o método das ciências humanas

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O MÉTODO DAS CIÊNCIAS HUMANAS

1. EXPLICAR E COMPREENDER Apenas no século XIX as ciências humanas

começaram a se desligar da filosofia, buscando seu próprio método.

Surgiu, então, um problema: como abordar essas questões com objetividade? Testando hipóteses pela experimentação? Generalizando experiências até descobrir leis gerais?

Novo objeto das ciências: o ser humano.

A explicação é causal, explica-se um fato indicando sua causa.

Foi assim que Galileu chegou à lei da queda dos corpos e Newton à teoria da gravitação universal.

A compreensão depende de interpretação, encontra-se vinculada com a intencionalidade dos atos humanos, sempre voltados para motivações diversas, valores e finalidades, já que o ser humano é consciente de si.

2. Dificuldades metodológicas das ciências humanas

a) Complexidade - o comportamento humano resulta de múltiplas influências, como hereditariedade, meio, impulsos, desejos, memória, bem como da ação da consciência e da vontade, o que o torna extremamente complexo.

b) Experimentação – é sempre difícil identificar e controlar os diversos aspectos que influenciam os atos humanos.

A motivação dos sujeitos também é variável e as instruções do experimentador podem ser interpretadas de maneiras diferentes.

c) Matematização - se a passagem da física aristotélica para a física clássica de Galileu deu-se pela transformação das qualidades em quantidades, poder-se-ia concluir que a ciência será tão rigorosa quanto mais ela for matematizável.Esse ideal é problemático com relação às ciências humanas, cujos fenômenos são essencialmente qualitativos.

d) Subjetividade - se o sujeito que conhece é o objeto que se quer conhecer, parece ser difícil contornar a subjetividade, porque o ser humano não é estranho para outro ser humano.

e) Liberdade - se as leis das ciências da natureza supõem o determinismo - ou seja, na natureza tudo o que existe tem uma causa - , como fica a questão da liberdade humana?

O método utilizado depende, de certa maneira, dos pressupostos filosóficos que embasam a visão de mundo do cientista.

3. O nascimento das ciências humanas. As ciências humanas se tornaram autônomas a partir do século XIX.

Destacam-se duas tendências: a positivista e a hermenêutica.

A tendência positivista remonta a Augusto Comte e a Stuart Mill (séc. XIX) e influenciou o surgimento das primeiras ciências humanas, cujos procedimentos pretendiam ser semelhantes aos das ciências da natureza.

A tradição positivista tem como princípio a explicação causal.

A tendência hermenêutica procede à interpretação do que pensamos conhecer, a fim de decifrar o sentido oculto no sentido aparente, o que significa compreender as peculiaridades únicas de seus objetos.

Hermenêutica ( arte de interpretar).

A psicologia

O início da psicologia como ciência foi marcado pela tendência positivista.

Tratava-se de uma psicofísica, em que o método visava a quantificar e generalizar a relação entre as mudanças do estímulo e os efeitos sensoriais correspondentes.

Quanto ao esforço dos primeiros estudiosos da psicologia de se restringirem aos fenômenos psíquicos – como a percepção visual - , por poderem ser quantificados, os filósofos da corrente humanista respondem que não há fatos com a objetividade pretendida, pois não percebemos o mundo como um dado bruto, desprovidos de significados.

4. A psicologia comportamentalista

A psicologia comportamentalista ou behaviorismo nasceu nos Estados Unidos e até hoje é uma das tendências importantes da investigação científica.

PAVLOV: O REFLEXO CONDICIONADO O médico russo Ivan Pavlov (1849-1936)

encontrava-se inicialmente interessado no funcionamento dos fenômenos da digestão e salivação, mas as experiências com cães levaram-no à explicação da aprendizagem pelo reflexo condicionado.

Esquema:

Se associarmos os dois eventos, sempre que apresentar o alimento fazer soar a campainha, depois de um tempo, apenas o som provocará salivação, sem a presença do alimento. Isso significa que o som, antes um estímulo neutro para a salivação, passou a ser um estímulo eficaz: criou-se um reflexo condicionado, houve aprendizagem.

O estímulo alimento é chamado reforço positivo, pois é ele que torna a reação mais frequente, garantindo a manutenção da resposta.

Se o reforço não for mais apresentado, a tendência é a extinção da resposta.

Skinner: o condicionamento operante

Todos nós sabemos que desde a infância estamos submetidos a diversos condicionamentos: aprendemos desde o controle da micção, passando pelo controle de reações emocionais como medo e raiva, até hábitos como dirigir um carro.

Daí ser importante conhecer que estímulos são determinantes para a aquisição de comportamentos desejados ou para a extinçao dos indesejados.

O behaviorismo pretende atingir o ideal positivista pelo qual a psicologia, para se tornar ciência, precisaria seguir o exemplo das ciências naturais, tornando-se materialista, mecanicista, determinista e objetiva.

São abandonadas todas as discussões a respeito da consciência, conceito filosófico considerado impróprio para uso científico.

A introspecção é rejeitada, e o único objeto digno de estudo é o comportamento, em toda sua exterioridade.

Os comportamentalistas costumam se referir à consciência como sendo uma “caixa-preta”, inacessível ao conhecimento científico.

O psicólogo burrhur skinner fazendo experiência com rato na “caixa de skinner”, 1964

Na “Caixa de Skinner” é colocado um animal faminto: depois de, casualmente, esbarrar diversas vezes em uma alavanca, percebe que o alimento aparece sempre que a aciona; assim, realiza a associação entre alavanca e alimento. Apertar a alavanca é a resposta, dada antes do estímulo, que é o alimento. Skinner criou inúmeras variantes dessas caixas, inclusive aquelas em que o animal age visando a evitar uma punição, como saltar para outro local depois de “avisado” por um sinal luminoso ou sonoro, antes que um choque elétrico seja acionado.

Campos de aplicação As descobertas de Skinner foram amplamente

utilizadas nos Estados Unidos em diversos campos da atividade humana. Por exemplo, a instrução programada: o aluno recebe um texto com uma série de espaços em branco para serem preenchidos em nível crescente de dificuldade.

Partindo do princípio de que o reforço deve ser dado a cada passo do processo e imediatamente após o ato, a cada momento o aluno pode conferir o erro ou acerto de sua resposta.

O processo foi aperfeiçoado na “máquina de ensinar”, que substitui o professor em várias etapas da aprendizagem.

Também é utilizado em empresas, com o intuito de estimular o aumento da produção. A cada meta atingida, atribuem-se pontos, que são acumulados e transformados em benefícios para os considerados melhores.

As técnicas skinnerianas usadas na educação familiar visam a criar bons hábitos e corrigir comportamentos.

No tratamento psicológico de certos comportamentos, a terapia comportamental ou reflexologia visa a descondicionar os maus hábitos, levando, por exemplo, um alcoólatra a deixar de ingerir bebida alcoólica.

Filme laranja mecânica, de 1971

No filme, o diretor Stanley Kubrick critica o behaviorismo, ao mostrar o processo de descondicionamento de um indivíduo violento: ele é induzido quimicamente a ter náuseas enquanto assiste a cenas de violência.

Os terapeutas comportamentais discordam desse método, explicando que ele, além de ser baseado no pouco eficiente condicionamento pavloviano, não costuma ser usado por questões éticas.

Afirmação de skinner (WaldeN II: UMA SOCIEDADE DO FUTURO):

“Eu nego que liberdade sequer exista. Devo negá-lo, ou meu programa seria absurdo. Não se pode ter uma ciência sobre um assunto que salte caprichosamente. Talvez não possamos nunca provar que o homem não é livre; é uma suposição. Mas o sucesso crescente de uma ciência do comportamento torna isto cada vez mais plausível.”

A PSICOLOGIA DA FORMA

Os teóricos da psicologia da forma, ou Gestalt, sofreram explicitamente a influência da fenomenologia e, nesse sentido, opõem-se às psicologias de tendência positivista.

Seus principais representantes foram os alemães Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Kofka (1886-1941).

Gestalt - forma, configuração

A percepção A psicologia derivada da tendência empirista

reduzia a percepção a uma análise rigorosa, até encontrar o “átomo” psíquico fundamental.

O mundo percebido seria inicialmente uma grande confusão de sensações, cujos fragmentos se organizariam trabalhosamente pelo processo de associação, da qual, resultam por fim as percepções e depois as ideias.

Os gestaltistas, em oposição, afirmam que não há excitação sensorial isolada, mas complexos em que o parcial é função do conjunto. Isso significa que o objeto não é percebido em suas partes, para depois ser organizado mentalmente, mas se apresenta primeiro na totalidade, e só depois o indivíduo atentará para os detalhes.

No dia a dia encontramos inúmeros exemplos da tendência à configuração: sempre identificamos formas nas nuvens (rosto, cachorro, dragão...);

As constelações representam a cruz, o escorpião; reconhecemos um rosto familiar, mas longe dele muitas vezes não nos lembramos bem dos detalhes.

Já pensaram como é difícil descrever alguém para um retrato falado? Isso porque percebemos o rosto no seu conjunto, e não nos detalhes.

O comportamento

Há que partir da admissão de um campo total em que o organismo e o meio entram como dois polos correlativos que constituem o verdadeiro ambiente da ação.

Assim, um mesmo espaço se estrutura de forma diferente se o percorro como faminto, fugitivo ou artista.

Köhler fez diversas experiências com chimpanzés (alcance de uma banana inacessível – deve perceber como um todo o campo onde se situa, ele só tem o insight quando estabelece a relação fruta-caixote ou fruta-bambu).

A Gestalt estuda, na percepção, as figuras ambíguas. No primeiro desenho vemos ora uma taça, ora dois perfis;

No segundo, um triângulo branco sem contorno ou outra figura;

Dependendo da função que damos às linhas, alteramos a relação entre figura e fundo.

A gestalt terapia Foi desenvolvida pelo psicanalista alemão

Friederich Perls (1893-1970), mais conhecido como Fritz Perls.

Entendia a ação humana como uma totalidade, em que ações mentais e físicas estão entrelaçadas, assim como o organismo e o ambiente que o circunda.

O ser humano é, portanto, um ser de relação.

Por exemplo, ao observarmos uma sala cheia de gente, percebemos o local como uma unidade, nas quais alguns aspectos sobressaem enquanto outros ficam em segundo plano (conceito de figura e fundo).

Essa perspectiva pode ser alterada se outros aspectos passarem a ser pregnantes, situação em que a forma do ambiente se altera.

Preocupado em privilegiar o que acontece “aqui e agora”, Fritz Perls não faz, como Freud, um retorno à história passada, mas prefere focar na experiência de viver no presente.

Ciente de que o neurótico não se sente como uma pessoa total, a terapia visa a recuperar seu sentido de totalidade, já que o equilíbrio psíquico foi quebrado pela neurose, impedindo que o indivíduo se relacione com o meio e se autoregule.

O tratamento gestáltico consiste em restabelecer a capacidade do neurótico de discriminar, encaminhando-o para a integração: ao facilitar que gestalts inacabadas emerjam à consciência, elas poderão ser completadas.

No Brasil, um dos importantes representantes da Gestalt terapia foi o psiquiatra e escritor Roberto Freire (1927-2008).

Freud e o inconsciente O conceito psicanálise possui três sentidos: é um

método interpretativo (hermenêutica), um tratamento psicológico (psicoterapia) e uma teoria, ou seja, um conhecimento que o método produz.

A principal novidade dessa teoria encontra-se na hipótese do inconsciente e na compreensão da natureza sexual da conduta.

Usando de uma metáfora, poderíamos dizer que a vida consciente é apenas a ponta de um iceberg, cuja montanha submersa simboliza o inconsciente.

A energia que preside os atos humanos é de natureza pulsional, e Freud põe em relevo a energia de natureza sexual chamada libido.

Mas a sexualidade não deve ser identificada à genitalidade; seu significado é muito mais amplo, abrangendo toda e qualquer forma de gratificação ou busca do prazer.

As três instâncias do aparelho psíquico

Freud delimita três instâncias diferenciadas: o id, o ego e o superego.

O id (do latim, “isto”) constitui o polo pulsional da personalidade, o reservatório primitivo da energia psíquica.

O ego (do latim, “eu”) é a instância que age como intermediária entre o id e o mundo externo; o ego enfrenta conflitos para adequá-las pela razão às circunstâncias.

O superego (ou supereu) é o que resulta da internalização das proibições impostas pela educação, de acordo com os padrões da sociedade em que vivemos.

A relação entre essas três instâncias é dinâmica. O id orienta-se pelo princípio do prazer e evita a dor. Porém, em contato com as normas sociais forma-se o superego, que interioriza as forças inibidoras do mundo exterior.

O conflito entre as duas forças antagônicas – a busca do prazer e a exigência dos deveres – é resolvido pelo ego a partir do princípio da realidade.

Ao levar em conta as condições impostas pelo mundo exterior, aprende a lidar com o desejo, decidindo sobre a conveniência de realizá-lo, proibir sua satisfação ou apenas adiá-la.

Quando o conflito é muito grande e o ego não suporta a consciência do desejo, este é rejeitado, o que determina o processo chamado repressão.

No entanto, o que foi reprimido não permanece no inconsciente, pois, sendo energia, precisa ser expandido.

Reaparece, então, sob a forma de sintoma.

Os sintomas devem ser decifrados na sua linguagem simbólica.

Enquanto os sintomas permanecem obscurecidos pelo desconhecimento das causas, tem-se como consequência as neuroses ou até desordens mais graves.

A associação livre Há várias maneiras de sondagem do inconsciente,

mas, para Freud, os sonhos são a “via régia”, o caminho real e privilegiado.

O que recordamos de um sonho é o seu conteúdo manifesto que às vezes nos parece incoerente e absurdo, há um conteúdo latente, a ser descoberto pela decifração do seu simbolismo.

Para tanto, Freud propõe a técnica da associação livre, pela qual o próprio indivíduo, seguindo o fluxo espontâneo das ideias, dá as pistas para descobrir o sentido oculto.

Além dos sonhos, há outros fenômenos psíquicos privilegiados por Freud, como os atos falhos e os chistes.

Os atos falhos são pequenos deslizes, como esquecimentos, troca de nomes ou lapsos.

O chiste consiste em gracejos feitos sem aparente intenção de ofender ou seduzir, mas que revelam forças agressivas ou eróticas reprimidas.

Psicanálise e cultura Em Mal-estar na civilização, escrito em 1930, Freud

reflete sobre o efeito da repressão dos instintos agressivos e sexuais e seus resultados na civilização.

Com pessimismo conclui que é alto o preço pago pelo indivíduo para se tornar civilizado. Assim diz:

“A civilização consegue dominar o perigoso desejo de agressão do indivíduo enfraquecendo-o, desarmando-o e estabelecendo no seu interior um agente para cuidar dele, como uma guarnição numa cidade conquistada.”

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