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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA

    O MUNDO BBLICO VISTO DE HOJE

    Hans Vogel

    Trabalho de Projeto

    Mestrado no ramo de Histria,

    na especialidade em Histria Antiga,

    2013

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE HISTRIA

    O MUNDO BBLICO VISTO DE HOJE

    Hans Vogel

    Trabalho de Projeto orientado

    pelo Prof. Doutor Jos Augusto Martins Ramos

    Mestrado no ramo de Histria,

    na especialidade em Histria Antiga

    2013

  • I

    Resumo

    No mbito da especialidade de Histria Antiga do mestrado em Histria realizei o pre-

    sente trabalho de projeto, intitulado o Mundo Bblico visto de hoje. O problema investigado

    lida com o facto de os textos da Bblia se articularem com os seus contextos histricos, cultu-

    rais, civilizacionais e ambientais. Os objetivos do estudo foram primeiro analisar temas da

    geografia, histria e cultura bblica; seguidamente, pesquisar representaes do mundo da

    Bblia na atualidade - averiguando necessidades -, e por fim, apresentar intervenes, respon-

    dendo pergunta mundo bblico, que fazer com esta memria?

    A metodologia tem sido interdisciplinar pois a histria articula-se com a geografia, ar-

    queologia, lnguas, estudos culturais, cincias sociais e com o ensino. Foram igualmente obti-

    dos esclarecimentos em vrias reas, tanto em filologia, estudos bblicos, bem como represen-

    taes atuais - tanto em Portugal, como em Israel -. Ao longo da abordagem sobre o contexto

    bblico, a perspetiva histrica tem sido consistente, tanto na articulao com o passado, como

    com o presente e o futuro. Posso afirmar que o mundo da Bblia se tem revelado multidisci-

    plinar. de lembrar que a cultura bblica surgiu num pequeno espao geogrfico, no entanto

    assumiu um papel crucial devido sua posio entre diferentes povos. Com efeito, o mundo

    da Bblia uma ponte entre culturas. Dessa maneira, pode servir quer como uma entrada para

    a compreenso do mundo antigo, quer para o entendimento da atualidade. Assim sendo, a

    histria e cultura bblica pode e deve dar o seu contributo civilizacional. substancial recor-

    dar que a memria do mundo bblico faz parte da nossa tradio e pertence tambm ao dom-

    nio das cincias humanas. Evidentemente, as sociedades ocidentais tm duas razes: a clssica

    e a bblica. A atualidade precisa integrar a memria bblica no mundo globalizado e promover

    o ensino e a investigao nesta rea.

    Com esta pesquisa, foi realizado o propsito de articular o mundo bblico do passado

    com o presente e o futuro. Os objetivos propostos foram atingidos e as interrogaes iniciais

    foram respondidas. O projeto mundo bblico visto de hoje tem pertinncia educacional para

    o ensino bsico, para a formao de multiplicadores e para a sociedade em geral. Pretende-se

    assim, promover o dilogo e a partilha de conhecimentos entre os vrios intervenientes.

    Palavras-chave: Texto bblico, contexto, memria, representaes e ensino.

  • II

    Abstract

    'The Biblical World seen from today ' is the final project of the masters program in

    History, with specialization in Ancient History. The research topic deals with the fact that the

    biblical texts articulate with their historical, cultural, civilizational and environmental context.

    The objectives of the study were: Firstly to analyze the themes of geography, history and cul-

    ture from the Bible. Secondly, to study modern representations of the biblical world. Thirdly,

    to plan interventions addressing the question, 'the biblical world, what to do with this

    memory?.

    The methodology has been interdisciplinary. History has been linked to geography, ar-

    cheology, languages, cultural studies, social sciences and teaching. Clarifications were also

    obtained from several areas: philology, biblical studies and current representations, both in

    Portugal and in Israel. Together with the approach to the biblical context, the historical per-

    spective has been consistent, both in conjunction with past, present and future. The world of

    the Bible has proved to be multidisciplinary.

    The biblical culture comes from a small geographic area. However, it assumed a crucial role

    due to its position in relation to different people and cultures. The world of the Bible is a

    bridge between cultures, as it helps to understand the ancient and the present world. There-

    fore, the biblical history and culture can and should give a contribution to our society. It is

    significant to remember that the memory of the biblical world is part of our tradition and also

    belongs to the field of science and culture. In reality western societies have two roots: the

    classical and the biblical. Presently we need to integrate the biblical memory in a globalized

    world and to promote its teaching and research.

    My aim with this investigation is to articulate the biblical world of the past with the

    present and the future. My initial questions were answered and my objectives were met. The

    project 'The Biblical World seen from today ' has relevance for school education, for the for-

    mation of educators and for society in general. The aim is to promote dialogue and

    knowledge.

    Keywords: Biblical text, context, memory, representation and teaching

  • III

    ndice

    Resumo e Palavras-chave... I

    Abstract and Key words. II

    ndice.. III

    Agradecimentos. VI

    Introduo.. 1

    I Uma aproximao ao Mundo da Bblia ... 5

    1. O texto do contexto.. 6

    2. O que entendemos quando falamos de Mundo Bblico?..... 6

    3. A importncia do contexto para a compreenso do texto.... 9

    4 O contributo da Arqueologia na compreenso do Mundo Bblico...... 10

    5. Como o Mundo Bblico se articula com a Geografia? .... .. 14

    6. Como o ambiente natural na Palestina?................................................... 19

    6. 1 Plantas no contexto bblico ....... 20

    6. 2 Animais no contexto bblico.. 21

    7. O papel das estradas que atravessaram a Palestina ..... 23

    8. Excurso: Ser o Mundo Bblico uma Memria a ser lembrada?....................... 26

    9. Excurso: Peregrinos, estrangeiros e outros povos. 35

    Concluses parciais........... 37

    II Representaes atuais do Mundo Bblico.... 38

    1. Representaes do Mundo Bblico e sua receo em comunidades

    educativas atuais....

    39

    1.1 Os critrios dos questionrios ... 41

    1.2 O que que alunos da Catequese de uma Igreja Catlica Romana sabem

    sobre o Mundo Bblico?.....

    42

    1.3 O que alunos da Escola Dominical de uma Igreja Evanglica sabem do

    Mundo Bblico?..........................................................................................

    1.4 Representaes do Mundo Bblico no meio de alunos da Educao Mo-

    ral e Religiosa numa Escola Pblica ......

    43

    44

    1.4.1 O que alunos da disciplina de Educao Moral e Religiosa Cat-

    lica sabem do Mundo Bblico.....

    46

    1.4.2 O que alunos da disciplina de Educao Moral e Religiosa Evan-

    glica sabem do Mundo Bblico?.......

    47

  • IV

    1.4.3 Experincias pessoais como docente de Educao Moral e Reli-

    giosa Evanglica ....

    48

    2. Entrevistas com entidades ligadas ao ensino..... 50

    2.1 Comisso para a Ao Educativa Evanglica nas Escolas Pblicas.. 50

    2.2 Faculdade de Teologia da Universidade Catlica ..... 51

    2.3 Formao de docentes de Educao Moral e Religiosa Catlica... 53

    2.4 Instituto Bblico Portugus..... 53

    3. Representaes do Mundo Bblico em editores e movimentos.... 55

    3.1 A Difusora Bblica e o Movimento de Dinamizao Bblica ... 55

    3.2 Uma Livraria Evanglica ...... 57

    3.3 A Sociedade Bblica de Portugal... 57

    3.4 Sondagens na 83 Feira do Livro em Lisboa..... 59

    3.5 Representaes do Mundo Bblico em publicaes do passado... 60

    4. Entrevistas sobre o Mundo Bblico em Israel .. 63

    4.1 German Protestant Institute of Archaeology in the Holy Land...... 63

    4.2 cole Biblique & Archologique Franaise de Jrusalem ....... 65

    4.3 Israel College of the Bible...... 67

    4.4 Nazareth Village.......... 69

    4.5 Israel Bible Society.... 70

    4.6 Jerusalem University College ............... 72

    4.7 Museu arqueolgico do Studium Biblicum Franciscanum......... 73

    4.8 Outras representaes do Mundo Bblico... 74

    Concluses parciais............. 75

    III Mundo Bblico, o que fazer com esta memria? 77

    1. Formao contnua de docentes com exposio e aulas.... 79

    1.1 Ao de formao para professores........................................... 80

    1.2 Exposio mvel Uma expedio pelo Mundo Bblico.. 84

    1.3 Aulas sobre o Mundo Bblico para a Educao Moral e Religiosa .. 88

    2. Formao com viagens de estudo para multiplicadores.................. 91

    2.1 Parte 1 - Comparao entre Portugal Romano e o Mundo do Novo

    Testamento....

    93

    2.2 Parte 2 - O Mdio Oriente Antigo e o Mundo Bblico..... 94

    2.3 Parte 3 - Viagem de estudo a Israel.. 96

    2.3.1 Stios arqueolgicos da poca do Antigo Testamento.... 97

  • V

    2.3.2 Excurso: Introduo ao contexto da poca do Novo

    Testamento..

    102

    2.3.3 Visitas relacionados com a poca do Novo Testamento..... 105

    3. Curso livre - A Bblia e o seu contexto ........ 109

    Concluses parciais.....................................

    Concluso..

    111

    113

    Fontes e Referncias Bibliogrficas....... 117

    I Fontes. 117

    1. Bblias, edies crticas.. 117

    2. Bblias, tradues em portugus.. 117

    3. Literatura clssica.. 117

    II Bibliografia geral... 118

    1. Obras de Referncia..... 118

    2. Obras gerais.. 120

    3. Publicaes eletrnicas... 125

    Apndices..... 127

    I Resultados dos questionrios sobre o Mundo Bblico.. 127

    1. Alunos do 2 ciclo da Parquia de Sintra..... 127

    2. Alunos do 2 ciclo da Igreja Evanglica de Sintra-Mem Martins....... 128

    3. Alunos do 3 Ciclo e Secundrio da Igreja Evanglica de Sintra-M M... 129

    4. Alunos do 2 Ciclo da Educao Moral e Religiosa Catlica.. 131

    5. Alunos do 3 Ciclo da Educao Moral e Religiosa Catlica.. 133

    6. Alunos do 2 Ciclo da Educao Moral e Religiosa Evanglica...... 134

    7. Alunos do 3 Ciclo da Educao Moral e Religiosa Evanglica.. 136

    II Bibliografia para aulas e atividades sobre o Mundo Bblico..... 137

    1. Livros. 137

    2. Filmes em formato DVD... 138

    3. Mapas didticos. 139

    Anexo...... 140

    Mapas do Mundo Bblico.. 140

  • VI

    Agradecimentos

    Agradeo Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e ao Departamento de His-

    tria pela possibilidade de ter participado neste ciclo de estudo e de ter realizado o meu traba-

    lho de projeto nesta rea.

    O presente trabalho final de mestrado s se tornou possvel graas ao apoio e colabo-

    rao de muitas pessoas, pelo que neste espao quero exprimir a minha gratido sincera a to-

    dos aqueles que contriburam para a realizao deste estudo.

    Estou especialmente grato ao meu Orientador, Professor Jos Augusto Ramos, pelas

    suas preciosas instrues e diretrizes ao longo da elaborao deste trabalho.

    Agradeo aos Professores do mestrado em Histria com os quais estudei, em especial

    ao diretor do mestrado em Histria, especialidade Histria Antiga, o Professor Amlcar Guer-

    ra, por ter dirigido esta pesquisa para a forma de trabalho de projeto. A minha gratido es-

    tende-se tambm ao secretrio-geral da Sociedade Bblica, Dr. Timteo Cavaco, pelo acom-

    panhamento.

    Agradeo a todos os que participaram nos questionrios realizados, respondendo s

    perguntas e compartilhando as suas experincias.

    Gostaria tambm de agradecer Ins Bettencourt e ao Dr. Carlos Bettencourt pelas

    correes e revises da lngua portuguesa e Mestre Paula Lopes pela leitura final. Pois, ape-

    sar de estar bastante familiarizado com o assunto, a lngua portuguesa continua a ser lngua

    estrangeira para mim.

    E, por fim, mas no menos importante, agradeo minha esposa Verena Ruth e aos

    meus filhos, pelo apoio que me deram e pela pacincia demonstrada ao longo deste tempo de

    estudo e laboriosa redao.

  • 1

    INTRODUO

    O tema objeto deste trabalho o mundo bblico e a sua situao na atualidade. Foram,

    sobretudo, as seguintes razes que motivaram a escolha: a natureza multidisciplinar, a possi-

    bilidade de investigar novos campos do saber e a tarefa de articular o passado, o presente e o

    futuro. O desafio cultural e social tambm determinou o tratamento da problemtica em dis-

    cusso, dado que a literatura bblica acompanhou a histria ocidental e continua a fazer parte

    da memria, razo pela qual este assunto merece uma abordagem aprofundada.1 O problema

    em estudo confronta-se com o facto de a Bblia ser considerada um livro religioso e os estu-

    dos bblicos serem, sobretudo, do domnio da teologia. Perguntas teolgicas merecem traba-

    lhos srios, porm no esta a tarefa da presente investigao, dado que se trata de uma anli-

    se histrica.2 No entanto de lembrar que os textos bblicos lidam tambm com questes his-

    tricas e culturais e o mundo bblico faz parte dos estudos histricos. Na Faculdade de Letras

    da Universidade de Lisboa, a histria e cultura de Israel esto integradas no primeiro ciclo de

    estudos da rea de Histria e, no segundo ciclo, o mundo bblico uma das unidades curricu-

    lares opcionais em Histria. de salientar ainda que a Faculdade de Letras de Lisboa teve

    dois catedrticos de Histria Antiga - especialistas em estudos bblicos3 e foram realizados

    mestrados e doutoramentos nesta temtica. Ao longo dos anos, muitas obras cientficas, liga-

    das Bblia e seu mundo, foram publicadas por autores associados Faculdade de Letras4.

    Portanto o mundo bblico na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa merecia um es-

    1 Na minha vida profissional tenho constatado o problema da lacuna de conhecimento sobre o mundo bblico no

    meio juvenil e escolar. No incio do segundo ano de estudo, surgiu a possibilidade de poder elaborar o trabalho

    de projeto como tarefa final de mestrado. Com o atual estudo, procurou-se igualmente integrar conhecimentos e

    competncias adquiridas ao longo do mestrado em Histria - especialidade Histria Antiga -. Nomeadamente

    estudar uma problemtica que se revelou pertinente na prtica e articular os saberes tericos com a utilizao de

    ferramentas que possam dar soluo necessidade detetada. 2 Pois, os estudos de mestrado em histria devem ocupar-se com o tema da memria, vide sobre o mestrado em

    Histria da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o artigo 2. do despacho n. 9023/2013, disponvel

    em http://dre.pt/pdf2sdip/2012/07/128000000/2346923469.pdf, [consult. 31 de agosto de 2013].

    O Professor Jos Nunes Carreira e o Professor Jos Augusto Martins Ramos. 4 A revista CADMO, do Centro de Histria da Universidade de Lisboa teve em 1991 o primeiro nmero e che-

    gou em 2012 ao n. 22. Dos autores que escreveram sobre a Bblia e o seu mundo destacam-se os Professores

    Jos Nunes Carreira, Jos Augusto Martins Ramos, Francolino Gonalves e Nuno Simes Rodrigues, vide

    http://www.centrodehistoria-flul.com/cadmo.html, [consult. 25 de setembro de 2013]. Na Revista da Faculdade

    de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), n 21-22, 5 srie, 1996/1997, pp. 155-195, vem o plano de uma

    cadeira lecionada na FLUL, num texto intitulado A Bblia e o seu mundo, da autoria do respetivo docente Pro-

    fessor Jos Augusto Martins Ramos. Menciona-se ainda a edio portuguesa do Atlas Bblico da Grande Enci-

    clopdia Portuguesa e Brasileira que foi realizada pelos Professores da FLUL: Jos Nunes Carreira, Jos Augus-

    to Martins Ramos e Antnio Ramos dos Santos, vide Colaboradores, Atlas Bblico da Grande Enciclopdia

    Portuguesa e Brasileira, James B. Pritchard (diretor principal), Jos Nunes Carreira (ed. port.), Lisboa, Edies

    Zairol, 1996, p. 5.

    http://dre.pt/pdf2sdip/2012/07/128000000/2346923469.pdfhttp://www.centrodehistoria-flul.com/cadmo.html

  • 2

    tudo prprio, no entanto, o presente trabalho de projeto visa a formao dum pblico que est

    a exercer funes em comunidades educativas.5

    Neste trabalho, o foco centrado no contexto bblico e a abordagem trata tanto o pas-

    sado, como a situao do presente e a atuao no futuro. Os principais objetivos so examinar

    de forma metdica e abrangente tanto o mundo da Bblia no contexto original, como as repre-

    sentaes do mundo bblico num mbito da sociedade em geral e apresentar propostas de atu-

    ao para multiplicadores. Os temas que incluem a histria e cultura bblica so amplos, por

    isso os critrios de escolha dos assuntos aprofundados na primeira parte foram selecionados

    conforme o interesse pessoal. A problemtica em causa trouxe o desafio da extenso de ques-

    tes e por outro lado tem sido um privilgio poder investigar esta rea do saber neste ciclo de

    estudos () em contextos alargados e multidisciplinares, ainda que relacionados com a sua

    rea de estudo, ().6 Os objetivos delineados pelo projeto foram: estudar temas chave do

    mundo bblico; conhecer a situao da compreenso do mundo bblico em algumas comuni-

    dades educativas da Grande Lisboa, operando os resultados obtidos como indicadores socais e

    entrevistar responsveis de instituies em Portugal e em Israel; elaborar propostas de atuao

    para o Sector Animao Bblica e Cultural da Sociedade Bblica de Portugal7 para melhorar

    o conhecimento do mundo bblico na sociedade.

    Com o tema a ser dissertado ao longo destas pginas o Mundo Bblico visto de hoje

    pretende-se: na primeira parte, analisar questes da geografia, histria e cultura bblicas; na

    segunda parte, investigar representaes do mundo da Bblia em Portugal e em Israel e, na

    terceira parte, apresentar propostas de ao para a interrogao mundo bblico, que fazer com

    esta memria? Para uma dissertao de mestrado, este tema seria demasiadamente vasto,

    razo pela qual a forma assumida para este estudo final o trabalho de projeto, uma vez que

    tem caractersticas prprias e de natureza interdisciplinar. Presumivelmente, so estas as

    razes pelas quais no se encontraram investigaes idnticas. Contudo, na pesquisa sobre o

    mundo bblico - realizada na primeira parte -, foram consultados estudos que abordam estes

    5 Pois, neste ciclo de estudos no estou preparado para projetar intervenes no nvel universitrio. 6 Citando o Ciclo de estudos conducente ao grau de mestre da Reitoria da Universidade de Lisboa, vide artigo

    20., do captulo IV do despacho n. 4624/2012, disponvel em http://www.ff.ul.pt/wp-

    content/uploads/2012/03/REPGUL-Mar%C3%A7o2012.pdf, [consult. 31 de agosto de 2013]. 7 O alvo da terceira parte apresentar propostas de aes para o Sector Animao Bblica e Cultural da Socie-

    dade Bblica de Portugal (SBP). Uma possvel cooperao com a SBP tinha motivado a escolha do trabalho de

    projeto e seguidamente a projeo de atuaes para o Sector Animao Bblica e Cultural da SBP com o pro-

    psito de que pudessem contribuir para uma melhor compreenso acerca do mundo bblico no ensino e na socie-

    dade. H algum tempo, tenho estado em dilogo acerca da situao do mundo bblico com o secretrio-geral da

    Sociedade Bblica e a inteno de realizar um estudo neste mbito surgiu neste contexto.

    http://www.ff.ul.pt/wp-content/uploads/2012/03/REPGUL-Mar%C3%A7o2012.pdfhttp://www.ff.ul.pt/wp-content/uploads/2012/03/REPGUL-Mar%C3%A7o2012.pdf

  • 3

    temas. As fontes usadas so textos da Bblia e bibliografias sobre o contexto dos textos bbli-

    cos. Na segunda parte - para os critrios das entrevistas -, procurou-se orientao das cincias

    sociais e, a terceira parte, baseou-se na orientao terica inicial, em modelos consultados e

    na experincia pessoal. Por conseguinte, o presente estudo concentra-se na histria, geografia

    e cultura bblica, na sua representao na atualidade e nas atividades aconselhadas.

    Na parte terica, no existiu o propsito de abordar questes da religio, ou teologia.

    Na segunda parte, feita uma tentativa de perceber as representaes do mundo bblico no

    presente, porm no se analisaram os respetivos antecedentes e causas histricas e sociais. As

    propostas de atuao na terceira parte foram influenciadas pelas averiguaes efetuadas na

    segunda parte e pela experincia e preferncia do prprio autor. As atividades sugeridas foram

    acordadas com a Sociedade Bblica.8 Nos procedimentos metodolgicos do mundo bblico,

    procurou-se consultar fontes originais e autores que realizaram estudos cientficos.9 Relativa-

    mente segunda parte, depois do entusiamo inicial em poder realizar uma pesquisa de campo,

    verificou-se a carncia de preparao acadmica na rea dos estudos sociais. No obstante,

    tendo sido adquirido pouco depois algum conhecimento pela via autodidtica foi possvel

    fazer a investigao emprica, sem ambies do rigor das cincias sociais. Houve uma con-

    centrao na poca do mundo bblico do incio da monarquia de Israel at ao fim do tempo

    relatado no Novo Testamento10

    . O espao geogrfico destacado so as regies orientais do

    Mar Mediterrneo e Crescente Frtil, com incidncia no Levante. assumido que os textos

    bblicos contm informao histrica, geogrfica e cultural da poca11

    . O estudo diacrnico,

    no entanto em questes essenciais assume caractersticas sincrnicas. Pesquisas realizadas

    pelo presente autor - em estudos bblicos, histria e cultura bblica e histria antiga -, serviram

    como base para o presente trabalho de projeto. A nvel pessoal, esta investigao foi estimu-

    lada pela sua natureza interdisciplinar - pela possibilidade em poder incluir questes de geo-

    8 Na temtica das representaes atuais do mundo bblico, tentou perceber-se o conhecimento do mundo bblico

    em algumas comunidades educativas, operando estes como indicadores. Foram tambm realizadas entrevistas a

    membros de entidades que tm como objetivo o ensino ou promoo de reas ligadas ao mundo bblico. Na

    pesquisa sobre livros no acadmicos que abordam o mundo da Bblia, pretendeu-se saber o que existe em por-tugus de Portugal com o fim de ter uma base de dados de literatura para futuras atuaes. As entrevistas em

    Israel serviram como inspirao e orientao para a terceira parte do projeto de trabalho. As visitas realizadas e

    propostas foram documentadas com referncias eletrnicas. 9 Na biblioteca da Faculdade de Letras, o mundo bblico encontra-se em vrias seces, na religio, histria,

    cultura clssica, porm tambm na literatura e filosofia e nas bibliotecas dos vrios centros de investigao. Na

    biblioteca da Universidade Catlica consultei as seces de teologia, histria, literatura e cincias sociais. O meu

    prprio acervo bibliogrfico tambm me foi muito til e adquiri vrios livros. O Atlas Bblico da Grande Enci-

    clopdia Portuguesa e Brasileira relevou-se ser uma fonte de informao valiosa para o assunto em questo. 10 Ou seja, cerca de 1000 a. C. at ao fim do primeiro sculo d. C.. 11 Os testemunhos da Bblia foram contextualizados com textos relacionados do Mdio Oriente Antigo e achados

    arqueolgicos.

  • 4

    grafia, ambiente natural e arqueologia -, em poder estudar o contexto bblico numa perspetiva

    histrica e pela articulao do passado com o presente e seguidamente pelas projees para o

    futuro. Assim sendo, a problemtica a ser desdobrada ao longo destas pginas revela a moti-

    vao pessoal, nomeadamente na importncia da contextualizao do texto e a pertinncia do

    propsito do texto que foi igualmente inspirao para o presente e o futuro, sendo o trabalho

    no meio escolar e juvenil uma vocao do autor. O projeto mundo bblico visto de hoje tem

    relevncia educacional em vrios nveis, tanto na educao bsica e na formao contnua. O

    problema a ser tratado tem ainda importncia social, pois os textos da Bblia e os seus mundos

    so parte integrante dos alicerces da sociedade. A importncia do mesmo no se restringe ao

    pblico escolar e juvenil, dado que o mundo bblico faz parte da histria e cultura universal.

    O ttulo mundo bblico visto de hoje pode parecer simples e peculiar, porm a realidade tra-

    tada nestas pginas faz parte da civilizao e de interesse cultural. Neste estudo, os concei-

    tos mundo bblico, mundo da Bblia e histria e cultura bblica so assumidos como si-

    nnimos. O mundo bblico encarado como o conjunto dos contextos com os quais os textos

    bblicos se articularam. Os contedos com os quais os textos dos livros da Bblia estavam

    ligados foram a histria na qual ocorreram; os lugares geogrficos nos quais aconteceram; as

    culturas com as quais dialogaram; o meio ambiente natural em que estavam inseridos e a vida

    diria na qual as pessoas se moveram. As palavras-chave do presente estudo so: texto bbli-

    co - ou seja os escritos dos livros das Bblias crists -; o contexto bblico - que abrange a

    histria, geografia, ambiente natural e cultura -; representao - onde questes da histria e

    cultura bblica se encontram presentes na atualidade - e ensino - que tem a ver com o desafio

    de como a memria pode ser transmitida de forma persistente, hoje em dia. A ortografia dos

    nomes geogrficos e nomes prprios da Bblia elaborada em portugus corrente, por ter

    sido esta a forma encontrada pela Sociedade Bblica de Portugal e pela Difusora Bblica para

    ser utilizada em a Bblia para todos e na Bblia Sagrada.

    O itinerrio pelo mundo bblico um desafio que pode ser comparado a um caminho

    por terrenos variados, cheios de trajetos diferentes. O espao largo, o tempo a percorrer

    vasto e as culturas a conhecer so variadas, pelo que se trata de uma aventura fascinante, pois

    ela vai ao encontro da memria. Uma lembrana que ainda existe na atualidade e que busca

    novas formas de recordao.

  • 5

    I Uma aproximao ao Mundo da Bblia

    Schwanitz, na sua abordagem sobre a cultura ocidental, afirma que a origem da hist-

    ria europeia nasce de duas fontes principais, seno uma grega e a outra hebraica: as epopeias de

    Homero e a Bblia.12

    A mesma tese j tinha apresentado Raphael, com o fundamento de que

    na sociedade ocidental so reconhecidas duas fontes principais, a hebraica e a helnica.13

    Apesar de as terras da Bblia se encontrem geograficamente longe de Portugal, exis-

    tem testemunhos que ilustram o interesse dos portugueses pela Terra Santa. Um exemplo o

    livro do orientalista Carreira que descreve e documenta a poca dos descobrimentos. A obra

    tem o ttulo Outra face do Oriente - o Prximo Oriente em relatos de viagem. Relata como

    portugueses, nos sculos XVI e XVII, realizaram peregrinaes Terra Santa e passaram pela

    Palestina, nas suas viagens at Etipia, Prsia e ndia.14

    O catlogo da exposio Impres-

    ses do Oriente - de Ea de Queiroz a Leite de Vasconcelos oferece alguns testemunhos do

    sculo XIX, mostrando imagens de Jeric, Jerusalm e outros lugares na Palestina.15

    So fo-

    tografias antigas, que foram tiradas entre 1855 e 1880. Um testemunho dos meados do sculo

    XX, o livro Por terras de Jerusalm e do Prximo Oriente,16

    no qual o Prof. Jos Nunes

    Carreira descreve a sua prpria experincia de estudos em Jerusalm na cole Biblique &

    Archologique Franaise de Jerusalem e as suas viagens pela Palestina e por outros pases do

    Crescente Frtil, ou seja do Egito at Prsia.

    Estes so somente alguns testemunhos do manifesto interesse de pessoas de Portugal

    pelo Levante, durante os sculos passados. A parte dois do presente trabalho apresentar al-

    guns resultados obtidos sobre esta questo. A experincia da viagem que fiz atravs de Israel,

    em maio de 2013, mostrou-me a realidade neste pas, existindo a um grande nmero de insti-

    tuies que lidam com o mundo bblico. Encontrei tambm muita recetividade e interesse

    ativo pelo assunto em questo.

    12 Vide Dietrich Schwanitz, Panormica Geral, Cultura: Tudo o que preciso saber, Lisboa, Dom Quixote, 2004, p. 17. 13 Vide Chaim Raphael, The Two Traditions: the Hebraic and the Hellenic, Literature and Western Civiliza-

    tion, volume I - The Classical World, David Daiches e Anthony Thorlby (eds.), London, Albus Books, 1972, p.

    488. 14 Vide Jos Nunes Carreira, Outra face do Oriente - o Prximo Oriente em relatos de viagem, Mem Martins,

    Publicaes Europa-Amrica, 1997. 15 Vide Impresses do Oriente [catlogo da exposio]: de Ea de Queiroz a Leite de Vasconcelos / textos de

    Lus Manuel de Arajo, Lus Raposo, Jos Pessoa; fot. Sofia Torrado, Tnia Olim, Lisboa, Museu Nacional de

    Arqueologia, 2008, pp. 40-44. 16 Vide Jos Nunes Carreira, Por terras de Jerusalm e do Prximo Oriente, Mem Martins, Europa-Amrica,

    2003.

  • 6

    1. O texto do contexto

    O que a Bblia? Esta uma pergunta simples, contudo, existem vrias maneiras de

    responder. Primeiro, a resposta mais simples, tomando em conta o significado da palavra B-

    blia: um livro e este exatamente o significado da palavra grega biblia. Seguidamente a

    resposta acerca do contedo deste livro, cuja resposta j bastante mais vasta. A Bblia uma

    coleo de livros que foram escritos ao longo de um longo perodo de tempo. A Bblia crist

    tem duas partes principais, a primeira designada de Velho, ou Antigo Testamento e corres-

    ponde Bblia hebraica do povo judeu. A segunda parte o Novo Testamento, escrito no con-

    texto greco-romano, na lngua grega-comum. No entanto, neste trabalho de projeto, concen-

    tro-me no contexto do texto, ou seja, no mundo bblico. O texto sem dvida essencial. Para

    os cristos conservadores, a Bblia a palavra de Deus inspirada e consequentemente a regra,

    ou seja, o cnon. Por outro lado, quem se orienta pelo racionalismo da crtica literria, consi-

    dera mito o que no corresponde ao entendimento lgico e o que no for provado por achados

    arqueolgicos. Todavia, no tarefa destas pginas abordar esta questo, apesar ser muito

    importante e at fascinante, reflete no entanto muito mais os debates do pensamento ocidental

    dos ltimos tempos, do que a histria antiga qual o mundo bblico pertence. Pessoalmente,

    tenho a minha posio definida e considero que preciso dar crdito aos autores e redatores

    originais, porm, mais uma vez, insisto que neste trabalho concentro-me sobretudo no contex-

    to do texto e na sua relevncia para os dias de hoje. Assim, sendo o mundo bblico histria e

    cultura do passado, ambiciono aprofundar a questo do seu relacionamento com a memria.

    2. O que entendemos quando falamos de Mundo Bblico?

    O mundo bblico no de fcil categorizao. Ser esta uma das razes pela qual este

    assunto pouco reconhecido? No obstante, esta questo ser analisada no captulo 2.

    Um importante livro ainda hoje d orientao na compreenso do mundo bblico. A

    obra de Noth e tem o ttulo Die Welt des Alten Testaments (O mundo do Antigo Testamen-

    to) e o seu subttulo Einfhrung in die Grenzgebiete der Altetestamentlichen Wissenschaft17

    (Introduo s reas fronteiras da cincia veterotestamentria). Os contedos do mundo bbli-

    17 Vide Martin Noth, Die Welt des Alten Testaments. Einfhrung in die Grenzgebiete der Alttestamentlichen

    Wissenschaft, Berlin, Alfred Tpelmann, 1962.

  • 7

    co so considerados reas limites e de facto, no fcil enquadrar e definir os assuntos do

    tema em estudo. revelador olhar para o ndice da obra de Noth. 18

    A primeira parte expe a geografia da Palestina:

    1) Os aspetos exteriores do pais (topografia, dimenso, clima, flora e fauna);

    2) Histria natural (geologia) e

    3) Palestina, o palco da histria bblica (os nomes bblicos do pas e regies, a

    sua colonizao e a diviso poltica do pas).

    A segunda parte trata da arqueologia:

    1) A introduo arqueologia da Palestina (incluindo os perodos culturais);

    2) O trabalho arqueolgico e

    3) Os resultados da arqueologia da Palestina para a histria bblica.

    A terceira parte aborda aspetos da histria pr-clssica:

    1) Os pases (regies naturais e vias de comunicao);

    2) As culturas;

    3) Escrita e registos;

    4) Lnguas (semticas e no semticas);

    5) Povos;

    6) Naes (imprios, estados pequenos e cidades);

    7) Datas (cronologias relativas e absolutas) e

    8) Religies (fontes, percees e prticas, e panorama das diferentes religies).

    Na quarta parte descrito o texto do Velho Testamento:

    1) A transmisso do texto na sinagoga;

    2) A transmisso do texto na igreja crist e

    3) Mtodos do trabalho da crtica textual.

    No ambio do presente trabalho entrar em todos estes campos, visto tratar-se dum

    livro que aborda o Antigo Testamento. Alm disso, neste alistamento nem foram menciona-

    dos as demais reas dos estudos do Novo Testamento e do seu contexto judaico, helnico e

    romano. Para uma viso panormica listam-se aqui os captulos do livro Explorando o mun-

    do do Novo Testamento de Bell:19

    18 Vide Martin Noth, Inhalt, Die Welt des Alten Testaments, op. cit., pp. IX-XV (traduo realizada pelo autor). 19 Vide Albert A. Bell, Sumrio, Explorando o Mundo do Novo Testamento, Belo Horizonte, Editora Atos,

    2001, pp. 5-8.

  • 8

    1) Por que este livro? (Texto e contexto, teologia e histria);

    2) A origem judaica do Novo Testamento: Bero em que nasceu a igreja

    (judasmo: helenistas e judeus, );

    3) Os poderes que viro (Imperium Romanum, os imperadores e o Novo

    Testamento);

    4) A lei romana e o Novo Testamento;

    5) A religio greco-romana;

    6) A filosofia greco-romana;

    7) A estrutura da sociedade greco-romana;

    8) Relaes pessoais e moralidade na sociedade e

    9) Tempo, distncia e viagens pelo mundo romano e apndices com fontes e

    genealogias.

    O tempo que os escritos do Novo Testamento abrangem muito mais reduzido do que

    o perodo que contm a histria do Velho Testamento, porm os contextos do segundo Tes-

    tamento da Bblia crist so muito vastos e, como tal, no se enquadram no mbito do presen-

    te trabalho de projeto. Consequentemente, a minha abordagem sobre o mundo bblico subje-

    tiva, pois apenas entro nas reas que pretendo aprofundar e que me parecem ter interesse para

    a aplicao que ser tratada na terceira parte do atual estudo.

    No obstante, necessrio iniciar a penetrar neste mundo bblico e comeamos com o

    significado das palavras e conceitos. A palavra Bblia de origem grega e significa li-

    vros.2021

    Na Bblia de lngua grega, ou seja na traduo grega do Antigo Testamento - a Sep-

    tuaginta -, e no Novo Testamento grego, a palavra biblion aparece com frequncia, porm

    utilizada para um documento escrito, um livro, uma carta, ou um contrato de compra.22

    O

    termo grego biblion, ou o plural bblia, que se encontra nos livros bblicos, no designa o con-

    junto dos livros da Bblia; consequentemente o termo atual Bblia extra-bblico. Foram

    pois os cristos de lngua grega, dos primeiros sculos da era crist, que comearam a chamar,

    ta bblia aos livros que declararam ser o princpio das suas crenas, ou seja as Escrituras.23

    .

    O termo Escrituras, ou Escrituras, se se empregar no plural, em grego graphais e gramma-

    ta, respetivamente, refere-se nos escritos do Novo Testamento aos livros do Antigo Testamen-

    to. Assim, pode ler-se em Mateus 21, 42: J leram com certeza aquele trecho das Escrituras

    20 Vide Introduo Geral, a BBLIA para todos (edio comum), Lisboa, Sociedade Bblia de Portugal, 2009,

    p. 19. 21 A afirmao a Bblia um livro, uma tautologia, porque Bblia e livro dizem o mesmo. Porm, o significado

    da palavra a Bblia corresponde ao conceito a Bblia Sagrada. Pois, estamos a entrar na esfera religiosa, no

    entanto primeiramente tarefa deste estudo de olhar para o mundo da Bblia, a partir da esfera das cincias hu-

    manas. 22 Vide Escreve isto num livro (xodo 17, 14), Na carta dizia (2 Samuel 11, 15), Dei-lhe o contrato de

    compra (Jeremias 32, 12), Baruc leu no templo as palavras do Senhor escritas no rolo, (Jeremias 36, 8). 23 Vide Introduo Geral, a BBLIA para todos, op. cit., p. 19.

  • 9

    (graphais) que diz . Em 2 Timteo 3, 15 aparece Escrituras (grammata) e no versculo a

    seguir Escritura (graphe). No sentido mais genrico, o termo Escrituras pode ser utilizado

    como sinnimo da palavra Bblia. No Novo Testamento, o conjunto dos livros do Antigo

    Testamento indicado pelo conceito lei, profetas e salmos. Por exemplo em Lucas 24, 44

    na Lei de Moiss, nos livros dos profetas e nos Salmos. Esta designao corresponde da

    Bblia hebraica: Lei, profetas e escritos, em hebraico Torah, Neviim e Ketuvim. Os escritos

    da Bblia hebraica e os da segunda parte da Bblia crist, foram redigidos em livros separados

    - geralmente em rolos -. O cdice, ou seja manuscritos num conjunto idntico ao do livro atu-

    al, somente foi desenvolvido nos primeiros sculos da era crist.24

    Perante escritos antigos, como o caso dos livros da Bblia, levanta-se a pergunta per-

    tinente: como possvel ultrapassar a distncia histrica, geogrfica e cultural? A resposta dos

    crentes: que dizem basta acreditar, no chega, porque o escritor fez o esforo de colocar o

    texto num cdigo, por isso, ns, os leitores precisamos tambm de fazer o esforo de desco-

    dificar o texto.

    3. A importncia do contexto para a compreenso do texto

    O reconhecimento do contexto essencial, porque o contexto que situa o texto e o

    clarifica.25

    Portanto, importa lembrar que o contexto que d sentido ao texto, pelo que se

    reafirma ser necessrio ler e interpretar o texto bblico luz do seu prprio contexto. Logo,

    para se poder entender o contexto do texto bblico, necessrio fazer uma tentativa de coloca-

    o na situao do autor e dos primeiros leitores26

    . Igualmente, o contexto mais lato que d

    orientao sobre o gnero literrio. A este respeito, Alexandre Jnior observa: O autor socor-

    re-se do cdigo lingustico usado para a formao do texto. E, por conseguinte, a compreen-

    so que colhemos dele depende do domnio que temos da lngua ao nvel da gramtica e se-

    24 Vide O Desenvolvimento da Bblia, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, James B.

    Pritchard (diretor principal), Jos Nunes Carreira (ed. port.), Lisboa, Edies Zirol, 1996, p. 132. 25 Manuel Alexandre Jnior, Hermenutica geral. Princpios gerais de interpretao, Manual de hermenutica

    bblica, Lisboa, [s. n.], 2002, p. 93. 26 Nos estudos bblicos alems comeou-se a falar do Sitz im Leben ou Volksleben (a situao na vida do povo),

    conceito criado por Hermann Gunkel. Com a sua abordagem dos gneros literrios e colocao socioculturais,

    Gunkel estava-se, na primeira parte do sculo XX, a opor teoria literria de Wellhausen. Vide Walter

    Hilbrands, Exkurs: Formengeschichte, Manfred Dreytza, Walter Hilbrands, Hartmut Schmied, Das Studium

    des Alten Testaments. Eine Einfhrung in die Methoden der Exegese. Wuppertal, R. Brockhaus Verlag e

    Giessen, Brunnen Verlag, 2002, pp. 97-98.

  • 10

    mntica, e das estratgias lingusticas que o autor usa.27

    Os autores das narrativas da Bblia

    escreveram os seus textos porque tinham um propsito em mente; consequentemente, a tarefa

    hermenutica de procurar entender a inteno do autor. O propsito do escritor do texto nar-

    rativo tem que ser tomado a srio porque a inteno objetiva do autor que determina o sen-

    tido do texto (...).28

    O gnero literrio da narrativa histrica est intimamente ligado ao pro-

    psito do autor, autores, ou redatores. O alvo de qualquer leitura deve ser compreender o que

    est a ser lido, isto perceber o que o autor quis transmitir. Nesta conjuntura, afirma Alexan-

    dre Jnior, que Compreender sempre interpretar, ().29

    Entender escritos antigos exige

    ainda um esforo adicional, porque o leitor atual tem que ter em conta que est longe da situa-

    o original do texto. preciso reconhecer a Distncia histrica, geogrfica, cultural, lin-

    gustica, literria e existencial.30

    A tarefa de examinar um texto chamada de hermenutica.

    Sustenta Alexandre Jnior que a hermenutica mais do que princpios de interpretao, o

    ato de apropriao do sentido de um texto em contexto; ().31

    Por conseguinte, no poss-

    vel encontrar o sentido, se o texto for desvinculado do seu contexto.32

    O leitor e intrprete

    do texto da antiguidade, tem que penetrar no mundo do autor - ou redator -, antigo. O esforo

    de compreender, confrontar dialogicamente a inteno do autor com o seu contexto.33

    O

    escritor teve um propsito e uma motivao em escrever o seu texto que estava dirigido para

    um ou vrios destinatrios originais. Consequentemente, o leitor atual tem o dever de estudar

    e entender o contexto histrico, geogrfico e cultural do autor e dos leitores originais.

    4 O contributo da Arqueologia na compreenso do Mundo Bblico

    O estudioso do mundo bblico necessita de fontes, e como o presente texto demonstra,

    as fontes disponveis esto a ser estudadas por disciplinas distintas. Salienta Tavares, que

    So de natureza e valores diferente as fontes da histria hebraica: a Bblia; documentao

    27 Vide Manuel Alexandre Jnior, Para uma Hermenutica do texto retorico e literrio, Hermenutica Retri-

    ca, Lisboa, Alcal, 2004, p. 213. 28 Vide Ibid., p. 217. 29 Vide Manuel Alexandre Jnior, Redescoberta da Hermenutica Retrica, Hermenutica Retrica, op. cit., p.

    147. 30 Vide Ibid., p. 150. 31 Vide Ibid., p. 149. 32 Vide Ibid., p. 150. 33 Vide Manuel Alexandre Jnior, Concluso, Hermenutica Retrica, op. cit., p. 237.

  • 11

    extra-bblica; epigrafia; arqueologia.34

    A arqueologia uma cincia relativamente nova e

    durante os ltimos tempos ela tem trazido novas descobertas acerca do mundo bblico. Porm,

    as diferentes interpretaes dos achados j so bastante mais polmicas. A disciplina que lida

    diretamente com os textos da antiguidade, ou seja a cincia do estudo dos textos antigos, a

    filologia, tem tido, desde h bastante tempo, quase todos os textos hoje conhecidos ao seu

    alcance. Assim tambm em relao aos textos do mundo bblico. Serve aqui o exemplo da

    obra monumental de Schrer, sobre a histria dos judeus na altura de Jesus Cristo35

    cuja se-

    gunda edio revista, - publicada no fim do sculo XIX -, j inclua praticamente todas as

    fontes literrias, textos bblicos e extra-bblicos, textos rabnicos, outros escritos judeus e tex-

    tos clssicos. Obviamente, Schrer ainda no tinha acesso aos escritos que tm sido encontra-

    dos desde ento, como por exemplo os das grutas do Mar Morto, descobertas nos sculo pas-

    sado. No entanto, revelador observar com que brevidade Schrer aborda - na introduo,

    num curto subcaptulo sobre as disciplinas auxiliares da literatura -, a arqueologia ao lado das

    outras disciplinas auxiliares, a geografia, a cronologia, a numismtica e a epigrafia.36

    Para

    Schrer a disciplina de arqueologia ainda era quase sinnimo dos estudos de antiguidade.37

    De facto, foi somente em 1890, que o egiptlogo e arquelogo britnico, Flinders Petrie co-

    meou a realizar escavaes estratigrficas na Palestina. Este investigao foi considerado o

    primeiro estudo cientfico na rea da arqueologia nas terras da Bblia,38

    apesar de anterior-

    mente j outros terem realizado alguns trabalhos de reconhecimento, sobretudo com o alvo de

    identificar lugares mencionados na Bblia. Graas a este trabalho de palestinografia, foram

    publicados mapas topogrficos.39

    Tavares refere que no fim do sculo XIX e no incio do s-

    culo XX, arquelogos cientificamente preparados foram formados por instituies especiali-

    zadas. Ele menciona escolas que surgiram em Jerusalm, entre outras a cole Biblique & Ar-

    chologique Franaise e o Deutsche Evangelische Institut fr Altertumskunde.40

    Salienta o

    mesmo autor que a histria do mundo antigo e especificamente a do Mdio Oriente, precisa

    tanto da pesquisa dos textos, como do estudo do mundo material e, consequentemente, a ar-

    34 Vide Antnio Augusto Tavares, As fontes, Civilizaes Pr-Clssicas, Lisboa, Universidade Aberta, 1995,

    p.359. 35 Vide os dois volumes de Emil Schrer, Geschichte des jdischen Volkes im Zeitalter Jesu Christi, Leipzig, J.

    C. Hinrichssche Buchhandlung, 1890, vol. I e 1886, vol. II. 36 Vide Emil Schrer, Hilfswissenschaften, Geschichte des jdischen Volkes im Zeitalter Jesu Christi, op. cit.,

    vol. I, pp. 9-25. 37 Vide Ibid., pp. 9-10. 38 Vide Dieter Vieweger, Archologische Pionierarbeit in Palstina, Archologie der biblischen Welt,

    Gttingen, Vanderhoeck & Ruprecht, 2006, pp. 37-38. 39 Vide Geografia Histrica e Arqueologia, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, op.

    cit., p. 191. 40 Vide Antnio Augusto Tavares, A Arqueologia como Fonte Histrica, As Civilizaes Pr-Clssicas - guia

    de estudo, Lisboa, Editorial Estampa, 1980, p. 56.

  • 12

    queologia deve ser considerada uma fonte histrica.41

    necessrio reconhecer que os textos

    literrios apresentam, no poucas vezes, o ponto de vista de quem estava no poder, - os escri-

    bas da realeza por exemplo -; a arqueologia, por outro lado, pode revelar a vida quotidiana do

    povo. Contudo, preciso lembrar que os textos bblicos incluem mais a voz do povo do que

    outros escritos da antiguidade.

    No que diz respeito ao estudo da cultura material, este indispensvel para uma com-

    preenso mais ampla do mundo bblico. Se no incio das descobertas arqueolgicas, ainda

    prevalecia a tendncia de juntar peas para os museus, sem se preocupar seriamente com o

    ambiente do achado, hoje em dia, o estudo emprico do contexto fundamental nas escava-

    es arqueolgicas. Refere Tavares que os trabalhos no terreno so orientados pelos mtodos

    estratigrfico e tipolgico, e que estes so realizados com rigor cientfico, alm de que na an-

    lise dos achados solicitado o apoio de outras disciplinas, como por exemplo o da etnogra-

    fia.42

    De facto, a arqueologia j no escava primeiro peas para museus, mas procura conhecer

    e decifrar o passado e encontrar a soluo de problemas da histria.

    Comparar escritos bblicos com outros textos do Oriente Antigo pode igualmente tra-

    zer luz sobre contedo bblico, especialmente se a comparao for realizada com o que

    comparvel, ou seja, se forem escritos de pocas idnticas e de culturas que estavam em con-

    tato. Fontes extra bblicas que mencionam episdios referenciados nos textos bblicos tambm

    so de valor acrescentado. Tavares declara que Os documentos extra-bblicos por vezes

    completam, corroboram e esclarecem as informaes bblicas.43

    O autor citado indica o

    exemplo do obelisco negro de Salmanassar III da Assria, no qual mencionado o rei de Isra-

    el, Acab.44

    O texto desta inscrio encontra-se na seco Textos do Oriente Antigo do Atlas

    Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira.45

    Estes textos do Mdio Oriente Anti-

    go oferecem uma boa amostra de fontes que podem ser articuladas com os escritos do Antigo

    Testamento. De igual modo, as inscries epigrficas so testemunhos importantes. Acerca

    destes testemunhos, esclarece Tavares:

    Como fontes epigrficas, distinguem-se algumas inscries monumentais gra-

    vadas na pedra, sejam tumulares, sejam de dedicao; pequenas inscries sobre vasos

    ou objetos, indicando por exemplo o contedo, a provenincia e o seu destino; stracas

    41 Vide Ibid., p. 55. 42 Vide Ibid., p. 59. 43 Vide Antnio Augusto Tavares, As fontes, Civilizaes Pr-Clssicas, Lisboa, op. cit., p. 359. 44 Vide Ibid., p. 359. 45 Vide a traduo da inscrio das campanhas de Salmanassar III (858-824) contra a Sria-Palestina em Semi-

    nmadas na Orla do Deserto, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, op. cit., pp. 333-

    334.

  • 13

    escritas que foram usadas como cartas, recibos, listas, etc.; documentos escritos sobre

    papiro; selos e impresses para autenticar documentos.46

    Perante o estudo destas fontes, de lembrar que necessrio o mesmo rigor cientfico

    que se aplica na investigao dos demais documentos histricos. tambm de enfatizar quo

    importante estudar a histria bblica no de uma forma isolada mas sim com um olhar sobre

    as naes vizinhas. Trabalhando desta forma, as ocorrncias relatadas nos textos bblicos se

    entrecruzam com a prpria histria do mundo antigo.47

    Clarifica o autor do Atlas Bblico que

    A descoberta de antigos documentos do mundo da Bblia no trouxe apenas uma nova di-

    menso histria bblica. Tais textos tornaram possvel atribuir datas exatas do calendrio

    juliano a alguns dos principais acontecimentos da histria de Israel e Jud.48

    A cronologia bblica o estudo que procura atribuir datas aos acontecimentos da hist-

    ria bblica, sendo que os resultados destes esforos podem variar bastante.49

    Ultrapassa o m-

    bito destas pginas entrar mais nesta importante matria. No entanto, para uma melhor com-

    preenso da referida cronologia, citam-se aqui as eras arqueolgicas mais recentes dos tempos

    bblicos. Esta classificao da histria material comea com o Velho Testamento: 50

    Cerca de 1200 -1150 a. C. = Idade do Ferro 1A;

    Cerca de 1150 -1000 = Idade do Ferro 1B;

    Cerca de 1000 - 900 = Idade do Ferro IIA;

    Cerca de 900 - 800 = Idade do Ferro IIB;

    Cerca de 800 - 600 (587) = Idade de Ferro IIC;

    587 - 332 = Perodo Babilnico e Persa;

    332 - 152 = I Perodo Helenstico;

    152 - 37 = II Perodo Helenstico;

    37 - 324 d. C. = Perodo Romano.

    Os debates entre a histria bblica, a histria universal e os resultados das interpreta-

    es arqueolgicas tm sido intensos e as divergncias esto longe de ser resolvidas. No obs-

    tante, perante o desafio do estudo do mundo bblico, temos que afirmar que as cincias bbli-

    cas precisam de se articular com outros textos, inscries e arqueologia, porque os textos ne-

    cessitam de estar em dilogo com os seus contextos. igualmente pertinente afirmar que a

    arqueologia pode iluminar os textos bblicos.

    46 Vide Antnio Augusto Tavares, As fontes, Civilizaes Pr-Clssicas, op. cit., p. 359, Tavares faz refern-

    cia N. Avigad, The world History of the Jewish People, Jerusalm, 1979, IV, 1, pp. 20-44. 47 Vide Relaes entre a Bblia e a Histria Mundial, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasi-leira, op. cit., p. 106. 48 Vide Ibid., p. 106. 49 Vide Cronologia, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, op. cit., p. 15. 50 Vide Ibid., pp. 19-23.

  • 14

    5. Como o Mundo Bblico se articula com a Geografia?

    O contexto do espao geogrfico tem sido, muitas vezes, negligenciado, razo pela

    qual devemos olhar com ateno para geografia da Terra Santa. Contudo, as terras da Bblia

    ou seja a rea geogrfica que os livros bblicos abrangem, enorme e engloba o Mdio Orien-

    te e pelo menos o Mediterrneo oriental.51

    A nossa ateno concentra-se no sudoeste do Cres-

    cente Frtil, ou seja, na regio abrangida pela rea geogrfica que se encontra entre a terra

    dos dois rios52

    no Oriente e o pas do Nilo, no Ocidente.53

    Esta rea geogrfica, a regio siro-

    palestinense, pode, nas palavras de Tavares, ser considerada uma ponte natural entre o Norte

    e o Sul, disputada constantemente por pases vizinhos.54

    Um conceito geogrfico importante, para designar esta rea geogrfica, Levante. O

    Levante representa as terras da costa do Mediterrneo oriental. A palavra, de origem latina,

    usada pelas lnguas neolatinas do Mediterrneo para designar a rea que abrange os pases

    atuais da Sria, Lbano, Israel, Palestina, Jordnia e Chipre. Levante significa, literalmente,

    oriente, onde nasce o Sol. O Levante, ou seja a regio srio-palestinense, crucial para a com-

    preenso do mundo bblico.

    A grande bacia do mar Mediterrneo caracterizada por invernos rigorosos e precipi-

    tao escassa durante o vero. Staubli explica que os ritmos climticos do Levante so deter-

    minados pelas chuvas anuais de Inverno. A sua intensidade varivel delimita as colheitas do

    pas. Em combinao com as diferentes paisagens existentes em pouco espao - de 3000 me-

    tros no Lbano at aos 400 metros abaixo do nvel do mar no mar Morto -, coexistem ecossis-

    temas diversos.55

    A estreita faixa da terra de Israel encontra-se entre o mar Mediterrneo e os

    desertos. O acidente topogrfico mais marcante a profunda fenda terrestre onde se situam o

    rio Jordo, o vale do Sal, o mar Morto e a Arab que se prolonga at ao mar Vermelho.

    Vieweger mostra que o espao geogrfico da Palestina marcado por duas caractersticas:

    uma primeira a sua diversidade - do Hermon coberto de neve at ao deserto ardente do

    Negueve e das reas costeiras frteis at ao deserto rido da Sria - e uma segunda o facto de

    ser uma rea de passagem - a Palestina pode ser considerada um corredor entre os povos

    que habitam a norte e o Egito, que se encontra a sul. Esta rea de passagem facilita tanto o

    51 Vide os mapas do mundo bblico em anexo I. 52 Regio conhecida por Mesopotmia. 53 Vide Antnio Augusto Tavares, O territrio e os habitantes, As Civilizaes Pr-Clssicas - guia de estudo,

    op. cit., p. 114. 54 Vide Ibid., p. 114. 55 Vide Thomas Staubli, Klima und Landschaft, Biblische Welten: Ein Bildatlas, Stuttgart, Deutsche

    Bibelgesellschaft, 2000, p. 4.

  • 15

    comrcio pacfico como as ambies geopolticas -.56

    Por vezes, esta regio chamada de

    corredor siro-palestinense, porm esta expresso no pode ser utilizada num sentido literal,

    porque no se pode negligenciar os habitantes que l tm vivido com uma certa permanncia.

    Olhando para os aspetos geogrficos propriamente ditos afirma o texto do Atlas Bbli-

    co, acerca da topografia da regio em estudo, que:

    A Palestina caracterizada basicamente por um relevo de redondas colinas e

    profundos vales, estendendo-se de norte a sul. Esta configurao influi grandemente

    no traado das vias principais. De oeste para leste h uma estreita plancie litoral, se-

    guindo-se dupla cadeia montanhosa, separada por um cavado vale em longitude (a

    fenda por onde corre o Jordo).57

    De acordo com Aharoni, as quatro zonas longitudinais da Palestina so subdivididas

    em:58

    I A zona costeira

    1. A plancie de Acco 2. O vale de Jezreel 3. O Saron 4. A costa da Filisteia 5. A Chefela 6. O Negueve ocidental

    II A faixa montanhosa central

    1. Galileia 2. Montanha de Efraim 3. Paisagem montanhosa da Judeia 4. O Negueve oriental

    III A fenda do Jordo

    1. O Vale Hul 2. O Kinneret (Mar da Galileia) 3. O vale Jordo 4. O mar Morto

    IV As terras altas da Transjordnia

    1. Bas 2. Guilead 3. Moab 4. Edom

    Aharoni mostra que uma diviso idntica j era conhecida em tempos bblicos e espe-

    cialmente as zonas da Palestina ocidental so descritas em vrias passagens bblicas (Deute-

    56 Vide Dieter Vieweger, Wo spielte sich alles ab?, Archologie der biblischen Welt, Gttingen, op. cit., p. 75. 57 Vide A Terra, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, op. cit., p. 58. 58 Vide Yohanan Aharoni, The Land of Many Contrasts, The Land of Bible, London, Burns & Oates, 1979, pp.

    21-41, (traduo realizada pelo autor).

  • 16

    ronmio 1, 7; Josu 10, 40; 11, 16; 12, 8; Juzes 1, 9).59

    Passo a transcrever os textos bblicos

    mencionados.

    Saiam portanto daqui e vo para as montanhas dos amorreus e para as regies

    vizinhas, no deserto, nos montes, no Negueve, na plancie costeira e no litoral, isto ,

    para a terra dos cananeus e para o Lbano, at ao grande rio, o Eufrates. (Deuteron-

    mio 1, 7).

    Desta forma, Josu conquistou todo o pas: venceu os reis da regio da monta-

    nha, do Negueve, das terras da Chefela e das plancies, . (Josu 10, 40).

    Josu conquistou todo o pas: a montanha, o Negueve, o territrio de Gssen,

    as regies da Chefela e da Arab, desde o monte Halac, no sul, perto de Edom, at

    Baal-Gad, no vale do Lbano, junto do monte Hermon. . (Josu 11, 16-17).

    Fez isso com a montanha, a regio da Chefela, o vale do Jordo, as colinas e as

    regies do deserto de Negueve. . (Josu 12, 8).

    Estes textos antigos no so manuais geogrficos, porm revelam um conhecimento do

    terreno. Afirma Houtson que as indicaes geogrficas nos livros bblicos so muitas vezes

    menes secundrias e aluses, porm so exatas e seguras.60

    No entanto de lembrar que a terra de Israel pequena - a rea da Palestina ocidental,

    de Dan at Berseba, tem apenas, aproximadamente, metade da superfcie de Portugal conti-

    nental - e os seus recursos naturais so limitados.61

    Surge a pergunta: como que um territ-

    rio to estreito e pequeno, tem assumido uma importncia to grande no decorrer dos aconte-

    cimentos? Esclarece Aharoni, acerca desta questo que a histria de um pas e do seu povo

    consideravelmente influenciada pelo seu ambiente geogrfico, tanto pelos condicionantes

    naturais, como clima, o solo, a topografia, etc., como pelas relaes geopolticas com as reas

    vizinhas. Esta realidade verifica-se especificamente na Palestina, um pas pequeno e relativa-

    mente pobre que, no obstante, ganhou a sua importncia atravs da sua localizao nica e

    central, na juno de dois continentes. Consequentemente pode ser considerado como ponte

    entre continentes e civilizaes.62

    necessrio estar consciente de que a Palestina se encontra

    no brao sudoeste do Crescente Frtil e que tem sido o mais pobre e o mais pequeno de todos

    os pases desta regio.63

    Ainda em relao topografia e s foras da natureza, explica Braudel que No Medi-

    terrneo, o motor das fracturas, das pregas tercirias e da justaposio das profundezas mari-

    nhas e dos cumes montanhosos uma geologia efervescente, cujo efeito no foi ainda apaga-

    59 Ibid. p. 41. 60 Vide James Houtson, A Bblia e o seu ambiente, O mundo da Bblia, David Alexander e Pat Alexander

    (eds.), So Paulo, Paulinas, 1986, p. 17. 61 Isserlin compare Israel com o tamanho da Sua, que tem aproximadamente a metade da superfcie de

    Portugal, vide Benedikt Sigmund Johannes Isserlin, Geographie: Das Land und seine Ressourcen, Das Volk

    der Bibel: Von den Anfngen bis zum Babylonischen Exil, Mainz, Verlag Phlipp von Zabern, 2001, p. 20. 62 Vide Yohanan Aharoni, The General Setting, The Land of Bible, op. cit., p. 3. 63 Vide Ibid., p. 5.

  • 17

    do pelo tempo ().64

    essencial notar que, ao longo dos tempos, os habitantes do lado ori-

    ental do Mediterrneo foram vivendo ameaadas pela ecloso de tremores de terra.65

    Nos tex-

    tos bblicos, os terramotos so mencionados ao longo das narrativas. Seguem-se alguns exem-

    plos: xodo 19, 18 menciona um terramoto no Sinai; 1 Samuel 19, 18 um em Jud, na altura

    do primeiro rei, Saul; no evangelho de Mateus 27, 51, relatado um grande tremor de terra

    em Jerusalm, na primeira metade do primeiro sculo da era comum e Atos 16, 26 regista um

    sismo em Filipos, na Macednia.

    O Mediterrneo oriental tambm deve ser visto como um espao no qual duas superf-

    cies planas - porm de naturezas diferentes -, se encontram, o deserto e o mar. Esta caracters-

    tica influencia um fenmeno importante da criao. Esclarece Braudel: A unidade essencial

    do Mediterrneo o clima, ().66

    Esta realidade gerada pelo deserto do Sara, que tem a

    sua influncia soberana no vero quente, com os cus limpos e, no Inverno, pelo oceano

    Atlntico que domina, com os seus ventos cheios de chuva. O captulo 27 do livro dos Atos

    descreve vivamente a realidade perigosa da navegao do mar Mediterrneo, durante o inver-

    no.67

    O clima tem sofrido mudanas ao longo do tempo. Esta realidade est a ser analisada

    em estudos ligados ao mundo bblico. A influncia de secas prolongadas est ainda a ser in-

    vestigada. Zwickel pesquisou o fenmeno da chuva, seca e fome, num estudo sobre o clima

    na Palestina nos ltimos dez mil anos.68

    As influncias locais e regionais do clima, no so-

    mente esto a ser referidos ao longo dos textos da Bblia, mas so parte essencial das narrati-

    vas bblicas. No entanto, as influncias que as mudanas climticas exerceram no domnio

    geopolticas, - por exemplo, a questo do desaparecimento de civilizaes inteiras -, precisa-

    vam ainda de ser pesquisadas e de ser colocadas num contexto histrico maior. Todavia,

    preciso olharmos ainda para a questo geogrfica dos relatos dos textos bblicos. Neste con-

    texto, surge a pergunta: quais so as designaes a utilizar quando se fala desta terra? Explica

    Tavares que o conceito terra de Cana mencionado nas inscries de Idrimi (sculo XV),

    nas cartas de Tell el-Amarna (sculo XIV) e numa carta de Ramss II a Hatusilis III (sculo

    64 Vide Fernand Braudel, A Terra, O Mediterrneo: O Espao e a Histria, Lisboa, Teorema, 1987, 12. 65 Vide Ibid., p. 14. 66 Vide Ibid., p. 16. 67 Braudel descreve este episdio no subcaptulo Navegar com mau tempo, vide Fernand Braudel, O Mar, O

    Mediterrneo: O Espao e a Histria, Lisboa, Teorema, 1987, p. 46. 68 Vide, Wolfgang Zwickel, Die Erforschung des Klimas in Palstina in den letzten 10000 Jahren, Welt und

    Umwelt der Bibel, n. 4, Stuttgart, Bibelwerk, 2007, pp 1-7. Disponvel em

    https://www.bibelwerk.de/sixcms/media.php/169/WUB_407_Weihnachten_Rep.pdf, [consult. 8 de Maro de

    2013].

    https://www.bibelwerk.de/sixcms/media.php/169/WUB_407_Weihnachten_Rep.pdf

  • 18

    XIII). O termo cananeu l-se tambm na documentao de Ras Shamra (sculo XIV).69

    A

    Bblia hebraica utiliza os conceitos terra dos amorreu, terra dos cananeus, ou terra de Ca-

    na. Segundo Vieweger, estas noes bblicas encontram-se tambm em textos sumrios e

    acdicos, do segundo e terceiro milnios, - para aqueles povos, a terra dos amorreus e cana-

    neus, indicava o Ocidente -, tambm os assrios mencionaram estes termos para descrever a

    Sria e a Palestina.70

    No entanto, hoje, estes conceitos antigos j no so mais usados, porm

    outros, como Palestina e Israel, continuam em uso. Explica Vieweger que o termo Palestina

    tem as suas origens no Egito Antigo, encontra-se igualmente em textos assrios e hebraicos e

    designava a terra dos filisteus.71

    Os romanos comearam, depois da segunda revolta judaica

    no segundo sculo d. C., a utilizar o nome Palestina como denominao geogrfica, porm

    com uma conotao depreciativa.72

    Todavia, se o termo Palestina for utilizado para descrever

    a rea geogrfica, ele pode ser considerado neutro, contudo, perante o contexto atual do con-

    flito israelo-palestiniano, o conceito Palestina pode tornar-se polmico.73

    Quando se fala de

    Israel, ou terra de Israel74

    , preciso especificar qual a rea que se pretende identificar com

    este conceito, porque ao longo dos textos bblicos o territrio de Israel variou consideravel-

    mente.75

    O termo Terra Santa pode ser uma alternativa, no entanto, trata-se dum conceito

    cristo e no contexto atual, figurando diferentes religies naquele territrio, este termo tam-

    bm no est livre de mal-entendidos. Uma alternativa usar a designao geogrfica Levante

    Sul que abrange as reas atuais de Israel, Palestina e Jordnia, mas tambm este conceito , do

    ponto de vista geogrfico, pouco preciso. Ainda assim, nestas pginas, os diferentes nomes

    esto ser utilizados como sinnimos, para descrever a rea geogrfica das narrativas bblicas.

    Concluindo esta parte da descrio geogrfica da terra em estudo, sejam aqui ainda ci-

    tadas as palavras de Tavares que a descreve nestes termos: (), o territrio de Israel esten-

    dia-se, no sentido Norte/Sul, de Dan a Beersheva, distncia que, em linha reta, no ultrapassa

    os 240 km. Era uma faixa de terreno situado entre o rio Jordo e o mar Mediterrneo. Na parte

    oriental do Jordo, situavam-se os antigos pases: Edom, Amon e ainda Aram.76

    69 Vide Antnio Augusto Tavares, O meio ambiente, Civilizaes Pr-Clssicas, op. cit., p. 349. 70 Vide Dieter Vieweger, Namen, Archologie der biblischen Welt, op. cit., p. 79. 71 Vide Ibid., p. 80. 72 Vide Ibid., p. 80. 73 O uso da palavra Palestina no sentido nacionalista, para descrever a populao rabe que viveu na rea geogr-

    fica da Palestina, foi introduzido por Yassir Arafat a partir dos anos setenta do sculo passado, vide Dieter

    Vieweger, Der Name, Streit um das Heilige Land, Mnchen, Gtersloher Verlagshaus, 2011, p 24. 74 Em hebraico eretz Israel. 75 Igualmente tem se ter em considerao a situao atual do estado poltico de Israel, vide Ibid., pp. 23-24. 76 Vide Antnio Augusto Tavares, O meio ambiente, Civilizaes Pr-Clssicas, op. cit., p. 349.

  • 19

    6. Como o ambiente natural na Palestina?

    Acabmos de observar que a Palestina est inserida num ambiente natural especfico.

    A localizao geogrfica especial e o clima condiciona a agricultura e a pecuria. Nesta

    perspetiva, o contexto geogrfico da terra de Israel revela importncia para o entendimento da

    histria e cultura bblica. As zonas montanhosas tinham a vantagem de ter chuvas mais fre-

    quentes, de facto a chuva foi e ainda um fator crucial nas terras da Bblia. O clima da Pales-

    tina sobretudo determinante para o crescimento da vegetao e a produo animal. O ambi-

    ente mediterrneo, no entanto:

    As variaes climticas da Palestina devem-se em grande parte ao facto de ser

    uma terra posta entre o mar e o deserto. A Palestina situa-se numa zona subtropical,

    com uma breve estao de chuvas no Inverno e prolongada estao seca no Vero. O

    volume das precipitaes varia consideravelmente nas diferentes partes do territrio,

    conforme a localizao e a altitude.77

    A precipitao diminui de norte para o sul. O norte da Palestina tem um clima mediter-

    rneo - hmido e quente -, mas o sul tem caractersticas mais subtropicais com pouca gua e

    temperaturas extremas. As chuvas no foram sempre regulares ao longo dos anos. A falta de

    gua foi uma ameaa permanente no Mdio Oriente, - de lembrar que a seca e a fome so

    relatadas muitas vezes ao longo dos livros da Bblia -. Em Samuel 21, 1 pode ler-se que No

    tempo de David, houve uma fome que durou trs anos consecutivos. Secas prolongadas so

    mencionadas no final da poca dos juzes78

    , por exemplo em Rute 1,1, foi o acontecimento

    que causou a emigrao da famlia de Elimelec para Moab. Na poca da monarquia, o rei Sa-

    lomo menciona na sua orao, na inaugurao do templo, em 1 Reis 8, 35 e 37, a permanente

    ameaa da falta da chuva e da fome.

    Como j foi referido, mudanas do clima, numa escala maior, j aconteceram nos tem-

    pos antigos. Zwickel argumenta que por volta de 1400 a. C., deve ter havido uma seca extre-

    ma que obrigou muitas povoaes da Palestina a abandonar as suas terras e grande parte das

    naes entrou em colapso, porm parece que por volta de 1300/1200 o clima comeou a me-

    lhorar.79

    O ambiente climtico mais favorvel que se verificou durante a poca da Idade do

    Ferro foi um fator que contribuiu significativamente para o desenvolvimento da monarquia de

    Israel.

    77 Vide A Terra, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, ob. cit., p. 58. 78 Termo bblico que abrange Idade do Ferro 1, ou seja cerca de 1200 at 1000 a. C.. 79 Zwickel mostra, no seu estudo de paleoclimatologia, a importncia das alteraes climticas para a histria da

    Palestina. O seu trabalho baseia-se na mediao do nvel do mar Morto - lado sul -, ao longo dos ltimos 10 000

    anos. O artigo de Zwickel trata o tema da chuva, seca, fome e um estudo do clima da Palestina nos ltimos

    10000 anos, vide Wolfgang Zwickel, op. cit, pp. 1-7.

  • 20

    6. 1 Plantas no contexto bblico

    No Levante, encontra-se uma enorme diversidade de flora. Foram identificadas mais

    de duas mil espcies de plantas.80

    No entanto, conforme Zohary, os livros da Bblia mencio-

    nam cento e dez plantas, cuja identificao nem sempre fcil.81

    O surgimento de uma varie-

    dade to grande de plantas em Israel e at dentro das mesmas zonas climticas tem a sua cau-

    sa nos diferentes solos.82

    As grandes diferenas no clima das vrias regies e nas estaes do

    ano fazem parte do mundo bblico e as causas e os efeitos das variaes climticas da Palesti-

    na j foram referidos. Zohary salienta que a falta de chuva e a fome so mencionadas cerca de

    cem vezes nos textos da Bblia e que a chuva o fator mais determinante para as colheitas e,

    consequentemente, para a existncia humana.83

    Porm, j em tempos bblicos, problemas am-

    bientais foram provocados por influncias tanto naturais, como humanas. De facto, o abate

    dos bosques em grande escala provocou eroso nas zonas montanhosas, assim como a inten-

    siva pastorcia,84

    com resultados s vezes drsticos. Seja aqui citado um texto da Bblia que

    menciona a existncia de densas florestas que j no existem h muito tempo, pois tero

    tambm a montanha com a floresta para desbravar. . Josu 17, 18a.

    As plantas so um elemento essencial na literatura bblica. Explica, Zohary, que difi-

    cilmente um outro povo da Antiguidade inclua tantas plantas na sua vida religiosa como os

    hebreus. Consequentemente, a flora faz parte dos ritos, das festas, est presente em manda-

    mentos e a primeira referncia s plantas encontra-se no relato de Gnesis.85

    Vejamos o pri-

    meiro relato da criao, em Genesis 1,11-12:

    Deus disse ainda: "Que a terra produza ervas e plantas que deem semente e r-

    vores que deem fruto, cada uma conforme a sua qualidade e que o fruto contenha a

    semente prpria." E assim aconteceu. A terra produziu toda a espcie de ervas, que

    do semente, conforme a sua qualidade, e rvores de fruto, com a semente prpria de

    cada uma. E Deus achou que aquilo eram coisas boas.

    Zohary menciona ainda a importncia das grandes rvores na literatura bblica, como

    os carvalhos, bem como o costume dos sbios da cidade em se reunir sombra das rvores e a

    importncia da flora para as grandes festas que se orientaram pela vida agrcola.86

    80 Vide A Fauna e a Flora no Levante, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, op. cit., p.

    60. 81 Vide Michael Zohary, Der Mensch der Bibel und seine Umwelt, Pflanzen der Bibel, Stuttgart, Calwer

    Verlag, 1983, p. 15. 82 Vide Ibid., p. 22. 83 Vide Ibid., p. 26. 84 Vide A Fauna e a Flora no Levante, op. cit., p. 60. 85 Vide Michael Zohary, op. cit., p. 45. 86 Vide Ibid., p. 45.

  • 21

    Todavia, o leitor atual precisa lembrar a sua distncia geogrfica e histrica para com

    o texto antigo e admitir que em relao s plantas descritas na Bblia, necessrio reconhecer

    que: primeiro, os autores antigos no se orientaram pela nomenclatura botnica atualmente

    conhecida; segundo, que especialmente perante plantas silvestres existe ainda incerteza acerca

    dos nomes das plantas nos textos bblicos hebraicos e gregos; e, terceiro, necessrio estar

    consciente de que existem incertezas e at erros nos nomes de algumas plantas nas diferentes

    tradues da Bblia. Tambm se deve reconhecer que os ecossistemas da Palestina diferem

    bastante de outras zonas geogrficas e que, nestes habitats de Israel, as plantas autctones so

    distintas. No obstante, a Palestina faz parte do Mediterrneo, e sobretudo as plantas de culti-

    vo em Israel e em Portugal so idnticas, pois, tanto o clima como os solos das duas reas

    geogrficas so parecidos. Passo a citar algumas plantas de cultivo que so mencionadas na

    Bblia e que se encontram tanto em Israel como em Portugal. A figueira (Mateus 24, 32), a

    oliveira (Carta aos Romanos 9, 8-9), a alfarrobeira / alfarroba (Lucas 15, 16), a amendoeira

    (Eclesiastes 12, 5), a romzeira (Cntico dos Cnticos 4, 3), a macieira (Joel 1, 12), a amorei-

    ra (Lucas 17, 6) e a videira (Ams 9, 13).

    6.2 Animais no contexto bblico

    O Atlas Bblico explica que conhecida grande variedade de animais no Levante,

    entre os quais cerca de cem espcies de mamferos e quase quinhentos espcies de aves (das

    quais cerca de duzentos fixadas na Palestina).87

    A fauna, na Bblia, mostra o encontro dos

    continentes africano e asitico j que, na Palestina, coexistiram animais originrios de ambos

    os continentes. Em tempos bblicos o crocodilo de origem africana ainda viveu na Palestina.

    Ams 5, 19 refere-se ao urso88

    oriundo do Mdio Oriente asitico e ao leo que naquela altura

    existiu tambm naquela rea da sia. Os textos da criao dos animais - tanto no primeiro

    relato em Gnesis 1, como no segundo, em Gnesis 2 - e a narrao na qual No sobrevive ao

    dilvio, com a arca cheia de animais - em Gnesis 6-9 -, so bem conhecidos. Estas exposi-

    es mostram pois que os animais no so apenas elementos secundrios nas narrativas bbli-

    cas, mas que na verdade, fazem parte integrante da criao e da histria bblica. Afirma o

    Atlas Bblico que A Bblia refere muitos e variados tipos de animais selvagens e domsticos.

    87 Vide A Fauna e a Flora no Levante, op. cit., p. 60. 88 Trata-se do urso-siraco (ursus arctos syriacus), que uma subespcie do urso-pardo, vide Adrian Schouten

    van der Velden, Syrischer Braunbr, Tierwelt der Bibel, Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1992, pp. 144-

    145.

  • 22

    As suas caractersticas so com frequncia usadas para realar certos passos bblicos. Assim, a

    rapidez e agilidade do veado usada por Isaas (35, 6) 89

    Na verdade, muitos animais so

    mencionados tanto no Antigo como no Novo Testamento. Passo a citar alguns poucos exem-

    plos. Em Provrbios 30, 27 so admirados os gafanhotos, que no tm rei, mas andam em

    grupos ordenados. A serpente temida e comparada com os homens maus em Salmo 140, 2-

    4, no entanto em Nmeros 21, 9 testemunhado que atravs da serpente veio a ajuda. A ove-

    lha um animal domstico que mencionado ao longo dos textos da Bblia e bem conhecida

    nas parbolas (Lucas 15, 3-7). Segundo Gnesis 1, 20 e 21 tambm os seres vivos que habi-

    tam na gua foram criados, no entanto, os peixes no so especificados nos textos bblicos. A

    pomba assume papis importantes, tanto no Antigo como no Novo Testamento (Gnesis 8, 8-

    12 e Marcos 1, 10). Alm disso, o fenmeno das migraes das aves mencionado em Jere-

    mias 8, 7 At as cegonhas conhecem a estao da migrao. A rola, o grou e a andorinha,

    sabem quando devem migrar. . De facto so milhes de aves migratrias que fazem anu-

    almente, desde os tempos bblicos, passagens nos cus da Palestina.

    Excurso: Tradues do nome dum animal

    Um animal selvagem que tem causado incertezas nas tradues da Bblia, tem o nome

    hebraico sapan90

    . O sapan aparece em Levticos 11,5, Deuteronmio 14, 7, Salmo 104, 18 e

    Provrbios 30, 26. O sapan, conforme o texto bblico, anda nas rochas. J os tradutores da

    Septuaginta mostraram dificuldade nesta questo e traduziram sapan para lebre91

    . Nas dife-

    rentes verses portuguesas, o sapan tem recebido designaes distintas: coelho tanto na Bblia

    Sagrada da traduo de Joo Ferreira de Almeida edio revista e corrigida92

    como em A

    Bblia para todos93

    ; gerbo - que seria uma espcie de rato -, na Bblia Sagrada da Difusora

    Bblica94

    e arganaz - que seria um tipo de leiro -, tanto na Bblia de Jerusalm95

    como na

    Bblia, traduo de Joo Ferreira de Almeida segunda edio revista e atualizada96

    . Porm,

    sapan no coelho, nem gerbo, nem arganaz, nem lebre. Quem j andou pela Palestina deve

    ter visto, com alguma facilidade, que este animal que habita nas rochas. O nome deste animal

    89 Vide A Fauna e a Flora no Levante, op. cit., p. 60. 90

    Em hebraico !p'v' . 91 Em grego coirogru,llioi, vide Adrian Schouten van der Velden, Kapklippschliefer, Tierwelt der Bibel, Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1992, p. 126. 92 Vide A Bblia Sagrada (traduzida por Joo Ferreira de Almeida, edio revista e corrigida), Lisboa, Sociedade

    Bblica, 1986, p.663. 93 Vide a Bblia para todos, Lisboa, Sociedade Bblica, 2011, p. 844. 94 Vide Bblia Sagrada, Lisboa [et. al.], Difusora Bblica, 2000, p. 1032. 95 Vide A Bblia de Jerusalm, So Paulo, Edies Paulinas, 1986, p. 1162. 96 Vide Bblia (traduo de Joo Ferreira de Almeida, segunda edio revista e atualizada), Barueri, Sociedade

    Bblica do Brasil, 1993, p. 703.

  • 23

    hirax97

    , cuja famlia est espalhada pelo Levante, ao longo das margens do mar Vermelho, e

    pela frica. Este mamfero no apresenta qualquer familiaridade com os animais que surgem

    nas verses acima mencionadas. Na verdade, tradutores de outras lnguas tambm revelaram

    dificuldade em identificar o sapan. Entretanto, Koehler e Baumgartner no seu dicionrio He-

    braico - Ingls e Alemo, indicam a designao correta de sapan98

    . Assim, vemos que para

    compreender o mundo bblico importante conhecer o prprio contexto.

    7. O papel das estradas que atravessaram a Palestina99

    A topografia tem sido determinante para a construo das estradas principais no Le-

    vante Sul. H duas ligaes que podem ser consideradas estradas internacionais. Ao longo

    do mar Grande, ou seja do Mediterrneo, na zona costeira, encontra-se o caminho do mar,

    ou tambm chamado estrada do mar. Explica Loureno que, assim chamado por se situar

    ao longo da costa, tinha grande importncia estratgica e comercial (...) Por esta via circula-

    vam tambm as caravanas que traziam os produtos do Oriente para serem embarcados na cos-

    ta para o Ocidente.100

    Esta importante rota internacional foi, durante muito tempo, dominada

    pelo Egito e por ela passaram mensageiros, caravanas e expedies militares. Comeava no

    Baixo Egito e estendia-se ao longo das plancies litorais da Palestina.101

    Em xodo 13, 17,

    esta via chamada o caminho que atravessa a terra dos filisteus. A propsito das invases

    assrias, o livro de Isaas, em 8, 23, designa esta estrada de o caminho ao longo do mar102

    .

    Mais tarde, j na era crist, este itinerrio internacional recebeu o nome Via Maris, devido

    traduo latina da Bblia, a Vulgata.103

    A Via Maris ligava o Egito Mesopotmia, seguia

    pelo Sinai ocidental ao longo do mar Mediterrneo, entrava na zona costeira da terra de Israel,

    passava pela Filisteia e continuava at ao fim do monte Carmelo, altura onde se divida em

    direo a norte. A partir de Meguido, o eixo ocidental seguia pela Fencia para o Norte; a ou-

    tra via acompanhava a Transjordnia, continuando por Damasco e um terceiro ramo dava li-

    gao Via Regis.

    97 Nome cientfico Hyrax syriacus, ou Procavia syriaca. 98 Estes autores indicam o nome cientfico Procavia syriaca. Vide Ludwig Koehler e Walter Baumgartner,

    Lexicon in Veteris Testamenti Libros, Leiden, E. J. Brill, 1958, p. 1005. 99 Vide os mapas do mundo bblico em anexo I. 100 Vide Joo Duarte Loureno, Contextualizao da Palestina no Mdio Oriente, Histria e Cultura Bblica. I

    - Do Imprio de David ao Exlio da Babilnia, Lisboa, [s. n.], 2007, p. 16. 101 Vide A Terra, Atlas Bblico - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, op. cit., p. 59. 102 Em hebraico derek hayam. 103 Vide Yohanan Aharon, Roads and Highways, The Land of Bible, op. cit., p. 46.

  • 24

    Outro percurso de valor internacional era a chamada estrada, ou via dos reis104

    , tam-

    bm chamado de via real, ou Via Regis. Esta rota comea na Arbia e sobe at ao Golfo de

    Eilath, atravessa a montanha e passa por Petra e por Filadlfia, a atual Amam, capital da Jor-

    dnia, ligando Via Maris, em Damasco.105

    O nome estrada dos reis, aparece em hebraico

    em Nmeros 20, 17.106

    Este itinerrio foi menos importante para o comrcio, porm assumiu

    uma funo militar para controlar a Transjordnia, ou seja o lado oriental do rio Jordo. Pen-

    sa-se que o episdio da perseguio dos reis do oriente, descrito em Gnesis 14, ocorreu ao

    longo da via dos reis. Deuteronmio 3, 1 indica que esta via de comunicao tinha tambm o

    nome regional de caminho de Bas, no entanto a via real teve continuidade at Damasco.

    As outras estradas da Palestina eram secundrias e maioritariamente utilizadas pela

    populao de Israel. A via da montanha passava pelas montanhas de Jud. Os caminhos me-

    nores que atravessavam o pas, do Oriente ao Ocidente, tiveram de ultrapassar vrios obstcu-

    los topogrficos, como vales e grandes diferenas de altitude. No entanto, estes caminhos fo-

    ram importantes para as comunicaes internas do pas e contriburam para o seu desenvol-

    vimento econmico. O comrcio com a Arbia mencionado em 1 Reis 10, 1-3, onde rela-

    tado como a rainha de Sab visitou o rei Salomo. Salomo tambm ter mantido relaes de

    comrcio com a rainha de Sab, no Sul da Arbia.107

    O estudo dos fatores econmicos tem sido negligenciado muitas vezes na histria anti-

    ga e ainda mais em trabalhos sobre a Bblia e o seu mundo. Porm os textos antigos no ex-

    cluem questes que hoje em dia so consideradas econmicas. A economia faz parte do con-

    texto bblico e preciso perceber o interesse deste assunto. Segundo Tavares, a economia

    uma determinante da Histria na Antiguidade108

    Conforme o mesmo autor, muitas vezes,

    impossvel isolar, nos textos antigos, o elemento econmico, separando-o do social, do polti-

    co, do cultural ou at religioso.109

    A distncia histrica, geogrfica e cultural entre o Israel

    antigo e o mundo atual grande, contudo, a vida econmica tem que ser vista no contexto

    maior de uma civilizao. Tavares salienta que:

    Um estudo sobre economia antiga no pode separar-se facilmente duma hist-

    ria que seja simultaneamente poltica, social, cultural, religiosa, etc., j que os fatores

    104 Em hebraico derek hammelek. 105

    Vide Joo Duarte Loureno, op. cit., p. 18. 106 Em hebraico %l,M,h; %r

  • 25

    caractersticos dessas diversas reas esto entre si intimamente ligados e so por vezes

    inseparveis. Mas nenhuma dessas razes poder impedir-nos de falar da economia

    que esteve presente, ainda que de forma rudimentar, nas sociedades mais antigas

    (...).110

    A economia do mundo antigo tem que ser abordada no seu contexto. No esforo de en-

    tender melhor o ambiente, a perceo da topografia da terra de Israel necessria para a com-

    preenso do assunto em questo.

    O mundo bblico bastante vasto, pois abrange um territrio grande. Os acontecimen-

    tos narrados nos textos bblicos comeam na Mesopotmia, descem o Levante, vo at ao

    Egito e voltam Palestina. Ao longo dos relatos bblicos, esta grande rea geogrfica palco

    dos acontecimentos. Contatos com a Europa so mencionados esporadicamente, mas somente

    no fim da segunda parte da Bblia crist o nosso Velho Continente entra em cena. A compre-

    enso da geografia das terras bblicas fundamental para um entendimento dos textos da B-

    blia. A terra de Israel longe da nossa realidade? Sim, mas no obstante, faz parte do Medi-

    terrneo e tem tido muitos aspetos em comum com a Pennsula Ibrica. Na altura do Novo

    Testamento a Lusitnia e a Judeia estavam sob administrao romana, por exemplo.

    Perpetuar a sua existncia na memria das geraes vindouras foi uma preocupao

    constante nas culturas antigas. Os hebreus investiram na educao do povo e nas geraes

    novas. A teoria, ou seja ensino, foi ligada prtica da vida diria. Assim a historiografia b-

    blica conseguiu garantir a continuidade viva da sua memria. A recordao assumia tambm

    funes sociais na comunidade, porque as leis lembraram constantemente o direito dos mais

    fracos. A procura da justia social tambm garantia a continuidade da memria coletiva, pois

    impedia ruturas. Ser o mundo bblico uma memria? Sim, essencial enfatizar que o recor-

    dar bblico tem tido uma prxis bem concreta, duradora e resistente ao esquecimento.

    110 Vide Ibid. p. 10.

  • 26

    8. Excurso: Ser o Mundo Bblico uma Memria a ser lembrada?

    Ser o Mundo Bblico uma memria com valor para os dias de hoje? Perante esta

    questo, vale a pena refletir acerca do conceito memria no contexto do mundo bblico.

    Catroga v trs nveis de memria: a proto-memria, fruto dos hbitos e da socializa-

    o e fonte dos automatismos do agir, a memria propriamente dita, que enfatiza as recorda-

    es e o reconhecimento, e a metamemria, conceito que define as representaes que o indi-

    vduo faz do que viveu.111

    Segundo o mesmo

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