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Fontes documentais nos estudos legislativos: fundamentos para uma leitura1

Jorge Barcellos, Doutorando em Educação2, Coordenador do Memorial da Câmara Municipal de

Porto Alegre

Este texto deseja realizar uma aproximação entre o campo dos Estudos Legislativos, História

Política e Antropologia Política, reunindo argumentos de uma série de analises que privilegiam o

parlamento e apontando o campo das fontes legislativas para pesquisa em Políticas

Educacionais. Trata-se de fundamentar um elemento da parte inicial para nossa qualificação

com um aspecto importante para nossa tese: a que revisa a produção bibliografia em vistas a

defesa da pertinência da documentação legislativa para a análise de Políticas Educacionais.

Apesar de tema clássico na historiografia, a problemática das fontes de pesquisa pouca atenção

deu aos documentos legislativos. Privilegiando fontes acumuladas em arquivos, documentos

administrativos em sua maioria, a ciência histórica poucas reflexões fez sobre legislação. A

história política propriamente dita, evoluem de perspectivas que analisam o papel do Estado –

história política tradicional – à incorporação do poder ao estilo da Nova História.3 Do outro

lado, no campo dos Estudos Legislativos, o avanço teórico e epistemológico que a área realizou

pouco avançou no que se refere a uma crítica das fontes, geralmente estatísticas eleitorais e

analise de movimentos de conjuntura política. É o caso das abordagens de Fernando Limongi4,

que apesar de terem grande importância para os Estudos Legislativos no Brasil e para diversos

pontos de nossa investigação, já que resultam em investigações que centram-se nas

estratégias de poder, nos processos que se instauram nas instituições políticas, nas descrições

das forças em atuação, deixam em segundo plano a análise dos processos legislativos em si

mesmos. Limongi apóia-se em uma base teórica precisa – o chamado neo institucionalismo, ou

seja, estudos que privilegiam a distinção quanto a natureza da forma de governo, deixando ao

lado a crítica necessária à fontes de interpretação que a produção legislativa permite, e que

entendemos, deveria vir em primeiro lugar. A investigação sobre os efeitos das leis sobre o

comportamento de políticos e eleitores precede, em parte, das análises sobre os discursos

políticos e da produção da legislação que os processos legislativos encarnam e que possui

materialidade privilegiada de investigação.

1 Estudo preparatório para a parte inicial de nosso projeto de qualificação 2 Coordenador do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre 3 A esse respeito, Francisco Falcon em História e Poder, capitulo de Domínios da História, assinala o seguinte: “se tivermos presente o fato de que a renovação da história política em outros centros culturais passou e passa necessariamente pelo diálogo do historiador político com a sociologia, a antropologia, ficará evidente que, para detectarmos mudanças e inovações, é essencial sair do território do historiador tomado em seu sentido exclusivo”(FALCON, 1997, p.88). 4 Dois textos ilustram essa posição. O primeiro, “O Novo Institucionalismo e os Estudos Legislativos”(BIB, 37,1994,3-38) e “Formas de Governo, Leis Partidárias e Processo Decisório”(BIB, 55m 2003m7-40). O primeiro usa da teoria neo institucionalista para dar conta do funcionamento do parlamento; o segundo, retoma a teoria anterior para exemplificar o funcionamento de estruturas políticas de diversos paises.A ausência de uma critica das fontes em ambos textos é evidente.

Para analisar o tema dividimos este estudo em três partes principais. A primeira trata do relato

dos Estudos Políticos. Trata-se de buscar uma aproximação da produção, com o objetivo de

deixar aberta a porta para o campo das políticas educacionais. Após, esperamos trazer ao leitor

uma definição de historia política quer sirva para análise do presente. Finalmente, o

questionamento da documentação legislativa como ponto de partida para a reconstrução das

Políticas Educacionais.

A retomada da política

A retomada da política acontece como conseqüência do desenvolvimento das ciências humanas.

A década de 80 foi pródiga de avanços: mentalidades, antropologia, gênero, tudo enfim, ao

transformar o cenário das ciências humanas, terminaram por empurrar o político para o cerne

das humanidades. Os historiadores conhecem bem os atores: Thompson, Furet, Ferro,

Ronsavalon, entre outros mostram que “o político como o lugar onde se articulam o social e

sua representação, a matriz simbólica na qual a experiência coletiva se enraíza e ao mesmo

tempo se reflete”( DALESSI0&JANOTTI, 1996,124).

Nem sempre foi assim. O começo da crise da história política foi com a chamada Escola dos

Analles, que criticou severamente o imediato do político, preferindo a “longa duração”. Seus

postulados diziam que a análise e a síntese devem se sobrepor aos fatos. A história total

deveria substituir a história factual. A produção hegemônica do século XIX na qual a história

política era uma sucessão cronológica de fatos chegava ao fim. Documentos e acervos políticos

perdem espaço no horizonte do historiador.

O fato de que um tipo de abordagem fosse condenada não significava o fim da história política.

Jacques Juliard, no texto “A Política”, incluído na coletânea “História: novas abordagens”, de

Jacques Le Goff, em 1974 e Pierre Nora, no texto “O retorno do fato” de 1979, defenderam o

estatuto da História Política marcando a mudança entre a velha e nova historiografia. A

vivacidade da história contemporânea levava ao renascimento do político. Para Jean Boutier e

Dominique Julia, a história política e a história cultural serão os dois campos de investigação de

ponta desde os anos 80 porque elas encarnarão, melhor do que outras áreas, a idéia de

totalidade.

Sobre o conflito entre a velha e a nova história política, assinala Marieta Moraes Ferreira:

“A história política era antítese dessa nova proposta, pois estava voltada para os

acidentes e as circunstâncias superficiais e negligenciava as articulações dos eventos

com as causas mais profundas: era o exemplo típico da história dita evenementielle. Ao

privilegiar o nacional, o particular, o episódico, a história política privava-se da

possibilidade de comparação no espaço e no tempo e mostrava-se incapaz de elaborar

hipóteses explicativas ou produzir generalizações e sínteses que dão as discussões do

historiador sua dimensão cientifica ( FERREIRA,1992,p.266)

Não que não houvessem esforços para sua sobrevivência. Um dos primeiros a rebelar-se contra

o poder dos Annales foi René Remond. Ele publicou em 1957 um artigo na Revista Francesa de

Ciência Política intitulado “Em defesa da história abandonada”, que para o autor era a dos

últimos quarenta anos que acabara de passar. A idéia dominante de que as fontes de pesquisa

do historiador deveriam ser os arquivos impedia o estudo do presente. Posição contrária ao

que hoje se convencionou chamar de Estudos Legislativo, onde o presente se faz a partir dos

registros eleitorais, discursos políticos e analise das leis, tomados como documentos e produtos

de um processo que registra todos os instantes de sua produção. Remond dizia a respeito desta

nova história política que “trata-se de algo completamente diferente, de uma outra história, que

se beneficiou do enriquecimento de todas as gerações anteriores e trouxe, não resta dúvida, o

político para frente do palco”(REMOND, 1994,p13).

Hoje se tem claro que os fatos políticos sejam do presente ou do passado, merecem constituir

objetos do conhecimento cientifico.E que as suas fontes, sejam documentos de arquivos ou

quaisquer outras, como documentos jornalísticos ou acervos legislativos, possibilitam as novas

gerações, tanto de políticos, como de outros estudiosos, a revalorizar o seu estudo. O político

deixa de ser elemento secundário da superestrutura e tudo o que lhe diz respeito passa a

constituir fonte para sua análise nas mais diferentes áreas: as crenças dos políticos, suas

convicções, suas ideologias. Governantes e parlamentares, que ocupam o centro da vida

política, transformaram-se em fontes inestimáveis para a investigação em estudos legislativos e

antropologia política; as falas e as argumentações do micro-cosmo político começam a fazer

parte do repertório de investigação política e ciências sociais. Diz Ferreira (1992:267)

“o eixo central da renovação proposta por esses historiadores decorre do intercâmbio

com a ciência política, permitindo que o tema da participação na vida política ocupe um

espaço fundamental na história. Assim, os estudos sobre processo eleitoral, partidos

políticos, grupos de pressão, opinião pública, mídia e relações internacionais tem se

expandido constantemente. Os contatos com a sociologia, a lingüística e a antropologia

também tem frutificado, através do desenvolvimento de trabalhos sobre a sociabilidade,

análise de discurso e história da cultura”

Nas origens desta ampliação do valor do político tem papel importante a contribuição da

antropologia. Um dos pontos de renovação dos estudos políticos começou as obras de Pierre

Clastres “A sociedade contra o estado” e “Arqueologia da Violência”. Nelas, o autor vai ate o

estudo das tribos primitivas para mostrar que o exercício do poder ia contra os ditames do

estruturalismo em voga nos anos 60. Analisando o papel do chefe nas tribos primitivas, Clastres

chega a conclusão de que o poder é um lugar negativo mas fundador de uma sociabilidade, o

que significa que os chefes tribais são sujeitos de poder sem eficácia e sem interlocutores, mas

ainda assim, espaço fundamental de uma intencionalidade e sociabilidade coletiva. Não existe

análise do poder sem ontologia do social, ensina Clastres. Quer dizer, chegamos as questões

fundamentais da filosofia política por um caminho que vai da ontologia do social à reflexão

sobre o poder. É curioso notar a proximidade de suas reflexões com as de Foucault: trata-se

sempre de propor um itinerário,uma discussão que une antropologia, política e arqueologia.

O argumento central de Clastres pode ser encontrado no artigo “A questão do poder nas

sociedades primitivas”.

“Tal é a concepção tradicional, quase geral, das sociedades primitivas como sociedades

sem Estado. Mas será que é assim mesmo? Como sociedades completas, acabadas,

adultas e não mais como embriões infra-politicos, as sociedades primitivas não

possuem Estado porque o recusam, porque recusam a divisão do corpo social em

dominantes e dominados. Na sociedade primitiva, não existe órgão separado do poder,

pois o poder não é separado da sociedade, porque é ela que o detém, como totalidade

uma, com. o objetivo de manter seu ser indiviso, deter o poder é exerce-lo”(p.110)

A idéia de sociabilidade política, que também acompanha a esteira destes novos estudos

merece ser apontada. Dois textos, apesar de recentes, exemplificam a abordagem. O primeiro é

de autoria de Michel Mafessoli. Intitulado A transfiguração do político – a tribalização do

mundo(Sulina,1997), o autor que se tornou conhecido como “arauto da pós-modernidade”,

mostra-se na verdade como um sociólogo da vida cotidiana. Autor de obras como “No fundo

das aparências” e “A conquista do presente”, Mafessoli publicou duas obras sobre o fenômeno

político. A primeira, “A violência totalitária” tratou não dos fenômenos da guerra, dos campos

de extermínio, mas de uma violência travestida em assistência social, com relações com o

poder e a burocracia de estado. Analisando como o poder se exprime ou é negado pelo serviço

público, Mafessoli investe na antropologia política como forma de refletir sobre o político. Diz a

esse respeito:

“ O poder,no quadro de seus órgãos burocráticos, escuta uma opinião que não ouve, e

a multiplicidade e sondagens de opinião, entrevistas e outros subterfúgios de animação

social se inscreve no engodo generalizado. Permitir o direito de fala, concede-lo, já e

impedir sua irrupção violenta, é castra-la de sua virtude subversiva. Por um lado, como

dissemos antes, porque a mediação dos especialistas, de clérigos de opinião,

assegurando para si o monopólio do poder, inscrevendo-se como passagem obrigatória,

quebra a potencialidade de comunicação social, atomiza a consciência coletiva e com

isso estrutura a separação: por outro lado, porque se instala uma técnica que manda

dizer ao povo infantil e primitivo o que convém dizer e com isso pensar. (1981,p.38)

Mas será “A transfiguração do político” que o autor apresentará os fundamentos para o corpo

político. Desenvolvendo ao longo de sua obra os elementos do que chama de “lógica da

comunidade”, Mafessoli encontrara no político uma as formas de sua expressão. Daí o seu

valor, valor do campo político, não tanto pelas leis e normas que instala, mas pela

sociabilidades coletivas que permite. O autor encontra nas origens do político este ser estar

coletivo, que evolui da administração dos bens comuns familiares às redes e relações de poder,

negociações, conflitos “em suma, tudo o que faz o político”(p.231). A constituição das

comunidades constitui o fio da meada para o nascimento do político, e o nacional, corresponde

de certa forma a esta cultura subterrânea da qual o politico encarna. Diz:

“Longe se está dessa concepção estreita que atribui exclusivamente às leis racionais a

organização do político. Certo, estas leis são especialmente evidentes em períodos

“normais”, ou seja,quando a sociedade , em movimento, não precisa questionar-se

sobre si mesma. Somos feitos pelo discurso que engloba e ultrapassa os diversos

protagonistas que o pronunciam. Talvez aí se encontre o fundamento essencial da idéia

comunitária como fundamento político.O pressuposto do político é mesmo a

fraternidade. A paixão política como expressão do social expressa isso a sua

maneira”(p.238-241)

De fato, Mafessoli ao perseguir estes universais, nada mais quer do que mostrar na existência

do poder político da necessidade de assegurar o convivio social e a proteção, de permitir o bom

funcionamento da sociedade. A idéia de que o político tem um sentido religioso, de religação, é

central na hipótese que busca retomar a cultura a partir do político. “num momento em que o

político parece perder todo o sentido, é importante lembrar o seu principio, principio religioso,

que repousa sobre a coerção admitida a partir da partilha de uma idéia ou de uma paixão

comum”tudo começa no místico e termina no político”(p. 43)

A idéia de que a emergência do campo da cultura política é um tema privilegiado e que

relacionam política educacional e estudos legislativos tem uma série de efeitos. O primeiro é

oferecer um novo olhar para o documento legislativo, que passa a ser visto como fonte

privilegiada de acesso a esta cultura.O termo não é novo, data da década de 60 e foi primeiro

criado por Almond e Verba para dar conta da introdução de abordagens comportamentais na

analise política.5 Tratava-se de levar em conta aspectos subjetivos da política. Diz a esse

5 No Brasil, duas referências retomam o tema. A primeira, é a publicação por Paulo Krischke do artigo “Cultura Política e escolha racionalna América Latina, interfaces nos estudos da democratização (BIB, 43, 1997) e Lúcio Renno, Teoria da Cultura política: vícios e virtudes.(BIB, 1998, 45)

repeito Karina Kushinir “a noção de cultura política refere-se ao conjunto de atitudes, crenças e

sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras

e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de sus atores”(KUSHINIR & CARNEIRO,

1999, p.227).

A análise das fontes legislativas é uma porta de acesso a cultura política. Um sistema político de

uma determinada sociedade se expressa no modo como se revelam as percepções, as

avaliações e sentimentos com relação aos problemas sociais.Os processos legislativos,

materialidade da produção das leis, são esta base material no qual se inscrevem as percepções

que são geradas ao longo do fabrico das leis, ele é seu testemunho obrigatório. Não há lei sem

processo, não há lei sem documentação de seu registro.

Para Kushinir & Carneiro, o conceito de cultura política ainda é herdeiro da chamada Escola da

Cultura e Personalidade, corrente que foi dominante entre os anos 20 e 60 a partir dos

trabalhos de Ruth Benedict e Margareth Mead. “Não se tratava apenas de definir um conceito

de cultura, mas elaborar um método de estuda-lo nas sociedades contemporâneas, onde se

multiplicam os processos de comunicação e complexificação da vida social”(idem, p. 228). Bem

entendido, a proposta tratou de levar a observação etnográfica para o campo político o que

levou aos estudos do caráter nacional da cultura. O processo, tomado como documento, pouco

serve para uma abordagem etnográfica, entretanto, ele fornece pistas para a reconstrução da

orientação subjetiva dos atores envolvidos em sua produção, e somente neste ponto ele é

veiculo para o entendimento da cultura política. Resume Kushinir:

“Para Almond e Verba, os diferentes tipos de cultura política são derivados do

cruzamento de duas dimensões básicas. A primeira, como vimos acima, representa os

tipos de orientação com relação aos objetos políticos: cognitivas, afetivas e de

avaliação. A segunda, o tipo de objeto político ao qual se destinam essas orientações (i)

o sistema político na sua totalidade; (ii) as estruturas de éestruturas executivas e

administrativs encarregadas de dar resposta as demandas individuais e coletivas

(output objects); e (iv) a percepção do sujeito como ator político”. A partir dessa

classificação, os autores identificam três tipos básicos de cultura política: (a) a cultura

política paroquial; (b) acultura política de sujeição; (c) a cultura política da participação

“(idem, p.231).

Trata-se aqui de defender a idéia de que os processos são fonte privilegiada para apontar o

baixo nível de participação política já que revelaria a visão limitada dos atores políticos ou a

cultura política paroquial; ou o lugar de exercício da sujeição no interior do parlamento, já que

as leis produzidas pelos vereadores encarregar-se-iam por si só de dar respostas aos problemas

de uma comunidade; ou finalmente, uma cultura política da participação, quando através dos

processos podemos inferir as percepções, os sentimentos e avaliações de diversos atores no

interior do legislativo. Isto significa que os processos legislativos oferecem a possibilidade de

inferir o conteúdo de uma cultura democrática no interior do legislativo.

A produção em história política

O efeito da retomada do campo político significou uma ampliação da produção em termos de

teses e dissertações.O estudo de D´Alessio e Janotti analisou 1091 dissertações e 241 teses

para mostrar a ascensão dos estudos político, e encontrou 743 dissertações e 143 teses. Ao

catalogar esta produção, encontraram os seguintes temas políticos: 1 – Estado e instituições, 2

– classes e etnias 3 – ideologia e artes 4 – espaço, gênero e cidadania. Deles há exemplos

interessantes do primeiro grupo, de nosso intersesse. Zita de Paula Rosa em “A dominação

legitimada”, estuda o legislativo paulista nas primeiras décadas do regime republicano; Silvio

Alem estudou partidos políticos em “Contribuição a história da esquerda brasileira” para ficar

apenas em duas citações.

A primeira constatação desse levantamento é que a historia persiste como referência nos

estudos políticos.Quer dizer, ainda que em várias áreas a política fique em evidencia (

antropologia política, sociologia política, filosofia política) a história de alguma forma está

presente como a base a partir da qual se pensa o político. A segunda constatação, e que

interessa particularmente ao nosso estudo, é que nos estudos de ciência política domina a

centralidade da produção temas sobre legislativo federal e estadual nessa produção. Esta

produção, entretanto, ignora, por exemplo, as contribuições de Michel Foucault para as relações

nas quais as leis são produzidas, ou ainda, o contexto em que são geradas. A interpretação das

leis, os atores autorizados a produzi-las ou mesmo corrigi-las não aparece suficientemente

nesta historiografia.E essa contribuição oferece uma importante analise, ou outra forma de

leitura do documento,

Foucault é um caso a parte. François Ewald, em Foucault, a norma e o direito (Lisboa, Vega,

2000) reúne artigos de um reconhecido especialista em filosofia política e direito. Ewald que

tem debatido sobre a natureza do Estado Providência, tem o mérito de deslocar os modos de

reflexão sobre o político. Não trata das teorias políticas, que pouco discutem sobre as fontes

legislativas e centram-se nos programas políticos. Vai além, questionando seus modos de

inscrição em nossa experiência, valorizando a norma e o direito como pontos de uma analítica

do poder. E aí, a analise, a arqueologia dos significados contidos em fontes legislativas como

processos é fundamental.

A perspectiva de Ewald nos interessa porque ao apontar os elementos de uma “anatomia do

poder”, a partir de obras célebres como “Vigiar e Punir”, onde o autor põe em evidência que,

apesar de inexistir uma filosofia do direito em Foucault, ele apresenta a questão provocadora: o

direito não existe. ”Não designa nenhuma substância, cuja essência eterna caberia a uma

teoria levantar, mas práticas, práticas jurídicas que, quanto a elas, são sempre particulares. De

maneira positiva, a aplicação do método de Michel Foucault ao direito leva a considera-lo como

uma prática da razão, como razão prática”(p.61). Isso abre perspectivas novas para os

documentos legislativos, que entendidos como práticas juridicas, apresentam-se de outra forma

ao olhar do investigador.

A interpretação de Foucault transforma o foco sob o qual o documento legislativo pode ser

lido. Não se trata a legislação que o processo cria, mas da racionalidade que revela. Isto é novo

para os estudos legislativos, ainda que no campo educativo, o pensamento foucaultiano já

tenha emergido há muito tempo, da mesma forma que já orienta muitos estudos históricos. Sua

lição é que o processo encarna práticas jurídicas é o registro de uma racionalidade e seu

estudo pode revelar os juízos ocultos que a legislação esconde.

“A lei ou doutrina, através das proposições que enunciam também formam juízos.

Legislação, doutrina, jurisprudência, são tantas práticas do juízo jurídico. A sua

articulação, a sua distribuição, a sua competência recíproca dependem do tipo de

racionalidade ao qual obedece juízo jurídico. Este tipo de racionalidade define a regra

de juízo de uma certa ordem jurídica, o principio de sua jurisdição. O estudo da regra

de juízo e das duas tranformações – entenda-se, não uma regra que seria enunciada

por uma instancia, mas quilo que regula o juízo de todas as instancias, não pois algo

que se aplica, mas aquilo através de que se julga – tal poderia ser precisamente o

objeto da filosofia do direito, na perspectiva dos trabalhos de Michel Foucault”(p.61-62)

O que a perspectiva foucautiana colabora na analise da documentação legislativa é que ela

propõe que cada processo que produz uma lei seja visto do ponto de vista do fato e da historia,

da perspectiva da ordem jurídica que instaura e da conjuntura epistemológica que a determina.

Esse ideal necessário e nem sempre alcançável, revela o que liga e dá organização as leis, e

tudo o que podemos fazer com um documento ou fonte do campo do direito é inquirir-lhe a

racionalidade que encarna, a reflexividade essencial do direito, exigência de uma postura

filosófica sobre tais escritos. Quer dizer, o documento legislativo tem valor “Trata-se antes de

uma maneira de pensar, de um jogo de categorias, ao mesmo tempo transcendentais e

históricas, que determinam que certas práticas sociais do juizo sejam juridicas, na medida em

que aceitam sua coerção”(p.63).

O ponto que explora a produção da lei como reflexo de um juízo jurídico também é objeto da

análise de Marcio Alves da Fonseca em “Michel Foucault e o direito” (São Paulo, Max Limonada,

2002). Fonseca é professor do Departamento de Filosofia da PUC de São Paulo e Doutor em

Filosofia do Direito. Autor de “Michel Foucault e a constituição do sujeito”, como Ewald o que

lhe chama a atenção é o fato de que ainda que o tema do direito não apareça nos escritos de

Foucault, é constante em seu pensamento. Desvinculando-se de uma teoria ou objeto do

direito6 - o que os Estudos Legislativos estão longe de fazer – Fonseca nos mostra que basta

que procuremos por “imagens” e “utilizações”, “estratégias’ e “abordagens” para darmo-nos

conta de um outro lugar ocupado pela Lei. E Fonseca, nessa investigação, encontrará três

imagens para definir o espaço do jurídico em Foucault: o “direito como legalidade”, o “direito

normalizado-normalizador” e o “direito novo”.

De fato, mostra Fonseca, o tema da rigidez das leis aparece em Foucault.

“Em alguns de seus textos, haveria um conjunto de referências diretas e insistentes à

Lei quando pretende determinar as diferenças enre dois modelos de analise do poder: o

modelo jurídico-discursivo e o modelo de normalização. Nesse contexto, a lei aparece

como uma regra de interdição, de proibição, regra que permite uma separação rigorosa

entre o permitido e o proibido, entre o lícito e o ilícito, aparece como instância que

impõe limites e que diz não.Desse modo, a lei serviria para caracterizar o modelo de

poder oposto aquele que será o modelo da normalização, marcado pela produtividade

das relações de forças na cosntituição dos objetos, saberes e sujeitos”(p.142).

O que o estudo de Fonseca aponta e que é útil para analise e leitura das fontes legislativas é a

distinção necessária entre lei, que implica uma normatividde a ela inerente, e a norma,

relacionada a procedimentos técnicos de normalização. E, retomando os argumentos de

Clastres, trata-se de buscar saber como as normas e leis emergiram, e a questão da origem,

tanto quanto o autor usava para os povos primitivos, deve ser precisada. Em que condições da

documentação legislativa oferece condições para o o exercício do direito e do poder? Quais as

codificações que conjuram o trabalho de vereadores servem para que o parlamento seja

realmente democrático? Como distinguir entre legal e o normal no campo da legislação

produzida na Câmara de Vereadores?

Um exemplo dessa historiografia nova que une política, estudos legislativos, antropologia pode

ser encontrada em “Como se fazem eleições no Brasil”. Com o subtítulo “estudos

antropológicos”, o volume organizado por Beatriz Heredia, Carla Teixeira e Irlys Barreira parte

do principio de que as eleições não se resumem a realização de um estatuto formal da

democracia e, ao contrário, afirmam aspectos fundamentais da vida social, invadindo a esfera

6 Patrick Nerhot e, “No principio era o direito...” capítulo de Passados Recompostos, mostra que nas origens, a disciplina de história disputou com o direito a questão do verdadeiro e do falso e os métodos histórico e jurídico chegaram a se confundir algumas vezes. Trata-se, em suma, reforçar que o que aproxima as disciplinas seja a questão epistemológica dos modos de enunciação da verdade, ou seja, pesquisar fatos, interpretar fatos, já presentes nos juristas e historiadores do século XIX.

cotidiana, articulando fatores sociais, políticos e culturais. Com êpnfase na etnografia, a partir

de casos empíricos os autores buscam remontar os asópectos culturais nos diversos atores

envolvidos. Dividido em duas partes principais, “Políticos e Eleitores” e “Conflitos e Rituais de

Campanha”, os diversos estudos usam das categorias antropológicas para dar conta do político:

condições de militância, rituais de comensalidade, identificações simbólicas, entre outras.

Os textos pensam as eleições e as fontes são as entrevistas, os relatos, os dicursos levantados

ao longo desses processos.Dois textos são significativos para demonstrar a abordagem. O

primeiro texto, de Beatriz Heredia, “Entre duas eleições. Relações político-eleitor”. No texto, a

autora retoma o que liga a população aos políticos, o papel do gabinete e das diversas pessoas

que ligam o politico a seu eleitor, as formas de correspondência. O segundo texto, de Irlys

Barreira, “Um operário presidente”, analisa “ de que modo a história de vida e a profissão

traduzem uma condição de classe do candidato petista aparecem nos discursos de campanha

ou nos meios de propagação coletiva?”(p.159).O estudo mostra que as classificações

culturalmente estabelecidas são transpostas para o mundo da política, pondo em jogo valores e

ideais de representação.

Do ponto de vista da construção de fontes, ou da sua interpretação, a inspiração antropológica

modifica o modo como a política é percebida. Ele faz com que o solo comum seja a analise do

documento enquanto elemento que registra valores, crenças e relações sociais. Do ponto de

vista simbólico, os valores compartilhados entre eleitores e políticos, as formas de construção

da identidade política, o sistema de acesso a símbolos de poder mostram que o campo político

exige referenciais metodológicos – etnografia e heurísticos – que permitam a analise.

O processo como fonte legislativa

As leituras acima apontam para interpretações da fonte legislativa, que aqui é exemplificada no

“processo legislativo”. Toda pesquisa no campo das políticas educacionais que se inspire nos

avanços das humanidades e utilize o âmbito legislativo como sua fonte, está condenada a

inquirir processos. Exceto quando se dedica a análise em profundidade de um tema que possa

ser levantado através de indicadores, como se vê nos estudos legislativos, o pesquisador que

deseja trabalhar sobre o legislativo passara pela base da legislação.

O estudo da produção das leis baseia-se fundamentalmente na análise dos processos

legislativos, fonte repleta de significações. De fato, cada processo é um produto artesanal, com

sua fisionomia própria, revela na capa do processo e nos diversos elementos que o compõem. É

composto pela reunião de centenas de páginas, informações, anotações, encaminhamentos

legislativos, pareceres onde se alternam letras caprichadas ou indecifrável, manuscritos

impressos por computador, papeis sem número de página, linhas que inutilizam espaços em

branco, tudo enfim. A dificuldade de introdução da informática muitas vezes deve-se ao fato de

que os próprios funcionários terem dificuldade de assimilar os novos equipamentos e as dúvidas

quanto a autenticidade dos documentos apostos ao processo.

A peça artesanal é caracterizada por uma serie de signos que se impõem antes da leitura das

peças. São folhas ora numeradas ou não, documentos anexados, escritos a mão, com folhas

repetidas ou não, indicando que o projeto de lei foi polêmico. As emendas, sempre anexadas, a

cada etapa do processo, deixando marcas dos partidos que intercederam na elaboração da lei.

Declarações de voto, que permitem auferir diretamente as posições dos parlamentares, pois

com o processo, a única forma de acessa-los é através dos registros dos Anais do Legislativo,

nas datas em que ocorreram as pautas e as votações.

Há também uma série de petições, seja de entidades que dirigem-se aos vereadores, sejam dos

próprios vereadores, para inclusão na ordem do dia, quando o processo há muito tempo

encontra-se parado ou numa comissão. Se o processo aparentemente pouco mostra as falas

dos seus atores, do outro lado as Atas das Sessões Plenárias em muito contribuiem para dar o

contexto do projeto de lei. Por isso não podem ser dissociadas dele. Elas não estão no

processo, mas o pesquisador deve busca-las.

De todos os documentos do processo de uma Lei, talvez os mais carregados de significações

sejam a Justificativa, no qual o autor apresenta as razões de seu projeto de lei; os pareceres

das Comissões ou dos òrgãos técnicos da Casa, como a Procuradoria ou Assessoria Técnica

Parlamentar. Toda uma gradação de eficácia da lei se insinua aos poucos, nos pareceres

sucessivos favoráveis ao projeto, segundo a autoridade de quem o emite. Pareceres da

Procuradoria tem grande peso nesse instante. Documentos solenes de órgãos do legislativo se

juntam a pais escritos a mão, de forma comum, muitas vezes as emendas do processo, tiradas

no calor da votação em plenário, em regime de urgência.

Na sua materialidade, o processo legislativo é um documento que diz respeito a dois

acontecimentos diversos, aquele que diz da produção da norma legal e outro que se instaura a

partir das instâncias de legitimidade do interior do Legislativo. Este último tem como objetivo

criar o juízo jurídico (Foucault), estabelecer a verdade da Lei, da qual resultam sua criação. A

relação entre o processo legislativo e o vereador não é portanto linear: o projeto de um

vereador, sua intenção original, sofre influências de várias instâncias, de vários atores. Pode

chegar totalmente desfigurado ao Plenário, se for objeto de um Substitutivo. Mas os autos do

processo – a semelhança com a linguagem judiciária e criminal é aqui exemplar – o faz com

que se costume afirmar que “o que não existe nos autos do processo legislativo não existe”. O

processo é a transcrição elaboração do processo legislativo, é o acontecimento vivido em seu

plenário e nos demais órgãos da Casa. Ele traduz a batalha que se instaura para fazer valer

uma lei, e a atuação dos demais atores envolvidos.

O processo legislativo constitui o elemento dinâmico na relação da criação da lei e as intenções

de seu autor. Conforme aponta Mariza Correa, analisando processos criminais

“No momento em que os atos se transformam em autos, os fatos em versões, o

concreto perde quase toda a sua importância e o debate se dá entre os atores jurídicos,

a cada um deles usando a parte do “real” que melhor reforce o seu ponto de vista.

Neste sentido o real que é processado, moído até que se possa extrair dele um

esquema elementar sobre o qual se construirá um modelo de culpa e um modelo de

inocência”(CORREA, 1983, p.40)

Os modelos processuais vigentes no judiciário portanto ensinam a leitura dos documentos

legislativos. Aqui, não se trata de julgar a culpa ou inocência de alguém, mas reconhecer que a

lógica que leva a construção de um processo legislativo em muito se aproxima do processo

judiciário, já que se trata de estabelecer uma lógica ordenadora, seguir explicitamente, no caso,

o regimento interno do legislativo e a legislação correlata, para criar uma lei. O processo, para

ser construído, segue uma série de normas, é vigiado atentamente por atores do interior do

legislativo, sejam da burocracia, como dos pares dos vereadores. E sua finalização, depende da

capacidade política do vereador em criar as condições favoráveis para sua aprovação, que

significa colher os votos favoráveis de seus pares.

O processo legislativo se corporifica por uma série de procedimentos onde se destacam

também os encaminhamentos de votação. A emissão destas solicitações, por parte do autor ou

de outros vereadores, não é indiferente a construção do projeto. Ele revela as tensões no

andamento de sua aprovação e o clima vivido no plenário. Ele pode surgir quando um projeto

está em vistas com um determinado vereador, cujo objetivo é estudar o projeto, mas cujo

efeito real é o seu atraso na votação. Não é a toa que muitas vezes, quando um processo sofre

demasiadas emendas, a ele seja aposto um Substitutivo e reinicie as discussões, exigindo

novamente pareceres dos órgãos técnicos.

Para quem freqüenta o plenário ou acompanha suas discussões, tudo é muito complicado. As

vezes, processos polêmicos são objetos de várias discussões no interior do plenário, mas é

preciso saber até que ponto não se passa de buscar dividendos da platéia, mostrar interesse na

causa, fazer movimento político cujo efeito é apenas o das aparências. Não pode-esse esquecer

o lado do espetáculo que marca a política. As condições que emergem as falas dos vereadores

podem se alterar com a disposição do plenário: um plenário cheio é mais provocativo do que

um plenário vazio. As condições dos que produzem falas sobre o projeto de lei são

aparentemente, conduzidas pelas condições de seu plenário – a própria inclusão da TV Câmara

favoreceu a ampliação dos discursos. Eles não estão no processo, apenas suas idas e vidas do

projeto.

Se formos considerar outra fonte, os registros das Atas do Plenário, a situação é bem diversa.

As atas não são transcrições fiéis dos discursos dos vereadores, como são os Anais. Elas são o

resumo do que acontece numa Sessão. Ela colaboram para reconstruir a vida do plenário, mas

não são completas. Ainda assim, os discursos dos vereadores são resumidos, eles são ajustados

a formatos administrativos vigentes, atestando a correspondência com outros registros de

plenário. Ele é sintetizado, o que diminui sua pertinência enquanto fonte documental.

Melhor fonte são os Anais, depois dos processos. Eles tem a integra dos depoimentos dos

vereadores. Por isso são taquigrafados. A taquigrafia é uma escrita particular para esta

atividade, e ao ser retranscrito, o discurso eventualmente complexo pode sofrer pequenas

alterações, mas há regras para isso. Por exemplo, as taquigrafas são obrigadas a transcreverem

imediatamente os discursos, em turnos de um minuto, para garantir a fidelidade do escrito. As

falas, na sua integra, são cheias de vieses, que são mantidos na integra, como comprovação de

uma fala autentica. Mas ainda aí é possível haver, em menor grau, alterações. È quando um

vereador se dirige de maneira imprópria, com nomes de baixo calão. A seu pedido ou dos

demais vereadores, ele pode solicitar que tais expressões não constem dos anais, dificultando

os pesquisadores apreenderem o clima vivido no plenário.

Discursos da tribuna, que também fazem parte dos anais da Casa, são testemunhos que

contribuem para analisar o andamento dos processos. Da tribuna, se o vereador traz um

discurso e lê, ele normalmente é copiado imediatamente pelo setor competente, sem

alterações. Se há improvisos, mesmo com discurso, há um esforço para acompanhar as

modificações. Um discurso anotado é bem diverso de um discurso improvisado, pela lingugaem

sem nuanças nem contradições que o discurso escrito previamente evita. Apagam-se os traços

das emoções vividas no plenário, impossível de ser transcrita, e que muitas vezes, resulta na

interrupção de uma sessão – por manifestações das galerias, por exemplo.

O ruído das galerias pode hoje ser observado pelas interrupções por solicitação de ordem da

Presidência ou pelo fundo das gravações digitais realizadas pela TV Câmara. Ela tem um papel

inovador, transforma em notícia o cotidiano do legislativo, e as formas de construção da

linguagem jornalística transformam as gravações das sessões em um documento a parte. Como

ler o a prática legislativa a partir de seus registros para a televisão, como analisar a linguagem

televisiva em seus instrumentos de reconstrução do que se vive no plenário, como fazer

evidenciar a ideologia jornalística no momento da sua produção?

Uma voz suprimida ao longo de todo esse processo é a dos beneficiários do projeto de lei. Se

não houver manifestações no projeto, se não for objeto de uma tribuna popular, raramente os

beneficiários serão ouvidos. Reuniões raramente são registradas, mesmo as que acontecem

com o vereador, elas terminam por serem reuniões de avaliação do projeto de lei do vereador .

Permitem que no final, surjam emendas de vereadores ao projeto, mas nunca são sua voz

genuína. O padrão é o progressivo apagamento da voz dos beneficiários ao longo do processo.

Elas se resumem a cartas e ofícios anexados, abaixo-assinados, etc. A fala da população é

menos livre do que a fala dos técnicos do legislativo, que opinam e fazem valer suas opiniões. È

que no processo legislativo, o objetivo maior é aprovação da lei. Ele consiste em reunir os

elementos necessários para garantir sua aprovação, pareceres, registros de votações, etc. mas

a melhor estratégia para os interessados não é calar-se: é fazer valer sua opinião e fazer seu

registro apropriado em Atas, que podem ser de quaisquer reuniões e podem ir direto para o

processo. Também manifestar-se na tribuna popular, que se não gera documento para o

processo, gera registro nos anais do legislativo.

As peculiaridades do processo legislativo impõem portanto limites. Eles não contém a

transcrição dos debates do plenário, por ocasião das sessões de pauta e votação. A lacuna deve

ser preenchida por pesquisas nos Anais do legislativo. Os discursos devem ser buscados pois

representam uma importante fonte para apreensão dos valores em discussão no momento da

discussão dos projetos. Permitem localizar os pontos polêmicos do projeto, o andamento, os

interesses dos diversos partidos. A idéia de espetáculo político não pode ser descatada. Os

debates legislativos são esse espetáculo nos quais os diferentes atores dramatizam sua versão

da lei, utilizam os recursos de que dispõem para convencer seus pares de suas opiniões,

espetáculo que alcança o público presente no plenário e um público amplo através da

comunicação. Não é atoa a presença~da televisão e da imprensa junto ao plenário. Nos

grandes dias de votação, os vereadores elevam-se na tribuna, fazem grandes discursos. A

presença ou não de público é fator fundamental no decorrer da votação de um projeto de lei.

A esse respeito, a descrição de Boris Fausto colabora com esta análise

“A presença do público – elemento de reforço ideológico do qualificativo popular –

atribuído ao júri – é a parte componente da encenação, e seu comportamento está de

antemão previsto. As emoções que o espetáculo provoca não podem ser exteriorizadas:

as campanhias do presidente põem fim as palmas, aos sussuros crescentes, aos

esboços de vaias. Apesar dos limites, o que atraía este público? O plenário do juri

concorria com o teatro, o drama circense, como arena onde se encenavam as grandes

paixões, os rasgos de heroísmo, as perversidades humanas. Em troca, o fato de que o

desfecho ficava em aberto dentro de certos limites aguçava a expectativa, sobretudo

porque ele se convertia

em momento da vida real, corporificando-se em uma figura muda, quase alheia na

aparência ao espetáculo”(FAUSTO, p.26).

O presente como referência histórica permanente

Entre a análise documental do legislativo do ponto de vista histórico, antropológico ou dos

Estudos Legislativos, onde se situar?A melhor resposta ainda é tratar tudo como história

imediata: história política como uma das formas da história imediata, esforço em retomar os

documentos legislativos de uma perspectiva histórica, política e voltada para o presente – bem

distinta do que uma sociologia política poderia se propor a fazer. Diz a esse respeito Marcos da

Silva:

“A história imediata, todavia, pode ser marcada não apenas pela identidade entre

tempo da escrita e tempo da vivência. Ela evidencia um papel ativo por parte de quem

a experimenta e pensa, construindo historicidade como saber e prática. Daí

caracterizar-se como história em produção e possibilitar estender para qualquer tipo de

conhecimento histórico – malgrado múltiplas diferenças teóricas e técnicas – esse

traço”.(p.31).

A idéia de história imediata foi defendida por Jean Lacouture na coletânea “A história Nova”,

organizada por Lê Goff que valorizou essa modalidade de conhecimento histórico construído no

calor do presente. Ainda que tenha caracterizado os documentos de jornais e arquivos como

fontes, todo o horizonte processual dos poderes legislativo, executivo e judiciário é sua fonte

privilegiada e seu estudo está apenas iniciando.

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