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Maria Clara Franco Pinheiro Moreira
O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
Belo Horizonte
2010
Maria Clara Franco Pinheiro Moreira
O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO E SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Alexandre Cesar Cunha Leite
Belo Horizonte 2010
Dedico ao meu pai, mestre no estrito
sentido do termo, cujo exemplo de ser
humano e de profissional eu procuro
seguir. Ao Junior, pela fonte inesgotável
de apoio e compreensão. A minha
família pelo amor concedido. E ainda,
aos meus sinceros amigos Cakim,
Decão e Kika que compartilharam de
muitos momentos da minha árdua
caminhada acadêmica.
Sinceros agradecimentos ao meu
orientador Alexandre por confiar em mim
e por me orientar, permitindo-me
finalizar este trabalho. Ao professor
Rafael Ávila, pela convivência e
inteligência cativantes, que guiaram e
direcionaram nesta caminhada
acadêmica.
“O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder
entusiasmo.” (Churchill)
O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC E SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
Maria Clara F. P. Moreira 1
Alexandre Cesar Cunha Leite2
Resumo
O objetivo do artigo é avaliar se o uso do Órgão de Solução de Controvérsia da Organização Mundial do Comércio (OMC) possibilita gerar desenvolvimento, crescimento econômico e distribuição de renda para os países menos desenvolvidos “vencedores” das disputas. Utilizou-se os conceitos de desenvolvimento econômico juntamente com distribuição de renda segundo o modelo de Hecksher-Ohlin, para análise da amostra escolhida – EUA versus Paquistão -como estudo de caso.
Palavras Chaves: desenvolvimento, distribuição de renda, OMC, crescimento econômico.
Abstract
The aim of this article is to evaluate whether use for the Dispute Settlement Body of World Trade Organization allows generating development, economic growth and income distribution for the least developed countries “winners” of disputes. We used the concepts of economic development with income distribution according to the Hecksher-Ohlin model for analysis of the sample chosen – U.S. vs. Pakistan – as a case study.
Keywords: Development, income distribution, WTO, economic growth.
1 Estudante do Curso de Relações Internacionais, UNI-BH, sob orientação do professor Alexandre Cunha em 2010. 2 Economista, Mestre em Economia Política pela PUCSP, Pós-Graduado em Relações Internacionais pela PUCMINAS, Doutorando em Ciências Sociais pela PUCSP.
Introdução
A globalização afeta todas as áreas da sociedade, inclusive comércio
internacional e liberdade de movimentação (com diferente intensidade dependendo do
nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta).
A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi fundada com o intuito de
padronizar o comércio internacional, ajudando os países membros alcançar soluções
para os problemas relacionados com o comércio. Com o fluxo comercial suave, livre,
justa e previsível, tornou-se capaz de organizar o comércio ao longo do globo através de
liberalização, privatização e globalização.
Sendo assim, é possível avaliar que o uso do órgão de solução de controvérsia da
Organização Mundial do Comércio possibilita gerar desenvolvimento, crescimento
econômico e distribuição de renda para os países menos desenvolvidos “vencedores”
das disputas?
Argumenta-se que quando estes países entram em uma disputa na OMC e a
ganham, o comércio dos mesmos com o país denunciado aumenta, em relação ao
produto em disputa ou ao tema em questão. Necessita-se então que a OMC promova
então o tratamento diferenciado que ela se propõe a realizar com os países menos
desenvolvidos e que promova a capacitação dos corpos técnicos nesses países de forma
que esse mecanismo dê voz ativa aos países menos preparados.
O caso entre o Paquistão e os Estados Unidos sobre as medidas de proteção
transitivas impostas pelo último sobre os fios de algodão penteados importados do
primeiro, exemplifica o argumento deste trabalho de que o Órgão de solução de
Controvérsias – doravante OSC - gera desenvolvimento na medida em que suas
decisões possibilitem o aumento do comércio internacional. Desta forma, com o
argumento acima apresentado pôde-se fazer uma análise com base no modelo
Heckscher-Ohlin.
Mostra-se então, a importância deste estudo quando podemos perceber que a
entrada de países menos desenvolvidos na OMC, faz beneficiá-los. Isso quando
comprovado que existe desenvolvimento econômico e social a partir das vitórias nos
painéis de disputa.
Dentro do parâmetro acima apresentado, foi possível dividir esse artigo em três
partes. Na primeira apresenta-se a função do sistema de solução de controvérsias da
OMC e os dados do Estudo de Caso selecionado como forma demonstrativa dessa
função. Na segunda, como a teoria Heckscher- Ohlin influi sobre o comportamento dos
Estados e seu desenvolvimento econômico perante o sistema de solução de
controvérsias. Em terceiro, o artigo mostrará que o modelo Heckscher- Ohlin
apresentado não é suficiente para comprovar o desenvolvimento e distribuição de renda,
contudo foi possível visualizar crescimento econômico para países menos
desenvolvidos “vencedores” das disputas. E por fim, apontará as falhas do modelo e
demonstrará que existem outros fatores relevantes que fazem parte do processo de
desenvolvimento econômico.
Da criação da OMC aos resultados satisfatórios
Dentro da perspectiva apresentada na Introdução, é importante ressaltar a
diferença entre crescimento e desenvolvimento. O tema crescimento econômico aparece
com vigor com o autor Adam Smith, onde o mesmo procura identificar o conjunto de
fatores que são imprescindíveis para a constituição de riqueza nacional; explica como o
mercado opera e qual a importância do aumento de tamanho dos mercados para reduzir
os custos médios (efeito escala) e permitir a produção com lucros.
“Expandindo-se os mercados, aumentam a renda e o emprego. O desenvolvimento ocorre com o aumento da proporção dos trabalhadores produtivos em relação aos improdutivos; pela redução do desemprego e elevação da renda média do conjunto da população.” (SOUZA, 2005: 2)
Associados a essa noção, surgem modelos que são uma solução simplificada da
realidade. O autor Nali de Jesus de Souza em seu livro Desenvolvimento Econômico
discute que as idéias de desenvolvimento econômico e do crescimento se diferem.
“... o crescimento econômico, distribuindo diretamente a renda entre os proprietários dos fatores de produção, engendra automaticamente a melhoria dos padrões de vida e de desenvolvimento econômico. Contudo, a experiência tem mostrado que o desenvolvimento econômico não pode ser confundido com o crescimento, porque os frutos dessa expansão nem sempre beneficiam a economia como um todo e o conjunto da população.” (SOUZA, 2005: 5)
Mais tarde, de acordo com Joseph Schumpeter na obra Teoria do
desenvolvimento econômico, ele diferencia crescimento de desenvolvimento. Ele diz
que só há crescimento, quando a economia funciona em um sistema de fluxo circular de
equilíbrio, cujas variáveis econômicas aumentam apenas em função da expansão
demográfica.
“Pode-se considerar que o desenvolvimento econômico é um conjunto de transformações intimamente associadas, que produzem na estrutura de uma economia, e que são necessárias à continuidade de seu crescimento. Essas mudanças concernem à composição da demanda, da produção e dos empregos, assim como da estrutura do comércio exterior e dos movimentos de capitais com o estrangeiro. (CHENERY, 1981: 9)
Ocorre ainda desenvolvimento, na presença de inovações tecnológicas. O
processo produtivo deixa de ser rotineiro e passa a existir lucro (faturamento menos
custo de produção). Tudo isso pode ser visto através das inovações tecnológicas
adotadas.
“Desenvolvimento econômico define-se, portanto, pela existência de crescimento econômico contínuo, em ritmo superior ao crescimento demográfico, envolvendo mudanças de estrutura e melhoria de indicadores econômicos, sociais e ambientais. Ele compreende um fenômeno de longo prazo, implicando o fortalecimento da economia nacional, a ampliação da economia de mercado, a elevação geral da produtividade e do nível de bem-
estar do conjunto da população, com a preservação do meio ambiente. Com o desenvolvimento, a economia adquire maior estabilidade e diversificação; o progresso tecnológico e a formação de capital tornam-se progressivamente fatores endógenos, isto é, gerados predominantemente no interior do país, embora a integração internacional constitua um processo gradativo e irreversível.” (SOUZA, 2005: 7)
Pode-se observar que um dos problemas dos países subdesenvolvidos está na
ausência de tecnologia capaz de avaliar as demandas dos países e capaz de realizar o
trabalho burocrático e de acompanhamento necessários para a abertura e bom
desempenho dos painéis.
“A organização internacional que tem por funções principais facilitar a aplicação das regras de comércio internacional já acordada internacionalmente e servir de foro para negociações de novas regras ou temas relacionados ao comércio. Esta administra os acordos comerciais, funciona como foro para negociações comerciais; trata de solucionar as controvérsias comerciais levadas à Organização pelos Membros; supervisiona as políticas comerciais nacionais; fornece assistência técnica e cursos de formação para os países em desenvolvimento e promove cooperação com outras organizações internacionais.” (WTO, 2010).
Necessita-se então que a OMC promova o tratamento diferenciado que ela se
propõe a realizar com os países menos desenvolvidos e que promova a capacitação dos
corpos técnicos nesses países de forma que esse mecanismo dê capacidade técnica aos
países menos preparados.
Criada em 1994, a Organização Mundial do Comércio tem duas funções básicas:
uma legislativa e uma judicial. A função legislativa refere-se ao papel da OMC como
um fórum para se formarem acordos comerciais. Já a função judicial é realizada pelo
sistema de solução de controvérsias, a partir de um sistema de regras e procedimentos
para dirimir os conflitos dentro da organização. Esse sistema é elemento essencial para
trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio porque o mesmo
assegura o pleno funcionamento do multilateralismo das negociações permanentes e
possibilita a vigilância constante das práticas comerciais dos países. É também
imprescindível dizer que as negociações no âmbito da OMC seguirão o princípio do
single undertaking3 - "compromisso único" - que obriga todos os membros a
concordarem com todos os temas negociados e impede que os países escolham apenas
os acordos de seus interesses.
3 O single undertaking significa que tudo o que for decidido na rodada deve ser tomado como um pacote só: não é possível a um país aceitar apenas um acordo e não os outros; e tudo que for discutido deve ser votado em conjunto, não tópico por tópico. Princípio do compromisso único. http://www.wto.org/english/tratop_e/dda_e/dohaexplained_e.htm Acessado dia 31/05/2010 as 15:15.
Assim, o Órgão de Solução de Controvérsias, doravante (OSC), tem
competência para estabelecer grupos especiais, acatar relatórios dos grupos especiais e
do Órgão de Apelação - espécie de instância revisora, com a função de verificar, a
pedido de qualquer parte em disputa, os fundamentos legais do relatório do painel e de
suas conclusões, - supervisionar a aplicação das decisões e autorizar a suspensão de
concessões e de outras obrigações determinadas pelos acordos abrangidos (WTO,
2010). Os membros da OMC reconhecem a utilidade do sistema para preservar os
direitos e obrigações dos Estados dentro dos parâmetros dos acordos abrangidos e para
esclarecer as disposições vigentes dos acordos referidos conforme as normas do direito
internacional público.
“O papel paradigmático que a OMC ocupa frente às demais organizações internacionais pode ser comprovado por vários fatores, dentre eles, o volume de comércio que se vale dessas regras, o arcabouço institucional negociado e o conjunto de fluxos comerciais contemplados. Como qualquer organização internacional, o principal objetivo da OMC é estabelecer regras e procedimentos que regulem o comportamento dos Estados.” (CAMPOS, 2008: 1)
O objetivo do OSC é garantir uma solução positiva para as controvérsias.
Procura-se sempre dar preferências às soluções mutuamente aceitáveis para as partes
envolvidas em uma querela. No entanto, quando uma solução não satisfatória para todas
as partes envolvidas não é alcançada, o órgão passa a perseguir a supressão das
medidas, caso se verifique que estas são incompatíveis com as disposições dos acordos
em questão.
A análise a ser estudada no presente trabalho não se trata do questionamento da
efetividade da OMC como um regime4, mas em que medida as negociações da mesma e
os resultados do Órgão de Solução de Controvérsias têm contribuído para o
desenvolvimento econômico e social dos países membros da organização, podendo este
ser medido pelo crescimento econômico e geração/distribuição de renda. Para realizar
tal análise, verificar-se-á a atuação dos países menos desenvolvidos (less developed
countries) 5 nas atividades do órgão, além dos resultados favoráveis e desfavoráveis aos
mesmos.
4 As stated above, a regime is defined by Stephen D. Krasner as a set of explicit or implicit "principles, norms, rules, and decision making procedures around which actor expectations converge in a given issue-area.” This definition is intentionally broad, and covers human interaction ranging from formal organizations to informal groups. (KRASNER, 1983.) 5 http://www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/d1who_e.htm. Acessado em 29 de maio de 2010 às 16h52min.
Há duas categorias de resultados satisfatórios6: 1) as partes implementam as
regras da OMC e 2) as partes resolvem a disputa entres elas, com ou sem mediação da
OMC. Outra possibilidade é a que a OMC não encontra nenhum erro no argumento da
parte de defesa e nenhuma ação é requerida.
“Sendo assim, consideramos que dois fatores são relevantes para determinar o comportamento dos Estados perante as agendas da OMC. O primeiro são as externalidades que este comportamento gera. Tais externalidades seriam determinadas pelo volume de comércio realizado pelo país. Desta maneira, o comportamento dos Estados desenvolvidos, que têm maior participação nos fluxos de comércio, é no sentido de convergir, pois as altas externalidades são um elemento de convergência... O segundo fator a ser analisado para determinar o comportamento dos Estados é o design das regras da OMC. O processo de negociação permanente estabelecido no GATT e o sistema de oferta do Gats são configurações que permitem aos participantes alguma margem de flexibilidade na liberalização comercial.” (CAMPOS, 2008: 6)
Mais de trezentas são as reclamações apresentadas ao Órgão, das quais apenas
cinqüenta têm como reclamantes os países considerados menos desenvolvidos. Dessas
cinqüenta reclamações, vinte e oito resultaram em um acordo mutuamente aceitável e
apenas dezenove resultaram na abertura de um painel de especialistas. Portanto,
percebe-se que a atuação dos países menos desenvolvidos dentro do Órgão de Solução
de Controvérsias é muito baixa em relação aos demais Estados. No entanto, desses
dezenove painéis abertos, dez foram ganhos por países menos desenvolvidos. Encontra-
se abaixo um quadro que resume alguns dos painéis encontrados que ajudou na a análise
do presente trabalho:
QUADRO 1: RESUMO DOS PAINÉIS OBSERVADOS
País Reclamante País Reclamado
Ano Produto Vencedor Abertura de Painel
Bangladesh Índia 2004 Baterias Acordo
Equador Turquia 2001 Frutas frescas Acordo
Equador, Guatemala, Honduras, México, Estados Unidos
UE 1996 Bananas Acordo
Honduras República Dominicana
2003 Cigarros Honduras Sim
6 http://www.wto.org/english/tratop_e/tpr_e/annex3_e.htm. Acessado em 06 de março de 2010 às 14h37min.
Índia UE 2004
Índia USA 2002 Tarifas preferenciais para países em desenvolvimento
Índia Sim
Índia USA 2002 Têxteis EUA Sim
Austrália, Brasil, Chile, UE, Índia, Indonésia, Japão, Coréia, Tailândia
USA 2000 Medidas de dumping e subsídios
Reclamantes Sim
Índia USA 2000 Pratos de aço Índia Sim
Índia UE 1998 Roupas de cama de fibra de algodão
Índia Sim
Índia, Malásia, Paquistão, Tailândia
USA 1996 Camarões e produtos derivados
Reclamantes Sim
Índia Turquia 1996 Têxteis e vestuário
Índia Sim
Índia USA 1996 Camisas de lã e blusas
Índia Sim
Índia Polônia 1995 Carros Acordo
Nicarágua México 2003 Feijões pretos
Acordo
Paquistão Egito 2005 Palitos de fósforo
Acordo
Paquistão USA 2000 Fios de algodão penteados
Paquistão Sim
Fonte: http://rtais.wto.org – adaptado pela autora
Para se chegar à amostra de países utilizada, usou-se uma tabela com a
comparação da percentagem da renda média dos países com relação aos EUA em
dólares, da qual 136 países foram utilizados. Dividiu-se a mesma em três grupos iguais
de acordo com o valor da percentagem da renda média dos países comparada a dos
EUA em dólares. Assim, o grupo de países da amostra foi composto pela terça parte dos
países totais, sendo estes com menor valor entre eles.
Numa segunda etapa, pesquisaram-se todos os casos na OMC envolvendo os
países da amostra, sendo analisados apenas aqueles em que os países eram os
reclamantes. Após observação destes casos, reportaram-se quais eram os países da
querela, o ano de entrada com o pedido de abertura de um quadro, a matéria da querela,
o vencedor da disputa, se houve abertura de painel ou não, e se os países entraram em
acordo ou não.
Foi escolhido como exemplo o caso de exportação de fios de algodão do
Paquistão para os Estados Unidos7, levado a juízo na OMC em 2000 e resolvido em
2001, com vitória do Paquistão, para se fazer um estudo do caso e testar a hipótese
proposta, já que o mesmo comprova que houve uma abertura e crescimento para as
exportações de fios de algodão depois da decisão favorável ao país.
Retirou-se da base de dados COMTRADE8 os dados referentes à exportação de
fios de algodão do Paquistão para os EUA, de 1999 a 2004, com o valor das
exportações, a quantidade, o peso e o código dos produtos. Com esses dados foi
possível tirar as conclusões desejadas em relação ao caso.
7 http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds192_e.htm 8 United Nations Commodity Trade Statistics Database (COMTRADE). COMTRADE is the largest database on product trade flows with more than 1.5 billion records (Nomenclature, year, flow, product, reporter, partner) http://comtrade.un.org/db. Acessado em 29 de maio de 2010 às 17h15min.
Recursos e comércio: o modelo de Heckscher- Ohlin
O modelo ricardiano9 relativo ao comércio internacional supõe que a vantagem
comparativa só surgiria em decorrência de diferenças internacionais na produtividade do
trabalho. Um país possui vantagem comparativa na produção de um bem se o custo de
oportunidade da produção desse bem em relação aos demais é mais baixo nesse país do
que em outros. Como exemplo, podemos supor que Pedro e José vivem sozinhos em
uma ilha isolada. Para sobreviver, é necessario que eles conduzam algumas atividades
econômicas básicas como transportar água, pescar, cozinhar, e construir um lar. Pedro é
jovem e muito mais forte, rapido, e mais produtivo em todas atividades do que José, que
é velho, fraco e improdutivo. Das atividades econômicas mencionadas, Pedro tem uma
vantagem absoluta sobre José. Apesar do fato de que Pedro tenha uma vantagem
absoluta em tudo, não é de seu interesse (e muito menos de José) que se isolem para
conduzir todas atividades econômicas por conta própria. Se os dois homens dividirem o
trabalho de acordo com suas vantagens comparativas, Pedro se concentrará nas
atividades que ele é mais produtivo. No caso, transportar água e construir um lar.
Enquanto José se concentrará em pescar e preparar a comida. Mesmo que Pedro
conseguisse pescar e cozinhar de maneira muito mais eficaz que José, ele irá dedicar
todo seu tempo para a construção e coleta de água, e deixará a comida por conta de
José. E no fim, por meio de uma troca voluntária de bens e serviços, ambos estarão em
uma condição muito melhor do que se conduzissem essas mesmas atividades por conta
própria.
No mundo real, embora o comércio seja parcialmente explicado por diferenças
na produtividade do trabalho, ele também reflete diferenças nos recursos dos países.
Uma visão realista do comércio deve levar em conta a importância do trabalho, mas
também os outros fatores de produção10, como terra, capital e recursos minerais. (Smith,
1983)
9 David Ricardo (1772-1823). Os países fazem comércio porque são diferentes uns dos outros. As nações, como os indivíduos, podem se beneficiar de suas diferenças chegando a um arranjo em que cada uma produza as coisas que faça melhor em relação aos demais. Em segundo lugar, os países fazem comércio para obter economias de escala na produção. Isto é, se cada país produz somente uma quantidade limitada de bens, pode produzir cada um desses bens em uma escala maior e, portanto, mais eficientemente do que se tentasse produzir tudo. (Ricardo, 1982) 10 Adam Smith e David Ricardo definem fatores de produção como: Terra ou recurso natural - bens naturais tais como a água, o ar, o solo, os minerais, a flora e a fauna que são usados na criação dos produtos. Trabalho - esforço humano usado na produção que inclui também a perícia técnica e de marketing.
Desenvolvida por dois economistas suecos – Eli Heckscher e Bertil Ohlin -, ela
costuma ser chamada de teoria Heckscher- Ohlin. A teoria seria a inter-relação entre as
proporções em que fatores de produção diferentes estão disponíveis em diferentes países
e as proporções em que eles são utilizados na produção de diferentes bens, ela é
chamada também de teorias das proporções de fatores. (KRUGMAN, 1999)
O modelo Heckscher- Ohlin mostra que a vantagem comparativa é influenciada
pela interação entre os recursos das nações (a abundância relativa dos fatores de
produção) e a tecnologia de produção (que influencia a intensidade relativa com que os
fatores de produção diferentes são utilizados na produção de bens diferentes). Para
ilustrar a idéia acima, podemos citar o exemplo de Krugman onde, a América do Sul
que possui vantagem comparativa em rosas no inverno e os Estados Unidos possuem
uma vantagem comparativa em computadores. E ainda para a idéia de tecnologia de
produção, nada mais do que a inserção de maquinários eletrônicos para aumentar a
quantidade de produtos finais em menor tempo.
“Considere a princípio a dificuldade de oferecer rosas aos namorados norte-americanos em fevereiro. As flores precisam crescer em estufas aquecidas, com grandes gastos em termos de energia, investimento de capital e outros recursos escassos – recursos que estes poderiam ser utilizados para produzir outros bens. Inevitavelmente, há um dilema. Para produzir rosas no inverno, a economia norte-americana precisa fabricar uma quantidade menos de outras coisas, como computadores. Os economistas utilizam o termo custo de oportunidade para descrever esses dilemas: o custo de oportunidade das rosas em termos de computadores é o número de computadores que poderiam ser fabricados com os recursos utilizados para produzir um dado número de rosas.” (KRUGMAN, 1999: 8)
Para explicar o papel dos recursos no comércio, foi desenvolvido um modelo no
qual dois bens são produzidos utilizando dois fatores de produção. Os dois bens diferem
em sua intensidade de fatores, isto é, para qualquer dada razão salário-renda da terra, a
produção de um dos bens usará uma razão entre a terra e trabalho mais alta que a
produção do outro.
“Como sempre, Local e Estrangeiro são semelhantes em muitos aspectos. Eles têm o mesmo gosto e, portanto, possuem demandas relativas por alimento e tecido idênticas quando se defrontam com o mesmo preço relativo dos dois bens. Também tem a mesma tecnologia: dada a quantidade de terra e trabalho gera a mesma produção de tecidos e alimentos nos dois países. A única diferença entre os países está em seus recursos: o Local possui uma razão entre trabalho e terra mais alta que a do Estrangeiro” (KRUGMAN, 1999: 55)
Meios de produção- quais são usados na produção de outros bens. Estes incluem a maquinaria, as ferramentas e os edifícios. (Ricardo, 1982)
Contando que um país produza ambos os bens, há uma relação única entre os
preços relativos dos bens e os preços relativos dos fatores utilizados para produzir os
bens. Um aumento no preço relativo do bem trabalho-intensivo deslocará a distribuição
de renda em favor do trabalho, e de maneira muito intensa: o salário real do trabalho
aumentará em termos de ambos aos bens, enquanto o salário real dos proprietários de
terra cairá em termos de ambos os bens. Um aumento na oferta de um fator de produção
expande as possibilidades de produção, mas de maneira fortemente viesada: os preços
relativos dos bens inalterados, a produção do bem intensivo nesse fator aumenta,
enquanto a produção do outro bem cai efetivamente. O resultado é a teoria básica de
comércio de Heckscher- Ohlin: os países tendem a exportar bens intensivos nos fatores
cuja oferta é abundante. (KRUGMAN,1999)
Como as mudanças nos preços relativos dos bens têm impacto muito grande
sobre as remunerações relativas dos recursos e como o comércio muda os preços
relativos, o comércio internacional tem forte impacto sobre a distribuição de renda. Os
proprietários dos fatores abundantes de um país apresentam ganhos do comércio, mas os
de fatores escassos apresentam perdas. Em um modelo idealizado, o comércio
internacional efetivamente levaria a uma equalização dos preços de fatores entre países.
Na realidade, a completa equalização dos preços de fatores não é observada por causa
das grandes diferenças de recursos, das barreiras ao comércio e das diferenças
internacionais de tecnologia. (KRUGMAN,1999)
Dentro desta perspectiva teórica apresentada no modelo de Heckscher- Ohlin,
iremos inserir o estudo de caso da categoria de importação de fios de algodão do
Paquistão, o que será feito na seção seguinte. Este caso ilustra de forma clara e objetiva
em como as medidas de proteção impostas pelos Estados Unidos, possibilitaram o
aumento do comércio internacional e o desenvolvimento através da OSC.
Categoria de Importação de Fios de Algodão
O painel11 foi estabelecido em 19 de junho de 2000 para avaliação de uma
reclamação do Paquistão em respeito às medidas de proteção transitivas impostas pelos
Estados Unidos sob o artigo 6.2 do Agreement on Textiles and Clothing12 – ATC
(Acordo sobre produtos têxteis e vestuários), na categoria de importação de fios de
algodão penteado do Paquistão.
Em 24 de dezembro de 1998, os Estados Unidos (EUA) arquivaram um pedido
para consultas bilaterais com o Paquistão, relativos ao artigo 6.7 do ATC, sobre as
medidas de proteção referidas. Os Estados Unidos argumentaram que a sua indústria
doméstica fora seriamente prejudicada por causa das importações do produto em
questão advindas do Paquistão. (WTO, 2010)
Os EUA realizaram consultas bilaterais com o Paquistão em fevereiro de 1999,
as quais não resultaram em uma solução satisfatória mútua. Conseqüentemente, os
Estados Unidos impuseram medidas de proteção transitivas em forma de restrição
quantitativa nas importações paquistanesas. A medida de proteção foi feita efetiva por
um ano, iniciando em 17 de março de 1999, e foi prorrogadas duas vezes, com a mesma
duração para cada vez.
O Textiles Monitoring Body – TMB (Órgão de Monitoração de produtos têxteis)
reavaliou o caso em abril e junho de 1999, concluindo que os Estados Unidos não
tinham demonstrado com sucesso que a quantidade de fio importado era grande o
suficiente para causar sérios prejuízos à indústria doméstica, ou ameaça à mesma, a
partir da competitividade dos produtos. Assim, o TMB recomendou que as medidas de
proteção introduzidas pelos EUA fossem rescindidas. Em agosto do mesmo ano,
alegando estarem de acordo com as provisões do ATC, os Estados Unidos afirmaram
11 O Painel funciona de forma semelhante a um tribunal e é considerado a 1ª instância do OSC. É normalmente composto por três, e excepcionalmente por cinco especialistas selecionados para o caso. Também vale ressaltar que as deliberações do Painel devem ser confidenciais. Uma vez estabelecido o Painel,ele tem, após definida sua composição, o prazo de seis meses para apresentar o relatório final. Antes disso, deve se reunir com as partes para fixar os prazos que serão adotados. Também deve entregar às partes um relatório preliminar, depois da apreciação da petição inicial e da contestação. Este relatório só se transforma em relatório final após ser revisto pelo Painel, traduzido para os três idiomas oficiais da OMC e adotado pelo Órgão de Solução de Controvérsias quando finalmente o público tem acesso ao seu teor. http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds192_e.htm Acessado em 24 de dezembro de 2010 às 10:37 hrs. 12 http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/ursum_e.htm#cAgreement Acessado em 30 de maio de 2010 às 18:28 hrs.
que manteriam as medidas em questão. Ainda em novembro, novas consultas foram
realizadas entre os dois países envolvidos, mas novamente não se chegou a um acordo
satisfatório para as partes.
Em 3 de abril de 2000, o Paquistão pediu o estabelecimento de um painel
relativo à questão, alegando que os EUA, ao impor as medidas de proteção aos fios de
algodão penteados, agiram em contradição com o ATC. Pediu também, dado o fato
anterior mencionado, que as medidas fossem rescindidas.
Após verificação e julgamento, concluiu-se no painel que, as medidas de
proteção transitivas à importação de fio de algodão penteado do Paquistão eram
inconsistentes com o ATC. Mais especificamente, decidiu-se que:
• A produção da indústria doméstica americana de fios de algodão
penteados era igualmente competitiva à do Paquistão.
• Inconsistentemente com suas obrigações, os EUA não examinaram o
efeito das importações do México, as quais também gozavam de grande
importância no mercado americano, e possivelmente de outros Estados
membros da OMC.
• Os EUA não conseguiram provar que as importações em questão
causaram uma ameaça real de danos sérios à indústria doméstica
americana13.
Assim, o OSC concluiu que as medidas de proteção dos EUA tinham anulado e
prejudicado os benefícios que dos quais o Paquistão deveria ter gozado relativos ao
Acordo de Marrakesh14 (1994), o qual estabelece a OMC. Finalmente, o Painel
recomendou que o Órgão de Solução de Controvérsias pedisse aos Estados Unidos que
voltassem a agir em conformidade com o ATC, sugerindo que isto fosse alcançado a
partir da remoção imediata das medidas.
13 http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds192_e.htm . Acessado em 30 de maio de 2010 às 18:31 hrs. 14 O Acordo de Marrakesh, assinado durante a sétima reunião da Convenção das Partes (COP7), em 2001, define as modalidades e procedimentos dos Mecanismos de Flexibilização previstos no Protocolo de Kyoto. O acordo está previsto na Decisão17/CP.7 e foi assim batizado por ter sido assinado na cidade de Marrakesh, no Marrocos. http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/04-wto_e.htm Acessado em 30 de maio de 2010 as 20:50 hrs.
Em julho de 2001, os Estados Unidos recorrem ao Órgão de Apelação, abrindo
novamente a discussão acerca do tema. Desta vez, a Índia e a Comunidade Européia
participaram das negociações como terceiras partes. O Órgão de Apelação, no entanto,
reafirmou a decisão do OSC, recomendando que este último pedisse aos EUA que
atuassem em conformidade com suas obrigações do Agreement on Textiles and
Clothing. (WTO, 2010).
A partir do painel da OMC apresentado acima, entre Paquistão e Estados Unidos
no caso de fios de algodão, associado ao arcabouço teórico proposto no modelo de
Heckscher – Ohlin será feita uma análise no próximo capítulo da qual tivemos
conclusões positivas e negativas.
Tópico de desenvolvimento do argumento
A história econômica dos países desenvolvidos mostra que a expansão de suas
exportações foi fundamental em seu desenvolvimento econômico. As inovações
tecnológicas, redutoras de custos e geradoras de novos produtos, expandindo a oferta de
bens com vantagens comparativas, encontraram respaldo na abertura de novos mercados
em outros países. A combinação desses fatores de oferta e demanda traduziu-se na
expansão do setor de mercado interno e no desenvolvimento econômico.
“Daí só agora começamos a compreender sua significação e reconhecer a necessidade vital de incentivar as exportações industriais dos países periféricos, principalmente daqueles que ultrapassam a primeira fase do processo de industrialização.” (PREBISCH, 1964:15)
O modelo Heckscher – Ohlin tem ocupado há bastante tempo um lugar central
na teoria do comércio, pois permite abordar a distribuição de renda e, ao mesmo tempo,
o padrão do comércio.
Contudo no mundo real, a abordagem do desenvolvimento, como problema,
ficou mais enfatizada a partir das flutuações econômicas do século XIX e com a
concentração de renda e da riqueza, gigante pelo surgimento de alguns poucos países
industrializados, que tornou mais evidente a diferença entre nações ricas e pobres.
Nesse sentido, usando como parâmetro o caso EUA versus Paquistão, pude
perceber que com a exclusão das tarifas, observou-se que a importação de fios de
algodão penteados aumentou significativamente, além de ter causado a maior
diversificação das importações. A tabela abaixo mostra que a quantidade e valor
importados de 1999 a 2001, período em que as medidas de proteção estavam em
operação, eram baixos se comparados aos períodos posteriores, nos quais não as tarifas
já estavam abolidas.
QUADRO 2: PAQUISTÃO versus ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Year Trade
Flow
Reporter Partner Code Trade
Value
Weight
(Kg)
Quantity
Unit
Trade
Quantity
1999
Expo Pakist
USA
651 $68,958,8 28,451,7
8 28,451,728
2000
Expo Pakist
USA
651 $84,800,0 37,526,2
8 37,526,212
2001
Expo Pakist
USA
651 $69,380,6 35,505,9
8 35,505,908
2002
Expo Pakist
USA
651 $72,078,4 36,475,6
8 36,475,672
2003
Expo Pakist
USA
651 $110,952,
44,386,3
8 44,386,360
2003
Expo Pakist
USA
651
$92,862 36,846 8 36,846
2004
Expo Pakist
USA
651 $125,044,
50,334,3
8 50,334,383
2004
Expo Pakist
USA
651
$118,808 47,089 8 47,089
6513 = Cotton yarn & thread, grey, not mercerized 6514 = Cotton yarn & thread, bleached, dyed, mercerd. Fonte: http://rtais.wto.org – adaptado pela autora
Percebe-se também que, além do aumento das importações de fio de algodão
penteados pelos EUA do Paquistão, houve ainda a diversificação de tais importações,
uma vez que o primeiro passou a importar também fios tingidos.
A partir deste exemplo podemos mostrar que o Modelo H-O é inconclusivo,
todavia o modelo é extremamente útil, sobretudo quando se quer analisar os efeitos do
comércio sobre a distribuição de renda. Assim, por um lado, o modelo que prevê melhor
o comércio é limitado demais para outros objetivos. Por exemplo, se idealizarmos um
modelo, o comércio internacional efetivamente levaria a uma equalização dos preços de
fatores (poderia ser trabalho e capital) entre países. Na realidade, a completa
equalização dos fatores não é observada por causa das grandes diferenças de recursos,
das barreiras ao comércio e das diferenças internacionais de tecnologia.
Nesta inconsistência do modelo H-O, podemos citar o autor Bruton (1989) que
considera a substituição de importação muito importante na assimilação tecnológica e
na geração de novos produtos com vantagens comparativas, possibilitando a expansão
futura das exportações. Desse modo, podemos distinguir duas estratégias de
crescimento econômico. A primeira voltada para fora, baseada na expansão das
exportações, segundo as vantagens comparativas do país, e na substituição seletiva das
importações, com a economia relativamente aberta para o exterior. A segunda seria na
substituição de importações, com a economia fechada, o crescimento econômico
efetuado com base no mercado interno e as exportações crescendo marginalmente.
Através desta distinção, para completar a idéia que foi inconsistente no modelo
H-O, usarei o pensamento econômico da Comissão Econômica para a América Latina e
o Caribe (CEPAL).
A CEPAL é uma das cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas
(ONU). Foi criada para monitorar as políticas direcionadas à promoção do
desenvolvimento econômico da região latino-americana, assessorar as ações
encaminhadas para sua promoção e contribuir para reforçar as relações econômicas dos
países da área, tanto entre si como com as demais nações do mundo. Posteriormente,
seu trabalho ampliou-se para os países do Caribe e se incorporou o objetivo de
promover o desenvolvimento social e sustentável.
“Na época, esta situação passava pelo comércio internacional, através do qual o ‘centro’ exportava produtos manufaturados, industrializados, e a ‘periferia’, adquirindo tais produtos, exportava por sua vez matérias-primas (em bruto ou semi-elaboradas) e gêneros alimentícios.” (FIGUEIREDO, 1990:142)
De um modo geral, iniciam-se as considerações utilizando categorias de
desequilíbrio (de balanço de pagamento) e opondo os conceitos de centro principal e de
países periféricos. O pensamento econômico da CEPAL pode ser caracterizado pelo
inconformismo com o ideário neoclássico, que não estabelecia distinções teóricas para
países tão dispares como os Estados Unidos e o Paquistão; distinção entre o centro
principal (Estados Unidos) e os países periféricos (Paquistão, por exemplo); e ainda
redução da distância econômica entre os países centrais e periféricos através da
industrialização acarretada nos últimos anos.
“No conceito centro periferia está a idéia de um desenvolvimento desigual originário. Consideram-se centros as economias em que se penetraram primeiro as técnicas capitalistas de produção. A periferia está constituída pelas economias cuja produção permanece inicialmente atrasada do ponto de vista tecnológica e organizada.” (RODRIGUEZ, 1981:37)
Portanto, a partir das teses de vantagens comparativas e das forças de livre
mercado, como promover a industrialização em condições desfavoráveis em termos
internacionais? Aí entra o que chamamos de a estratégia de desenvolvimento cepalina.
Uma postura ativa do Estado, com finalidade de criar condições de infra-estrutura e de
indústrias básicas, indispensáveis para o estímulo empresarial capitalista assumir uma
fase inovadora e ousada, como base da economia e o conseqüente aumento do consumo.
“Em última instância, assumo que por trás de semelhante postura está o reconhecimento, até mesmo óbvio, de que a produtividade média do trabalho social se eleva nas lides industriais e de que os subseqüentes frutos do progresso técnico, repartidos na periferia mediante utilização de critérios sociais, elevaria o nível de vida das massas miseráveis ou, o que dano mesmo, melhoraria o padrão de consumo da população latino-americana.” (FIGUEIREDO, 1990:143)
“E também já raciocinava com o que denominava limites da industrialização, num contexto de luta contra os problemas de desequilíbrio externo.” (FIGUEIREDO, 1990:141)
Convém registrar que, o planejamento econômico visado na CEPAL, tomado
como instrumento racional de ação do Estado e com vistas à industrialização, deve-se a
transformação das grandes estruturas industriais do tipo nacional em estruturas
multinacionais. Resta mencionar, que o pensamento econômico ortodoxo se diverge,
principalmente, do chamado pensamento econômico da CEPAL pela interpretação do
processo inflacionário.
“Após Keynes, surgiu interpretação alternativa, e do chamado gap inflacionário ou, da maneira mais pedestre, a popular ‘inflação de demanda’. Alguns refinamentos teóricos procuraram jogar sobre os ombros dos trabalhadores os ônus do processo inflacionário, produzindo, assim, a chamada ‘inflação de custos’”. (FIGUEIREDO, 1990:141)
De acordo com as idéias descritas anteriormente, existe um desequilíbrio entre o
centro e a periferia. Desta forma segundo a CEPAL, o intercâmbio comercial se tornaria
desigual pelas grandes diferenças existentes entre ambos os lados. A deteorização dos
preços do intercâmbio seria uma manifestação do mercado internacional que mostraria
as profundas desigualdades estruturais, funcionais e de poder entre o centro e a
periferia, e estas diferenças surgiriam da estrutura geral de funcionamento do sistema.
(GURRIERI, 1982)
A análise da CEPAL mostra que a demanda por produtos primários tem grandes
oscilações produzidas pelas economias periféricas, que o seu crescimento é muito lento
e que há retardamento na obtenção dos benefícios provenientes desta demanda, fato que
não é verificado no centro. Esses problemas seriam decorrentes das questões
enumerados a seguir:
• Os bens primários representam uma proporção menos da renda à medida
que ela aumenta;
• Que existem substituições cada vez maiores de produtos primários;
• Com o progresso técnico, vai se reduzindo cada vez mais a participação
dos insumos primários no valor dos bens finais;
• Das políticas diversas e instrumentos protecionistas dos países
industrializados que dificultam o acesso de produtos primários aos seus
mercados. (CEPAL, 1969:18)
Se, desde o começo a periferia pudesse ter produzido os produtos competitivos
que lhe permitisse compelir com os importados, não seria necessária a discussão da
melhor alocação de recursos. Como isso não aconteceu, existe uma deficiência quanto a
acumulação de capital e a capitação técnica de mão de obra. Por esse motivo, Prebisch
coloca como fator preponderante criar mecanismos que protejam as atividades
industriais frente às importações de modo a compensar as diferenças na produtividade.
Sugere assim, o mecanismo da ‘proteção’, o qual seria realizado mediante taxas
aduaneiras e subsídios. As atividades industriais protegidas poderiam criar um aumento
na produtividade e nos salários, o que permitiria, enfim um aumento salarial nas
atividades exportadoras, reduzindo, portanto, a deteorização do intercâmbio e trazendo a
melhoria no nível de redá geral. (PREBISCH, 1951.)
Considerações Finais
É possível observar no nosso dia a dia que a globalização tem sido um processo
de aprofundamento bastante significativo da integração econômica, social, cultural e
política, e ainda, que teria impulsionado neste século XX mudanças com relação ao
comércio internacional. Dentre elas, podemos citar as transações financeiras distantes e
emergentes, a comunicação facilitada, a criação de mercados comuns, dentre outros.
Nesta realidade, é que observamos que as características de crescimento
econômico, desenvolvimento e distribuição de renda não poderiam ser teorizadas
apenas pelo modelo H-O. O mesmo tem uma grande e importante participação na
explicação das atividades econômicas, mas deixa a desejar quando falamos de
transformação e saímos do modelo padrão de comércio. Por esta razão, recorremos ao
modelo cepalino que nos ajuda a completar a idéia de que as características das quais
nos referimos, poderiam ser observadas dentro do contexo criado, que seria uma disputa
no painel entre Paquistão e Estados Unidos no Órgão de Solução de Controvérsia da
Organização Mundial do Comércio.
Permitiu-se então, que os modelos e técnicas utilizadas nesse artigo se
completassem. O aumento na produção per capita de um país ao longo de um extenso
período de tempo em junção taxa de investimento, crescimento populacional, e
mudança tecnológica, possibilitaram a explicação por meio da teoria H-O e CEPAL: o
estudo dos aspectos econômicos do processo de desenvolvimento em países de baixa
renda focando em mudanças estruturais, pobreza, e crescimento econômico.
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