retórica musical do barroco

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AULA 2

Fundamentos da Percepção Musical II

Barroco

A melodia se põe a serviço da expressão dos sentimentos humanos, alimentando-se para variados recursos expressivos como a agógica, dinâmica, modulação, cromatismo, tudo para tornar-se uma linguagem das emoções.

Período da Teoria dos Afetos ou Doutrina dos Afetos.

Afetos: teoria ou doutrina

Do alemão Affektenlehre - foi uma teoria de estética musical sistematizada e amplamente aceita pelos músicos do período Barroco, propondo que recursos técnicos específicos e padronizados usados na composição podiam despertar emoções no ouvinte igualmente específicas e comuns a todos.

Compositores procuravam estabelecer relações exatas entre palavra e música.

Afetos: teoria ou doutrina

Os teóricos que tentaram classificar e sistematizar os recursos da Teoria dos Afetos foram principalmente os alemães.

A discussão da Doutrina (ou teoria) dos Afetos começou com os trabalhos de Nucius, Cruger, Schonsleder e Herbst, e tornou-se mais explicita com Bernhard, finalmente se cristalizando de forma definitiva com Vogot, Mattheson, e Scheibe ( BUKOFZER, 1947, p.388).

Affectus (grego)

“pathos” - cada estado do espírito humano, sofrimento e emoção da alma.

Platão enumera 4 afetos : prazer, sofrimento, desejo e temor

Aristóteles diferencia 11: desejo, ira, temor, coragem, inveja, alegria, amor, ódio, saudade, ciúme e compaixão.

Retórica de Aristóteles - a música possuía qualidade de transmitir impressões e criar diversos estados de ânimo.

Melodia na Igreja Cristã

A música feita para a igreja, como o cantochão, e mais tarde, a polifonia, restringiram o uso do pathos, apesar de alguns esforços em se desenvolver uma teoria das paixões musicais.

Na época, encorajava-se somente o uso de um pathos sacro, pois a expressão de sentimentos humanos dentro do templo de Deus era vista como frívola e totalmente pagã.

Paixão Segundo São Mateus Recitativo 28 – 1ª. parte

Enquanto o baixo diz: “O Salvador cai diante de seu Pai, elevando-nos por cima de nossas quedas para recuperarmos a graça de Deus”, as cordas desenvolvem um motivo descendente, representando a queda, enquanto ao ser dito “elevando-nos todos”, a linha do baixo também se eleva.

CATABASIS: passagem musical descendente

procurando evocar imagens negativas

Paixão Segundo São Mateus Recitativo 60 – 2ª. parte

Enquanto o contralto recita: “Piedade Senhor! Eis aqui o Salvador atado. Oh! Açoites, golpes, feridas!”, o texto é representado musicalmente por meio de notas pontuadas nas cordas, representando golpes de chicote.

Cantata BWV 56 No 1º recitativo o baixo ressalta que “minha

permanência no mundo é como uma travessia marina; a tristeza, o sofrimento e a dor são as ondas que me conduzem à morte, e me aconchegam dia a dia.”

O desenho das ondas é assim representado pelo violoncelo (através de desenhos retóricos da figura Circulatio).

CIRCULATIO - uma série formada por 8 notas em desenho circular

Cantata BWV 95

Na ária , o tenor expressa sua expectativa ao dizer que conta as horas que lhe faltam para alcançar a eternidade.

O tic-tac do relógio é desenhado nos pizzicatos das cordas.

Sons onomatopaicos

Representação dos afetos

Cada afeto específico exigia uma tonalidade especifica, bem como certos desenhos melódicos ou harmônicos.

Os motivos de dor (no texto remetendo a lágrimas, cruz sendo carregada, suspiros, soluços, hesitação,

queda, pecado) eram representados por cromatismos, ou trechos com muitos acidentes, progressões cromáticas , apogiaturas descendentes, harmonias dissonantes, pausas em contratempo, suspensões e tonalidades e instrumentação mais escuras,cruzamentos de vozes,ou grandes intervalos descendentes.

Cantata BWV 136

No texto cantado pelo tenor, “sentimos as marcas do pecado que Adão fez cair sobre nós”, é metaforizado pelos intervalos descendente das três colcheias, realizados pelas cordas.

Cantata BWV 60 Escala de tons inteiros .

Um salto de 8ª. ilustra a palavra grosser (grande), remetendo a uma grande mágoa

Cromatismo descendente jammer (mágoa).

Cantata BWV 54

“ Resistas, pois, ao pecado; não permitas que se engane“ . Sétima no 1º compasso, e a nota intermitente representando a vitória da perseverança resistindo ao pecado.

Cantata BWV 4 Bach representava a crucificação utilizando

cruzamento entre vozes , como no coro inicial da Paixão Segundo São João

Intervalos

O uníssono e a 8ª. associados à imagem da perfeição, de Deus.

O semitom era útil ao retratar afetos mais tristes, devido a sua proporção imperfeita e por refletir pouca liberdade de ação.

Alegria estava em sintonia com intervalos perfeitos e consonantes, encontrados em tons maiores.

A tríade maior, com a proporção numérica 4:5:6, era mais próxima do ideal de proporção divina do que a tríade menor, com proporção 10:12:15.

Triste ou alegre?

No séc. XVI, Kircher apontava três afetos fundamentais: Alegria, Devoção, Submissão e Tristeza.

Johann Kuhnau, predecessor de Bach em Leipzig, manteve a assertiva sobre a clara percepção entre o modo com a terça maior (contente) ea terça menor (triste, melancólico).

Aspectos da Agógica

Dissonâncias e modulações: produzem uma variedade de diferentes afetos, gerando tensão no discurso.

Intervalos próximos, ligados, expressam a melancolia e a ternura; enquanto os saltos e notas articuladas remetendo a alegria.

Passagens lentas e cromáticas aludem sentimentos dolorosos.

Ritmos com conotações afetivas especificas (ex, duas semicolcheias e uma colcheia aludem a um caráter guerreiro).

Agógica

O termo agógica designa as variações do tempo que se praticam durante a interpretação de uma obra musical com o objetivo de a tornar mais expressiva.

Este termo foi utilizado pela primeira vez em 1884 pelo musicólogo alemão Hugo Riemann.

Afetos: teoria ou doutrina

Uma ideia musical não era somente uma representação de um afeto, mas sua verdadeira materialização.

Como exemplo, os intervalos amplos suscitavam alegria, e a tristeza era despertada por intervalos pequenos, a fúria se descrevia com uma harmonia rude associada a um tempo rápido.

Estética do sentimento

Sentimento – é a percepção de uma determinada qualidade sensível, de um som, de uma cor.

Sensação – é o conscientizar-se de um encorajamento ou de um impedimento de nosso estado de espírito, de um bem-estar ou de um desprazer. Constitui a base do sentimento. (Eduard Hanslick, 1854)

Música e o Belo

A música representa um belo. O meio pelo qual entramos em contato com o belo não é o sentimento, mas a fantasia, enquanto pura atividade de contemplação.

A música surge da fantasia do seu autor para a fantasia do seu ouvinte. E fantasia é uma contemplação do intelecto, com representações e juízos. (Eduard Hanslick, 1854)

Música e sentimentos

A relação de uma peça musical com os sentimentos provocados por ela se modificam conforme o variável ponto de vista de nossas experiências e impressões musicais.

O efeito da música sobre o sentimento não possui nem a necessidade, nem a exclusividade, nem a continuidade que um fenômeno deveria apresentar para poder estabelecer um princípio estético.

(Eduard Hanslick, 1854)

Conteúdo da música

O conteúdo da música são formas sonoras em movimento.

Sons simpatizantes

Se a música realmente nos entristece ou nos assusta, por que a ouvimos?

As tristezas e os terrores da música não são nossos, mas são sentidos por nós simpaticamente: “existem sons inerentes À alegria, outros à tristeza ou ao desânimo, outros à ternura e ao amor, e ouvindo-os, nós simpatizamos com aqueles que gozam ou sofrem. (Susanne Langer, 1941)

Quem produz música

Músico – aquele que produz a música está extravasando os sentimentos reais de seu coração. A música é sua avenida de autoexpressão, ele confessa suas emoções a um auditório, ou na solidão – apenas as descarrega para aliviar-se.

O compositor é o sujeito original das emoções descritas, mas o intérprete torna-se imediatamente seu confidente e seu porta-voz. Ele transmite os sentimentos do mestre a uma plateia ”simpática”.

Intérpretes

Dado que um músico não pode convencer as pessoas de outro modo, exceto comovendo-se a si mesmo, deve necessariamente ser capaz de produzir em si todos os afetos que gostaria de despertar em seus ouvintes.

O músico transmite seus sentimentos, movendo-os assim, a emoções simpáticas.

Significação musical

Se a música tem qualquer significação, é semântica, não sintomática.

Seu significado não é de um estímulo para provocar emoções – um sinal para anunciá-las. Se trem um conteúdo emocional, ela o tem no mesmo sentido que a linguagem tem seu conteúdo conceitual – simbolicamente.

Não é derivada de afetos e nem tencionada para eles, é a respeito deles.

Significação musical

Música não é a causa ou a cura de sentimentos, mas sua expressão lógica.

O conteúdo foi simbolizado para nós, e o que ele solicita não é resposta emocional, mas introvisão (insight).

Se o conteúdo for a vida de sentimento, impulso, paixão, então os símbolos que o revelam não serão sons ou as ações que normalmente expressariam esta vida; não são os signos associados, mas as formas simbólicas é que devem transmiti-lo ao nosso entendimento.

Estruturas musicais

Estruturas musicais se assemelham a certos padrões dinâmicos da experiência humana.

Processos intelectuais ou emocionais mostram dinâmicas que correspondem a crescendo e accelerando em movimento visível. A hesitação e a falta de determinação tornam-se visíveis... Como o ritardando do comportamento visível ou audível.

Uma forma significativa sem significação convencional

Música é um símbolo apresentativo, apresenta uma experiência emotiva por meio de formas indizíveis.

Ela expressa o que é indizível na linguagem verbal.

Somos tocados tão imperceptível e gentilmente que nem sabemos que somos afetados, que não podemos dar nome algum ao afeto...

Música como Arte

A arte não apenas produz prazer no ser humano, mas, sobretudo, provoca uma reação vivencial, um juízo, uma resposta (Blasco, 1998).

A música tem o poder de sugestão, de projeção, de permitir a realização imaginária de desejos inconscientes, de lembranças, de sentimentos hedonistas e de comunicação, aliás, de comunicação universal.

Música - linguagem

Música é linguagem, utiliza um sistema de signos que transmite informações ou mensagens.

Meio de comunicação não verbal, não separa significante e significado como faz a linguagem.

Estruturas neurológicas envolvidas para o processamento musical são funcionalmente autônomas e diferentes daquelas envolvidas com a linguagem.

Música e afeto

Do lado psíquico, a música acompanha os momentos emocionais importantes nas nossas vidas, desde as canções de ninar até a música fúnebre.

Isso contribui para a construção de relações de afeto com a música, afeto este que pode ser mobilizado na presença de determinadas músicas.

Atividade musical no cérebro

A atividade musical envolve quase todas as regiões do cérebro e os sistemas neurais.

Por exames de imagem funcional cerebral vê-se que a música ativa estruturas das regiões cerebelares, responsáveis pela produção e liberação dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina e, principalmente da amídala, que é a principal área do processamento emocional.

O ato quase automático de acompanhar uma música é capaz de ativar a região do hipocampo, responsável pelas memórias, bem como o córtex frontal inferior.

Para a execução de músicas são acionados os lobos frontais, tanto através do córtex motor quanto sensorial.

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