DAMÁSIO E. DE

JESUS, Direito Penal, 18a ed., Saraiva, 1996, II, p. 364.

Ora, não é crível que ignorasse irregularidade

da sua conduta. Também não comprovou que tivesse anuência

para vender os objetos ou movimentar conta bancaria. Nesse

contexto, inequívoco que inverteu a posse com ânimo de asse-

nhoramento. E, tratando do delito de apropriação indébita em

que o elemento subjetivo corresponde a uma subjetiva mani­

festação de vontade de inverter o título de mera detenção em

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domínio, a demonstração do dolo é feita, de regra, através de

elementos indiretos de convencimento, mas harmônicos e con­

vergentes. Em suma, o fato é típico, e, também, antijurídico,

restando imperiosa a condenação, na medida em que sobeja­

mente demonstrado o "animus rem sibi hábendi", configurador

da infração penal, patenteada com a quebra de confiança e a

inversão da posse do dinheiro.

O relato encartado às fls. 588/589 o inculpa

de forma irretorquível. Pretendia o honorário perpétuo (fls.

206/217). E mais: celebrou contrato com vítima doente men­

tal, sabendo do discernimento comprometido, com o propósito

de manter remuneração eterna, sob pretexto de acompanhar a

execução da pena e cuidar da "parte administrativa". Em suma,

a tese de que a vítima t inha conhecimento e consciência do

negócio jurídico não merece credibilidade. E a prova oral reco­

lhida é ampla em desfavor do apelante (fls. 503/514, 531/537

e 569/571).

De se anotar, porque oportuno, que o estado

mental combalido da vítima é patente, não só pela prova técni­

ca, como também pelo fato de acreditar que o réu, até hoje, pa­

trocina seus interesses apenas no processo crime. E que ou­

torgou procuração apenas para sua defesa nestes autos. Em

suma, nunca recebeu prestação de conta do instrumento de

mandato outorgado com poderes maiores que o assentido. E a

atitude criminosa do réu é alertada pela assistente social Ma­

ria Conceição (fls. 503 e seguintes). Contou também que o ad­

vogado nunca pagou despesas de Manoel, sendo que nas opor­

tunidades em que houve necessidade de intervenção cirúrgica

APELAÇÃO CRIMINAL N° 99009082258/9 / VOTO N° 13259 /(_ ̂ - 9/14

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no cárcere, o procedimento ocorreu pelo SUS. Conta que o réu

nunca prestou assistência à vítima, como pretende fazer crer.

E mais: parentes da vítima contaram à funcionária do Hospital

que o ora apelante t inha informado que Manoel t inha falecido

(fls. 510/512).

É muito triste !!!

Marisa, a outra assistente social ouvida sob o

crivo do contraditório, contou que no Hospital de Custódia e

Tratamento em que o réu estava internado, jamais houve uma

única visita do réu. E dá integral cobro aos dizeres da colega

de profissão, narrando que familiares de Manoel se assusta­

ram com a notícia de que estava vivo porque Eduardo tinha

anunciado a todos em Santos que ele era morto. E mais: con­

tou que o réu apenas apresentou o cartão da conta bancária

da vítima após os fatos terem sido levados ao conhecimento da

Assessoria Jurídica do Nosocômio. Por fim, acrescentou que a

vítima doente mental dizia, a todo instante na internação, que

o réu era contratado para defendê-lo (fls. 535), mas não vinha

visitá-lo.

As tes temunhas de defesa (fls. 584/587) são

apenas de antecedentes, de sorte que nada de relevante revela­

ram à instrução. E, nesse contexto, se advogado recebe quan­

tias indevidas de seus clientes, sujeitado está às penas do deli­

to em questão.

A agravante do art. 61 , inciso II, letra "h", é ir­

refutável porque o delito veio a ser perpetrado contra idoso. A

pena está dosada com critério. Com efeito, a base está alteada

de forma justificada com olhos voltados para o art. 59, do Có-

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digo Penal. Ora, dentre os inúmeros bens materiais, há que le­

var em conta, na fixação da pena para os crimes contra o pa­

trimônio, o objeto subtraído. Por óbvio advogado que se propõe

a surrupiar o montante apossado, importe que, de fato, repre­

senta a economia de u m a vida inteira e causar o prejuízo su­

portado pela vítima idosa e com anomalia mental, tem repro­

vação mais acentuada do aquele réu que se apropria de pe­

quenos valores - um cheque de pequeno valor - em razão da

profissão. Logo, há que ser apenado de maneira mais severa,

sob pena de se fazer letra morta o mandamento da Constitui­

ção Federal (art. 5o , XLVI).

Nosso Código Penal, e suas reprimendas, re­

montam à primeira metade do século passado, época muito di­

ferente dos caóticos dias atuais e de criminalidade exacerbada.

Destarte, o Juiz, destinatário da prova, precisa adequar-se à

realidade no momento da fixação da pena. É homem de tempo

e, como tal, teve estar inteirado daquilo que se sucede no meio

social, dos problemas sociais e da importância de suas deci­

sões para combater a violência, tentando, no seu mister, trazer

à tona a credibilidade no Judiciário, tantas vezes injustamente

criticado. E um advogado renomado no seu meio social que

vem a delinqüir desta forma merece, com a devida vênia, san­

ção exemplar, sob pena de, no seio da sociedade santista, dei­

xar no ar o mau cheiro da impunidade.

Nesse contexto, estribado em precedente do

Colendo Superior Tribunal de Justiça (HC n° 70232/DF, Rei.

Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 12.03.2007, p. 303), o

ajuste para o dobro na base é justificado, mormente porque o

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réu é advogado antigo, renomado, cobrador de vultosos hono­

rários por seus préstimos. Há ainda a incidência de circuns­

tância agravante e, paralelamente, de causa de aumento, de

sorte que o montante infligido não será alterado, não se po­

dendo falar em "bis in idem". E o acréscimo pela forma conti­

n u a d a no grau máximo é inarredável em razão do tempo em

que infração se protraiu no tempo. Não se altera, ainda, o valor

do dia multa porque, como frisado, trata-se de réu que era ad­

vogado em Santos, recebedor de polpudos honorários, com

amplas condições de arcar com o valor infligido: dois salários

mínimos. Para nosso desalento, esta se tornou u m a prática

corriqueira e contribui para péssima visão que a sociedade

vem adquirindo quanto aos operadores do direito e, principal­

mente, advogados.

De se anotar a notícia amplamente veiculada

em CAMPINAS no ano que se encerrou: "Os advogados Nelson

Leite Filho e Newton Brasil Leite foram condenados pelo MM. Ju­

iz Leonardo Pessorusso de Queiroz, da Ia Vara Federal de

Campinas, pela prática de crimes de apropriação indébita

combinados com o crime de patrocínio infiel, quando o advogado

trai a causa do cliente. Os réus poderão responder ao processo

em liberdade. Segundo a denúncia, oferecida em 2003, pelo

procurador da República Roberto Antônio Dassié Diana, os acu­

sados, após receberem, por meio de alvará de levantamento, os

valores devidos aos clientes, descontavam, dos pagamentos fei­

tos, quantias que variavam entre 40% a 50% das verbas. Em al­

guns casos, os advogados não repassaram integralmente os pa­

gamentos recebidos. Os réus se apropriaram de mais de R$

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300 mil. Nelson Leite Filho foi condenado à pena de 58 anos,

sete meses e dois dias de reclusão e a pagar uma multa

no valor de 25.300 dias-multa, fixado, cada dia-multa. New­

ton Brasil Leite foi condenado à pena de 50 anos, dois meses

e 20 dias de reclusão e apagar multa no valor de 21.212

dias-multa fixado. O valor de cada dia-multa foi fixado

em 1/20 de salário mínimo vigente à época dos fatos. O

Juiz só não aceitou o argumento do MPF de que as penas deve­

riam ser aumentadas, pois os crimes foram cometidos con­

tra idosos. Para o Juiz, o processo não trouxe prova inequívoca

da idade dos clientes lesados. O procurador da República Gilber­

to Guimarães Ferraz Júnior, atual responsável pelo caso, recor­

reu da sentença, com o objetivo de aumentar a pena fixa­

da. Para o MPF não foram considerados, na fixação da pena, os

antecedentes criminais dos acusados, que respondem a diversos

inquéritos policiais".

Casos como este é que envergonham - e muito

- a classe dos estudiosos e operadores da ciência do direito.

Em suma, houve inversão da posse de dinheiro das pensões e

alienação de bens imóveis com inversão da posse quanto ao

dinheiro arrecadado, de sorte que o apelante somente se apro­

priou destes valores porque captou a confiança do cliente idoso

e exerceu o mandato indevidamente, com ampliação de pode-

res e de forma dolosa para se locupletar, incidindo, destarte,

nas penas do fato típico. Do Tribunal de Justiça de Santa Ca­

tarina, colhe-se o idêntico precedente com a seguinte ementa:

"caracteriza o crime de apropriação indébita o ato do advogado

APELAÇÃO CRIMINAL N° 99009082258/9 VOTO N°13259 / dA --13/14

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Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

que, recebendo importância como procurador judicial de seu cli­

ente, passa a dispor de parte dela como sua" (Ap. Crim. n.

25.050, Rei. Des. NILTON MACEDO MACHADO). E, na hipóte­

se dos autos, restou comprovado o elemento subjetivo da a-

propriação, caracterizado pela vontade livre e consciente de se

apropriar.

De rigor, pois, a expiação lançada.

Analisa-se o recurso ministerial.

Em face do montante da pena infligida, não se

pode fixar o regime aberto. Destarte, com lastro no art. 33, §

2o , letra "b", do Código Penal, a pena há que ser cumprida no

regime intermediário. De se anotar, porque oportuno, que há

notícia de outro envolvimento criminal (fls. 628). E, por fim, a

substituição da pena privativa de liberdade é vedada em face

da exegese do art. 44, inciso I, do Código Penal. A reparação de

danos (art. 387, IV, CPP) fica mantida no importe firmado na

decisão hostilizada.

Diante do exposto, pelo meu voto, rejeita-se a

preliminar arguida e, dá-se provimento ao recurso da Just iça

Pública para fixar o regime inicia semiaberto para cumprimen­

to da expiação, cassando-se a substituição infligida, e, parale­

lamente, nega-se provimento ao recurso defensivo. Expeça-se

mandado de prisão, oportunamente. ^ ^ ^ 7 ^

/ C_^^TJ^ALIK) tíffiffi* ^

/ ^^ Relator

APELAÇÃO CRIMINAL N° 99009082258/9 VOTO N° 13259 14/14

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