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FACULDADE CATHEDRAL
I-BRAS – INSTITUTO BRASIL DE PÓS-GRADUAÇÃO,
CAPACITAÇÃO E ASSESSORIA
LOUISE QUEIROZ BRITO DE SOUZA
JUDICIALIZAÇÃO PARA ACESSO AO TRATAMENTO DE
DOENÇAS RARAS: um estudo de revisão da literatura
FEIRA DE SANTANA/BA
2019
FACULDADE CATHEDRAL
I-BRAS – INSTITUTO BRASIL DE PÓS-GRADUAÇÃO,
CAPACITAÇÃO E ASSESSORIA
LOUISE QUEIROZ BRITO DE SOUZA
JUDICIALIZAÇÃO PARA ACESSO AO TRATAMENTO DE
DOENÇAS RARAS: um estudo de revisão da literatura
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão
do Curso de Pós-graduação em Farmacologia Clínica e
Farmácia Clínica com ênfase em Prescrição
Farmacêutica da Faculdade Cathedral/I-Bras.
Orientador: Dr. Gildomar Lima Valasques Júnior
FEIRA DE SANTANA/BA
2019
JUDICIALIZAÇÃO PARA ACESSO AO TRATAMENTO DE DOENÇAS RARAS:
um estudo de revisão da literatura
LOUISE QUEIROZ BRITO DE SOUZA1
GILDOMAR LIMA VALASQUES JÚNIOR2
RESUMO. As doenças raras são crônicas, progressivas, degenerativas, em alguns casos incapacitantes, afetando
a qualidade de vida dos pacientes. No campo específico da política de saúde, a judicialização tem se traduzido
como a garantia de acesso a bens e serviços por intermédio do recurso a ações judiciais. No entanto, a situação se
torna ainda mais complexa quando a análise da judicialização se dá para o tratamento das doenças raras. O
objetivo desse trabalho foi caracterizar e analisar a produção científica a respeito da judicialização para o acesso
ao tratamento de doenças raras no Brasil. Trata-se de um estudo de revisão de literatura, que utilizou como fonte
artigos selecionados nos bancos de dados eletrônicos Google acadêmico e SciELO, publicados no período de
2007 a 2016. Foram identificadas 51 publicações, as quais tiveram seus títulos, resumos e conteúdo completo
avaliados. Os dados foram organizados em uma matriz de análise e posteriormente analisados. Alguns dos
estudos encontrados foram publicados em revistas da área de Direito, indicando que o tema da judicialização da
saúde e seus desdobramentos têm sido um objeto de interesse desta área de conhecimento, um debate complexo
diante da interseção que exige com a área da Saúde, e com os princípios e diretrizes norteadores do Sistema
Único de Saúde. Encontrou-se apenas quatro artigos que abordaram algum aspecto pertinente à temática das
doenças raras. De modo geral, os artigos selecionados não trataram de forma específica e detalhada sobre a
judicialização para o acesso ao tratamento destas doenças. A produção de informações sobre a judicialização
para o acesso ao tratamento de doenças raras no Brasil revelou a carência de estudos sobre este tema, ressaltando
a necessidade constante de novos debates que propiciem a discussão sobre o acesso à medicamentos para
doenças raras. O contexto atual do país demonstra que as políticas públicas existentes ainda não contemplam
todos os aspectos assistenciais necessários que envolvem o acesso para o tratamento destas doenças, o que tem
por consequência o número elevado de ações judiciais contra o Estado.
Palavras-chave: Decisão judicial. Direito à saúde. Doenças raras. Medicamentos.
ABSTRACT. Rare diseases are chronic, progressive, degenerative, in some cases incapacitating, affecting the
quality of life of patients. In the specific field of health policy, the judicialization has been translated as the
guarantee of access to goods and services through the use of legal actions. However, the situation becomes even
more complex when the analysis of the judicialization is for the treatment of rare diseases. To characterize and
analyze the scientific production regarding the judicialization for access to the treatment of rare diseases in
Brazil. This is a literature review study that used as a source selected articles in the electronic databases Google
academic and SciELO, published between 2007 and 2016. Fifty-one publications were identified, which had
their titles, abstracts and complete content evaluated. The data were organized in an analysis matrix and analyzed
later. Some of the studies found have been published in journals in the area of Law, indicating that the topic of
health judicialization and its developments have been an object of interest in this area of knowledge, a complex
debate in the face of the intersection that requires with the Health area, and with the guiding principles and
guidelines of the Unified Health System. There were only four articles that addressed some aspect pertinent to
the theme of rare diseases. In general, the articles selected did not deal in a specific and detailed way about the
judicialization for access to treatment of these diseases. The production of information on the judicialization for
access to treatment of rare diseases in Brazil has revealed the lack of studies on this topic, highlighting the need
for new debates to facilitate the discussion on access to medicines for rare diseases. The current context of the
country shows that the existing public policies do not yet include all the necessary assistance aspects that involve
access to the treatment of these diseases, which has the consequence of the high number of legal actions against
the State.
Keywords: Judicial decisions. Right to Health. Rare Diseases. Drugs.
1 Farmacêutica. Aluna do Curso de Pós-Graduação em Farmacologia Clínica e Farmácia Clínica com ênfase em
Prescrição Farmacêutica.
2 Farmacêutico. Doutor em Biotecnologia – PPGBiotec. Especialista em Gestão da Assistência Farmacêutica –
UFSC.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição brasileira reconhece a saúde como um direito e impõem desafios ao
campo da ciência jurídica e da saúde pública no Brasil, pois o Estado deve oferecer ao
cidadão garantias concretas e eficazes de que o direito à saúde será efetivado (DALLARI,
2008) no intuito de assegurar o disposto no artigo 196:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (BRASIL, 1988, p. 116).
Este artigo tornou-se o principal argumento para assegurar o direito à saúde, pois
entende-se que o Estado deve responsabilizar-se por garantir todo e qualquer recurso
comprovadamente necessário para a manutenção da saúde do indivíduo. Para o cumprimento
desse dever que a Constituição lhe impõe, o Estado instituiu entidades públicas e criou
mecanismos de cooperação entre estas e entidades do setor privado, afim de que a execução
das políticas públicas de saúde se efetive de modo universal e igualitário (GANDINI;
BARIONE; SOUZA, 2007; FURLAN; ROSA; OLIVEIRA, 2014).
O reconhecimento da saúde como um direito proporcionou duas importantes
repercussões: a responsabilidade legal do poder público de formular e implementar políticas
que garantam o acesso da população aos serviços de atenção à saúde; e a possibilidade de o
cidadão reivindicar judicialmente o cumprimento dessa obrigação. Consequentemente, a via
judicial passou a se configurar um meio para a efetivação dos direitos com amparo na
Constituição Federal (PEPE et al., 2010a; SOUZA et al., 2016).
Nos anos 2000, observou-se o crescimento de um fenômeno que, se não era novo, ao
menos não tinha a intensidade que tomou: as demandas judiciais na saúde, também
denominado “judicialização”. Entende-se por judicialização a expansão do direito com
fortalecimento das instituições jurídicas e sua influência em relações cotidianas dos cidadãos.
O fenômeno envolve aspectos políticos, sociais, éticos e sanitários, que vão muito além de seu
componente jurídico e de gestão de serviços públicos (SCHMIDT NETO, 2009; VENTURA
et al., 2010).
É consenso que o uso da via judicial representa uma forma legítima de garantir o
pleno exercício do direito à assistência individual terapêutica (PEPE et al., 2010b). No campo
da saúde, o número de ações judiciais visando garantir o acesso à bens e serviços no ano de
2011, foi de 240.980 processos, incluindo demanda de acesso a medicamentos (CNJ, 2011).
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) demonstram que as demandas apresentadas ao
judiciário versam de forma predominante sobre aspectos curativos da saúde (medicamentos,
tratamentos, próteses etc) e menos sobre aspectos preventivos (vacinas, exames, etc) (CNJ,
2015).
Gastos federais com a judicialização de medicamentos passaram de R$ 103,8
milhões em 2008 para R$ 1,1 bilhão em 2015, um crescimento de mais de 1000%. Em 2016,
comparação feita dos gastos com medicamentos em relação ao Orçamento Geral da União,
revelou crescimento de 2,46 pontos percentuais, passando de 11,22% (em 2008) para 13,67%
(em 2016) (DAVID; ADRELINO; BEGHIN, 2016).
Estudos sobre a judicialização no Brasil revelam algumas deficiências e
insuficiências do sistema de saúde e judicial brasileiro para responder, de forma satisfatória,
às suas responsabilidades sanitárias (BORGES, 2007; MARQUES; DALLARI, 2007;
VIEIRA; ZUCCHI, 2007; ROMERO, 2008; SANT’ANA, 2009).
Segundo Souza e colaboradores (2016), esse fenômeno é capaz de promover um
gasto irracional dos recursos, podendo causar prejuízos ao planejamento e ao orçamento, uma
vez que induz a novos gastos não previstos, além da criação de um atendimento ao cidadão
diverso do estabelecido pelas políticas instituídas, comprometendo, muitas vezes, a lógica do
sistema.
A demanda judicial brasileira mais recorrente no âmbito da saúde é constituída por
pedidos – individuais e coletivos – de medicamentos (VENTURA et al., 2010), tanto daqueles
que são garantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, pertencentes às listas de
medicamentos oficiais, mas que, por algum motivo, não são efetivamente disponibilizados,
quanto para solicitar medicamentos recém-lançados no mercado ou mesmo em fase
experimental (SOUZA et al., 2016).
A não seleção e incorporação de determinados medicamentos pelos gestores públicos
pode ser justificada, por exemplo, em razão do recente registro de alguns medicamentos
pleiteados ou por não possuir registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
para uso no país, ou ainda, por tratar-se de indicação terapêutica não autorizada no registro
e/ou no protocolo terapêutico estabelecido pelo SUS (PEPE et al., 2010b).
Uma série de decisões judiciais determinando a dispensação de medicamentos
passou a desorganizar o setor e as finanças públicas com uma intensidade jamais vista. Este
fato está associado ao crescimento do número de ações relativas à saúde e a predominância de
decisões favoráveis aos autores das ações judiciais (ROMERO, 2008; BORGES; UGA,
2010).
Os pedidos judiciais se respaldam numa prescrição médica e na suposta urgência de
obter aquele insumo, ou de realizar um exame diagnóstico ou procedimento, considerados
capazes de solucionar determinada “necessidade” ou “problema de saúde” (VENTURA et al.,
2010). Observa-se ainda que no subconjunto da judicialização de medicamentos estão as
demandas por acesso a medicamentos considerados de alto custo (DINIZ; MEDEIROS;
SCHWARTZ, 2012).
No que se refere ao acesso a medicamentos, a Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de
1998, que institui a Política Nacional de Medicamentos (PNM), estabeleceu como diretriz a
reorientação da assistência farmacêutica (AF) de modo a promover o acesso aos
medicamentos essenciais, definidos como aqueles de caráter básico e indispensável para
atender a maioria dos problemas de saúde da população. O seu propósito precípuo é o de
garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso
racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais (BRASIL, 1998).
Cabe assinalar, ainda, que esta política não contém muitas informações a respeito dos
medicamentos utilizados para doenças raras. Apenas, a mesma caracteriza estes
medicamentos como aqueles de dispensação em caráter excepcional, utilizados em doenças
raras, geralmente de custo elevado e cuja dispensação atende a casos específicos. Além disso,
a política responsabiliza os gestores federal e estadual pela aquisição e distribuição de
medicamentos em situações especiais, os quais deverão ser precedidos por análise de critérios
técnicos e administrativos (BRASIL, 1998).
Os medicamentos antes definidos pela PNM como de “alto custo” ou de
“dispensação excepcional” passaram a ter uma nova lógica conceitual e de financiamento a
partir da Portaria GM/MS nº 2.981/09, a qual dispõe que os medicamentos devem ser
assegurados para garantir as linhas de cuidados das doenças compreendidas no Componente
Especializado da Assistência Farmacêutica, indicados nos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas (PCDT) de acordo com a necessidade local/regional (BRASIL, 2009).
De acordo com o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, os PCDT são definidos
como documentos que estabelecem critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à
saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados,
quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o
acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores
do SUS (BRASIL, 2011).
Posteriormente, como compromisso do Ministério da Saúde em atualizar as suas
relações de medicamentos, implementou-se a Portaria GM/MS nº 1.554, de 30 de julho de
2013, que passou a representar o novo marco regulatório do Componente Especializado,
definindo-se as regras de financiamento e execução, além de representar uma estratégia de
acesso, afim de garantir a integralidade da atenção medicamentosa por meio dos PCDT
aprovados (BRASIL, 2013).
Segundo Romero (2008), a construção do SUS como mecanismo para assegurar o
acesso universal àquelas ações e serviços e a atenção integral não alcançou todos os aspectos
da atenção à saúde. Para esse autor, a assistência farmacêutica permaneceu como um dos
aspectos menos institucionalizado e menos universalizado, o que explica a crescente
judicialização para acesso aos medicamentos.
Esta situação é particularmente grave e sensível quando relacionada a um grupo
específico de pessoas com enfermidades de elevada complexidade, que possuem necessidades
de saúde diferenciadas e especiais, como é o caso dos indivíduos portadores de doenças raras
(AITH, 2014).
O termo doença rara (DR), também chamado de doença órfã, ainda não possui uma
definição única e nem mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi capaz de instituir
um significado a ser adotado pelos países membros. Entretanto pode ser caracterizada como
uma doença que ocorre com baixa frequência na população em geral, além de ser considerado
como rara toda condição anormal, dano ou alteração no estado de saúde que não é comum
(WIEST, 2010).
De acordo com Campos-Castelló e colaboradores (2000) cerca de 80% das doenças
raras tem origem genética. Devido à sua raridade, são extremamente difíceis de serem
diagnosticadas, caracterizam-se por serem graves, crônicas, degenerativas, progressivas,
constituem risco de morte e necessitam de tratamento contínuo. Além disso, tanto o paciente
quanto seus familiares acabam se tornando social, econômica e psicologicamente vulneráveis,
tendo que enfrentar o preconceito, a marginalização e a falta de um tratamento adequado
(BOY; SCHRAMM, 2009; SOUZA et al., 2010).
No Brasil, a formalização de uma política de saúde específica para o atendimento de
pacientes com doenças raras ocorreu recentemente, por meio da Portaria nº 199, 30 de janeiro
de 2014, que estabelece a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças
Raras, definindo diretrizes e incentivos financeiros de custeio para a atenção de saúde. O
artigo 3º destaca que, para efeito da referida portaria, considera-se doença rara aquela que
afeta até 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos (BRASIL, 2014; SOUSA; SÁ, 2015).
Esta política tem como alguns de seus princípios norteadores a garantia de acesso e
de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e atenção multiprofissional; a promoção
da acessibilidade das pessoas com doenças raras a edificações, mobiliário, espaços e
equipamentos urbanos; a incorporação de tecnologias para promoção, prevenção e cuidado
integral, incluindo tratamento medicamentoso e fórmulas magistrais quando indicados no
âmbito do SUS; dentre outros princípios que visam ampliar o acesso universal e regulado das
pessoas com doenças raras (BRASIL, 2014).
Alguns autores consideram que o cenário de construção dessa política é caracterizado
por duas situações: a escassez de indicadores epidemiológicos nacionais sobre essas doenças
que possam servir como subsídio para determinação do real cenário; e, o estabelecimento de
políticas que incluem ações voltadas para a atenção às pessoas com doenças raras
(CARVALHO, 2004; FONSECA, 2014).
Diante de um cenário de mais de 8.000 doenças raras é importante ressaltar que o
SUS já disponibiliza PCDT para algumas destas doenças, entre elas encontra-se a Doença de
Crohn; Doença de Gaucher; Esclerose Múltipla; Imunodeficiências Primárias com Deficiência
de Anticorpos; Osteogênese Imperfeita; Lúpus Eritematoso Sistêmico, entre outras (BRASIL,
2015).
Porém, as políticas e os protocolos existentes não abrangem o universo de todas as
doenças raras, fazendo com que os pacientes utilizem a via judicial como forma de obter
acesso aos medicamentos necessários para o tratamento. Com base em tais disposições e no
problema de saúde relativo ao acesso ao tratamento de doenças raras tem-se o seguinte
questionamento: como a produção científica a respeito da judicialização da saúde tem
discutido a questão particular do tratamento para doenças raras, no Brasil? Assim, este estudo
tem como objetivos caracterizar e analisar a produção científica a respeito da judicialização
para o acesso ao tratamento de doenças raras no Brasil.
2 OBJETIVO
Caracterizar e analisar a produção científica a respeito da judicialização para o
acesso ao tratamento de doenças raras no Brasil.
3 METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão de literatura, que utilizou como fonte artigos
selecionados nos bancos de dados eletrônicos Google acadêmico e Scientific Eletronic
Library Online (SciELO). A opção por utilizar essas bases de dados, justifica-se pelo fato de
que a primeira reúne produções amplas de organizações profissionais e acadêmicas, sendo
uma ferramenta relevante numa primeira busca por produção científica; já a SciELO abrange
uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros, oferecendo uma interface com
vasta produção das revistas científicas da América Latina.
Foram selecionadas publicações dos últimos nove anos, considerando o período de
2007 – por corresponder ao momento de crescimento do número de ações judiciais para
acesso a medicamentos, o que coincide com o período de identificação de publicações dessa
temática – a 2016. A busca dos artigos foi realizada nos meses de novembro e dezembro.
Utilizou-se como descritores para pesquisa “decisão judicial”, “direito à saúde”,
“doenças raras” e “medicamentos”, os quais foram previamente selecionados nos Descritores
em Ciências da Saúde (DeCS). Recorreu-se aos operadores lógicos métodos-integrado, que
consistem na combinação dos descritores e termos utilizados para rastreamento das
publicações.
Os critérios de inclusão adotados foram: (a) artigos presentes nas bases Google
acadêmico e SciELO, ou seja, optou-se pela exclusão de teses, dissertações e monografias; (b)
publicação entre 2007 e 2016; (c) publicação nacional; (d) artigos em língua portuguesa. A
Figura 1 apresenta a estratégia de busca e uma síntese do processo de obtenção dos artigos
selecionados, mapeando e justificando as exclusões.
Com base em tais critérios, foram identificados um total de 51 artigos, porém, após a
leitura dos títulos, resumos e textos completos, foram selecionadas 4 publicações de acordo
com o objetivo do estudo. Estas foram categorizadas em uma matriz de análise contendo as
seguintes informações: autores, ano de publicação, instituição que publicou o artigo, objetivo,
tipo de estudo, método utilizado e principais resultados. Essa disposição permitiu caracterizar
e analisar os estudos encontrados nas bases de dados.
Figura 1 – Síntese do processo de obtenção dos artigos selecionados para composição do
estudo
Fonte: Autora, 2017
Pesquisas qualitativas sobre estudos que abordaram a
judicialização para o acesso ao tratamento de doenças raras,
publicadas entre 2007-2016, selecionadas por descritores
N= 51
Estratégia de busca
Google acadêmico: “Decisão judicial” AND “Medicamentos”; “Decisão judicial” AND
“Direito à saúde” AND “Medicamentos”; “Direito à saúde” AND “Doenças raras” AND
“Medicamentos”.
SciELO: “Decisão judicial” OR “Medicamentos”; “Decisão judicial” OR “Direito à saúde”
OR “Medicamentos”; “Direito à saúde” OR “Doenças raras” OR “Medicamentos”.
Acadêmico
n= 34
SciELO
n= 17
Estudos levantados
pela análise dos
títulos
n= 41
Estudos levantados
para análise
completa dos textos
n= 17
Estudos excluídos após análise dos
títulos
n= 9
Razões:
O objeto central dos estudos foram:
Caracterização da gestão da
Assistência Farmacêutica; Gasto do
Ministério da Saúde com
medicamentos; Judicialização da
medicina; Acesso à justiça; Enfoque
no direito à saúde; Enfoque no modelo
assistencial do SUS;
Estudos excluídos após análise
completa do artigo
n= 13
Razões: Não aborda sobre doenças
raras;
Estudos incluídos
para compor a
matriz de análise
n= 4
Estudos levantados
para análise dos
resumos
n= 32 Estudos excluídos após análise dos
resumos
n= 15
Razões: Caracterização de processos
judiciais; Análise do discurso dos
atores envolvidos; Não aborda acesso
a medicamentos; Foco em
medicamentos essenciais; Paradoxos
do Poder Judiciário; Enfoque na
assistência médico-farmacêutica;
Estudos excluídos
n= 10
Razões: Exclusão de duplicidade.
4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Esta pesquisa obteve um total de 51 artigos, sendo que apenas quatro abordaram
algum aspecto pertinente ao tema da judicialização para o acesso ao tratamento de doenças
raras. A busca de artigos revelou que as pesquisas foram desenvolvidas em três regiões do
país, sendo dois estudos no Centro-oeste, um estudo no Sudeste e um estudo no Sul; e não
foram encontrados trabalhos oriundos da região Norte e Nordeste que dissertassem sobre o
tema.
As produções acadêmicas analisadas foram organizadas e categorizadas no Quadro 1
considerando os seguintes aspectos: autores, título, ano de publicação, periódico nos quais
foram publicados, local de estudo e instituição vinculada à pesquisa.
Quadro 1 – Caracterização dos estudos que abordaram o tema da judicialização para o acesso
ao tratamento de doenças raras no Brasil (2007 a 2016)
Autores Título do artigo Ano de
publicação
Periódico Local de
estudo
Instituição
responsável pelo
estudo
GLOECKNER
A judicialização do
direito à saúde: a
obtenção de
atendimento
médico,
medicamentos e
insumos
terapêuticos por via
judicial: critérios e
experiências
2014
Revista da
Associação dos
Juízes do Rio
Grande do Sul
Rio Grande do
Sul (RS)
Pontifícia
Universidade
Católica do Rio
Grande do Sul
OLIVEIRA et
al
Judicialização da
saúde: para onde
caminham as
produções
científicas?
2015
Saúde Debate
Brasília (DF)
Universidade de
Brasília
BITTENCOU
RT
O “Estado da Arte”
da produção
acadêmica sobre o
fenômeno da
judicialização da
saúde no Brasil
2016
Cadernos Ibero-
Americanos de
Direito Sanitário
Brasília (DF)
Departamento de
Articulação
Interfederativa – DF
FOLY;
MATTA;
SHIMODA
Judicialização do
acesso a
medicamentos no
Município de
Itaperuna – RJ:
perfil das demandas
2016 Saúde e
Transformação
Social
Itaperuna (RJ)
Universidade
Cândido Mendes
Fonte: Autora, 2019
Os estudos encontrados foram produzidos por duas instituições de ensino privadas,
uma pública e um órgão do Ministério da Saúde – o Departamento de Articulação
Interfederativa, reafirmando o compromisso dessas instituições em compartilhar
conhecimento, contribuindo para a qualidade de vida da população e fomentando a cidadania.
Ressalte-se que os artigos foram publicados tanto em revistas da área de Saúde como do
Direito, demonstrando o protagonismo de profissionais vinculados às diversas áreas do
conhecimento que fazem interseção com essa temática. Isso mostra também que o
reconhecimento do direito à saúde e os questionamentos daí decorrentes têm sido objeto de
polêmicas envolvendo políticos, advogados, cientistas sociais, economistas e profissionais de
saúde (MACEDO; LOPES; BARBERATO-FILHO, 2011), revelando-se como um debate
necessário para legitimar o direito à saúde e propiciar discussões que possibilitem a revisão
das políticas já existentes.
Dos quatro artigos encontrados, dois se referem a estudos de revisão de literatura, e
tiveram como objetivo descrever e analisar a produção científica sobre o tema judicialização
da saúde no Brasil, o que demonstra a preocupação em se identificar as produções já
existentes no país e as lacunas relativas ao tema, bem como indicativos de como tem sido esse
debate. O trabalho de Gloeckner (2014) trata-se de um ensaio analítico e foi o único que se
voltou mais especificamente, porém de forma não detalhada, sobre a análise do fornecimento
de medicamentos para doenças raras. Enquanto que, Foly, Matta, Shimoda (2016) realizou
uma pesquisa documental (processos judiciais de solicitação de medicamentos e insumos)
com o objetivo de estudar as políticas de acesso a medicamentos. Os aspectos relativos aos
objetivos, à metodologia utilizada e os principais resultados encontrados nos estudos podem
ser visualizados no Quadro 2.
Quadro 2 – Caracterização metodológica dos estudos que abordaram o tema da judicialização
para o acesso ao tratamento de doenças raras no Brasil (2007 a 2016)
Pesquisador/
Ano
Objetivos Tipo de estudo Método Resultados
GLOECKNER,
2014
Analisar o
fornecimento do
medicamento para
doença rara como
integrante do direito à
saúde e o dever de ser
prestado pelo Estado
Ensaio analítico
-------
A pesquisa revela que
estudos referentes às
doenças raras ainda são
escassos. As dificuldades
encontradas quanto o acesso
ao tratamento de doenças
raras faz com que as pessoas
recorram via judicial
responsabilizando o Estado
OLIVEIRA et al,
2015
Descrever de forma
analítica e reflexiva, a
produção científica
existente no Brasil, no
período de 2009 a
2012, acerca do tema
da judicialização da
saúde
Estudo
descritivo-
analítico-
reflexivo com
abordagem
quali-
quantitativa
Revisão de
literatura,
utilizando as
bases BVS e
SciELO
pelo fornecimento de
medicamentos, já que o
direito à saúde está previsto
na Constituição. O autor
afirma que o acesso à saúde
deve dar-se de forma
integral, de acordo com os
tratamentos e medicamentos
existentes, a quem
necessitar.
O tema judicialização da
saúde predominou nos
documentos pesquisados e
teve abrangência em 4
regiões brasileiras. 60% dos
artigos encontrados referem-
se à judicialização para
acesso a medicamentos.
Constatou-se que há
dificuldades de acesso da
população aos
medicamentos necessários à
assistência integral à saúde.
Há estudos que analisam o
acesso a medicamentos para
doenças raras, demonstrando
que o fato de atingir um
número restrito de pessoas,
não obtém do poder público
maior interesse em criar
políticas públicas. Além
disso, as indústrias
farmacêuticas tem potencial
interesse na judicialização,
arcando com honorários de
advogados, visto que as
demandas solicitam
medicamentos de alto custo.
BITTENCOURT
,
2016
FOLY; MATTA;
Analisar a produção
acadêmica sobre
judicialização da
saúde no Brasil, no
período de 2010 a
2014, identificando o
tema mais estudado e
analisar o principal
ponto de divergência
teórico
Abordagem
qualitativa
Estudo
exploratório
Revisão de
literatura,
utilizando as
bases BVS e
SciELO
Pesquisa
documental, com
53% dos estudos referem-se
à judicialização de
medicamentos, sendo o
acesso a medicamentos o
tema mais estudado. Dos
estudos encontrados, poucos
analisam o acesso a
medicamentos para doenças
raras. A divergência teórica
está na compreensão de que
o ativismo do judiciário
representa um empecilho
para a efetivação do direito à
saúde ou que atribui uma
forma de ampliação da
cidadania e fortalecimento
da democracia.
Foram demandados 1390
medicamentos e faziam parte
SHIMODA, 2016
Estudar o fenômeno
da judicialização da
política pública de
saúde, mais
especificamente as
políticas de acesso a
medicamentos, no
município de
Itaperuna, Rio de
Janeiro
com abordagem
quali-
quantitativa
base em processos
judiciais que
tinham como
conteúdo
solicitação de
medicamentos e
insumos
das listas pré-definidas para
a disponibilização à
população 561
medicamentos, dos quais
87,1% faziam parte do
componente básico e 12,9%
faziam parte da lista pré-
definida do componente
especializado. Dos processos
estudados, 94,7% continham
pelo menos um
medicamento que não
constava em nenhuma das
listas de distribuição de
medicamentos. A Farmácia
de Dispensação
Especializada do município
é voltada para o tratamento
de algumas doenças raras e
segue critérios definidos
pelos PCDT para dispensar
os medicamentos. Quando o
tratamento não é
disponibilizado na lista, o
paciente aciona a via judicial
para atendimento da
demanda.
Fonte: Autora, 2019
Ainda que tenha sido encontrado estudos recentes e muitos serem estudos de revisão
nenhum deles utilizou o descritor “medicamentos para doenças raras”. Apenas o ensaio
analítico de Gloeckner (2014) referiu tal descritor. Assim, um estudo de revisão como
proposto neste trabalho é pertinente, pois visa produções que tratem mais especificamente do
tema com ênfase nas doenças raras.
Os resultados encontrados indicam que a judicialização da saúde e seus
desdobramentos são uma temática relevante nos estudos, no entanto constatou-se a escassez
de dados relativos às doenças raras, visto que de modo geral, os artigos selecionados não
trataram de forma detalhada a respeito da judicialização para o acesso ao tratamento dessas
doenças. Essa dificuldade também foi considerada nos estudos encontrados, o que permite
entender que há uma série de questionamentos ainda não respondidos acerca dessa temática.
Diversos estudos apontam que grande parte das demandas judiciais se concentram
nos processos individuais de cidadãos reivindicando o fornecimento de medicamentos
(CHIEFFI; BARATA, 2009; MACHADO et al., 2010; MACEDO; LOPES; BARBERATO-
FILHO, 2011; STAMFORD; CAVALCANTI, 2012; PINTO, OSORIO-DE-CASTRO, 2015;
NUNES, RAMOS JÚNIOR, 2016), o que demonstra que a via judicial é uma forma legítima
de garantir o pleno exercício do direito à assistência terapêutica, que integra o direito à saúde
na lei brasileira (PEPE et al., 2010b).
No entanto, a conquista do direito à saúde como dever do Estado, assegurado há pelo
art. 196 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), ainda não se constitui, de fato, em acesso
aos bens e serviços no âmbito do SUS, o que faz com que os cidadãos recorram à prestação
jurisdicional de maneira individual ou coletiva, demandando do Estado o cumprimento do
preceito constitucional (OLIVEIRA et al., 2015).
Ao estudar o tema da judicialização da saúde no Brasil, Bittencourt (2016) constatou
a existência de duas correntes de pensamento distintas: uma que acredita que o ativismo
político do judiciário representa um empecilho para a efetivação do direito à saúde, enquanto
direito coletivo; e outra, que atribui a este fenômeno uma forma de ampliação da cidadania e
fortalecimento da democracia.
Mesmo diante de controvérsias, o fenômeno da judicialização vem sendo adotado
como estratégia pelos cidadãos para garantir seus direitos, recorrendo ao Poder Judiciário,
principalmente para solicitar o acesso a medicamentos. De acordo com Oliveira e
colaboradores (2015), embora as políticas públicas de assistência farmacêutica tenham
avançado, constatam-se dificuldades de acesso da população aos medicamentos necessários à
assistência integral à saúde.
Particularmente no que diz respeito às doenças raras, os estudos com ênfase na
judicialização para acesso ao tratamento de tais doenças ainda são exíguos no contexto geral
das produções sobre judicialização da saúde e são recentes. Quanto a este aspecto ressalte-se
que, ainda que as doenças raras não se constituam um problema recente, por muito tempo
foram entendidas como “doenças negligenciadas”, já que não havia interesse pela produção de
produtos farmacêuticos para tal fim. Na medida que os pacientes afetados por essas doenças
foram se organizando (por meio de associações, organizações não governamentais, etc.) e as
políticas farmacêuticas se aperfeiçoando, a indústria farmacêutica visualizou possibilidades de
mercado no tratamento desse grupo de doenças (ALENCAR, 2016).
Por serem caracterizadas como enfermidades de elevada complexidade e por
atingirem um número pequeno de pacientes, as políticas vigentes não têm sido suficientes
para garantir a resolubilidade de tais casos. Há ainda o argumento de que não cabe fixar
políticas com custos tão elevados para beneficiar a populações tão restritas, mesmo
considerando um sistema de saúde universal. Assim, um movimento para a garantia desse
direito pela via das demandas judicias tornou-se crescente, acompanhando o aumento das
demandas judiciais como via para acessar as tecnologias de saúde não disponibilizadas, ou até
disponibilizadas, mas com dificuldades para o acesso pela população com tal necessidade.
Isso pode explicar o fato de existirem poucas produções com abordagem específica sobre as
doenças raras, já que esse movimento tornou-se mais intenso recentemente.
Cabe ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem analisado a necessidade de
redimensionar a judicialização, tendo em vista que a intervenção judicial não ocorre apenas
por omissão de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas também em
razão do não cumprimento das políticas estabelecidas. Se, por um lado, a determinação
judicial para fornecimento de medicamentos cria dificuldades para o SUS, por outro a atuação
do Poder Judiciário pode servir para o alargamento das ações e serviços de saúde e para a
revisão da política vigente (MACHADO, 2008).
Os debates ocorridos no STF, tem gerado discussões a respeito do acesso a
medicamentos de alto custo para o tratamento de doenças raras, visto que muitos dos
fármacos solicitados por demandas judiciais não são disponibilizados nas listas do SUS e
outros não possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária ̶ Anvisa. O discurso
proferido pelos ministros, no geral, segue duas vertentes. Uma defende que o Estado está
obrigado a fornecer o medicamento registrado no país, como também o passível de
importação, desde que comprovado a indispensabilidade para manutenção da saúde do
paciente, mediante laudo médico e que tenha registro no país de origem. Em contraposição, a
outra vertente defende que o Estado não deve ser obrigado a fornecer medicamentos que não
tem registro na Anvisa. Essa indefinição e os questionamentos em torno disso têm gerado
reação das organizações de pacientes afetados por doenças raras, num movimento que
defende a bandeira: “Não pedi para ter doença rara. STF, minha vida não tem preço” (STF,
2016).
Essas mobilizações da sociedade junto à Anvisa também têm sido crescentes, já que
alguns produtos solicitados não possuem registro junto ao órgão. Frise-se que essa reação da
sociedade civil organizada já obteve resultados positivos a exemplo do que ocorreu com os
interessados no uso dos derivados do Canabidiol, na qual a Anvisa, em cumprimento à
decisão judicial, publicou a RDC nº 66/2016, permitindo a prescrição médica e a importação,
por pessoa física, de produtos que contenham as substâncias Canabidiol e Tetrahidrocanabinol
(THC) em sua formulação, exclusivamente para uso próprio e para tratamento de saúde
(ANVISA, 2016).
Esse fato é importante, pois uma característica comum encontrada nas demandas
judiciais é o fato de a solicitação conter tanto medicamentos incorporados como não
incorporados pelas políticas de assistência farmacêutica do SUS, alguns sem registro no país
ou com indicação terapêutica não constante de registro sanitário (BRASIL, 2005;
FIGUEIREDO, 2010). Em princípio, medicamentos incluídos nas políticas públicas já
instituídas não deveriam necessitar de ordem judicial para serem fornecidos, o que aponta
para a possibilidade de falhas na gestão do SUS.
Foly, Matta e Shimoda (2016), em seu estudo no Município de Itaperuna - Rio de
Janeiro, perceberam que entre os 1390 medicamentos demandados apenas 40,4% estavam
presentes nas listas pré-definidas para a disponibilização à população. Dos processos
estudados, 94,7% continham pelo menos um medicamento que não constava em nenhuma das
listas de distribuição de medicamentos. Os fármacos não encontrados nas listas
disponibilizadas pelo SUS representam a maior dificuldade enfrentada pelo Estado, pois
normalmente são medicamentos que não possuem registro sanitário no país ou pelo fato de ser
relevante para uma minoria, como o caso das doenças raras.
Outras pesquisas identificaram problemas que se relacionam às demandas judiciais
por medicamentos, o que interfere diretamente no acesso ao tratamento: má gestão da
assistência farmacêutica (VIEIRA; ZUCCHI, 2007; PEPE et al., 2010b); acesso a medica-
mentos desprovidos de evidências de segurança, eficácia ou efetividade (MARQUES;
DALLARI, 2007; VIEIRA; ZUCCHI, 2007; PEREIRA et al., 2010); pressão imposta pela
indústria farmacêutica para demanda de novos medicamentos (CHIEFFI; BARATA, 2010); e
problemas relacionados à prescrição médica e à necessidade de revisão das listas e protocolos
clínicos (PEPE et al, 2010b; VIEIRA; ZUCCHI, 2007).
É importante ressaltar que a Política Nacional de Atenção às Pessoas com Doenças
Raras (BRASIL, 2014) foi instituída somente no ano de 2014, o que demonstra a morosidade
do Estado em refletir sobre esta situação peculiar. De todo modo, esta política representa um
avanço, pois legitima ainda mais os movimentos organizados em prol desse direito, bem
como as discussões no Estado e na sociedade, ao propor ampliar o acesso universal e a
garantia do acesso aos recursos terapêuticos e diagnósticos conforme as necessidades do
paciente. Porém, essa política precisa ser articulada às demais políticas de saúde,
particularmente às políticas farmacêuticas, para que tenha o resultado esperado pela sociedade
e que consiga minimizar o dilema entre a necessidade e o direito da sociedade, e o dever e a
capacidade de incorporação de tecnologias do Estado.
4 CONSIDERAÇÕS FINAIS
O estudo revelou a identificação de um número bastante pequeno de artigos sobre a
temática específica da judicialização para o tratamento de doenças raras, sendo válido
ressaltar que as pesquisas apenas relataram algo pertinente sobre o tema. Isso se constituiu a
principal limitação do estudo, pois a carência de pesquisas e informações que envolvem
aspectos relativos às doenças raras pode ter prejudicado a construção de uma análise mais
profunda. Isso também se deve ao fato de que a maioria dos artigos encontrados tratavam de
um estudo de revisão. De outro lado, compreende-se também que há uma tendência de
ampliação desses estudos à medida que esse tema está em crescente debate na sociedade e no
Estado.
Compreende-se também que diante do maior quantitativo encontrado de estudos de
revisão, há uma carência de estudos que utilizem a metodologia de pesquisa de campo,
importante para a compreensão de fatos e fenômenos que ocorrem na realidade, dos
envolvidos nesse processo, das dificuldades encontradas pelos sujeitos demandantes, entre
outros aspectos que não têm condições de serem identificados em documentos, por exemplo.
Diante disso, é salutar o desenvolvimento de mais estudos que abordem temas relacionados ao
debate sobre doenças raras no Brasil.
Assim, pode-se inferir que o fenômeno da judicialização da saúde, revela uma série
de questionamentos que devem ser avaliados pelo Estado e debatidos pela sociedade, visto
que o deferimento de um processo judicial pode acarretar aumento significativo dos custos
com saúde para o cofre público, muitas vezes não previstos ou planejados no orçamento;
desarticulação nas ações e serviços vinculados à assistência farmacêutica; pode representar
um obstáculo para os princípios e diretrizes das políticas de saúde já consolidadas. Sendo
analisado por outra ótica, a intervenção do Poder Judiciário pode servir para pressionar a
incorporação de novas ações e serviços de saúde e a revisão das políticas vigentes.
Nesse contexto, entende-se que há um importante desafio a ser superado para que a
reorganização da assistência farmacêutica possa garantir a disponibilidade e o fornecimento
dos medicamentos previstos nas políticas e avaliar a inserção de novos fármacos nas mesmas,
respondendo de forma efetiva às necessidades de saúde da população, especialmente daquela
afetada por doença rara.
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