parecer jurídico sobre a legalizaÇÃo de edificaÇÃo em fase de
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PARECER JURíDICO SOBRE A LEGALIZAÇÃO DE EDIFICAÇÃO EM FASE DE
RECURSO HIERÁRQUICO PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE
Processo n.o ...... , com último despacho do Diretor de Urbanismo transmitido pelo
ofício n° ....., e 19 e Novembro de 2013, em fase de apreciação de recurso hierárquico.
É-nos pedido um parecer sobre a possibilidade de legalização municipal de
edificação sem licenciamento e sobre a possibilidade de suspender uma decisão de
demolição da obra, tomada em deliberação municipal e objeto de confirmação pela
jurisdição administrativa, ambas as decisões anteriores à apresentação de requerimento
autónomo de regularização urbanística actualmente em curso de apreciação pela
Câmara Municipal.
O nosso Parecer é o seguinte:
l-Sobre a decisão de demolição de imóvel com processo de legalização
pendente no município:
Começa por se referir que não se vê a necessidade de continuar com exercícios
junto da jurisdição administrativa (pois esta apenas havia confirmado a decisão de
demolir o imóvel, que foi da Câmara Municipal, e agora apenas pretende que tal se
cumpra, a menos que haja entretanto a legalização do mesmo, para fazer cair de vez a
deliberação camarária de demolição confirmada pela jurisdição. Essa imposição de
demolição está, neste momento suspensa, face ao facto de existir um procedimento de
legalização em curso, ainda sem ato urbanístico decidido, uma vez que há recurso em
apreciação. Se a deliberação da Câmara neste procedimento for favorável à aprovação
da legalização, cai a decisão de demolição no anterior processo administrativo, se for de
rejeição, a decisão de demolição reganha vigor. Com efeito, um processo de legalização
é isto mesmo: um processo para evitar a consequência da demolição, que é a ultima retio, quando nada mais se pode fazer, dado que juridicamente não teria sentido demolir
no todo e depois legalizar essa construção entretanto destruída, no todo ou em parte.
Enquanto o procedimento de legalização decorre, a decisão em processo anterior
cY incompatível com a que poderá resultar do atual processo fica, por si, pela natureza das
~ coisas, incontornavelmente suspensa, pois senão não teria sentido o procedimento atual
de regularização da mesma.
Com efeito, a obrigação de demolição pode afastar-se, face às referidas anteriores
decisões municipais e judiciais de demolição, mas a única maneira legalmente prevista
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no ordenamento urbanístico, é o deferimento do pedido de aprovação do projeto em apreço neste recurso administrativo. De facto, para isso existem, no direito português, normas para levar a tal desfecho favorável ao proprietário, que devem ser observadas sem mais delongas e incómodos para as entidades públicas responsáveis (autárquicas e jurisdicionais), e para os cidadãos: uma deliberação favorável de licenciamento pelo município, que impeça no futuro ter que se cumprir anteriores decisões, que o próprio município decretara (e o tribunal apenas confirmou), na altura por inércia regularizadora do proprietário e do município, e agora mantida ainda por mera decisão municipal de que se discorda e ainda não constituindo "caso decidido", a que urge por fim, como se pede no recurso hierárquico e com os fundamentos que neste parecer se enunciam, deferindo pois o projeto; e, enquanto tal ainda não ocorrer, só há uma consequência lógica: adiar a demolição até análise cuidadosa do assunto, face a tudo o que se expõe, em ordem a ser tomada, ponderada e corretamente, a decisão final no recurso hierárquico apresentado e a que se deve juntar este Parecer.
II·Sobre a possibilidade de legalização da construção em causa:
Para enquadramos toda a problemática no sentido da regularização da situação, que consideramos comum a grande número de edificações efectivas em meio rural (alterando toda uma prática secular anterior), na década a seguir à legislação de 1991, que veio impô-Ia -a habitação em causa é de há vinte anos-, importa convocar os artigos 60.°, 106.°, 88.°, todos do RJUE (DL n.0555/99, de 16.12) e artigo 65.° da Constituição (habitação e urbanismo) , interpretada segundo moderna jurisprudência do STA e do TCAS. Mas não sem antes apreciar o único argumento que levou ao despacho de indeferimento da licença de legalização da construção em causa, o artigo 27° do PDM, por onde entendemos, pois, começar este parecer, sem prejuízo de posteriormente juntarmos outros fundamentos legais que permitem à Câmara Municipal, ultrapassar de vez esta questão da legalização, deferindo, em plano respeito pela legalidade existente, o licenciamento solicitado.
Assim:
1.0·Sobre a inexistência no PDM de razões que impeçam o Iicenciamento legalizador da edificação
Para a Câmara Municipal poder atualmente deliberar licenciar a construção,
bastaria analisar este ponto referente ao normativo do PDM que é o único invocado na fundamentação do despacho de indeferimento. Mas mesmo que se pretendesse dar-lhe valor para impedir o licenciamento nos termos nomais do artigo 106.°, há e -referiremos- outras normas que o permitiriam.
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Mas começa-se por contestar que o PDM impeça o licenciamento.
E, aliás, nem o poderia impedir com a extensão pretendida, sob pena de inconstitucionalidade de muitas situações, em que anulasse o direito do proprietário sem indemnização por autentica "expropriação do plano" em terrenos sem dimensão de unidade agrícola mínima e com dimensão tao pequena que a sua leitura mal interpretada levasse à sua inutilização para os únicos fins que ainda pode servir: os de edificação.
Vejamos:
Considerando a possibilidade de aplicação do art° 27° do PDM de Loulé à situação
em apreço, por se tratar de área de edificação dispersa existente e a estruturar, não se compreende e, como tal, parece inaceitável a não
inclusão da situação em apreço no disposto no número 3 do referido artigo.
Com efeito, todo o art° 27° se destina a prever a estruturação das zonas de edificação dispersa, quer por instrumento de planeamento de âmbito submunicipal (n? 1), quer através do licenciamento de situações pontuais que não comprometam essa estruturação programada (nO 3).
Ora, o caso presente integra-se perfeitamente na previsão normativa do n03 do art° 27°, até por maioria de razão, pois possibilitando ele o licenciamento de edificação (a referência a autorização é hoje anacrónica, devendo entender-se que se referirá hoje a eventual comunicação prévia, subsequente a Pedido de Informação Prévia nos termos do n02 do art°14° do RJUE), mais fácil acolhimento deve ter a situação que se traduza em legalização de edificação existente (e até com cerca de 20 anos de construída);
Certo é que, tratando-se de edificação isolada e destinada a habitação, terá que
cumprir as diversas regras das alíneas do nO 3.2 do referido artigo 27°.
Parece-nos um tanto estranha a exigência da alínea a) e destituída até de algum sentido quando se trata de prédio já existente, pois que, não tendo ninguém que permanecer na situação de encrave, existindo o prédio, direta ou indiretamente se terá que obter o acesso a via pública (faz sentido a exigência de confinamento com via pública no caso do destaque, porque se trata de criar prédio novo, como o fará sempre que da operação pretendida possa resultar fracionamento fundiário, mas não tem sentido a exigência quando o prédio pré-exista, pois que, com ou sem a edificação, sempre o acesso a prédio autónomo, pelas regras do direito civil estaria garantido). No entanto, a falta de acesso não é o caso do prédio em causa (tem-no e aliás sempre o teve), até por o mesmo ter já ruina de edificação urbana pré-existente, pelo que sempre o acesso ao mesmo estaria ou teria que ser assegurado.
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Também, tanto quanto é do nosso conhecimento, cumpre a edificação a licenciar
os requisitos quanto às áreas de implantação e de construção, pelo que, também por
aqui, não pode o licenciamento ser recusado.
E quanto ao afastamento mínimo à estrema, também labora o município em grave erro ao não considerar cumprido tal requisito.
Isto porque tentando-se perceber a ratio da norma em causa, a mesma só pode
entroncar, ou entroncará primordialmente, em duas proteções, a do prédio vizinho e,
nomeadamente para fixação de critério equitativo de cumprimento dos afastamentos
entre vãos do RGUE (dez metros), e a salvaguarda de eventual passagem de via ou
outra infraestrutura decorrente de posterior estruturação programada da área.
No entanto, tem o legislador perfeita noção de que esta limitação tem verdadeira
natureza restritiva do direito a edificar que a própria natureza da área em causa e o
previsto no plano permite, bem como tem consciência de que se trata de zona onde já
existe edificação prévia (se assim não fosse não seria área considerada pelo plano de
edificação dispersa), pelo que, no respeito pelo princípio da igualdade e porque se trata
de norma restritiva, limitando-a a situações em cujos efeitos úteis se possam produzir,
criou, desde logo e expressamente limite a essa exigência quando "existam construções em prédios confinantes" que afastem a exigência do cumprimento do afastamento mínimo.
Ou seja, pré-existindo ao pedido de licenciamento de construção para um prédio,
no prédio vizinho e confinante, uma edificação que não cumpra já ela esse afastamento
mínimo, deixa de ter sentido exigir à edificação a licenciar o cumprimento daquele
afastamento mínimo.
E diz o legislador que "podem ser fixados afastamentos inferiores", não definindo qualquer limite mínimo, certamente porque essa redução estará condicionada pelo afastamento existente no prédio confínante, admitindo-se claramente que, por decorrência do principio do igual tratamento, se no prédio confinante se edificou à estrema, razão não existe para naquele que se aprecia tal não ser também permitido.
Este entendimento do legislador não só corrobora o que supra referimos quanto à
ratio da exigência de afastamento mínimo e qual o valor que o legislador procura
defender com ela, como tem todo o sentido no respeito pelo princípio da igualdade, pois
que não tendo um dos prédios cumprido tal requisito, sem sentido fica a exigência de que
o outro o cumpra.
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Admite-se até que sempre que o proprietário do prédio confinante autorizasse e
renunciasse a esse direito ao afastamento mínimo à estrema, na medida em que existe
para o proteger, se poderia igualmente considerar a redução ou dispensa do
afastamento, desde que, cumulativamente, a situação também não fosse claramente
comprometedora de futura infraestrutura.
E diga-se ainda que, embora o legislador use as expressões "sem prejuízo" e
"poderem ser", não se trata aqui de norma para utilização discricionária da administração
licenciadora, mas antes essa utilização está modelada pelos princípios que a enformam.
Desde logo, o princípio da igualdade (não existindo no prédio confinante, não deve ser exigido no em apreciação), mas, e sobretudo, quando se trate de situações de legalização de pré-exístências também os princípios da salvaguarda do edificado e da demolição como último caminho e apenas quando a legalização, total ou parcial, não seja possível. Estes são valores e princípios do direito urbanístico recebidos pelo RJUE, a que
as normas dos planos que definem e condicionam diretamente a edificação não podem
também ser alheias.
Isto dito e porque no caso em apreço é evidente a existência de edificações várias
no prédio confinante e imediatamente contíguo à edificação a licenciar, estando elas a
distância inferior a cinco metros e mesmo contiguas à estrema, a Câmara Municipal não
podia invocar o incumprimento do afastamento mínimo para indeferir o pedido de
licenciamento; fazendo-o, viola expressamente o plano diretor municipal que viabiliza a
legalização das situações pontuais nas áreas de edificação dispersa e usa fundamento in existen te.
Note-se que o legislador na aI. d) do ponto 3.2 do art? 27° do PDM, sequer refere
que as construções existentes no prédio confinante têm que ser legais, pelo que, sequer
essa restrição poderia ser legítima. É que tem o legislador perfeita consciência de se
tratar de área de edificação dispersa (e com edificações anteriores ao plano e muitas
nem licenciadas) procurando criar alguma constância e estruturação para a área, mas não ignorando que princípios de igualdade e de condescendência em face do existente
se impõem.
Se o regulamentador do plano tem esta consciência, o aplicador não pode deixar
também de a ter e, como tal, a Câmara Municipal não pode ignorar as suas obrigações,
; que são bem aplicar o direito que rege a sua ação e o dever de bem administrar.
Não o fez quando ignorou a norma em causa, quando cega e limitadamente quis
aplicar a exigência de afastamento mínimo, quando, e para além de outros
considerandos que também devia ter ponderado (como a situação económica dos
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proprietários, o fim do edificado em causa e o conhecimento que não pode deixar de ter
de não constituir a edificação sem licenciamento prévio um aspeto característico da área
em causa), se limitou a parcelarmente aplicar um critério geral sem cuidar que o mesmo
tem, ele próprio, regra especial para quando o seu fim último e a situação concreta
impuserem a sua redução ou afastamento.
A norma que a Câmara tinha que aplicar não era a regra geral da aI. d) do ponto 3.2 do arfo 27° do POM, mas a regra especial, por força da existência de construções nos prédios confinantes (2° parágrafo) e, naturalmente que sendo esta especial, fica afastada a geral, sendo inválido o ato que erradamente se baseou no critério geral e ignorou o especial.
2.°· Sobre o princípio da primazia do aproveitamento do existente
O artigo 106.°, em si e juntamente com os artigos 84.°, 85.°, 88.1, regime das
AUGI, artigo 60.°, tal com o a mais recente jurisprudência do STA e do TCAS, consagram
claramente o princípio da demolição como última ratio. Ou seja, só se de todo em todo, não houver solução: ou porque proprietário não está disposto a regularizar a situação, com pedido de licenciamento especial ou alterações propostas pela Câmara Municipal, ou porque, mesmo que esteja ou passe estar, como agora acontece, o construído não tenha por onde se pegue, por razoes insupríveis de segurança da habitação ou de incapacidade de lhe introduzir modificações que resolvam problemas de insalubridade. Ou seja, estando o proprietário ou passando a estar interessado na sua "salvação" no termos do ordenamento jurídico, no plano material, a Câmara Municipal demonstre que não é possível aproveitar a obra ilegal, acabada ou inacabada, ou mesmo com título construtivo válido mas caducado (inacabada mas em estado avançado de conclusão, ou, por maioria de razão, se já acabada, mesmo que fosse recente, mas muito mais se pelo tempo decorrido se tiver sedimentado no património do respetivo proprietário, e desde logo com elementos de oficialidade, registos para efeitos fiscais ou prediais, numa situação de isotonia exigindo tratamento igual à de uma situação de construção sem licença, por esta ser nula e portanto de nenhum efeito, mas ter decorrido tempo largo (10 anos, na tese de Marcelo Caetano, em seu Manual de Direito Administrativo, tudo hoje
com cobertura expressa ou por analogia, dado não se ver argumentos que, no caso -
construção com mais de 20 anos-, possa justificar tratamento distinto, com base mesmo
em lei escrita: o artigo 134, n.? 3 (efeitos putativos de ato nulo; o ato é ilegal mas a
Administração deve fazer de conta que é legal e tratar como se o fosse, em nome de princípios basilares do direito, como o da segurança jurídica e o da boa fé, da proporcionalidade, etc.).
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E, no caso, este princípio do aproveitamento do existente, total ou do existente parcial, quando seja o facto, pode mesmo ser, se não diretamente baseado, pelo menos apoiado, em razoes relacionadas com a existência muito anterior a 1991; no caso mesmo secular, como a Câmara (se não houvesse -e há, abaixo indicados- outros argumentos legais a permitir solucionar a legalização de imediato e sem mais diligências, e portanto sem necessidade de a Câmara invocar o artigo 60.0 do RJUE, sendo certo que sempre poderia constatar por inspeção local e análise física ao solo e subsolo do terreno com vestígios de ruínas referentes a casario de família e de apoio agrícola, até documentos de acesso oficial, e mesmo um amplo conhecimento de cidadãos da zona, ainda vivos).
Portanto, de facto, temos hoje vigente este princípio da demolição apenas quando
nada em termos regularizadores o proprietário queira fazer ou, mesmo que o queira, nada seja possível fazer para dar ao edificado condições de legalizaç
ão. Claro que o atual requerimento de licenciamento não tendo sido feito antes da anterior decisão camarária de demolição e antes da sua posterior confirmação jurisdicional, não pode já assentar exatamente nos mesmos factos e fundamentos que deram origem a tal decisão de demolição e daí que só possa ser ultrapassado com um real pedido de aprovação de projeto de regularização (ou pedido de Iicenciamento normal- art." 106.°, n." 1 e 2-, ou, se se entendesse -ernbora mal, como se demonstrou acima- que não caberia aqui, como é
invocado na decisão a que se reporta o recurso hierárquico administrativo a que se junta este Parecer, mesmo que não coubesse no artigo 106.° que pressupõe um licenciamento normal, de situação que caiba na normação atual, não poderia deixar de se recorrer ao artigo 88, n.o 3, de licenciamento especial aí previsto (situações quase acabadas, em que seria desperdício demolir, e por maioria de razão, situações de construção já acabadas, em que o desperdício seria maior).
Concluindo este ponto, face ao ordenamento jurídico português, são absolutamente residuais os casos em que, por incapacidade total de dotar o imóvel de condições de salubridade e segurança, a sua salvação (mesmo que com imposição eventual de condições para o efeito), se revele, em apreciação casuística, completamente e na totalidade impossível. No caso, o proprietário agiu sem apresentar um autêntico pedido de licenciamento com projeto regularizador, o que não deixou alternativa nem à Câmara Municipal nem ao tribunal de decretar a regularização-legalização pretendida, mas agora fê-lo e o pedido de Iicenciamento devia ter sido deferido, mesmo que a norma invocada do PDM fosse aplicável (então face ao artigo 88.°, n.03, mesmo que fosse obra acaba, embora de facto seja obra inacabada - como se referirá mais abaixo e os serviços dos município só não o constatou porque não tomou contacto com a realidade local, como devia - numa situação tao grave como a de hipótese de evitar uma demolição- face aos artigos 87.° e 88.°, n.01 do Código do Procedimento Administrativo, com eventual assumir
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de responsabilidades e obrigação de indemnizar pela demolição que poderia ser evitada,
por lhe caber em primeira linha aplicar devidamente o direito aos factos que também lhe
cabe diligenciar apurar (tudo nos termos do decreto-Lei n.? Lei n." 67/2007, de 31 de
Dezembro - Diário da República, 1.a Série, n.? 251, p. 9117 e ss.- em concretização do
artigo 22.° da Constituição; vide Condesso, Fernando -"Princípio da responsabilização e
garantia patrimonial". In Princípios Constitucionais de Direito Administrativo. Em:
http://www.condesso2011.no.comunidades.netlindex.php?pagina=177 4134375 32 ; em
geral: hUp://www.condess02011.no.comunidades . net ). sendo de qualquer modo que não
o sendo obrigatoriamente como não é e se demonstrou acima, bastaria invocar o artigo
normal 106, n.01 e 2, em qualquer caso sem necessidade de ter de invocar o artigo 60.°,
embora também aplicável.
3.a Sobre o direito substantivo de legalização de obras ilegais, inacabadas ou acabadas
V
eja
mo
s o
arti
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88.°
do
RJ
UE, que se refere expressamente a obras muito
adiantadas embora ainda não acabadas, ou seja quase acabadas, inacabadas portanto,
mas que, estão tao adiantadas que é como se já estivessem acabadas. No caso, tendo
presente a boa interpretação, aliás acolhida no direito comparado, é uma obra em
"estado avançado" de construção, mas ainda inacabada a que falte colocar na totalidade
ou em parte o telhado, rebocar paredes em tijolo, não pintada exteriormente, com
incompletudes várias, como é o caso, visível a um simples olhar. .. Embora, face à ratio legis seja tanto mais aplicável esta norma do artigo 88.° quanto mais acabada estiver a
obra, porque obviamente maior seria o desaproveitamento da construção quanto mais se
tivesse de destruir, para voltar depois a construir ....
Refere, pois, as situações Em que os seus proprietários, face a à aplicação de
novas normas (por exemplo, normas de um PDM, etc.), posteriores à caducidade do
título construtivo, não conseguiriam vir a ter uma licença normal segundo o artigo 106.°
para serem terminadas como estava previsto anteriormente, face à necessidade normal
de novo procedimento de licenciamento segundo as novas regras.
Estando sem possibilidade disso, a construção já quase acabada (ou acabada, por
maioria de razão) teria de seguir a nova legislação, e portanto teria de ser demolida e
reconstruída em termos diferentes com nova licença como se nada tivesse acontecido
antes.
Se chegou a haver antes um título licenciador ou admissão de comunicação prévia,
aplica-se o n.01 e 2 e as regras do artigo 60.°, que deve ser lido como um poder
vinculado: o município é obrigado a legalizar o resto da construção com uma licença
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especial não obrigando a aplicar as novas normas, embora também não possa aproveitar-se para agravar o desrespeito delas (fazer como estava no título caducado).
Se, como é entendimento da doutrina (v.g., Fernanda Pula de Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maças, no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação: Comentado, Almedina, 2012), em qualquer outra situação, ou seja, se não houve nunca tal título - isto é, se estam os face a uma construção isolada de génese ilegal (se fossem várias, uma área delas, aplicar-se-ia também normação semelhante, a AUGI, que aliás pode servir de orientação analógica quanto ao construído passível de ser salvo), que na totalidade ou em parte, não está conforme às novas regras, temos o seu n.03: "Podem ser concedidas as licenças ( ... ) quando a câmara municipal reconheça o interesse na conclusão da obra e não se mostre aconselhável a demolição da mesma, por razões ambientais, urbanísticas, técnicas ou económicas.
Ou seja, a Câmara Municipal mesmo em construções ilegais que vão contra normas legais atuais e portanto não suscetíveis de legalizar nos termos do artigo 106.° (mesmo que fossem concluídas ontem e não acabadas ou, como até é o caso, estivessem inacabadas há 20 e tal anos) pode permitir acabar ou manter o já construído, desde que declare e fundamente que "reconhece -se "o interesse em não a demolir não existindo razoes urbanísticas, económicas, etc. para as demolir.
Ora, se este poder discricionário existe qual o interesse da Câmara em as demolir - demolir metade de Loulé?, ou então ofender o princípio constitucional de tratamento igual de todos os cidadãos, mandando demolir umas e não outras?-
Razões urbanísticas existem e sobram para se defender tal interesse.
Não é verdade que o artigo 65.° da Constituição ("Constituição do Urbanismo") se intitula "Habitação e Urbanismo", consagrando ela o direito à habitação como um direito económico, social e cultural. Artigo constitucional fundador portanto de um direito fundamental do cidadão, que embora não obrigue a dar casa gratuita num país que não é rico de meios públicos ara o efeito, impede pelo menos a sua demolição quando seja uma obra (para ou) já ocupada para habitação de uma família, e ainda mais se não tem outra para o efeito. Portanto, independentemente da densidade maior ou menor com que o legislador ordinário a tenha ou venha a concretizar, pelo menos integra e exige a sua invocação pelo município, aberta-permitida pelo legislador, para levar - neste caso de habitação impor mesmo- o reconhecimento do "interesse" referido no normativo em apreço (n.03 do art.o88.0 RGUE), pelo município na manutenção e mesmo na conclusao (situação expressada, por que seria aquela em que as dúvidas legitimadoras da emissão de uma licença especial poderiam ocorrer: se o que ainda não está concluído deve ser
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defendido, muito mais o já concluído, sem necessidade de o expressar e a resultar
portanto da incontornável metodologia científica de interpretação jurídica).
Basta fundar a concessão da licença numa das razoes, mas naturalmente que
razoes técnicas e ambientais (ambiente rural ou urbano) existem também, ao não se
vislumbrar a vantagem de transformar um pequeno terreno, sem unidade mínima legal de
cultura, em terreno agrícola, quando não serve a mais do que a construção e horta de
subsistência familiar: inútil para a atividade agrícola a não ser de apoio á casa, ficaria
abandonado, numa zona de casario, irracionalmente sem se ver qual o interesse público
a criado à custa do desinteresse privado!? Tecnicamente e Economicamente estaríamos
face a uma demolição que só poderia ser utilmente seguida de uma reconstrução
sen
siv
elm
ent
e
idê
ntic
a,
ofe
nde
ndo
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prin
cípi
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pro
por
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nali
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fos
se
deit
ado
aba
ixo
e
não
só
alg
o
disf
orm
e,
em
gra
nde desproporção face à relação custo económico
e também como se referiu custo de agressão ao direito fundamental à habitaçao, valor
superior a qualquer norma regulamentar de duvidosa legalidade, porque valor
constitucional em comparação com o benefício municipal concreto, que não se enxerga,
aliás súbito ao fim de décadas em que não se enxergou, nem aqui nem noutras situações
iguais, de vigência de um PDM que se revelou assim ao longo do tempo sem
necessidade de um PPS para a área, aí em Loulé em toda a área não urbana, então
previsto, e que aliás, no que a qualquer intenção não de defesa de interesses meramente
privados, mas, mesmo que fosse interesse pública ordenador do território, nem sequer
ficará em causa.
Inexistem assim razões normativas que impeçam a legalização da obra, e existem
mesmo nos termos apresentados obrigação in casu de o município o fazer. Nunca aliás
destruição total do construído, face ao despacho de invocação de razão meramente
parcial, mesmo que fosse legalmente imposta e não o é. E, aliás, mesmo que fossem
necessárias alterações, a indicar pela Câmara Municipal, caso esse fosse o
entendimento e não foi, pois a única razão indicada no despacho de indeferimento é a
inexistência de distância entre as paredes traseiras das duas construções, da autora do
recurso hierárquico e da proprietária do terreno vizinho, tocando as paredes, o que tanto
funciona para aquela como para esta, e não se vê justificação bastante para tal
argumentação, como se refere no início deste Parecer, sendo certo que mesmo que tal
imposição se devesse considerar regulamentarmente válida, o próprio artigo prevê
exceção ao mesmo, que pelo menos deveria aplicar-se à concessão de a uma licença
especial, como o é a de regularização do já construído, nos termos antes explicitados
Conclusão: Dito isto, conclui-se o seguinte:
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a)-Face à existência de um procedimento de regularização legal do imóvel objeto de anterior processo de demolição, esta considera-se, ipso facto, adiada até à decisão final neste atual procedimento;
b)-o assunto em termos definitivos só a Câmara Municipal o pode resolver e só se resolve aprovando o atual projeto da edificação, tal como apresentado ou com imposição de alterações;
c)-o fundamento invocado pela Câmara Municipal para o indeferimento do projeto que permite a legalização, não se lhe impõe como imperativo, bem pelo contrário, impõe-se-Ihe diversa decisão, quer em aplicação do PDM (art° 27° ponto 3.2 aI. d) 2° §), corretamente interpretado nos princípios que o enformam, quer por força das demais normas e princípios do RJUE e da própria constituição;
d)-o macroprincípio urbanístico hoje claramente imposto no ordenamento jurídico vigente é o da preservação do edificado ilegal, sendo a demolição a ultima ratio, em casos em que, ou a Câmara Municipal ou os proprietários, não diligenciem a sua regularização, no todo ou em parte;
e)-o PDM não impede essa legalização (art° 27° ponto 3.2 al.d) 2° §) em licenciamento normal (artigo 106.°), e
d)-se o impedisse, mesmo assim, o artigo 88.°, n.03, permite à Câmara Municipal deferir tal regularização com uma licença municipal especial, com bases nas razoes aí expressas e aqui claramente aplicáveis.
Dito isto, o nosso PARECER é de que a CM pode e deve aprovar, sem mais dilações e sem necessidade de novos processos em tribunal, o projeto em apreço e licenciar a obra, acabando com a ainda pendente decisão-solução alternativa injustificável de demolição, comunicando também o facto ao tribunal para efeitos de fazer terminar quaisquer eventuais efeitos colaterais que existam, resultantes de incumprimento de sentença jurisdicional, desde logo, medidas compulsivas.
*, Professor Doutor *, lic.
*docentes universitários de direito do urbanismo
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