luanda brilha!
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1.12reportagensImagensconversasa revIsta do goethe-InstItut
LUANDA BRILHA!ANGOLA EM MOVIMENTO
«NÓS COMO JOVENSESTAMOS CANSADOS DEVER FILMES NEGATIVIS -TAS SOBRE ÁFRICA OUANGOLA.»
Ondjaki, escritor e cineasta angolano
5
maIor e maIs beLa do Que o dubaIAs megacidades da África têm desenvolvido uma dinâmica
cultural extraordinária
Por Katharina von Ruckteschell
6
bom dIa, LuandaPor Christiane Schulte
8
Luanda brILhaMelodiosa e estridente, vibrante e otimista a vida cultural
em Angola prospera
Por Bartholomäus Grill
12
uma naÇÃo Jovem, mas com uma memÓrIaancestraLFernando Alvim sobre o mercado de arte em Angola,
mecenato e multiculturalismo
Entrevista por António Cascais
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InFormaÇÕes essencIaIs sobre angoLaNúmeros e factos
Por Emílio José und José Kakulo
16
obJetos achados e retratos de momento A arte de António Ole
Por Nadine Siegert
22
«o surreaL, InsÓLIto, caÓtIco como materIaL»Bailarina e coreógrafa Ana Clara Marques sobre
dança contemporânea de Angola
Entrevista por Rita Soares
24
a mÚsIca dos vInIs dos nossos paIsO som dos anos sessenta e setenta em Angola
Por Otiniel Silva
26
modernIsmo em LuandaA convite do Goethe-Institut, Hans Engels fotografou
a arquitetura da metrópole
Por Hans Engels
32
a hora do movImento das ImagensO despertar estético do cinema angolano
Por Miguel Hurst
34
«aproveItar e crIar o espaÇo pÚbLIco»O movimento cultural interdisciplinar luandense MABAXA
Por Abreu Paxe
36
peIXe, pÃo e LIvrosDesign é uma missão para Shunnoz e Tekasala
Por Miguel Hurst
42
os aLunos do goetheBolseiros de Luanda em viagem por Bremen
Por Patrick Wildermann
44
paLavras como arma e eXperIÊncIaBreve passagem por 100 anos de literatura angolana
Por Abreu Paxe
48
«hÁ muIto maIs esperanÇa do Que LIberdade»O escritor Ondjaki sobre Luanda, influências literárias e
o mistério da poesia
Entrevista por Abreu Paxe
50
Ir atÉ ao soL, mas de noIteDe Cantão até a Cidade do Cabo, de Nairobi até Veneza,
a obra de Kiluanji Kia Henda polemiza
Por Suzana Sousa
54
todas as JaneLas para Fora sÃo ImportantesParabéns pelo terceiro aniversário do Goethe-Institut
em Angola
A redação optou por seguir o novo acordo ortográfico da Língua
Portuguesa porque a revista será igualmente distribuída em Portugal,
Moçambique e no Brasil.
Luanda brILha! – angoLa em movImento
Titel Rubrik 2
dIa a dIa numa das cIdades maIs caras do mundo
Em Luanda, originalmente construída para 500.000 habitantes, vivem hoje
mais de cinco milhões de pessoas.
Editorial 3
Luanda brILha! A capital de Angola tem muito para oferecer: uma vida cultural
intensa, um florescimento da música e das artes plásticas, uma
crescente produção artística e intelectual. Muito mais do que só o
boom económico e a riqueza em petróleo, manifestos na percep-
ção transmitida pelos mass media sobre este país da África
austral. Há pouco mais de três anos que o Goethe-Institut está a
trabalhar nesta fascinante metrópole económica recém-nascida: o
novo Goethe-Institut Angola foi fundado com recursos disponibili-
zados pelo projeto «Aktion Afrika» do Ministério dos Negócios
Estrangeiros alemão em 2008.
4
megacIdade Junto ao mar O palco da guerra civil transformou-se num centro económico pulsante.
maIor e maIs beLa do Que o dubaIas megacIdades da ÁFrIca tÊm desenvoLvIdouma dInÂmIca cuLturaL eXtraordInÁrIa«Luanda – não queria dizer Ruanda?» – «Não, não – Luanda, a
capital de Angola.» Não é só a semelhança fonética que leva
com frequência a perguntas deste género quando se fala do
Instituto Cultural Alemão, o Goethe-Institut, em Luanda. Ruanda
é conhecido, pelo menos de se ouvir falar, como o pequeno
país, algures em África, onde houve aquele genocídio horrível,
o símbolo da África com todos os seus horrores. Agora Luanda?
Onde é que fica Luanda?
Angola é um país traumatizado por quase 30 anos de guerra
que com a ajuda do seu boom de petróleo está a tentar dar o
salto da Idade Média para o século XXI. Um novo Dubai? –
Não, maior, mais bela e melhor do que o Dubai.
Foi o projeto «Aktion Afrika», criado pelo então Ministro dos
Negócios Estrangeiros alemão Frank-Walter Steinmeier, que
proporcionou ao Goethe-Institut a possibilidade de alargar sig-
nificativamente a sua rede no continente africano, priorizando a
África subsaariana. E por que razão se optou por Luanda como
sede do novo Goethe-Institut? Há várias respostas a esta per-
gunta – todas elas são corretas.
Uma razão fundamental para a «Aktion Afrika» foi, sem dúvida,
a tentativa de posicionar a Alemanha num continente cujos
recém-descobertos recursos de matérias primas pareciam ser
intermináveis, sobretudo para a China. Além disso, a persistência
de uma situação política instável em muitos países estava a
exigir medidas sustentáveis para assegurar a paz. A cultura
aparentava ser um meio apropriado para alcançar esses objeti-
vos com «poder brando».
A Alemanha queria lá estar, quando um país marcado pela guerra
civil desabrochasse numa vida económica pulsante e com todas
as possibilidades para um futuro africano. A Alemanha queria
desenvolver uma parceria frutífera com Angola, e que ria estar
à altura da China e de outros «investidores» impor tantes de um
mundo a caminho da globalização. Luanda iria ter um instituto
pleno, com uma oferta de cursos para todos aqueles que qui-
sessem aprender alemão, e com um programa cultural inte-
ressante.
Porém, a resposta à pergunta também pode ser outra, mais no
sentido daquilo que o Goethe-Institut pretende conseguir efeti-
vamente no «continente esquecido». O Instituto Cultural Ale-
mão tem ampliado a sua rede, estando atualmente presente,
com 22 representações, em 19 países subsaarianos. Antes da
«Aktion Afrika» só havia na região nove institutos e seis socie-
dades culturais. Além disso, o Goethe-Institut tem o objetivo de
promover o diálogo cultural intraafricano e de fazer da cultura
e do desenvolvimento uma das prioridades do seu trabalho. As
grandes metrópoles como Lagos, Nairobi ou Joanes burgo não
eram interessantes apenas em termos económicos, mas também
desenvolveram, ao mesmo tempo, uma enorme dinâmica cul-
tural que as foi transformando em centros de novos formatos
artísticos e em oficinas de criatividade.
Com o crescimento vertical de edifícios reluzentes foi-se desen-
volvendo um mundo pujante de jovens angolanos que querem
o intercâmbio com o mundo, de forma múltipla e nas áreas mais
variadas. Já não se consegue imaginar a rede das megacidades
emergentes de África sem Luanda. Com a sua situação histórica
especial, a sua localização económica e geográfica e a sua forte
ligação com o Brasil através do «Atlântico Negro», constituída
também pela língua comum, Luanda tem-se transformado num
dos protagonistas do diálogo cultural africano. Entretanto, as con-
tribuições inovadoras, a força de expressão criativa dos artis-
tas angolanos, nascida dos numerosos antagonismos do país,
como o contraste entre rico e pobre, entre tradição e moderni-
dade, também estão a ser observados com grande interesse no
palco internacional.
Um Goethe-Institut em Luanda é obrigatório – é um must se a
Alemanha pretende ter um papel ativo e visível nesta impor-
tante plataforma. Mesmo com as rendas altas e um padrão de
vida caro – apenas três anos depois confirma-se o que o presi-
dente do Goethe-Institut prognosticou por ocasião da inaugura-
ção do escritório para a fundação do instituto em Luanda: «O
Goethe-Institut de Luanda será uma importante interface na
rede do diálogo intercultural neste continente e contribuirá de
forma fundamental para a participação da Alemanha no inte-
ressante desenvolvimento do mundo das artes e da cultura.»
Luanda é fascinante e é uma sorte poder participar como par-
ceira desde o início.
Katharina von ruckteschell,
Diretora para a África do Sul/ Região da
África Austral do Goethe-Institut
UWWW.GOETHE.DE/ANGOLA
Editorial 5
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Traduzido do alemão por Barbara Mesquita
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vIver em Luanda Um edifício habitacional na metrópole do boom
bom dIa, LuandaBom dia, Luanda. Tu és rica. Ficas à
beira mar, tens uma praia de areias
brancas, és cheia de música e o teu
clima é tropical. Os teus habitantes são
orgulhosos e belos. Quando se vai pas-
sear, ao fim da tarde, pelas tuas ruas,
fragmentos do seu português mistu-
ram-se com a música que retumba
algures de um altifalante. Para quem
quer acreditar nos prognósticos econó-
micos, vais ter um futuro próspero.
Então, porque é que as pessoas não
gostam de ti?
Porque é que não te conhecem? Porque
é que tratas mal os teus visitantes?
Porque é que não te compreendem?
Efetivamente, não é fácil conhecer-te.
As tuas ruas estão cheias de poeira e,
muitas vezes, também de lixo. Buracos
nas ruas do tamanho dos pneus de um
camião, tampas de esgoto sem qualquer
proteção – já alguma vez uma criança
caiu dentro de algum desses buracos?
Os engarrafamentos permanentes nas
tuas ruas acabam todos os dias com os
nervos das pessoas. E ter que ficar
horas e horas na fila da bomba de
gasolina, apesar das enormes reservas
de petróleo frente à tua costa, não faci-
lita o gostar de ti.
Mesmo assim, tu consegues ser char-
mosa, consegues inspirar, relaxar, enfei-
tiçar. Por exemplo, quando no centro da cidade, atrás de um
dos teus gigantescos estaleiros, se entra no «A nossa Som-
bra», um pequeno jardim com uma esplanda-restaurante, para
tomar um cafezinho e sentir-mo-nos como num oásis.
Quando se está sentado na praia para ver o pôr do sol, a cidade
nas costas, a música Kizomba no ouvido, o vento quente,
levando consigo a pressão do dia, com a consciência de que
algures, do outro lado do mar, está o Brasil.
Quando se vai de barco ao mar, ver os golfinhos deslizando na
água. Quando se é convidado para ir a uma festa numa casa
lá no alto, com vista sobre os telhados da cidade, observar as
suas luzes a brilhar, não se quer estar em nenhum outro lugar
do mundo.
Porque é que se sabe tão pouco de ti? Já tens 436 anos. Acabas
de fazer anos. Em 1575, o comandante do navio português
Paulo Dias de Novais veio com o primeiro grupo de colonos
portugueses. Passaste por muita coisa desde então. Pela coloni-
zação portuguesa. Pelo fim do regime colonial. Pela guerra
civil. Paz. Pessoas que fugiram. Pessoas que voltaram para
construir o país e participar no boom económico.
E hoje? Hoje as opiniões divergem. As pessoas ou te odeiam ou
te amam. Dizem que és a cidade mais cara do mundo, recla-
mam contra a tua corrupção, e a maior parte das vezes só falam
mal de ti.
Para te compreender e talvez até gostar de ti é preciso con-
quistar-te e descobrir-te. É preciso ir para o lado menos ele-
gante da Ilha e comer peixe na Tia Luísa. Ela deixa marinar o
peixe em sumo de limão antes de o pôr na pequena grelha
encostada à parede, o quintal com telhado de zinco feito «res-
taurante», transforma o peixe no mais delicioso que alguma vez
se comeu.
Sentar no parque ao lado da casa do Presidente no Miramar
onde à tarde a rapaziada do bairro vem jogar basquetebol.
Ouvir a música do tempo antes da independência, em 1975, que
os mais velhos voltam a tocar ao domingo à tarde no café. Abrir
os olhos. Descobrir os azulejos dos letreiros das ruas do tempo
dos portugueses. Divagar pelos teus cinemas ao ar livre que se
podem visitar, mas que já não funcionam. Escutar o teu barulho.
Os pregões das peixeiras e o ronco dos motores, permanente-
mente ligados, dos carros estacionados para que os motoristas
sentados lá dentro se possam refrescar no ar condicionado.
Sentir o teu cheiro, o oceano e o aroma fresco da terra depois de
um aguaceiro, tanto como o lixo presente em quase todo o lado.
Encontrar os teus habitantes e falar com eles. Os teus artistas,
pensadores, pintores, poetas, atores, músicos. Ouvir as suas
histórias e as suas vidas.
Luanda, precisamente. Cidade portuária. Cidade do petróleo.
Cidade do boom. E logo depois de São Paulo e do Rio de
Janeiro a terceira maior cidade lusófona do mundo. Tu mexes
com as pessoas. Vale a pena o esforço de te conquistar.
christiane schulte
Diretora do Instituto Cultural Alemão /
Goethe-Institut Angola
7Prefácio
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Traduzido do alemão por Barbara Mesquita
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Luanda brILhameLodIosa e estrIdente, vIbrante e otImIstaa vIda cuLturaL numa angoLa prospera
vIsItantes da eXposIÇÃo «nKIsI shadoW» de Fernando
aLvIm O tema é a descolonização do pensamento.
Kuduro A dança que está a conquistar os clubes de Berlim, Londres eNova Yorque.
Quer no 30° andar de um arranha-céus em ruínas, quer atrás
da fachada de um edifício barroco no coração da cidade: a
vida cultural de Luanda está a vibrar. algumas coisas também
chegam à europa.
Sleepless em Luanda. Em frente à Pensão Invicta, o trânsito da
noite não abranda, o ar condicionado emite um barulho metálico,
os mosquitos atacam em voo permanente. Ainda por cima, o
martelar e vibrar infernal que vem de um arranha-céus atrás
do Largo do Kinaxixi. Toca a deixar os lençóis transpirados e ir
até lá! O edifício, uma carcaça abandonada em betão armado,
corredores cheios de lixo, fedor a urina, alguns sem-abrigo dei-
tados em cartões. Depois, lá em cima, no 30° andar, a fonte
do barulho, uma festa selvagem às duas da madru gada.
Todo o prédio oco está a vibrar com cem miúdos alucinados a
dançar. Kizomba, kuduro, tarrachinha, semba, tudo o que se
dança em Angola. Algumas coreografias fazem lembrar relações
sexuais. Um branco desajeitado faz bem em não pisar a pista
para não fazer uma figura ridícula. O melhor é só estar no
relaxe, apreciar, beber uma Cuca, ouvir os ritmos vibrantes dos
musseques, dos bairros pobres da cidade. Olho pelos vãos das
janelas para o mar de luzes. Luanda brilha! A metrópole, anti-
gamente tão sonolenta, não se parece consigo mesma.
Sessão de fotografias com Rui Tavares. O artista número um da
fotografia em Angola que publicou na «Revue Noire», publica-
ção de referência sobre fotografia moderna em África. Encon-
tramo-nos com ele no centro histórico da cidade, rodeado
por pomposos arranha-céus, na Rua Rainha Ginga, entre edifí-
cios barrocos degradados da época colonial portuguesa. O
germe de Luanda emana a aura da saudade. Tekasala Maat
Nzinga e Shunnoz Fiel, os dois «modelos», já estão prontos
para a sua intervenção. Estão vestidos com fraque e botas de
borracha, botões-de-punho com kalashnikovs e, para rematar
laços e lenços de adorno nas mais estridentes cores carnavales-
cas. Eles auto-intitulam-se de fashio nistas, mas esta denomina-
ção engana, porque o seu «Projecto Mental» pretende ser muito
mais do que mero design de moda.
reconstruÇÃo mentaL«Depois da guerra civil não se trata só da reconstrução física
do nosso país, mas sim da reconstrução mental», explica Teka-
sala. «Queremos ultrapassar a confusão». A grande confusão
nas cabeças depois de quinhentos anos de domínio estrangeiro
e 30 anos de guerra. Trata-se, na linha de pensamento de um
Steve Biko, de um Patrice Lumumba ou da Negritude dos anos
60, da descolonização do pensamento, da procura da angolani-
dade, da identidade cultural autótone – um processo de procura
da própria identidade que está a inspirar Luanda e os seus
músicos, dançarinos, atores, realizadores de cinema, artistas
plásticos, escritores e intelectuais. Em todo o lado se sente este
despertar: nos ateliês, nos cinemas, nos teatros, no Dom Q ou
nos muitos outros clubes de música da cidade, nas atuações
freneticamente aplaudidas do conjunto de Rap Ikonoklasta, no
estúdio da Ghetto Produçõ ou no programa da televisão
«Sempre a Subir» onde o kudurista Sebem apresenta estrelas
do kuduro como Muana Pó, Tony Amado, Zoca Zoca ou Gata
Agressiva. O mote para toda esta exaltação criativa poderia ser
o título de uma exposição que se pôde apreciar no ano passado
por ocasião das comemorações dos 436 anos da fundação da
cidade: «Luanda – Suave e Frenética».
Mas o Ocidente ainda não se deu conta disso, a maior parte
dos europeus nem sabe onde fica Luanda. Algures em África,
nesse continente das guerras e das crises, das catástrofes e da
miséria. A atual fome no Nordeste Africano parece confirmar,
mais uma vez, este clichê sempre igual que ao longo dos sécu-
los de conquista, submissão e exploração da África se foi gra-
vando na memória coletiva do mundo lá fora. Nessa matriz de
perceção não se aceita que existe uma África totalmente dife-
Por Bartholomäus Grill 9
rente, otimista, criativa, alegre, em cujas grandes cidades
prosperam a sociedade civil, a vida cultural e o mundo da
música e das artes.
Fachadas deterIoradas como passareLaMas voltemos ao «Projeto Mental» e à sua performance no
coração da cidade. Os dois designers atiram-se para a sarjeta.
Pousam com livros esfarrapados da história lusitana. Transfor-
mam as fachadas deterioradas em passarelas verticais. No fim,
enforcam-se com cabos elétricos num semáforo, diante da torre
de aço da Sonangol, empresa petrolífera estatal. Um comentá-
rio irónico à maior máquina de enriquecimento de Angola onde
bilhões de petrodólares desaparecem, enquanto que a maioria
da população não tem onde cair morta. Como os transeuntes
que acompanham divertidos a requintada auto-execução. «Ves-
tidos, moda, informação, edu cação», arqueja o designer de moda
Shunnoz com a língua de fora.
«A elite só está interessada nos valores materiais, no luxo, no
consumo desenfreado. A educação, a formação e a cultura infe-
lizmente ficam para trás», diz António Ole, o artista mais
famoso do país. Na exposição sobre África «Who knows tomor-
row» em 2010 em Berlim, ele montou, frente ao museu de
Hamburger Bahnhof uma gigantesca parede de contentores,
uma espécie de fetiche do mundo mercantil globalizado. Em
casa, na sua terra, ele tem que lutar. Está contrariado com o
previsto realojamento da sua grande escultura «Mitologias II»
na Marginal. Ao mesmo tempo, o rápido enriquecimento de
Angola abre horizontes inesperados para as artes. Basta visitar
Fernando Alvim, em cuja casa particular confluem mil iniciativas.
Em 2006, ele organizou a primeira Trienal de Luanda; neste
momento, está a planear o primeiro museu de arte contempo-
rânea na metrópole com sete milhões de habitantes. «Para que
os africanos finalmente possam ver os africanos.» Como vice-
presidente da Fundação Sindika Dokolo, ele tem acesso aos
tesouros artísticos do arquivo da fundação, como por exemplo
à coleção espetacular do espólio do falecido colecionador de
arte alemão Hans Bogatzke.
sempre a todo o vapor Fernando Alvim é um acontecimento, artista, empresário cultural
hiperativo, fumando sem parar, agitado como toda a cidade,
sempre a todo o vapor, «vulcaníssimo», por assim dizer. Segundo
ele, o Ocidente está a perder, pouco a pouco, o seu monopólio,
o tempo em que servia de líder cultural, de modelo de desen-
volvimento e em que tinha o poder de interpretação já passou;
só Portugal, a ex-potência colonial, ainda preserva uma certa
influência. «Os impulsos inovadores e ideias vêm da África, do
Brasil e do mundo afro-americano.» É o que se sente hoje
em dia em todas as metrópoles culturais do continente, quer em
Lagos, quer em Cotonou ou Joanesburgo, mas sobretudo em
Luanda. «Um lugar alucinante», entusiasmou-se o DJ Spooky,
um artista de Trip-Hop de Nova Yorque, que de vez em quando
passa por Luanda. Encontrámo-lo durante a nossa última visita
ao «Bahia», o lounge mais cool na marginal, com o passeio em
vias de ser transformado numa espécie de Copacabana.
«Cross culture, o encontro Sul-Sul. Tu vais ao Rio ou a São
Paulo, e de repente dás-te conta de que as origens de muitos
estilos de música estão em Angola. O semba transformou-se
em samba, foram os escravos que os portugueses levaram à
força para o outro lado do Atlântico que o trouxeram.» Agora as
«exportações culturais» voltam para a sua terra de origem, mis-
turam-se com a variadíssima tradição musical local e globali-
zam-se. O Kuduro e outros estilos de Ghettotech de Luanda
estão a conquistar os clubes em Berlim, Londres e Nova Yorque.
aLegrIa oFegante e esperanÇa no FuturoUma cidade está a reinventar a sua cultura e a redescobrir a
antiga. Em Novembro de 2010 a editora discográfica de Frank-
furt Analog Africa publicou o CD «Angola Soundtrack – The
Unique Sound of Luanda (1968 -1976)». É simplesmente um
espetáculo, luso-tropicalismo puro, uma mistura de rumba do
Congo, merengue das Caraíbas, ritmos cubanos, riffs de guitarra
psicodélicos. O álbum, cuja produção foi promovida pelo Goethe-
Institut Angola, recebeu logo à primeira o prémio da crítica
discográfica alemã deste ano. «Uma viagem mágica pela África
dos tempos pós-coloniais, e uma fascinante introdução nas
migrações musicais transatlânticas», elogiou o júri. A compilação
fez ressuscitar conjuntos lendários como os N’Gola Ritmos, Os
Kiezos ou Jovens do Prenda, e quem sabe se não vai ter tanto
êxito como os velhos mestres do Buena Vista Social Club «rea -
tivados» por Ry Cooder. Em Junho alguns músicos fazem pela
segunda vez uma digressão no estrangeiro formado o super-
grupo «Conjunto Angola 70». Nessa altura, a Europa vai ouvir
o pulsar da nova Luanda, essa alegria ofegante, que rouba o
sono, cheia de esperança no futuro.
bartholomäus grill é jornalista especializado em África. Desde
1993 é correspondente e autor do semaná-
rio Zeit, e desde 2008 editor da revista
mensal em inglês African Times. Durante o
mandato do Presidente da República Federal
da Alemanha Horst Köhler, fazia parte da
sua equipa de consultores. Atualmente está
a viver e a trabalhar na África do Sul.
Luanda brilha 11
dJ K.o. na praIa de Luanda Uma cidade está a reinventar a sua cultura.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Traduzido do alemão por Barbara Mesquita
um dos mais conceituados artistas e dinamizadores da cena
artística angolana, tanto a nível nacional como internacional,
é comissário da trienal de Luanda da Fundação sindika dokolo,
uma extensa exposição de arte e cultura internacional, na
qual o Instituto goethe participa desde 2010. Fernando alvim
falou com o jornalista antónio cascais sobre a cena artística
angolana.
antónio cascais: Gostaria que me falasse um pouco sobre si, por favor. Quem é o Fernando Alvim?
Fernando alvim: Nasci em 1963, no bairro do Cruzeiro em
Luanda, pertenço a uma geração que viveu o fim do colonialismo
e o início da independência. Sou testemunha da meta morfose
de Angola, do nascimento de uma sociedade nova, muito dife-
rente do tempo colonial.
Onde é que se situa no contexto da cena artística angolana?Para mim, a arte é uma questão de ponto de vista. E esse ponto
de vista, na minha opinião, é em primeiro lugar filosófico. Eu
tinha 12, 13 anos quando Angola se tornou independente. Isso
marcou-me muito, e foi desse contexto que surgiu a minha
relação com a arte. Eu sou um artista de Luanda e arredores e,
como tal, dessas coerências geográficas e históricas. Para mim há
uma relação estreita entre a arte e o pensamento. Podemos levar
a nossa maneira de pensar a intervir na sociedade atra vés das
várias formas de expressão: na pintura, no teatro ou na música.
E em que áreas participa?Eu utilizo todas as formas de expressão. Gosto muito de intervir
através da pintura. Na pintura agrada-me a parte física. Coloco-
me num espaço virgem e sem limites, do qual posso fazer nascer
algo de novo. Também já realizei documentários. Gosto de pro -
duzir vídeos, de apropriar-me dos espaços, trabalhar em arqui-
tetura, faço instalações, organizo exposições em museus de
arte contemporânea, etc. Também componho música e escrevo.
Faço de tudo um pouco. Mas a minha atividade preferida, desde
criança, é a pintura.
Também é curador de uma fundação …Sim, da Fundação Sindika Dokolo. Dokolo, genro do Presidente
da República, é o patrono desta coleção de arte. Desenvolvemos
em grupo este projeto, porque pensamos que a divulgação da
cultura é da maior importância num país que precisa de digerir
uma tragédia de uma guerra civil de 30 anos. É normal que
após uma guerra, as pessoas precisem de se expressar através da
arte. Pense por exemplo na importância da documenta, na Ale-
manha, após a segunda guerra mundial. Na nossa opinião dar a
conhecer a perspectiva do artista sobre a sociedade é impor-
tante para Angola e, por isso, organizei na capital uma enorme
exposição, a Trienal de Luanda. O meu lema é ver o mundo a
partir de Luanda. É a ideia de um movimento cultural inclusivo,
que não se incline perante os ditames da estética e da beleza,
mas que seja tão abrangente quanto possível. É importante
para nós que a sociedade tenha acesso a informações culturais.
Queremos documentar, intensivamente, o pensamento dos
artis tas africanos e angolanos. As próximas gerações serão dife-
rentes devido a uma maior proximidade com a cultura.
Como nasceu essa fundação?Tudo começou com a compra da incrivelmente valiosa coleção
de arte do alemão Hans Bogatzke. Bogatzke, em várias entre-
vistas, tinha manifestado o desejo de que um dia a sua coleção
regressasse a África. Quando ele morreu, contactei a sua viúva
e disse-lhe que a Fundação Sindika-Dokolo gostaria de adquirir
a coleção. Tivemos a possibilidade de expor 480 peças de arte
africana na primeira Trienal de Luanda. Conseguimos apresentar
uma amostra aberta e abrangente. Agora resta-nos alargar este
conceito. É isso que, passo a passo, continuamos a fazemos
neste momento.
E de que é composta a coleção?É, principalmente, uma coleção de arte africana contemporânea.
Também há obras de artistas internacionais como Miguel Bar-
celó e Andy Warhol. Mas, a maior parte, é arte de África. Para-
lelamente com as obras de pintura, adquirimos 2000 fotografias
afri ca nas do período que vai de 1938 até à atualidade. A nossa
coleção é hoje, provavelmente, a mais importante do continente
africano.
A coleção tem também uma perspetiva angolana?Naturalmente que sim. A coleção encontra-se em Angola e conti -
nuará reunida neste país. A totalidade das pessoas que traba-
lham para a Fundação são angolanas. O proprietário e Presidente
é congolês, mas a Fundação é angolana.
E quais são os objetivos da Fundação?A coleção tem um objetivo: Sindika Dokolo gostaria de estimular
a produção de arte em Angola. Ele deseja apoiar o trabalho de
artistas emergentes e promissores. É o que está a ser feito. Hoje
existem artistas angolanos com dimensão internacional. É, ao
mesmo tempo, uma coleção histórica representada por artistas
que foram importantes para a mais recente história de arte
africana. A coleção é muito extensa, mas o que conta não é o
número de peças. Nós desejamos, principalmente, estimular a
produção artística.
Para si, o que é ser angolano?Há coletividades culturais evidentes em Angola. A cultura Bantu
é um exemplo de angolanidade. Um outro aspeto expressivo da
angolanidade cultural é a juventude das suas obras, e o facto de
essa arte ser muito atual. Nós somos uma nação jovem mas
com uma memória ancestral. A forma como a cultura angolana
interage, mostra que somos uma nação forte e viva. Os artis -
tas angolanos têm ainda tendência para a legítima defesa. Este
é talvez também um traço comum.
12
uma naÇÃo Jovem, mas com uma memÓrIa ancestraLFernando aLvIm FaLa-nos sobre o mercado de arte angoLano, o mecenato e o muLtIcuLturaLIsmo
Como descreveria a produção artística angolana? Nas décadas após a independência, a guerra separou os artistas
angolanos. Desde o fim da guerra, as relações melhoraram. Na
minha opinião, os artistas angolanos contemporâneos produzem
uma arte livre.
Existe realmente um mercado de arte em Angola?Existem colecionadores que compram regularmente arte contem -
porânea. Há também muitas instituições que compram. Empre-
sas, Bancos, etc. Antes, apenas a empresa pública petrolífera
Sonangol, a ENSA e o Estado compravam peças de arte. Também
porque havia menos concorrência. Hoje, todos os Bancos com-
pram arte, alguns têm mesmo Instituições Culturais. Naturalmente
isto não é suficiente. Nunca é suficiente. Mas há um verda deiro
apoio da parte do Estado e há boas hipóteses de que brevemente
sejam votadas algumas leis que serão muito importantes para
os artistas. Existem já alguns artistas, com sucesso, que conse-
guem alimentar a produção da sua arte com o que ganham
com a venda das suas obras e pagar a sua renda de casa. Tam-
bém há artistas estrangeiros que chegam a Angola, brasileiros,
portugueses, outros europeus e dessa interação resultam novos
projetos e obras interessantes.
Há um género que seja mais importante em Angola?A música e a literatura são os géneros mais importantes em
Angola. São mesmo mais fortes do que o teatro ou a dança.
A pintura nem tanto. Mas temos um potencial criativo enorme.
O que nos pode dizer sobre a música angolana?Eu gosto muito da música angolana do norte, gosto muito da
música do tempo da revolução. A música angolana é muito
variada. Temos Kizomba e Semba as nossas músicas de expor -
tação mais conhecidas.
E o que significam para si Kuduro ou a «Dança do Milindro»?O kuduro é um género musical que surge logo a seguir ao fim
da guerra. As pessoas precisavam criar uma arte mística. Foram
os jovens que começaram a divulgar o kuduro nos transportes
públicos de Luanda. É um movimento cultural diversificado e
necessário. Sei que não agrada a toda a gente, e há quem pense
que o Kuduro não tem qualquer interesse. A minha opinião é
que o Kuduro é um movimento cultural amplo e integrador. Ele
é ritmo e dança e essa interação entre o som e o movimento
do corpo é maravilhosa.
O que tem Angola, no domínio da arte, para dar ao mundo eespecialmente à Alemanha?Eu acho que a Alemanha devia informar-se sobre África e sobre
Angola. Quando isso acontecer, a Alemanha vai reparar que a
cultura alemã está muito presente no continente africano. Nós,
africanos, temos mais acesso à cultura alemã do que os ale mães
à nossa. O défice está do lado alemão. Penso que um intercâmbio
no campo das artes seria bom para ambos os países. Um Insti-
tuto Cultural como o Goethe-Institut desempenha um papel
muito importante nesse sentido.
Angola é um país multicultural. Pode nesse aspeto acrescentaralgo ao mundo?Nessa área temos realmente muito a dar. Vivemos num mundo
em que se fala muito de multiculturalismo. Há pouco tempo,
Ângela Merkel disse que na Alemanha o multiculturalismo tinha
falhado. Mas nós somos todos multiculturais, desde o nosso
nascimento, porque somos o resultado de um homem e uma
mulher e cada pessoa é um mundo. Não nos resta outra possibi-
lidade senão sermos multiculturais. No desporto funciona bem.
A própria Alemanha e os países nórdicos têm desportistas de ori-
gem africana nas suas equipas. A Alemanha é um dos países
europeus, a quem eu gostaria de pedir para velar sobre a coe-
xistência harmoniosa dos povos. Angola, sendo um país multi-
cultural poderia ajudá-la nisso.
Há angolanos no estrangeiro que trazem angolanidades paraAngola?O angolano é móvel desde os tempos da escravatura. Há escrito-
res, pintores, músicos que não vivem em Angola, trabalham no
estrangeiro e podem ser tão ou mais angolanos do que muitos
dos que aqui vivem e trabalham.
Pode-se dizer que os angolanos serão globalizados como todosos outros povos?A expansão da globalização na América do norte e do sul e na
Europa foi uma contribuição para um entendimento global e foi
importante para a compreensão entre os povos.
Fernando alvim é um dos mais conceituados artistas angolanos
do momento. É fundador e conceptor da
Trienal de Luanda, vice-presidente da Fun-
dação Sindika Dokolo e fundador do Centro
de Arte africana contemporânea «Camou-
flage» em Bruxelas Em 2007 foi curador do
Pavilhão africano da Bienal de Veneza.
antónio cascais é jornalista freelancer para
a televisão, ARD, Deutsche Welle e Arte nos
países de Língua oficial portuguesa. Seguiu
as eleições parlamentares angolanas de
2008 e esteve, em Setembro de 2011, a
convite do Goethe-Institut para colaborar
num seminário sobre jornalismo cultural
em Luanda.
13
14
InFormaÇÕes essencIaIssobre angoLanÚmeros e Factos
após 400 anos de domínio colonial português e anos de
luta contra o regime colonial, angola conseguiu ficar
independente em 1975. pouco depois, o país afundou-se
numa guerra civil devastadora. desde que em 2002 se
veio instalar a paz, o país encontra-se num processo de
recuperação e crescimento admirável, graças à sua
riqueza em recursos naturais. mesmo assim, um terço da
população continua a viver na pobreza.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Antes da independência Angola foi colónia portuguesa
durante quase 400 anos. Segundo consta, o primeiro europeu
a pisar terra angolana foi o conquistador português Diogo
Cão que, em 1482, à procura do caminho marítimo para a
Índia, declarou a foz do rio Congo território português.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Após uma longa luta de libertação e em consequência da
revolução dos cravos em Portugal, a 25 de Abril de 1974,
Angola ficou independente a 11 de Novembro de 1975.
Nessa altura, chegou ao poder o Movimento Popular de
Libertação de Angola, o MPLA, de orientação marxista, cujo
presidente, Agostinho Neto, foi o primeiro presidente de
Angola. Após a sua morte, em 1979, sucedeu-lhe o seu subs-
tituto, José Eduardo dos Santos, que mantém o cargo até
hoje.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Após a independência eclodiu uma guerra civil que se pro-
longou, com interrupções, até 2002. Contra o governo,
apoiado sobretudo pela União Soviética e por Cuba, lutava
a União Nacional para a Independência Total de Angola, a
UNITA, patrocinada pela África do Sul e pelos Estados Unidos.
Em 1991, o sistema unipartidário de cariz socialista instalado
em Angola foi substituído por uma democracia formal. Ao
passo que nas primeiras eleições parlamentares, realizadas
em 1992 foram, ganhas com maioria absoluta pelo MPLA,
nas eleições presidenciais José Eduardo dos Santos teve que
se impor ao presidente da UNITA, Jonas Savimbi, numa
segunda volta. A UNITA acabou por não reconhecer o resultado
das eleições e reiniciou, desta vez praticamente sem apoio
estrangeiro, a guerra civil, que só terminou após a morte de
Savimbi, no princípio de 2002.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Nas seguintes eleições parlamentares, que só foram realizadas
somente em 2008, o MPLA voltou a ganhar. No princípio de
2010, foi aprovada por referendo uma nova constituição
que prevê, em vez da eleição direta do presidente da Repú-
blica, a sua designação pelo grupo parlamentar mais forte.
O presidente da República é ao mesmo tempo o chefe do
governo que controla, através de vários mecanismos, todos os
órgãos estatais, incluindo o recentemente criado Tribunal
Constitucional.
Luanda
REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO
ZÂMBIA
NAMÍBIA
BOTSUANA
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *À pluralidade étnica do país corresponde a sua pluralidade
religiosa. O catolicismo é considerado a religião mais impor-
tante em Angola, com cerca de um terço da população afi-
liada. Porém, quase metade da população pertence igual-
mente a uma das diferentes religiões animistas de origem
africana. Uns 15 por cento dos habitantes pertence a igrejas
evangélicas e menos de dois por cento são muçulmanos.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Graças à grande riqueza em jazigos de petróleo e de outros
recursos naturais, desde o fim da guerra civil que Angola
se en contra num processo de recuperação e crescimento ad -
mirável. Com um produto interno bruto de 58,3 bilhões de
dólares (2007) está atualmente entre as dez economias mais
fortes do continente africano. No entanto, só uma pequena
camada da população é beneficiada com isso.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Segundo um levantamento oficial realizado em 2008, mais
de um terço da população vive abaixo do limiar da pobreza.
85% dos angolanos continuam a trabalhar na agricultura,
sendo o índice de desemprego de 28%. A atividade econó-
mica está concentrada na região metropolitana de Luanda
onde a taxa de desemprego é de cerca de 17%. Os parceiros
comerciais mais importantes de Angola são, a nível das
exportações, a China, os EUA, a Índia e a França, e a nível
das importações sobretudo Portugal, a China, os EUA
e o Brasil.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Em Angola, estão a operar duas emissoras de televisão: a
emissora estatal TPA e a emissora privada TV Zimbo. A
emissora estatal Rádio Nacional de Angola tem cinco canais
e programas próprios em línguas nacionais. Além disso, há
uma emissora de rádio da Igreja e pelo menos seis privadas
com maior difusão.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *O único jornal diário publicado em Angola é o Jornal de
Angola, fundado em 1975 e com proximidade ao partido no
governo, o MPLA. Além disso, existe um grande número de
semanários independen-
tes. Uma crescente im -
portância cabe aos blogs
de jornalistas indepen-
dentes e de grupos de
defesas dos direitos
humanos.
emílio José e José Kakulo são estudantes do Centro de Forma-
ção de Jornalistas (CEFOJOR), um parceiro de cooperação do
Goethe-Institut Angola.
Por Emílio José und José Kakulo 15
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *No atual parlamento angolano, estão representados cinco
partidos. O MPLA, no passado de orientação marxista, detém
uma maioria de dois terços. O partido mais importante da
oposição é a antiga organização dos rebeldes da UNITA,
seguida pelo Partido da Renovação Social, PRS, considerado
um partido de orientação étnica dos Lunda e dos Chokwe.
Como porta-voz da oposição extra-parlamentar e de vários
movimentos de direitos cívicos angolanos, tem estado a
estabelecer-se desde 2010 o Bloco Democrático (BD).
Angola ocupa um território de 1.246.700 quilómetros qua-
drados, situado no oeste da África austral. A norte, confina
com a República Democrática do Congo, a leste com a Zâm-
bia, a sul com a Namíbia e a oeste com o Oceano Atlântico.
Além disso, faz parte do território nacional de Angola o
enclave de Cabinda, rico em petróleo, situado na costa entre
a República Democrática do Congo e a República do Congo
(Brazzaville).
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *A língua oficial em Angola, e língua materna de cerca de um
terço dos angolanos, é o português. Existe, no entanto, um
grande número de outras línguas faladas no país, sendo entre
elas as mais frequentes o umbundo, o kimbundu, o kikongo,
o chokwe, o cuanhama e o nyaneca.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Segundo dados oficiais, Angola tem 13,3 milhões de habitantes
(as Nações Unidas falam em cerca de 18 milhões), dos quais
entre cinco e sete milhões estão a vivem na capital – Luanda.
As outras grandes cidades de Angola (Benguela, Lobito,
Cabinda, Huambo, Lubango e Kuito) têm entre 100.000 e
300.000 habitantes. No total, mais de metade dos angolanos
vive em cidades.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Quase metade da população angolana são crianças e
menores de 14 anos. As indicações relativas à esperança de
vida oscilam entre 39 e 51 anos. A população está a crescer
em dois por cento por ano. Cerca de um em três angolanos é
analfabeto.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *A maioria dos angolanos é de origem bantu e pertence a uma
das três etnias mais importantes, aos ovimbundo (37%),
aos ambundo (25%) ou aos bakongo (13%). Além disso, há
mais de uma dúzia de outras etnias bantu. Apenas cerca de
dois por cento da população são considerados «mestiços» e
um por cento «brancos» – na sua maioria descendentes dos
350.000 portugueses que no fim da época colonial viviam em
Angola. Além disso, estão a viver em Angola cerca de
300.000 chineses ou pessoas de origem chinesa.
16
arte de contentores A contribuição de António Ole para o projeto «Who knows tomorrow» em Berlim não só chama a atenção para a história de séculosde comércio entre a África e a Europa, como também para as barreiras que a Europa coloca à entrada de refugiados e imigrantes.
a memória é inevitável, por mais dolorosa que seja. É o que
nos mostram os trabalhos de antónio ole. no entanto, também
podem sempre ser lidos como projetos para o futuro de
angola, com uma força de expressão que ultrapassa de longe
o quadro de referências nacional.
A gravura «Sobre o consumo da pílula» mostra o Papa Paulo VI
a tomar a pílula. A obra extraordinária, que data do início da
carreira artística de António Ole, foi acolhida de forma muito
crítica na altura da sua criação, no fim dos anos 60, quando o
artista realizou as suas primeiras exposições em Luanda. Logo
após a independência em 1975, ele trabalhou para a televisão
estatal e foi enviado para a província Lunda Norte no nordeste
angolano pelo Ministério da Cultura. Essa viagem e o encontro
com a arte local dos Chokwe, contam-se entre as suas experiên-
cias artísticas mais importantes, servindo-lhe até hoje de fonte
de inspiração.
Para António Ole, a abordagem experimental é tão importante
como a reflexão sobre as formas tradicionais. O historiador e crí-
tico de arte Adriano Mixinge classifica-o como um dos poucos
artistas angolanos em cuja arte se concretiza a «transição» para
uma contemporaneidade formal, referindo-se com isso às carac-
terísticas da arte africana contemporânea desde os anos 90 do
século passado, definidas por Jean-Godefroy Bidima: a descons-
trução dos mitos das tradições africanas, o diálogo com a arte
ocidental, e a assim chamada transculturação como base da reci-
clagem e re-apropriação dessas tradições. Hoje em dia, muitos
dos jovens artistas angolanos orientam-se por António Ole na
reciclagem de expressão crítica e ao mesmo tempo estética.
António Ole nasceu em 1951 numa família luso-angolana. No
princípio dos anos 80, saiu de Angola para estudar no Institute
for Advanced Film Studies da Universidade da Califórnia (Los
Angeles). Após a independência em 1975, o MPLA, o partido de
orientação socialista no governo, nacionalizara as poucas insti-
tuições ligadas às artes. A arte passou a ter a função de propa-
gar as linhas programáticas do partido a exemplo do estilo do
realismo socialista, enquanto que durante a guerra civil a arte
pela arte não era bem-vinda. Esta atitude predomina ainda
hoje, embora de forma mais sublime. Exige-se, de forma mais
ou menos direta, que os artistas angolanos tomem posição a
favor de alguma das frentes e de combater outra – o mundo das
artes como jogo bélico.
InstaLaÇÃo muraL de sucataÉ dessa época que datam as pinturas em grande escala e de
cores intensas com as quais Ole faz referência à pintura mural
dos Chokwe. A sua investigação artística dos sistemas semi -
óticos angolanos tradicionais e a tradução dos mesmos para
um contexto contemporâneo, constitui também uma reação do
artista ao desenvolvimento da autoconsciência angolana.
Desde os anos 90, os trabalhos de António Ole têm vindo a ser
mais minimalistas. Ele ocupa-se com a história do seu país,
apropriando-se artisticamente das sobras do tempo colonial e
da guerra civil. Objetos achados nas suas viagens apresentam-se
como testemunhos do sofrimento e da injustiça ocorridos, con -
vidando o espetador a descobrir as páginas ocultas do livro da
história de Angola. Para isso, Ole utiliza sobretudo objetos e
documentos quase esquecidos e desaparecidos da realidade
quotidiana. Através da reintegração de recordações perdidas
e da sua junção em contextos novos, Ole não só proporciona
a superação do passado, como estabelece múltiplas relações
com o presente, o qual requer que se coloquem novamente as
questões da identidade e da construção de uma sociedade
pacífica.
Um dos trabalhos mais importantes neste contexto é, sem
dúvida, «Margem da Zona Limite», a primeira de uma série de
instalações complexas que Ole veio a expor pela primeira vez
em 1994. No centro desse trabalho está uma velha canoa par-
tida, com a proa e a popa separadas. Uma metade está cheia
de tijolos vermelhos, a outra contém maços de documentos
policiais amarelecidos. Em cada uma das partes da canoa, está
sentada uma gralha empalhada que olha para um espelho de
água refletido por um ecrã de vídeo. Na primeira versão de
«Margem da Zona Limite», uma parte da obra consistia numa
instalação mural construída com materiais de sucata, como
elementos de zinco e velhas portas e janelas. Essa obra serviu
de modelo para muitos outros trabalhos que hoje em dia
contam entre as obras mais conhecidas de António Ole, sob o
título «Township Walls». O primeiro foi mostrado em 1995,
na primeira Bienal de Joanesburgo. Devido ao grande êxito
desse trabalho, nos anos seguintes Ole foi convidado repetida-
mente a construir «Township Walls» nos lugares mais varia-
dos, como em Chicago (2001), Veneza (2003), Lisboa (2004),
Düsseldorf (2004) e Washington (2009).
testemunhos da crueLdadeOle inspira nova vida em objetos supostamente sem valor que
foram sobrevivendo à margem da sociedade. O trabalho multi-
média «Hidden Pages, Stolen Bodies» ocupa-se com a escra-
vatura e o trabalho forçado. À abolição tardia da escravatura
em todo o império português no ano 1869, seguiu-se em Angola
uma longa época de trabalho forçado, tendo sido obrigados a
prestá-lo todos os angolanos incapazes de reclamar para si o
estatuto de assimilados. Em Benguela, Ole encontrou num
arquivo a imagem de um trabalhador forçado. O pormenor
escolhido por ele mostra o corpo vergado com as mãos ata-
das, sem se poder ver a cara, o que transforma o retrato num
exemplo tanto individual como universal dessa política de
desprezo do ser humano.
17
obJetos achados e retratos de momento a arte de antÓnIo oLe Por Nadine Siegert
antÓnIo oLe: the entIre WorLd / transItory geometry, Berlim 2010
Os oito painéis de parede que mostram essa imagem, são
acompanhados por maços de papel atados e listas de pessoal
amarelecidas que revelam os mecanismos burocráticos de poder
do regime colonial. As duas assemblagens «Mens Momentanea I»
e «Mens Momentanea II» estão situadas no mesmo contexto
temático. Só à segunda vista o tríptico «Mens Momentanea I»,
composto por painéis claros com espaços de cor bege e ver-
melho-ferrugem, revela a sua ambiguidade. Nas formas enegre-
cidas do papel reconhece-se uma cara que exprime uma sensa-
ção de horror, à semelhança de «O Grito» de Edvard Munch.
«Mens Momentanea II» é um conjunto inquietante de madeira
escura carbonizada e luzes que iluminam objetos indecifráveis
escondidos atrás de pequenas janelas de vidro. Apesar da sua
configuração altamente estética, de ambas as obras emana
uma aura de grande crueldade. A ambiguidade de todos esses
trabalhos é intencionada, uma vez que Ole quer dar lugar a
interpretações muito variadas. Ele entende o seu trabalho
como ar queologia cultural que pretende tocar os nervos infla-
mados e abordar temas históricos ainda não digeridos.
poesIa do saL e dos murosComo nas instalações, também nos trabalhos do fotógrafo
António Ole se encontram estruturas em desaparecimento e
decomposição que mostram as marcas da guerra, da pobreza,
do abandono e dos maus-tratos, sempre presentes no quoti -
diano angolano. Já nos anos 70, Ole fotografava as famílias dos
musseques de Luanda, embora esses retratos só tenham sido
ex postos nos anos 90. O olhar calmo de Ole mostra retratos
singul ares e retratos de momento de pessoas numa época em
que Angola ainda estava a sofrer com a violência do regime
colonial fascista em plena auto-destruição, mas em que o grito
pela independência já estava manifesto no ar.
Com o plano de fundo das palmeiras do Mussulo ou do forte
de Luanda, vê-se no primeiro plano as caras das pessoas marca-
das pelo duro dia a dia, comoventes na sua beleza. Embora as
fotografias dos muros desmoronados das casas estejam despo-
voadas, a mensagem transmitida por elas é igualmente direta.
Nelas é o conceito que tem prioridade. Numa composição rigo-
rosamente simétrica, Ole mostra as fachadas em desmorona-
mento, sempre vistas de frente. Na vertical, estão interrompidas
e montadas de forma a confinar exatamente com o muro de
outro prédio igualmente desmoronado. Os motivos - que preen-
chem toda a fotografia - só deixam passar um pouco de luz
direta do sol por algumas janelas, mas mesmo enquanto ruínas
teimosas contam o que poderá ter estado atrás desses muros.
O ciclo «Cycle of Salt», composto por dez fotografias, conta a
extração do sal do mar, constituindo ao mesmo tempo outra
faceta do conjunto de obras «Hidden Pages, Stolen Bodies».
Para Ole, o sal tem um significado especial, por ter estado no
centro da complexa relação de dependência do comércio de
escravos, como um dos mais importantes objetos de troca. Nas
fotografias, ele transmite uma estética irreal, semelhante aos
bastidores dos filmes surrealistas. A superfície da terra asse-
melha-se à pele de um corpo onde da união com o sal parece
nascer uma ferida. Através da intensidade das cores e das for-
mas, o efeito das forças corrosivas da água salgada num tubo
de metal transforma-se em experiência sensual.
partIda e recuoCom a sua arte, Ole abre um olhar para a realidade ambivalente
de Angola, contando a história do seu país através de objetos
achados e retratos de momento suscetíveis de servirem de
metá fora da história de todo um continente. Hoje em dia, Ole
está a afastar-se pouco a pouco da ocupação com o espaço
urbano de Luanda como tema. Os seus trabalhos mais recentes
apontam noutra direção. Por um lado, Ole volta aos coloridos
fortes, às vezes monocromáticos, dos anos 70 e 80, por outro,
está à procura do acesso a temas que possam conduzir para
fora do estreito espaço urbano. Um deles é a complexidade das
ilhas do continente africano. No trabalho de fotografia «Luanda–
Gorée», Ole junta as imagens de dois lugares unidos pela sua
história comum, por se tratar das duas principais praças do
tráfico de escravos, chamando com esta união simbólica a aten-
ção para uma memória partilhada. No Outono de 2010, Ole
montou para a Berliner Nationalgalerie, frente ao museu de arte
contemporânea Hamburger Bahnhof, um muro de contentores.
Com essa contribuição para o projeto «Who knows tomor-
row», ele não só quis lembrar a antiga divisão de Berlim, como
os séculos de comércio entre a África e a Europa e também as
barreiras que a Europa coloca à entrada de refugiados e imi-
grantes.
nadine siegert é historiadora de arte e
vice-diretora do Centro de Estudos Africa-
nos, o Iwalewa-Haus, da Universidade de
Bayreuth. Foi curadora de exposições com
contribuições de Kiluanji Kia Henda, António
Ole, Nástio Mosquito e sobre a família de
fotógrafos angolanos de Pinto Afonso. Atual-
mente está a preparar uma tese de douto -
ramento com o título História e Atualidade
do Mundo das Artes em Luanda.
antónio ole nasceu em Luanda em 1951 e
estudou Ciências culturais afro-americanas
em Los Angeles. No início da sua carreira
artística, foi realizador de filmes sobre a luta
pela independência de Angola. Desde o seu
trabalho «Margem da Zona Limite: Township Wall» (1994-1995),
elogiado pela crítica, tornou-se famoso pelas suas grandes ins-
talações com contentores de carga marítima.
Objetos achados e retratos de momento 20
21
hIdden pages, stoLen bodIes Uma instalação multimédia de António Olesobre a escravatura e o trabalho forçado, 19. World Video Festival, Amester-dão 2001 (pormenor)
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Traduzido do alemão por Barbara Mesquita
22
cenas da peÇa «um homem Que chorava sumo de tomates»
Direção e coreografia de Ana Clara Marques, figurino de Nuno Guimarães e textos de Miguel Hurst e Frederico Ningi
23
rita soares: Quando foi que se apaixonou pela dança?
ana clara guerra marques: A dança nunca foi uma paixão
de criança, daquelas que achamos querer abraçar quando
«grandes». Foram as circunstâncias do país pós-independência
que me levaram a esta relação. Comecei a fazer dança em
criança, aos 8 anos de idade, atividade que abandonei quando
Angola chegou à independência. Em 1976 reabriu um pequeno
núcleo de ensino da dança mas, em 1978, por falta de profes -
sores e para que a escola não fechasse, fui indicada para ser
professora e diretora da mesma. Foi uma dura paixão pois esta
atividade nunca foi bem entendida em Angola. Mas percebi
que, mais do que uma paixão, era uma missão. Formei-me, fun-
dei a Companhia de Dança Contemporânea, a minha «final -
mente» paixão, com a qual inovei o panorama da dança em
Angola.
Qual é a origem da dança angolana?À semelhança do que se passa em qualquer parte do mundo, a
dança em Angola surge como uma das primeiras manifestações
do ser humano há milhares de anos atrás. Inicialmente com
uma função religiosa e só muito mais tarde como forma de arte,
ela foi sempre e continua a ser produto da necessidade que o
ser humano tem de se comunicar.
Como se enquadra a dança tradicional no contexto cultural dopaís? Qual o seu significado/importância?A chamada dança tradicional, género que incluo na categoria das
Danças Patrimoniais, e tal como esta designação indica, é um
género que constitui um património cultural herdado, o qual con -
tinua a ter um peso importante no panorama da dança em
Angola por constituir um fator de integração, de defesa identitária
e de sentimento comunitário. No contexto das sociedades tra -
dicionais, a dança opera como forma de manutenção de lugares
culturais, através de uma utilização codificada do corpo e do
espaço, mantendo-se viva e funcional, a par de uma modernidade
inevitável.
O que sabe sobre dança alemã?Quem estuda Dança a nível académico tem a obrigação de saber
o que se passa no Mundo. Importantes nomes como os de
Mary Wigman, Kurt Joss e, mais recentemente, Pina Bausch,
contribuiram para o desenvolvimento teórico e estético da
dança. Um outro nome é o de Oskar Schlemmer que, ligado à
famosa escola Bauhaus enquanto pintor, escultor e designer, foi
também coreógrafo.
Quais são as suas fontes de inspiração?A minha grande fonte de inspiração, como acontece com a
generalidade dos coreógrafos contemporâneos é, sem dúvida, o
meio que me rodeia e os ambientes em que me insiro e aos
quais estou exposta. Todas as tensões sociais, crises do Homem,
acontecimentos insólitos; tudo o que parece – e muitas vezes é –
surreal, insólito, caótico, se me impõe como material de trabalho.
Um outro estímulo para criar são os padrões das danças ango-
lanas como as dos mascarados Chokwe e seus contextos, a
literatura e a escultura angolana.
É possível viver da dança em Angola?A resposta pode ser sim. Há alguns professores que, dentro de
um sistema de itinerância por escolas particulares, clubes e
ginásios, vivem da dança. Os bailarinos da CDC Angola têm acesso
a uma profissionalização gratuita dentro da própria Companhia,
onde trabalham em regime de exclusividade, vivendo do seu
salário mensal enquanto bailarinos. Todavia, tendo em conta o
nível de vida de Angola e a falta de sensibilidade por parte dos
promotores culturais e organizadores de eventos, a resposta pode
ser não, pois não é dada, aos pouquíssimos profissionais da
dança que Angola possui, a oportunidade de fazerem a diferença
e de se sobreporem a um certo populismo que está a formar
uma opinião distorcida e monolítica do que é, de facto, a dança
enquanto setor aberto a diversas abrangências.
Como vê a dança em Angola daqui a 10 anos?Acho que em mais de trinta anos não se avançou muito. Há cada
vez mais pessoas a dançar em palco, mas não houve um cres -
cimento da qualidade. Enquanto não se estabelecer um sistema
de formação académica consistente e a divulgação de espetá -
culos de qualidade como forma de sensibilizar e formar um
público apreciador pouco ou nada avançaremos; a menos que
tenhamos a coragem e assumir o compromisso de desenvolver
outras correntes para que, o mais depressa possível, a dança
«made in Angola» possa dialogar em todas as frentes com o
que se produz, actualmente, no plano universal, assim como
Angola luta para se impor no mundo, em pé de igualdade, nos
demais setores do país.
ana clara marques é bailarina e coreógrafa.
Em 1978 assumiu a direção da única escola
de dança existente em Angola. Em 1991 fun-
dou a Companhia de Dança Contemporânea
de Angola (CDC), com a qual introduziu este
género no país. Membro individual do
Conselho Internacional de Dança (CID) da
UNESCO.
rita soares é colaboradora do Goethe-
Institut em Luanda. De 1989 a 2001 morou
na Alemanha e voltou para Angola depois
do Abitur. Durante seis anos, antes de seu
em prego no Goethe-Institut, trabalhou na
Embaixada Alemã em Luanda.
o surreaL, InsÓLIto,caÓtIco como materIaLbaILarIna e coreÓgraFa ana cLara marQues sobre danÇa contempoÂnea de angoLa em entrevIsta a rIta soares
24
a mÚsIca dos vInIs dos nossos paIso som dos anos sessenta e setenta em angoLa
Zé Keno, guitarrista do grupoJovens do Prenda
Mamukueno foi uma das estrelasda cena musical angolana dosanos 60 e 70.
A banda N’Goma Jazz num concerto no Lobito, 1972.
Santos Júnior juntamente coma banda Kissanguela fez partedo movimento pela indepen-dência.
O guitarrista «Nito» BelmiroCarlos, com a banda Kissanguela
guitarras psicadélicas estonteantes, grooves latinos e beats
urbanos das bandas de carnaval – em nenhuma outra parte
do mundo a música soa como em angola. com a ajuda do
goethe-Institut foram recompiladas, para o primeiro álbum
«angola soundtrack» da editora alemã analog africa, de
Frankfurt, raridades dos anos 60 e 70 num cd muito original.
este álbum recebeu em 2010 o prémio da crítica musical
alemã.
Em 1961, alguns grupos angolanos começaram a luta armada
contra as forças coloniais portuguesas, luta essa que terminou
com a declaração da independência de Angola em 1975, um
ano depois da revolução dos cravos em Portugal. Poder-se-á
cata logar este período como a «época de ouro da música ango-
lana», como afirmou a historiadora norte-americana Marissa
Moorman nas notas que acompanham o «Angola Soundtrack»?
Sim, diz ela, já que é precisamente nessa altura que se estabelece
nos musseques (os bairros degradados da capital angolana)
um sentimento de pertença a uma comunidade, por parte das
pessoas que vieram em massa de todas as partes do país para
a capital. Esta linguagem cultural urbana alimentou-se dos
diferentes contextos culturais que aí entraram em contacto, bem
como da música que chegava a Luanda a partir da Europa,
dos Estados Unidos ou das Caraíbas. A guitarra elétrica, símbolo
da explosão musical pop dos anos 60, foi ao encontro dos
instrumentos e ritmos tradicionais das diferentes regiões, dei-
xando nascer um novo som: a Rebita, a Kazukuta ou o Semba,
que são a banda sonora da Angola moderna.
Naturalmente este som tão singular tinha já precedentes em
Angola, no entanto as gravações dos anos 50 só se conseguem
encontrar com muita dificuldade nos arquivos da rádio. Os dis-
cos em vinil só começaram a ser produzidos em Angola a partir
dos anos 60. Redescobri-los ao fim de quarenta anos foi uma
verda deira aventura, escreve Samy Ben Redjeb, diretor da editora
alemã Analog Africa, de Frankfurt, no folheto que acompanha
o CD. «Angola Soundtrack» é a nona produção da editora, espe-
cializada em seguir o rastro a gravações esquecidas – e até
agora a mais difícil, assegura Samy Ben Redjeb. No folheto,
muito elaborado, há toda uma série de informações sobre as
bandas e músicos correspondentes, e o próprio Ben Redjeb
relata em textos muito interessantes as histórias de encontros,
contactos, acasos, fracassos e vitórias, problemas com o visto,
catástrofes logísticas, custos horrendos e até mesmo uma intoxi-
cação alimen tar, pelas quais teve de passar até chegar às grava-
ções originais.
um apeLo À popuLaÇÃoEm São Tomé e Príncipe, o pequeno estado insular de língua
portuguesa no Golfo da Guiné, que mantém tradicionalmente
laços culturais fortes com Angola, foi-lhe possível convencer um
apresentador de rádio a lançar um apelo à população. Nele pedia-
se a todos que procurassem em casa alguns desses «pequenos
discos em vinil que os nossos pais costumavam ouvir» e que
se iam enchendo de pó. Alguns segundos mais tarde já tocava
o telefone no estúdio. Ao fim de muitas peripécias deu-se em
Luanda o encontro com Zé Keno, guitarrista da lendária banda
Os Jovens do Prenda, com a ajuda do qual Samy Ben Redjeb con -
seguiu não só obter uma coletânea oficial de discos em vinil,
como pôde encontrar-se pessoalmente com quase todos os com -
positores das canções escolhidas. As 18 músicas que se podem
ouvir no «Angola Soundtrack» foram selecionadas entre cente-
nas de singles originais, que foram levados para Frankfurt am
Main para serem digitalizados. Particularmente feliz é o facto
deste CD proporcionar não apenas uma música espetacular, con-
tagiante e pouco conhecida, mas também uma enorme quanti-
dade de in formação sobre as bandas e os músicos bem como
os seus respetivos contextos económicos e culturais, num
folheto muito rico e cheio de fotografias.
em dIgressÃo peLa europaMotivado pelo sucesso do CD, que pouco depois do seu lança-
mento em Novembro de 2010 já ganhara o prémio alemão da
crítica, Samy Ben Redjeb viajou novamente para Angola em Maio
de 2011, com o apoio do Goethe-Institut. Em vista estava um
segundo CD com gravações da «época de ouro» e também a ten -
tativa de reunir em palco alguns dos músicos desse tempo.
Com efeito, a 20 de Maio de 2011 atuaram juntos no Elinga Tea-
tro em Luanda, perante um público maravilhado, as lendas
vivas Boto Trindade (Os Bongos / guitarra) e Teddy N’Singui
(Inter-Palanca / guitarra) juntamente com Carlitos Timótio
(Águias Reais / baixo), Joãozinho Morgado (N’goleiros Do Ritmo
/ congas), Chico Montenegro (Os Jovens do Prenda / bongos)
e Raúl Tolingas (Conjunto Kissanguela / reco-reco). A avaliar pelas
reações eufóricas da imprensa africana, este concerto, reali -
zado a pedido do Goethe-Institut pela produtora angolana «Mano
a Mano», entrou para a história. Neste ano, em Junho, este super-
grupo «Conjunto Angola 70» faz a segunda digressão por seis
cidades europeias.
angola soundtrack. the unique sound of
Luanda (1968-1976) Com: Os Jovens do
Prenda, Santos Júnior, Dimba Diangola, África
Ritmos, Os Kiezos, Os Bongos, Africa Show,
Mamukueno, N’Goma Jazz, Os Korimbas, David
Zé, Quim Manel. Analog Africa 2010.
UWWW.ANALOGAFRICA.BLOGSPOT.COM
Por Otiniel Silva 25
prÉdIo da unIversIdade agostInho neto
Mesmo assim, conservar os melhores e mais bem conseguidos
dos edíficios, continuar a utilizá-los como exemplos dessa
época em Angola e integrá-los no rosto modificado da cidade,
é uma missão de grande responsabilidade para os urbanistas
duma época, e faz parte da identidade de Luanda.
hans engels trabalha desde os anos 80
como fotógrafo de arquitetura. As suas
fotografias foram expostas em todo o
mundo. Além disso, é autor de livros de
fotografias, entre outros sobre Havana,
Munique e sobre a arquitetura da Bauhaus.
No âmbito da cooperação entre o Goethe-Institut Angola e o
Núcleo de Estudos de Arte, Arquitetura, Urbanismo e Design
da Universidade Lusíada de Angola (Neaaud-ULA), o fotógrafo
de arquitetura Hans Engels realizou um projeto sobre os
edifícios modernistas em Luanda.
As fotografias foram expostas em Outubro de 2011 na Uni -
versidade Lusíada (ULA). O catálogo dessa exposição pode ser
adquirido através do Goethe-Institut.
O Núcleo de Estudos de Arte, Arquitetura, Urbanismo e Design
da Universidade Lusíada de Angola é um parceiro de coope -
ração permanente do Goethe-Institut, como por exemplo no
ciclo de filmes alemães e angolanos apresentado com muito
êxito no «Cinema no Telhado». A convite do Goethe-Institut, o
arquiteto alemão Axel Koschany visitou Luanda em Outubro
de 2011 por ocasião do Fórum de Arquitetura da ULA. Para 2012
estão previstas outras cooperações sobre o tema Cultura e
Espaço público.
O Goethe-Institut publicou um catálogo da exposição de Hans
Engels: Goethe-Institut Angola/Universidade Lusíada de
Angola (ed.): Modernismo Luanda. 152 páginas, numerosas
imagens a cores, a ser adquirido através de
www.goethe.de/shop.
em Luanda ainda existe um grande número de edifícios da
época do modernismo. Foram construídos nos anos 50 e 60
quando em angola as ideias da arquitetura da bauhaus, entre
outras, foram concretizadas com grande ímpeto experi men -
tal. entretanto, muitas dessas construções singulares tiveram
que ceder lugar – como em outras partes do mundo – a pro -
jetos mais adequados à atualidade e mais funcionais.
Quando o Goethe-Institut me convidou em 2010, juntamente
com a Fundação Sindika Dokolo, para fazer uma exposição
sobre a arquitetura da Bauhaus na Trienal, fiquei fascinado com
Luanda. Uma cidade maravilhosamente caótica em transição,
após anos extremamente difíceis. Fiquei surpreendido. Na Ale-
manha pouco se sabe sobre o despertar económico e social
em Angola e na África em geral. Por isso, cheguei mais ou menos
ignorante e fiquei profundamente impressionado. Com as pes-
soas, a beleza, o caos, o tempo, o trânsito, a paciência, o humor,
os estaleiros e, não por último, com a arquitetura dos anos
50 e 60. Foi razão suficiente para voltar outra vez a Luanda em
Abril de 2011, desta vez com a minha máquina fotográfica.
Jogo naturaL com o novoNa Alemanha também existe este tipo de edifícios, mas não são,
de longe, tão imponentes e arrojados em termos ar -
quitetónicos. Na Alemanha houve, depois da Segunda Guerra
Mundial, a necessidade de criar espaços de habitação e de
reconstruir as cidades danificadas. As ideias do movimento da
Bauhaus dos anos 20 foram largamente postas em prática e
perfeccionadas, mas na maior parte das vezes, esses edifícios
na Alemanha não inspiraram amor. Eram, em grande parte,
construções funcionais, muitas vezes sem qualquer expressão
arquitetónica. Em Luanda, tenho a impressão que as constru-
ções dos anos 50 são efetivamente fruto de um jogo experimen -
tal e natural com as ideias da época. Para os arquitetos da
altura uma possibilidade única de inventar e experimentar coi-
sas novas.
É mais do que óbvio que esses edifícios não foram construídos
para a eternidade. Hoje em dia também são muitas vezes
obstáculos para outros projetos novos, ou já não correspondem
às exigências da atualidade. Necessariamente vão desaparecer
do centro de Luanda e ceder lugar aos novos e grandes projetos
de arquitetura. E é aqui onde vejo o valor do meu trabalho: a
documentação fotográfica e a interpretação de coisas aparen-
temente obsoletas que constituem um obstáculo para a socie -
dade moderna em crescimento. As imagens não significam
que me esteja a empenhar pela conservação absoluta de edifí-
cios que no seu tempo traçaram horizontes. Antes pelo contrário,
estou a dar uma descrição do andar dos tempos e da impossi -
bilidade de o influenciar. É um mecanismo autónomo de neces-
sidades, influências, dependências. Enfim, é a cultura. É isso
que estou a mostrar nas minhas fotografias.
29
modernIsmo em Luandaa convIte do goethe-InstItut, hans engeLsFotograFou a arQuItetura da metrÓpoLe Por Hans Engels
sede do sIndIcato unta
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Traduzido do alemão por Barbara Mesquita
resoLver os caos em veZ de contornÁ-LosÂngela Mingas, diretora do Núcleo de Estudos da Arquitectura
da Universidade Lusíada de Angola, conversa com o jornalista
Francisco Pedro Keth
Francisco pedro Keth: Que leitura faz do trabalho do fotógrafoEngels?
Ângela mingas: Antropológica. O que conheço do seu trabalho
dava para fazer um estudo sobre semiótica do espaço. Há
sempre uma noção muito clara do rasto humano, de espaço
habitado. A arquitetura tem duas componentes fundamentais:
a matéria e o espaço. O trabalho do Hans é de facto sobre o
espaço. Gosto!
A pertinência do trabalho dele pode ser assumida por estudantesou por arquitectos?Deve! Os princípios que norteiam a visão de Hans no seu tra-
balho são os que um arquiteto deve sempre ter quando per-
cebe um espaço. Da mais humilde à mais esplendorosa, a obra
arquitetónica nao é contemplativa, logo perceber a fruição do
mesmo através da lente é fundamental!
Divulgar o que existe no campo do urbanismo e arquitectura,
através de fotos, tem relevância para a preservação do patrimó-nio material?Claro! A informação é uma ferramenta de conhecimento impres -
cindível. Muitos de nós não conhecemos a beleza dos lugares
que habitamos, que vemos todos os dias. Relembrar nunca é
demais.
As fotos produzidas por Engels espelham edifícios antigos emestado degradante, na sua maioria. Acha que, se essas fotosforem exibidas no exterior do país, pode contribuir para umaimagem negativa da Angola contemporârea, livre da guerra emiséria?A realidade dos factos é sempre o melhor cartão postal de uma
sociedade. Os nossos «caos» têm que ser resolvidos, não con -
tornados. Parece-me um bom princípio para uma nova ordem.
Ângela cristina branco Lima mingas é fun -
dadora e diretora da Escola de Arquitetura,
criada em 2003, e do Núcleo de Estudos de
Arte, Arquitetura, Urbanismo e Design da
Universidade Lusíada de Angola (Neaaud).
Desde 2006, é curadora do «Fórum de
Arquitetura de Angola«.
Modernismo em Luanda 30
Fachada de um edIFÍcIo habItacIonaL O retângulo dourado, no qual a proporção áurea entre o comprimento e a largura dolado mais curto corresponde ao famoso Φ (Phi), foi eleito a forma fundamental do Modernismo.
31
sImetrIa e assImetrIa Os edifícios modernistas em Luanda distinguem-se por um grande número de ritmos e contrastes.
após os inícios do cinema angolano, logo após a indepen-
dência, ele passou por uma longa crise durante a guerra
civil. agora temos um boom de filmes vídeo feitos por uma
geração que cresceu a ver filmes do leste europeu e que
bebeu da linguagem de telenovelas brasileiras.
Dois jovens correm desalmadamente. Levam uma pasta consigo.
São seguidos pela polícia que conseguem despistar. Chegam a
casa, uma barraca num musseque, abrem a pasta ainda com a
respiração ofegante. Dinheiro, muito dinheiro no interior. Jun-
tam-se duas mulheres e desenrola-se uma cena de sexo não
explícito.
Assim se dá a típica ação de muitos filmes dos anos 2006 a
2012. São filmes com uma linguagem televisiva, com um som
menos cuidado e com uma direção artística pouco convincente,
num ritmo alucinante de crimes, violações, burlas, tiros e sem-
pre a terra vermelha que dá o nome aos musseques, os bairros
pobres em Angola.
O cinema angolano está a mudar, desde 2005, temos vindo a
assistir a um boom, talvez influenciado pela linguagem de Nolly -
wood, o cinema da Nigéria, de filmes vídeo feitos por uma
geração nascida e crescida nos tempos de guerra. Uma geração
que teve pouco acesso à informação, a escolas especializadas
ou, neste caso específico, a uma educação cinematográfica. Uma
geração que pouco ou nada usufruiu da exibição de filmes em
salas de cinema. Uma geração que cresceu a ver filmes do leste
europeu e que bebeu sobretudo da linguagem de telenovelas
brasileiras .
InÍcIos sob a dIreÇÃo do estadoO cinema que podemos chamar de angolano, teve início a partir
do núcleo de Cinema da TPA, emissora de televisão pública,
em 1975/76. Criou-se o Instituto Angolano de Cinema IAC em
1977 e em 1978 o Laboratório Nacional de Cinema – UEE,
empresa que surgiu do confisco e nacionalização das estruturas
produtoras de cinema então existentes. Em Fevereiro de 1979
cria-se a Empresa Distribuidora e Exibidora de Cinema – EDE-
CINE, com o objetivo de permitir ao Estado o controlo da
importação e distribuição do cinema no território nacional. O
Estado passou assim a ter o monopólio da distribuição e a
quase exclusividade da exibição de cinema.
Entre 1979 e 1981, o cinema angolano alcança o seu momento
de ouro com filmes como «Pamberi Ne Zimbabwe» de Carlos
Henriques, «No caminho das Estrelas» de António Ole, e a série
«Presente Angolano – Tempo Mumuíla» de Ruy Duarte de
Carvalho. Neste período, em que o cinema nacional conhece o
seu maior reconhecimento na cena internacional, participando
com diversos filmes em festivais internacionais, produz-se
um dos filmes mais importantes deste cineasta «Balanço do Tem -
po na Cena de Angola». A partir de 1982 assiste-se a um recuo
na produção cinematográfica havendo no entanto a realçar
algumas produções como: «Nelisita» de Ruy Duarte de Carvalho,
«Memória de um Dia» de Orlando Fortunato e «Conceição
Tchiambula, um dia, uma vida» de António Ole, os filmes mais
premiados internacionalmente.
cInemas Fechados durante a guerraCom o aumento da violência da guerra, com o monopólio da em -
presa portuguesa Lusomundo no que diz respeito ao direito de
exibição e legendagem de filmes americanos, este setor viu-se
obrigado a importar filmes do leste europeu. A partir de 1985
assiste-se a um abrandamento na produção do cinema nacional
que vê encerrada a área de processamento do Laboratório
Nacional de Cinema. O cinema angolano fica a depender total-
mente do exterior no que concerne à revelação de películas e a
partir dos anos 90 encerra-se a maior parte das 54 salas de
cinema do território angolano.
A Cinemateca Nacional (CINA) foi vetada ao abandono o que
colocou o arquivo fílmico nacional em condições de extrema
vulnerabilidade. O espólio do Laboratório Nacional de Cinema
que consiste em negativos de filmes, encontra-se em grande
parte em laboratórios estrangeiros pois a sua conservação re -
quer condições e meios de que o país não dispõe.
Foi no ano de 2002, depois do fim da guerra civil, que se iniciou
a retomada do Cinema e do Audiovisual em Angola. Com a
criação do Instituto Angolano de Cinema, Audiovisual e Multi-
média (IACAM) e de novas políticas em torno do audiovisual,
levaram-se a cabo muitas iniciativas que abriram as portas a
um futuro, embora ainda longe, mais sorridente. O estado
atribuíu quantias mínimas a projetos de ficção, o que permitiu
que se produzissem, em território nacional, e em regime de
co-produção, os filmes «Herói» de Zézé Gamboa, «Na Cidade
Vazia» de Maria João Ganga, e «Comboio da Canhoca» de
Orlando Fortunato, que levaram Angola a ser vista em mais de
50 Festivais de Cinema.
Jovens regressam do estrangeIroJovens regressados dos seus estudos no estrangeiro começaram
a dar os seus primeiros passos na produção de filmes. Docu-
mentários, curtas e outras obras experimentais criam a vontade
e mostram a criatividade de técnicos e criativos nacionais.
Eventos como O Festival do Minuto, o Festival Internacional de
Cinema de Luanda e variadas mostras e retrospetivas de
cinema mundial, aumentam as possibilidades de estar em con-
tacto não só com o cinema nacional mas também com filmes,
técnicos e criativos internacionais.
O cinema angolano está a mudar. Longe dos tempos em que o
estado monopolizava a produção, exibição e distribuição dos
filmes, longe do tempo em que o mesmo estado financiava
este setor, estamos agora perante o aparecimento de empre-
32
a hora do movImento das Imagenso despertar estÉtIco do cInema angoLano
sas privadas, de jovens sedentos de se afirmar, de uma
sociedade com vontade e necessidade de obter os seus direitos
de expressão artística e de se rever nas salas de cinema e na
televisão. Estamos neste momento na Hora de movimentar as
nossas Imagens.
miguel hurst nasceu em 1967 em Freiburg
na Alemanha e viveu em Greifswald, Bis-
sau e Lisboa. Foi diretor do Instituto Ango-
lano de Cinema Audiovisual e Multimédia
e diretor do cinema público angolano. Sendo
ator e produtor, participou de uma grande
quantidade de filmes e peças de teatro em
Angola e Portugal.
por Miguel Hurst 33
cInema no teLhadoTodas as terças-feiras o telhado da Universidade Lusíada
transforma-se em cinema ao ar livre. A iniciativa «Cinema
no Telhado» do Goethe-Institut Angola / Instituto Cultural
Alemão já no seu primeiro ano de funcionamento tornou-se
um ponto de referência para cinéfilos, cineastas, diretores
e atores de Luanda. A programação começou com filmes pro-
duzidos na Alemanha, legendados em Português, e alargou-se
para produções internacionais cobrindo temáticas como
democracia, cultura e clima. Em Outubro de 2011, na oca-
sião do Fórum de Arquitetura da Universidade Lusíada de
Angola houve uma seleção de filmes sobre vida urbana,
música e arquitetura. No futuro próximo a programação do
«Cinema no Telhado» também incluirá debates e workshops
organizados em cooperação com o Centro de Formação de
Jornalistas (CEFOJOR).
34
«aproveItar e crIar oespaÇo pÚbLIco»o movImento cuLturaL InterdIscIpLInarLuandense mabaXa
mabaXa A frente da UNAP na Rua Rainha Ginga em Luanda transforma-se emespaço de concerto com a apresentação d’Os Kiezos
Luanda contemporÂnea Ndilo Mutima, fotógraforepresentado no projeto Mabaxa
nea Africana, permitirá a visibilidade dos artistas e a possibili-
dade de interagirem com as instituições e com um público mais
abrangente. As trocas simbólicas que daí resultarem, vão aju-
dar a consolidar as pontes da memória histórica que nos atra-
vessa, dando-lhes formulações conscientes e integradas no
dia-a-dia do cidadão luandense e não só, reguladas no sistema
glocal. Neste esforço os focos de resistência, os avanços e
recuos, de certo modo podem, de forma sistemática, ajudar a
estruturar a riqueza criativa que nos assiste e que precisa ser
potenciada. Daí podem resultar a inter-compreensão e o respeito
pela liberdade criativa e de interpretação.
O Goethe-Institut Angola é um dos parceiros do projeto desde
o início. Em Maio contribuiu para o festival dedicando a pro-
gramação do seu ciclo semanal Cinema No Telhado à produção
cinematográfica angolana atual. Todos os filmes exibidos datam
de 2009 a 2011, entre eles curtas metragens como o drama
«Nada a ver com amor» de Nástio Mosquito (2010), documen-
tários sobre Angola como «Ritmos Urbanos, melodias de uma
identidade» de Isilda Hurst (2009) e longas metragens como
o recente «Por aqui tudo bem» de Pocas Pascoal (2011).
responder Às necessIdades das comunIdadesÀ semelhança do processo histórico dos cinquenta, este festival
integra no seu seio cinquenta cidadãos, de uma maneira geral,
entre artistas de diferentes expressões artísticas e, de uma
maneira específica, arquitetos, designers, músicos, historiadores,
colecionadores, estes criaram um network que possa auto-sus-
tentar um número considerável de eventos culturais. Como
forma de estarmos atentos aos desafios da globalização, mas
acima de tudo para responder às necessidades imediatas das
comunidades onde os diferentes traços e expressões culturais,
a destacar, estejam inseridos. «Espaço público é algo muito
raro aqui em Luanda», diz a diretora do Goethe-Institut, Chris-
tiane Schulte. «O movimento Mabaxa visa iniciar maneiras de
aproveitar e também criar espaço diferente.» De acordo com
Fernando Alvim, de entre os cinquenta cidadãos acima referidos
estarão igualmente comerciantes que operam na baixa de
Luanda. Eles cederão uma parte das vitrinas que têm nas suas
lojas para que se possa colocar fotografias e, assim captar a
atenção do público para esta iniciativa cultural.
Na verdade, o Mabaxa é um termo deformado que se traduziria,
decompondo alguns dos seus elementos, no seguinte: [m-a-
baxa], o «m» tem a semântica de movimento, o «a» tem o a
de artístico e «baxa» é a corruptela de Baixa, o centro, a
parte da cidade onde este movimento cultural multidisciplinar
se vai desenvolver. Por outro lado, esta grafia explora em certa
medida os falares angolanos, garimpados na fronteira entre «as
línguas nacionais e o português». Trata-se, a partir da sua conce-
ção e da sua execução, de um projeto e de um trajeto histórico,
tanto do ponto de vista cultural, como económico, social e polí-
tico.
35Por Abreu Paxe
mabaxa é um iniciativa cultural multidisciplinar. mabaxa é
também o nome genérico que se deu ao festival de cultura
urbana que vai decorrer no ano de 2012, na cidade de Luanda,
tendo um auge de eventos no mês de maio de 2012.
O festival acontece no centro de Luanda, mais concretamente
no perímetro da Baixa que vai da antiga fortaleza (hoje Museu
das Forças Armadas) ao Porto de Luanda. Neste sentido, o
atual processo de requalificação da Marginal dará uma maior
praticabilidade a este movimento cultural com estas caracte-
rísticas. O artista plástico e promotor de artes Fernando Alvim
afirma sobre o festival coordenado por sua iniciativa «Núcleo
Criativo» em parceria com a Fundação Sindika Dokolo, a institui-
ção originadora do projeto: «Mabaxa é um projeto completa-
mente privado mas, goza de uma aceitação por parte de algumas
instituições públicas e do próprio Estado. Nele, dá-se igual-
mente muita importância de que os eventos sejam dinâmicos,
no sentido de permitir, assim a que os termine uma exposi-
ção, que entre logo um outro evento a seguir.»
A sede da UNAP (União Nacional dos Artistas Plásticos) é o
espaço principal para as exposições que já decorreram e as que
ainda se realizarão. Uma instituição com a qual a Fundação
Sindika Dokolo já trabalha há seis anos. No interior, o espaço
para as exposições foi desenhado, pensado e produzido pela
Fundação Sindika Dokolo. Nas áreas adjacentes, na praça em
frente, serão novamente feitos projetos públicos, como já
tinha sido feito no âmbito dos eventos do projeto tais como o
concerto do grupo musical «Os Kiezos» em Novembro de 2011.
estruturar a rIQueZa crIatIvaO Festival de cultura urbana Mabaxa foi fundado por Fernando
Alvim, sob o nosso olhar testemunhal. Mas segundo o mesmo,
o Mabaxa teve como mentor e inspirador Nuno de Lima Pimen-
tel, um grande colecionador de arte angolano. O festival, que
conta também com o apoio da galeria SOSO Arte Contemporâ-
Fernando aLvIm em entrevIsta «Mabaxa quer permitir a visibilidade dos artis-tas e a possibilidade de interagir com instituições e com público mais abrangente.»
36
«o curso de designer de moda e estilismo recebemos antes
de estarmos aqui na terra. deus enviou-nos ao mundo para
cumprirmos uma missão muito simples: não será aprender a
morrer para o mundo», diz o designer de moda shunnoz Fiel.
ele e o seu parceiro tekasala maat nzinga colaboram com o
goethe-Institut desde 2011. para este ano está planeada
uma exposição com o nome «missão moda!». em 2014 será
lançado um livro sobre o trabalho dos dois.
Criar moda para o corpo, mente e espírito define a postura
destes dois jovens estilistas angolanos, Shunnoz e Tekasala. Par-
ticipar ativamente na reconstrução do homem e da mente
nacional angolana, foi a ideia primária que os levou, há cerca
de oito anos, a usar a arte da moda como ferramenta de comu-
nicação e de divulgação dos seus ideais.
A utilização de combinações inusitadas de cores, de proporções
atípicas nos fatos, transforma o trabalho destes criadores,
numa festa de cor, ritmo, diversão e energia. Arrojo, provocação,
inquietação e novidade são posturas sempre presentes nos
seus desfiles, onde numa linguagem performativa, o público é
envolvido num festival de sensações em que a música e a pre-
sença de elementos cenográficos como o grelhador, o peixe, o
pão, os livros acompanham os manequins e conquistam as
mentes para a aceitação do novo.
Abraçar a harmonia, a construção de ideias, a estimulação do
pensamento multicultural novo e a busca de valores sociais
positivos no desenvolvimento de sociedades fragmentadas, é a
preocupação principal destas duas fortes personalidades que
veem na aceitação de novas ideias e produtos a essência para a
melhoria da sociedade.
Shunnoz e Tekasala, talentos mais que confirmados no novo
mosaico artístico angolano, onde as novas ideias se casam
com o tradicional em mutação, onde uma nova energia sublinha
a vontade e força nesta aposta de reconstrução.
37
peIXe, pÃo e LIvrosdesIgn É uma mIssÃo para shunnoZ e teKasaLa
Por Miguel Hurst
teKasaLa e shunnoZ Eles denominam-se «fashionistas», mas o nomeengana porque o seu «Projecto Mental» também é um comentário iró-nico aos bilhões de petrodólares que vão desaparecendo enquanto amaioria da população vive na pobreza.
Peixe, pão e livros 40
Tekasala e Shunnoz posando com livros esfarrapados da história lusitana.
A sarjeta como passarela
41
Performance em frente a fachadas desmoronadas
Kondy Luanda holst e Luís cristóvão manuel, dois dos pri-
meiros participantes do curso de alemão do goethe-Institut
de Luanda, foram premiados por terem sido os melhores
alunos do seu ano com um curso intensivo de três semanas,
no goethe-Institut de bremen, alemanha. nesta cidade
aprenderam não só alemão como também a patinar no gelo.
O voo no Airbus A380 da Lufthansa de Joanesburgo até Frank-
furt foi muito agradável, e a aterragem no maior avião de passa -
geiros do mundo foi bastante suave. Já os primeiros tempos
na Alemanha correram de forma mais acidentada para Kondy
Luanda Holst e Luís Cristóvão Manuel, alunos de alemão em
Angola de visita ao Goethe-Institut de Bremen. A bagagem de
Kondy ficou retida na África do Sul, a casa de câmbio onde
queriam trocar dólares por euros já tinha fechado, e o taxista
do aeroporto em Bremen não entendia uma palavra de inglês.
«We muss Bremen University», assim tentaram eles descrever
o trajeto para o campus universitário onde se situa o Goethe-
Institut. A primeira frase em alemão que aprenderam no seu
dia-a-dia foi: «Kannst du mir helfen (Pode ajudar-me)?», lembra
Kondy entre risos.
Kondy Luanda Holst, de 32 anos, e Luís Cristóvão Manuel, de 35,
vêm ambos de Luanda, a capital angolana. Kondy Holst é casada
com um dinamarquês e trabalhou até há pouco tempo como
assis tente executiva na sede local da empresa Daimler. Luís
Manuel é chefe de departamento da operadora telefónica afri-
cana Movicel. Aprender línguas é para ele uma espécie de
hobby. Fez o curso de Engenharia Eletrotécnica no conceituado
Instituto Superior Técnico de Lisboa, e nos seus tempos livres
lê publicações alemãs na internet, como por exemplo o jornal Die
Zeit. Para além do português domina também o inglês, o francês,
o espanhol e algo de italiano, exatamente como Kondy Holst,
que para além disso ainda fala um pouco de dinamarquês por
causa do seu marido.
vIsto da perspectIva aLemÃOs dois angolanos poliglotas contam-se entre os primeiros alunos
do Goethe-Institut de Luanda, que foi inaugurado há apenas
três anos. Terminaram o curso de iniciação com o certificado
«A1: Start Deutsch 1» com a classificação mais alta do respe-
tivo ano, o que lhes valeu uma bolsa do Goethe-Institut para uma
estadia de três semanas num curso intensivo de alemão, num
dos Goethe-Institute da Alemanha. Kondy Luanda Holst e Luís
Cristóvão Manuel são os primeiros estudantes angolanos no
Goethe-Institut de Bremen, que trabalha com cooperações inter-
nacionais. Para além do maior grupo de bolseiros - médicos
líbios enviados pela embaixada da sua terra natal ao instituto
de Bremen, para aí se prepararem para o estudo da especialidade
médica na Alemanha – os estudantes vêm de mais de 40 países
diferentes, diz Claudia Müller-Seip, diretora do instituto. Há cerca
de 120 estudantes de línguas por mês, que vêm dos países
europeus vizinhos, América do Sul, Ásia e Austrália. «Há sempre
representantes de vários continentes. E agora também de África»,
diz Claudia Müller-Seip com satisfação.
o aLemÃo estÁ na moda em angoLaAs aulas diárias possibilitam um avanço enorme na aprendiza-
gem, concordam os dois bolseiros angolanos. Em Luanda os
cursos são só duas vezes por semana. Para estes muito motiva-
dos bolseiros «até podia haver mais aulas». Mas um curso
intensivo não se pode comparar à situação em Luanda. A maior
parte dos alunos trabalha, e por isso os cursos de alemão têm
lugar ao fim do dia, depois de terminado o expediente laboral.
Naturalmente também «é preciso aprofundar muitas coisas em
casa e isso tem muito a ver com autodisciplina», diz Christiane
Schulte, diretora do Goethe-Institut em Angola. «Sei isso por
experiência própria, porque também foi só em Angola que aprendi
português».
O alemão está na moda em Angola. De momento os dois cursos
de iniciação do Goethe-Institut estão cheios, e há ainda um
curso para avançados. A maior parte dos alunos aprendem alemão
por razões privadas, por exemplo devido a um parceiro alemão.
Mas o interesse em ir estudar ou trabalhar para a Alemanha tam-
bém desempenha um papel importante.
«Os produtos alemães têm uma fama excelente em Angola», diz
Luís Manuel. «Sobretudo carros, mas também televisões, tele mó -
veis e outros eletrodomésticos». Cada vez há mais empresas ale-
mãs em Angola, como a Daimler, a Lufthansa, que voa de Luanda
para Frankfurt duas vezes por semana, ou a empresa de telemó-
42
os aLunos do goetheboLseIros de Luanda em vIagem por bremen
veis Nokia Siemens, que se aproveita da explosão do mercado
das telecomunicações em Angola, e ainda construtoras como a
Bauer ou a Gauff. Angola é um país em explosão e toda Luanda
é «um estaleiro em obras», diz Kondy Holst. O ritmo das constru-
ções tem vindo a precipitar-se desde o fim da guerra civil em
2002, uma guerra que assolou Angola em todas as áreas du rante
27 anos, com algumas interrupções. A extração de petróleo rende
milhões ao país, mas ao mesmo tempo aumenta o fosso entre
pobres e ricos. E entre aqueles que podem pagar escolas priva -
das caras, e aqueles que têm de frequentar as escolas públicas
com «professores mal pagos e pouco motivados», como descreve
Luís Manuel. Paralelamente há porém uma nova classe média
que vai crescendo, à qual pertence o próprio Luís Manuel, que já
viajou por quase todos os países africanos, estudou no estran-
geiro e já viu muito da Europa. A ela também pertence Kondy
Holst, que estudou economia na África do Sul e se interessa
por política desde criança – a mãe era jornalista da rádio e ati -
vista pelos direitos das mulheres, o pai era advogado e ativista
pelo meio ambiente. É uma geração aberta para o mundo, com
estudos, e apesar dos problemas inegáveis que existem em An -
gola, uma geração orgulhosa do seu país, que após duas eleições
legislativas começa a consolidar-se como uma democracia.
o cLIchÊ da pontuaLIdadeQuais são os clichês sobre os alemães que os dois bolseiros en -
con traram em Bremen? «A pontualidade», responde Luís Manuel
sem pestanejar. Não há nenhuma outra terra, pelo menos disso
está convencido, na qual por exemplo os auto carros passem na
paragem exatamente no minuto que está descrito no horário.
A princípio, quando ainda eram recém-chegados em Bremen,
ainda cumprimentavam cada passageiro no autocarro - e estra-
nhavam os olhares consternados das pessoas. Em Luanda seria
impensável não dizer pelo menos «olá» numa situação dessas.
No edifício de 16 apartamentos, onde Kondy Holst vive, cum -
primenta com uma breve troca de palavras toda a gente que
encon tra a caminho do seu apartamento no terceiro andar. «Os
vizinhos em Luanda são tão importantes como a própria famí-
lia», confirma Luís Manuel. «Em África ninguém quer arriscar, em
caso de necessidade, não haver alguém que venha para socor-
rer», completa Kundy Holst.
Entretanto os angolanos já conhecem Bremen como a palma
das suas mãos. Mostram com o entusiasmo dos guias turísticos
a Câmara Municipal e a estátua de Rolando. «É património
mundial da Humanidade», diz Kondy Holst reconhecida. Kundy
interessa-se por cultura, de vez em quando apresenta-se como
cantora e tem uma paixão por Mozart. Numa visita à Catedral de
São Pedro, os dois falam das igrejas do período colonial portu-
guês em Luanda. Depois há um encontro com os demais bolseiros
para comer panquecas, neste dia gélido de inverno, no café-
barco Pannekoekschip. Este é o programa do dia. Já foram ao
cinema, a um concerto de jazz, e uma vez até foram fazer
patinagem no gelo. «Eu devo ter caído ao chão um milhão de
vezes», diz Kondy Holst entre gargalhadas, «se há coisa que não
existe em Angola é neve e gelo». Mas a ideia era precisamente
essa: viver novas experiências.
Alguns meses mais tarde, no verão, recebem um e-mail de
Luanda. Os dois bolseiros continuam a aprender alemão. Kondy
Holst envia o seu certificado de fim do curso A2: 71 por cento,
nota 3. Recordam com saudade o tempo passado em Bremen e
querem regressar tão cedo quanto possível. Luanda, dizem,
está tão frenética e caótica como sempre, mas ainda assim eles
alegrar-se-iam de sobremaneira se alguém os viesse visitar. Para
que pudessem mostrar em troca a cultura africana.
patrick Wildermann é jornalista freelancer.
Escreve reportagens, retratos de artistas e
recensões para a secção cultural do jornal
Berliner Tagesspiegel, para o magazine
berlinense tip e para o maga zine Theater
der Zeit.
Por Patrick Wildermann 43
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *Traduzido do alemão por Inês Thomas Almeida
Em cima do morro de salalé
Não nasce a orquídea
Nos lagos secos da lua
Não nadam os peixes
Das pernas das raparigas
Não desce sangue
A cinza lenta da noite
Devora a fogueira.
Extrato de: ana pauLa tavares, FIeberbaum - Árvore da FebreGedichte. Poemas 1985-2007. Edition Delta, Stuttgart, Alemanha, 2010.Reprodução autorizada por cortesia da editora.
Dormias
Enquanto cantava a rola
O cuco e o bem-te-vi
Dormias
Enquanto duas vacas
Pariam no curral
Dormias
Quando a hiena entrou no cercado
Levou o cabrito pequeno
E partiu a cabaça dos sacrifícios
Dormias
Quando a água chegou à mulola grande
Dormias
E já ia alto
O canto da rola
Do cuco e do bem-te-vi.
Nas tuas mãos
ardia
barco de espuma
rede
das tuas mãos escorria
língua de fogo
sede
nas tuas mãos
sentia
dobra do vento
febre
nas tuas mãos
tremia
nome da vida
tempo
a literatura angolana, jovem e dinâmica como o próprio país,
é também sempre um reflexo de seus contextos socio-his -
tóricos. desde as suas primeiras dos seus manifestações no
início do século XX, até à contemporaneidade, passando
pelos tempos da luta pela independência e soberania nacio-
nal, uma das grandes características da escrita literária ango-
lana tem sido a criatividade no uso do português padrão em
contato com as diversas línguas nacionais, tal como a recor-
rência frequente a motivos da oralidade – tradicionais,
mitológicos ou mesmo ficcionados.
As práticas artísticas em Angola assentam em dois eixos. O pri-
meiro eixo, diz respeito às configurações artísticas surgidas
em Angola, antes do código escrito. Estas foram manifestadas
pela cultura oral, pela escultura, pelo desenho, pela tecela-
gem, pelas inscrições diversas. No segundo eixo situam-se dois
grandes fenómenos: a formação que os negros passaram a ter
ao cuidado das missões e que desde o princípio da liberdade
religiosa e missionária, instituído na chamada «Conferência de
Berlim» de 1884/85 em Berlim, abriria vias diferentes de
acesso a condições de cultura europeia, dos africanos que a
procurassem. Deste modo, entre os africanos, mestiços e bran-
cos residentes em Angola começa a desenhar-se o processo de
formação no período de 1850 a 1950. Este eixo sustenta a ins-
titucionalização do fenómeno cultural nas instituições moder-
nas em oposição às instituições culturais orais.
LIteratura como armaÉ inegável o contributo de poetas como Agostinho Neto (presi-
dente de Angola de 1975 até 1979), António Jacinto, Viriato da
Cruz, Mário António na construção dos alicerces daquilo que
viria a condicionar a prática discursiva, não só da poesia, mas
da literatura angolana de uma maneira geral. Estes poetas en -
quanto autores de forma transversal, à semelhança do que
balizavam alguns modernistas no ocidente, nas suas propos-
tas estéticas, dava-se o caso de não usarem uma só palavra
figurada, mas combinar de tal modo as palavras em sentido
próprio, que elas se ordenam como um conceito figurado, uma
reali dade diversa do que as palavras exprimem em sentido pró-
prio, o sentido geral do poema é figurado. Por outro lado,
estes mesmos poetas clamavam por uma literatura de Angola.
Então ela passa a guiar-se na certeza de um país que acaba de
nascer, precisa crescer e desenvolver-se.
Nos primeiros cinco anos da independência a literatura assume-
se partidarizada, assente num sistema do velho realismo
socia lista, ou o neorrealismo para a estética global. Com as
trans formações político-sociais que conduziram o país ao mul-
tipartidarismo, com o fim da guerra fria, da queda do muro de
Berlim e a eclosão da guerra pós-eleitoral a literatura ganhou
uma nova função e foi cada vez mais se afastando dos alinha-
mentos partidários que a caracterizaram no passado. Isto só
reforça a contraposição de propostas artísticas de nacio na listas
de raiz modernistas: são os casos de Arlindo Barbeitos (nas-
cido em 1940), que faz uma poesia em que há uma inter pene -
tração de formas tradicionais e canções antigas africanas e a
influência da poesia chinesa e japonesa, um Ruy Duarte de
Carvalho (1941–2010), que experimentou nos seus livros, como
o «Vou lá visitar Pastores» (1999) o concrestismo e a explora-
ção dos multimédia, integrando poesia, desenho e fotografia,
tudo sob o signo do cinema.
a poesIa dos anos 80Estes poetas vão influenciar jovens que a partir de 80 ao faze-
rem a sua escolha de mercado, procuram por um lado, o que
nos diferenciava no processo globalizador e, por outro, por uma
atualização e exigência estética. É o caso de poetas como Car-
los Ferreira (nascido em 1960), João Melo (nascido em 1955) e
Paula Tavares (nascida em 1952). Esta poetisa estabelece rela-
ções de estruturas com as tradições orais. Neste contexto
vemos publicados: os cadernos Ohandanji que revela o
ensaísta Luís Kandjimbo e os poetas Lupito Feijoó e Frederico
Ningi, este último à semelhança de Ruy Duarte, explora as
multimédias, é também artísta plástico e o primeiro angolano a
tentar escrever poema visual em computador. Por outro lado,
a revista Archote que deu a conhecer bons poetas, como por
exemplo o ensaísta e investigador brilhante Eduardo Bonavena.
Há na poesia angolana sinais de revigoramento em poetas como
Conceição Cristóvão, Alexandre Dáskalos, Amélia da Lomba,
Fernando Kafukeno entre outros que poderão marcar um futuro
próximo.
IronIa e os absurdos do QuotIdIanoÉ com Óscar Ribas (1909–2004) e Castro Soromenho (1910–1968)
que se dá início à moderna prosa de ficção narrativa, à seme-
lhança do que vimos na poesia, a tradição oral vai manter rela-
ções de estruturas no texto destes escritores, é o caso do «O
resgate de uma falta» (1929) em que o etnógrafo se sobrepôe
ao ficcionista e outro, o «Nhári: O Drama da Gente Negra»
(1939) em que se reabilita e dignifica a memória cultural dos
povos da Lunda restituindo-lhes «voz» por via da escrita. Em
Mário António (1934–1989) nota-se a preocupação de reelabo-
rar os contos de tradição oral como é o caso do conto «O
homem que queria casar-se com a filha do sol e da lua», com
todo o seu imaginário mítico, o seu poder encantatório e
mágico, à semelhança e sob a nítida influência de Castro
Soromenho. Em «A cidade e a infância» demonstra-se a vitali-
dade, a voz polífona, a crueldade, a cumplicidade e a trans-
gressão. Em Arnaldo Santos (nascido em 1935) a memória, a
história recente do país e as transformações sociais nela
implícitas aliam-se numa afirmação plena de valorização e
enriquecimento da literatura angolana, e que o seu livro mais
recente «Vento que desorienta o Caçador» (2006) é disso
exemplo.
45
paLavras como arma e eXperIÊncIa breve passagem por 100 anos de LIteratura angoLana
Por Abreu Paxe
Na verdade, José Luandino Vieira (nascido a 1935 em Portugal),
entre nós, é o autor fundador de uma língua e de uma estilís-
tica, bem como de uma estética recheada de variadas contri-
buições culturais e linguísticas, trouxe, com a sua escrita, à
modernidade da ficção narrativa, uma oralidade radicalmente
nova, encantatória e fulgurante de poesia. E é justamente
essa força capaz de reinventar a língua portuguesa, que faz de
José Luandino Vieira um dos vultos maiores da nossa con tem -
poraneidade literária, assinando algumas obras-primas, como
as estórias de «Luuanda» (1963), «No antigamente, na vida»
(1974), «Macanduma» (1978) ou os romances «Nós, os do Maku-
lusu» (1974) e «João Vêncio: os seus amores» (1979).
Pepetela (nascido em 1941), não obstante a sua obra contar
com um livro de contos e algumas peças de teatro é, essencial -
mente, romancista. Este ex-guerrilheiro vem elaborando na
literatura angolana de ficção uma espécie de epopeia fragmen-
tada e em socalcos, quer pelos motivos que se propõe tratar,
quer pelos tempos em que as acções decorrem. Livros como
«Mayombe» (1980) e «A Geração da Utopia» (1992) revelam
um levantamento sociológico ímpar, de Angola e da angolani-
dade, narrado ao leitor com a mestria e a sageza de um con -
tador de estórias a voz plena. Neste autor, é nítida, numa das
sua mais recentes obras, «Jaime Bunda, Agente Secreto» (2001)
a «carnavalização» do romance policial como da própria con-
dição do angolano; num irónico humor visou assinalar a depres-
são e a banalização do crime da justiça nos tempos neo libe-
rais que atinge a nossa economia e a vida pública.
Manuel Rui é autor de uma obra vasta e multifacetada, traba-
lhando o coloquial padrão das ruas de Luanda e o seu natural
reinventar da língua portuguesa, o seu absurdo quotidiano, o
seu humor, a sua ironia fulminante e a simboligia da água,
como uma das vozes mais estimulantes do panorama literário
angolano, de que é justo salientar a novela «Quem me dera
ser onda» (1982).
geraÇÕes maIs novasNo género narrativo aprofundou-se uma vertente mítica, de
retorno a mitos localizantes. Se em Agualusa (nascido em
1961) em livros como «Barroco tropical» (2009) essa vertente
mítica se intensifica na sua globalização nestes escritores como
por exemplo, em Cikakata Mbalundo (nascido em 1955) a nar -
rativa pretende fechar-se ao mundo abrindo-se para uma ances -
tralidade quase pré-colonial. Mas todos, dentro e fora, sobre-
tudo retornaram ao que antes tinha sido raro e decisivo: a
própria estrutura narrativa organiza-se e funciona em torno de
uma crença 'animista' ou afim. É transversal à nova angolani-
dade literária, do exterior ou do interior, a presença de narrati-
vas com esta característica. Há, no entanto, sinais de revigora-
mento na prosa angolana se pensarmos em nomes como o de
João Tala, Jacinto de Lemos, Isaquiel Cori, Roderick Nehone e
Sousa Jamba que vive e publica na Inglaterra livros como o seu
romance «Patriots» (1990). O mais novo dos escritores ango-
lans con hecidos à escala internacional é Ondjaki com os seus
romances «Bom Dia Camaradas» (2001) e «Avó Dezanove e o
segredo do Soviético» (2008).
De que forma a literatura angolana sobrevive numa sociedade
capitalista de consumo? Sociedade esta que torna o homem
anónimo, mais um, numa grande massa de manobra do sis -
tema do capital. Esse homem está sem voz. A literatura tentou
restaurar, nesse homem, a individualidade. Talvez seja esta a
causa do visível aumento das publicações, por pequenas ou
médias editoras, edições financiadas pelo próprio autor, anto-
logia, agregados marginais de poetas e até mesmo publicações
em vários formatos nos meios virtuais.
abreu castelo vieira dos paxe, nascido em
1969, é poeta, prof essor na área da litera-
tura e Secre tário para as Atividades Cul -
turais na União dos Escritores Angolanos,
UEA. Tem textos ensaís ticos publicados em
revistas científicas e culturais, brasileiras,
portuguesas e angolanas. Como poeta, publi -
cou «A Chave no Repouso da Porta»
(Luanda 2003; pre miado com o Prémio António Jacinto de
Literatura) e «O Vento Fede de Luz» (Luanda 2007).
Palavras como arma e experiência 46
São Paulo da Assunção de Luanda
Quando eu nasci, Luanda ainda usava todo o seu
belo e sonoro nome cristão: São Paulo da Assunção
de Luanda. Velha matrona mulata, orgulhava-se do
parentesco com cidades como Havana, Saint-Louis,
em Casamance ou São Sebastião do Rio de Janeiro.
Foram, aliás, os Brasileiros que vieram em seu so -
corro quando, em 1641, os holandeses aproveitaram a
distração ibérica para ocupar a Fortaleza de São
Miguel. Vi a minha cidade tornar-se africana. Vi os
orgulhosos prédios da baixa – que a burguesia colo-
nial abandonou dias antes da independência – serem
ocupados pelos deserdados dos musseques. Vi-os
(aos deserdados) a criarem galinhas dentro das des-
pensas, cabritos nos quartos, e a acenderem fo guei -
ras no meio dos salões com as bibliotecas deixadas
pelos colonos. Vi mais tarde esses mesmos deserda-
dos a abandonarem os apartamentos em ruínas, a
troco de fortunas (alguns) ou de meia dúzia de tos-
tões (outros), sendo substituídos pela novíssima bur-
guesia urbana, ou por expatriados pagos a peso de
ouro. Vi cair o belo Palácio de Dona Ana Joaquina, a
golpes de camartelo, para ser substituído por uma
réplica em mau betão, e achei que era uma metá-
fora dos novos tempos – o velho sistema colonial e
escravista a ser substituído por réplica ridícula em
nefasto calão dos musseques. Mais tarde (tarde de
mais) com preendi que não havia ali metáfora alguma,
apenas um casarão que caía. Muitos outros tombaram
a seguir entre os quais o belíssimo mercado do Qui-
naxixe, desenhado por Vasco Vieira da Costa, um dos
primeiros edifícios de traça modernista construído
em África. No lugar dele levanta-se um fátuo delírio
de vidro e betão.
Os lucros do petróleo fizeram florescer altos edifí-
cios de paredes espelhadas. A seguir, o preço do
petró leo caiu (caiu desamparado, estatelou-se) e todo
aquele radiante mundo novo entrou igualmente em
colapso. Deixou de haver dinheiro para lavar as imen-
sas vidraças, e estas cobriram-se de uma áspera
camada de poeira vermelha, de lama, e por fim de
uma carapaça capaz de resistir à mais forte pan -
cada de chuva e totalmente impenetrável à luz. As
bom bas que levavam a água para os andares altos
avariaram. Os geradores também. Muitos expatriados
foram-se embora. Os deserdados voltaram a ocupar
os prédios.
Luanda corre a toda a velocidade em direcção ao
Grande Desastre. Oito milhões de pessoas aos uivos,
aos choros às gargalhadas. Uma festa. Uma tragédia.
Tudo o que pode acontecer acontece aqui. O que não
pode acontecer, acontece igualmente. Estamos no
século XXI. Estamos lá muito atrás. Estamos mergu-
lhados na luz. Estamos afundados no obscuran tismo
e na miséria. Somos incrivelmente ricos. Produzimos
metade dos diamantes vendidos no mundo. Temos
ouro, cobre, minerais raros, florestas por explorar e
água que não acaba mais. Morremos de fome, de
malária, de cólera, de diarreia, de doença do sono, de
vírus vindos do futuro, uns, e outros de um passado
sem nome.
Um dia alguém pintou uma frase na parede do
Aeroporto Internacional de Luanda: «Bem-vindo à
Lua. Entre e deixe a razão lá fora.»
Extrato de: JosÉ eduardo aguaLusa, barroco tropIcaL Publicações Dom Quixote, Lisboa, Portugal, 2009. Reprodução autorizadapor cortesia do autor.
47
«hÁ muIto maIs esperanÇado Que LIberdade»o escrItor ondJaKI sobre Luanda, InFLuÊncIasLIterÁrIas e o mIstÉrIo da poesIa
ondjaki, o mais novo dos autores angolanos conhecidos
internacionalmente, conversa com o poeta e professor abreu
paxe sobre o seu processo criativo e sobre a sua forma de
encarar o mundo. nascido em Luanda em 1977, hoje em dia
vive no rio de Janeiro, mas nos seus romances volta com
frequência para a cidade da sua infância.
abreu paxe: Ondjaki, sendo um dos autores angolanos maisconhecidos mas morando no Brasil, considera-se um escritor dadiáspora?
ondjaki: Não me considero escritor na diáspora. Eu vivo no
Rio de Janeiro, por razões pessoais, e procuro trabalhar através
dos meus livros a favor da cultura angolana.
Sem dúvida, a cidade de Luanda é pano de fundo privilegiado dosseus livros, desde o primeiro «Bom dia Camaradas», passandopelo «Quantas madrugadas tem a noite», de 2004 até ao seumais recente romance «Avó Dezanove e o segredo do Soviético».Fale-nos um pouco sobre a sua relação com a cidade.Acho que cada cidadão e cada artista tem um tipo de relação
com a cidade. Tendo crescido aqui, a cidade fica impregnada em
nós, nas memórias e também na imaginação. Acho que há uma
cidade real e uma outra Luanda que chega à ficção. Mas é uma
cidade muito complexa, com um caos muito criativo, portanto é
um lugar que gera muitas ideias. É preciso saber olhar e escolher.
A trama de «Bom dia Camaradas», com tonalidade autobiográficapassa-se numa época em trânsito, a queda do muro de Berlim quese faz sentir até Luanda. É desde aí que está a observar a suacidade natal. Quais as mudanças mais marcantes, desde os seustempos de criança?Está tudo muito diferente. Há milhares de pessoas a mais, Luanda
deixou de ser tão «íntima», era quase uma pequena aldeia
onde todo o mundo se conhecia. Agora dizem que Luanda tem
sete milhões de pessoas. Há mais dificuldades para a popula-
ção em geral. Mas por outro lado, sobretudo a periferia da
cidade é um intenso vulcão cultural, com as suas manifesta-
ções sociais, o que inclui o teatro e a música. Mas há menos res-
peito pelos mais velhos e quase toda a gente vive em função
de um objetivo: ganhar dinheiro. É um dos tristes aspetos da
globalização e temos que lidar com ele. Mas continua a ser uma
cidade de fantasia e de beleza.
Fale-nos do cruzamento que se dá, entre você que produz literaturae o Kiluanje Liberdade, na realização do filme «Oxalá cresçampitangas» em 2006: Como surgiu a ideia deste projeto?No essencial, sempre estivemos de acordo que o filme tinha que
ser sobre Luanda, com luandenses ou pessoas que viviam em
Luanda e que o discurso, como pano de fundo, devia ser posi-
tivo. Nós como jovens estamos cansados de ver «filmes» nega -
tivistas sobre África ou Angola. Neste filme, embora também
se abordem os aspetos mais complicados da cidade, também
queríamos abordar o sonho, a fantasia e a musicalidade da
nossa cidade capital. Deu para o que os jovens têm a dizer sobre
o seu (tempo) presente e, sobretudo, o que desejam para o seu
futuro.
Lembro-me duma sessão literária na Alemanha em que «dece -cionou» as pessoas com a afirmação de que nunca passou fome enão podia falar muito da guerra porque não a viveu de perto.Ainda o confrontam com esta expetativa sensacionalista? Comque expetativas ou imaginários é confrontado hoje? Qual a dife-rença entre o público em Angola, em Portugal, no Brasil e no restodo mundo?Acho que há sempre uma visão redutora do continente africano.
Quase sempre. As pessoas desconhecem as especificidades de
cada país, querem ver África como um lugar uno, resumido a
algumas características exóticas e ridículas. Porque dá trabalho
pensar na diversidade e na riqueza cultural deste continente. Os
públicos são diferentes em cada país, não sei muito bem como
compará-los. Eu acho que devemos fazer o nosso trabalho, esté-
tico, artístico, como artistas africanos, sim, mas também como
artistas cujo trabalho é singular e individual. É nessa dualidade
que os materiais da arte brotam.
A sua outra grande vertente literária é a poesia. Como se dá o seuembate com a arte, com a poesia?Eu seria muito feliz se soubesse explicar quando é que a «poesia
me acontece». Não sei dizer ao certo. Acho que há coisas que
sinto que se vão misturando com as coisas que eu li e com o meu
modo de dizer, ou de ler, o mundo. Acho que a poesia é, sobre-
tudo, um mistério. Uma resposta estética, instintiva ou não, que
a linguagem literária produz. Mas a poesia é uma experiência
íntima, profunda, muito difícil de expor em palavras.
Como leitor atento e curioso, terá sofrido influência ou contami-nação no seu trabalho? Muitas vezes pensamos que é possível detetar as nossas influên -
cias. Não sei se isso é verdade. Isto é, há muitas leituras que
nos entram no inconsciente e deixam de ser referidas, há uma
grande diversidade. Por exemplo, ainda na escola, lemos os
poetas angolanos, mas também tínhamos que ler autores de Cabo
Verde e de Moçambique. Lembro-me muito bem nas aulas de
Língua Portuguesa lermos «Nós matámos o Cão Tinhoso», um
texto do moçambicano Luís Bernardo Honwana. Mas tudo
isso, no meu caso, se misturou com outras leituras de outras geo -
grafias. Ainda muito novo, há um autor que me marcou muito.
Foi Eugène Ionesco, descobri o seu livro «O solitário». Só mais
tarde entendi quem ele era e o lugar que ocupava no universo
do teatro. Também li Brecht, Gogol, Camus. Acho que a nossa
escrita, a de cada um, é um complexo encontro de muitas varian-
tes, muitos sonhos, muitos ecos.
Como devo imaginar este encontro de ecos?Todo o escritor deve levar em conta o que foi feito antes de si,
penso que isso é um ponto de partida humilde e inteligente.
Ler, conhecer, deixar-se contaminar no bom sentido. E depois
redescobrir a sua arte, redescobrir-se enquanto criador, e tentar
dar algum contributo, alguma novidade, ao campo em que
atua. Angola sempre teve grandes escritores, tanto na prosa
como na poesia, portanto o nosso desafio ou um dos nossos
desafios, é certamente fazer o nosso trabalho de modo a dar
alguma continuidade à excelente literatura que nos precedeu.
Não é tarefa fácil, mas teremos que tentar fazer isso com humil-
dade, criatividade e respeito. Para a contaminação direta,
devo destacar o Honwana e o Manuel Rui, o trabalho deles, com
os narradores com vozes infantis. Eu próprio me identificava
muito com o universo e com a linguagem das crianças do livro
«Quem me dera ser onda» de Manuel Rui. Foi importante, ter
lido também o trabalho que Luandino Vieira fazia com as vozes
infantis. Deu-me ideias, deu-me noções para o ritmo e os con-
teúdos de algumas coisas que escrevi sobre as minhas memórias
de Luanda. Outra «contaminação directa», foi ao ler a poesia
do poeta brasileiro Manoel de Barros, daí resultaram dois livros
de poesia meus.
Em que sentido a sua mundivivência pessoal, o seu tempo emLisboa, a sua vida atual no Rio de Janeiro, as viagens que fazcom frequência, influenciam a sua escrita?Acho que influenciam sobretudo ao nível de sensibilidade. Isso
tem a ver com «novas aquisições» internas, porque experimen-
tando novos países, outras culturas, provocamos novas reflexões.
Não há nada muito explícito na literatura, que derive direta-
mente dessas viagens. Há uma obra de teatro («Peixe-frito...»),
e algumas crónicas. Mas um dia poderá acontecer, escrever mais
sobre Portugal ou o Brasil. Mas as viagens trazem novas sensa-
ções. Outros gestos... Mesmo que literários.
Na Alemanha acaba de ser lançdo o «Barroco Tropical», de JoséEduardo Agualusa, que traça uma imagem alarmante de Angola,exemplificada na cidade de Luanda. Se contrastarmos este romançeao seu «Quantas Madrugadas tem a noite», acho que é mais oti-mista em relação à criatividade e o incrível potencial dos angola-nos em lidar com situações difíceis (que Agualusa também exalta).Qual o futuro que traça para Angola? Acha que a esperança e aliberdade já andam de mãos dadas nas diferentes cidades deAngola?O que serão esses dois conceitos para cada cidadão? Como se
mede o grau de liberdade ou de esperança, de cada pessoa?
Acho que há um caminho ainda a ser trilhado e, por outro lado,
já muito se fez nesse sentido. Mas eu diria que há muito mais
esperança do que liberdade.
ondjaki (nome civil Ndalu de Almeida) nas-
ceu em Luanda em 1977. É licenciado em
Sociologia. Em 2001 publicou o seu pri-
meiro romance «Bom dia camaradas».
Escritor de romances, novelas, contos e lite-
ratura in fan til, é poeta e escreve para
cinema. Em 2008 recebeu o prémio «Grin-
zane for Africa Award» e em 2010 o prémio
brasileiro re nomado Jabuti. Ondjaki vive e trabalha no Rio de
Janeiro, Brasil.
49
ESCREVO A PALAVRA LUANDA
veio a melodia e me soprou a noite pelas
entranhas adentro – eu era um peixe-lua solto nos
acordes dessa viola tonta. Sorri com os dedos da
mão. quase matei um mosquito que passava
(mosquito tem quantas vidas...?)
a cidade está a dormir a esta hora
(acidade sonha...?)
todas pessoas
muitas
todas estórias bonitas
amanhã
vão acontecer de novo
(a beleza das estórias, gasta?)
luanda
és uma palavra deitada
nas cicatrizes
de uma guerreira bela.
Extrato de: ondJaKI, materIaIs para conFecÇÃo de um espana-dor de trIsteZas, Editorial Caminho, Lisboa, Portugal, 2009. Reprodu-ção autorizada por cortesia do autor.
Ir atÉ ao soL, mas de noItede cantÃo atÉ cIdade do cabo, de naIrobI atÉ veneZa,a obra de KILuanJI KIa henda poLemIZa
Kiluanji Kia henda é um dos fotógrafos artistas mais con he -
cidos de angola. na sua abordagem notamos o seu olhar
irónico sobre a imagem que os africanos têm de si próprios
e sobre o passado e o presente do seu país.
A obra de Kiluanji Kia Henda é marcada por um olhar atento
e uma constante atitude de questionamento sobre o que o
rodeia. Kia Henda trabalha a memória, através da exploração
que faz dos temas da história recente angolana como a tran -
sição do período colonial para a Angola independente, as mar-
cas do colonialismo, numa perspetiva mais de vivência cosmo-
polita do que de análise do passado ou a guerra fria como palco
da geoestratégia que permite a Angola manter-se indepen-
dente. Na sua abordagem notamos também caraterísticas como
a paródia, o humor surge como uma ferramenta para abordar
assuntos que de outra forma seriam sérios demais ou incó -
modos demais. A utopia está também presente, por um lado,
projetando o sujeito no futuro e, por outro, transformando
situações e/ou oferecendo olhares alternativos.
Assistimos a esse processo em «Spacecraft Icarus 13», um
projeto que confunde a realidade com a fantasia e através do
humor questiona a imagem dos africanos sobre si próprios.
Nessa obra, o ponto de partida para Kiluanji Kia Henda são as
formas do mausoléu dedicado ao primeiro presidente ango-
lano, Agostinho Neto, inspiradas numa nave espacial, a partir
das quais ele vai construindo uma reportagem fotográfica
sobre a primeira viagem espacial angolana ao sol. A obra não
só cita o antigo mito de ícaro, como também uma anedota
popular sobre o presidente moçambicano Samora Machel que
morreu numa queda de avião. Segundo a anedota, Samora
Machel queria que os africanos fossem até ao sol e não só até
à lua, mas de noite, quando fizesse menos calor.
descobrIdores e ILegaIsNo seu mais recente trabalho Homem Novo, ainda em produ-
ção, reencontramos a paródia na abordagem do tema. Homem
Novo, o título, parece ser uma referência explícita ao hino
nacional angolano e à sua proposta de forjar esse homem novo.
Na fotografia Balumuka – Ambush (The Queen Njinga and The
Clandestinos) o humor resulta da inversão de papéis e da
transformação de Dom Afonso Henriques, Pedro Álvares
Cabral, entre outros, em clandestinos e transgressores. O
artista retira a carga da ideia de ocupação e colonização do
territó rio nacional remetendo-nos para a situação tão actual
Por Suzana Sousa
51
redeFInIng the poWer Nas suas séries fotográficas, Kiluanji Kia Henda mostra monumentos da época colonial em postais históricos e na atualidade.
redeFInIng the poWer II (Série com Shunnoz Fiel), 2011 (cortesia da Galeria Fonti, Nápoles).
52Ir até ao sol, mas de noite
ao nível de proximidade. A memória cultural surge na sua obra
numa relação direta, mais ou menos óbvia, com os aconteci-
mentos atuais. É o que acontece com estas estátuas coloniais, a
sua ausência e a presença dos seus suportes faz parte da vidas
dos Luandenses e é essa ausência que torna visível o dis-
curso colonial que estas encerram. A desconstrução desse
discurso, em «Homem Novo», parece ser feita não pelo con -
tra-discurso proposto pelo hino nacional citado no título, mas
pela vivência que se faz do espaço urbano.
suzana sousa estudou letras em Lisboa
e desde 2003 é produtora cultural free-
lancer em Angola. Em 2006 trabalhou para
a Trienal de Luanda.
Kiluanji Kia henda, nasceu em 1979 em Luanda e cresceu
durante a guerra civil. No seu trabalho questiona os limites
entre documentação e ficção, passado e presente, cultura de
massa e tradição.
da imigração. Contudo, a rainha Njinga e os clandestinos ocu-
pam o mesmo espaço, um espaço esconso e partilhado com
antigos carros de combate e restos de canhões, um espaço que
alberga diferentes momentos da história de Angola, sem dar par-
ticular relevância a nenhum. É difícil não pensar no lugar da
história para cada um dos angolanos, como será que a pers-
petiva histórica nos permite reflectir sobre nós mesmos.
Ainda neste trabalho, segue-se uma série de fotografia desig-
nada «Redefining The Power (I-IV)». Aqui a simbologia do
poder colonial é analisada de forma mais explícita. Na fotogra-
fia Redefining The Power I, um diptíco que junta um antigo
postal da estátua de Dom Afonso Henriques em Luanda e o que
resta dela hoje, apenas o seu suporte ocupado por uma perso-
nagem. A imagem seguinte apresenta esta personagem mais de
perto, o gesto teatral remete-nos para a linguagem de poder
utilizada pela arte pública quando utilizada como ferra menta de
propaganda. De seguida, em Redefining The Power III, um novo
postal da Luanda colonial representa o monumento dedicado a
Pedro Alexandrino da Cunha, antigo governador de Luanda
enquanto província colonial, acompanhado de imagens actuais
do mesmo monumento. No postal, estão encostados à estátua
militares portugueses, esta imagem retrata a ocupação na sua
forma mais evidente, não apenas a simbologia do mon umento
mas a força das armas. A imagem do meio é do su porte vazio,
do apagamento ou esvaziamento da memória colonial, a última
imagem retrata a apropriação do espaço por uma geração que
desconhece a simbologia do poder colonial e através da sua
vivência da cidade cria novas memórias e novos símbolos.
A redefinição do poder joga-se entre o fim dos símbolos colo-
niais e o seu desaparecimento e a apropriação do espaço pelos
angolanos, pelos habitantes da cidade e utilizadores da sua
estrutura mas também da utilização que resulta do vazio e da
representação desse vazio. Kiluanji Kia Henda retrata esse pro-
cesso deixando ao observador o questionamento do mesmo.
A cultura urbana de Luanda é sustentada por diversos processos
de apropriação, desde a arquitetura colonial da cidade aos
sons urbanos de todo o mundo, como faz o kuduro, passando
pela roupa e noções de estilo. Kia Henda insere o seu discurso
nessa cultura urbana. Por um lado, retrata a ocupação do espaço
por jovens e recria simbolicamente essa ocupação com novas
personagem e gestos, por outro apropria-se da estética colonial
através dos postais.
processos de aproprIaÇÃoEste gesto de apropriação permite criar elementos outros, dis-
tintos dos elementos de partida, que seriam apenas o passado
e o presente. Kia Henda desenvolve um olhar, um discurso
sobre essa passagem do tempo e seus reflexos. Tal como em
trabalhos anteriores, Kiluanji Kia Henda apresenta a memória
como parte estruturante da vivência contemporânea e pensa-a
53
uma vIagem FIccIonaL atÉ ao soL A instalação «Icarus 13» de KiluanjiKia Henda baseia-se em fotografias de edifícios coloniais e resíduos arquite-tónicos da época da presença soviética em Angola (8 fotografias - 120 x 80cm, maqueta - 117 x 91 x 117 cm, 2009, cortesia da Coleção Sindika Dokolo).
54
todas as JaneLas para Fora sÃo ImportantesparabÉns peLo terceIro anIversÁrIodo goethe-InstItut em angoLa
perguntámos a alguns dos nossos amigos, colaboradores e
colegas angolanos sobre o que acham da existência e do
trabalho do goethe-Institut em Luanda.
Ana Clara Marques
Otiniel Silva
Mário Almeida
Ginga Neto Almeida Maria João Faria
Acho bom haver um Goethe-Institut em Angola, sobretudo se
através da sua ação se possa também apoiar o desenvolvi-
mento e a divulgação da cultura angolana.
mário almeida, Gerente do Restaurante Bahia em Luanda
e dono da galeria SOSO em Luanda e São Paulo, Brasil
Acho muito importante que em Angola existam organizações que
divulguem a cultura e a língua de outros países. É o caso do
Goethe-Institut, com o qual Angola pode enriquecer os seus
con he cimentos sobre uma outra existência histórico-geográfica
e outras experiências humanas e culturais. Por outro lado, é
fundamental a vertente de intercâmbio cultural para um
maior respeito entre todas as culturas. Apesar das limitações
que se conhecem, o Goethe-Institut tem trazido interessantes
programas de cultura erudita, entre outros, o que pode servir
para alargar os horizontes culturais de todos os Angolanos.
ana clara marques, Diretora Artística da Companhia de Dança
Contemporânea de Angola
Acho pertinente, uma vez que o Goethe-Institut pode e deve
promover inúmeras atividades visando o reforço dos laços de
cooperação e amizade entre os dois povos. A cultura, porque
expressão de vida e alma, deveria ser um dos focos principais
para que o povo angolano e o povo alemão melhor se con he -
cessem e, por conseguinte, melhor se compreendessem. Por
outro lado, por intermédio de atividades culturais o Goethe-Ins-
titut pode granjear prestígio junto do nosso país, ocupando um
lugar de destaque no contexto da sociedade civil ango lana,
ajudando o povo angolano a melhor exercer os seus direitos de
cidadania.
albino carlos, Diretor Geral do Centro de Formação de
Jornalistas CEFOJOR
Com o Goethe-Institut tive a possibilidade de levar e dar a
conhecer a minha obra literária à Alemanha. Foi uma viagem
inesquecível e bastante proveitosa para a minha carreira.
Muito obrigada Goethe-Institut. Parabéns pelos aniversários e
muitos mais sucessos!
maria celestina Fernandes, Escritora
Um Goethe-Institut Angola em Angola é um fantástico meio de
transmissão da cultura alemã, que é riquíssima, e que para
muita gente é ainda pouco conhecida. Angola só tem a ganhar!
maria João Faria, Arquiteta e professora de arquitetura na
Universidade Lusíada de Luanda
Acho bom haver um Goethe-Institut em Angola porque todas as
janelas para fora são importantes quando se trata de divulgar
e apoiar a nossa cultura, de uma maneira construtiva e positiva.
massalo, Fotógrafo
O Goethe-Institut tem sido um ótimo organizador de eventos
culturais.
aureliana pereira, Coordenadora de Imprensa e Informação na
União Europeia
Acho extremamente importante haver um Goethe-Institut em
Luanda dando a possibilidade aos angolanos de apreender a
lingua alemã e se familiarizarem com a sua cultura. As línguas
são sempre um ponto de abertura para o mundo. O conheci-
mento da língua alemã poderia beneficiar os jovens no sentido
de obterem bolsas de estudos num país tecnicamente avan-
çado. Só temos a ganhar com este intercâmbio.
ginga neto almeida, Tradutora e Consultora
Na qualidade de estudiosa da língua alemã, penso que a existên -
cia de um Goethe-Institut Angola deve ser vista com algum
sentido de obrigatoriedade, pois há que ter em conta os antece-
dentes das relações entre os nossos dois países, assim como a
perspetiva de desenvolvimento futuro dessas relações. Uma
re presentação do Goethe-Institut em Angola, permitirá aos
angolanos e alemães residentes e não só, que através de filmes,
palestras, conferências, e outras atividades desportivas cul -
turais e lúdicas, se mantenham vivos os hábitos, costumes, língua
e cultura daquele país. O maior peso na relação Angola-Alema -
nha começou a sentir-se ainda durante a luta de libertação nacio-
nal, quando alguns quadros de referência do MPLA se radicaram
naquele país, acolhidos legalmente, quer para trabalhar, quer
para estudar. A presença de cidadãos angolanos, como Ruth
Neto, Monty, Kabulo e outros mais, tanto na então RDA como na
RFA, é testemunho deste relacionamento, que nos anos pós-inde-
pendência de Angola permitiu a formação de centenas de angola-
nos na extinta RDA nas ciências sociais, exatas e humanas.
ana paula dos santos corrêa victor, Diretora do Museu de
História Natural de Luanda, Licenciada em Germânicas na Uni-
versidade Karl-Marx em Leipzig de 1979 a 1984
Acho bom haver um Goethe-Institut em Angola a três níveis: a
presença do Goethe-Institut em Angola vem aumentar e diversi-
ficar de oferta de conteúdos culturais para a sociedade, contri-
buindo assim para o melhoramento da qualidade de vida dos
habitantes de Luanda.O Goethe-Institut traz para Angola o seu
network maior em termos de parcerias culturais e troca de expe -
riências o que vem enriquecer o meio cultural. O programa
Moving Africa é só um exemplo. Por outras palavras, trazer o
mundo para Angola e levar angola para o mundo. Sendo o
Instituto Cultural Alemão, um órgão subsideado pelo Governo
Alemão, a abertura do Goethe–Institut em Angola talvez seja
um estímulo ao Governo Angoalano a investir mais na cultuara.
otiniel silva, ativista cultural («Movimento X, Mano a Mano>>
Produções & Eventos Socio-Culturais)
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Impressum Publicação © do Goethe-Institut e.V. Sede: Dach-
auer Straße 122, 80637 Munique, Alemanha, www.goethe.de
Redação: Gabriele Stiller-Kern, Barbara Helfrich, Michael Kegler.
Colaboração: Sabine Willig · Redação da edição portuguesa:
Sabine Willig, Gabriele Stiller-Kern · Responsável em termos
do direito de imprensa alemão: Christoph Mücher · Arranjo
gráfico: fernkopie · Revisão final: Alzira Simões, Luisa Coelho ·
Impressão: Druckverlag Kettler GmbH, Bönen.
Imagens Página interior da capa: Rui Tavares; páginas 2 e 3:
Walter Fernandes/Copyright: Photo Atelier; página 4: João
Paulo Barbosa (em cima à esquerda), Jens Ziete, Nationalgalerie
– Staatliche Museen zu Berlin (em cima à direita), Walter Fer -
nandes/Copyright: Photo Atelier (em baixo); página 5: Goethe-
Institut África do Sul; página 6: Oliver Dalichau; página 7:
Goethe-Institut Angola; página 8: Walter Fernandes/ Copyright:
Photo Atelier (em cima), Paulino Damião 50 (em baixo); páginas
8/9: Christiane Schulte; página 10: Stefanie Alisch; página 11:
Rui Tavares; página 13: Miguel Hurst; página 15: Rui Tavares;
páginas 16, 18 e 19: Rui Tavares (à esquerda), Josef Grillmeier
(à direita); páginas 17, 18 e 19: Jens Ziehe, Nationalgalerie –
Staatliche Museen zu Berlin; página 20: particular (em cima),
António Ole (em baixo); página 21: Gert J. Van Rooij; página
22: Rui Tavares, página 23: particulares, página 24: Analog
Africa; páginas 26 a 28: Hans Engels; página 29: Christiane
Schulte; página 30: Hans Engels (em cima), Rita Soares (em
baixo); página 31: Hans Engels; página 33: Rui Tavares (em
cima), Walter Fernandes/Copyright: Photo Atelier (em baixo);
página 34: Cláudia Veiga; página 35: Rita Soares; página
36/37: Rui Tavares; páginas 38 e 39: Oliver Dalichau, páginas
40 e 41: Rui Tavares; página 42: Rui Tavares (retratos à
esquerda), Luís Cristóvão Manuel (em cima), Patrick Wilder -
mann (em baixo); página 46: Rui Tavares; página 49: Lui
Sousa; página 50: Kiluanji Kia Henda; página 51: Kiluanji Kia
Henda, postal (à esquerda); página 52: particular (em cima),
Edson Chagas (em baixo); página 53: Kiluanji Kia Henda,
«Ícarus 13», Instalação, 8 fotografias - 120 x 80 cm, maqueta -
117 x 91 x 117 cm, 2009, Coleção Sindika Dokolo; página 54:
particular; página interior da capa traseira: David Burke.
Fontes dos textos nas páginas 14/15: The World Factbook,
publicado pelo Central Intelligence Service (CIA) dos Estados
Unidos da América, Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), Governo de Angola, Embaixada de
Angola em Washington D.C., EUA.
FotograFIa da capa A fotografia de Rui Tavares mostra os
designers de moda angolanos Shunnoz e Tekasala na capital
de Luanda na apresentação da sua performance «Projeto
Mental».
A redação não se responsabiliza pelos conceitos emitidos em
matéria assinada.
Editorial 57
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Vila Clothilde
Luanda
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