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Incorporando a temática das relações raciais no cotidiano escolar a partir do uso de
dados estatísticos
Fabiana Luci de Oliveira, UFSCar
O Brasil é historicamente um país de desigualdades, e essas desigualdades se
manifestam de diferentes maneiras: em termos econômicos, sociais, regionais, de gênero,
de cor ou raça, etc.
A questão da cor ou raça permeia praticamente todos os aspectos relevantes da
realidade social, cultural, econômica e demográfica brasileira. Assim, a perspectiva racial
pode e deve ser trabalhada nas diversas disciplinas do currículo escolar: matemática,
língua portuguesa, literatura, história, geografia, artes, sociologia, etc.
O objetivo desse texto é documentar algumas das principais estatísticas públicas
acerca de cor ou raça, de forma a auxiliar educadoras e educadores a trabalharem a
temática das relações raciais no cotidiano escolar, sob a perspectiva da diferença e da
diversidade, inserindo-as no debate sobre desigualdades.
No Brasil existem fontes riquíssimas de informações e estatísticas públicas sobre
a população, mas essas fontes são muitas vezes desconhecidas e, consequentemente,
subutilizadas, seja no mundo da pesquisa, seja no cotidiano escolar.
Por quê informações e estatísticas sobre a população são importantes? Porque elas
contribuem para o conhecimento da organização da sociedade e são instrumentos
fundamentais de planejamento e orientação de políticas públicas. As estatísticas
populacionais auxiliam a mapear e a compreender as condições de vida da população em
geral e a identificar, quantificar e analisar grupos sociais de acordo com características
em comum, sejam segmentos de raça, idade, renda, condição de emprego, escolaridade,
religião, entre outros aspectos relevantes.
Seja a partir de valores absolutos, seja a partir de percentuais, apresentados em
formato de dados pontuais, tabelas ou gráficos, é comum nos depararmos com
informações estatísticas acerca das mais diversas temáticas relativas a grupos sociais hoje
em dia. E essas estatísticas servem para fundamentar argumentos dos mais variados tipos
– mas temos sempre que estar atentos à credibilidade da informação, e não confiar nos
números apresentados como se fossem verdades absolutas.
Isso porque nem todas as estatísticas são de grande confiabilidade, sendo
importante saber em quais dados confiar. E como distinguir informações confiáveis em
meio ao emaranhado de informações e dados estatísticos disponíveis hoje, tanto nas
mídias sociais quanto nos meios de comunicação em massa? A resposta mais segura é
recorrer às fontes consagradas. E é esse um dos objetivos desse texto, ajudar educadoras e
educadores a localizar e trabalhar com dados estatísticos e informações confiáveis.
Existem limitações nos dados estatísticos, eles não são a expressão absoluta da
realidade, mas sim representações dessa realidade, que fazem sentido dentro de um
determinado contexto. Os dados estatísticos possibilitam diferentes interpretações da
realidade, usualmente com um grau conhecido de erro. Nosso intuito é auxiliar
educadoras e educadores a identificar esses dados e a trabalhar plenamente com as
informações disponíveis.
Antes de discutirmos os dados e as principais fontes onde eles podem ser
acessados, convém falarmos sobre como trabalhar com os dados estatísticos – princípios
básicos para a utilização e interpretação desses números e como transformá-los em
informação útil e utilizável em sala de aula. Não vamos falar aqui de noções matemáticas
nem de conceituações elaboradas – para isso existem diversos livros de matemática e
estatística. Aqui pontuaremos apenas uma terminologia básica para facilitar o trabalho
com dados estatísticos no contexto escolar de forma multidisciplinar.
Podemos pensar a população brasileira a partir de diferentes características: idade,
região de moradia, nível de escolaridade, gênero, cor ou raça entre outros aspectos que
tornam as pessoas diferentes. Essas características de diferença relacionam-se produzindo
desigualdades sociais, algumas vezes amplificando-as. Cada uma das diferentes
características em que podemos classificar os brasileiros é uma variável. Mas o que
exatamente é uma variável?
Em termos estatísticos a variável é a característica de interesse que queremos
medir ou observar. Variáveis são expressas em valores numéricos ou categorias que
variam de elemento para elemento. Por exemplo, a variável idade pode ser expressa como
anos completos, em valores numéricos (0, 1, 2, 3 ...). Outra variável, cor ou raça, pode ser
expressa em categorias que variam entre branco, preto, pardo, amarelo e indígena, como
na classificação adotada pela estatística oficial brasileira. Outra possibilidade comum
para expressar cor ou raça é em termos de brancos e não brancos.
Como as informações estatísticas nos ajudam a pensar sobre a temática das
relações étnico-raciais no país? E como elas podem ser incorporadas em sala de aula?
Elas nos ajudam, primeiramente, a conhecer a incidência da variável de interesse:
qual a quantidade e a proporção de brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas na
população brasileira? Podemos observar a localização dessas proporções em termos
geográficos e geopolíticos, ou seja, onde há mais brancos e onde há mais pretos e pardos
ou ainda onde se concentram as populações indígenas no país. Dessa forma podemos
trabalhar a incidência dessa característica (a variável cor ou raça) e sua distribuição nas 5
grandes regiões do país (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste), nas 27 Unidades
Federativas (Estados e Distrito Federal) e nos 5.570 municípios brasileiros (cidades).
Podemos pensar a presença de população negra (pretos + pardos) e indígena nas
diferentes dimensões espaciais do país, inserindo a temática racial nas aulas de geografia,
trabalhando com mapas, por exemplo.
Podemos, também, comparar a incidência da distribuição da população em cor ou
raça no Brasil com a distribuição por cor e raça da população de outros países que adotem
um sistema de classificação de cor ou raça similar. Mas uma vez que essa classificação é
uma construção social, histórica e cultural, ela varia bastante entre diferentes países, e
mesmo dentro de um país ao longo do tempo. Com isso é possível pesquisar
historicamente como essas classificações variaram dentro do país e entre diferentes
países, incorporando a informação nas atividades não apenas de geografia, mas também
de história, e mesmo de línguas (portuguesa, espanhola, inglesa).
As informações estatísticas nos ajudam a entender qual é a relação entre a variável
de interesse com outras variáveis. Por exemplo, será que os brasileiros brancos são mais
ricos que os brasileiros não brancos? Ou seja, será que cor ou raça se relaciona com o
nível de rendimento das pessoas? Podemos também indagar em que medida as
características de cor ou raça influenciam nos níveis de escolaridade da população? E no
acesso a diferentes bens e serviços públicos? As informações estatísticas nos permitem,
assim, conhecer melhor a influência que a cor ou raça exerce sobre os mais diferentes
âmbitos da vida social.
O perfil racial da população do país, ou mesmo de um Estado ou um município ao
longo do tempo, pode ser um recurso interessante nas aulas de História – olhando o perfil
racial da população hoje, pode-se indagar se sempre foi assim, apresentando a tendência
ao longo do tempo, estimulando estudantes a pesquisarem em livros de história ou
mesmo em documentos municipais fatos que ajudem a dar sentido e compreender as
tendências estatísticas observadas ao longo do tempo.
E as estatísticas no ajudam a conhecer, ainda, efeitos ou consequências de
variáveis na variável de interesse em interação com outras variáveis. Ou seja, ajudam-nos
a entender quais as interações existentes entre as diferentes características populacionais e
se e como essas interações podem amplificar ou reduzir desigualdades. Por exemplo, qual
a consequência que um ano a mais de estudo têm sobre o rendimento de pessoas pretas ou
pardas em comparação com um ano a mais de estudo entre pessoas brancas? O efeito é
diferente ou igual? Com isso é possível incorporar essas discussões, por exemplo, em
aulas de matemática, trabalhando grandezas e diferenças percentuais.
Esses são apenas alguns exemplos iniciais, sendo possível pensar a incorporação
desses dados e informações estatísticas em outras disciplinas, como em língua
portuguesa, por exemplo, para estimular a interpretação de textos e a produção de textos a
partir da realidade brasileira.
Onde encontrar esses dados e informações estatísticas? A principal, mais rica e
ampla fonte de dados estatísticos sobre o Brasil é o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), que é o órgão de estatísticas oficiais do país. O IBGE é o
principal provedor de informações sobre a população: www.ibge.gov.br
O IBGE apresenta uma série de indicadores de dinâmica populacional, sendo duas
as principais pesquisas populacionais do instituto: o Censo Demográfico, realizado a cada
década, e a Pesquisa por Amostragem Domiciliar, realizada anualmente com exceção do
ano em que ocorre o recenseamento.
CENSO DEMOGRÁFICO (realizado a cada 10 anos)
O censo demográfico visa obter informações tanto sobre o perfil da totalidade
dos membros da população brasileira (pessoas), quanto sobre os domicílios (e as
famílias). No que se refere à população, a pesquisa busca mapear seu crescimento, sua
distribuição geográfica e a evolução de características da população como idade, cor ou
raça, escolaridade, ocupação, etc. No que se refere aos domicílios e às famílias, o Censo
cobre o número de habitantes nos domicílios, as condições de saneamento e iluminação, o
nível de renda e suas fontes, a posse de bens duráveis, etc. É a pesquisa mais abrangente
existente no país, e dada a grande extensão territorial e a quantidade de perguntas
endereçadas à população, o Censo é realizado em um intervalo de tempo maior, a cada
dez anos. O último Censo realizado data de 2010, sendo que o próximo será realizado em
2020.
No Brasil até hoje foram realizados 12 recenseamentos gerais da população. O
primeiro recenseamento ocorreu em 1872. O Censo de 1872 adotou para a classificação
racial da população quatro categorias: branco, preto, pardo e caboclo, havendo também a
classificação da população entre população livre e população escrava (sendo a população
escravizada classificada apenas nas categorias de cor preta ou parda).
O recenseamento seguinte, o Censo de 1890, utilizou quatro categorias: branco,
preto, caboclo e mestico, abandonando o termo pardo. No recenseamento de 1900, não
foram coletadas informações sobre cor ou raça da população. Em 1910 não houve
operação censitária no país, e quando foi retomada em 1920, novamente a variável cor ou
raça não foi incluída. Em 1930 não houve operação censitária. E em 1940, quando ela
voltou a ocorrer, foi novamente incorporada a variável cor, apresentando as categorias:
branco, preto e amarelo (para incorporar a população oriental, dada a intense imigração
japonesa ocorrida no país nas primeiras décadas do século XX), e para a população
“mestica” foi empregue o termo pardo.
A partir do Censo de 1950 passou a haver uma orientação explícita na coleta da
informação sobre cor ou raça da população, com a adoção da autoclassificação da pessoa
recenseada, permanecendo as quatro categorias: branco, preto, padro e amarelo, e as
mesmas categorias foram utilizadas no censos seguintes de 1960 e 1980 – não tendo
havido operação censitária em 1970.
No Censo de 1991 passou a vigorar uma quinta categoria de cor: indígena, e essas
cinco categorias permaneceram nos censos seguintes, de 2000 e 2010. O Censo de 2010
adotou, ainda, para as pessoas auto-identificadas como indígenas a coleta de informações
sobre etnia e língua falada.
Quadro resumo da variável cor e raça nos Censos brasileiros entre 1872 e 2010
1872 1890 1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010
Branca
variável cor ou
raça não foi
coletada
variável
cor ou
raça não
foi
coletada
Preta
Parda
Amarela
Indígena
Cabocla
Mestiça
Fonte: IBGE
Para maiores informações sobre os dados coletados no Censo 2010, consultar os
instrumentos de coleta - questionários disponíveis em:
http://censo2010.ibge.gov.br/coleta/questionarios.html
PNAD - PESQUISA POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS (realizada
anualmente)
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio - PNAD é uma pesquisa feita em
uma amostra de domicílios brasileiros: em 2014 foram entrevistadas 362.627 pessoas, em
151.291 unidades domiciliares, distribuídas em 1.100 municípios do país.
A pesquisa básica da Pnad 2014 contém uma série de perguntas, abordando temas
como educação, rendimento, trabalho, habitação, previdência social, fecundidade,
migração, entre outros. Para maiores detalhes da pesquisa, consultar os instrumentos de
coleta - questionário disponível em:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_d
e_Domicilios_anual/2014/q_pnad2014.pdf
A PNAD foi implantada no Brasil em 1967. Até 1970, foi realizada
trimestralmente e, a partir de então, os levantamentos passaram a ser anuais. Além da
pesquisa básica periodicamente são acrescentados outros temas ("Suplementos”).
Na PNAD 2008 a pesquisa suplementar aborda o tema da saúde – foram 163
perguntas sobre acesso ao atendimento e a medicamentos, saúde da mulher, planos de
saúde, violência e acidentes de trânsito, atividades físicas e tabagismo. Já em 2014 foram
levantadas informações sobre acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel
celular para uso pessoal; acesso ao cadastro único para programas sociais do governo
federal e acesso a programas de inclusão produtiva.
No que se refere às estatísticas sobre a população, o IBGE fornece os dados
oficiais sobre:
Perfil demográfico da população brasileira (número de habitantes no país,
principais características da população – sexo, cor ou raça, faixa etária,
escolaridade, trabalho e rendimento, condições de moradia, nupcialidade e
fecundidade, migração, características dos domicílios, etc.)
Indicadores sociais (intermediação política, crianças e adolescentes, educação e
trabalho, mortalidade infantil, taxa média geométrica de crescimento anual da
população, taxa de urbanização, esperança de vida ao nascer, taxa de
analfabetismo, condições de saneamento e iluminação elétrica, lixo coletado,
mercado de trabalho, mobilidade social, população jovem, indicadores culturais,
etc.)
O IBGE publica anualmente uma Síntese dos Indicadores Sociais, analisando e
comentando os principais resultados das pesquisas populacionais em relação aos aspectos
demográficos, cor e raça, gênero, educação, etc.
Para todas as pesquisas realizadas pelo Instituto é possível acessar as notas
técnicas – que explicam a metodologia seguida nas pesquisas - e o instrumento de coleta
– os questionários aplicados à população. Dessa forma é possível saber como se faz as
perguntas. Além é claro dos micro dados em formato compactado (ou seja, as bases de
dados com todos os casos e variáveis). Esse recurso de microdados é útil para quem
possui familiaridade com softwares de processamento (como SPSS, Excel, SAS). Para as
pessoas que não tem familiaridade com esses softwares, é recomendado acessar as
tabelas já com os resultados processados.
Uma excelente fonte de consulta dos dados do IBGE é o Sistema de Recuperação
Automática - SIDRA (http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/default.asp), que permite
que os dados sejam recuperados por meio do Banco de Dados Agregados. É possível
montar a tabela de seu interesse, selecionando os dados (variáveis) que farão parte dela,
como serão detalhados estes dados (classificações e suas categorias), o período de tempo
coberto, os níveis territoriais de agregação dos dados e as unidades territoriais a que os
dados se referem. Pode-se, também, selecionar a posição (cabeçalho, linha ou coluna) e a
ordem de apresentação dos dados na tabela.
Além disso, três outras fontes de consulta de dados do IBGE são:
IBGE cidades: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php
Essa plataforma permite conhecer e comparar os principais indicadores
demográficos, sociais e econômicos dos municípios brasileiros. É uma ótima ferramenta
reunindo em um mesmo local o perfil completo dos municípios, além de permitir o
acesso a dados históricos, fotografias e mapas.
IBGE Estados: http://www.ibge.gov.br/estadosat/
Essa plataforma permite conhecer e comparar os principais indicadores
demográficos, sociais e econômicos das unidades federativas brasileiras.
IBGE países: http://www.ibge.gov.br/paisesat_25112014/main.php
Essa plataforma permite conhecer e comparar os principais indicadores
demográficos, sociais, econômicos e ambientais dos países reconhecidos pela ONU,
trazendo também dados relativos aos objetivos do milênio.
Em termos de classificação da população por cor ou raça, o IBGE utiliza o
critério de autodeclaração para a classificação racial, perguntando às pessoas “a sua cor é
(a cor do morador é)?”, e codificando sua resposta em uma das cinco categorias: 1)
branca, 2) preta, 3) amarela (se a pessoa se declarou de origem japonesa, chinesa,
coreana, etc.), 4) parda (se a pessoa se declarou mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou
mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça) e 5) indígena (se a pessoa se declarou
indígena ou índia). Muitos países no mundo trabalham com a autodeclaração (Estados
Unidos, Canadá, Inglaterra, etc.) – que é o critério recomendado pela ONU (Organização
das Nações Unidas).
O IBGE possui uma longa série histórica sobre a classificação de cor da
população brasileira como já apontado, sendo possível identificar dados sobre cor das
pessoas desde o final do século 19.
Quadro resumo da distribuição da população brasileira por cor e raça nos Censos
brasileiros entre 1872 e 2010 (em %)
Branca Preta Parda Amarela Indígena
Sem
Informação
1872 38,1 19,7 38,3 3,9
1890 44 14,6 32,4 9,0
1940 63,5 14,6 21,2 0,6 0,1
1950 61,7 11,0 26,5 0,6 0,2
1960 61,0 8,7 29,5 0,7 0,1
1980 54,2 5,9 38,8 0,6 0,4
1991 51,6 5,0 42,4 0,4 0,2 0,4
2000 53,4 6,1 38,9 0,5 0,4 0,7
2010 47,7 7,6 43,1 1,1 0,4 0,0
Fonte: Petruccelli - IBGE1
A tendência verificada no brasil do século 19 até idos da década de 1950 foi de
um “embranquecimento” ou “clareamento” da população. No censo de 1890 os negros
(pretos + pardos) correspondiam a 47% da população brasileira. Depois com a
intensificação da imigração europeia, esse percentual encolheria para cerca de 36% na
década de 1940. Na década de 1980 os negros correspondiam a quase 45% da população
e daí em diante houve um “escurecimento” da populacão brasileira.
É importante lembrar, como afirma Soares (IPEA, 2008)2, que a identificação
racial é uma construção social, e não mera consequência da cor ou raça dos pais de cada
1 Fonte: PETRUCCELLI, José Luis. Ethnic/racial statistics: Brazil and an overview of the Americas. In:
FERRÁNDEZ, L. F. A. & KRADOLFER, S. Everlasting countdowns: race, ethnicity and national censuses
in Latin American states. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, p. 264-303, 2012.
pessoa. Essa classificação envolve o modo como as pessoas constroem sua própria
identidade e a forma como querem se posicionar frente aos demais e em relação à
sociedade. E como Soares coloca, “nada garante que esse modo de construir sua própria
identidade seja constante ao longo do tempo. Para os indivíduos, pode depender de
mudanças nas suas visões de mundo, ideologia ou até refletir experiências particulares
que os afetaram. Do ponto de vista da sociedade, pode refletir mudanças em como cada
identidade racial é construída” (2008: pág. 107).
Os motivos para o crescimento de uma determinada população são basicamente
dois: processos de imigração ou emigração e crescimento vegetativo.
Não houve processo migratório significativo capaz de explicar esse movimento de
mudança da composição racial da população brasileira. E observando as taxas de
fecundidade entre mulheres brancas e pretas e pardas, notamos que em 1992 mulheres
negras e partas em idade fértil tinham em média 2,9 filhos, enquanto as brancas tinham
2,5 filhos. Em 2007 essa taxa era de 2,4 filhos para mulheres pretas ou pardas e 1,9 filhos
para mulheres brancas.
Mas esse não é um fator de explicação isolado. É provável que também as pessoas
estejam se declarando mais como pretas e pardas em virtude da força do movimento
negro. De acordo com Soares
... em algum momento, entre 1996 e 2001, há o início de um processo de
mudança em como as pessoas se vêem. Passam a ter menos vergonha de dizer
que são negras; passam a não precisar se branquear para se legitimarem
socialmente. (...) Na medida em que o debate da identificação racial ganha as
páginas dos jornais e a sociedade vê que é um tema legítimo; na medida em
que negros são apresentados nas telenovelas como personagens poderosos e
não apenas empregados domésticos; na medida em que negros são vistos
compondo o Supremo Tribunal Federal e ocupando os mais diversos cargos na
política; na medida em que o Movimento Negro sai da marginalidade e ocupa
espaços no debate político, a identidade negra sai fortalecida. (Soares, 2008:
pág. 116).
2 Ver o livro “As políticas públicas e a desigualdade racial no brasil – 120 anos após a abolicão”. IPEA,
2008 [Mário Theodoro (org.)]
Analisando os dados de classificação racial no Brasil na última década (de 2004 a
2014) nota-se a mudança na estrutura racial da população: diminuiu a proporção dos que
se declaram brancos e aumentou a proporção dos que se declaram pretos ou pardos. Em
2006 a população negra (pretos + pardos) superou a população branca, sendo que em
2008 passou a representar a maioria dos brasileiros. Em 2014 os negros correspondiam a
53,6% do total da população. Portanto, a população brasileira é predominantemente negra
(Gráfico 1.1, página 13 da Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de
vida da população brasileira: 2015).
O IBGE também possibilita leituras por Grandes Regiões, Unidades Federativas
(Estados e Distrito Federal) e Regiões Metropolitanas (no caso dos dados do CENSO é
possível ter leitura também por municípios).
Com isso, observa-se que na região Sul os brancos ainda são proporcionalmente
maioria. E o Norte é a região proporcionalmente com maior número de pretos e pardos no
Brasil, seguida do Nordeste. (Gráfico 1.2, página 13 da Síntese de indicadores sociais:
uma análise das condições de vida da população brasileira: 2015).
Gráfico 2.1 Proporção da população negra (preta + parda), de acordo com a unidade da
federação
Fonte: SIDRA IBGE – Censos 2000 e 2010
77,0 76,5 76,474,1 73,5 73,1 72,7 72,5
70,767,4 67,0 66,9
62,6 62,060,2
58,6 58,0 57,0 56,8 56,253,8
51,749,0
34,8
28,5
16,1 15,5
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
45,0
50,0
55,0
60,0
65,0
70,0
75,0
80,0
85,0
2000 2010
Na leitura por Estados os que se destacam são os Estados do Pará, do Maranhão e
da Bahia, onde mais de 75% da população se declarou como negra (preta ou parda) no
Censo 2010. Apenas nos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São
Paulo os negros representam menos da metade da população – sendo que no Mato Grosso
do Sul, a população negra representa 49% do total da população, ou seja, praticamente
metade.
Essa é a caracterização geral da sociedade brasileira em termos de distribuição
racial. Mas quais as implicações disto? Onde as diferenças e a diversidade de cor ou raça
se transformam em desigualdades?
É possível ver que a diversidade transforma-se em desigualdade no âmbito das
variáveis socioeconômicas – três delas extremamente relevantes para a qualidade de vida
da população: educação, trabalho e renda.
Considerando a dimensão da educação, os dados do IBGE permitem trabalhar de
diferentes formas a escolaridade da população brasileira.
Quando distribuímos a população brasileira por níveis de instrução de acordo com
a cor ou raça notamos uma grande diferença entre brancos e de um lado e pretos e pardos
de outro, sendo que o primeiro grupo tem um nível de instrução mais elevado.
Uma das formas clássicas de trabalhar a questão da educação, é observar a taxa de
analfabetismo, ou seja, a proporção da população que não possui a habilidade de ler e
escrever. Considerando as pessoas de 15 anos ou mais de idade vemos que em 1995 9,5%
das pessoas brancas não eram alfabetizadas, recuando para 5% em 2014 (de acordo com
dados da PNAD). Já entre as pessoas pretas ou pardas de 15 anos ou mais de idade, em
1995 o índice de analfabetismo era de 23,4%, caindo para 11,1% em 2014 – ou seja, o
analfabetismo atingiu e continua a atingir mais severamente a população negra.
Outra forma de pensar educação é em níveis de instrução: sem instrução (diferente
de analfabetismo, a ausência de escolaridade formal implica em nunca ter terminado uma
série de ensino na escola), fundamental, médio e superior (completos e incompletos).
Essa classificação é feita em função da série e do nível ou grau mais elevado alcançado
pela pessoa, considerando a última série concluída com aprovação.
Gráfico 2.2 Taxa de Analfabetismo da população de 15 anos ou mais de idade, por Sexo,
segundo cor/raça
Fonte: IBGE – IPEA (Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça)
Considerando o ensino médio, notamos que a desigualdade na escolaridade entre
brancos e negros se acirra. A proporção de pessoas de 20 a 22 anos de idade que
concluíram o ensino médio ou níveis posteriores era de 57,9% entre brancos em 2004,
chegando a 71,7% em 2014. Já entre negros, era de 33,4% em 2004, chegando em 2014 a
52,6% (Gráfico 3.5, página 51 da Síntese de indicadores sociais: uma análise das
condições de vida da população brasileira: 2015).
Como os países têm formas diferentes de organizar a vida escolar e classificar o
nível de instrução da população, uma outra possibilidade de classificação sobre educação,
que possibilita uma comparação mundial, é estabelecida em número de anos de estudo
completos.
Em 1995 o número médio de anos de estudo entre as pessoas brancas de 15 anos
ou mais de idade era de 6,4, chegando em 20154 a 8,9. Já entre as pessoas negras de 15
anos ou mais de idade, a média de anos de escolaridade era de 4,3 em 2004, passando a
7,3 em 2014 (Gráfico 4).
9,5 9,3 9,08,4 8,3
7,7 7,5 7,1 7,2 7,16,6 6,2 6,2 5,9
5,3 5,3 5,2 5,0
23,4
21,722,2
20,819,8
18,217,2 16,9
16,315,5
14,714,2
13,7 13,4
11,8 11,8 11,5 11,1
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Total Branca Negra
Gráfico 4. Média de Anos de Estudo das Pessoas de 15 anos ou mais de idade, por cor ou
raça
Fonte: IBGE – IPEA (Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça)
6,4 6,5 6,7 6,9 7,07,3 7,4
7,6 7,7 7,88,0 8,1 8,3 8,4 8,5
8,8 8,8 8,9
4,34,5 4,5 4,7 4,9
5,25,5 5,7 5,8 6,0 6,2 6,3
6,5 6,76,9
7,1 7,2 7,3
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
8,0
9,0
10,0
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Brancos Negros Total Brasil
As desigualdades de cor e raça acabam por se agravar quando observamos as
diferenças regionais – regiões mais ricas tendem a proporcionar maiores oportunidades de
escolarização para a população – mas notamos que mesmo nessas regiões persistem as
desigualdades de cor e raça: a média de anos de estudo é maior para brancos do que para
pretos e pardos, no país como um todo, independente da região geográfica (Gráfico 5).
Gráfico 5. Média de Anos de Estudo das Pessoas de 15 anos ou mais de idade, por cor ou
raça de acordo com a região do país
Fonte: IBGE – IPEA (Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça)
Uma outra forma de abordar a escolaridade é a partir da proporção de estudantes
de 18 a 24 anos de idade que frequentava o ensino superior, por cor ou raça. Em 2004,
16,7% dos estudantes pretos ou pardos frequentavam o ensino superior; em 2014, esse
percentual saltou para 45,5%. Comparado aos estudantes brancos, em 2004,
47,2% frequentavam o ensino superior e em 2014, essa parcela passou para 71,4%. Ou
seja, em uma década de crescimento, a população negra não conseguiu atingir em 2014
nem os níveis alcançados pela população branca em 2004, o que demonstra enorme
desigualdade de cor e raça no âmbito da educação. (Gráfico 3.7, página 52 da Síntese de
indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2015).
6,46,6
5,1
6,8
6,26,5
4,3
5,1
3,6
4,94,3
4,9
7,77,3
6,3
8,2
7,67,9
5,8 5,8
5,1
6,5
5,8
6,4
8,98,6
7,8
9,4
8,79,1
7,3 7,4
6,6
7,9
7,2
7,9
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
7,0
8,0
9,0
10,0
Bra
sil
No
rte
No
rdes
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Cen
tro-O
este
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Branca Negra
1995 2004 2014
Outra dimensão em que as diferenças de cor ou raça transmutam em
desigualdades sociais é o aspecto do trabalho e do rendimento. Observando a distribuição
de rendimento mensal domiciliar per capta de acordo com cor ou raça, notamos que em
1995 a renda média dos brancos era de R$935,30 chegando a R$ 1.366,60 em 2014. Já a
renda média dos negros era de R$ 392,60 em 2004, chegando a R$ 745,00 em 2014 –
menor do que a renda média dos brancos uma década antes, indicando forte desigualdade
racial no quesito renda.
Gráfico 6. Rendimento Mensal Domiciliar per Capita Médio, segundo Cor/Raça
Fonte: IBGE – IPEA (Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça)
935,3 947,4 955,0 963,0907,7 924,1 917,7
875,7 885,4946,2
1.034,4 1.060,91.097,3 1.121,9
1.174,9
1.292,71.333,8
1.366,6
392,6 396,1 397,2 403,2 384,7 396,1 409,4 385,8 411,3 442,6488,7 508,7
553,7 577,5635,7
674,7 707,2
745,0
0,0
200,0
400,0
600,0
800,0
1.000,0
1.200,0
1.400,0
1.600,0
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014
Total Branca Negra
A tendência natural é argumentarmos que este fato decorre da diferença de
escolaridade entre os dois grupos – uma vez que brancos têm maior escolaridade que
negros e pardos eles ocupariam melhores posições de trabalho. Para isso é sempre
importante controlar as informações para compararmos os grupos de acordo com a
mesma escolaridade. Os dados do IBGE permitem essa comparação. Considerando a
mesma escolaridade média, podemos ainda observar diferenças de rendimento devido a
cor ou raça.
Considerando as pessoas sem instrução ou ensino fundamental incompleto, o
rendimento médio de brancos foi de R$801,20, de pretos foi de R$ 579,34 e de pardos R$
554,09. Já no grupo de pessoas com ensino fundamental completo e médio incompleto, as
brancas tiveram rendimento médio de R$1.026,78, as pretas de R$768,13 e as pardas de
R$746,12.
Entre as pessoas brancas com ensino médio completo e superior incompleto, a
renda média é de R$ 1.418, 96, já entre as pessoas pretas é de R$ 1.038, 76 e entre as
pessoas pardas de R$ 1030,47. Considerando as pessoas com ensino superior completo,
entre as brancas o rendimento médio é de R$ 3.932,32, entre as pretas é de R$ 2.573,82 e
entre as pardas de R$2.773,03.
Gráfico 7. Rendimento nominal médio mensal de todos os trabalhos, das pessoas de 10
anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, segundo a cor ou raça, de
acordo com o nível de instrução
Fonte: IBGE – SIDRA – Censo 2010
801,2
1026,78
1418,96
3932,32
579,34768,13
1038,76
2573,82
554,09746,12
1030,47
2773,03
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
4000
4500
Sem instrução e fundamental
incompleto
Fundamental completo e médio
incompleto
Médio completo e superior
incompleto
Superior completo
Branca Preta Parda
Quando controlamos o rendimento de acordo com a cor ou raça pela escolaridade,
notamos que quanto maior a escolaridade, mais gritante é a diferença de rendimentos
devido à raça.
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