sistemas de automatismo de armas de fogo
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Sistemas de Automatismo de Armas de Fogo
Desde o surgimento das desajeitadas armas primitivas (os hand cannons e handgonnes), o maior
problema para os projetistas de armamento sempre foi como obter a rápida repetição dos disparos.
O carregamento por antecarga era um processo lento e difícil. Numa caçada a aves ou caça pequena
isso não seria um grande problema, mas contra caça grossa avançando rapidamente em direção ao
caçador, ou no meio de uma batalha vulnerável ao fogo inimigo, isso deveria ser assustador.
O surgimento dos sistemas de retrocarga, com a introdução do primeiro e rústico antepassado do
cartucho metálico, depois de inúmeros ensaios e sistemas frustrados, negas e certamente culatras
explodidas, foi conseguido por Pauly em Paris no ano de 1812. A evolução natural com as
modificações posteriores realizadas por Houiller, Lefaucheux (pai e filho), Flobert, dentre outros,
viabilizou tempos depois a repetição rápida dos disparos e por fim o automatismo.
As primeiras experiências com armas de fogo semiautomáticas foram levadas a cargo pelo
americano Hiram Maxim, que iniciou seus estudos modificando várias carabinas Winchester 1866
cal. .44 Henry (fraco para esta função) para tiro semiautomático, sendo há quem argumente que os
turcos teriam incorporado tal modificação em algumas das suas tropas, armadas de carabinas
Winchester, utilizando-as na batalha de Plevna. Porém, o objetivo de Maxim era o armamento
militar pesado, tendo sido o criador da primeira metralhadora automática.
A transferência dos sistemas de repetição manual para o automatismo ocasionou novos problemas
na gestão do recuo e no aproveitamento dos gases do disparo para o correto ciclo do mecanismo
(disparo, extração, ejeção, recarregamento, obturação, travamento). Criadores como Browning,
Maxim, Krnka, Mannlicher, Roth, Petter, Schwarzloze, e inúmeros outros, criaram uma série de
sistemas operacionais voltados e dimensionados para as características das armas por eles criadas e
quase sempre tendo em vista a potência dos cartuchos por elas empregues.
Vamos de maneira resumida enumerá-los:
1. Ação Indireta de Gases com Recuo Simples da Culatra (ou Retardamento por Inércia -
“Blowback”). Ação sem Travamento.
De maneira simplista poderíamos dizer que este sistema usa a força dos gases da queima da
pólvora de maneira direta contra a face da culatra para obter o seu recuo e funcionamento do
mecanismo. Não há nenhum fecho mecânico propriamente dito que atrase a abertura da culatra a
não ser o peso fornecido pela própria massa, a fricção da culatra, e a força oposta pelas molas
recuperadora e do cão. Todos estes elementos em conjunto, se opõem e resistem à força do recuo
e a estupenda pressão gerada pelo disparo, atrasando a abertura da culatra para a extração e
ejeção da cápsula, até que a pressão do gás caia para níveis seguros, ou seja, quando o projétil
abandona a boca do cano. Caso contrário, o recuo (vulgo “coice”) seria bastante severo e haveria
problemas de rompimento de invólucros e escape de gases incandescentes em direção ao rosto
do atirador.
Este sistema é o preferido para armas de baixa potencia e pequeno calibre como as .22 LR, e
6,35 Browning, embora seu limite teórico de operação seja geralmente o 9 mm Curto (.380 ACP)
e o seu equivalente soviético o 9 mm Makarov. Calibres mais potentes obrigariam a arma a ter
um ferrolho com bastante massa (peso) e molas duríssimas, como ocorre nas Astra série 400, e
pistola Jo-Lo-Ar, ambas armas espanholas no potente cal. 9 mm Largo.
Curiosamente este é o sistema operacional mais usado em pistolas-metralhadoras, mesmo usando
calibres bem mais potentes como eram vários tipos de 9 mm mais antigos (sendo atualmente
usado apenas o 9 mm Parabellum) ou o .45 ACP. A preferência para este sistema de operação é
devido à simplicidade de funcionamento, e para armas deste tipo usa-se geralmente uma mola de
recuperação bastante forte com uma culatra relativamente pesada operando aberta – sem
obturação na altura do disparo -, como nas MP-18 Bergmann, MP-28, MP-34, MP-40, Carl
Gustav M/45, Sten, Uzi, MAC-10, INA, Sterling, FBP, M3, Skorpion e em dezenas de outros
modelos.
2. Ação Indireta de Gases com Recuo Retardado da Culatra (Inércia Retardada - “Delayed
Blowback“). Ação sem Travamento.
A operação de inércia retardada também não tem travamento. Basicamente é um blowback com a
diferença de que o atraso da abertura da culatra é conseguido além do peso da culatra e molas,
pela fricção entre peças mecânicas, massas de bloqueio, ou rotação do cano sobre seu eixo
através de guias ou canais helicoidais, que efetivamente exercem resistência contra o movimento
inicial da culatra e contra as forças do recuo. Armas típicas deste sistema são a metralhadora
Schwarzlose (com alavancas na culatra que obrigavam à rotação dos seus braços), a pistola
Savage de 1915, onde o cano girava sobre seu próprio eixo, a famosa pistola-metralhadora
Thompson 1928 e seu sistema Blish de retardamento através de fricção, e a pistola HK P9 com
um sistema semi-rígido de travamento por roletes na cabeça da culatra que se encaixam em
depressões na armação retardando a abertura. Este sistema, aliás, é derivado do usado na
espingarda automática Mauser Sturmgewehr 45, desenvolvido pela equipa do engenheiro alemão
Dr. Ludwig Vorgrimmler na segunda guerra, que por sua vez se baseou no travamento da
metralhadora MG 421, foi reaproveitado nas espingardas CETME espanholas, e posteriormente
nas HK G3 e demais derivadas, e na pistola-metralhadora HK MP-5. Nestas últimas com a
vantagem maior para a precisão, de disparar com uma culatra fechada.
3. Ação Indireta de Gases com Recuo Retardado da Culatra por gases (“Gas-Delayed
Blowback Ou Gas-Retarded Blowback“). Ação sem Travamento.
Esta ação é uma variante da anterior. Como no sistema de recuo simples (blowback) o recuo
retardado por gases, opera pelo princípio de culatra aberta, sendo a abertura da culatra atrasada
por uma parte dos gases (não confundir com o sistema gas operated) que são desviados por um
orifício no cano para dentro de um cilindro com um pistão que exerce resistência ao sentido
original do recuo.
Pouco utilizado ainda, tem nas pistolas HK P7 e na Steyr GB, seus maiores expoentes.
4. Ação Indireta de Gases com Avanço do Cano (“blow forward”). Ação sem Travamento.
Ação com longo movimento de cano, geralmente sem travamento. Neste interessante e obsoleto
sistema a culatra é fixa à armação, e o cano é que se move para frente durante o recuo. No seu
movimento e deslocamento ocorre a extração, ejeção apresentação e introdução das munições
seguintes. Como expoentes maiores deste sistema referem-se a pistola Schwarzloze M 1908, que
não possuindo nenhum sistema de retardamento, sendo apenas do modesto calibre 7,65
Browning (.32 ACP) possuía um recuo brutal e a pistola japonesa Hino-Komuro igualmente de
1908, que, embora com um modelo para o calibre 8 mm Nambu, padecia do mesmo defeito, com
um recuo exagerado para a potência da munição.
1 Este sistema ao que parece foi patenteado na Polônia por Edward Stecke em 1930.
5. Ação Indireta de Gases com Curto Recuo do Cano (“Short Recoil”). Ação com Travamento.
A partir desta ação falaremos dos tipos com travamento da culatra (“locked-breech”). Onde, em
geral, o cano se prende mecanicamente à culatra durante o percurso do recuo provocado pelo
disparo.
No recuo curto geralmente o conjunto culatra/cano recua solidário por um percurso menor que o
comprimento do invólucro da munição que a arma dispara. De um certo ponto em diante o cano
deixa de recuar sendo retido no seu percurso mecanicamente por uma peça qualquer, e a culatra
continua o seu deslocamento extraindo, e ejetando o invólucro vazio e recolocando outra
munição proveniente do carregador ou fita. Este movimento de recuo pode ser linear como nas
Luger, Walther P-38, Beretta 92, ou ainda vertical trabalhando num eixo basculante de uma biela
(Colt 1911) ou plano inclinado (FN 35, MAS 35). Na Steyr 1911 o cano recua cerca de 33 mm, e
ainda roda sobre o seu eixo.
As diferenças entre os diversos desenhos de funcionamento do sistema condicionam a
velocidade de desaceleração do conjunto cano/culatra e seu destravamento.
É um tipo de ação usado nas armas de grande potência, inclusive nas metralhadoras Browning
cals. .30 e .50 (7.62 e 12.7mm) onde nestas, depois do destravamento, existe um acelerador de
inércia para o recuo e recuperação da culatra.
6. Ação Indireta de Gases com Longo Recuo do Cano (“Long Recoil”). Ação com Travamento.
Como no sistema de operação de curto recuo do cano, no longo recuo a culatra também recua
solidária com aquele. Porém a distância de recuo do conjunto culatra/cano é maior que o
comprimento do invólucro disparado, e o destravamento realiza-se apenas na parte final do
percurso.
Armas com este sistema geralmente têm molas recuperadoras distintas e independentes para a
culatra e cano. Estes sistemas tendem também a ter um tempo de ciclo mais longo, mais lento,
pois, no final do percurso do recuo, o cano volta pela ação da mola à sua posição original,
extraindo e ejetando assim a cápsula vazia, ficando a culatra temporariamente retida por um
trinco, que no final a liberta, fazendo-a retornar à sua posição e introduzindo nova munição na
câmara.
Este sistema emprega-se mais em arma automáticas pesadas de calibres elevados, sendo pouco
utilizado em armas ligeiras. Exemplares típicos são a espingarda caçadeira semi-automática
Browning Auto-5, as pistolas Frommer 1912 e Mars, e a metralhadora Madsen.
7. Ação Direta de Gases, com Recuo da Culatra (“Gas Operation“). Ação com Travamento.
A ação direta de gases tornou-se popular em armas de uso militar depois da segunda guerra. Uma
parte dos gases que impulsionam o projétil durante o seu deslocamento no interior do cano é
desviada por um orifício e conduzida para um canal, onde, geralmente, movimenta um pistão ou
êmbolo, ligado à culatra por uma haste, transferindo assim a energia do disparo ao corpo da
culatra e movimentando o mecanismo.
Um detalhe importante no desenho da admissão de gás no cano, é que a ocorrência desta deve
acontecer bastante distante da culatra, para assim permitir que a pressão caia a níveis seguros
antes da culatra começa a abrir. Por isso, é de difícil aplicação nas armas de cano curto, com as
pistolas.
A maioria dos desenhos atuais usa sistemas de travamento por transformação do movimento,
onde a cabeça da culatra efetua uma rotação, travando-se em ressaltos cavados na armação, até
começar o seu movimento inverso para destravar a culatra.
É a ação preferencial das modernas espingardas de assalto, como a Colt M-16 (que não usa
êmbolo), AK-47, Galil, Valmet. e modernas metralhadoras como a M60, FN-MAG e PK. A
pistola israelita de calibre .50 Black Eagle é uma das raras a usar este sistema, que lhe permite
minorar o tremendo recuo sentido.
8. Ação Indireta de Gases com Recuo de Toda a Arma por Inércia (“Inertia Operation”).
Ação com Travamento.
É um sistema algo recente, patenteado pela Benelli. Usando como base da ação a ação indireta
de gases, usa a inércia provocada pelo disparo e a massa da arma de uma certa forma como
componente do mecanismo. Particularmente hoje utilizado em espingardas da Benelli (sistema
Inertia Driven®) e Franchi. Na Benelli, a culatra divide-se em duas partes unidas por uma mola
bastante dura (corpo da culatra, mola de inércia e cabeça da culatra rotativa), e cano fixo à
armação. No momento do disparo uma parte da culatra permanece inerte, enquanto o recuo da
arma une as duas partes da culatra, transferindo energia e comprimindo a mola intermediária
entre a cabeça e o corpo da culatra, sendo que a energia e a compressão da mola autorregula a
ação. O corpo da culatra destrava a cabeça rotativa que recuando, extrai e ejeta o cartucho vazio,
arma o cão e comprime a mola de recuperação que, distendendo-se, empurra a culatra de volta à
câmara, introduzindo um novo cartucho e iniciando um novo ciclo.
Esta ação é incrivelmente rápida, vangloriando-se a Benelli de ter atualmente uma das mais
rápidas espingardas caçadeiras semiautomáticas do mundo. É memorável a impressionante foto
num de seus catálogos, onde quando o último cartucho é ejetado, o invólucro vazio do primeiro
disparado nem tocou o solo ainda...
A munição deve ser suficientemente potente para permitir o recuo mínimo para comprimir a
mola e executar corretamente o ciclo do sistema, sendo interessante observar que, se a massa da
arma não recuar, como quando a arma está apoiada contra o solo, não comprimirá a mola de
inércia e, logicamente, não permitirá o destravamento da cabeça da culatra e o seu recuo por
inércia.
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