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FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAÍBA- FESP
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
SUZANE DA SILVA CUNHA
DEFICIÊNCIA NÃO GERA INCAPACIDADE: UMA ANÁLISE A LUZ DO
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
CABEDELO-PB
2017
SUZANE DA SILVA CUNHA
DEFICIÊNCIA NÃO GERA INCAPACIDADE: UMA ANÁLISE A LUZ DO
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Trabalho de Conclusão de Curso em forma de Artigo
Científico apresentado à Coordenação do Curso de
Bacharelado em Direito, pela Faculdade de Ensino
Superior da Paraíba - FESP, como requisito parcial para
a obtenção do título de Bacharel em Direito.
Área: Direito Civil
Orientadora: Prof. Esp. Luciana de Albuquerque
Cavalcanti Brito
CABEDELO-PB
2017
SUZANE DA SILVA CUNHA
DEFICIÊNCIA NÃO GERA INCAPACIDADE: UMA ANÁLISE A LUZ DO
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Artigo Científico apresentado à Banca Examinadora de
Artigos Científicos da Faculdade de Ensino Superior da
Paraíba - FESP, como exigência para a obtenção do
grau de Bacharel em Direito.
APROVADO EM _____/_______2017
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Esp. Luciana de Albuquerque Cavalcanti Brito
ORIENTADORA-FESP
_________________________________
Prof. Ms. Luciana Vilar de Assis
MEMBRO-FESP
________________________________
Prof. Ms. Roberto Moreira de Almeida
MEMBRO- FESP
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por tanta benignidade e amor, por me tratar com
tanto carinho e me direcionar sempre pelos bons caminhos, independente dos tropeços,
resultado das minhas escolhas.
À minha família, que sempre me apoiou e me ajudou a concretizar mais esta etapa
em minha vida, minha mãe Silvana, meu pai Flávio, meu padrasto José Pedro, e gratidão em
especial a Dona Maria, minha doce avó que nunca desistiu de mim, mesmo quando eu mesma
pensei em desistir.
À Professora e coordenadora Ms. Socorro Menezes, e minha orientadora Ms.
Luciana Brito, pela ajuda, incentivo, carinho, e principalmente paciência e compreensão por
esse momento em que enfrentei a batalha do exame da ordem, para enfim me tornar a
advogada que sempre sonhei.
Ao corpo docente da Faculdade de Ensino Superior da Paraíba (FESP), em especial,
ao professor Rafael Pontes Vital que me ensinou a ser perspicaz assistindo sua correria diária.
Ao professor Moisés Neto que me ensinou que o amor próprio e a autoafirmação não
significam arrogância, muito menos egoísmo, mas o real sentido do valor que temos. À
professora Luciana Vilar que com sua elegância e postura me ensinou que não importa o
obstáculo, é preciso erguer a cabeça e seguir em frente, mesmo que por dentro tudo esteja
nublado.
A todas as pessoas e amigos que de alguma forma estiveram presentes nessa jornada
que está apenas começando.
Por fim, a todos os ―nãos‖ que recebi, pois embora tenha doído na hora, me
prepararam para ―sins‖ muito mais grandiosos. ―A vontade do senhor é boa, perfeita e
agradável‖ (Romanos 12:2).
TERMO DE RESPONSABILIDADE/DIREITOS AUTORAIS
Eu SUZANE DA SILVA CUNHA, RG nº 3.409.680 SSP/PB, acadêmico do Curso de
Bacharelado em Direito, autor do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, intitulado
DEFICIÊNCIA NÃO GERA INCAPACIDADE: UMA ANÁLISE A LUZ DO
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA orientado pela professora Ms.
LUCIANA BRITO, declaro para os devidos fins que o TCC que apresento atendem as
normas técnicas e científicas exigidas na elaboração de textos, indicadas no Manual para
Elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso da Fesp Faculdades. As citações e
paráfrases dos autores estão indicadas e apresentam a origem da ideia do autor com as
respectivas obras e anos de publicação. Caso não apresente estas indicações, ou seja,
caracterize crime de plágio, estou ciente das implicações legais decorrentes deste
procedimento.
Declaro, ainda, minha inteira responsabilidade sobre o texto apresentado no TCC,
isentando o professor orientador, a Banca Examinadora e a instituição de qualquer
ocorrência referente à situação de ofensa aos direitos autorais.
Cabedelo, PB, 02 de junho de 2017
____________________________
SUZANE DA SILVA CUNHA
MATRÍCULA: 2012.210.112
“Ah! A vida tem tantas coisas... que só mais tarde
podemos avaliar.”
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................... 06
2 SOBRE A DEFICIÊNCIA ............................................................................................... 07
2.1 A CAPADIDADE CIVIL ................................................................................................. 08
2.3 O INSTITUTO DA INCAPACIDADE ............................................................................ 10
3 EVOLUÇAO HISTÓRIA .............................................................................................. 10
4 AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES A LUZ DO ESTATUTO DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA .................................................................................................... 14
4.1 DA INCAPACIDADE ABSOLUTA ............................................................................... 15
4.2 DA INCAPACIDADE RELATIVA ................................................................................ 16
4.3 DA CURATELA .............................................................................................................. 17
4.4 DO CASAMENTO .......................................................................................................... 20
4.5 DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA ............................................................................ 21
4.6 DO SUFRÁGIO ............................................................................................................... 22
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 24
REFERÊNCIAS...............................................................................................................26
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DEFICIÊNCIA NÃO GERA INCAPACIDADE: UMA ANÁLISE A LUZ DO
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
SUZANE DA SILVA CUNHA
LUCIANA DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI BRITO
RESUMO
Nesse estudo partimos da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI - Lei
13.146/15), conhecida como o estatuto da pessoa com deficiência, publicada em 06 de julho
de 2015, que trouxe novas regras e novos entendimentos ao instituto da incapacidade e
deficiência, promovendo a garantia dos direitos a liberdade, e igualdade dessas pessoas. A
fundamentação foi estruturada com base Lei 13.146/15, tratando nesse estudo o direito
subjetivo da pessoa com deficiência e os interesses juridicamente protegidos, e as inovações
trazidas que podem ser prejudiciais, no âmbito do caso concreto. A abordagem voltou mais
profundamente ao direito civil no tocante as principais mudanças que ocorreram no instituto
da incapacidade, da curatela, direitos de família, prescrição, entre outros reflexos trazidos pelo
novo estatuto. Também como material de apoio, à utilização da constituição federal de 1989,
o Código de Direito Eleitoral no tocante as mudanças ocorridas no sufrágio que passa a
conferir todos os direitos políticos aos deficientes de modo geral. No mais, será explorado os
entendimentos doutrinários acerca do tema que apesar de ter sido inserido no ordenamento
jurídico recentemente, já é objeto de muitas controvérsias e conflitos em seu conteúdo
material com a constituição e demais diplomas legais.
PALAVRAS CHAVE: Deficiência. Incapacidade. Inovações.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Lei Federal nº 13.146, publicada em 06 de julho de 2015, conhecida como Estatuto
da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão, trouxe inovações relevantes ao
instituto da incapacidade, e deficiência. Referida lei teve sua base derivada da convenção
sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo assinado em Nova
York em 30 de março de 2007, cujo texto já havia sido incorporado pelo decreto legislativo nº
186, de 9 de julho de 2008. Imperioso que mencionada convenção possui status de emenda
constitucional, por aprovação, em cada casa do congresso nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos, conforme previsão do artigo 5º, § 3º, da constituição federal de 1989.
*Concluinte do 10º período do curso de direito na instituição Fesp Faculdades. E-mail:
Suzane_cunha@gmail.com
Pós-graduada em direito processual civil, doutora em ciências jurídicas e sociais, professora
universitária e advogada sócia do Cavalcanti Brito advocacia e consultoria jurídica. E-mail:
lucavalcanti@gmail.com
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As normas do estatuto foram embasadas pelos princípios da dignidade inerente, a
autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência
das pessoas, a não-discriminação, a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade, o
respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da
diversidade humana e da humanidade, a igualdade de oportunidades, a acessibilidade, a
igualdade entre o homem e a mulher, e o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das
crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua
identidade. Tais princípios reforçam a responsabilidade e comprometimento que o Brasil
antes fizera em mencionada convenção, inclusive em garantir a aplicação de todas as
previsões em que esta dispunha.
O estatuto objetiva a promoção e inserção dos deficientes na sociedade, de modo a
abolir qualquer tipo de discriminação culturalmente enraizadas ao longo dos séculos, que
rotularam essas pessoas como verdadeiro ―peso‖ suportado pela humanidade. Desta forma,
embora essa promoção já tenha sido proposta em outros diplomas legais, o legislador
entendeu como indispensável a criação desse estatuto para salvaguardar os direitos das
pessoas com deficiência.
Ressalte-se que quase ao mesmo tempo foi sancionada a lei nº 13.105, de 16 de
março de 2015, denominado novo código de processo civil, que também modificou o instituto
da incapacidade, resultando assim em um verdadeiro atropelo jurídico, principalmente no que
tange a interdição e curatela desses indivíduos que em alguns casos podem ficar
desamparados como veremos ao longo do estudo.
2 SOBRE A DEFICIÊNCIA
Para tratar a respeito das leis que envolvem as pessoas com deficiência, é preciso
entender primeiramente seu conceito e os paradigmas impostos pela sociedade que ensejaram
a criação de normas viabilizando a promoção e proteção dos indivíduos com necessidades
especiais, objeto inclusive de várias discussões e objeções seja na área da saúde ou na área
jurídica. Esses conceitos vêm se modificando com o tempo, ao passo que a legislação
brasileira também busca acompanhar essa evolução visando a inserção dessas pessoas no
convívio comum da sociedade.
No passado a deficiência era analisada principalmente sob um ponto de vista médico,
atribuindo a necessidade de acompanhamento de profissional da área da saúde que tratava de
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forma individual cada indivíduo, sem levar em consideração o contexto social. A deficiência
era considerada ―um problema singular do indivíduo, responsabilizando-o por se adaptar,
habilitar, ou reabilitar, de modo a satisfazer e a realizar as tarefas estabelecidas pela sociedade
em termos profissionais ou sociais‖ (MARTINS, 2014, p.48).
Esse conceito foi se modificando com o tempo, de modo que foram surgindo
movimentos de conscientização objetivando a inserção dessas pessoas de forma igualitária no
convívio social, passando a deficiência a ser analisada não apenas sob o contexto médico, mas
social, com necessidades de direitos garantidos pelo estado. Acerca do tema, a Convenção
Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência as definiu como “aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
com interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas‖ (BRASIL, 2009). A análise
fora da perspectiva médica, atribuiu uma importância substancial, de forma que é possível
identificar a valorização dos direitos humanos de uma forma geral.
A medida que passamos a conhecer o instituto da deficiência, é importante que haja
uma separação desse instituto com o instituto da incapacidade, visto que suas singularidades
permitem uma visão mais aprofundada quanto a pessoa com deficiência e suas limitações
físicas e/ou intelectuais, de modo que a deficiência em si, não torna um indivíduo incapaz de
exercer atividades de qualquer natureza.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), deficiência é o substantivo atribuído a
toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica
que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal
para o ser humano. É a repercussão imediata da doença sobre o corpo, impondo uma alteração
estrutural ou funcional ao nível tecidual ou orgânico (CAMPOS, 2015).
O Ministério da Educação/Secretaria da Educação Especial (BRASIL, 2006)
classifica ainda a deficiência como temporária - quando tratada, permite que o indivíduo volte
às suas condições anteriores, recuperável - quando permite melhora diante do tratamento, ou
suplência por outras áreas não atingidas, e ainda permanente - aquela que se estabilizou
durante um período de tempo não permitindo a recuperação ou probabilidade de alteração
apesar de novos tratamentos. Por fim, a deficiência é conceituada como repercussão imediata
da doença sobre o corpo, impondo uma alteração estrutural ou funcional a nível tecidual ou
orgânico (CID10-Código Internacional de Doenças, 1980).
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2.1 A CAPACIDADE CIVIL
No ordenamento jurídico brasileiro, a capacidade civil é entendida como a aptidão
plena do indivíduo reger sua própria vida no tocante aos seus bens patrimoniais e o exercício
dos atos da vida civil, de modo que possa viver de forma independente, gozando de todos os
direitos, bem como todos os deveres inerentes a vida em sociedade. Importante ressaltar que
não se confunde capacidade com personalidade do indivíduo, uma vez que a essa
personalidade é qualidade do sujeito, intrínseco à sua natureza, portanto inseparável,
conforme afirma Caio Mário ―A ideia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa,
pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair deveres. Esta aptidão é hoje
reconhecida a todo ser humano [...]‖, (PEREIRA, 2004, p. 213).
Essa personalidade é satisfeita apenas com o nascimento do indivíduo com vida,
mantendo-se com ele até que surja uma causa de extinção, ou seja a morte. Esse fenômeno
acaba por extinguir tanto os direitos quantos as obrigações personalíssimas, como por
exemplo a dissolução do vínculo matrimonial, no entanto, os direitos não personalíssimos em
especial os de natureza patrimonial são transmitidos aos sucessores. A despeito da
personalidade pertencer ao indivíduo desde seu nascimento, a capacidade depende da
condição física ou metal que este goza, sem os quais fica restrito ou proibido de praticar
alguns ou todos os atos da vida civil. Data vênia que a capacidade está ligada à prática dos
atos jurídicos, e não ao fato jurídico de maneira isolada.
Assim, o Código Civil de 2002, demostra que o legislador adotou basicamente quatro
critérios para determinar a capacidade: a idade, a integridade psíquica, a aculturação e a
localização da pessoa. O critério de idade, reconhece somente o indivíduo maior de dezoito
anos como plenamente capaz para exercer todos os atos da vida civil. Já o critério da
integridade psíquica, afasta as pessoas com atitudes conhecidas como anormais ou atípicas à
normalidade social pois não possuem a plena capacidade civil, como no caso dos portadores
de enfermidade ou retardo mental que não possuem o necessário discernimento, ou
desenvolvimento mental para a prática de atos jurídicos, bem como os pródigos, os que ainda
que por motivo transitório, não puderem exprimir a sua vontade, os ébrios habituais, os
viciados em tóxicos.
A localização do indivíduo, refere-se desaparecimento do sujeito que possui bens e
negócios sucessíveis a herdeiros. Referida ausência sem justa causa, e motivo estranho aos
seus familiares, enseja a necessidade de nomeação de pessoa plenamente capaz para geri-los,
até que se determine a sucessão patrimonial por meio de decisão judicial em favor dos
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beneficiários, nos termos da lei do código de civil e processo civil brasileiro. Desta forma, por
consequência da ausência ainda que temporal do indivíduo, ocasiona sua incapacidade no
tocante a impossibilidade da administração de seu patrimônio e exercício pleno dos direitos e
atos da vida civil.
No que pese o processo de colonização do Brasil ter iniciado entre os séculos XVI e
XIX, fala-se ainda em aculturação à civilização colonizadora concernente aos índios, que até
hoje possuem imunidades e gozam de proteção do estado e contam com garantias especiais,
inclusive com direitos próprios previstos desde a constituição de 1934 (primeira constituição a
dar proteção aos índios), ademais essas garantias foram recepcionadas pela constituição
federal de 1988, e o código civil de 2002, em seu parágrafo único, artigo 4º, que determina
que a capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. Destarte, não há o que
falar em capacidade para o exercício de atos civis dos indígenas visto que não possuem grau
suficiente de civilidade, reconhecidos pela lei maior.
2.2 O INSTITUTO DA INCAPACIDADE
Atestada as considerações acerca da capacidade, podemos concluir que a
incapacidade no âmbito jurídico é a exceção, portanto, presumidamente toda pessoa goza da
capacidade plena para os atos civis, hipótese afastada apenas em previsão expressa de lei.
Neste sentido vejamos o que dispõe Diniz (2013, p.170), ―incapacidade é a restrição legal ao
exercício dos atos da vida civil‖, esta se subdivide em absoluta e relativa‖. A incapacidade
pode ser definida como a redução ou falta de capacidade para a realização de uma atividade
num padrão considerado normal para o ser humano, em decorrência de uma deficiência ou
patologia.
Surge como consequência direta em resposta a uma deficiência, física, sensorial, ou
ainda provocados por substancias que alteram o estado do cérebro humano e provocam
distúrbios na consciência do indivíduo. A incapacidade representa a objetivação da
deficiência e reflete os distúrbios da própria pessoa nas atividades e comportamentos
essenciais à vida diária, causando certo prejuízo ou desvantagem que limitam ou impedem o
indivíduo de desempenhar papéis comuns em determinado grupo ou sociedade como um todo,
papéis esses determinantes ainda de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais. A
incapacidade caracteriza-se por uma discordância entre a capacidade individual de realização
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e as expectativas do indivíduo ou do seu grupo social. Representa a socialização da
deficiência e relaciona-se às dificuldades nas habilidades de sobrevivência.
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Aos longos dos anos grandes mudanças ocorreram no instituto da deficiência e
incapacidade por movimentos visando a inserção, valorização e proteção dessas pessoas em
todo mundo. Nesse processo de evolução mundial, o princípio da dignidade da pessoa
humana está presente em todas as fases garantindo medidas de socialização, e
desenvolvimento, destacando ainda a importância da abordagem do tema para a promoção
desses indivíduos.
No Brasil essas garantias são asseguradas na constituição federal, com previsão de
medidas complementares pelas constituições dos estados, distrito federal e municípios. Além
de que, o Brasil vem recepcionando tratados e convenções internacionais, os promulgando
inclusive por meio de decretos, ou os incorporando no ordenamento jurídico, conferindo
inclusive equivalência de normas supralegais, e status de emenda constitucional quando em
seu conteúdo versarem a respeito de direitos, respeitando as formalidades previstas no artigo
5º, § 3º da CRFB, cuja redação ―a aprovação com o quorum qualificado de 3/5 (três quintos)
dos votos dos membros de cada Casa do Congresso, em dois turnos, garante a tais tratados e
convenções (de Direitos Humanos) o mesmo status das normas constitucionais‖ (BRASIL,
1989).
Considerando o contexto histórico de amparo aos deficientes no Brasil, a princípio
podemos destacar a lei 10.216/01 conhecida como a reforma psiquiátrica, cuja lei teve sua
base na mudança de cenário e tratamento das pessoas vistas como escória pela sociedade.
Houve necessidade da percepção dos doentes mentais fora da prática clínica, abordando sobre
eles um viés jurídico de respeito e dignidade dos seus direitos. Sobre a reforma Amarante
(2013, p. 63) fundamenta:
Está sendo considerada reforma psiquiátrica o processo histórico de formulação
crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento e a
elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da
psiquiatria No Brasil, a reforma psiquiátrica é um processo que surge mais concreta
e principalmente a partir da conjuntura da redemocratização, em fins da década de
1970, fundado não apenas na crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde
mental, mas também, e principalmente, na crítica estrutural ao saber e às instituições
psiquiátricas clássicas, no bojo de toda movimentação político-social que caracteriza
esta mesma conjuntura de redemocratização.
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A reforma psiquiátrica foi aprovada após doze anos, nos quais sofreu várias
modificações em seus institutos. É considerada uma lei progressista, contendo treze artigos
que agregam a família, e tratam sobre a mínima intervenção, e casos específicos de internação
somente mediante laudo médico. Também exigiu de assistência integral ao doente mental,
incluindo-se opções de lazer e cultura.
No que tange as inovações recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro,
convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra as
pessoas portadoras de deficiência, promulgada no Brasil pelo Decreto Federal nº. 3.956, de 08
de outubro de 2001, representa grande importância no ordenamento. Esse diploma cuida em
seu artigo 2º a prevenção e eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas
com deficiência, visando ainda sua plena integração com a sociedade. No mais menciona que
os países que a assinaram a convenção como o Brasil reafirmam que as pessoas com
deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas, e
que constitui um direito da pessoa com deficiência, inclusive, não ser alvo de discriminação,
uma vez que dignidade e igualdade são inerentes a todo ser humano.
A Lei Federal n° 7.853, de 24 de outubro de 1989 regulamentada pelo Decreto
Federal nº. 3.298, de dezembro de 1999 com a redação dada pelo Decreto Federal nº. 5.296,
de 2004), trata sobre os direitos básicos das pessoas com deficiência, determinando os órgão e
entidades da administração direta e indireta no âmbito de sua competência e finalidade, aos
assuntos objetos da referida lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem
prejuízo de outras, medidas na área da educação, na área da saúde, na área da formação
profissional e do trabalho, na área de recursos humanos e na área das edificações
especificadas nos dispositivos da lei (art. 1° e 2°, da Lei nº 7.853/89).
Os portadores de deficiência auditiva foram beneficiados pela lei Federal nº.
8.160/91 que permite a identificação de pessoas portadoras de deficiência auditiva, bem como
torna obrigatória à colocação, de forma visível, do ―Símbolo Internacional de Surdez‖ em
todos os locais que possibilitem acesso, circulação e utilização por pessoas com deficiência
auditiva, e em todos os serviços que forem postos à sua disposição ou que possibilitem o seu
uso. (artigo 1º, da Lei Federal nº 8.160/91).
A Lei Federal nº. 10.048/00, regulamentada pelo Decreto Federal nº 5.296, em 02 de
dezembro de 2004, prevê atendimento prioritário as pessoas com deficiência em logradouros e
sanitários públicos, igualmente os edifícios de uso público, com normas de construção, para
efeito de licenciamento da respectiva edificação, baixadas pela autoridade competente,
facilitando o acesso e o uso pelas pessoas com deficiência. Além disso, a exigência de
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adaptações necessárias no transporte coletivo garantindo acesso facilitado das pessoas
portadoras de deficiência.
Com a finalidade de promover a acessibilidade, a lei federal nº 10.098/00 estabelece
normas e critérios básicos de planejamento e urbanização das vias e áreas públicas, e privadas
de uso comunitário, compreendendo itinerários, caminho de entrada e saída de veículos,
escadas e rampas, passagem de pedestres, todos esses estabelecidos pela Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (art. 5º, da Lei Federal nº 10.098/00).
Ademais, em seu artigo 6º, dispõe sobre os banheiros de usos públicos existentes ou
a construir em lugares públicos, nos quais devem ser acessíveis e dispor, pelo menos, de um
sanitário e um lavatório que atendam às especificações das normas técnicas estabelecidas
nessa lei. Ainda em seu artigo 7º, determina reserva de vagas próximas dos acessos de
circulação de pedestres em estacionamentos, devendo estas ser sinalizadas, e em número
equivalente a dois por cento do total. O incentivo cultural também teve papel importante com
a vigência desse diploma garantindo que os locais de espetáculos, conferências, aulas e outros
de natureza similar deveriam dispor de espaços para cadeirantes, e lugares próprios para
pessoas com deficiência auditiva e visual, até mesmo acompanhante, conforme ABNT,
garantindo condições de acesso, circulação e comunicação.
Com relação a saúde, o art. 6°, da Lei Federal nº. 8.080/90, garante no campo de
atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) a assistência terapêutica integral, farmacêutica,
equipamentos, ficando os entes federativos obrigados por meio do SUS de fornecer
medicamento e tratamento com todas as especificidades necessárias ao paciente (BRASIL
1990).
Já a lei federal de nº. 9.394/96, trouxe inovações quanto a educação, determinando
como dever do Estado a realização do atendimento educacional especializado gratuito as
pessoas com necessidades especiais, dever de oferta de educação escolar regular para jovens e
adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades.
Quanto ao direito ao trabalho e a profissionalização determinou educação especial para o
trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, com condições adequadas. O
aluno portador de deficiência matriculado no ensino fundamental ou médio, de instituições
públicas ou privadas, terá acesso à educação profissional, a fim de obter habilitação
profissional que lhe confira oportunidades de acesso ao mercado de trabalho.
Como podemos observar, grandes avanços ocorreram no ordenamento jurídico afim
de promover os direitos, garantias e liberdades da pessoa com deficiência. Nessa perspectiva,
a convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo
14
assinado em Nova York 2007, foi incorporada pelo decreto legislativo nº 186, de 9 de julho
de 2008 e promulgada pelo decreto executivo nº 6.949 de 25 de agosto de 2009, possuindo
status de emenda constitucional. Referido diploma internacional indica como objetivo em seu
artigo primeiro a promoção, e proteção, assegurando o exercício pleno e equitativo de todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e
promover o respeito pela sua dignidade inerente (BRASIL 2009). Nesse sentido a ratificação
da convenção foi muito expressiva quanto a promoção da autonomia individual, liberdade e
acessibilidade.
Seus princípios norteadores são à dignidade, a autonomia individual, liberdade de
escolha, a não-discriminação, a efetiva participação e inclusão na sociedade, o respeito às
diferenças e aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana, a
igualdade de oportunidades, a acessibilidade, igualdade dos sexos, o respeito pelo
desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e o direito delas de preservar
sua identidade.
A convenção indica que todas as pessoas são iguais perante a lei, sem qualquer
discriminação, cabendo aos países signatários a proibição de qualquer discriminação baseada
na deficiência, e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer justificativa.
Assegura ainda o efetivo acesso à justiça, a valorização de opinião, e cuida de forma expressa
à tutela das mulheres e crianças portadoras de deficiência. De modo a satisfazer os ditames da
Convenção, o Brasil editou a Lei Complementar Federal n° 132, de 07 de outubro de 2009,
incumbindo a Defensoria Pública de salvaguardar os interesses individuais e coletivos das
pessoas portadoras de deficiência.
4 AS PRINCIPAIS MUDANÇAS TRAZIDAS PELO ESTATUTO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA
O advento da lei 13.146/15 denominada estatuto da pessoa com deficiência trouxe
mudanças significativas as regras e orientações para promoção dos direitos e liberdades
àquele que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, conforme seu artigo 2º. Referido diploma legal deixou de reconhecer esses
indivíduos como civilmente incapazes, de modo em que os artigos, 6º e 84º, torna indubitável
que a deficiência não afeta a plena capacidade civil. Diferente da lei da reforma psiquiátrica
que garantia aos deficientes direitos inerentes a raça, cor, religião, orientação sexual, família,
15
mas ao mesmo tempo resguardava medidas de proteção e assistência, tornando o exercício
desses direitos de forma indireta através de seu representante.
O estatuto cuidou inclusive de modificar a expressão antes utilizada como ―pessoas
portadoras de deficiência‖ para a expressão ―pessoas com deficiência‖, adotando o
entendimento que:
‗Portadores‘ implica em algo que se ‗Porta‘, que é possível se desvencilhar tão logo
se queira ou chegue-se a um destino. Remete, ainda, a algo temporário, como portar
um talão de cheques, portar um documento ou ser portador de uma doença. A
deficiência, na maioria das vezes, é algo permanente, não cabendo o termo
‗portadores‘. Além disso, quando se rotula alguém como ‗portador de deficiência‘,
nota-se que a deficiência passa a ser ‗a marca‘ principal da pessoa, em detrimento de
sua condição humana. A diferença entre as terminologias ‗pessoa com deficiência‘,
ressalta-se a pessoa à frente de sua deficiência, e sua valorização acima de tudo,
independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou intelectuais (SILVA,
2016).
Objetivando se adaptar as exigências da convenção de Nova York de 2007, o estatuto
tutelou os iguais direitos a liberdade, acessibilidade, igualdade, respeito pela dignidade e
autonomia individual, o que inclui a liberdade de fazer suas próprias escolhas, razão pela qual
o novo diploma legal interferiu na teoria das capacidades mitigada (ROSENVALD, 2015).
Historicamente as pessoas com deficiência tiveram sua liberdade suprimida, seja pelo
contexto social e cultural, bem como no ordenamento jurídico. As modificações trazidas pelo
novo diploma legal, afasta a incapacidade da deficiência, de modo que o indivíduo em razão
da deficiência não mais é automaticamente incapaz, passando este pela mesma regra da
capacidade presumida como as demais pessoas. Essas mudanças estruturais e funcionais na
antiga teoria das incapacidades, repercute diretamente nos institutos do direito de família,
como o casamento, a interdição e a curatela. Ressalte-se que o novo código de processo civil
também trouxe mudanças e tratou de revogar alguns dispositivos do código civil, ao passo
que o estatuto modificou dispositivos que que a nova lei processual civil revogou,
configurando um grande atropelamento legislativo, o qual será necessário harmonizar e
compatibilizar frente ao caso concreto.
4.1.1 DA INCAPACIDADE ABSOLUTA
16
O direto institui a incapacidade como absoluta e relativa, conforme suas
singularidades determinadas pela idade e grau de deficiência. O artigo 3º do Código de
Direito Civil dispunha da seguinte redação:
São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os
menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo
por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (BRASIL, 2002).
Essa incapacidade absoluta era a impossibilidade que o indivíduo tinha de exprimir
sua vontade e responder por si, resultando na necessidade que essa vontade fosse feita por
representação através do processo de interdição, produzindo uma relação indireta entre o
incapaz e os atos civis. Essa representação era feita normalmente através de decisão judicial
onde a autoridade legitimava um representante para esse intermédio. Com a revogação de
todos os incisos do referido artigo passou a estabelecer que "são absolutamente incapazes de
exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos" (BRASIL, 2002).
Concernente o legislador ignorou o conceito tradicional de proteção que o Brasil
conferia aos deficientes, passando estes de forma repentina à condição de plenamente
capazes, independentemente da sua restrição física ou mental, como dispõe o artigo 84, ―a
pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em
igualdade de condições com as demais pessoas‖ (BRASIL, 2015).
Nesse sentido, será necessária uma construção doutrinária e jurisprudencial para
evitar que qualquer portador de transtorno mental seja considerado capaz, conforme novo
diploma, sendo considerado os casos que que apesar da maioridade, o indivíduo não pode ser
considerado automaticamente capaz, como recomenta Tartuce (2015):
Todavia, pode ser feita uma crítica inicial em relação à mudança do sistema. Ela foi
pensada para a inclusão das pessoas com deficiência, o que é um justo motivo, sem
dúvidas. Porém, acabou por desconsiderar muitas outras situações concretas, como a
dos psicopatas, que não serão mais enquadrados como absolutamente incapazes no
sistema civil. Será necessário um grande esforço doutrinário e jurisprudencial para
conseguir situá-los no inciso III do art. 4º do Código Civil, tratando-os como
relativamente incapazes. Não sendo isso possível, os psicopatas serão considerados
plenamente capazes para o Direito Civil.
Objetivando condecorar a independência as pessoas com deficiência o estatuto
acabou por retirar a condição de incapaz daqueles que indiscutivelmente merecem uma
atenção como os psicopatas, e os que sofrem de distúrbios mentais graves. No mais, a
proteção antes conferida aos deficientes buscava um equilíbrio nas relações desses indivíduos
17
com os demais na sociedade, ―O instituto da incapacidade propõe garantir a proteção daqueles
que se encontram em desvantagem em uma relação jurídica, compensando as disparidades e
restabelecimento o equilíbrio psíquico, rompido pela falta ou redução de discernimento desses
indivíduos‖ (PEREIRA, 2011).
Essa proteção não pode ser vista como discriminação, mas como defesa da equidade
entre os desiguais, e justiça social, visto que o sentido pejorativo da deficiência advém do
contexto histórico, social e econômico.
4.1.2 DA INCAPACIDADE RELATIVA
No diploma anterior os relativamente incapazes gozavam de todas as faculdades e
exercícios instituídos na capacidade plena, restringindo apenas alguns atos jurídicos razão
pela qual era determinada a assistência. Conforme o parágrafo quarto do Código Civil:
São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e os menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,
tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por
legislação especial.
A partir da mudança a redação passa a dispor que:
São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;
IV - os pródigos (BRASIL, 2002)
As mudanças dessa relativização, confere a plena capacidade independente da
deficiência do indivíduo. Não obstante, àqueles que não podem exprimir a vontade antes
considerados como absolutamente incapazes, passam a ser relativamente incapazes. No mais,
as pessoas com discernimento reduzido, e os excepcionais sem desenvolvimento completo
não foram mantidos no diploma, que apenas amparou os ébrios habituais (os alcoólatras) e os
viciados em tóxicos, que dependerão de um processo de interdição relativa, com sentença
judicial, para que sua incapacidade seja reconhecida.
18
Esse novo entendimento ao passo que busca promover a inclusão e tratamento
igualitário entre toda sociedade, mesmo que por justo motivo, deixa de observar a
desigualdade material, desconsiderando muitas outras situações concretas que podem
acarretar em prejuízos a esses indivíduos no caso concreto.
4.2 DA CURATELA
Com a extinção dos absolutamente incapazes com limitação física ou mental, a
curatela passa a ser medida extraordinária e limitada à natureza patrimonial como prevê o
artigo 85 do estatuto da pessoa com deficiência:
Art. 84, § 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida
protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada
caso, e durará o menor tempo possível
.Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza
patrimonial e negocial.
§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao
matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
§ 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as
razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.
§ 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz
deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou
comunitária com o curatelado (BRASIL, 2015).
Não há que se falar em representação legal nem com relação aos menores de
dezesseis anos considerados absolutamente incapazes, pois ficam sujeitos ao poder familiar
ou à tutela, e não à interdição. Desse modo, a interdição completa foi abolida do ordenamento
jurídico restando apenas a curatela especial.
Assim, não há que se falar mais de ‗interdição‘, que, em nosso direito, sempre teve
por finalidade vedar o exercício, pela pessoa com deficiência mental ou intelectual,
de todos os atos da vida civil, impondo-se a mediação de seu curador. Cuidar-se-á,
apenas, de curatela específica, para determinados atos. [...] O novo CPC revogou os
artigos 1.768 a 1.773 do Código Civil, justamente os que tratam da promoção da
curatela (‗interdição‘), aparentemente por disciplinarem assuntos de direito
processual e não de direito material. O novo CPC desconsiderou tanto o projeto de
lei que se converteu no Estatuto da Pessoa com Deficiência, quanto, o que é mais
grave, a Convenção promulgada em 2009, que tem força de emenda constitucional
(Constituição, artigo 5º, § 3º), por ser matéria de direitos humanos, com supremacia
sobre qualquer lei ordinária. Nos artigos 747 e seguintes, o novo CPC, alude a
―interdição‖ e a ‗interditando‘, quando não há mais nem uma nem outro. O Estatuto
de 2015, por sua vez, publicado posteriormente ao novo CPC, restaura os artigos do
Código Civil relativos à curatela revogados por este, dando-lhes nova redação, em
conformidade com a Convenção. Ocorre que tanto o novo CPC quanto o Estatuto
estabeleceram diferentes tempos para vacatio legis: o Estatuto entrará em vigor no
19
dia 3 de janeiro de 2016 (180 44 dias) e o novo CPC no dia 17 de março de 2016
(um ano). A desatenção do legislador fez brotar essa aparente repristinação. [...] As
regras do novo CPC deverão ser interpretadas em conformidade com as da
Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, pois esta tem força
normativa superior àquele, relativamente á curatela especial, como medida protetiva
e temporária, não sendo cabível a interpretação que retome o modelo superado de
interdição, apesar da terminologia inadequada utilizada pela lei processual (LÔBO,
2015).
No entanto, como afirma Pereira (2015), procedimento de interdição e curatela
continuará existindo, ainda que em uma nova perspectiva, limitada aos atos de conteúdo
econômico ou patrimonial. No mesmo sentido, Abreu (2015) afirma que, não é o fim do
―procedimento de interdição‖, mas sim, do standard tradicional da interdição, em virtude do
fenômeno da ―flexibilização da curatela.
Nesse viés, a extensão da representação se dará através de uma avaliação detalhada
de cada caso, devendo, portanto, ser fixado os atos que deverão ser assistidos, de acordo ainda
com o grau de percepção e discernimento das situações, do conteúdo e das consequências de
suas ações. Imperioso observar que nesse sentido a curatela estará sendo aplicada inclusive
aos plenamente capazes, com atenção ao artigo 84, do estatuto do deficiente, ―A pessoa com
deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas. § 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será
submetida à curatela, conforme a lei‖ (BRASIL, 2015).
Contudo, embora se perceba a uma espécie de contradição a pessoa com deficiência
é ―dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos
assistenciais específicos‖ (STOLZE, 2015).
Nessa lógica adjacente à curatela surge um novo instituto chamado tomada de
decisão apoiada, previsto no artigo 1.783- do código civil, introduzido pelo estatuto da pessoa
com deficiência onde afirma que a tomada de decisão apoiada é processo pelo qual a pessoa
com deficiência elege pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e
que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida
civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua
capacidade. Nesse pensamento apoia-se Atalá (2015):
Assim, em síntese, a pessoa com deficiência que tenha qualquer dificuldade prática
na condução de sua vida civil, poderá optar pela curatela, diante de incapacidade
relativa, ou pelo procedimento de tomada de decisão apoiada. Deve-se frisar que
pessoas com deficiência mental severa continuam sujeitas à interdição quando
relativamente incapazes. A alteração legislativa, que excluiu a expressão
―deficiência mental‖ do texto do artigo 4.º do CC, não veda a interdição quando o
deficiente não possa, por causa transitória ou permanente, manifestar sua vontade. O
20
artigo 84, § 1.º, do EPCD, enfatiza que, ‗quando necessário, a pessoa com
deficiência será submetida à curatela‘, ‗proporcional às necessidades e às
circunstâncias de cada caso‘, durante o menor tempo possível (§ 3.º).
Com relação aos legitimados a há uma grande problemática entre o estatuto e o novo
código de processo civil vez, que o estatuto prevê o próprio interessado competente para
solicitar sua curatela, sem levar em consideração os casos em que a pessoa está
impossibilitada de manifestar a sua vontade de forma livre e consciente afastando o sentido da
denominada autointerdição. Já o novo código de processo civil dispõe que a curatela: ―poderá
ser promovida apenas: I) pelo cônjuge ou companheiro; II) pelos parentes ou tutores; III) pela
entidade de abrigo do interditando; e IV) pelo Ministério Público‖ (BRASIL, 2015). O que
ocasionou a vacatio legis pois com a vigência do novo cpc a autointerdição teria sido
expressamente revogada. Didier JR. (2015), afirma que uma vez que há divergência nas datas
dos referidos diplomas pode-se obter resultado diverso. Em outras palavras:
O art. 1.768 do Código Civil foi revogado, pois o regramento da legitimidade para a
propositura da ação interdição passou a estar no art. 747 do CPC. Agora, a Lei n.
13.146/2015, ignorando a revogação do dispositivo pelo CPC, acrescenta-lhe um
inciso (art. 1.768, IV, Código Civil), para permitir a promoção da interdição pelo
próprio interditando – legitimando a autointerdição, portanto. Não há essa previsão
no art. 747, CPC. O artigo alterado será revogado a partir de 18 de março de 2016. O
que, então, fazer? Parece que a melhor solução é considerar que a revogação
promovida pelo CPC levou em consideração a redação da época, em que não
aparecia a possibilidade de autointerdição. A Lei n. 13.146/2015 claramente quis
instituir essa nova hipótese de legitimação, até então não prevista no ordenamento –
e, por isso, não pode ser considerada como ‗revogada‘ pelo CPC. O CPC não
poderia revogar o que não estava previsto. Assim, será preciso considerar que há um
novo inciso ao rol do art. 747 do CPC, que permite a promoção da interdição pela
‗própria pessoa‘ (DIDIER JR., 2015)
Portanto, o próprio interessado continua como legitimado a propositura da ação, no
mesmo sentido em que o Ministério Público também goza de mesma legitimidade para ajuizar
essa ação de interdição de pessoa com deficiência mental ou intelectual em qualquer
circunstância com fulcro no art. 1.769, I do Código Civil alterado pelo art. 114 da Lei nº
13.146/15.
Outro ponto que merece destaque reporta àqueles onde a curatela já foi declarada por
sentença transitada e julgada e os processos em tramitação cujo regime de transição não foi
criado. Nesse sentido, ―seria temerário, com sério risco à segurança jurídica e social,
considerar, a partir do Estatuto, ‗automaticamente‘, inválidos e ineficazes os milhares — ou
milhões — de termos de curatela existentes no Brasil‖ (GAGLIANO, 2016). Nesse
entendimento, as curatelas já declaradas continuam válidas, devendo sua eficácia estar
21
limitada nos termos da Lei n.º 13.146/2015. No mais ―dada a natureza constitutiva da
sentença, o mais razoável é que, por iniciativa da partes ou do Ministério Público, haja uma
revisão da situação em os interditados se encontram, para que possam migrar para um regime
de incapacidade relativa ou de tomada de decisão apoiada, conforme for o caso.
4.3 DO CASAMENTO
No tocante ao casamento também foram feitas alterações importantes pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência. O artigo 1.518 do Código Civil sofreu modificação em sua
redação, passando a dispor que ―até a celebração do casamento, podem os pais ou tutores
revogar a autorização para o matrimônio‖ (BRASIL, 2015). Não mais estende essa previsão
aos curadores, nem se decreta mais a nulidade do casamento do enfermo mental, uma vez que
o parágrafo 3º, inciso II, do Código Civil, foi revogado. Portanto o casamento do enfermo
mental, sem discernimento, passa a ser válido, não mais sendo nulo, apenas anulável se
provado vício de consentimento. Nesse entendimento a pessoa com deficiência mental ou
intelectual em idade núbil poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente
ou por meio de seu responsável ou curador (Art. 1.550, § 2º, Código de Direito Civil.
De modo que somente resultará a anulação do casamento dos ébrios habituais, dos
viciados em tóxicos e das pessoas que, por causa transitória ou definitiva, não puderem
exprimir sua vontade, conforme incisos II e III do art. 4º do estatuto. Também foram
modificados dois incisos do art. 1.557 do mesmo diploma, nos quais regula as hipóteses de
anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa. O seu inciso III igualmente passou
a ser anulável, o casamento por erro no caso de ignorância anterior ao casamento, de defeito
físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por
contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua
descendência.
Revogado juntamente o inciso IV do art. 1.557 que permitia a anulação do casamento
em caso de desconhecimento de doença mental grave. Dispunha referido artigo: ―a
ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne
insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado‖, (BRASIL, 2002), restando esse
casamento não mais é passível de anulação.
Consoante estatuto trouxe ainda expressões significativas com relação ao direito de
família como dispõe o artigo 6º do estatuto, ―a deficiência não afeta a plena capacidade civil
22
da pessoa, inclusive para: I - casar-se e constituir união estável; II - exercer direitos sexuais e
reprodutivos; III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a
informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV - conservar sua
fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V - exercer o direito à família e à
convivência familiar e comunitária; e VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à
adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas‖
(BRASIL, 2015). Portanto, os atos relacionados ao exercício do poder familiar
supramencionados, não restam afetados em decorrência da deficiência.
4.4 DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Outra alteração feita pela lei federal nº 13.146 que me merece atenção afeta o
instituto da prescrição de modo que essas modificações podem acarretar consequências
positivas e negativas na estrutura jurídica brasileira. O artigo 198, inciso I, do código civil só
confere aos incapazes a impossibilidade do corrimento de prazo prescricional, diferente do
diploma anterior que não falava em prescrição contra deficientes que a priori eram
considerados incapazes, que entretanto, com a alteração no rol de incapacidades, a única
situação que impossibilita a fluência dos prazos prescricionais condiz com limite etário, ou
seja, os menores de 16 anos, afastando o benefício daqueles que possuem deficiência mental.
Consoante entendimento que os relativamente incapazes também foram excluídos da
suspensão ou impedimento da contagem dos prazos prescricionais. Com isso, afirma Simão
(2015) que ―com o Estatuto, os deficientes e excepcionais são capazes, a prescrição correrá
contra eles, prejudicando-os‖.
Vale ressaltar também que a nulidade dos contratos celebrados só contempla os
absolutamente incapazes, quando no passado essa nulidade seguia aos passos da prescrição,
beneficiando também os deficientes. Senão vejamos:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente
incapaz;
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio
jurídico: I - por incapacidade relativa do agente; II - por vício resultante de erro,
dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (BRASIL, 2002).
Observa-se dessa maneira que os contratos firmados pelos deficientes antes nulos de
pleno direito, hoje são passíveis de anulação. Destarte, se uma pessoa com deficiência leve,
23
no entanto com déficit cognitivo, considerado relativamente incapaz, celebrar um contrato que
lhe é desvantajoso esse será válido, necessitando para sua anulação comprovação de vícios de
consentimento (erro ou dolo) como ocorre com o plenamente capaz.
É certo que o multimencionado estatuto objetivou o tratamento igualitário e inclusão
dos deficientes na sociedade de modo a promover a dignidade da pessoa humana, porém
deixou de observar a aplicabilidade material, e consequências fáticas de diferentes situações
com as alterações feitas, nesse sentido Cunha, Farias e Pinto (2016, p. 36):
‗A real igualdade, a atender o princípio constitucional, reclama a adoção de medidas
concretas – ainda que transitórias e destinadas exclusivamente a determinados
grupos – objetivando corrigir distorções seculares ou mesmo contingenciais. Só
assim se compensam as desigualdades, garantindo-se a correta isonomia‘.
Assim, no que pese a promoção da dignidade da pessoa humana desses dessas
pessoas, é preciso identificar as limitações inegavelmente conferidas a elas, ―a abordagem da
questão da deficiência está de forma indubitável associada à ideia de igualdade na diferença‖
(MADRUGA, 2016, p. 95). Enseja portanto, a grande discussão acerca do tema dentre os
doutrinadores de modo a sanar as lacunas e problemáticas advindas com o novo diploma legal
inserido no nosso ordenamento jurídico, a respeito desse instituto.
3.5 DO SUFRÁGIO
Dentro das inovações trazidas pelo estatuto da pessoa com deficiência, o sufrágio é
sem dúvidas um divisor de água, pois embora de grande importância, o tema nunca fora antes
explorado. A constituição federal em seu artigo 15, inciso II, dispõe que ―a suspensão só se
dará nos casos de [...] II - incapacidade civil absoluta‖, tendo os incapazes seus direitos
políticos suspensos enquanto perdurarem os efeitos da incapacidade (BRASIL, 1988).
Não obstante, antes da vigência do estatuto, esse dispositivo abrangia o limite etário,
àqueles que por enfermidade ou deficiência mental não tivessem o necessário discernimento
para a prática dos atos políticos, ou aqueles mesmo por causa transitória, não pudessem
exprimir sua vontade. Com a mudança na teoria das incapacidades, apenas o limite etário
permanece no rol de incapazes, de modo que todos aqueles que antes estavam com os direitos
políticos suspensos, passam a obter total participação na vida política forma ativa e passiva,
ou seja, estão aptos tanto a voltar, como serem votados.
24
Art. 76. O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos
políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais
pessoas.
§ 1o À pessoa com deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada,
inclusive por meio das seguintes ações:
I - garantia de que os procedimentos, as instalações, os materiais e os equipamentos
para votação sejam apropriados, acessíveis a todas as pessoas e de fácil compreensão
e uso, sendo vedada a instalação de seções eleitorais exclusivas para a pessoa com
deficiência;
II - incentivo à pessoa com deficiência a candidatar-se e a desempenhar quaisquer
funções públicas em todos os níveis de governo, inclusive por meio do uso de novas
tecnologias assistivas, quando apropriado;
III - garantia de que os pronunciamentos oficiais, a propaganda eleitoral obrigatória
e os debates transmitidos pelas emissoras de televisão possuam, pelo menos, os
recursos elencados no art. 67 desta Lei;
IV - garantia do livre exercício do direito ao voto e, para tanto, sempre que
necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja
auxiliada na votação por pessoa de sua escolha.
§ 2o O poder público promoverá a participação da pessoa com deficiência, inclusive
quando institucionalizada, na condução das questões públicas, sem discriminação e
em igualdade de oportunidades, observado o seguinte:
I - participação em organizações não governamentais relacionadas à vida pública e à
política do País e em atividades e administração de partidos políticos;
II - formação de organizações para representar a pessoa com deficiência em todos os
níveis;
III - participação da pessoa com deficiência em organizações que a representem,
(BRASIL, 2015).
Com relação ao direito de votar, a nova lei determina como dever do Estado, e da
Justiça Eleitoral, assegurar que os procedimentos, as instalações, os materiais e os
equipamentos para votação sejam apropriados, acessíveis a todas as pessoas e de fácil
compreensão e uso, sendo vedada a instalação de seções eleitorais exclusivas para a pessoa
com deficiência, mencionada norma tem respaldo no princípio da igualdade, visando a inserir
essas pessoas de forma integral na sociedade, abolindo qualquer tipo de descriminação.
Estabelece ainda em seu inciso III, que nas propagandas políticas, em debates
eleitorais e pronunciamentos oficiais da Justiça Eleitoral ou de autoridades, seja verificada a
acessibilidade das pessoas com deficiência às informações, assegurando ―o uso dos seguintes
recursos de subtitulação por meio de legenda oculta; janela com intérprete da Linguagem
Brasileira de Sinais (libras); e audiodescrição‖, como complementa o artigo 67, incisos I, II,
III, do estatuto (BRASIL, 2015). Pertinente a esses dispositivos, a legislação eleitoral já havia
inserido o uso de libras, e legendas, de forma obrigatória na propaganda partidária e na
propaganda eleitoral.
A problemática do tema insurge no inciso IV do supracitado artigo, vez que
possibilita que o votante seja auxiliado por outra pessoa de sua escolha na votação. Esse
dispositivo fere diretamente os dizeres da constituição brasileira, que reconhece inclusive
como clausula pétrea o artigo 60, § 4º, inciso II:
25
Art. 60. [...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
II - o voto direto, secreto, universal e periódico; (BRASIL, 1988).
O referido dispositivo constitucional não pode ser alterado nem mesmo por Proposta
de Emenda à Constituição. Nesse sentido o ex-presidente do supremo tribunal federal, Brito
(2011) entendeu em um julgamento em ação indireta de constitucionalidade:
A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente
chamado de "originário") não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de
ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou
suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez
e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a
necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas.
[ADI 2.356 MC e ADI 2.362 MC, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 25-11-2010, P,
DJE de 19-5-2011.
No plano infraconstitucional ainda temos a previsão do código eleitoral que dispõe a
nulidade do voto quando não respeitado o sigilo conferido ao voto, ―Art. 220. É nula a
votação: [...] IV- quando preterida formalidade essencial do sigilo dos sufrágios (BRASIL,
1965). Portanto, o sigilo do voto é irrelevante para preservação da liberdade do eleitor, no
mais, não há o que se falar em garantias de liberdades de direitos políticos se a respectiva
possibilidade material desse exercício é limitada em alguns casos quando indispensável a o
auxílio de outra pessoa, o que inviabiliza exercício do direito intransferível e pessoal.
Pertinente ressaltar ainda as fraudes que podem ser objeto de grande preocupação no caso
concreto, visto a má fé de pessoas em usar esse artifício para benefício próprio.
4 CONSIDERAÇÃOES FINAIS
O trabalho propôs verificar os impactos jurídicos positivos e negativos trazidos pela
lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), no ordenamento jurídico, que ensejaram
questionamentos acerca do tema. Há de reconhecer que referido estatuto é de grande
importância, representando uma verdadeira conquista social, quando ressalta o princípio da
dignidade da pessoa humana, e promove a inclusão social das pessoas com deficiência na
sociedade, afastando a ideia de desigualdade existente historicamente no contexto social e
cultural.
26
No entanto, no que pese a boa intenção do legislador em promover a liberdade das
pessoas com deficiência, acabou por desamparar outras garantias como no caso dos prazos
prescricionais que agora passam a correr contra essas pessoas a partir de então reconhecidas
como plenamente capazes, portanto aptas aos atos da vida civil, fazendo necessário uma
interpretação relativizada. Outra situação, é o instituto da curatela que sofreu modificações
tanto no estatuto da pessoa com deficiência, quando no novo código de processo civil,
resultando atropelo jurídico que será desvencilhado no caso concreto.
Com relação ao sufrágio, verdadeiro marco e importante direito conferido a essas
pessoas, será indispensável a observância desse diploma quanto ao sigilo do voto, visto a
discordância quando o estatuto estabelece previsão de autorização para auxílio do votante no
momento da votação por pessoa de sua escolha. Ocorre que tal previsão viola diretamente o
artigo 60, parágrafo 4º, inciso II, (BRASIL, 1988), que trata referido artigo como cláusula
pétrea, portanto não passível de alteração mesmo que por proposta de emenda constitucional.
Resultando desse conflito a possibilidade de uma ação direta de inconstitucionalidade desse
dispositivo do estatuto, por violar diretamente a constituição federal.
Consoantes demonstrações, restam claras as situações em que o legislador ignorou a
vulnerabilidade das pessoas com deficiência, e acabou por retirar garantias fundamentais que
asseguravam o verdadeiro equilíbrio das relações com os demais dentro do estado
democrático de direito que dispõe do princípio da igualdade, no entanto busca harmonizar as
relações, sendo possível conferir o entendimento que ―dar tratamento isonômico às partes
significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas
desigualdades‖. (NERY JUNIOR, 2016). Restando a doutrina e jurisprudência preencher as
lacunas e sanar as problemáticas com entendimentos eficazes no caso concreto.
DEFICIENCY DOES NOT GENERATE DISABILITY: AN ANALYSIS OF THE LIGHT OF THE
STATUTE OF THE DISABLED PERSON
ABSTRACT
In this study we started with the Brazilian Law on the Inclusion of Persons with Disabilities
(LBI - Law 13,146 / 15), known as the disability status, published on July 6, 2015, which
brought new rules and new understandings to the institute of disability and Promoting the
guarantee of the rights to liberty, and equality of these persons. The reasoning was structured
based on Law 13,146 / 15, treating in this study the subjective right of the person with
disability and legally protected interests, and the innovations brought that can be harmful,
within the scope of the concrete case. The approach has returned to civil law more deeply in
regard to the major changes that occurred in the institute of incapacity, curatorship, family
27
rights, prescription, among other reflexes brought by the new statute. Also as support
material, the use of the federal constitution of 1989, the Code of Electoral Law with regard to
changes in suffrage that now gives all political rights to disabled people in general. In
addition, doctrinal understandings on the subject will be explored, although it has been
inserted in the legal system recently, is already the object of many controversies and conflicts
in its material content with the constitution and other legal diplomas.
KEYWORDS: Disability. Inability. Innovations.
REFERÊNCIAS
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Processo Civil. Curitiba: Ed. CRV, 2015.
AMARANTE, Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil, Rio de
Janeiro: Fiocruz; 2013, p, 63.
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