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Significados em torno do “ser” homem: Perspectivas de jovens
rapazes acerca da masculinidade
Adriana Angerami1 Ivone Maria Mendes Silva2
Os estudos sobre as juventudes contemporâneas tem o potencial de promover reflexões a respeito do projeto de sociedade que vem se desenhando para as próximas gerações. Sendo a discussão de gênero uma das mais presentes no debate público, considerar a perspectiva dos jovens sobre o assunto e seus modos de viver e experimentar as identidades de gênero torna-se relevante em tempos de busca por quebras de paradigmas. As práticas dos jovens e suas formas de expressão são bons parâmetros do que se pode esperar das relações sociais futuras. Na pesquisa em questão, o recorte permeia a discussão de gênero com o foco na masculinidade. De que modo jovens rapazes oriundos das camadas populares constroem sua(s) masculinidade(s)? Quais práticas e modelos são associados ao “ser” homem na perspectiva desses sujeitos? Partindo dessas questões, o objetivo da pesquisa foi compreender quais são os elementos que interferem na concepção desses jovens sobre suas masculinidades. Foram realizados dois grupos focais com cinco jovens rapazes, de 15-18 anos, estudantes de uma escola pública das camadas populares. Através das narrativas, traçaram-se alguns aspectos compartilhados entre eles, seja para aproximá-los ou distanciá-los em termos de vivência da masculinidade. Através das narrativas obtidas, emergiram modelos carregados de valores de moralidade honrosa, onde o papel do homem indica o provedor do núcleo familiar de virilidade intocável, sendo a violência presente em termos simbólicos e físicos. Palavras-chave: Juventudes; Gênero; Identidade; Camadas populares.
Introdução
Partindo do pressuposto de que a categoria jovem é contextualizada em
um tempo-espaço e que ultrapassa a definição biológica do recorte etário do
sujeito, abordaremos o conceito em seu sentido plural a fim de dar conta das
múltiplas formas de “ser” jovem (CATANI & GILIOLI, 2008). Portanto, ao
falarmos de juventudes nos referimos a um grupo de sujeitos oriundos de
contextos histórico-culturais que produzem e reproduzem significados sobre o
1 UFFS – campus Erechim/RS
2 UFFS – campus Erechim/RS
mundo, concretizando esses através de práticas sociais (DAYRELL, 2003).
A identidade do sujeito jovem, portanto, materializa-se no cotidiano
social. São nessas práticas que outros marcadores identitários ficam evidentes,
como o gênero, situação econômica, pertencimento geográfico, identificação
étnico-racial, entre outros. Portanto, a soma desses marcadores identitários
influenciam um no outro, apontando para a necessidade de construir reflexões
em torno da indissociabilidade que permeia a discussão sobre identidade, o
que não seria diferente para os grupos juvenis.
Neste trabalho, portanto, pretende-se compartilhar os resultados de uma
pesquisa qualitativa realizada em um munícipio de médio porte no norte
gaúcho (RS), abordando através de grupos focais cinco jovens, com idade de
15 a 18 anos, todos em situação estudantil de uma escola pública da cidade, o
que eles pensam sobre a temática das masculinidades. Esse recorte
metodológico busca colaborar com o preenchimento de análises que articulem
as percepções juvenis e as reflexões sobre relações de gênero com enfoque
nas masculinidades (WELLER, 2005).
Ao considerar as percepções juvenis sobre masculinidades, podemos
contribuir para a compreensão de práticas que reforçam ou transformam as
relações de gênero postas na transitoriedade das gerações, fomentando a
elaboração de ações educativas sobre a temática e, além disso, possibilitar a
reflexão subjetiva desses sujeitos sobre aspectos da sua realidade social,
colocando em questão quais valores e símbolos estão presentes nas narrativas
desses jovens que apontam para o tipo de sociedade que eles gostariam de
viver.
Questões de identidade: qual sua relação com juventudes?
A resposta deste questionamento aparece de forma imbricada, pois as
definições do conceito de identidade são compostas pelas outras categorias
presentes nessa pesquisa, sobretudo a juventude. O período da infância e da
adolescência/juventude costuma ser caracterizado como decisivo na vida dos
sujeitos. É o momento onde as primeiras etapas de socialização acontecem,
tanto em âmbito familiar como no processo de escolarização. Nessas etapas,
os jovens vão formulando preferências, estabelecendo vínculos, vislumbrando
possibilidades de futuro em torno daquilo que os agrada e desagrada. É neste
processo, portanto, que o sujeito constitui sua identidade social, sendo assim
reconhecida aqui a influência das instituições sociais sobre a identidade juvenil,
contudo sem ignorar o caráter subjetivo de escolhas que estes sujeitos
possuem (DAYRELL, 2003; PERALVA, 1997).
Diante disso, é possível pensarmos em uma etapa de identificação com
símbolos culturais sem levar em consideração o contexto e as subjetividades
do sujeito? Parece que não. A forma como o sujeito jovem enxerga e age no
mundo será prerrogativa definitiva para a construção de sua identidade, suas
escolhas para o futuro e até mesmo sua concepção estética e traços
comportamentais. Sendo todas essas escolhas contextualizadas em uma
cultura, entendemos que a identidade é algo em constante construção, flexível,
múltipla e atemporal, convidando para sua definição outras variáveis que a
compõem (WOODWARD, 2011). Essas
outras variáveis indicam marcadores de diferença ou marcadores identitários
(WOODWARD, 2011) que são, justamente, elementos diretamente ligados ao
sujeito que condicionam socialmente sua construção identitária, como por
exemplo, o gênero, a identificação étnico-racial, o pertencimento geográfico, a
idade biológica – que ganha caráter sócio-cutural quando denominamos de
juventude – entre outros. Sendo assim, tomamos de forma conceitual a
discussão em torno das identidades como plano de fundo maior dessa
pesquisa, considerando que a juventude é um marcador identitário que, quando
articulando com outros, desenha modelos sociais presentes nas culturas
juvenis contemporâneas.
As potencialidades presentes nas discussões que partem de percepções
juvenis tendem a nos apresentar convenções sociais presentes na cultura
vigente de modo transgressor, ou seja, jovens que já não compactuam mais
com modelos tradicionais presentes em sua cultura, ou apresentar posições
mais tradicionais diante esses modelos. Aqui surge a necessidade de não se
pensar as juventudes desarticulada de outros marcadores sociais ou grupos
culturais, para não cair na definição unicamente etária da idade biológica, o que
tende a apontar a manutenção ou transformação de convenções sociais devido
a conflitos geracionais (BOURDIEU, 1978).
Masculinidade(s) e Juventudes: possíveis aproximações
No âmbito das relações sociais, essa divisão hierárquica entre os
gêneros, acabou classificando os indivíduos do sexo masculino como sujeitos
portadores de habilidades físicas, extrema inteligência lógica e de presença
imponente, ao passo que “empurrou” os indivíduos do sexo feminino para todas
as categorias opostas àquelas dadas aos “homens”. Estes modelos
hegemônicos de homem e mulher, nada mais são do que construções
históricas e culturais reproduzidas tanto pelo indivíduo como pelo coletivo
social. Essa hierarquização que resulta de uma classificação binária se
evidencia nas relações de trabalho, na representatividade em espaços
públicos, no acesso/consumo a determinados materiais, etc; naturalizando a
lógica da dominação masculina.
Dominação masculina, em resumo, não é inerente a nenhum conjunto isolado ou mensurável de fatos onipresentes. Parece ser antes, um aspecto da organização da vida coletiva, uma padronização das expectativas e crenças que produz um desequilíbrio na forma em que as pessoas interpretam, avaliam e respondem às formas particulares de ações femininas e masculinas. Nós não a percebemos em termos de limitações físicas sobre o que homens e mulheres podem ou não fazer, mas sim em termos de como as pessoas pensam suas vidas, dos tipos de oportunidades que elas desfrutam, e das maneiras que exercem suas demandas. (ROSALDO, 1995, pg. 9)
O gênero, portanto, é o elemento estruturante da sociedade ocidental
que parte do atributo sexual e biológico de um corpo (LOURO, 1997; GROSSI,
2000), trazendo desdobramentos para a identidade do sujeito que implicam na
forma como suas relações sociais ocorreram. Os processos de significação
acabam reproduzindo os estereótipos de gênero, modelos estes ensinados
através de instituições sociais aos sujeitos, que naturalizam algumas noções
funcionalistas sobre o ethos masculino e um ethos feminino.
Entretanto, esses processos não se dão da mesma forma, sobretudo
quando consideramos sujeitos jovens. O contexto em seu sentido mais amplo,
como já indicado, pode potencializar ou privar os jovens de vivenciarem ou
terem acesso a determinados debates, discussões e grupos sociais,
influenciando diretamente em sua expressão identitária, o que também
concretiza o gênero. Com isso, além de ser necessário considerar a articulação
do gênero com outros marcadores sociais – como juventude, neste caso – é
preciso considerar outras condições postas no cenário juvenil.
Parece existir na contemporaneidade, sobretudo entre os jovens, a
discussão pública em torno das identidades de gênero e as múltiplas formas de
ser homem ou mulher na sociedade ocidental, sobretudo no Brasil. Além disso,
a necessidade de transformação dos modos de “ser” homem ou mulher tem
apontado para a desnaturalização de certos modelos de gênero hegemônicos
que reproduzem a lógica da subalternização feminina.
Em Jardim (1991, p. 42), a autora destaca que boa parte dos trabalhos
desenvolvidos sobre gênero tomam como objeto de análise o gênero feminino
e o papel da mulher, sendo recente os estudos que possuem como foco de
análise o gênero masculino, bem como a(s) masculinidade(s). A autora
considera relevante compreendermos o ethos masculino para que possamos
dar base de reflexão sobre as relações desiguais que historicamente se
(re)produz entre homens e mulheres. Como vem sendo problematizado em
outros estudos (ALMEIDA, 1996; WELZER-LANG, 2001), a lógica da
dominação masculina presente nas relações sociais entre homens é a mesma.
Mesmo sendo um homem, um dominante, todo homem está também submetido às hierarquias masculinas. Nem todos os homens têm o mesmo poder ou os mesmos privilégios. Alguns, que eu qualifico de “Grandes-homens”, têm privilégios que se exercem à custa das mulheres (como todos os homens) mas também à custa dos homens. (WELZER-LANG, p. 466, 2001)
As relações de gênero situam, portanto, relações de homens e
mulheres, mulheres e mulheres e relações de homens entre homens,
compreendendo que a vivência do gênero se dá de múltiplas formas, para além
do afetivo sexual, mas sim muito mais presente no campo cultural da interação
social. Nesse sentido, Almeida (1996) nos faz um alerta: pensar a
masculinidade e a feminilidade é considerar um conjunto de práticas sociais
acessíveis a homens e mulheres, que amplie a noção de “papel social” –
muitas vezes resumida a práticas sociais padronizadas e aceitas. É possível
analisarmos esse conjunto de práticas sociais independente do gênero,
considerando masculinidades para homens e mulheres ou falando das relações
de masculinidades entre homens. Ou seja, mulheres podem se identificar
enquanto mulheres, porém assumir linguagens classificadas historicamente e
culturalmente como práticas legitimadas em um ethos masculino, e vice-versa.
A expressão do gênero ocorre nas relações sociais, no campo cultural,
sendo ali onde comportamentos são legitimados ou rechaçados. Contudo, a
expressão de gênero entre os homens apresenta uma coerção maior a fim de
garantir a manutenção de um estereótipo de força, honra e poder. No período
da juventude, práticas que destoem dessa expectativa, acabam colocando o
sujeito em situações de conflito.
Isto é presente na literatura sobre a temática das masculinidades, a
partir de Connell & Messerschmidt (2013) e Almeida (1996), sendo denominada
essa hierarquia inter-gênero como masculinidade hegemônica, ou seja, aquele
modelo tido como ideal de masculinidade, permeado por símbolos que
remetem a força, honra, virilidade e poder; e abaixo dessa, as masculinidades
subalternas ou subordinadas, que remetem a símbolos presentes ao ethos
feminino, porém sendo compartilhados por homens. As masculinidades,
portanto, são entendidas aqui como práticas sociais contextualizadas
culturalmente, tomadas como um padrão – mas que também são transgredidas
– que direciona funcionalidades ao sujeito e o classifica de forma hierárquica
na estrutura social. (ALMEIDA, 1996).
No caso dessa pesquisa, teremos como foco analisar as narrativas de
jovens rapazes sobre suas concepções em torno do “ser homem” e quais
símbolos se fazem presente nessas narrativas, sendo possível apontarmos
para um modelo de masculinidade que se reproduz, bem como perceber
possíveis transformações ou necessidade da mesma no discurso da juventude.
Aportes metodológicos
A proposta de pesquisa tem como primeira etapa o levantamento
bibliográfico sobre o que vem sendo pesquisado sobre masculinidades na
juventude, bem como a discussão sobre identidade. Portanto, as reflexões a
serem compartilhadas no presente trabalham abordaram as necessidades e
possibilidades de trabalhar com tal temática. Para a busca de pesquisas sobre
a temática, utilizou-se o Portal de Periódicos da Capes, a Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o Google Acadêmico.
A fim de analisar de que modo jovens rapazes oriundos de camadas
populares vivem suas masculinidades, bem como quais são as influências que
as constituem, optou-se pelo uso do grupo focal, uma técnica de coleta de
dados de caráter qualitativo, onde a partir de uma entrevista em grupo
orientada por um roteiro de questões construído previamente, o objetivo é
instigar os entrevistados a compartilhar percepções sobre o tema em questão.
Esse grupo foi formado por cinco jovens rapazes, sendo possível a realização
de dois grupos focais, com duração de 1 hora e 15 minutos cada encontro.
Kind (2004, p. 126) define: “O grupo focal é tomado como um grupo que
se organiza em torno de uma tarefa específica: fornecer informações acerca de
um tema anteriormente determinado.” A discussão em grupo sobre
masculinidades fez emergir concordâncias e diferenças à respeito do tema,
potencializando a coleta de dados e dando a oportunidade de captar sutilezas
presentes no discurso oral desses jovens. Os critérios de
participação do grupo focal tiveram como prerrogativa ser de forma
espontânea, cujo o interessado deveria estar matriculado na escola locus da
pesquisa, ter de 15 a 18 anos e ser pertencente do sexo masculino. Esse
último critério foi posto de forma arbitrário para garantir a participação apenas
de rapazes na pesquisa, sendo este o recorte pré-determinado: discutir
masculinidades com jovens rapazes. Os questionamentos dos grupos focais
foram feito com base em um roteiro pré-construído de questões sobre o tema,
utilizando-se princípios da análise de conteúdo (BARDIN, 2011) para
interpretação do corpus da pesquisa no momento posterior a obtenção dos
dados.
Resultados e discussões
Os símbolos indicados nas narrativas desses jovens como marcas de
um ethos masculino representam valores morais de honra e responsabilidade,
ao passo que um sujeito considerado homem é aquele que já atinge a idade
adulta e, com isso, espera-se do mesmo que haja de modo responsável diante
a família e o mundo do trabalho. Essa lógica de honra e responsabilidade
aparecem sempre junto da família e do trabalho pelo fato de ser atribuída ao
homem a função de provedor do lar. Para ilustrar, segue uma fala obtida nos
grupos focais:
Almir: “O homem é mais dedicado pra vida, né? E o guri é dedicado a fazer o
quê? Aprontar, fazer festa e essas coisas ai. Só fazer festinha e não se
preocupa com nada, agora o homem tem as responsabilidades dele.”
Ou seja, símbolos de maturidade também estão presentes no modelo de
“homem” presente no imaginário desses jovens. Isso acaba reforçando também
a ideia de juventude inconsequente pelos próprios jovens, como se eles
entendessem que nesse período de suas vidas é permissível que se tenha
atitudes não consideradas responsáveis, como por exemplo beber, se envolver
com brigas e frequentar festas.
Raí: Tem muito a ver também com a mente que o cara tá, com o que ele tá
fazendo. Não tem [como] o cara se achar homem e em tal hora guri. Não tem!
Depende o momento.
Almir: É assim, depende! 15 dias homem e 15 dias piá. [risos] 15 dias parto
pra um barzinho, faço umas cagadinhas, depois 15 dias fico fiel.
A masculinidade na percepção desses jovens indica, portanto, um
modelo maleável e que se adapta de acordo com a situação. Ou seja, o “ser
homem” é algo que será direcionado a partir do contexto e da situação vivida. A
forma como esses jovens socializam entre o grupo de pares é diferente da
posição assumida diante outros homens adultos. Isso porque um homem
adulto pressupõem seriedade e maturidade, outros símbolos que marcam o
modelo de masculinidade narrado por esses sujeitos que, enquanto condição
juvenil, ainda não se sentem diretamente coagidos a agir dessa forma.
Além disso, a masculinidade juvenil apareceu marcada por conflitos de
violência física e simbólica. Os jovens demarcam essa relação hierárquica de
poder em seu grupo de pares tendo como parâmetro o quesito idade também,
onde os rapazes mais velhos impõem o respeito dos mais jovens, mas a forma
como essa relação se constrói é pautada no conflito.
Ruí: Ninguém quer mexer com quem briga. Você também não vai querer
mexer com aquela pessoa, então você não vai respeitar ela, você vai ter medo
dela. Todo mundo quer brigar para se sentir mais respeitado, entendeu?
Raí: (...) quando era antigamente, o primeiro tinha que respeitar o terceiro e
não o terceiro respeitar o primeiro. Agora quando o terceiro tinha que respeitar
o primeiro e por isso aconteceu isso [briga na escola].
Esses conflitos concretizam disputas que hierarquizam as
masculinidades juvenis. Ou seja, coloca-se como pertencente de uma
masculinidade legitimada ou, como indicada na literatura, uma masculinidade
hegemônica símbolos e práticas que permeiam o poder e a força. Os jovens
que demonstram possuir de forma mais aguçada esses atributos, ganham um
posicionamento de legitimidade absoluta que é reproduzida através dos
conflitos, sendo este, portanto, a principal ferramenta de manutenção da
hierarquia da masculinidade.
Essa hierarquia entre os jovens será ultrapassada também pelo princípio
da heteronormatividade. O sujeito é considerado homem por esses jovens
quando for heterossexual, sendo necessário demonstrar isso ao seu grupo de
pares constantemente. Caso o sujeito apresente um posicionamento pró-
diversidade sexual, por exemplo, ele é automaticamente considerado um
homossexual.
Joel: Eu respeito, eu respeito! Se a pessoa é o que é, o que eu posso fazer?
Eu respeito.
Almir: É isso ai, tá certo, vamô ai apoiar a parada gay. [irônico]
Sendo assim, além de símbolos que remetem a honra e
responsabilidade, força e poder, as narrativas desses jovens trouxeram a
heterossexualidade como elemento estrutural do modelo masculino,
hierarquizando novamente homens a partir de sua sexualidade, mesmo se esta
não for assumida, mas sim, interpretada a partir de práticas e comportamentos
sociais. Durante a realização dos grupos focais, em inúmeros momentos um
dos participantes foi alvo de piadas que atingiam sua sexualidade, sendo que
em nenhum momento este rapaz, cujo nome fictício é Joel, se posicionou
homossexual. Contudo, sua perfomace destoa dos demais participantes, sua
forma de “ser homem” parece colocar entre o grupo a necessidade de
demarcar que ele pode não ser homem. Dessa forma, insultos e piadas fazem
parte do cotidiano juvenil entre os rapazes, a fim de demarcar no espaço de
sociabilidade que a homossexualidade não é legitimada por eles (SANTOS,
SILVA & MENEZES, 2017)..
Essa temática gerou discordâncias nos grupos focais, pois as
percepções sobre homossexualidade entre os jovens participantes desta
pesquisa não foram unânimes, apontando para a necessidade de espaços que
discutam a temática de forma educativa, podendo ampliar visões de mundo
que abarquem a diversidade. Sobretudo, espaços educativos que tenham a
diversidade como princípio para debater questões de gênero e sexualidade,
bem como outras pertinentes a identidade social, como a diversidade étnico-
racial que também torna-se alvo de conflitos e piadas que reproduzem
preconceitos.
(Breves) conclusões
Os resultados apresentados nesse artigo tiveram como propósito
compartilhar o que vem sendo construído a partir de duas pesquisas mais
amplas que envolvem um projeto de iniciação científica da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs), bem como as reflexões
de um trabalho de conclusão de curso (TCC) em Ciências Sociais.
Percebeu-se que existe um modelo hegemônica de masculinidade
presente no imaginário desses jovens rapazes, oriundos das camadas
populares, que reproduz noções que permeiam força, poder, honra e
responsabilidade familiar e com o mundo do trabalho. Esses símbolos somam-
se a noção de ter um corpo com um sexo biológico masculino e com práticas
sexuais ativas de caráter heterossexual. Esse homem-jovem, contudo, parece
reconhecer que o período da juventude lhe permite agir em busca de atingir
esse modelo, porém com um relativismo para agir de modo contrário a todos
esses princípios ditos por eles.
O que surge de modo mais emergente nas narrativas desses jovens são
os conflitos marcados por atos de violência, seja ela física ou simbólica, bem
como insultos que buscam atingir e demarcar a sexualidade de outros rapazes.
Essas práticas parecem ser a principal ferramenta que garante a legitimação e
manutenção de uma masculinidade hegemônica com os símbolos já
compartilhados acima.
A partir disso, é possível pensarmos em alternativas educativas que
tenham o objetivo de desnaturalizar esse modelo, de modo a ampliar as visões
de mundo para abarcar mais diversidade. A instituição escolar pode ser um
primeiro lugar que potencialize essas discussões de forma séria, com
pretensões de ampliar para a comunidade e as famílias dos jovens, já que essa
segunda ainda demonstra ser a principal fonte na constituição identitária dos
jovens – como foi possível perceber nos grupos focais dessa pesquisa.
Não pretende-se esgotar a discussão de relações de gênero com essa
pesquisa, tendo em vista que ainda é preciso analisar e refletir sobre modelos
de masculinidade desde a América Latina, sobretudo o contexto brasileiro, sem
desconsiderar a intersecionalidade de outros marcadores identitários como a
classe, o pertecimento étnico-racial, o elemento geracional, localização
geográfica e grupos culturais. Esperamos contribuir com essas breves
conclusões para mais pesquisas e trabalhos reflexivos que pensem relações
sociais entre homens e mulheres.
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