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OSELEMENTOSEOSPRINCÍPIOSDACOMPOSIÇÃOARQUITETÔNICA:PARALELOSENTREVITRÚVIOELECORBUSIER1

ELEMENTSANDPRINCIPLESOFARCHITECTURALCOMPOSITION:PARALLELSBETWEENVITRUVIUSANDLECORBUSIER

LeandroManentiUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul,UFRGS

leandro.manenti@ufrgs.br

ResumoOtrabalhosepropõeaestabelecerumcomparativoentreVitrúvioeLeCorbusierfundamentadonaanálisetextual.Atravésdeste comparativo, propõe-se analisar o tema da composição arquitetônica, discutindo a noção de elementosarquitetônicos assim comoos princípios que regema composição formal, procurando identificarparalelos entreos doisautores.Ométododepesquisa empregadoparaodesenvolvimentodeste trabalho sebaseia essencialmentena análisetextual,tomandocomofontesotratadodeVitrúviooslivrosfundamentaisdeLeCorbusier,comênfaseemPrecisõesePorumaArquitetura.Odesenvolvimentodapesquisasedáretomandoambososautoresbuscandoconceituarecompreenderaoperacionalidadedostermosdesuasteorias.Finalizando,otrabalhosepropõeadiscutirasduasnoçõesdebelezaquesepodeextrairdeambososautores:umarelacionadaaoconjunto,construídaabstratamenteapartirdasrelaçõesentreaspartes, e cuja fundamentação advém da natureza; e outra relacionada aos elementos, construída a partir doreconhecimentovisualdeformas,ligadaàtradiçãoarquitetônica.

Palavras-chave:Elementos;Princípios;Composição.

AbstractThe paper aims to establish a comparison between Vitruvius and Le Corbusier based on textual analysis. Through thiscomparison, it is proposed to analyze the subject of architectural composition, discussing the notion of architecturalelementsandtheprinciplesthatgoverntheformalcomposition,seekingtoidentifyparallelsbetweenthetwoauthors.Theresearchmethodemployedforthedevelopmentofthisworkisessentiallybasedontextualanalysis,usingassourcestheVitruviantreatiseandfundamentalbooksofLeCorbusier,withanemphasisonPrecisionsandTowardsaNewArchitecture.Thedevelopmentoftheresearchtakesplaceretakingbothauthorsseekingtoconceptualizeandunderstandtheoperationofthetermsoftheirtheories.Finally,thestudyaimstodiscussthetwonotionsofbeautythatcanbeextractedfromboththeauthors:onerelatedtothewholeof thework,abstractlyconstructedfromtherelationsbetweentheelements,andwhosebasis comes fromnature;andanother related to theelements, constructed fromthevisual recognitionof forms,linkedtothearchitecturaltradition.

Keywords:Elements;Principles;Composition.

1 INTRODUÇÃO

Otrabalhoapresentaosresultadosparciaisdoprojetodepesquisa intituladoArquiteturasEscritas:Investigação acerca dos princípios e procedimentos de projeto a partir de textos de autoresarquitetos. Estapesquisa temporobjetivo examinaros desdobramentos e interpretaçõesdos seisconceitos componentes da arquitetura segundo Vitrúvio (Ordinatio, Dispositivo, Eurythmia,Symmetria, Decor e Distributio) por dois autores arquitetos igualmente importantes em seusrespectivosperíodoshistóricos:LeonBattistaAlbertieLeCorbusier,àluzdasproposiçõeslevantadaspelaspesquisasdedoutoradodoautor.Nestetrabalhoespecificamente,propõe-seestabelecerumcomparativode cunho teórico entreVitrúvio e Le Corbusier fundamentadona análise textual. Pormeio deste, propõe-se analisar o tema da composição arquitetônica, discutindo a noção de

1MANENTI,L.Oselementoseosprincípiosdacomposiçãoarquitetônica:paralelosentreVitrúvioeLeCorbusier.In:11°SEMINÁRIONACIONALDODOCOMOMOBRASIL.Anais...Recife:DOCOMOMO_BR,2016.p.1-12.

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elementos arquitetônicos, seus fundamentos e origens, assim como os princípios que regem acomposiçãoformal,procurandoidentificaraproximaçõesedistanciamentosentreosdoisautores.

Ométododepesquisasebaseianaanálisedetextosdeambosautoresarquitetos,tomandocomofontes o tratado de Vitrúvio e algumas de suas traduções, uma vez que o estudo simultâneo emdiversastraduçõeséoquepermitesechegaremumtextomaisfielaooriginalsobopontodevistaconceitual,assimcomooslivrosfundamentaisdeLeCorbusier,comênfaseemPrecisõesePorumaArquitetura. O desenvolvimento da pesquisa se dá retomando ambos os autores buscandoconceituarecompreenderaoperacionalidadedostermosdesuasteorias.

2 ATEORIAVITRUVIANA

O sistema formal vitruviano descrito no Livro 1 de seu tratado está fundamentado na noção decomposição realizada a partir de elementos, podendo-se agrupar os termos da teoria em doisgrandes grupos: o de princípios, que determinam condições para excelência arquitetônica, e o deprocedimentos, queauxiliamoarquitetono controledoprojeto.Apartir doestudodesenvolvido,compreende-se que os três princípios fundamentais da excelência podem ser sintetizados emintegridade dos elementos, que se encontra relacionada ao conceito de eurythmia; harmonia doconjunto, que está relacionada ao conceito de symmetria; e pertinência dos elementos de acordocomasconvençõessociais,relacionadaànoçãodedecor.

Consideradasestaspremissasdequalidade,cabeoarquitetocomporoprojeto,epara talVitrúviorecomendaprocedimentosqueorientamaatuaçãodoprofissional. Identifica-se,apartirdoestudodotexto,quatroprocedimentosdeprojetoprincipais:ageometrizaçãodaproposta(ordinatio),quepodedar-sepelaadoçãoouadaptaçãodeesquemasgeométricosrecorrentesoumesmopelacriaçãode esquemas novos para circunstâncias especiais (figura 1); a adoção de um sistemamodular deregramentoparaoprojeto,oqualpartedemedidasconcretascomoatestadadoloteeestabeleceumintervalodereferência(modulus),quecomandaráodimensionamentodaspartes(quantitas);odesenhoprojetivo(dispositio),oqualcorrespondeaoatovisíveldeprojetarqueserealizaatravésdeplantas, elevações e perspectivas; e um grupo de outros procedimentos os quais podem seragrupados pela noçãode ajustes, e quepropõem, por exemplo, a subtração (detractio) ou adição(adiectio)departes,acurvaturadabase(scamilliimpares)ouaêntasedacoluna(entasis),auxiliandono controle da percepção de integridade dos elementos, naturalmente distorcidos pelascaracterísticasóticasdavisãohumana.

Figura1–Exemplosdeesquemasgeométricosdeordenamentoparatemposeteatros

Fonte:MANENTI,2014,p.164,196.

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2.1 Oselementosdateoriavitruviana

Ao abordar o primeiro dos seis conceitos fundamentais da arquitetura, ordinatio2, Vitrúvio deixaclara a noção de que a arquitetura para ele é algo realizado a partir de partes, ou elementos(membrus).Esteselementos,conformedescritonadefinição,sãoadaptadosacadaprojeto,sendoaoperaçãodequantitasaresponsávelporisto.Quantitasaparecedefinidacomoaadoçãodemóduloscom o objetivo de dimensionar os elementos, módulos esses extraídos a partir dos própriosmembros da obra. Segundo a definição, se um projeto é composto a partir de elementos que,isolados,possuemumaconfiguraçãopré-estabelecida,oprocedimentodaquantitas seria,então,aadaptação desta configuração inicial dos elementos quantificando-os, ou dimensionando-os,tomandocomoreferênciaumaunidademodularcomum,queéestabelecidaapartirdadimensãodeumdesseselementosquecompõemoprojeto.

Anoçãodeelementos,por suavez, apareceatravésdo termomembrus,oqualestápresentenasdefiniçõesdeordinatio,eurythmia3,symmetria4,eemoutraspartesdotexto,semquehaja,porém,umadefiniçãoprecisa,emboranoLivroIIIpode-seentenderqueosmembrusdocorpohumanosão,por exemplo, o palmo, a cabeça, o pé, o antebraço e o peito, assim como os elementos daarquiteturaconstituem-sedaspartesestruturaisedecorativasempedraquecompõemoprojetodeumtemplocomocapitéis,colunas,arquitraves,frisos,tímpanos,frontõeseacrotérios.Alémdesteselementos, agrupados em gêneros de colunas, que posteriormente serão chamados também deordens,Vitrúviotratadeformaanálogaosnúcleosfuncionais.Advindosdenecessidadesdeusoemedifícios como termasou residências,esteselementos sãodimensionadoseassociados talqualoselementos tradicionalmente entendidos, constituindo esta postura em uma antecipação àquelachamadademodernafuncionalista.

Outro conceito importante vinculado aos elementos, e que aparece também nas definições dosconceitos fundamentais, é o conceito de proportio. Seguidamente apresentado ao lado do termosymmetria no tratado,elenãocompõeo roldos seis conceitos fundamentaisparaVitrúvio,masaanálise do texto confirma seu papel crucial na teoria. Retomando a definição deordinatio, o qualseria a adaptação dimensional dos elementos tomados separadamente e o estabelecimento derelações dimensionais gerais (universeque proportionis) com o objetivo de alcançar a symmetria,temosavinculaçãodeproportiocomumdimensionamentorelacionaldaspartes(figura2).Aolongodo Livro III,proportio aparece comocondição inicial paraaobtençãoda symmetria5, umavezque 2Orderingistheproportiontoscaleofthework’sindividualcomponentstakenseparately,aswellastheircorrespondencetoanoverallproportionalschemeofsymmetry.Itisachievedthroughquantity,whichinGreekiscalledposotês.Quantity,inturn,istheestablishmentofmodulestakenfromtheelementsoftheworkitselfandtheagreeableexecutionoftheworkasawholeonthebasisoftheelements’individualparts(VITRUVIUS,p.24.TraduzidoporIngridRowland).3Shapeliness(eurythmia)isanattractiveappearanceandcoherentaspectinthecompositionoftheelements.Itisachievedwhentheelementsoftheprojectareproportionateinheighttowidth,lengthtobreadth,andeveryelementcorrespondsinitsdimensionstothetotalmeasureofthewhole(VITRUVIUS,p.25.TraduzidoporIngridRowland).4 Symmetry is the proportioned correspondence of the elements of thework itself, a response, in any given part, of theseparatepartstotheappearanceoftheentirefigureasawhole.Justasinthehumanbodythereisaharmoniousqualityofshapeliness expressed in terms of the cubit, foot, palm, digit, and other small units, so it is in completing works ofarchitecture.Forinstance,intemples,thissymmetryderivesfromthediameterofthecolumns,orfromthetriglyph,orfromthe lower radius of the column; in a ballista, it derives from the hole that the Greeks call peritrêton, in boats from the(spacing of the) oarlock, which the Greeks call the diapegna; likewise for all the other types of work, the reckoning ofsymmetriesistobefoundamongtheircomponentparts(VITRUVIUS,p.25.TraduzidoporIngridRowland).5Thecompositionofatemple isbasedonsymmetry,whoseprinciplesarchitectsshouldtakethegreatestcaretomaster.Symmetryderivesformproportion,whichiscalledanalogiainGreek.Proportionisthemutualcalibrationofeachelementoftheworkandofthewhole,fromwhichtheproportionalsystemisachieved.Notemplecanhaveanycompositionalsystemwithout symmetryandproportion, unless, as itwere, it hasas exact systemof correspondence to the likenessof awell-formedhumanbeing.(…)Andso,ifNaturehascomposedthehumanbodysothatinitsproportionstheseparateindividualelements answer to the total form, then ancients seem to have reason to decide that bringing their creations to fullcompletionlikewiserequiredacorrespondencebetweenthemeasureofindividualelementsandtheappearanceoftheworkasawhole(VITRUVIUS,p.47.TraduzidoporIngridRowland).

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tratariadoestabelecimentodeumarelaçãodeco-modulaçãoentreoselementos,apartirdaqualsealcançaasymmetria.Comoexemplo,Vitrúvioapresentaafamosadescriçãorelacionaldaspartesdohomem,econcluiafirmandoquedamesmamaneiraqueanaturezafezocorpohumanodeformaque aproportio de seusmembros corresponda a do todo, os antigos estabeleceram que devessehavercomensurabilidadeentreasparteseotododeumaobradearquitetura.

Figura2–Exemplosdeproportiodoselementos

Fonte:HoweIn:VITRUVIUS,1999,p.147.

Assim, a partir destas passagem, pode-se entender que proportio está vinculado à criação derelações,equeessasrelaçõesenvolvemcálculos,e,portanto,sãorelaçõesmatemáticas;queessasrelaçõesmatemáticasseconstituememrazõesquerelacionamasdimensõesdosdiversoselementosde umprojeto; que, embora a descriçãodas relações dimensionais no corpohumano induzamaoestabelecimentodeummódulo,comoopalmo,opé,eocúbito,Vitrúvionãoutilizaestetermonadescrição,poisparece-nosinduzirapensarque,quandoestasrelaçõesentreoselementosvãoalémderelaçõespontuaisentreduaspartes,umsistemamodularderegramentoécriado,atingindo-se,assim,oestágiodasymmetria.

Istoposto,pode-severificarqueháumadistinçãoentreproportioesymmetriatambémemtermosdo objeto ao qual se aplicam, uma vez queproportio estaria ligado aos elementos isoladamente,como uma razão entre suas dimensões, e symmetria estaria ligada ao todo, ou seja, quando asrazões dimensionais de cada elemento se articulam e formam um sistema geral (figura 3). Porexemplo, a proportio de uma coluna dórica é de 1/6, porém ela terá symmetria com os demaiselementosaoseigualaro1desuabasecomo1deumamétopa,queporsuaveztemaproportiode1/1.Destamaneira,adimensãodoselementospensadosemtermosdeproportionãoficalimitadaavaloresabsolutos,e simavalores relacionais, tornandoaproposiçãodeprojetovitruvianade fatoviável, já que, se entendermos que um projeto é uma composição de elementos, que devem serajustados(quantitas),nãoseriaviávelseterelementoscomdimensõesabsolutas.

Esteselementos,noentanto,possuemumaidentidadeprópriaque,mesmosendoestesadaptadospara compor o todo, deve ser mantida. Esta integridade de conteúdo corresponde à noção deeurythmia, um critério estético associado ao reconhecimento de formas, que para ser garantidopodepromoverajustesópticosemsituaçõesespecíficas,conformedescreveotratado.

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Figura3–Exemploderelaçõesdesymmetrianogênerojônico

Fonte:HoweIn:VITRUVIUS,1999,p.205.

2.2 Asrelaçõesentreoselementos

Se,porumlado,umaobradearquiteturaécompostaporelementos,quevêmdatradição,paraquese obtenhaum todo coeso é preciso o estabelecimentode critérios que regremas relações entreestes.Nestesentido,Vitrúvioconstróiasjustificativasparaassuasdecisõesdeprojeto,assimcomopara a adoção dos princípios por ele desenvolvidos, baseado na analogia com a natureza, queforneceregrasalegadamenteimutáveis,quesãodemonstradasnaanálisequeoautorpromovedocorpohumano.Apartirdestaanalogia,Vitrúviofundamentaoscritériosaseremadotados,comoanecessáriapresençaderelaçõesmatemáticasentreaspartes,remetendoàbuscapelasymmetria,oumesmoapresençadeesquemasgeométricossubjacentes,comoainserçãodafigurahumanaemumquadradoeemumcírculo,oqueremeteaoconceitodeordinatio.

Retomandoaanálisedotextoarespeitodotermosymmetriaespecificamente,temosqueoaspectodabeleza (venustas) serágarantidoquandoparacada tipodeobrahajaumaagradáveleelegantecomensurabilidade (commensus) dos elementos (membrus) fundamentada em um sistema derelações justificadamente calculado (symmetriarum ratiocinationes). A partir do texto podemosverificarqueumadasmaneirasdeserealizarasymmetriaestánoestabelecimentoderelaçõesdecomensurabilidade entre os elementos, noção esta que está presente na própria etimologia dapalavra(mesmamedida).Poroutrolado,otextomencionapordiversasvezesacriaçãoderelaçõesmodulares, empregando, embora apenas uma vez, o termo commodulatio se constitui em outraformade se realizar a symmetria, diversa da comensurabilidade. A primeira delas se estabelece apartirdarelaçãodecompartilhamentodemedidasdeumelementocomoseuadjacente,enquanto

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asegunda,apartirdarelaçãodecompartilhamentodemódulos,quevinculatodososelementosapartirdeumintervalocomum,auxiliandonaprópriacomensurabilidadeentreelementosadjacentestantoquantonocontrolegeraldotodo(pode-severificarestesdoistiposderelaçõesnoquadro1,quequantificaasrelaçõesentreaspartesdogêneroJônicodeacordocomasindicaçõesdotratado).

Quadro1–ProportioeSymmetrianogênerojônico

ELEMENTOS PROPORTIO(LxPxH) SYMMETRIA

BASEÁTICA 3x3x1 Lbase=Pbase=1½MHbase=½M

JÔNICA 2¾x2¾x1 Lbase=Pbase=1⅜MHbase=½M

FUSTE 1x1x9-½ 1 !

!" M

D=M

Hfuste=Hc-Hbase-Hcapitel

CAPITEL 1x1x½L=Pábaco=1 !

!"M

Hcapitel=½ 1 !!"

M

ARQUITRAVE

variável

TETRÁSTILO→Larquitrave=11½M

HEXÁSTILO→Larquitrave=18M

OCTÁSTILO→Larquitrave=24½M

Parquitrave=d

FRISO

Lfriso=Larquitrave

Hfriso=¾Harquitrave(semimagens)

Hfriso=1¼Harquitrave(comimagens)

DENTÍCULOSLdentículos=Larquitrave+Hdentículos

Hdentículos=! !

Harquitrave

CORNIJAINFERIOR

Lcornijainf=Ldentículos+Hfasciacornija

Hfasciacornijainf=! !

Harquitrave

Hcimacornijainf=1! !

Hfasciacornijainf

TÍMPANOLtímpano=Lcornijainf

Htímpano=! !

Lcornijainf

CORNIJASUPERIORHfasciacornijasup=Hfasciacornijainf

Hcimacornijasup=1! !

Hfasciacornijasup

ACROTÉRIOSHacrotérioslaterais=Htímpano

Hacrotériocentral=1! ! Htímpano

Fonte:MANENTI,2014,p.171-172.

ParaVitrúvioaaçãodeprojetarpassatantopeladeterminaçãodaescaladoselementosquantopelacriaçãoderelaçõesentreeles,estabelecendoassimumsistemadesymmetria.Entretanto,estaaçãotornar-se-iabastantecomplexanãofosseaadoçãodeumpadrãoregulador,que,extraídodeumdoselementos, se torna uma espécie de mínimo múltiplo comum de todas as razões dimensionaisenvolvidas,eaessepadrão,Vitrúviochamademodulus.

Assim,seaolidarcomoselementos,Vitrúvioabordaanoçãodeintegridade,aotratardasrelaçõesentreestes,oautorpropõeanoçãodeharmonia.Estaharmoniadebase relacional, representadapeloconceitodesymmetria,temporobjetivoproporcionaraoobservadorumapercepçãodeordem,

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queserealizadeduasmaneiras:aprimeira,atravésdaapreensãodeumabelezadeconjuntoqueemanadaobraporcontadasrelaçõesmatemáticasquevinculamoselementos;easegunda,apartirdoreconhecimentodaautoria,istoé,napercepçãodequehouveumaintençãoordenadoradeumautor,que,aodisporoselementos,ofezsegundocritériosreconhecíveis.

3 ATEORIACORBUSIANA

Aproximadamente dois milênios após o arquiteto romano, outra figura chave da teoria daarquitetura, Le Corbusier, lida com conceitos semelhantes, e neste sentido a pesquisa procuraanalisaraobrateóricadomestremodernoprocurandoidentificarcomoosconceitosfundamentaisvitruvianossãotratados.Caberessaltaraindaque,dadaàmaiorproximidadeteóricaentreambosseconcentrar no período inicial da carreira de Le Corbusier, e o estágio em desenvolvimento que apesquisaseencontra,ostextosanalisadosparaestapesquisaserestringemaointervalode1910e1930porora.

Emumaabordageminicial,pode-severificarqueoprocessodedesenvolvimentodeprojetoparaLeCorbusier segue a noção de composição realizada a partir de elementos, conforme amplamentedifundidoemseudiagramadasquatrocomposições(figura4).Naprimeira,“fácilepitoresca”cadafunçãoédispostaaoladodeoutraconformeumcritérioorganizacional,exemplificadapelaMaisonLa Roche – Jeanneret. A segunda, “muito difícil”, prevê a compressão das partes funcionais nointeriordeumenvoltóriopuroerígido,exemplificadopelaVillaStein.Aterceiracomposição,“fácileengenhosa”,usaumesqueletoestruturalaparentedentrodoqualaspartesfuncionaissearranjamcom maior flexibilidade, sendo exemplificada pela Villa Baizeau. Por fim, a quarta e últimapossibilidadedearranjo, “puraegenerosa”,éobtidapelaassociaçãodoexteriorpuroda segundacomointeriorlivredaprimeiraeterceiracomposições,sendoexemplodestaaVillaSavoye.

Figura4–Diagramadasquatrocomposições.

Fonte:LeCorbusierIn:BOESIGER;STONOROV,1964,p.189.

Apartirdestaanálisepropostapelopróprioautor,pode-seentenderqueestascomposiçõesparaLeCorbusier significam a associação de um determinado e finito repertório de elementos, quecompreendemtantopeçasestruturaiseaberturasquantoelementosfuncionais,quesãoassociadosconformedeterminadasregras.Assimcomonapropostavitruviana,ageometrizaçãoagecomoum

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plano inicial, a partir doqual o projeto se desenvolve. Le Corbusier chamaesta geometrizaçãodeordonnance(2002,p.27),econsistiránabaseprimáriadosritmosqueorganizaçãoaplanta.Segundoele, na história, “para construir bem e para repartir seus esforços, para a solidez e a utilidade daobra, ele (o construtor) tomou medidas, admitiu um módulo, regulou seu trabalho, introduziu aordem”(2002,p.42),eacrescentaque“ummódulomedeeunifica;umtraçadoreguladorconstróiesatisfaz”(2002, p. 44). Nesta primeira etapa de projeto, então, um esquema geométrico seestabelece,semelhanteaoordinationosentidoreguladordaarbitrariedade,masdiferindodestenabusca da recorrência, uma vez que a proposta corbusiana não prevê a repetição de esquemasgeométricosespecíficosparadeterminados tipos, osquais são, poroutro lado, construídos a cadanovoprojeto,seméclarodesconsideraratradição,comojádemonstrouColinRowe(1999)emsuaanálisecomparativadasvillascorbusianasepalladianas(figura5).

Figura5–PlantaediagramaanalíticodaVillaStein,salientandoseuesquemageométrico.

Fonte:ROWE,1999,p.11,27.

Apartirdoestabelecimentodesteesquemageométricoinicial,assimcomonateoriaclássica,oatodecomporsedápeladisposiçãodoselementosdemaneiracriteriosaafimdeestabelecerrelaçõesentreestes,beneficiando-sedabasegeométricaparaisto.

3.1 Oselementosdateoriacorbusiana

No que diz respeito aos elementos da arquitetura, Le Corbusier constrói sua teoria a partir daobservaçãodohomem,comoVitrúvio,edesuasmáquinas.Separaoarquitetoromanooestudodohomemera fontedegeometriase relaçõesproporcionais,parao suíçoaanálise sedáem termosfuncionais. Segundo ele, ambos, homem e automóvel, compõem-se de um esqueleto ou chassis,“para sustentar”, de enchimentos musculares ou carroceria, “para agir”, e de vísceras ou motor,“parafuncionar”(LECORBUSIER,2004,p.127)(figura6).

Figura6–Diagramasdasfunçõesbiológicasdocorpohumano.

Fonte:LECORBUSIER,2004,p.128.

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Estas analogias servem de origem e justificativa para a construção do repertório de elementosarquitetônicos.Parasustentar,Corbusierpropõeaadoçãodoesqueletoindependente,fundamentalparaodesenvolvimentodaplantaedafachadalivre,assimcomodeseusreflexosformais,comoospilotiseas janelas corridas. Esteesqueletopossibilitaadisposiçãodos “órgãos”da casa conformeuma lógica funcional, desobrigando-os da função estruturante, como no corpo humano. Esteesquemaéilustradopelaalusãoreiteradaaosdoistiposdearquitetura,oantigoesquemaparalisadoda“casadepedra”eonovoesquemadacasa“deferrooudeconcretoarmado”(figura7).

Figura7–Diagramacomparativoentrea“casadepedra”ea“casadeferrooudeconcretoarmado”.

Fonte:LECORBUSIER,2004,p.51,55.

EmboraLeCorbusiernãoutilizeapalavraórgãonestetexto,preferindoareferenciaàmusculatura,asegunda categoria de elementos é compostapelas partes queexecutam funções, que são alvodepreciso dimensionamento pelo autor, constituindo-se, no caso de uma residência, de vestíbulo,toalete, sala de almoço, etc.. (LE CORBUSIER, 2004, p. 131) (figura 8). A alusão às funções comoórgãosindependentesapareceemprojetoscomooPaláciodosSovietes,emMoscou.Nosdiagramasiniciaisdesteprojeto,LeCorbusierapresentadiferentespossibilidadesdeassociaçãoentreaspartes,afirmando que neles vemos “os órgãos, já fixados independentemente uns dos outros” (LECORBUSIER.In:BOESIGER,1967,p.127).

Figura8–DiversasetapasdoprojetoparaoPaláciodosSovietes.

Fonte:LeCorbusierIn:BOESIGER,1967,p.127).

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A terceira, e última, categoria de elementos arquitetônicos fazem alusão ao fazer funcionar daspartes, constituindo-se na circulação. Para Corbusier, este é o grande “termomoderno”, e recebeespecialatençãonasuadescriçãoeanálise(LECORBUSIER,2004,p.134)(figura9).

Figura9–Diagramadecirculaçõesemumaresidência.

Fonte:LECORBUSIER,2004,p.152.

3.2 Asrelaçõesentreoselementos

Para além dos esquemas compositivos ilustrados pelo diagrama das quatro composições, referidoacimaejáamplamentediscutidonaliteraturasobreCorbusier,paraestapesquisainteressadiscutirdoisaspectosquevinculamambososautoresestudados:oscritériosparaaconstruçãodasrelaçõesentre as partes e a preocupação mútua a respeito da correta visualização destas relações e doselementosdacomposição.EstaspreocupaçõesemLeCorbusierpodemserexemplificadasatravésdaseguintepassagem:

A composição arquitetônica é geométrica. É, antes de mais nada, umacontecimentodeordemvisual;éumacontecimentoque implica julgamentosdequantidades, relações, apreciação de proporções. Estas provocam sensações. (LECORBUSIER,2004,p.136).

Emboraapresentetrêslembretesaosarquitetos,doisdelesligadosàpercepçãovisualdaarquitetura(o volume,maneira pela qual o homem percebe a arquitetura, e a superfície, que envelopa estevolumeepodepotencializar,ouatémesmofragilizarsuapercepção),éoterceiro lembretequeseconstitui determinante para a qualidade da composição: a planta. Ela é a “geradora” doordenamento,quesegundoCorbusierconsisteemumritmoapreensível,inicial,simplesemodulado,apartirdoqualorestantedoprojetosedesenvolve.Paraeleoritmoadvémdesimetriassimples,complexasoudesábiascompensações,sendoassociadoporeleàumaequação(2002,p.27,32).Apartir disto, embora Corbusier não desenvolva de maneira mais aprofundada o seu conceito desimetria, fica evidente sua associação com regramentomatemático através do conceito de ritmo.Ritmoestequecolocaemrelaçãoasdiferentespartesouelementosdeumprojeto,assemelhando-se,então,ànoçãodesimetriavitruviana,aqualpodeserentendida,também,comoatributopositivoalcançado através do estabelecimento de relações entre as partes. Cabe ressaltar que os tipos derelações buscadas são diversos, assim como o objetivo final, uma vez que a proposta do autorromano visa à obtençãodeharmonia, enquanto a propostamoderna tempor objetivo alcançar oequilíbrio.

Apartirdestasrelaçõesincialmentesimples,estabelecidasporritmos,LeCorbusierpropõeaadoçãode regras geométricas mais fortes, retomando o tema dos traçados reguladores. Esta geometriasubjacente é a responsável por conferir uma percepção de ordem e permitir ao observadorreconstituir mentalmente relações “engenhosas e harmoniosas” propostas pelo arquiteto. À estapercepção de ordem proporcionada pela geometria, Le Corbusier chama de “euritmia" (LECORBUSIER, 2002, p. 47) (figura 11), e neste sentido propõe um entendimento semelhante ao

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conceitovitruviano,umavezqueaEutythmiaparaoautorromanorepresentaapreocupaçãocomapercepção das partes, que devem ser íntegras. Cabe ressaltar também as diferenças deentendimento,umavezqueapropostadeCorbusierseconcentranapercepçãodotodo,enquantoVitrúvio concentra sua preocupação nas partes, e o foco desta percepção, o qual para o autormodernoestánaapreensãodageometriasubjacenteconstruídaespecificamenteparacadaprojeto,enquantoparaoautorromanopropõeasatisfaçãopeloreconhecimentodeformasrecorrentes.

Figura11–DiagramaexplicativodotraçadoreguladorparaaMaisonLaRoche–Jeanneret.

Fonte:LECORBUSIER,2004,p.47.

4 CONVERGÊNCIAS

Os estudos desenvolvidos até omomento pelo projeto de pesquisa demonstram que há diversosparalelos em termos teóricos entre os dois autores. Estes paralelos podem ser observados emtermosdeprocedimentosdeprojetoassimcomoemtermosdeprincípiosdeexcelência,tendosidoanalisadosatéomomentoosconceitosdeeuritmiaesimetria,ambososquaisfazempartedosseisconceitos fundamentais da arquitetura segundo Vitrúvio, e cuja análise dos desdobramentoshistóricoséoobjetivodesteprojeto.

Noquedizrespeitoaosprocedimentosdeprojeto,queauxiliamoarquitetonocontrole,lançamentoe desenvolvimento de uma obra, com o objetivo de dotá-la de atributos positivos, a maiorconvergênciaidentificadaestánoprocedimentodegeometrizaçãoinicialdaspropostas,oordinatiovitruviuano, sobre o qual os elementos oriundos de um repertório finito são dispostos edimensionados, procurando-se criar relações entre eles. Ambos autores convergem ainda emapontaropapeldodesenhoprojetivocomoinstrumentoparatal,comênfasenodesenvolvimentodeplantasbaixas,apartirdasquaisoesquemageométricoevoluiparasetornarumtodo.

Outro ponto de comparação está no repertório de elementos. Para Vitrúvio os membrus seconstituemdeelementos líticos/estruturais,quesãoagrupadosemfamíliasdegêneros,eaindadenúcleosfuncionais,ambosadvindosdaobservaçãodatradiçãoconstrutivaedoscostumes,tendoafigura humana como paradigma da constituição de um corpo a partir de partes distintas que serelacionam. Para Corbusier, a observação do corpo humano também fornece a referência para oselementos, porém tomando suas funções como critério organizador dos grupos, ou gêneros deelementos, sendo estes agrupados em elementos vinculados à estrutura portante, aos usos e àcirculação.

Por fim, dois dos princípios de excelência propostos pelos autores convergem, inclusive nanomenclatura: a euritmia e a simetria. O primeiro, vinculado à percepção visual das obras, para

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Vitrúvioconsistenabelezaalcançadapeloreconhecimentodequeoselementosdeumaobraestãoíntegros e de acordo com a expectativa da tradição arquitetônica, enquanto para Le Corbusier serealizanapercepçãodeordemgeraldaproposta,alcançadapelostraçadosreguladores.Emambasassituações,éousodeproporçõesquegaranteoatributopositivodapercepção,tantonosentidovitruvianodemanutençãodeelementosrecorrenteshistoricamente,comonosentidocorbusianodegarantiadebelezapelousodedeterminadasrelaçõesnuméricas.

O segundo conceito, a simetria, por sua vez, caracteriza-seemambosos autores comoo atributopositivo alcançadopela criação de relações entre as partes compositivas do projeto. ParaVitrúvioestasrelaçõeseramconstruídaspormeiodecomensurabilidadeseco-modulações,querelacionamos elementos adjacentes ou destes com um módulo geral com vistas a alcançar um estado deharmonia relacional, tal qual o autor romano observa na figura humana. Já para Le Corbusier oobjetivodasimetriaseriaalcançarumestadodeequilíbrionacomposição,obtidoatravésdanoçãode ritmo, simples ou complexo, que coloca que relação os diferentes elementos, buscando criarequilíbrioentreeles.

A partir das análises comparativas desenvolvidas até o momento, já se verifica, conforme acimademonstrado,queháumasériedepontosdeconvergênciaentreosdoisautores,muitoemboraagrande distância temporal entre eles. Desta forma, reafirma-se a relevância do levantamento daevoluçãohistóricadestesconceitosfundamentais,hajavistasuapresençarecorrenteemdiferentesmomentos da teoria da arquitetura, procurando-se, assim, contribuir para a resolução de umquestionamentomaiorarespeitodotema:haveriacritériosatemporaisdequalidadearquitetônica?

REFERÊNCIAS

BOESIGER,Willy; STONOROV, Oscar (Ed.). LeCorbusier et pierre jeanneret: oeuvre complete 1910 – 1929.Zurich:LesEditionsD'Architecture,1964.BOESIGER,Willy (Ed.). LeCorbusier et pierre jeanneret: oeuvre complete 1929 – 1934. Zurich: Les EditionsD'Architecture,1967.LECORBUSIER.Porumaarquitetura.SãoPaulo:EditoraPerspectiva,2002.______.Precisões.SãoPaulo:Cosac&Naif,2004.MANENTI, Leandro. Repensando Vitrúvio: reflexão acerca de princípios e procedimentos de projeto. 2014.Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura. Programa dePesquisaePós-GraduaçãoemArquitetura,PortoAlegre,2014.ROWE,Colin.Maneirismoyarquitecturamodernayotrosensayos.Barcelona:G.Gili,1999.VITRUVIUS.TenBooksonArchitecture(TraduzidoporIngridD.RowlandeIlustradoporThomasNobleHowe).Cambridge:CambridgeUniversityPress,1999.

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