trabalho com alunos com deficiência intelectual
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IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”
Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5
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TRABALHO DIDÁTICO NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL ‐ AS EXPERIÊNCIAS MODELARES DE MONTESSORI E DESCOEUDRES
Samira Saad Pulchério Lancillotti
sspllotti@uol.com.br (UEMS)
Resumo
A educação especial emergiu no século XVIII como parte do movimento de expansão da educação escolar burguesa. Surgiu a partir de iniciativas médicas como alternativa educacional para pessoas com deficiência, alijadas da escola comum, organizada para o ensino homogêneo. No início do século XX, o enfoque médico‐pedagógico, que caracterizava a educação especial, foi dando lugar ao enfoque psicopedagógico sob o influxo do movimento da Escola Nova. Essa influência se fez sentir na educação em geral e contou com ampla contribuição de médicos, psicólogos e educadores europeus, dentre os quais destacamos, para esta análise, Maria Montessori e Alice Descoeudres. A relevância dos trabalhos dessas autoras se deve ao fato de que ambas ainda embasam fortemente a educação ofertada a alunos com deficiência mental, particularmente no âmbito das instituições especializadas. Suas propostas serão analisadas com vistas a indicar de que modo conformaram, no primeiro terço do século XX, o trabalho didático voltado para esse alunado. A análise toma por objeto as obras: Pedagogia Científica, de Maria Montessori e A educação das crianças retardadas, de Alice Descoeudres. Destaca‐se, como ponto comum, o caráter individualizado e ativo dessa educação que é guiada por parâmetros psicológicos, com vistas ao desenvolvimento natural dos alunos, de conformidade com as ideias pregadas pelo movimento escolanovista, que advogava o ensino centrado no aluno. Esse é um discurso que permeou a educação como um todo, mas ganhou espaço privilegiado no campo da educação especial, vindo a nortear as práticas educacionais. Essa penetração foi favorecida, em grande medida, pela conformação periférica da educação desses alunos, no sentido de que a demanda social mais restrita e o caráter mais idiossincrásico desse atendimento escolar impôs o trabalho com pequenos grupos, sendo a pequena escala uma condição indispensável à aplicação dos princípios escolanovistas. Palavras‐chave: Trabalho didático. Educação especial. Montessor.; Descoeudres. Individualização do ensino.
SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA MODERNIDADE
Até o século XVIII, as noções acerca da deficiência foram muito marcadas pela visão
teológica. A superação dessa perspectiva arrastou‐se por um longo tempo e teve seu primeiro
marco no início do século XVI, com a obra do médico e alquimista Philipus Aureolus Paracelso
(1493‐1541), Sobre as doenças que privam o homem da razão, escrita em 1526 e publicada em
1567, postumamente. Pela primeira vez, uma reconhecida autoridade da medicina considerou a
deficiência mental como um problema médico e não teológico; para o referido autor, o louco e o
idiota seriam “[...] doentes ou vítimas de forças sobre‐humanas cósmicas ou não, e dignos de
tratamento e complacência” (PESSOTTI, 1986, p.15). Essa visão foi referendada por Jerônimo
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Cardano (1501‐1576), filósofo, matemático e médico que, além de reconhecer implicações
orgânicas nos quadros de deficiência mental, se preocupava com a questão da instrução dessas
pessoas.
Em Londres, no ano de 1664, foi publicado o trabalho de Thomas Willis (1621‐1675),
Cerebri Anatome, no qual o autor assumiu uma postura organicista diante da deficiência mental,
para ele resultante de lesões ou disfunção do sistema nervoso central. Sua análise foi enriquecida
e complementada pelo trabalho de Francesco Torti (1658‐1741) que, ao relacionar os quadros de
deficiência com mala aira (malária, ou mau ar dos pântanos) apontou, pela primeira vez, a
concorrência de fatores ambientais como determinantes da deficiência mental (PESSOTI, 1986,
p.20).
Contudo, foi apenas com a superação da doutrina vigente sobre a mente humana e suas
funções que essas ideias começaram a penetrar o senso comum. Essa superação está demarcada
pelos trabalhos de John Locke (1632‐1704), filósofo, médico e político inglês, que sistematizou em
uma de suas principais obras “Essay concerning Human Understanding”, editada em 1690, sua
filosofia empirista. Para ele, uma das fortes evidências de que as ideias não são inatas está no fato
de que tanto as crianças como os idiotas não as apreendem.
Se, portanto, as crianças e os idiotas possuem almas, possuem mentes, dotadas destas impressões, devem inevitavelmente percebê‐las, e necessariamente conhecer e assentir com estas verdades; se, ao contrário, não o fazem, tem‐se como evidente que essas impressões não existem (LOCKE, 1978, p.146).
Locke considerou que a mente equivaleria a uma tábula rasa na qual as ideias seriam
impressas a partir das sensações.
Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer idéias; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento (ibid., p. 159).
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De acordo com Pessotti, Locke inaugura simultaneamente uma teoria do conhecimento e
uma doutrina pedagógica; o primado da sensação passa de preceito pragmático a principio
filosófico e pedagógico geral, com uma didática decorrente (1986, p. 22). Essas ideias
influenciaram, sobremaneira, o pensamento e a educação que se seguiram.
Ressalte‐se que, nesse período, a educação ainda se estabelecia, predominantemente, por
meio de uma relação individualizada entre preceptor e discípulo, só estando disponível para os
mais abastados (ALVES, 2001). Sendo essa a relação educativa dominante, fica evidente que a
educação de pessoas com deficiência era organizada nos mesmos moldes. Lacerda coloca o fato
em destaque, ao abordar a educação de surdos:
É no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos sem que haja interferências sobrenaturais. [...] A figura do preceptor era muito frequente em tal contexto educacional. Famílias nobres e influentes que tinham um filho surdo contratavam os serviços de professores/preceptores para que ele não ficasse privado da fala e consequentemente dos direitos legais, que eram subtraídos daqueles que não falavam. (LACERDA, 1998, não paginado).
Na transição do século XVIII para o XIX, Jean Marc Gaspard Itard (1774‐1838) propôs um
programa educativo individual para o menino Victor de l’Aveyron 1. Galvão e Dantas (2000)
assinalam que ele seguia o modelo educacional dominante à época que era, justamente, o
preceptorado, e afirmam que “a consolidação de instituições de educação coletiva só foi ocorrer
ao longo daquele século, com a progressiva organização dos Estados nacionais e dos sistemas
públicos de educação.” (GALVÃO; DANTAS, 2000, p.86).
Segundo Bueno,
A educação especial surge nas sociedades ocidentais industriais no século XVIII, como parte pouco significativa de um conjunto de reivindicações de acesso à riqueza produzida (material e cultural) e que desembocou na construção da democracia republicana representativa, cujo modelo expressivo foi o implantado na França pela Revolução de 1789. [...] o acesso à escolarização dos deficientes foi sendo conquistado ao mesmo tempo em que se conquistava este mesmo acesso para as crianças em geral. [...] A Educação Especial nasceu voltada para a oferta
1 Um menino de hábitos selvagens encontrado na virada do século XVIII para o XIX nas florestas do Sul da França, com idade estimada em torno dos 12 – 15 anos de idade, chamado posteriormente de Victor.
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de escolarização de crianças cujas anormalidades foram aprioristicamente determinadas como prejudiciais ou impeditivas para sua inserção em processos regulares de ensino. E esta não é uma mera diferença de ênfase na análise do percurso histórica da Educação Especial, mas uma diferença de fundo, demonstrativa do caráter de segregação do indivíduo anormal e dos processos exigidos pelas novas formas de organização social (1994, p. 37, grifo nosso).
Fica, então, marcada a oposição anormalidade/normalidade como distintiva entre as duas
propostas educacionais. A educação geral, regular, incumbir‐se‐ia de atender o aluno normal, que
respondia ao padrão esperado para seu tempo, e a educação especial atenderia o aluno anormal,
que diferia daquele padrão.
As primeiras instituições voltadas ao atendimento de crianças com deficiência surgiram na
segunda metade do século XVIII. Em Paris, em 1760, surgiu a escola do Abade Charles M. Epée,
voltada ao atendimento da criança surda, que, posteriormente, foi transformada no Instituto
Nacional de Surdos‐Mudos. A escola para cegos foi instituída por Valentim Haüi, em 1784 e, após a
Revolução Francesa, passou a chamar‐se Instituto dos Jovens Cegos de Paris.
O atendimento escolar de pessoas com deficiência física e mental tardou mais; apenas em
1832 surgiu em Munique, na Alemanha, uma instituição voltada ao atendimento do deficiente
físico. A primeira instituição, bem sucedida, no atendimento de alunos com deficiência mental foi
a Escola de Abendberg, criada em 1840, por um médico suíço de nome Guggenbühl, alojada em
uma montanha no Cantão de Berna, (MAZZOTTA, 1996, p.22).
É importante assinalar que, desde 1816, já haviam sido feitos ensaios, malfadados, de
criação de serviços educacionais para os imbecis e idiotas, o primeiro deles, em 1816, em
Salzburgo. Outras experiências foram feitas na década de 1830, em França, no hospital de Bicêtre
e em Salpêtrière, também mal sucedidas por falta de apoio financeiro (PESSOTI, 1984, p.95).
O movimento de ampliação da educação especial se deu na mesma medida em que
ocorreu a expansão da educação geral; não aconteceu, porém, no mesmo ritmo. O atendimento
manteve‐se, por longo tempo, em escolas e instituições paralelas, no mais das vezes, de caráter
privado. Essa pode ser apontada como uma marca da educação especial, pois o subsídio público
nunca foi o bastante para atender, minimamente, a demanda dos necessitados desse ensino.
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A escola comum não era lugar para o aluno anormal, pois ele perturbaria a ordem
estabelecida e não teria atendimento adequado às suas necessidades específicas. Sobre o
atendimento educacional do deficiente mental, Carneiro Junior assim se expressou:
Si aprofundarmos as nossas observações sobre as creanças que frequentam escolas publicas, nos convenceremos de que, além dos idiotas profundos e semi idiotas, cretinos e imbecis, que geralmente são dellas afastados, — há ainda phrenastenicos ou defficientes, tardios ou fracos de espírito, tarados e instaveis que as frequentam com perda de tempo, perturbação para o regimem e disciplina da escola e prejuizo certo para sua mentalidade defeituosa (1913, p.27, grifo nosso).2
Saliente‐se que o atendimento da escola comum tomava como referência o aluno médio,
pois só assim seria possível a instituição do ensino coletivo. Se o mestre artesão, a seu tempo,
voltava‐se ao atendimento individualizado de seu discípulo, o professor, por sua vez, passou a
utilizar ferramentas como o quadro de giz e o livro didático, que lhe permitiram atender
coletivamente a todos os alunos. Comenius indicava esse caminho em sua Didáctica Magna:
[...] o nosso método encontra‐se adaptado às inteligências médias (das quais há sempre muitíssimas), de tal maneira que nem faltem os freios para moderar as inteligências mais subtis (para que não enfraqueçam prematuramente), nem o acicate e o estímulo para incitar os mais lentos. [...] no exército escolar, convém proceder de modo que os mais lentos se misturem com os mais velozes, os mais estúpidos com os mais sagazes, os mais duros com os mais dóceis, e sejam guiados com as mesmas regras e com os mesmos exemplos, durante todo o tempo em que tem necessidade de ser guiados. (COMÉNIO, 1985, p.177‐178, grifo nosso).
Na transição do século XIX ao XX, o enfoque médico‐pedagógico, que caracterizava a
educação de crianças com deficiência mental, foi dando lugar, ao enfoque psicopedagógico
(JANNUZZI, 2004), que avançava na educação como um todo, sob o influxo de um amplo
movimento de reforma pedagógica que, a despeito de diferenças internas, ficou conhecido sob a
denominação genérica de Escola Nova.
2 Miguel de Carneiro Junior publicou, em 1913, um estudo sobre a Educação das creanças anormaes, realizado por determinação do Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo, Dr. João Chrisostomo Bueno dos Reis Júnior.
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Essa influência se fez sentir, particularmente, por meio das experiências desenvolvidas por
médicos e educadores europeus, dentre os quais destacamos, para essa análise, Maria Montessori
e Alice Descoeudres.
A relevância dos trabalhos dessas autoras se deve ao fato de que ambas ainda embasam
fortemente as práticas educacionais voltadas para alunos com deficiência mental, particularmente
aquelas que se desenvolvem no âmbito das instituições especializadas, como APAE e Pestalozzi.
Foram também inspiradoras para a educação regular, como se pretende evidenciar. Suas
propostas serão analisadas, com vistas a indicar de que modo conformaram o trabalho didático
voltado à educação de pessoas com deficiência mental, no primeiro terço do século XX.
MONTESSORI E A EDUCAÇÃO DOS DEFICIENTES MENTAIS
Maria Montessori (1869‐1952) foi a primeira médica formada na Itália, pela Universidade
de Roma – por isso ser conhecida como a ‘doutora’ –, e destacou‐se na educação do período por
conseguir avançar na proposição de uma educação de caráter individualizado.
Montessori articulou‐se com os esforços do movimento de renovação educacional, tendo
por base os princípios froebelianos e os avanços da ciência psicológica. Seguindo os passos de
Édouard Séguin3, manteve foco inicial na educação de crianças com deficiência mental; foi sobre
essa experiência que a autora fundou um método de educação adequado ao pré‐escolar, pelo qual
é mundialmente reconhecida.
Na terceira edição, corrigida e ampliada, do livro Pedagogia Científica, Montessori indica
que seu método nasceu da experiência com crianças anormais, desenvolvidas nos orfanatos e
classes de alunos lentos. Indica ainda que:
[...] o sistema educativo oferecido nas Case dei Bambini nasceu de fato e deve sua existência a causas muito mais distantes; e se o processo da presente experiência
3 Édouard Séguin (1812‐1880) ‐ médico francês, seguidor de Jean Marc Itard, julgou que o idiotismo resultava de perturbações no desenvolvimento mental. Ocupou‐se da educação de crianças com deficiência mental e procurou sistematizar uma proposta educacional que atendesse às suas particularidades. Lançou mão do uso de brinquedos, materiais concretos e atividades manuais, com vistas ao desenvolvimento da capacidade imaginativa e de análise dessas crianças. Ocupou‐se, também, da formação de professores para a educação desse alunado.
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com crianças normais foi tão breve, se deve ao fato de ter sido precedida de muitas outras feitas com crianças anormais e que representam um longo trabalho intelectual. (MONTESSORI, 1937, p.33, tradução nossa).
Trabalhou como professora auxiliar em clínica de psiquiatria na Universidade de Roma,
ocasião em que tomou contato estreito com os pacientes dos manicômios, e entre suas funções
estava a de selecionar aqueles pacientes elegíveis para ensino clínico. Foi nesta ocasião que
conheceu o ensino de crianças idiotas e se interessou por ele. Naquele período estava em pauta
a organoterapia tireoidiana, e a autora assinala que, entre confusões e exageros, o êxito no
tratamento de alguns pacientes alertava os médicos para as necessidades das crianças com idiotia.
Foi a partir deste primeiro contato que tomou conhecimento do método educacional
desenvolvido por Édouard Séguin e desenvolveu interesse pela eficácia dos tratamentos
pedagógicos, com vistas a curar condições mórbidas como surdez, paralisia, idiotismo, raquitismo,
entre outros Considerou que a articulação da pedagogia com a medicina era uma conquista da
modernidade e sobre essa base se estabeleceria uma terapia pelo movimento.
Em oposição à maioria de seus colegas, afirmou que a questão dos deficientes era antes
uma questão pedagógica do que médica. Foi assim que propôs no Congresso Pedagógico de Turin,
em 1898, um método de educação moral, que ganhou divulgação e alcançou grande interesse por
parte das escolas. Desse modo, Montessori passou a realizar uma série de palestras para
professores sobre a educação de crianças anormais.
Com o tempo, seu curso levou à proposição de uma Escola Normal Ortofrênica, que foi
dirigida por ela durante dois anos. A escola era mantida por um Instituto que, além de oferecer
um externato, passou a atender crianças com deficiência mental nos manicômios de Roma.
Foi um período de trabalho febril, no qual a própria Montessori, depois de uma estadia em
Londres e Paris estudando a educação dos anormais, se colocou em posição de ensinar as crianças
e dirigir a obra das educadoras de crianças anormais do Instituto. Nesse período, passou a ensinar
pessoalmente as crianças, das oito da manhã às sete da noite, sem interrupção. A própria autora
considera que esses dois anos de prática a credenciaram como pedagoga.
A partir dessa experiência, começou a intuir que aqueles métodos de ensino não tinham
nada de especial para a instrução de deficientes: eram métodos adequados à educação de
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qualquer um, já que se assentavam sobre princípios de educação mais racionais do que os
vigentes.
Montessori credita os avanços da educação especial aos trabalhos pioneiros de Peréire, do
Instituto de Surdomudos de Paris e ao trabalho de Itard com o Selvagem de Aveyron, mas,
considera que a Édouard Séguin corresponde o mérito de haver completado um verdadeiro
sistema educativo para crianças anormais. Seu método foi exposto em um livro de mais de
seiscentas páginas, publicado em Paris, em 1846, sob o título: Tratamento Moral, Higiene e
Educação dos Idiotas. (MONTESSORI, 1937, p.35‐36)
Após a publicação da obra, Séguin migrou para os EUA onde, depois de outros vinte anos
de experiência, publicou uma segunda edição de seu método com novo título: Idiotia ‐ tratamento
pelo método fisiológico.
A pequena penetração da obra de Séguin nos países europeus levou Montessori a
considerar que sua obra havia sido mal compreendida. Verificou que era frequente o uso do
material indicado por ele, contudo, seu uso era feito de forma mecânica, cada professor seguia
seus próprios hábitos, motivo pelo qual, na prática, o método se revelava infrutífero.
Para a autora, o que não permitia aos professores retirar proveito do método era a forma
como compreendiam a indicação de que se deveriam colocar no nível dos alunos.
Sabe que vai educar crianças deficientes e por isso não consegue educá‐los, assim ocorre que muitos professores de deficientes acreditam educar as crianças colocando‐se a seu nível com jogos e bufonadas, e às vezes dizendo puras bobagens (MONTESSORI, 1937, p.37, tradução nossa).
Considerou que, muito ao contrário, o importante era despertar o homem que dorme na
alma da criança. A partir da obra de Séguin, Montessori começou a desenvolver suas próprias
reflexões que resultaram em seu método original.
Uma das suas contribuições diz respeito ao ensino simultâneo de leitura e escrita que,
segundo considerou, constava defeituosa tanto nos trabalhos de Itard como nos de Séguin. As
crianças deficientes foram auxiliadas por ela no seu desenvolvimento psíquico, e conseguiram
aprender leitura e escrita; algumas delas prestaram exames em escolas públicas e conseguiram
aprovação junto com outras crianças normais.
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Seu trabalho foi tecido nos mesmos moldes da educação de Séguin que conduzira o
deficiente de uma vida limitada a uma vida de relações. “Da educação dos sentidos às noções; das
noções às ideias e das ideias à moralidade” (SÉGUIN apud MONTESSORI, 1937, p. 40).
A autora considerou a necessidade de refletir demoradamente sobre as obras de Itard e
Séguin e, para tanto, tratou de copiar suas obras com escrita caligráfica. Afirma que o fez devagar
e com boa letra para ter tempo de refletir sobre cada ideia e consideração dos mestres. Quando
estava por terminar a cópia do primeiro livro de Séguin, chegou‐lhes às mãos sua segunda obra,
em inglês, que começou a traduzir com auxilio de uma senhora inglesa.
Para ela, a segunda obra trazia a filosofia das experiências expostas na primeira obra, pelo
que observa:
O homem, que havia estudado, durante trinta anos, as crianças anormais expunha a ideia de que o método fisiológico isto é, o método que tivesse por base o estudo individual do aluno e, nos procedimentos educativos, tivesse em conta a análise dos fenômenos fisiológicos e psíquicos, também devia ser empregado para as crianças normais, do que resultaria a regeneração de toda a humanidade. (MONTESSORI, 1937, p.41, tradução nossa).
Montessori viu nessas palavras a expressão de um visionário que conseguira abarcar com o
pensamento a ação que seria capaz de reformar a escola e a educação. A despeito de todo o
crédito conferido por ela às obras do autor, Montessori acabou por abandonar o método de
Séguin, por considerá‐lo trabalhoso e pouco efetivo. Em suas palavras: “[...] a enorme quantidade
de procedimentos e de esforços que exigia era desproporcional, em vista dos exíguos resultados.
Todos me repetiam: sobram muitas coisas para fazer na educação das crianças anormais” (ibid.; p.
40, tradução nossa).
Tomando por base as ideias de Séguin, desenvolveu seu próprio método, de educação para
os anormais, enfatizando a individualidade do aluno. Ao cabo de algum tempo ponderou que seu
método poderia contribuir para o desenvolvimento infantil, de forma geral, constituindo‐se em
“higiene da personalidade humana normal” (ibid., p.43) e, a partir dessas considerações, lançou‐se
em definitivo, na experimentação de seus métodos nas classes elementares da escola primária,
com alunos normais.
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Toda a proposta educacional desenvolvida por Montessori assentou‐se sobre a educação
dos sentidos. A autora destacou a necessidade de avançar na preparação metódica dos indivíduos
para as sensações. Considerava que a educação dos sentidos tinha enorme importância
pedagógica, seria a base necessária ao pleno desenvolvimento biológico sobre o qual se assentaria
a adaptação social dos sujeitos.
Segundo ela:
Nosso objeto educativo deve ser o de ajudar o desenvolvimento da infância, não o de dar‐lhe cultura. Por isto, depois de haver oferecido à criança o material didático adequado para provocar o desenvolvimento dos sentidos; devemos esperar que se desenvolva a atividade de observação. (ibid., p. 199, tradução nossa).
A educação montessoriana funda‐se no principio de apoio ao desenvolvimento natural do
individuo, sem preocupar‐se com a transmissão cultural, sobre a qual estava assentada a educação
de seu tempo. Para alcançar tal intento, a autora propôs a adaptação do ambiente às
necessidades e personalidade dos alunos. Considerou que a vigilância do adulto e os
ensinamentos deveriam ser reduzidos ao mínimo necessário. Quanto ao espaço físico propôs a
utilização de móveis e objetos simples, atraentes e práticos, que fosse estimulantes e seguros para
a atividade infantil.
A tarefa da educação se divide entre a mestra e o ambiente. A antiga mestra ‘ensinante’ foi substituída por um conjunto muito mais complexo; quer dizer, coexistem com a mestra muitos objetos (os meios de desenvolvimento) que contribuem para a educação da criança. A profunda diferença que existe entre nosso método e as chamadas ‘lições de coisas’ dos métodos antigos reside em que os ‘objetos’ não são uma ajuda para a mestra que há de explicar suas lições, ou seja, não são ‘meios didáticos’. São, em contrapartida, uma ajuda para a criança que os escolhe, que se apropria deles, os utiliza e se exercita segundo suas próprias tendências e necessidades e conforme os impulsos que o objeto desperta. Desta feita, os objetos se convertem em ‘agentes estimulantes de sua própria atividade’. Os objetos, não o ensino da mestra, são o principal; e, como quem os utiliza é a criança, este é o ente ativo, não a mestra. (MONTESSORI, 1937, p. 176, grifo nosso, tradução nossa).
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Como se observa, os meios de trabalho adquirem preponderância no método
montessoriano, nessas condições o papel do mestre se restringe ao apoio no uso do material
disponível. Considera a autora que as professoras das escolas montessorianas, deveriam renunciar
à posição de ‘ensinantes’ e adotar uma nova postura: auxiliar as crianças a explorar plenamente o
material disponível.
A mestra deve conhecer muito bem o material, tê‐lo sempre muito presente na memória e aprender com exatidão a técnica experimentalmente determinada de apresentar o material e tratar a criança convenientemente para guiá‐la com eficácia. Isto é o essencial na preparação da mestra. Poderá estudar teoricamente alguns princípios gerais utilíssimos para orientar‐se na prática, mas só com a experiência adquirirá as delicadas modalidades que variam tratando com indivíduos distintos, para não entreter mentes já desenvolvidas com materiais inferiores às capacidades individuais, provocando o fastio, e não oferecer objetos que a criança não pode apreciar ainda, esfriando assim o primeiro entusiasmo infantil. (ibid., p. 177, tradução nossa).
Para a autora, quando uma criança se auto‐educa e o próprio material lhe indica os erros,
resta muito pouco à professora, nessas condições sua ação se restringe à observação e direção da
atividade psíquica e do desenvolvimento fisiológico da criança. O método montessoriano também
confere grande destaque à ordenação do ambiente educacional, os objetos presentes nas classes
devem ser cuidadosamente dispostos, ao alcance das crianças e devem ser definidos a partir das
necessidades e possibilidades de cada etapa do desenvolvimento infantil. De cada objeto
particular deverá existir apenas um exemplar; o material deve ser atrativo, colorido, simples, leve
e, ao mesmo tempo, resistente.
Cada criança poderá utilizar os brinquedos e objetos disponíveis segundo seu próprio
interesse e ritmo. Após o uso, deverá limpá‐lo e devolve‐lo ao lugar de origem, para que possa ser
utilizado por um colega. Montessori pretende eliminar as disputas infantis por meio da
instauração de uma regra simples: caso uma criança queira utilizar qualquer objeto que esteja de
posse de um colega, deverá aguardar que seja disponibilizado, esse expediente também permitiria
exercitar a disciplina e a paciência.
Considera a autora que seu método oferece resposta para o problema da educação
individual podendo servir tanto ao atendimento educacional de alunos normais como dos
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deficientes, com um mínimo de gasto e energia, superando os limites das propostas de seus
contemporâneos que se assentaram na redução do número de alunos por classe.
Ponderou que, sob seu método, fundado na auto‐educação, não seria necessário reduzir o
numero de alunos por classe nem dispor de grande volume de recursos didáticos, tampouco seria
necessário recorrer a profissionais altamente especializados. Muito ao contrário, seria possível
atender ao menos quarenta alunos por classe, sem que o mestre necessitasse qualquer
preparação científica, bastaria que soubesse aplicar bem a arte de eliminar‐se, e não obstaculizar
o desenvolvimento natural da criança.
Esse processo seria guiado pela identificação e uso dos períodos sensitivos, referências
psicológicas da nova educação. Oferecer à criança as atividades atinentes às necessidades de cada
etapa, este seria o problema da nova pedagogia. Montessori reconheceu que essa tarefa não seria
fácil, pois grande parte dos conteúdos escolares são definidos a partir de critérios culturais e não
psicológicos.
Ao comparar seu método com as demais experiências modernas de educação, a autora
destaca:
Até nas escolas chamadas modernas, onde se acredita oferecer educação individual, existe uma marcada diferença com as escolas Montessori. Ali existe um professor que ensina uniformemente a coletividade, conceito profundamente diferente do aluno no método Montessori, que consiste em livrar a criança do professor que ensina e substituí‐lo por um ambiente onde a criança possa escolher o que é adequado a seu próprio esforço e às necessidades íntimas de sua personalidade. (MONTESSORI, 1965, p. 93, tradução nossa)
Destaca que em seu método parte‐se do princípio de que é a pedagogia que revela a
psicologia e não o contrário, ou seja, considera que as atividades psíquicas só se revelariam pela
atividade espontânea do aluno e não a partir de um a priori, desse modo estabelece uma crítica a
outras formulações pedagógicas que consideram possível conhecer o educando de antemão a
partir da ciência psicológica (ibid., p. 94).
No que tange aos programas de estudo e instrução, a autora defende que sejam definidos
a partir da personalidade de cada aluno tomando por guia sua idade e nível de desenvolvimento,
ao invés do ano escolar.
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Com respeito às marcas distintivas entre alunos com deficiência e os normais destacou a
autora:
A primeira e fundamental diferença entre uma criança mentalmente inferior e uma criança normal, quando colocadas diante de um mesmo material, é que o deficiente não manifesta um interesse espontâneo e é necessário chamar‐lhe continuamente a atenção, instigando‐o a observar e comparar, exortando‐o à ação (MONTESSORI, 1937, p. 207, tradução nossa).
A autora considerou que, com seu método, seria possível atender na mesma classe, alunos
com perfis diferentes, quando o contexto não permitisse a instituição de escolas graduadas.
Nossos métodos têm a vantagem, para sua aplicação nas escolas, de poder reunir em uma única classe crianças que tenham alcançado distintos graus de adiantamento. Em nossas primeiras “Case dei Bambini” estão reunidas crianças de dois anos e meio, que apenas chegam à realização dos primeiros exercícios sensoriais, com crianças de mais de cinco anos, que em pouco tempo poderiam passar à terceira classe da escola pública. Cada um se aperfeiçoa por si mesmo e avança segundo sua potencialidade individual. Este método seria muito vantajoso e facilitaria o ensino nas escolas rurais e naquelas localidades onde a escola não pode graduar‐se. [...] Outra de suas vantagens consiste em que a professora pode passar o dia todo sem fatigar‐se, nem consumir suas forças com crianças que tenham alcançado distintos graus de desenvolvimento; assim como uma mãe que vive sem cansar‐se entre seus filhos de distintas idades (ibid., p. 336, tradução nossa).
A partir dessas considerações nos parece legítimo inferir que, a despeito de reconhecer
diferenças entre as crianças normais e anormais, a autora admitiria a possibilidade de atender
alunos com deficiência em classes normais, naquelas condições em que a proposição das classes
graduadas não fosse possível e desde que o professor atentasse às necessidades e ritmos
particulares de seus alunos.
Montessori ponderou que seu método não elimina o professor, mas lhe propõe um novo
papel: de guia dirigente e animador. Segundo a autora, o professor deve manifestar genuíno
interesse pelos progressos dos seus alunos, deve ser inteligente, sensível e vivaz, com grande
saber e experiência, de modo a infundir respeito e admiração nas crianças.
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A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS RETARDADAS ‐ A OBRA DE ALICE DESCOEUDRES
Alice Descoudres (1877‐1963), pedagoga genebrina, é importante referência da educação
especial no campo da deficiência mental. Foi uma das fundadoras do Instituto Jean Jacques
Rousseau, em Genebra, onde atuou como assistente de Édouard Claparède A autora iniciou a
prática na área em 1909, quando aceitou a direção de uma classe de alunos retardados, em
Genebra. De 1912 a 1947, manteve um curso sobre a educação de alunos com deficiência mental
e organizou, no referido Instituto, estágio para estudantes que pretendiam aprofundar seus
conhecimentos nessa área. Descoeudres recebeu forte influência dos trabalhos de Ovide Decroly,
psiquiatra e pedagogo com quem tivera contato nas escolas belgas, voltadas ao atendimento de
deficientes mentais, na condição de estagiária.
Teve importante papel na construção de instrumentos e técnicas de psicologia aplicada à
educação, e na realização de experiências psicológicas não apenas na sua escola, mas também
“[...]nos lares familiares, nos jardins públicos, nos ônibus ... em todo o ambiente natural onde
pôde encontrar crianças para observar, indagar, registrar seus comportamentos e respostas”.
(ANTIPOFF, In: DESCOEUDRES, 1963, p. 8).
Seu livro Education des Arriéres teve sua primeira edição publicada em 1916, em
Neuchâtel, sob o título L'éducation des enfants anormaux pela editora Delachaux & Niestlé S.A. A
versão que foi publicada no Brasil, em 1968, corresponde à 3ª edição da mesma obra, revista e
rebatizada pela autora4. A edição em português foi traduzida e publicada por iniciativa da
Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, à época sob a direção de Helena Antipoff, e teve amplo
apoio do Governo Estadual, com a intenção de divulgar mais amplamente os métodos da
pedagogia moderna.
No primeiro capítulo da obra, a autora trata de definir quem são as crianças anormais, e
apoia‐se em outros autores (Ley, Binet e Simon) para indicar que anormal ou débil é a criança que:
4 Descoeudres inicia o livro justificando a mudança do título. “Muito humildemente, deveríamos dizer aqui o nosso mea culpa por termos, com o título das duas primeiras edições deste livro, contribuído para popularizar esse termo – ‘anormal’‐ cujo desaparecimento da linguagem popular é de esperar‐se.” (1968, p.3).
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[...] chega a comunicar verbalmente e por escrito com os seus semelhantes, mas que apresenta um retardamento escolar de dois anos – se tem menos de 9 anos – e de 3 anos, se tem mais de 9 anos – contanto que esse retardamento não ocorra por conta de uma insuficiência de escolaridade. (DESCOEUDRES, 1968, p. 25).
A partir da citação, fica claro que Descoeudres faz referência ao alunado que, comparado à
criança‐tipo, apresenta atraso sistemático nas aquisições acadêmicas, dando lugar a uma nova
categoria no âmbito da deficiência mental, o anormal ou débil, que se somaria aos imbecis e
idiotas, dos quais se diferenciam por apresentarem habilidades sociais de base; no entanto, indica
a autora que esses quadros são de difícil diagnóstico por diferirem muito pouco de seu grupo
etário (ibid., p. 25).5
Com respeito ao atendimento escolar de alunos com deficiência mental, em geral,
Descoeudres assinala que os sistemas escolares preveem atendimento diferenciado, a depender
do grau de comprometimento. Para os profundamente anormais, estariam disponíveis os
internatos e para os retardados, os externatos.
A autora considerou que a condição ideal para o regime de internato seria o
funcionamento em uma casa de campo, com regime familiar, onde cada professor assumiria a
posição de pai de família de um grupo de até dez crianças.
Já no caso dos externatos, assinalou a existência de dois sistemas: a) classes especiais
anexas a escolas de normais; b) escolas autônomas para retardados e anormais.
As classes especiais reuniriam crianças retardadas e anormais entre 06 e 15 anos, seriam
classes mistas (meninos e meninas), das quais estariam excluídos os idiotas e os viciosos ou todos
aqueles que, por seu comportamento ou por sua saúde, acarretariam graves inconvenientes ao
atendimento conjunto. Por outro lado, poderiam ser incorporados alunos com deficiência física
(que não seria seguro integrar nas classes normais), surdos‐mudos com deficiência mental
associada e, também, os indisciplinados.
A despeito das idiossincrasias que podem marcar o desenvolvimento dessas crianças a
autora enfatizou que a formação de grupos homogêneos é um dos elementos preponderantes a
5 A autora ressalta que o diagnóstico, nesses casos, depende de criteriosos exames: pedagógico, psicológico e médico.
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se considerar na formação das classes especiais6. Destacou, também, a importância de favorecer o
convívio com alunos normais, principalmente alunos mais desenvolvidos, que poderiam assumir
responsabilidade pela vigilância ou cuidado dos anormais nos momentos de recreação.
Com respeito às escolas autônomas para o atendimento de retardados e anormais, indicou
que essas poderiam variar muito nos graus de ensino oferecidos e no modo de organização, o que
estaria na dependência do número e da qualidade das crianças (DESCOEUDRES, 1968, p.37),
podendo funcionar, algumas vezes, como semi‐internatos.
Seja nas classes especiais ou nas escolas autônomas, um aspecto destacado pela autora é a
prática da coeducação dos sexos, mais no sentido de obter grupamentos homogêneos, do que por
princípio. Outro elemento característico dessa educação seria a ênfase na educação em
detrimento da instrução:
Com anormais, se cuide mais da educação do que da instrução, que, do ponto de vista do desenvolvimento intelectual e da utilização social, revela apenas valor muito relativo. Como bem disse Binet, a vida representa mais uma luta de caracteres do que de inteligências. E, pois, o que cumpre ensinar às crianças não são tais ou tais noções, por mais interessantes que sejam estas, mas sim, dar‐lhes lições de atenção, de vontade, de disciplina. (ibid., p.40).
Com essa afirmação, a autora indica claramente o caráter utilitarista de sua posição, em
acordo com o pensamento de grande parcela dos reformadores educacionais de seu tempo, que
também pregavam esses valores para a educação comum.
Com respeito à formação dos mestres, Descoudres tece considerações que merecem
destaque. Considera imprescindível que o trabalho nessa área seja uma escolha pessoal e destaca
o caráter do mestre como a questão preponderante, com ênfase nos seguintes aspectos:
• Faz‐se necessária uma preparação científica que abarque noções de psiquiatria, psicologia, e pedagogia especial, higiene escolar, medidas ortopédicas, anatomia e fisiologia dos órgãos da palavra; cumpre ainda conhecer as formas de tratar vícios de linguagem, ter conhecimento de leis, de instituições econômicas e sociais que possam ser de interesse dos excepcionais.
6 A homogeneidade dos grupos é um dos princípios sobre o qual se assenta a possibilidade de uma educação diferenciada. Esse é um dos pilares sobre os quais Claparède assenta a sua Escola sob Medida.
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• É fundamental que os professores tenham uma preparação técnica para trabalhos manuais (cartonagem, cestaria, marcenaria, etc.), além de conhecimento do trabalho froebeliano.
• Impõe‐se uma preparação prática que implica um estágio em classes especiais, instituições especializadas, ou em jardins de infância, além do conhecimento prático de obras de caráter filantrópico. (DESCOEUDRES, 1968, p.40‐41).
No que concerne ao trabalho didático, propriamente dito, Descoeudres destacou alguns
princípios norteadores, sendo que o primeiro e principal seria alicerçar o processo educacional
especial na atividade do aluno, abarcando a esfera corporal, intelectual e manual. Esse princípio
valeria para todo e qualquer aluno (inclusive os normais) e deveria orientar o trabalho didático em
todos os graus.
Um corolário desse primeiro princípio seria a garantia do máximo de liberdade compatível
com uma boa disciplina (1968, p.51); por decorrência, as atividades escolares deveriam ser
desenvolvidas em jardins, passeios e logradouros públicos, sempre que as lições se prestassem a
isso, considerando, a autora, que a disciplina não se perderia em uma classe pequena.
Um segundo princípio de particular importância para o ensino especial seria a educação
sensorial e intuitiva. Os órgãos dos sentidos, compreendidos como portas de entrada da
inteligência deveriam ser exercitados amplamente de modo a que as crianças adquirissem
consciência das sensações que lhes fossem transmitidas.
A intuição descerá até aos últimos elementos em que se firmam as percepções: ela analisará, dissecará, esquadrinhará; terá por fim 1º ‐ precisar as noções adquiridas; 2º‐ criar novas; 3º ‐ melhorar, enobrecer e enriquecer a expressão verbal, ligando o mais intimamente possível as representações verbais às coisas que elas exprimam, o que será o melhor meio de não se deixar enganar pela habilidade dos débeis em servir‐se de palavras vazias de sentido. (ibid., p. 52‐53).
A autora enfatizou a importância do ensino intuitivo para os débeis que, por apresentarem
baixa responsividade à excitação exterior, armazenam poucas imagens. Considerou que o ensino
intuitivo intenso seria a resposta a essa debilidade, sobretudo se assentado no contato estreito
com a natureza.
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Outro princípio essencial a ser considerado para a educação desses alunos seria a união
estreita com a vida.
Queremos preparar nossos alunos para a vida: cumpre, pois, que a escola deixe – prouvesse aos deuses que ela deixasse de o ser para todas as crianças! Mas que ao menos deixe para os nossos retardados – de ser uma escola escolástica, para se tornar um centro de vida. (DESCOEUDRES, 1968, p.53).
Descoeudres apontou que essa proposição de articulação com a vida teria várias
interpretações entre os educadores seus contemporâneos, referiu, aos “Centros de interesse”
utilizados na Bélgica com essa finalidade; fez, também, referência ao método Freinet, que
introduziu a imprensa na escola, e que, segundo ela, abarcaria tudo o que pudesse vir a atingir o
interesse da criança no percurso dos graus escolares.
Outro princípio de suma importância para o ensino especial seria o da individualização
que, para a autora, não implicaria um atendimento individual, mas sim que, ao atender um grupo,
o professor consideraria as necessidades individuais dos alunos, por exemplo: em uma lição de
coisas, atentaria para que os deficientes visuais tivessem enfatizada a sensibilidade tátil, os surdos
aproveitassem a mesma atividade do ponto de vista da linguagem e os deficientes mentais fossem
exigidos nas noções mais elementares.
Finalmente, destacou de forma explícita o princípio do utilitarismo, enfatizando a
necessidade de ter em conta a utilidade imediata das noções adquiridas durante o ensino. “[...]
cumpre que a criança disponha, quanto antes, dos meios de ganhar a vida; e, devemos descobrir e
desenvolver‐lhe as aptidões, utilizar a sua exígua mentalidade com parcimônia, orientando‐a para
um fim prático” (ibid., p. 55).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As propostas de Maria Montessori e Alice Descoeudres para a educação de alunos com
deficiência mental foram desenvolvidas no primeiro terço do século XX, sob influxo do amplo
movimento de reforma educacional que ficou conhecido como Escola Nova, cujo ideário impactou
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as práticas pedagógicas ao longo do século e ainda tem grande influência na educação
contemporânea, com particular destaque no campo da educação especial. Dentre os princípios
norteadores desse movimento, destaca‐se a individualização do ensino, ponto comum nas
propostas analisadas.
Ao longo de todo o século XX, foram envidados esforços no sentido de individualizar o
ensino, sempre na intenção de articular forma e conteúdo adequados à educação liberal. Esse foi
o mote do movimento reformador que estabeleceu severas críticas à educação tradicional,
considerada verbalista, cujo acento se colocava na formação moral do homem, a qual foi
substituída pela educação ativa, com foco na “formação do indivíduo egoísta e independente,
membro ajustado da sociedade burguesa” (SAVIANI, 1999, p. 192). Desde o princípio, o grande
desafio posto aos educadores escolanovistas foi a compatibilização da expansão da escola
burguesa, com o ensino individualizado.
No decurso do século XX as ideias desses reformadores tiveram ampla penetração no
ensino comum; entretanto, a formidável e crescente demanda por ensino escolar inviabilizou a
implementação desses princípios, por um simples motivo: nas condições materiais dadas a
educação individualizada seria economicamente inviável. A despeito de todas as críticas o que
prevaleceu na educação comum foi o ensino coletivo, que se consolidou como a forma mais
adequada à universalização da educação escolar.
Se o ritmo de expansão da escola comum não permitiu a individualização do ensino, não foi
isso o que ocorreu na educação especial, particularmente na dos alunos com deficiência mental.
Nesse campo, a proposta escolanovista ganhou espaço privilegiado e foi possível transformar
princípios em prática. A nosso juízo, isso foi favorecido, em grande medida, pela conformação
periférica da educação desses alunos, no sentido de que a demanda social restrita e o caráter mais
idiossincrásico desse atendimento escolar impôs o trabalho com pequenos grupos. A despeito das
considerações de Montessori sobre a possibilidade de universalização de seu método, a pequena
escala se revelou uma condição imprescindível para a efetiva implementação do ensino
individualizado.
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REFERÊNCIAS
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