max weber
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Max Weber – Vida e Obra
Pondo-se de lado alguns trabalhos precursores, como os de Maquiavel (1469-1527) e Montesquieu (1689-1755), o estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais, concretizadas nas radicais transformações da vida material do homem; operadas pela Revolução Industrial. Diante dessa comprovação inequívoca da fecundidade do caminho metodológico apontado por Galileu (1564-1642) e outros, alguns pensadores que procuravam conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano e a conseqüente necessidade de uma metodologia própria. Essa metodologia deveria levar em consideração o fato de que o conhecimento dos fenômenos naturais e um conhecimento de algo externo ao próprio homem, enquanto nas ciências sociais o que se procura conhecer é a própria experiência humana. De acordo com a distinção entre experiência externa e experiência interna, poder-se-ia distinguir uma série de contrastes metodológicos entre os dois grupos de ciências. As ciências exatas partiriam da observação sensível e seriam experimentais, procurando obter dados mensuráveis e regularidades estatísticas que conduzissem à formulação de leis de caráter matemático.
As ciências humanas, ao contrário, dizendo respeito à própria experiência humana, seriam introspectivas, utilizando a intuição direta dos fatos, e procurariam atingir não generalidades de caráter matemático, mas descrições qualitativas de tipos e formas fundamentais da vida do espírito.
Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos utilitaristas do século XIX e outros. Nessa linha metodológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina científica. Os antipositivistas, adeptos da distinção entre ciências humanas e ciências naturais, foram sobretudo os alemães, vinculados ao idealismo dos filósofos da época do Romantismo, principalmente Hegel (1770-1831) e Schleiermacher (1768-1834). Os principais representantes dessa orientação foram os neokantianos Wilhelm Dilthey (1833-1911), Wilhelm Windelband (1848-1915) e Heinrich Rickert (1863-1936). Dilthey estabeleceu uma distinção que fez fortuna: entre explicação (erklären) e compreensão (verstehen). O modo explicativo seria característico das ciências naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão seria o modo típico de proceder das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência humana e procuram extrair deles seu sentido (Sinn). Os sentidos (ou significados) são dados, segundo Dilthey, na
própria experiência do investigador, e poderiam ser empaticamente apreendidos na experiência dos outros.
Dilthey (como Windelband e Rickert), contudo, foi sobretudo filósofo e historiador e não, propriamente, cientista social, no sentido que a expressão ganharia no século XX. Outros levaram o método da compreensão ao estudo de fatos humanos particulares, constituindo diversas disciplinas compreensivas. Na sociologia, a tarefa ficaria reservada a Max Weber.
Uma educação humanista apurada
Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido das humanidades. Weber recebeu excelente educação secundária em línguas, história e literatura clássica. Em 1882, começou os estudos superiores em Heidelberg; continuando-os em Göttingen e Berlim, em cujas universidades dedicou-se simultaneamente à economia, à história, à filosofia e ao direito. Concluído o curso, trabalhou na Universidade de Berlim, na qual idade de livre-docente, ao mesmo tempo em que servia como assessor do governo. Em 1893, casou-se e; no ano seguinte, tornou-se professor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações nervosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividade em 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Ciências Sociais (Archiv tür Sozialwissenschatt), publicação extremamente importante no desenvolvimento dos estudos sociológicas na Alemanha. A partir dessa época, Weber somente deu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu conferências nas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte, em 1920.
Compreensão e explicação
Dentro das coordenadas metodológicas que se opunham à assimilação das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências naturais, Weber concebe o objeto da sociologia como, fundamentalmente, "a captação da relação de sentido" da ação humana. Em outras palavras, conhecer um fenômeno social seria extrair o conteúdo simbólico da ação ou ações que o
configuram. Por ação, Weber entende "aquela cujo sentido pensado pelo sujeito jeito ou sujeitos jeitos é referido ao comportamento dos outros; orientando-se por ele o seu comportamento". Tal colocação do problema de como se abordar o fato significa que não é possível propriamente explicá-lo como resultado de um relacionamento de causas e efeitos (procedimento das ciências naturais), mas compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.
O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas.
Segundo Weber, a captação desses sentidos contidos nas ações humanas não poderia ser realizada por meio, exclusivamente, dos procedimentos metodológicos das ciências naturais, embora a rigorosa observação dos fatos (como nas ciências naturais) seja essencial para o cientista social. Contudo, Weber não pretende cavar um abismo entre os dois grupos de ciências. Segundo ele, a consideração de que os fenômenos obedecem a uma regularidade causal envolve referência a um mesmo esquema lógico de prova, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas. Entretanto, se a lógica da explicação causal é idêntica, o mesmo não se poderia dizer dos tipos de leis gerais a serem formulados para cada um dos dois grupos de disciplinas. As leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidades, segundo as quais a determinados processos devem seguir-se, ou ocorrer simultaneamente., outros. Essas leis referem-se a construções de “comportamento com sentido” e servem para explicar processos particulares. Para que isso seja possível; Weber defende a utilização dos chamados “tipos ideais”, que representam o primeiro nível de generalização de conceitos abstratos e, correspondendo às exigências lógicas da prova, estão intimamente ligados à realidade concreta particular.
O legal e o típico
O conceito de tipo ideal corresponde, no pensamento weberiano, a um processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o que existe de particular, constituindo assim um conceito individualizante ou, nas palavras do próprio Weber, um “conceito histórico concreto”. A ênfase na caracterização sistemática dos padrões individuais concretos (característica das ciências humanas) opõe a conceituação típico-ideal à conceituação generalizadora, tal como esta é conhecida nas ciências naturais.
A conceituação generalizadora, como revela a própria expressão, retira do fenômeno concreto aquilo que ele tem de geral, isto é, as uniformidades e regularidades observadas em diferentes fenômenos constitutivos de uma mesma classe. A relação entre o conceito genérico e o fenômeno concreto é de natureza tal que permite classificar cada fenômeno particular de acordo com os traços gerais apresentados pelo mesmo, considerando como acidental tudo o que não se enquadre dentro da generalidade. Além disso, a conceituação generalizadora considera o fenômeno particular como um caso cujas características gerais podem ser deduzidas de uma lei.
A conceituação típico-ideal chega a resultados diferentes da conceituação generalizadora. O tipo ideal, segundo Weber, expõe como se desenvolveria uma forma particular de ação social se o fizesse racionalmente em direção a um fim e se fosse orientada de forma a atingir um e somente um fim. Assim, o tipo ideal não descreveria um curso concreto de ação, mas um desenvolvimento normativamente ideal, isto é, um curso de ação “objetivamente possível”. O tipo ideal é um conceito vazio de conteúdo real: ele depura as propriedades dos fenômenos reais desencarnando-os pela análise, para depois reconstruí-los. Quando se trata de tipos complexos (formados por várias propriedades), essa reconstrução assume a forma de síntese, que não recupera os fenômenos em sua real concreção, mas que os idealiza em uma articulação significativa de abstrações. Desse modo, se constitui uma “pauta de contrastação”, que permite situar os fenômenos reais em sua relatividade. Por conseguinte, o tipo ideal não constitui nem uma hipótese nem uma proposição e, assim, não pode ser falso nem verdadeiro, mas válido ou não-válido, de acordo com sua utilidade para a compreensão significativa dos acontecimentos estudados pelo investigador.
No que se refere à aplicação do tipo ideal no tratamento da realidade, ela se dá de dois modos. O primeiro é um processo de contrastação conceituai que permite simplesmente apreender os fatos segundo sua maior ou menor aproximação ao tipo ideal. O segundo consiste na formulação de hipóteses explicativas. Por exemplo: para a explicação de um pânico na bolsa de valores, seria possível, em primeiro lugar, supor como se desenvolveria o fenômeno na ausência de quaisquer sentimentos irracionais; somente depois se poderia introduzir tais sentimentos como fatores de perturbação. Da mesma forma se poderia proceder para a explicação de uma ação militar ou política. Primeiro se fixaria, hipoteticamente, como se teria desenvolvido a ação se todas as intenções dos participantes fossem conhecidas e se a escolha dos meios por parte dos mesmos tivesse sido orientada de maneira rigorosamente racional em relação a certo fim. Somente assim se poderia atribuir os desvios aos fatores irracionais.
Nos exemplos acima é patente a dicotomia estabelecida por Weber entre o racional e o irracional, ambos conceitos fundamentais de sua metodologia. Para Weber, uma ação é racional quando cumpre duas condições. Em primeiro lugar, uma ação é racional na medida em que é orientada para um objetivo claramente formulado, ou para um conjunto de valores, também claramente formulados e logicamente consistentes. Em segundo lugar, uma ação é racional quando os meios escolhidos para se atingir o objetivo são os mais adequados.
Uma vez de posse desses instrumentos analíticos, formulados para a explicação da realidade social concreta ou, mais exatamente, de uma porção dessa realidade, Weber elabora um sistema compreensivo de conceitos, estabelecendo uma terminologia precisa como tarefa preliminar para a análise das inter-relações entre os fenômenos sociais. De acordo com o vocabulário weberiano, são quatro os tipos de ação que cumpre distinguir claramente: ação racional em relação a fins, ação racional em relação a valores, ação afetiva e ação tradicional. Esta última, baseada no hábito, está na fronteira do que pode ser considerado como ação e faz Weber chamar a atenção para o problema de fluidez dos limites, isto é, para a virtual impossibilidade de se encontrarem “ações puras”. Em outros termos, segundo Weber, muito raramente a ação social orienta-se exclusivamente conforme um ou outro dos quatro tipos. Do mesmo modo, essas formas de orientação não podem ser consideradas como exaustivas. Seriam tipos puramente conceituais, construídos para fins de análise sociológica, jamais encontrando-se na realidade em toda a sua pureza; na maior parte dos casos, os quatro tipos de ação encontram-se misturados. Somente os resultados que com eles se obtenham na análise da realidade social podem dar a medida de sua conveniência. Para qualquer um desses tipos tanto seria possível encontrar fenômenos sociais que poderiam ser incluídos neles, quanto se poderia também deparar com fatos limítrofes entre um e outro tipo. Entretanto, observa Weber, essa fluidez só pode ser claramente percebida quando os próprios conceitos tipológicos não são fluidos e estabelecem fronteiras rígidas entre um e outro. Um conceito bem definido estabelece nitidamente propriedades cuja presença nos fenômenos sociais permite diferenciar um fenômeno de outro; estes, contudo, raramente podem ser classificados de forma rígida.
O sistema de tipos ideais
Na primeira parte de Economia e Sociedade, Max Weber expõe seu sistema de tipos ideais, entre os quais os de lei, democracia, capitalismo, feudalismo, sociedade, burocracia, patrimonialismo, sultanismo. Todos esses tipos ideais são apresentados pelo autor como conceitos definidos conforme critérios pessoais, isto é, trata-se de conceituações do que ele entende pelo termo empregado, de forma a que o leitor perceba claramente do que ele está falando. O importante nessa tipologia reside no meticuloso cuidado com que
Weber articula suas definições e na maneira sistemática com que esses conceitos são relacionados uns aos outros. A partir dos conceitos mais gerais do comportamento social e das relações sociais, Weber formula novos conceitos mais específicos, pormenorizando cada vez mais as características concretas.
Sua abordagem em termos de tipos ideais coloca-se em oposição, por um lado, à explicação estrutural dos fenômenos, e, por outro, à perspectiva que vê os fenômenos como entidades qualitativamente diferentes. Para Weber, as singularidades históricas resultam de combinações específicas de fatores gerais que, se isolados, são quantificáveis, de tal modo que os mesmos elementos podem ser vistos numa série de outras combinações singulares. Tudo aquilo que se afirma de uma ação concreta, seus graus de adequação de sentido, sua explicação compreensiva e causal, seriam hipóteses suscetíveis de verificação. Para Weber, a interpretação causal correta de uma ação concreta significa que “o desenvolvimento externo e o motivo da ação foram conhecidos de modo certo e, ao mesmo tempo, compreendidos com sentido em sua relação”. Por outro lado, a interpretação causal correta de uma ação típica significa que o acontecimento considerado típico se oferece com adequação de sentido e pode ser comprovado como causalmente adequado, pelo menos em algum grau.
O capitalismo é protestante?
As soluções encontradas por Weber para os intrincados problemas metodológicos que ocuparam a atenção dos cientistas sociais do começo do século XX permitiram-lhe lançar novas luzes sobre vários problemas sociais e históricos, e fazer contribuições extremamente importantes para as ciências sociais. Particularmente relevantes nesse sentido foram seus estudos sobre a sociologia da religião, mais exatamente suas interpretações sobre as relações entre as idéias e atitudes religiosas, por um lado, e as atividades e organização econômica correspondentes, por outro.
Esses estudos de Weber, embora incompletos, foram publicados nos três volumes de sua Sociologia da Religião. A linha mestra dessa obra é constituída pelo exame dos aspectos mais importantes da ordem social e econômica do mundo ocidental, nas várias etapas de seu desenvolvimento histórico. Esse problema já se tinha colocado para outros pensadores anteriores a Weber, dentre os quais Karl Marx (1818-1883), cuja obra, além de seu caráter teórico, constituía elemento fundamental para a lufa econômica e política dos partidos operários; por ele mesmo criados. Por essas razões, a pergunta que os sociólogos alemães se faziam era se o materialismo histórico formulado por Marx era ou não o verdadeiro, ao transformar o fator econômico no elemento determinante de todas as estruturas sociais e culturais, inclusive a religião. Inúmeros trabalhos foram escritos para resolver o problema,
substituindo-se o fator econômico como dominante por outros fatores, tais como raça, clima, topografia, idéias filosóficas, poder político. Alguns autores, como Wilhelm Dilthey, Ernst Troeltsch (1865-1923) e Werner Sombart (1863-1941), já se tinham orientado no sentido de ressaltar a influência das idéias e das convicções éticas como fatores determinantes, e chegaram à conclusão de que o moderno capitalismo não poderia ter surgido sem uma mudança espiritual básica, como aquela que ocorreu nos fins da Idade Média. Contudo, somente com os trabalhos de Weber foi possível elaborar uma verdadeira teoria geral capaz de confrontar-se com a de Marx.
A primeira idéia que ocorreu a Weber na elaboração dessa teoria foi a de que, para conhecer corretamente a causa ou causas do surgimento do capitalismo, era necessário fazer um estudo comparativo entre as várias sociedades do mundo ocidental (único lugar em que o capitalismo, como um tipo ideal, tinha surgido) e as outras civilizações, principalmente as do Oriente, onde nada de semelhante ao capitalismo ocidental tinha aparecido. Depois de exaustivas análises nesse sentido, Weber foi conduzido à tese de que a explicação para o fato deveria ser encontrada na íntima vinculação do capitalismo com o protestantismo: “Qualquer observação da estatística ocupacional de um país de composição religiosa mista traz à luz, com notável freqüência, um fenômeno que já tem provocado repetidas discussões na imprensa e literatura católicas e em congressos católicos na Alemanha: o fato de os líderes do mundo dos negócios e proprietários do capital, assim como os níveis mais altos de mão-de-obra qualificada, principalmente o pessoal técnica e comercialmente especializado das modernas empresas, serem preponderantemente protestantes”.
A partir dessa afirmação, Weber coloca uma série de hipóteses referentes a fatores que poderiam explicar o fato. Analisando detidamente esses fatores, Weber elimina-os, um a um, mediante exemplos históricos, e chega à conclusão final de que os protestantes, tanto como classe dirigente, quanto como classe dirigida, seja como maioria, seja como minoria, sempre teriam demonstrado tendência específica para o racionalismo econômico. A razão desse fato deveria, portanto, ser buscada no caráter intrínseco e permanente de suas crenças religiosas e não apenas em suas temporárias situações externas na história e na política.
Uma vez indicado o papel que as crenças religiosas teriam exercido na gênese do espírito capitalista, Weber propõe-se a investigar quais os elementos dessas crenças que atuaram no sentido indicado e procura definir o que entende por "espírito do capitalismo". Este é entendido por Weber como constituído fundamentalmente por uma ética peculiar, que pode ser exemplificada muito nitidamente por trechos de discursos de Benjamin Franklin (1706 - 1790), um dos líderes da independência dos Estados Unidos. Benjamin Franklin, representante típico da mentalidade dos colonos americanos e do espírito pequeno-burguês, afirma em seus discursos que “ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto isso for feito legalmente, o resultado e a expressão da virtude e da eficiência de uma vocação”. Segundo a
interpretação dada por Weber a esse texto, Benjamin Franklin expressa um utilitarismo, mas um utilitarismo com forte conteúdo ético, na medida em que o aumento de capital é considerado um fim em si mesmo e, sobretudo, um dever do indivíduo. O aspecto mais interessante desse utilitarismo residiria no fato de que a ética de obtenção de mais e mais dinheiro é combinada com o estrito afastamento de todo gozo espontâneo da vida.
A questão seguinte colocada por Weber diz respeito aos fatores que teriam levado a transformar-se em vocação uma atividade que, anteriormente ao advento do capitalismo, era, na melhor das hipóteses, apenas tolerada. O conceito de vocação como valorização do cumprimento do dever dentro das profissões seculares Weber encontra expresso nos escritos de Martinho Lutero (1483-1546), a partir do qual esse conceito se tornou o dogma central de todos os ramos do protestantismo. Em Lutero, contudo, o conceito de vocação teria permanecido em sua forma tradicional, isto é, algo aceito como ordem divina à qual cada indivíduo deveria adaptar-se. Nesse caso, o resultado ético, segundo Weber, é inteiramente negativo, levando à submissão. O luteranismo, portanto, não poderia ter sido a razão explicativa do espírito do capitalismo.
Weber volta-se então para outras formas de protestantismo diversas do luteranismo, em especial para o calvinismo e outras seitas, cujo elemento básico era o profundo isolamento espiritual do indivíduo em relação a seu Deus, ó que, na prática, significava a racionalização do mundo e a eliminação do pensamento mágico como meio de salvação. Segundo o calvinismo, somente uma vida guiada pela reflexão contínua poderia obter vitória sobre o estado natural, e foi essa racionalização que deu à fé reformada uma tendência ascética.
Com o objetivo de relacionar as idéias religiosas fundamentais do protestantismo com as máximas da vida econômica capitalista, Weber analisa alguns pontos fundamentais da ética calvinista, como a afirmação de que “o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida”. Outra idéia no mesmo sentido estaria contida na máxima dos puritanos, segundo a qual “a vida profissional do homem é que lhe dá uma prova de seu estado de graça para sua consciência, que se expressa no zelo e no método, fazendo com que ele consiga cumprir sua vocação”. Por meio desses exemplos, Weber mostra que o ascetismo secular do protestantismo “libertava psicologicamente a aquisição de bens da ética tradicional, rompendo os grilhões da ânsia de lucro, com o que não apenas a legalizou, como também a considerou como diretamente desejada por Deus”. E m síntese, a tese de Weber afirma que a consideração dó trabalho (entendido como vocação constante e sistemática) como o mais alto instrumento de ascese e o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem deve ter sido a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida constituída pelo espírito do capitalismo.
É necessário, contudo, salientar que Weber, em nenhum momento considera o espírito do capitalismo como pura conseqüência da Reforma protestante. O sentido que norteia sua análise é antes uma proposta de investigarem que medida as influências religiosas participaram da moldagem qualitativa do espírito do capitalismo. Percorrendo o caminho inverso, Weber
propõe-se também a compreender melhor o sentido do protestantismo, mediante o estudo dos aspectos fundamentais do sistema econômica capitalista. Tendo em vista a grande confusão existente no campo das influências entre as bases materiais, as formas de organização social e política e os conteúdos espirituais da Reforma, Weber salientou que essas influências só poderiam ser. confirmadas por meio de exaustivas investigações dos pontos em que realmente teriam ocorrido correlações entre o movimento religioso e a ética vocacional, Com isso “se poderá avaliar” - diz o próprio Weber – “em que medida os fenômenos culturais contemporâneos se originam historicamente em motivos religiosos e em que medida podem ser relacionados com eles”.
Autoridade e legitimidade
A aplicação da metodologia compreensiva à análise dos fenômenos históricos e sociais, por parte dê Weber, não sê limitou às relações entre o protestantismo ê o sistema capitalista. Inúmeros foram seus trabalhos dê investigação empírica sobre assuntos econômicos ê políticos. Entre os primeiros, salientam-se A Situação dos Trabalhadores Agrícolas no Elba ê A Psicofisiologia do Trabalho Industrial. Entre os segundos, devem ser ressaltadas suas análises críticas da seleção burocrática dos líderes políticos na Alemanha dos Kaiser Guilherme I e II ê da despolitização levada a cabo com a hegemonia dos burocratas. Para a teoria política em geral, contudo, foram mais importantes os conceitos ê categorias interpretativas que formulou e que se tornaram clássicos nas ciências sociais.
Weber distingue no conceito de política duas acepções, uma geral e outra restrita. No sentido mais amplo, política é entendida por ele como “qualquer tipo dê liderança independente em ação”. No sentido restrito, política seria liderança dê um tipo dê associação específica; em outras palavras, tratar-se-ia da liderança do Estado. Este, por sua vez, é defendido por Weber como “uma comunidade humana que pretende o monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território". Definidos esses conceitos básicos, Weber é conduzido a desdobrar a natureza dos elementos essenciais quê constituem o Estado ê assim chega ao conceito dê autoridade ê dê legitimidade. Para quê um Estado exista, diz Weber, é necessário quê um conjunto dê pessoas (toda a sua população) obedeça à autoridade alegada pêlos detentores do poder no referido Estado. Por outro lado, para quê os dominados obedeçam é necessário quê os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima.
A autoridade pode ser distinguida segundo três tipos básicos: a racional-legal, a tradicional e a carismática. Esses três tipos dê autoridade correspondem a três tipos dê legitimidade: a racional, a puramente afetiva e a utilitarista. O tipo racional-legal tem como fundamento a dominação em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada, por sua vez,
em regras racionalmente criadas. A autoridade desse tipo mantém-se, assim, segundo uma ordem impessoal e universalista, e os limites de seus poderes são determinados pelas esferas de competência, defendidas pela própria ordem. Quando a autoridade racional-legal envolve um corpo administrativo organizado, toma a forma dê estrutura burocrática, amplamente analisada por Weber.
A autoridade tradicional é imposta por procedimentos considerados legítimos porquê sempre teria existido, e é aceita em nome de uma tradição reconhecida como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse tipo é definido por um sistema dê status, cujos poderes são determinados, em primeiro lugar, por prescrições concretas da ordem tradicional ê, em segundo lugar, pela autoridade dê outras pessoas que estão acima dê um status particular no sistema hierárquico estabelecido. Os poderes são também determinados pela existência dê uma esfera arbitrária de graça, aberta a critérios variados, como os de razão de Estado, justiça substantiva, considerações dê utilidade e outros. Ponto importante é a inexistência de separação nítida entre a esfera da autoridade e a competência privada do indivíduo, fora de sua autoridade. Seu status é total, na medida em que seus vários papéis estão muito mais integrados do que no caso de um ofício no Estado racional-legal.
Em relação ao tipo de autoridade tradicional, Weber apresenta uma subclassificação em termos do desenvolvimento e do papel do corpo administrativo: gerontocracia e patriarcalismo. Ambos são tipos em que nem um indivíduo, nem um grupo, segundo o caso, ocupam posição de autoridade independentemente do controle de um corpo administrativo, cujo status e cujas funções são tradicionalmente fixados. No tipo patrimonialista de autoridade, as prerrogativas pessoais do "chefe" são muito mais extensas e parte considerável da estrutura da autoridade tende a se emancipar do controle da tradição.
A dominação carismática é um tipo de apelo que se opõe às bases de legitimidade da ordem estabelecida e institucionalizada. O líder carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo do líder seja considerado como legítimo por seus seguidores, os quais estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Fenômeno excepcional, a dominação carismática não pode estabilizar-se sem sofrer profundas mudanças estruturais, tornando-se, de acordo com os padrões de sucessão que adotar e com a evolução do corpo administrativo, ou racional-legal ou tradicional, em algumas de suas configurações básicas.
Cronologia:
1864 - Max Weber nasce em Erturt, Turíngia, a 21 de abril.
1869 - Muda-se para Berlim com a família.
1882 - Conclui seus estudos pré-universitários e matricula-se na Faculdade Direito de Heidelberg.
1883 - Transfere-se para Estrasburgo, onde presta um ano de serviço militar.
1884 - Reinicia os estudos universitários.
1888 - Conclui seus estudos e começa a trabalhar nos tribunais de Berlim.
1889 - Escreve sua tese de doutoramento sobre a história das companhias comércio durante a Idade Média.
1891 - Escreve uma tese, H História das Instituições Agrárias.
1893 - Casa-se com Marianne Schnitger.
1894 - Exerce a cátedra de economia na Universidade de Freiburg. 1896 - Aceita uma cátedra em Heidelberg.
1898 - Consegue uma licença remunerada na universidade, por motivo de saúde.
1899 - É internado numa casa de saúde para doentes mentais, onde permanece algumas semanas.
1903 - Participa, junto com Sombart, da direção de uma das mais destacadas publicações de ciências sociais da Alemanha.
1904 - Publica ensaios sobre os problemas econômicos das propriedades dos Junker, sobre a objetividade nas ciências sociais e a primeira parte de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
1905 - Parte para os Estados Unidos, onde pronuncia conferências e recolhe material para a continuação de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
1906 - Redige dois ensaios sobre a Rússia: A Situação da Democracia Burguesa na Rússia e A Transição da Rússia para o Constitucionalismo de Fachada.
1914 - Início da Primeira Guerra Mundial. Weber, no posto de capitão, é encarregado de organizar e administrar nove hospitais em Heidelberg.
1918 - Transfere-se para Viena, onde dá um curso sob o título de Uma Crítica Positiva da Concepção Materialista da História.
1919 - Pronuncia conferências em Munique, que serão publicadas sob o título de História Econômica Geral.
1920 - Falece em conseqüência de uma pneumonia aguda.
Bibliografia:
Weber, Os Pensadores, Ed. Abril
Weber, Grandes Cientistas Sociais, Ed. Ática
CONSIDERAÇÕES SOBRE A
SOCIOLOGIA DE MAX WEBER
Cláudio Marques Martins Nogueira
Mestre em Sociologia pela
Fafich/UFMG. Professor Assistente
de Sociologia da Educação da
Fae/UFMG.
Resumo: O artigo analisa a concepção weberiana de Ciência Social. Numa primeira parte,
discuti-se o modelo epistemológico mais amplo de Weber e são considerados seus
argumentos relativos ao problema da objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais.
Na segunda parte, realiza-se uma reflexão sobre o que, essencialmente, seria o projeto
sociológico weberiano. Na parte final, são considerados certos limites do paradigma
weberiano, associados à sua definição da Ciência Social como “Ciência da Realidade”.
Weber ( 1993, pág. 124 ) afirma que a Ciência Social que ele pretende exercitar
é uma “Ciência da Realidade”, voltada para a compreensão da significação cultural
atual dos fenômenos e para o entendimento de sua origem histórica.
Essa não é uma afirmação trivial. O termo “Ciência da Realidade”, tal como
utilizado por Weber, aponta, na verdade, para um concepção específica do objeto e do
método das Ciências Sociais.
Esse artigo pretende discutir, justamente, essa especificidade. O que significa
esse compromisso enfático com o estudo da realidade? Que objetos são definidos como
pertinentes e quais são excluídos do âmbito dessas ciências?
O artigo está dividido em três partes. Numa primeira, são discutidos alguns
pontos mais gerais do modelo epistemológico weberiano e, especificamente, suas
considerações sobre a possibilidade de um conhecimento objetivo nas chamadas
Ciências da Cultura.
Numa segunda parte, discuti-se propriamenhte o projeto weberiano para as
Ciências Sociais. Como são definidos o objeto e o método dessas ciências?
Servindo-se das reflexões realizadas nas duas primeiras partes, discute-se, na
parte final, certos limites do paradigma weberiano, associados, justamente à sua
definição da Ciência Social como Ciência da Realidade.
A EPISTEMOLOGIA WEBERIANA
A epistemologia weberiana pode ser compreendida como resultando da
articulação de duas premissas com uma afirmação aparentemente antitética. As
premissas são: 1) o conhecimento só é possível a partir da referência a valores e
interesses; 2) valores e interesses não podem ser validados ou hierarquizados segundo
critérios objetivos. A afirmação é a seguinte: é possível alcançar um conhecimento
objetivo, universalmente válido, científico, no sentido mais forte da palavra.
A questão, então, é entender como é possível para Weber, partindo das duas
premissas indicadas, chegar a essa última afirmação. Talvez a melhor estratégia seja
considerar, inicialmente, as próprias premissas.
O que está sendo chamado aqui de premissas da epistemologia weberiana, são,
na verdade, as duas perspectivas básicas que definem a concepção de Weber no que se
refere à relação entre conhecimento, realidade e valores. Seguindo uma orientação
claramente neokantiana, Weber assume, de forma radical e com todas as implicações
daí decorrentes, o postulado da existência de uma separação clara entre os planos do
conhecimento e da realidade, cuja transposição é sempre parcial, provisória e,
sobretudo, mediada por uma série de categorias e construções conceituais definidas
conforme os valores e interesses de quem busca o conhecimento.
A realidade é entendida como algo infinito, que pode ser apreendido a partir de
inúmeros ângulos, mas jamais na sua totalidade ou essência. A conhecimento seria
sempre fruto de um recorte particular, da seleção de um conjunto específico de
problemas e de fenômenos. Essa seleção ou recorte particular seria, necessariamente,
feita a partir das referências pessoais dos sujeitos cognoscentes. Weber nega, assim, a
possibilidade de um conhecimento absoluto, livre de quaisquer pressupostos, capaz de
definir de modo completamente neutro qual a verdade absoluta das coisas. Não existiria,
segundo ele, um ponto privilegiado a partir do qual o investigador pudesse atingir uma
visão isenta e global da realidade. Ao contrário, todo e qualquer conhecimento estaria
referido a valores e interesses subjetivos. Seriam a partir dessas referências que os
sujeitos atribuiriam relevância e selecionariam, dentro da realidade infinita, os
problemas e objetos que, do seu ponto de vista, mereceriam ser investigados.
A primeira premissa do modelo epistemológico weberiano é, portanto, a do
caráter inexorável da referência do conhecimento a valores e interesses. Não existiriam
problemas ou objetos que seriam intrinsicamente relevantes para o conhecimento
humano. De uma forma ou de outra, o sujeito cognoscente sempre partiria de um
conjunto específico de referências e pressupostos culturalmente definidos. É uma
questão secundária, o fato de que se trate de um sistema ético, de um conjunto de
postulados metafísicos, de um modelo teórico ou de um conjunto de crenças e interesses
religiosos ou econômicos. Em todos esses casos, a situação seria, basicamente, a
mesma. Tratar-se-ia de conjuntos de perspectivas ou referenciais subjetivos que
orientariam os investigadores nas atividades do conhecimento.
A segunda premissa fundamental seria a de que essas referências não poderiam
jamais ser validadas e nem mesmo hierarquizadas segundo critérios que pudessem ser
chamados de objetivos. A adesão a determinados valores ou a uma visão de mundo
específica seria, em última instância, uma questão de fé ( Weber, 1993 ). Não existiriam
parâmetros objetivos a partir dos quais se pudesse decidir sobre o melhor valor ou a
visão de mundo mais verdadeira. A adesão a qualquer desses pontos de vista seria
sempre dependente de uma convicção pessoal, subjetiva. Todos os valores, as visões de
mundo, os sistemas metafísicos, as normas e princípios éticos que conduzem os homens
em seus assuntos práticos e que são referências do conhecimento seriam
incomensuráveis e teriam, em princípio, que ser tomados como equivalentes.
A associação entre essas duas premissas, ou seja, o reconhecimento de que as
referências valorativas são inevitáveis e de que não é possível selecioná-las segundo
critérios objetivos, poderia ter conduzido Weber a uma postura cética e relativista.
Partindo dessas premissas, a conclusão aparentemente mais lógica seria a que afirmasse
que não é possível um conhecimento objetivamente válido da realidade, sobretudo, no
que se refere aos fenômenos culturais. A conclusão de Weber, no entanto, é exatamente
a contrária. A objetividade do conhecimento é possível, inclusive, nas Ciências da
Cultura.
É importante lembrar que dentro do contexto intelectual alemão do final do
século passado, no qual Weber se inseria, existiam pelo menos duas respostas
disponíveis à questão da validação do conhecimento das Ciências da Cultura. Ambas,
no entanto, foram rejeitadas por Weber. Dilthey, em linhas gerais, acreditava que o
conhecimento dos fenômenos culturais se fundamentava na estratégia da compreensão
introspectiva, método pretensamente capaz de resgatar o mundo tal como
subjetivamente vivido pelos indivíduos. A possibilidade desse resgate estaria, em
princípio, garantida pela identidade humana e histórica que une, nas Ciências da
Cultura, o sujeito e o objeto. Como sujeito humano o observador poderia compreender
de modo relativamente fácil outros universos humanos. Weber rejeita a solução de
Dilthey, fundamentalmente, argumentando que o acesso a esse universo subjetivo não é
nem direto, nem completo e nem imparcial. Tratar-se-ia, além disso, de um método de
difícil controle intersubjetivo, que como tal não poderia ser posto como garantia de
objetividade.
A outra solução para o problema da validade do conhecimento presente no
contexto intelectual de Weber era sustentada principalmente por Rickert e Windelband.
Para estes, existiriam certos valores universais e necessários, supostamente
compartilhados pela humanidade e pelo cientista, que orientariam, de modo unívoco, o
trabalho de seleção dos problemas e objetos nas Ciências da Cultura. A observação
desses valores universais seria a garantia da relevância e pertinência do conhecimento
produzido. Como observa Saint-Pierre a relação com os valores seria, particularmente
para Rickert, não “apenas um princípio de seleção do material de estudo, mas, e
principalmente, constituía o fundamento da validade do conhecimento histórico-social”
( 1994, pág. 24 ). Weber rechaça esse alternativa acentuando, sobretudo, o fato de que
os valores não são universais, mas, ao contrário, múltiplos e contraditórios. Não existiria
um sistema de valores privilegiado, fundado numa base transcendental, com relação ao
qual as Ciências da Cultura pudessem se orientar, mas, apenas, o eterno confronto
histórico entre diversos valores inconciliáveis.
Em contraposição a essas duas alternativas, Weber busca uma solução para o
problema da objetividade do conhecimento que, como observa Saint-Pierre, se situa no
plano metodológico. O conhecimento objetivo é possível desde que os sujeitos
cognoscentes se comprometam a observar certas regras próprias à atividade científica. A
objetividade não seria alcançada pela extirpação de toda e qualquer referência a valores
e pela busca de um olhar imparcial, como talvez sonhassem os positivistas. Weber se
mantém fiel a sua primeira premissa. Também não seria obtida por meio da
hierarquização das várias referências e da escolha, entre essas, daquela mais verdadeira
- talvez, algum sistema teórico ou metafísico ou, ainda, um conjunto de valores
superiores, como queria Rickert - a partir do qual se pudesse proceder a uma abordagem
unívoca da realidade. Weber, também, não abandona a sua segunda premissa; não é
possível selecionar segundo critérios cientificamente válidos qual a referência melhor
ou mais verdadeira.
A objetividade do conhecimento é possível, no entanto, desde que, em primeiro
lugar, sejam claramente separadas as esferas do conhecimento empírico e da ação
prática, particularmente, a de natureza política ou religiosa. Weber se dedica
exaustivamente ( Por ex.: 1982 e 1993 ) ao estabelecimento de uma delimitação clara
entre essas duas esferas. Os objetivos que a ciência deve se colocar e que ela é capaz de
alcançar são radicalmente distintos dos que cabem, por exemplo, à política. Embora se
sirva da relação com valores para selecionar seus objetos e ângulos de investigação, a
ciência não deve, como tal, fazer julgamentos de valor. Ela deve se restringir a fazer
julgamentos científicos sobre a realidade tal como esta é empíricamente, não sobre
como ela supostamene deveria ser. Até mesmo porque a ciência não é capaz de fazer
julgamentos objetivos sobre valores, sobre como as coisas devem ser. Esses
julgamentos são necessariamente subjetivos.
O primeiro passo para se garantir a objetividade do conhecimento científico é,
portanto, separar claramente julgamentos de valor e julgamentos de fato e excluir os
primeiros do âmbito da ciência. Essa, de certa forma, é uma atitude que depende de uma
decisão individual dos pesquisadores, mas que, para Weber ( 1993 ), poderia ser
incentivada e cobrada pelas associações e revistas científicas. É importante observar que
a objetividade do conhecimento é possível, na perspectiva weberiana, na medida exata
em que os cientistas estejam deliberadamente dispostos a se comprometer com a busca
dessa objetividade. Esse compromisso tem como eixo principal a renúncia aos
julgamentos de valor, mas é algo mais amplo. Weber espera, na verdade, que o cientista
esteja disposto a se curvar frente ao imperativo das proposições empíricas, factuais, que
não se apegue às suas referências teóricas e filosóficas de modo dogmático, que esteja
aberto ao diálogo e à crítica e que saiba correr o risco constante da refutação empírica
de suas idéias.
Uma maneira interessante de se interpretar a concepção weberiana do
conhecimento científico é recorrendo à separação entre Contexto da Descoberta e
Contexto da validação. Weber sabe que o interesse pelo conhecimento e a seleção do
problema, do objeto e do ângulo específico das investigações são definidos
necessariamente através de uma relação com valores subjetivos – essa é, justamente,
uma de suas premissas. Essa relação com valores não alcançaria, no entanto, o plano da
verificação empírica das hipóteses. Uma vez proposto, o conhecimento poderia e
deveria ser julgado, objetivamente, do ponto de vista de sua lógica interna e validade
empírica. A relação com os valores dominaria apenas o Contexto da Descoberta. O
Contexto da Validação deveria ser consciente e deliberadamente liberto das influências
subjetivas. Neste contexto deveria imperar o espírito crítico e antidogmático. Os
resultados do conhecimento, para serem considerados cientificamente válidos, teriam
que se submeter ao controle intersubjetivo e ser universalmente aceitos.
Weber nos fala, portanto, particularmente, no caso das Ciências da Cultura, de
duas dimensões claras do trabalho científico. Uma primeira dimensão, em que nenhuma
forma de controle é possível. As referências subjetivas que orientam o conhecimento
são múltiplas, inconciliáveis e não são passíveis de nenhum tipo de julgamento ou
hierarquização segundo critérios objetivos. Partindo de referências variadas, os sujeitos
selecionariam problemas e objetos e construiriam conceitos e hipóteses. Uma vez
formuladas as hipóteses, passaria-se para a segunda dimensão, na qual imperaria o
controle intersubjetivo, tendo na validação empírica seu critério fundamental.
Do ponto de vista deste artigo, o que é mais importante sublinhar é o
compromisso de Weber com a busca da objetividade nas Ciências Sociais. Toda sua
reflexão epistemológica está voltada para a construção de uma estratégia capaz de
conciliar a referência a valores múltiplos e contraditórios com a conquista da
objetividade. Sua afirmação de que a Ciência Social que ele pretende praticar é uma
ciência da realidade só pode ser entendida à luz desse compromisso.
A CONCEPÇÃO DE SOCIOLOGIA DE MAX WEBER
As características do paradigma sociológico weberiano só se definem à luz da
visão de mundo mais ampla de Weber, dentro da qual se articulam uma concepção
específica sobre o que é a realidade sócio-histórica e uma reflexão profunda sobre a
natureza do empreendimento científico.
Talvez o ponto central da perspectiva weberiana seja o reconhecimento de que a
realidade humana não possui um sentido intrínseco e unívoco, dado de modo natural e
definitivo, independentemente das ações humanas concretas. Weber pressupõe que a
realidade é infinita e sem qualquer sentido cognoscível imanente. Seriam os sujeitos
humanos que estabeleceriam recortes na realidade e se posicionariam diante deles
conferindo-lhes sentido.
Weber assume essa perspectiva de modo radical. Orientado por ela, procura
excluir das Ciências Sociais qualquer proposição que busque definir de modo geral e
substantivo qual a lógica da história, qual a dimensão estrutural determinante da
sociedade ou qual o sentido último subjacente às ações individuais. Todas essas
definições suporiam a existência de uma realidade atemporal, naturalmente dada,
subjacente e determinante dos fenômenos empíricos. Weber não apenas não acredita na
existência desses determinantes ahistóricos do comportamento humano, como defende
que não seria possível defini-los de um modo objetivo, verificável segundo as regras da
ciência.
Os únicos objetos legítimos das Ciências Sociais seriam, então, em si mesmas,
as ações sociais. O agente individual seria o único portador real de sentido. A única
coisa que realmente existiria seriam sujeitos humanos agindo de uma forma e com um
sentido específico e produzindo, de modo intencional ou não, uma série de
conseqüências. Cada fenômeno cultural só poderia ser compreendido na sua
significação e ter sua origem explicada a partir da referência a agentes sociais que ao
organizarem significativamente suas ações contribuiriam, de forma mais ou menos
intencional, para determinar essa significação e essa origem.
Como observa Jaspers ( 1977 ), o “eixo” que orienta o trabalho aparentemente
disperso de Weber é, então, seu compromisso com o estudo de “homens reais”, agindo
em condições sociais e diante de processos históricos definidos. Quando Weber afirma
enfaticamente que a Ciência Social que ele pretende praticar é uma “Ciência da
realidade” o que ele esta querendo acentuar é, em grande medida, esse compromisso
com a análise de realidades empíricas concretas, tornadas significativas por agentes
historicamente situados. Não existiria um mundo cognoscível acima, abaixo ou além do
mundo das ações significativas e das conexões entre ações. Todas as categorias
conceituais, incluindo as de natureza coletiva, como Estado, nação ou família, teriam
que ser formuladas de um modo que explicitasse sua relação com as ações sociais
concretas. Nenhum fenômeno seria definido por sua essência ou substância fixa. Seriam
os agentes concretos, historicamente localizados, agindo segundo os valores mais
diversificados e contraditórios, que construiriam, de modo mais ou menos consciente,
tudo o que seria culturalmente significativo.
O compromisso enfático de Weber com a interpretação de fenômenos concretos,
historicamente localizados, não permite, no entanto, que esse seja confundido com um
simples colecionador de fatos históricos ( Jaspers, 1977, pág. 126). Esse, certamente,
não é seu perfil. O interesse de Weber não se restringe ao acúmulo de dados ou mesmo
a uma descrição detalhada de singularidades histórico-sociais. Weber está interessado
em compreender causalmente a realidade empírica, em analisar a importância relativa
de cada elemento presente numa situação para a definição do curso subsequente dos
acontecimentos. Esse tipo de trabalho não pode basear-se, apenas, no conhecimento, por
mais amplo que seja, das características da situação que se deseja compreender. A
imputação causal só pode ser bem sucedida quando feita a partir do conhecimento de
regularidades empíricas. Somente a partir do conhecimento do que é o comportamento
provável em cada tipo de situação é que é possível ao cientista analisar o caso concreto
e definir as causas prováveis.
A solidariedade entre Sociologia e História, de que nos fala Aron ( 1990, pág.
482 ), estaria baseada nessa dependência mútua entre o conhecimento do geral e do
particular nas Ciências Sociais. A sociologia estaria voltada para a formulação das
“regras gerais dos acontecimentos”. A história interessaria-se pela “análise e imputação
causal de ações, formações e personalidades individuais culturalmente importantes”
( Weber, 1991, pág. 12). Uma, no entanto, dependeria imensamente da outra. A
compreensão dos eventos historicamente circunscritos só poderia ser feita por meio do
conhecimento das regularidades sociologicamente definidas e essas só poderiam ser
sustentadas através da demonstração de sua validade em situações historicamente
definidas.
É fundamental perceber que o projeto weberiano para as Ciências Sociais – aí
incluídas a Sociologia e a História - supõe muito mais do que a simples coleta e
descrição de dados definidos em sua singularidade empírica. Sem dúvida, na medida
mesmo em que se afasta das definições fixas dos fenômenos sociais, Weber se aproxima
das manifestações sociais concretas, marcadas por um contexto histórico e cultural
singular. Essa aproximação, no entanto, é mediada por todo um instrumental analítico
que transforma os fenômenos concretos em objetos científicos. Os fenômenos empíricos
são recortados conceitualmente. Seus elementos e conexões internas são comparados
com formas típicas construídas artificialmente
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pelo observador. São avaliadas as várias causas possíveis que explicariam sua configuração atual e atribuído um peso relativo a cada uma delas.
Uma das preocupações de Weber foi, justamente, com a formulação de certos
instrumentos metodológicos que permitissem que o cientista investigasse os fenômenos
particulares sem se perder na infinidade disforme dos seus aspectos concretos. O
principal desses instrumentos é o tipo ideal. Os tipos ideais cumpririam duas funções
principais: selecionar explicitamente a dimensão do objeto que será analisada e
apresentar essa dimensão de uma forma pura, despida de suas nuanças concretas. Nas
palavras de Weber, a construção de tipos permitiria operar uma espécie de abstração
que converteria a realidade em “objeto categorialmente construído” ( 1993-b, pág.
Faça sua b
203 ). Os tipos seriam elaborados “mediante acentuação mental de determinados
elementos da realidade”( 1993, pág.137 ) considerados, do ponto de vista do
investigador, relevantes para a pesquisa. O cientista social criaria definições exageradas,
unilaterais, das dimensões da realidade que pretendesse conhecer. Essas definições
poderiam então ser utilizadas, num segundo momento, para uma espécie de comparação
com o mundo real. Elas auxiliariam no trabalho de compreensão e de imputação causal
realizado pela Sociologia e pela História. Cada aspecto concreto da realidade empírica
poderia ser compreendido em função da sua maior ou menor distância em relação à
definição típico ideal.
O tipo ideal mais importante da Sociologia weberiana é o de ação racional com
referencia a fins. Este tipo de ação se caracterizaria pelo fato do ator escolher de modo
ponderado seus fins, considerando as conseqüências previsíveis, e por adequar do modo
que lhe parece mais eficaz, dadas as condições, os meios aos fins. Seria um tipo de ação
social no qual o sujeito agiria desapegado de vínculos afetivos ou tradicionais. O que
prevaleceria seria a análise objetiva da eficiência e da eficácia, dos custos e benefícios
de cada alternativa. A ação racional com referência a valores possuiria, basicamente, as
mesmas características. A diferença é que os fins da ação, neste caso, seriam
perseguidos de modo absoluto, independentemente das conseqüências previsíveis que
possam estar associadas a eles. A idéia de Weber é de que a ação racional, nas suas duas
modalidades, seria a forma mais previsível, compreensível, de comportamento humano.
Quando desapegados de suas tradições e afetos, os homens agiriam diante das situações
de modo muito regular. Suas ponderações sobre os custos e benefícios de cada
alternativa de ação são feitas segundo regras que seriam mais ou menos universais de
raciocínio. Suas decisões, ou seja, os cursos efetivos da ação seriam, portanto, muito
regulares.
Seria, justamente, essa previsibilidade ou compreensividade máxima que faria
com que o tipo ideal de ação racional desempenhasse o papel de um recurso
metodológico tão central na Sociologia weberiana. Os fenômenos poderiam, num
primeiro momento, ser interpretados como baseados em ações racionais. Essa
interpretação seria, num segundo momento, comparada com a realidade concreta. Os
comportamentos divergentes seriam compreendidos como desvios, afetivos ou
tradicionais, em relação às ações racionais previstas.
Servindo-se de tipos que recriam, de modo acentuado, vários aspectos da
realidade empírica e valendo-se do conhecimento de certas regularidades da ação
humana - associadas, principalmente, ao seu caráter racional - Weber pode construir,
para cada situação social analisada, um quadro das possibilidades objetivas de ação.
Este quadro funciona como um recurso metodológico complementar que permite avaliar
a influência de modificações mais ou menos abrangentes dos componentes de uma
situação social sobre a escolha por parte do sujeito do seu curso de ação. Torna-se
possível simular vários cenários, através da modificação virtual de determinado
componente da situação, imaginar, segundo as regras da experiência, como o ator
reagiria às modificações, e, assim, avaliar o peso causal que cada componente da
situação desempenharia – ou efetivamente desempenhou, no caso histórico - na
definição do curso de ação. A avaliação do significado causal de um fato para o curso
subsequente dos acontecimentos seria, assim, realizada considerando-se a probabilidade
maior ou menor, de acordo com as regras da experiência, de que, na ausência desse fato,
o comportamento dos agentes seja modificado. Seria possível simular a ausência do fato
e avaliar, com algum grau de segurança, quais as possibilidades objetivas de que isso se
traduza numa mudança do comportamento dos agentes e, indiretamente, numa alteração
do curso dos acontecimentos.
A reconstrução analítica de elementos da realidade em termos típico ideais e a
simulação das possibilidades objetivas envolvidas num acontecimento ou situação –
simulação baseada, principalmente, na previsão de como seria o curso dos eventos no
caso de ações puramente racionais – seriam os elementos principais que permitiriam a
compreensão causal dos fenômenos sociais. O cientista reconstruiria, em termos típicos,
dimensões específicas da realidade, avaliaria, segundo as regras da experiência, como os
agentes provavelmente agiriam diante dessas dimensões e compararia os cursos de ação
concretos com as previsões realizadas. Essa comparação permitiria definir o grau de
proximidade entre a construção típica e a realidade concreta.
A compreensão causal, no sentido weberiano, ou seja, a explicação dos
fenômenos a partir da interpretação do sentido visado pelas ações dos sujeitos e da
análise das implicações, intencionais ou não, dessas ações supõe a utilização dos três
recursos metodológicos acima discutidos: os tipos ideais, que permitem isolar
artificialmente dimensões da realidade empírica e avaliar a presença dessas, em maior
ou menor grau, em diversas configurações concretas; o tipo ideal de ação racional, que
forneceria uma espécie de padrão previsível de comportamento a partir do qual se
poderia identificar desvios; a noção de possibilidade objetiva, que permite avaliar o
peso relativo de várias causas possíveis na determinação de um acontecimento.
A sociologia weberiana não lida com indivíduos socialmente isolados, mas com
agentes localizados em situações sociais determinadas, nas quais está aberto um campo
definido de possibilidades de ação ( Cohn, 1979 ). A primeira condição que torna
possível a compreensão sociológica seria, justamente, o fato dos sujeitos agirem dentro
desse universo estreito de possibilidades. Os atores lidam com essas possibilidades de
um modo que pode ser compreendido quanto ao sentido – na medida em que adequado
aos “hábitos médios de pensar e sentir” (Weber, 1991, pag. 8 ) - e previsível de acordo
com regras de probabilidade construídas a partir da experiência histórica.
O trabalho do sociólogo seria, basicamente, o de reconstruir de modo típico os
elementos considerados significativos em cada situação. A partir dessa reconstrução o
sociólogo poderia compreender as possibilidades de ação abertas para o sujeito ( as
conexões de sentido possíveis ) e avaliar, a partir da experiência, quais as mais
prováveis. A Sociologia poderia, finalmente, afirmar que diante de situações próximas
ao caso típico, os sujeitos provavelmente agiriam de uma determinada forma e de
acordo com um sentido que poderia ser compreendido.
Num certo sentido, pode-se dizer que a Sociologia weberiana tem como projeto a reconstrução conceitual do mundo sócio-histórico. Certamente, não se trata de uma reconstrução exata, completa, definitiva ou imparcial. Weber enfatizou suficientemente a separação existente entre conhecimento e realidade. O mundo social - na verdade, fragmentos dele - seria recriado em termos típicos ideais, ou seja, selecionando-se e exagerando-se algumas de suas dimensões. Seriam explicitadas, ainda, as relações regulares observadas entre dimensões da realidade. Como a realidade empírica é definida em termos de agentes com um objetivo, agindo em relação a outros agentes, servindo-se dos meios disponíveis e das condições dadas pela situação, os elementos tipificados seriam, justamente, os objetivos ou motivos, os meios, as condições e as próprias situações. Mesmo as categorias sociológicas mais gerais utilizadas pela Sociologia, como capitalismo, burocracia ou patrimonialismo, seriam definidas em função da probabilidade de que se repitam certas ações típicas, do ponto de vista do seu sentido, que, supostamente, estão envolvidas e, inclusive, são as responsáveis pela existência desses fenômenos macrossociais.
Weber não pretende e não acha possível ir além dessa reconstrução tipificada dos elementos do real e do estabelecimento de certas relações, mais ou menos regulares e compreensíveis, entre esses elementos. Apenas essas seriam tarefas de uma Ciência Social “da realidade”, no sentido weberiano. É a isso que ele chama de “ordenação conceitual da realidade”. Qualquer objetivo além desse seria visto como inadequado a uma ciência empírica e próprio à “metafísica” ou à “filosofia social”.
OS LIMITES DA SOCIOLOGIA WEBERIANA
As considerações realizadas nas seções anteriores, sobre os pressupostos
epistemológicos mais gerais de Max Weber e sobre sua concepção do objeto e do
método das Ciências Sociais, permitem que se proceda, agora, a uma reflexão mais
embasada sobre o significado da afirmação weberiana reproduzida no início deste
artigo. O que significa definir a Ciência Social como uma “Ciência da Realidade”?
Por trás dessa afirmação, certamente, está o compromisso radical de Weber com
a busca da objetividade no campo das Ciências Sociais. Weber busca definir o objeto
dessas ciências de tal modo que esse possa cumprir as exigências do controle
intersubjetivo e da validação empírica. Uma das maiores preocupações de Weber seria,
exatamente, a de afastar certas categorias da análise sociológica, normalmente de
natureza coletiva ou macroestrutural, que não seriam diretamente acessíveis
empiricamente.
A ação social é definida como o objeto elementar das Ciências Sociais,
justamente, pelo seu caráter, num certo sentido, real. Como já foi dito, a única coisa que
realmente existiria no mundo social seriam homens agindo segundo um sentido visado e
tendo como referência os outros agentes. Esse, portanto, seria o único objeto passível de
ser analisado por uma “Ciência da Realidade”.
Nesta terceira seção, pretende-se, primeiramente, considerar os argumentos
utilizados por Weber para restringir o espaço de categorias teóricas e filosóficas gerais –
vale dizer, “não reais” – nas Ciências Sociais. Essa restrição vai estar diretamente
relacionada à definição das ações sociais como o objeto elementar dessas Ciências,
qualquer categoria que não seja passível de redução ao plano das ações passa a ser
rotulada de metafísica. Na parte final da seção considera-se, justamente, as implicações
dessa circunscrição, realizada por Weber, do objeto das Ciências Sociais. Que
dimensões dos fenômenos sociais ficam excluídos, sob o argumento de serem “não
reais”, do âmbito dessas ciências?
Em “A “objetividade” do conhecimento nas Ciência Social e na Ciência
Política” (1993 ), Weber defende a tese segundo a qual é impossível estabelecer um
referencial teórico ( metafísico, no sentido weberiano ) único a partir do qual se pudesse
abordar cientificamente toda a realidade histórico-social. Weber parece utilizar três
argumentos principais na sustentação dessa tese. Primeiro, o de que não existiria um,
mas vários referenciais teóricos, normalmente associados a diferentes sistemas
filosóficos. Cada um deles significaria, na verdade, apenas mais uma perspectiva, mais
um ângulo a partir do qual é possível recortar e analisar o real. O seleção de um entre
esses ângulos como referencial privilegiado seria, num certo sentido, sempre arbitrária.
Nos termos de Weber, “o número e a natureza das causas que determinaram qualquer
acontecimento individual são sempre infinitos, e não existe nas próprias coisas critério
algum que permita escolher dentre elas uma fração que possa entrar isoladamente em
linha de conta”( 1993, pág.129 ).
Weber insiste em afirmar que não compartilha do preconceito, segundo o qual
“as reflexões sobre a vida cultural que pretendem interpretar metafisicamente o mundo,
indo portanto, além da ordenação conceitual dos dados empíricos, não poderiam, por
causa desta sua característica, contribuir, de alguma forma, para o conhecimento” ( pág.
114 ). Sua crítica seria dirigida, assim, apenas, à pretensão, comum a essas
“interpretações metafísicas”, de se firmarem como “método universal”, como
“denominador comum da explicação causal da realidade” (pág. 121 ). Essa pretensão
seria inaceitável, no campo científico, pelo simples fato de que não se teria como se
decidir objetivamente entre as várias alternativas disponíveis. O argumento seria,
basicamente, o mesmo utilizado com relação aos valores da vida prática em geral, como
a política e a religião. As interpretações metafísicas são múltiplas, inconciliáveis e não
podem ser validadas ou hierarquizadas segundo critérios objetivos. Devem permanecer,
portanto, no “contexto não controlado da descoberta”.
O segundo argumento desenvolvido por Weber para rejeitar o estabelecimento
de um referencial teórico abrangente e unificado nas ciências da cultura aponta para o
fato de que os objetos dessas ciências são individualidades históricas concretas que não
podem ser deduzidas de um sistema de leis. Weber se opõe a autores que, segundo ele,
concebem o ideal do conhecimento científico como sendo o estabelecimento de um
“sistema de proposições das quais seria possível “deduzir” a realidade” ( 1993, pág.
125). Argumenta que isso não é válido nem para o caso, por exemplo, da Astronomia.
Mesmo uma Ciência Natural como essa se interessaria por entender o “efeito individual
produzido pela ação das leis sobre uma constelação individual” e por saber a origem
desta como “conseqüência de outra constelação, igualmente individual que a precede”
( pág. 125 ). No caso das Ciências da Cultura, o interesse pela dimensão individual do
fenômeno, incluindo sua significação histórica, seria ainda mais central. Assim, Weber
afirma que mesmo que fosse estabelecida uma “imensa casuística de conceitos e regras
com a validade rigorosa de leis” ( pag. 126 ), isso constituiria apenas um primeiro passo
do conhecimento. O passo seguinte e, talvez, mais importante, seria a análise da
vigência dessas leis em casos concretos e historicamente individualizados.
Este segundo argumento, na verdade, não implica uma rejeição do
estabelecimento de referenciais teóricos abrangentes e mesmo unificados nas Ciências
Sociais. Ele apenas delimita o papel que poderia ser desempenhado por esses
referenciais. Eles poderiam ser instrumentos utilizados na interpretação dos fenômenos
concretos. Não seriam capazes, no entanto, de substituir ou de tornar dispensável a
análise empírica dos próprios fenômenos.
O terceiro argumento utilizado por Weber para restringir a importância dos
pressupostos teóricos mais gerais nas Ciências da Cultura é na verdade um
complemento do argumento anterior. Os objetos das Ciências Sociais seriam definidos
pelo atributo de possuírem uma significação cultural, de estarem relacionados com
idéias de valor de sujeitos concretos. Como tais, esses objetos teriam, logicamente, que
ser tomados como construções históricas individualizadas. A compreensão dessas
construções particulares e a explicação de suas causas não poderia ser feita a despeito
ou em contradição com o seu caráter individual. A proeminência teria que ser dada ao
objeto concreto, com sua significação cultural e origem histórica específica. Nos termos
de Weber, “quando se trata da individualidade de um fenômeno, o problema da
causalidade não incide sobre as leis, mas sobre conexões causais concretas; não se trata
de saber a que fórmula se deve subordinar o fenômeno a título de exemplar, mas sim, a
que constelação deve ser imputado como resultado.” ( pág. 129 ). Os referenciais
teóricos gerais ou o “conhecimento das leis da causalidade” seriam, assim, apenas um
instrumento a ser utilizado no trabalho de imputação causal. Weber observa ainda que
“quanto mais gerais, isto é, abstratas são as leis, menos contribuem para as necessidades
da imputação causal dos fenômenos” ( pág. 129), justamente, por se afastarem
demasiadamente de sua realidade concreta.
Esses três argumentos juntos compõem o essencial da concepção weberiana
relativa ao lugar que deve ser reservado aos pressupostos teóricos ou metafísicos nas
Ciências Sociais. Na verdade, esse lugar seria bastante restrito. Esses pressupostos
poderiam, no máximo – mesmo assim, na medida em que não fossem abstratos demais –
auxiliar o sociólogo ou o historiador no trabalho prévio de formulação dos problemas e
desenvolvimento inicial das hipóteses. De certa forma, essas “filosofias sociais” são
vistas como sendo apenas um componente a mais do conjunto de visões de mundo,
valores e convicções pessoais que constituem as referências do investigador.
Essas ponderações de Weber não implicam, no entanto, uma renúncia à
possibilidade do conhecimento geral nas Ciências Sociais. Como já foi dito nas seções
anteriores, Weber acredita na possibilidade e na relevância do estabelecimento de
regularidades nessas ciências. O conhecimento nomológico, no sentido weberiano, é, no
entanto, algo completamente distinto do que aqui se está chamando de pressupostos
teóricos e filosóficos gerais. Quando Weber fala da importância do conhecimento
nomológico nas Ciências Sociais, refere-se especificamente a conexões regulares entre
elementos típicos da realidade empírica, nada a mais do que isso. Essas conexões
podem ter um caráter mais ou menos abstrato conforme o pesquisador que as formule se
oriente numa perspectiva mais sociológica ou histórica. De qualquer forma, seriam
reconstruções tipificadas – puras e exageradas - de aspectos presentes na realidade
concreta
O que Weber exclui do campo das Ciências Sociais, ou pelo menos relega a uma
posição bastante marginal, é todo tipo de teorização que se refira a dimensões,
processos ou mecanismos sociais puramente abstratos, que não possam ser traduzidos
em termos de conjuntos típicos ou concretos de ações. Não existiria espaço na
Sociologia weberiana para o desenvolvimento de conceitos ou sistemas de teorias que
tenham como objeto dimensões não diretamente empíricas dos fenômenos sociais.
Assim, num plano macrossociológico, Weber, certamente, desestimularia qualquer
esforço no sentido de estabelecer um conhecimento geral e abstrato, válido para
qualquer configuração histórico-social, sobre a natureza dos sistemas sociais e de seus
mecanismos internos de equilíbrio ou mudança. Ao contrário, ele está interessado em
compreender como em diferentes situações históricas, passíveis de serem tipificadas, os
homens orientaram suas ações de um modo que tornou possível o estabelecimento de
relações sociais mais ou menos estáveis. Da mesma forma, no plano microssociológico,
Weber, sem dúvida, não apoiaria iniciativas no sentido de estabelecer os mecanismos
gerais subjacentes aos processos de interação social. Não lhe interessariam teorias
abstratas sobre a universo subjetivo ou sobre os processos inconscientes envolvidos nas
interações. Restringiria-se a compreender, no caso real ou em termos típicos, o sentido
visado pelos atores e as conseqüências intencionais ou não de suas ações.
O ponto fundamental é o compromisso de Weber com o plano da ação social: tudo o que se encontra num plano analítico subjacente ou transcendente em relação ao da ação seria excluído do campo específico das Ciências Sociais e reservado ao âmbito filosófico. A única dimensão dos fenômenos sociais que Weber reconhece como efetivamente real é a das ações. Qualquer dimensão desses fenômenos que não possa ser traduzida em termos de ações é afastada do campo científico. Definir a ciência social como uma ciência da realidade significa, portanto, para Weber, o mesmo que defini-la como uma ciência da ação social. É claro que Weber não está pensando em ações isoladas. Partindo da ação social como unidade elementar, Weber ( 1991 ) reconstroi conceitualmente todo o emaranhado de relações sociais em que cada ação encontra-se, possivelmente, envolvida. Parsons ( 1968, pág. 653 ) observa que Weber produz um esquema geral dos “tipos objetivamente possíveis de estrutura social”. São tipificadas as várias formas, mais ou menos estáveis, de relação social e definidos os modos típicos de orientação das ações nessas relações.
O conceito fundamental, de qualquer forma, é o de ação social. Esse conceito marca a especificidade, a força, mas, também, os limites da perspectiva weberiana. Weber se limita a perguntar como, com que sentido e com quais conseqüências os sujeitos agem nas situações históricas concretas, em média e no caso típico. Essas seriam as únicas questões pertinentes no âmbito de uma Ciência Social “da realidade”.
Ficam excluídas questões centrais da teoria social. A maior delas talvez seja a da determinação do sentido da ação individual. O que faz com que um agente imprima determinada direção a sua ação? Como são selecionados os fins das ações? Como os agentes decidem entre cursos alternativos de ação? O que faz com que diante de uma mesma situação alguns ajam do modo racionalmente mais previsível, enquanto outros se desviam e se orientam segundo os mais diversos principios normativos? Qual o espaço de autonomia do sujeito, frente às situações sociais, na definição do sentido de sua ação?
Weber se recusa a responder questões formuladas nesse nível de abstração. Os problemas levantados por elas só são tratados na medida em que puderem ser traduzidos para o plano da análise concreta das ações sociais. Weber não pretende formular uma
teoria abstrata da relação entre agentes e situações, sujeitos e estruturas. A questão do grau em que a orientação da ação é determinada pelas características objetivas da situação não é colocada. Weber parte de agentes concretos, perseguindo fins estabelecidos em situações históricamente dadas. Não está disposto a produzir uma teoria geral sobre os fundamentos da ordem social.
BIBLIOGRAFIA
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